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Published by robersons900, 2022-03-17 09:47:51

LIVRO DE HISTORIA

LIVRO DE HISTORIA

Diego Rivera. 1931. Mural. Philadelphia Museum of Art. Foto: Corbis/Latinstock

Cana-de-açúcar, do mexicano Diego Rivera. Na América colonial espanhola havia estreita relação
entre origem e ocupação social: os brancos detinham riqueza, poder e o privilégio de ocupar os
melhores cargos; já os mestiços, indígenas e negros faziam geralmente vários tipos de trabalho
forçado e/ou serviços mais mal remunerados. A obra explora esse aspecto da realidade.

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As lutas sociais na América

Ao longo de todo o período colonial ocorreram na América uma série de levantes e
rebeliões sociais contra o trabalho forçado (a mita e a encomienda) e mal
remunerado, os impostos abusivos cobrados pela Espanha e pela Igreja e a
discriminação vigentes nas sociedades coloniais. Vamos apresentar de forma breve
duas dessas lutas: a Revolta de Túpac Amaru, no atual Peru, e a Revolta dos
Comuneros, na atual Colômbia.

A Revolta de Túpac Amaru

Como parte de sua política colonial, a Coroa espanhola delegava a curacas a
responsabilidade de governar, em nome dela, as populações indígenas do Vice-
Reino do Peru. Esses curacas eram batizados com nomes cristãos e estudavam em
colégios católicos, onde aprendiam valores e conhecimentos presentes na cultura
espanhola.

Curacas: líderes de povoados indígenas, que descendiam de indígenas.

Um desses curacas, José Gabriel Condorcanqui, descendia da nobreza inca e tinha
sido finamente educado, tendo frequentado inclusive a Universidade de São
Marcos, cujo currículo era semelhante ao da universidade espanhola de Salamanca.
Por seu carisma e preparo, Condorcanqui assumiu a liderança de diversos pueblos
(povoados) localizados na província de Tinta, no Vice-Reino do Peru. Cada pueblo
tinha o dever de pagar à Coroa espanhola um imposto e de enviar um certo
número de indígenas para o cumprimento da mita, trabalho forçado realizado
durante uma parte do ano.

Na segunda metade do século XVIII, as autoridades espanholas aumentaram os
impostos cobrados dos pueblos e endureceram o controle sobre esses povoados,
diminuindo, com isso, o poder dos curacas.

Vendo que a opressão sobre os mitayos (trabalhadores obrigados ao cumprimento
da mita) aumentava e que o poder dos curacas tinha diminuído, Condorcanqui
tentou negociar com as autoridades. Solicitou que os índios de seus pueblos não
tivessem mais de cumprir com a mita nas minas de São Luís do Potosí, região alta e
muito fria, na atual Bolívia. Ele justificou seu pedido, argumentando que os mitayos
tinham de caminhar meses para chegar às minas, que adoeciam no caminho e que
abandonavam suas plantações sem cuidados por longo tempo. E acrescentou que,
nas minas, as mortes por soterramento eram frequentes.

Nada disto comoveu os representantes da Espanha; Gabriel Condorcanqui adotou
o nome de Túpac Amaru, nome do último líder da resistência inca aos espanhóis, e
optou então pela revolta. O levante teve início em novembro de

Daniel Lainé/Corbis/Latinstock

Homem peruano segurando o retrato de Túpac Amaru, c. 1997. A cidade de Cuzco, que um dia foi
capital do Império Inca, é hoje considerada Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco.

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1780, com a prisão, seguida de enforcamento, do corregedor Antônio Arriaga,
autoridade colonial responsável pela cobrança de impostos e pela distribuição dos
indígenas nos locais de trabalho.

À frente das forças rebeldes, compostas de dezenas de milhares de indivíduos,
indígenas em sua maioria, Túpac Amaru marchou em direção a Cuzco, antiga
capital inca. Os realistas, no entanto, com reforços chegados de Lima, conseguiram
refrear os rebeldes. Túpac Amaru recuou com sua gente para Tinta, onde chegou a
assinar um documento abolindo a mita e todas as formas de trabalho forçado nas
minas e manufaturas.

Realistas: forças leais à Coroa espanhola.

Em abril, os realistas ajudados por criollos e alguns curacas cercaram os rebeldes
provocando muitas baixas entre eles. A seguir, Túpac Amaru e seus principais
colaboradores sofreram uma emboscada e foram capturados. Em 18 de maio de
1781, Túpac Amaru foi enforcado na praça central de Cuzco, teve sua língua
cortada e seu corpo esquartejado; sua cabeça foi exposta em diferentes pontos da
cidade. A Revolta de Túpac Amaru teve importantes desdobramentos no Vice-
Reino do Peru: os curacas perderam as prerrogativas que tinham e o medo de um
levante da maioria indígena contra uma minoria branca assombrou as elites locais
durante muito tempo ainda. 1

1. Dica! Animação sobre a revolta liderada por Túpac Amaru. [Duração: 2 minutos.] Acesse:
<http://tub.im/bdm2yp>.

A Revolta dos Comuneros

O vice-reinado de Nova Granada também foi palco de uma importante rebelião
social: a Revolta dos Comuneros. Essa revolta está estreitamente ligada à política
fiscal opressiva adotada pela Espanha na América durante o século XVIII. O
estopim da revolta foi um aumento, autorizado pela Espanha em 1780, na lista de
impostos pagos pelos colonos.

Nova Granada: vice-reinado que abrangia os atuais Equador, Colômbia, Venezuela e Panamá.

Agricultores e comerciantes da cidade de Socorro, centro têxtil e fumageiro ao
norte de Bogotá (Colômbia), deram início ao movimento rebelde. Coletores de
impostos foram agredidos, e várias propriedades pertencentes a espanhóis foram
invadidas e saqueadas. A liderança criolla formou uma junta denominada El
Común; daí o nome da revolta. O movimento ganhou corpo quando o líder José
Antonio Galán marchou em direção a Bogotá, centro do poder espanhol, à frente de
15 mil pessoas, indígenas em sua maioria.

Diante da radicalização do movimento, as lideranças criollas negociaram a
rendição com as autoridades espanholas, em junho de 1781. Fortalecidas pela paz

firmada com os criollos e valendo-se da sua superioridade bélica, as forças da
repressão esmagaram a revolta. José Antonio Galán foi enforcado e esquartejado.
Partes do seu corpo foram exibidas nas cidades que participaram desse
movimento. 2 e 3

2. Dica! Documentário sobre a Revolta dos Comuneros. Em espanhol. [Duração: 24 minutos.]
Acesse: <http://tub.im/s6b4rg>.
3. Dica! Documentário sobre o processo de independência da Colômbia. Em espanhol. [Duração:
44 minutos.] Acesse: <http://tub.im/m4k2gj>.

Brasão da cidade de Charalá, Colômbia

O brasão da cidade de Charalá (Colômbia) é uma homenagem ao líder José Antonio Galán e ao
movimento comunero.

Página 180

O caso do Haiti: América francesa

Localização do Haiti e da República Dominicana

Allmaps

Fonte: ATLAS geográfico escolar. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. p. 39.

A ilha de São Domingos está situada no mar do Caribe e foi encontrada por Colombo na sua
primeira viagem à América. Inicialmente ele a denominou Hispaniola; posteriormente, foi
rebatizada com o nome de São Domingos. A porção ocidental da ilha de São Domingos (hoje Haiti)
foi ocupada pelos franceses, e a porção oriental (atual República Dominicana) continuou sob
domínio dos espanhóis.

Os franceses ocuparam a porção ocidental da ilha de São Domingos no século XVII
e lá, utilizando o trabalho de africanos escravizados, montaram grandes fazendas
produtoras de artigos tropicais, como café, algodão, índigo e, especialmente, açúcar
e rum. No fim do século XVIII, a população de São Domingos era formada por mais
de 85% de negros e uma minoria de mestiços e de brancos.
A dominação da minoria de senhores de origem europeia sobre os milhares de
trabalhadores negros se fazia por meio da violência cotidiana e de doses elevadas
de perversidade. A resistência negra na ilha, por sua vez, manifestava-se de
diversas formas, inclusive por meio de fugas coletivas e a formação de quilombos,
chamados na América francesa de gran marronage. Nesse ambiente tenso, em
que os quilombos se multiplicavam, explodiu, em 1791, nas fazendas açucareiras
do norte da ilha, um grande levante escravo liderado por Toussaint L’Ouverture
(“abertura” em francês). Os rebeldes exigiam melhores condições de trabalho nas

plantações e mais tempo para cultivar gêneros agrícolas necessários à
sobrevivência.

Gran marronage: quilombo; comunidade de escravos fugidos. Existiram quilombos por toda a América; na
inglesa recebiam o nome de maroons; na espanhola, palenques; e na francesa, grand marronage (para
diferenciar da petit marronage, nome dado à fuga individual).

Página 181

No início de 1794, um fato novo ocorrido na França acelerou o curso dos
acontecimentos: os jacobinos decretaram o fim da escravidão nas colônias
francesas; essa importante decisão da França revolucionária atingiu em cheio a
escravidão centro-americana. Potencializando a lei abolicionista, os libertos de São
Domingos se mobilizaram para apoiar a ascensão de L’Ouverture ao poder na parte
ocidental da ilha. A seguir, ele e seus homens conquistaram a parte oriental
(pertencente à Espanha), onde também aboliram a escravidão.

No cargo de governador-geral da ilha entre 1794 e 1802, L’Ouverture tentou
reorganizar a economia; mas a oposição, liderada por brancos e mestiços ricos, e a
recusa dos ex-escravos de trabalharem para seus antigos senhores frustraram sua
tentativa.

O processo revolucionário sofreu nova reviravolta com a ascensão de Napoleão
Bonaparte ao poder na França, em 1799. Ele anulou a lei abolicionista e autorizou a
invasão da ilha de São Domingos por um Exército de 25 mil homens. L’Ouverture
foi preso e enviado para a França, permanecendo ali até sua morte, em 1803. Mas,
nos embates que se seguiram, as tropas francesas foram derrotadas e expulsas da
ilha; é que muitos africanos traziam consigo da África a experiência do combate em
pequenos grupos e surpreendiam o adversário graças à grande agilidade no
deslocamento.

A resistência popular na ilha continuou, agora, sob o comando de Jean-Jacques
Dessalines – um ex-escravo que se fez general nas tropas de L’Ouverture. À frente
das tropas de libertação, Dessalines e seus soldados proclamaram a independência
de São Domingos, em 1804, e mudaram o nome da ilha para Haiti, a segunda
nação a conseguir a independência na América e a primeira a combinar
independência e abolição.

Haiti: derivado de ahiti, que, na língua aruaque, significa “terra montanhosa”.

A notícia da vitória dos negros no Haiti logo se espalhou por toda a América,
disseminando o medo entre as elites; no Brasil, esse medo, chamado à época de
haitianismo, foi particularmente intenso, já que cerca de 2/3 da população do país
era composta de negros escravizados.

Manuel Cohen/Image Forum

Busto de Toussaint L’Ouverture (1743-1803), inaugurado em 2005, em Bordeaux (França), obra do
artista Ludovic Booz. L’Ouverture, líder da independência e da luta pela liberdade no Haiti,
destacou-se como estrategista e principal comandante das forças que venceram aqueles que
desejavam restabelecer a ordem étnica e social na ilha de São Domingos.

Dica! Vídeo sobre a revolução escrava que deu origem à atual República do Haiti. [Duração: 6
minutos.] Acesse: <http://tub.im/tu72s5>.

A crise nos domínios espanhóis da América

No início do século XIX, em um curto espaço de tempo, 1808-1826, ocorreram
mudanças significativas na história da América espanhola; o Império Espanhol se
desagregou dando origem a um conjunto de países independentes, com leis e
governos próprios. De um Império imenso originou-se quase duas dezenas de
repúblicas.

Para melhor compreender esse processo de emancipação política das colônias
espanholas na América é preciso recuar à segunda metade do século XVIII e
conhecer as reformas implementadas pelo rei espanhol Carlos III (1759-1788), da
dinastia Bourbon.

Página 182

Anton Raphael Mengs. Museu do Prado. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Carlos III da Espanha, óleo sobre tela, c. 1761.

Disposto a modernizar a Espanha e suas relações com a América espanhola, o
déspota esclarecido Carlos III:
»» impôs monopólios sobre um número crescente de produtos, entre eles o fumo,
as bebidas alcoólicas, a pólvora e o sal; proibiu as plantações de vinhedos e olivais
e ordenou a destruição das manufaturas têxteis (as obrajes) na América;
»» pôs em prática um modelo mais eficiente de taxação e arrecadação de impostos.
Assim, nos últimos 25 anos do século XVIII, as colônias espanholas na América
enviaram para a Espanha, a cada ano, cerca de 10 milhões de pesos em impostos;
»» extinguiu o sistema de portos únicos vigente desde o início da colonização e
autorizou 20 outros portos americanos a comerciarem com a Espanha;
intensificando a circulação de mercadorias, a Monarquia espanhola aumentava o
montante de impostos arrecadados na América;
»» em 1778, visando evitar o contrabando e aumentar ainda mais a arrecadação de
impostos, liberou o livre -comércio entre as colônias espanholas na América, o que,
embora fosse prática corrente, não era permitido pela metrópole. Os comerciantes
espanhóis e seus representantes nas colônias se consideraram prejudicados pela
decisão do monarca, pois iriam perder os lucros que o exclusivo comercial
metropolitano lhes proporcionava. Os criollos, por sua vez, consideraram a medida
insuficiente pois almejavam o livre-comércio com todos os países do mundo.

Ao mesmo tempo em que a Monarquia espanhola aumentava o controle sobre suas
colônias americanas, dificultava a ascensão social dos criollos. Nas sociedades
hispano-americanas, os principais cargos no governo, no Exército e na Igreja eram
reservados aos chapetones. No México de 1808, por exemplo, havia apenas um
bispo criollo. Os criollos, mesmo sendo ricos, eram impedidos de ocupar tais
cargos.
Desde o início da colonização, as sociedades coloniais hispânico-americanas
apresentavam uma hierarquia rígida; o lugar de cada pessoa era dado basicamente
pelo nascimento. Os indígenas pagavam um tributo específico ao rei e estavam
submetidos a diversas formas de trabalho forçado. Embora não fossem a mão de
obra predominante, os negros escravizados estavam distribuídos por toda a
América espanhola; em maior número nas plantações do Caribe, nas costas da
Venezuela e nas minas de ouro da Colômbia. Índios, negros e mestiços faziam os
trabalhos mais pesados e eram discriminados por sua origem e cor. Os
peninsulares e os criollos detinham riqueza, poder e privilégio.

Escola espanhola. C. 1750. Painel. Nuestra Senora de Copacabana, Lima. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Casamento duplo entre dois colonos nascidos na Espanha (chapetones) e duas mulheres incas, c.
1750. No canto superior esquerdo, o artista representou familiares das noivas e, no canto superior
direito, familiares dos noivos.

Página 183

As tropas de Napoleão invadem a Espanha

As sociedades hispano-americanas estavam assim organizadas quando, em 1808,
um fato novo contribuiu para mudar o curso de suas histórias: as forças de
Bonaparte invadiram a Espanha, prenderam o rei Fernando VII e impuseram ao
país um novo governo, liderado por José Bonaparte, irmão de Napoleão.
Em Madri, os espanhóis pegaram em armas para resistir aos franceses, mas foram
reprimidos com muita violência.

Francisco Goya. Séc. XIX. Água-forte. Coleção particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

“E eles são como bestas selvagens”, prancha 5 da série Os desastres da guerra, de Francisco Goya
(1746-1828). Esse artista espanhol, que viveu na época das guerras napoleônicas, representou a
luta das mulheres espanholas na resistência aos invasores franceses. Em primeiro plano, vemos
uma mulher carregando e protegendo uma criança com a mão esquerda, enquanto combate o
invasor com a mão direita, munida de uma lança apenas.

Diante da repressão, a resistência espanhola deslocou-se para Cádiz, no sul da
Espanha. E lá convocou as Cortes Constituintes para elaborar uma Constituição
para a Espanha. As Cortes incluíam deputados da Espanha e da América espanhola
e tomaram decisões importantes para todos os súditos da realeza. Merece menção
a fala do deputado mexicano Mejia Lequerica na abertura dos trabalhos; ele pediu:
“que a assembleia não se dissolvesse e seus membros não se separassem antes de
elaborar uma Constituição”. E assim foi feito. A Constituição aprovada em Cádiz,
em 1812:
»» reconheceu Fernando VII como o legítimo rei da Espanha;
»» substituiu a Monarquia Absolutista pela Monarquia Constitucional; limitou,
assim, a autoridade do rei determinando que, a partir de então, toda lei precisava
da aprovação das Cortes;
»» extinguiu o Tribunal da Santa Inquisição, instrumento usado pela Igreja Católica
para exercer sua dominação e punir aqueles que contrariavam seus dogmas;

»» estabeleceu a liberdade de imprensa e a inviolabilidade de domicílio;
»» aboliu o tributo pago pelas comunidades indígenas da América e o trabalho
forçado, a exemplo da mita;
»» conferiu o direito de voto a todos os homens independentemente de serem
ricos, pobres ou analfabetos.
A Constituição de Cádiz representou um avanço com relação aos direitos da pessoa
e influenciou as constituições feitas posteriormente na América independente.
Com relação às colônias americanas, no entanto, manteve a desigualdade de
direitos na representação política.

Cortes Constituintes: nome dado ao Parlamento, isto é, ao conjunto de deputados encarregados de fazer
leis que regeriam a sociedade e limitariam o poder do rei.

DIALOGANDO

Goya definiu a guerra como uma derrota da humanidade. E para você, o que é a guerra?

Resposta pessoal. Professor: a intenção aqui é chamar a atenção para o lado absurdo e trágico presente em todas as
guerras, contribuindo com isso para a disseminação de uma cultura da paz, tal como pretendido pela ONU.

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As guerras da independência na América

Assim que chegou à América a notícia de que o trono espanhol estava sem seu
legítimo rei por causa da invasão napoleônica, os criollos reagiram formando
Juntas Governativas e exércitos para lutar pela independência.

Juntas Governativas: governos locais autônomos formados a partir dos cabildos (câmaras municipais
amplamente dominadas pelos criollos).

As guerras de independência entre os insurgentes e os realistas podem ser
divididas em duas fases:

»» Na primeira fase, de 1810 a 1815, os habitantes das colônias, liderados pelos
criollos em cidades como Caracas, Buenos Aires, Bogotá e Santiago, formaram
exércitos e obtiveram importantes vitórias contra os realistas. Naqueles anos, as
forças de Bonaparte controlavam a maior parte do território espanhol e as
lideranças espanholas estavam concentradas na expulsão dos franceses de seu
território;

»» Já a segunda fase, de 1815 a 1824, começou quando o rei Fernando VII – que
reassumira o trono espanhol com a queda de Napoleão – anulou a Constituição de
Cádiz, reestabeleceu o absolutismo e enviou para a América uma grande expedição
com 10 mil homens e 18 navios de guerra para reprimir os movimentos pela
independência.

San Martín e Bolívar

José de San Martín liderou o chamado Exército dos Andes, formado por mais de 5
mil homens. Esse Exército foi responsável pela libertação da Argentina (1816) e,
em seguida, após vencer as batalhas de Chacabuco e Maipu, libertou também o
Chile (1818), que passou a ser presidido por Bernardo O’Higgins, cabeça do
movimento de independência chileno.

Anos depois, o Exército dos Andes desembarcou no Peru, protegido pelos navios
ingleses sob o comando de Thomas Cochrane, e colaborou para a independência
daquele país (1821).

Thomas Cochrane: almirante inglês que também participou das lutas para garantir a emancipação política
do Brasil.

Dica! Vídeo didático abordando as ações do Exército dos Andes. Em espanhol. [Duração: 4
minutos.] Acesse: <http://tub.im/urnrkk>.

Outra importante figura das guerras de independência na América foi a do general
venezuelano Simón Bolívar. Veja o que duas historiadoras dizem sobre ele:

Para saber mais

Simón Bolívar

[…] Simón Bolívar também teve uma vida repleta de peripécias. Nasceu em Caracas, em 24 de
julho de 1783, filho de uma rica e tradicional família de fazendeiros de cacau. Órfão desde
muito cedo, foi criado pelo avô, que lhe proporcionou uma esmerada educação de inspiração
liberal […]. Como era comum entre os criollos mais ricos, viajou várias vezes à

Página 185
Europa, tendo passado por França, Itália e Espanha. Neste último país, casou-se com Maria
Tereza del Toro que, após oito meses de casada, faleceu em terras venezuelanas, de febre
amarela, para grande desgosto do marido.
Entre idas e vindas da Europa, instalou-se definitivamente na Venezuela, em 1807,
envolvendo-se, desde o início, nos movimentos pela independência.
[...]
As vitórias e derrotas das forças rebeldes lideradas por Simón Bolívar, no norte da América do
Sul, demonstravam a dificuldade da Espanha em vencer os rebeldes e os obstáculos que estes
enfrentavam para manter as conquistas. Depois da restauração de Fernando VII, como já foi
indicado, chegou a Nova Granada a grande expedição do general Pablo Morillo para
reconquistar os territórios perdidos. A repressão foi muito violenta, indicando num primeiro
momento que esta era a estratégia correta. [...] Bolívar e seus generais reorganizaram os
exércitos e iniciaram a virada no tabuleiro da guerra, prometendo a alforria aos escravos que
se alistassem e terra aos soldados do exército. [...]
Diferentemente de San Martín, Bolívar envolveu-se fortemente com as questões do poder
político. Exerceu cargos executivos, trabalhou na elaboração de textos constitucionais e deixou
muitas cartas e outros escritos versando sobre temas políticos diversos, carregados de ideias e
propostas. [...] Bolívar sofreu atentados à sua vida, mas saiu ileso. Em uma das vezes, foi salvo
por Manuela Sáenz, sua última companheira. Nascida em Quito, Manuela deixou o marido para
seguir Bolívar. Já em vida era conhecida por sua iniciativa, coragem e lealdade ao general.

PRADO, Maria Lígia C.; SOARES, Gabriela P. História da América Latina. São Paulo: Contexto, 2014. p. 31-33.

Autor desconhecido. Retrato de Simón Bolívar. Séc. XIX. Ilustração. Coleção particular. Foto: Bettmann/Corbis/Latinstock

Simón Bolívar liderando suas tropas, século XIX.

Autor desconhecido. Retrato de Manuela Sáenz. C. 1820. Óleo sobre tela. Coleção particular. Foto: José Caruci/AP Photo

Pintura de Manuela Sáenz, c. 1820. Ela lutou ao lado de Bolívar pela independência na América
espanhola. Hoje é vista por muitos latino-americanos como uma das heroínas dos movimentos
independentistas na América.

Página 186

A exemplo do que fizera San Martín, Simón Bolívar atravessou a Cordilheira dos
Andes à frente de um exército regular e conquistou Bogotá, em 1819. Dois anos
depois, proclamou a República da Grã-Colômbia (Colômbia, Venezuela e Equador),
da qual se tornou presidente. Mas ao contrário do que desejou Bolívar, essa
unidade política se fragmentou e se formaram então as repúblicas da Colômbia, da
Venezuela e do Equador.

Em 1822, as forças de Simón Bolívar e de José de San Martín se encontraram em
Guayaquil, no Equador, para discutir a estratégia de combate e a liderança nas
lutas contra as tropas espanholas alojadas no Vice-Reino do Peru. O teor da
conversa entre eles ainda hoje é um mistério; mas sabe-se que Simón Bolívar
assumiu a liderança das guerras de independência na região. Acompanhado do
general Antônio Sucre colaborou para a consolidação da independência do Peru,
em 1824, e a conquista da independência da Bolívia, em 1825. 1 e 2

1. Dica! Narrativa da vida de Simón Bolívar. [Duração: 10 minutos.] Acesse:
<http://tub.im/kg2yhj>.

2. Dica! Vídeo sobre a vida de José de San Martín. [Duração: 10 minutos.] Acesse:
<http://tub.im/5vov7s>.

Para refletir

O projeto de Bolívar era ver formar-se na América uma confederação
republicana, isto é, uma associação de Estados independentes unidos por
objetivos de cooperação e defesa. Na célebre Carta da Jamaica, em 1815, Bolívar
escreveu:

É uma ideia grandiosa pretender formar de todo o Novo Mundo uma única nação com um
único vínculo que ligue as partes entre si com o todo. Já que tem uma só origem, uma só língua,
mesmos costumes e uma só religião, deveria, por conseguinte, ter um só governo que
confederasse os diferentes Estados que haverão de se formar.

BOLÍVAR, Simón. In: WASSERMAN, Cláudia (Coord.). História da América Latina: cinco séculos. Porto Alegre: UFRGS,
2000. p. 165.

Ariana Cubillos/AP Photo/Glow Images

Pedestres à frente de um mural representando Simón Bolívar, visto como herói no imaginário
popular venezuelano. Caracas, Venezuela, 2008.

a) O que Bolívar defende nesse trecho da carta?

a) Bolívar defende a formação de uma só nação em toda a América (Novo Mundo); uma grande República federativa
obediente a um só governo.

b) Que argumentos Bolívar utiliza em defesa de sua ideia?

b) O fato de os hispano-americanos terem origem, língua, costumes e religião comuns.

c) Em tempos recentes, governantes da Venezuela, como Hugo Chávez e Nicolás
Maduro, utilizaram o legado de Bolívar na sua política externa. Por que eles teriam
agido assim?

c) Hugo Chávez e Nicolás Maduro utilizavam a força do mito bolivariano para legitimar suas políticas externas de crescente
oposição aos Estados Unidos. Evocando ideais bolivarianos, defendiam a integração econômica e militar entre os países
latino-americanos. O mito bolivariano tem uma penetração enorme entre as camadas populares da Venezuela.

Página 187

O caso do México

A primeira tentativa de emancipação política na América espanhola ocorreu no
Vice-Reino da Nova Espanha, em 1810, e foi liderada por Miguel Hidalgo, padre
do pequeno povoado de Dolores, próximo às minas de Guanajuato. À frente de
milhares de camponeses, o padre iniciou uma rebelião contra o domínio espanhol
que clamava por independência e terra para os pobres (inclusive as da Igreja). Nas
suas marchas reivindicatórias em direção à Cidade do México, os rebeldes
ostentavam estandartes de Nossa Senhora de Guadalupe, uma virgem mestiça,
morena como milhões de nativos do México.

Vice-Reino da Nova Espanha: unidade administrativa fundada em 1535; era a parte mais rica do Império
Espanhol na América.

Os rebeldes venceram os realistas por diversas vezes e libertaram algumas cidades
nas quais o padre Hidalgo determinou o fim da escravidão negra e dos tributos
indígenas, a exemplo da mita.

Dica! Vídeo sobre a vida de Miguel Hidalgo. [Duração: 8 minutos.] Acesse:
<http://tub.im/udscxv>.

Na repressão ao movimento, parte da elite criolla uniu-se uma vez mais aos
realistas e ajudou a esmagar a revolta. O padre Hidalgo foi preso e fuzilado em
julho de 1811. A luta pela independência prosseguiu, então, sob a liderança de um
outro padre, José Maria Morellos. Ele propunha que se dividissem a terra e o
dinheiro dos mais ricos entre os vizinhos pobres do mesmo povoado. A adesão de
grande quantidade de indígenas e camponeses (cerca de 80 mil) às forças de
Hidalgo e Morellos se explica pela pobreza extrema em que vivia a maioria da
população. Esse movimento popular também foi vencido, e o padre Morellos,
fuzilado em 1815.

Esmagada a revolta indígena e popular, a luta por independência continuou, mas
sob a liderança da elite criolla. Depois de anos de lutas, nas quais morreram cerca
de 1 milhão de pessoas, a independência foi obtida (1821). A conquista resultou de
um acordo entre as elites locais, sob o comando do coronel Agustín de Iturbide,
que não por acaso havia liderado a repressão aos seguidores de Hidalgo e Morellos.
Aproveitando-se da situação, Iturbide deu um golpe de Estado e proclamou-se
imperador, com o título de Agustín I. Pouco tempo depois, no entanto, os criollos o
depuseram e proclamaram a República mexicana.

O projeto de independência vitorioso era favorável aos criollos locais. No México
independente, a concentração da riqueza e da terra manteve-se inalterada; a
maioria da população continuou excluída do direito à cidadania.

A América Central esteve unida ao México até 1824, quando proclamou sua
independência com o nome de Províncias Unidas da América Central.

Posteriormente, sob forte pressão inglesa e estadunidense, a região se fragmentou
em pequenas repúblicas: Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Costa
Rica.

Juan O’Gorman. Séc. XIX. Mural. Coleção particular. Foto: The Granger Collection/Glow Images

Detalhe da pintura mural de Juan O’Gorman, contando em linguagem pictórica a luta dos indígenas
e camponeses mexicanos liderados pelo padre Hidalgo. Repare que eles carregam um estandarte
com a imagem da Virgem de Guadalupe, que hoje é um dos símbolos do México.

Página 188

De acordo com a maioria dos analistas, a independência política beneficiou,
sobretudo, os criollos, que lideraram o processo de lutas e, ao mesmo tempo,
definiram os limites dessa “independência”. Enquanto as elites dos novos países se
ocupavam da grande política, a maioria, formada de pessoas pobres, mantinha a
esperança de que os tempos que se abriram com a independência lhes trouxessem
melhores condições de vida, acesso à terra e participação política. Os povos
indígenas e de origem africana e seus descendentes integram essa maioria, que
continua lutando por melhores condições de vida, direitos sociais e cidadania
plena.

Earl Leaf/Michael Ochs Archive/Getty Images

Descendentes de quilombolas tocando banjo e flauta (ao centro) em um remanescente quilombo
localizado na Jamaica, em uma fotografia de 1946. A Jamaica, assim como o Haiti, recebeu uma
grande quantidade de africanos escravizados que foram trazidos para trabalhar nas plantações e
nos engenhos de cana-de-açúcar de seus donos.

Danny Lehman/Corbis/Latinstock

Indivíduos quíchua, povo que já habitava o Vice-Reino do Peru nos tempos de Túpac Amaru. O
quíchua, falado nos Andes desde a época do Império Inca, é hoje uma das línguas oficiais do Peru.
Fotografia de 2001.

Independências e fragmentação

No Congresso do Panamá, em 1826, Simón Bolívar continuou lutando pela unidade
latino-americana. No entanto, ela não se concretizou; o que se viu foi a formação de
uma América fragmentada, dividida em 19 Estados nacionais (1830), cada qual
com um governo próprio. A fragmentação da América em diversas repúblicas tem
sido tema de debates entre os historiadores; as razões mais citadas para explicar
essa fragmentação são três:

Página 189

»» os conflitos de interesses entre as elites criollas;
»» a força dos caudilhos, chefes políticos ou militares locais, com grande poder
em sua localidade ou província;
»» e as pressões da Inglaterra pela fragmentação da América em várias repúblicas.
Independências na América Latina

Allmaps

Fonte: DUBY, Georges. Atlas Historique Mondial. Paris: Larousse, 2011. p. 243.

A América espanhola se fragmentou em diversas repúblicas, enquanto na América portuguesa, o
Brasil independente manteve a Monarquia e a unidade territorial.

Nos novos Estados latino-americanos, a instabilidade política, a pobreza e a
exclusão social e a força das elites locais facilitaram a emergência da figura do
caudilho.

Caudilhos: a historiografia recente entende que o poder do caudilho se constrói por meio de relações nos
níveis local, nacional e internacional e se fortalece em contextos históricos específicos nos quais as instituições
políticas são frágeis. Uma das características importantes do caudilhismo é o clientelismo – relações pessoais
que indivíduos com riqueza, poder e prestígio elevados mantêm com outros relativamente pobres e sem
prestígio social. O cliente, um peão, por exemplo, busca conseguir de seu patrão proteção política e econômica
e oferece, em troca, sua força de trabalho e lealdade.

Por vezes, os caudilhos conseguiram reunir sob seu comando as forças de uma
região e, até mesmo, de toda uma república. Foi esse o caso da Argentina, onde
após a independência, a disputa pelo poder político opôs os unitários (favoráveis a
centralização) aos federalistas (que defendiam a autonomia das províncias). As
divergências entre eles se desdobraram em guerras civis intermitentes. Lá, a
presença de caudilhos à frente de grupos armados impediu a organização de um
Estado nacional centralizado até 1862, quando Bartolomeu Mitre assumiu a
Presidência do país como um todo.

Dica! Documentário sobre os 200 anos da independência dos países latino-americanos. [Duração:
202 minutos.] Dividido em duas partes. Para a primeira parte, acesse: <http://tub.im/7n6wwh>.

Página 190

ATIVIDADES

ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando

1. Leia as fontes 1 e 2 com atenção.

››Fonte 1

Na porção ocidental da ilha de São Domingos, os franceses montaram grandes fazendas
(plantations) com mão de obra de africanos escravizados. Os produtos café, algodão, açúcar e rum,
entre outros, eram vendidos ao exterior com grande lucro.

››Fonte 2

POPULAÇÃO DE SÃO DOMINGOS FINAL DO SÉCULO XVIII

Etnia População Em %

Negros 500 mil 87,75%

Mestiços 30 mil 5,25%

Brancos 40 mil 7,00%

Total 570 mil 100%

DONGHI, Halperin. Fonte: GUAZZELLI, César A. B. In: WASSERMAN, Cláudia (Coord.). História da América Latina:
cinco séculos. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 134.

a) O que se pode concluir pela leitura da fonte 2?

1. a) Que, no final do século XVIII, a imensa maioria da população da ilha de São Domingos era formada por negros
escravizados (87,75%). Mestiços e brancos juntos somavam apenas 12,25%.

b) Que conclusão se pode tirar comparando a fonte 1 à fonte 2?

1. b) Que a maioria negra era oprimida pela minoria branca, o que tornava a vida social tensa. Professor: entre os franceses
e os africanos escravizados havia fortes divergências por motivos étnicos e também socioeconômicos.

2. (Unemat-MT – 2014)

A Revolução Francesa foi, de fato, um conjunto de acontecimentos suficientemente poderoso e
universal em seu impacto para ter transformado o mundo permanentemente [...] Metade dos
sistemas legais do mundo está baseado na codificação legal que a Revolução implantou [...] A
Revolução Francesa deu aos povos a noção de que a histó ria pode ser mudada por sua ação.
Deu-lhes o que até hoje permanece como a mais poderosa divisa jamais formulada para
política da democracia e das pessoas comuns que ela inaugurou: “liberdade, igualdade,
fraternidade”.

HOBSBAWM, Eric. Ecos de Marselhesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 124-125.

Qual país latino-americano teve sua independência influenciada pela Revolução Francesa?

a) Espanha

b) Brasil

c) Estados Unidos

d) Austrália

e) Haiti

2. Resposta: e.

3. (UFPI)

[...] todos os brasileiros, e sobretudo os brancos, não percebem suficientemente que é tempo
de se fechar a porta aos debates políticos [...]. Se se continua a falar dos direitos dos homens, da
igualdade, terminar-se-á por pronunciar a palavra fatal: liberdade, palavra terrível e que tem
muito mais força num País de escravos que em qualquer outra parte [...]

In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972. p. 482.

O texto acima, escrito provavelmente por volta de 1823/1824, é parte de uma carta sobre a
independência do Brasil, enviada por um observador europeu a D. João VI.

Leia com atenção o texto e, a seguir, assinale a alternativa que expressa a configuração social do
processo brasileiro de independência.

a) A democracia racial, decorrente de uma intensa miscigenação durante o período colonial,
contribuiu para conciliar, logo nos primeiros anos do Império, os interesses dos distintos grupos
sociais.

b) A “solução monárquica”, através da qual a jovem nação optava por afastar-se de seus vizinhos
americanos e adotar modelos políticos europeus, foi historicamente necessária como instrumento
de conciliação das raças no Brasil.

Página 191

c) O “haitianismo”, temor da elite branca brasileira de que se repetisse no Brasil uma revolução
negra, tal qual ocorrera no Haiti, limitou as bases sociais da independência e justificou
manifestações como essa da carta transcrita.

d) Em razão de temores como aquele expresso na carta citada, a independência fez-se acompanhar
de um processo crescente de enfraquecimento da escravidão. Os mesmos grupos que lideraram o
processo de independência liderariam, anos depois, a abolição da escravatura.

e) O temor expresso na carta é infundado, pois além de contar com um número pequeno de
escravos à época da independência, as relações entre os escravos e seus senhores, no Brasil, sempre
foram cordiais, decorrendo justamente disso a noção de “democracia racial”.

3. Resposta: c.

4. (Unicamp-SP – 2016)

As revoluções de independência na América hispânica foram, ao mesmo tempo, um conflito
militar, um processo de mudança política e uma rebelião popular.

Rafael Rojas. Las repúblicas de aire. Buenos Aires: Taurus, 2010. p. 11.

São características dos processos de independência nas ex-colônias espanholas na América:

a) o descontentamento com o domínio colonial e a agregação de grupos que expressavam a
heterogeneidade étnica, regional, econômica e cultural do continente.

b) o caudilhismo, sob a liderança política criolla, e o discurso revolucionário de uma nova ordem
política, que assegurou profundas transformações econômicas na América.

c) o uso dos princípios liberais de organização política republicana e a criação imediata de
exércitos nacionais que lutaram contra as forças espanholas.

d) a participação de indígenas e camponeses, determinante para a consolidação do processo de
independência em regiões como o México, e sua ausência nas ações comandadas por Bolívar.

4. Resposta: a.

5. (Unesp-SP – 2015)
Era o fim. O general Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios ia embora
para sempre. Tinha arrebatado ao domínio espanhol um império cinco vezes mais vasto que as
Europas, tinha comandado vinte anos de guerras para mantê-lo livre e unido, e o tinha
governado com pulso firme até a semana anterior, mas na hora da partida não levava sequer o
consolo de acreditarem nele. O único que teve bastante lucidez para saber que na realidade ia
embora, e para onde ia, foi o diplomata inglês, que escreveu num relatório oficial a seu
governo: “O tempo que lhe resta mal dá para chegar ao túmulo.”

Gabriel García Márquez. O general em seu labirinto, 1989.

O perfil de Simón Bolívar, apresentado no texto, acentua alguns de seus principais feitos, mas deve
ser relativizado, uma vez que Bolívar

a) foi um importante líder político, mas jamais desempenhou atividades militares no processo de
independência da América Hispânica.

b) obteve sucesso na luta contra a presença britânica e norte-americana na América Hispânica, mas
jamais conseguiu derrotar os colonizadores espanhóis.

c) defendeu a total unidade das Américas, mas jamais obteve sucesso como comandante militar nas
lutas de independência das antigas colônias espanholas.

d) teve papel político e militar decisivo na luta de independência da América Hispânica, mas jamais
governou a totalidade das antigas colônias espanholas.

e) atuou no processo de emancipação da América Hispânica, mas jamais exerceu qualquer cargo
político nos novos Estados nacionais.

5. Resposta: d.

Página 192

II. Leitura e escrita em História

a. Leitura de imagem

A imagem é um detalhe da pintura mural de Diego Rivera intitulada Guerra de independência do
México. Observe-a com atenção.

Diego Rivera. La guerra de la independencia de México. 1810. Mural. Palácio Nacional, México, DF.

a) Quem são os padres que ocupam o centro da cena e quem é o imperador retratado no canto
esquerdo?

a) Os padres representados ao centro são Miguel Hidalgo e José Maria Morellos, que, na visão do pintor, foram importantes
vultos da independência no México; no canto esquerdo, vemos o imperador Iturbide.

b) Como esses personagens estão representados?

b) Padre Hidalgo, o personagem central, traz na mão direita uma corrente partida (que representa a liberdade obtida com o
fim do domínio colonial espanhol), e, na mão esquerda, um estandarte com a imagem da Virgem de Guadalupe. À direita de
Hidalgo está o padre Morellos, com o braço direito estendido como quem aponta o caminho a seguir: o da libertação, o da
independência; gesto idêntico faz a personagem-soldado que está um pouco abaixo, vestindo armadura e portando uma
espada na mão direita e uma espingarda na esquerda; além disso, ele aponta para os camponeses armados à sua frente (e de
costas para o observador) o caminho a seguir. Finalmente, o imperador Iturbide, no canto esquerdo do mural e com uma
coroa na cabeça, é mostrado com o olhar parado, como um simples coadjuvante; alguém sem importância no rumo dos
acontecimentos.

c) Há ainda na parte inferior do mural uma cena que merece destaque. Qual é ela?

c) Na parte inferior do mural e ao centro está uma águia com uma cobra presa ao bico. Essa figura era, segundo a crença dos
sacerdotes astecas, um sinal dos deuses de que ali onde estava a águia era o local onde os astecas tinham de fundar a cidade
de Tenochtitlán (atual Cidade do México). Hoje, a figura da águia com a serpente em seu bico é um símbolo da nação
mexicana e está, inclusive, em sua bandeira.

d) Pesquise e escreva um pequeno texto sobre esse mural e seu autor.

d) A pintura intitulada Guerra de independência do México faz parte de um conjunto de murais em que o artista se propôs a
contar a história mexicana, desde antes da chegada dos espanhóis até o presente; e incluiu na sua narrativa imagens do
futuro mexicano. Diego Rivera (1886-1957) iniciou essas obras murais no Palácio Nacional da Cidade do México, centro do
poder político mexicano, em 1929, e as retomou diversas vezes entre 1935 e 1945, e no início dos anos de 1950. Já se disse
que uma obra de arte revela mais sobre o momento histórico em que foi feita do que sobre a história que pretendeu narrar.
Nesse sentido, esse mural de Diego Rivera é exemplar. De um lado, expressa a visão do Partido Comunista do México em
1929, que defendia a aliança operário-camponesa para fazer a revolução; de outro, a ideia do artista de que o movimento
pela independência, iniciado com Hidalgo e Morellos, em 1810, tinha finalmente chegado ao poder; daí vermos, no alto (à
esquerda), dois presidentes mexicanos (Obregón e Calles), e, à direita deles, três líderes populares.

b. Leitura e escrita de textos

Vozes do Presente

O texto a seguir é da historiadora Maria Lígia Prado.

Em busca da participação das mulheres nas lutas pela independência política da América
Latina

[...]

Algumas conclusões preliminares podem ser apresentadas; em primeiro lugar, a participação
política das mulheres durante as lutas pela independência precisa ser levada em consideração,
pois sua presença e comportamento estão muito além do que a historiografia até hoje apontou.
[...]

Em segundo lugar, ressalte-se que a despeito dessa atuação bastante visível, em nenhum dos
países latino-americanos operou-se a transformação de uma dessas mulheres em heroína
nacional [...]. As homenagens e o reconhecimento oficial da participação das mulheres como
“fundadoras da pátria” são extremamente restritos. A mais destacada, neste particular, parece
ser a boliviana, Juana Azurduy de Padilla; no aeroporto de Sucre que também leva seu nome –
ganhou uma estátua que a representa montada a cavalo, ameaçando os realistas com ar
desafiador. [...]

Página 193

Finalmente, uma observação sobre a questão de seu comportamento político. O que mais me
chamou a atenção foi a transformação de mulheres rebeldes, que desafiaram as instituições
mais poderosas – as metrópoles e a Igreja – em modelos exemplares de “bom” comportamento.
Josefa Dominguez, “La Corregidora”, por exemplo, “desobedeceu” o marido [...]. Leona Vicário
fugiu do convento onde estava presa, auxiliada por três oficiais rebeldes [...]. Maria Quitéria
escapou de sua família para se vestir de homem e lutar como soldado, numa decisão
premeditada e consciente. Em uma palavra, foram mulheres rebeldes, insubordinadas, agindo
fora das regras e das normas, que ganharam respeitabilidade, transformadas em modelos de
esposas e mães, glorificadas por todas as virtudes cristãs intimamente trançadas com as
virtudes patrióticas. [...]

Marco Ugarte/AP Photo/Glow Images

A fotografia é do detalhe de um mural que se encontrava no Palácio Nacional do México, em 2010.
Os três homens, da esquerda para a direita, são Ignacio Jesus Allende, Miguel Hidalgo e José Maria
Morellos, e todos eles lutaram pela independência do México. Entre eles há uma única mulher:
Leona Vicário, pessoa de posses que auxiliou os rebeldes com dinheiro e informações, tendo sido
presa por sua participação nas lutas pela independência.
Em uma palavra, foi esquecido ou ocultado que as mulheres participantes dos movimentos
pela independência atuaram num circuito claramente identificado como o da política,
motivadas por ideias, sentimentos e crenças que as levaram a romper com os padrões sociais e
religiosos vigentes. Sua notável coragem – especialmente nos momentos trágicos da prisão e
condenação – indica que estavam preparadas para aceitar as consequências das escolhas
efetuadas.

PRADO, Maria Lígia C. Em busca da participação das mulheres nas lutas pela independência política da América
Latina. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 12, n. 23/24, p. 77-90, set. 1991-ago. 1992. Disponível em:
<www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=3713>. Acesso em: 11 abr. 2016.

a) Quanto ao gênero, o texto é informativo, argumentativo ou de ficção?
b) A que conclusões a leitura do texto permite chegar considerando o que está explícito?
c) A que conclusão a leitura permite chegar considerando o que está implícito (subentendido)?
Lembrar que os silêncios de um texto podem ser tão ou mais importantes do que aquilo que é dito.

PROFESSOR, VER MANUAL.



Página 194

Capítulo 10 Emancipação política do
Brasil

Professor: a questão de saber se a obra Independência ou Morte!, do brasileiro Pedro Américo, é um plágio do quadro A
Batalha de Friedland, do francês Ernest Meissonier, divide os estudiosos. A historiadora Cláudia Valladão de Mattos, por
exemplo, acentua a semelhança da composição de Independência ou Morte! com a versão de A Batalha de Friedland e lembra
que Pedro Américo representa Dom Pedro como um estadista que, assim como Napoleão, não mede esforços para realizar
seu ideal. Já para a historiadora Myoko Makino, do Museu Paulista, a acusação de plágio é exagerada. As semelhanças entre
as duas obras teriam ocorrido porque ambas seguiram o padrão da época para pinturas históricas. Makino lembra que o
próprio Meissonier chegou a ver o quadro de Pedro Américo e a elogiar a sua técnica. De uma forma ou de outra, na obra de
Pedro Américo há elementos fictícios: em vez de mulas, usadas na época para viagens longas, Pedro Américo pintou cavalos
imponentes; no lugar de roupas amarrotadas, uniformes impecáveis; e introduziu o agrupamento de soldados (de uniforme
branco) da Guarda Imperial, que, na época, ainda não tinha sido criada. Esses elementos todos contribuíram para construir a
imagem de heroísmo de Dom Pedro, fixar uma memória da fundação da pátria e, ainda, amenizar a crise real vivida por um
Império que se aproximava do fim.

Observe com atenção estas duas imagens. Compare o gesto da personagem central,
a posição do cavalo, o agrupamento de soldados em círculo com suas espadas
erguidas, entre outros aspectos.

Jean-Louis Ernest Meissonier. c. 1875. Óleo sobre tela. Metropolitan Museum of Art, Nova Yorque

A Batalha de Friedland, tela pintada pelo artista francês Ernest Meissonier em 1875.

Pedro Américo. 1888. Óleo sobre tela. Museu Paulista da USP, São Paulo

Independência ou Morte!, tela pintada pelo artista brasileiro Pedro Américo em 1888.

Agora responda:

»» O quadro do brasileiro, feito 13 anos depois do quadro do
artista francês, pode ser considerado um plágio?
»» Ou será que ambos seguiram o padrão da época para pinturas
históricas?
»» Como você chegou à sua conclusão?

Página 195

Nos capítulos anteriores, acompanhamos a crise do Antigo Regime e do sistema
colonial na América espanhola. Neste, vamos ver como se desenrolou essa crise em
Portugal e na América portuguesa.

Vimos que, ao se libertar do domínio espanhol, em 1640, Portugal aliou-se à
Inglaterra, assinando com ela uma série de acordos que acabaram por subordinar a
economia portuguesa aos interesses ingleses. Um deles foi o Tratado de Methuen
(1703), pelo qual a Inglaterra facilitava a entrada do vinho português nos seus
mercados e Portugal, em troca, permitia a livre entrada dos artigos de lã inglesa.
Assim, o Tratado de Methuen inibiu as manufaturas de tecidos portugueses e, além
disso, colaborou para que a dívida portuguesa com a Inglaterra fosse crescendo.
Boa parte dessa dívida foi paga com o ouro e os diamantes extraídos do Brasil. Se,
por um lado, isto favoreceu o desenvolvimento industrial da Inglaterra, por outro,
aumentou o déficit da balança comercial portuguesa.

A administração de Pombal

No reinado de D. José I (1750-1777), o ministro e homem forte do governo foi
Sebastião José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal, cuja política à frente do
Estado português ficou conhecida como Reformismo Ilustrado. Pombal empenhou-
se em fortalecer a economia e o Estado e tirar Portugal da posição de inferioridade
em que se encontrava em relação a outros países europeus. Para isso, tomou uma
série de medidas que afetaram fortemente Portugal e sua colônia na América, o
Brasil. Eis algumas dessas medidas:

»» incentivou o comércio ultramarino português com o objetivo de acumular e
reter capital em seu país;

»» criou empresas manufatureiras geridas diretamente pelo Estado português;

»» protegeu os mercadores portugueses da concorrência, constituindo
companhias privilegiadas de comércio, a exemplo da Companhia Geral do Grão-
Pará e Maranhão (1755) e da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (1759);

»» aumentou o controle sobre a economia brasileira, instituindo o Real Erário,
1761, órgão incumbido de cobrar impostos sobre o ouro brasileiro e combater o
contrabando e a sonegação fiscal.

Louis-Michel van Loo. Séc. XVIII. Óleo sobre tela. Museu Nacional Soares Dos Reis, Porto. Foto: DeAg

Retrato do Marquês de Pombal. Pintura de Louis-Michel van Loo (1707-1771) e Claude-Joseph
Vernet (1714-1789).

Página 196

A sucessora de D. José I, a rainha D. Maria I (1777-1792), preservou a orientação
absolutista e, até certo ponto, deu continuidade à política do Marquês de Pombal.
No campo da economia, extinguiu as companhias privilegiadas de comércio, mas
continuou combatendo o contrabando e defendendo fortemente o exclusivo
comercial metropolitano. Continuou também a perseguir o desenvolvimento
manufatureiro de Portugal, motivo por que proibiu as manufaturas de tecidos no
Brasil em 1785.

Exclusivo comercial metropolitano: obrigatoriedade de a colônia só vender e comprar da metrópole;
valendo-se disso, a metrópole impunha preços de venda e de compra, auferindo lucros extraordinários, o que
acabava gerando insatisfação e revoltas sociais.

Revoltas na Colônia

A opressão da metrópole portuguesa no reinado de D. Maria I e de seu filho Dom
João (1792-1816) contribuiu para a ocorrência de vários movimentos de rebeldia
no Brasil, entre os quais cabe citar: a Conjuração Mineira (1789), a Conjuração
Baiana (1798) e a Insurreição Pernambucana (1817).

A Conjuração Mineira

A partir de 1760, o governo português reagiu ao declínio da produção de ouro no
Centro-Sul brasileiro aumentando a vigilância sobre os impostos cobrados na
região. Some-se a isso os abusos e desmandos do governador da capitania de
Minas Gerais, Luís da Cunha Menezes (1783-1788), e se compreenderá o clima de
revolta ali existente na época.

Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro. Foto: Rômulo Fialdini

Barras de ouro da Casa de Fundição de Vila Rica.

Em julho de 1788, chegou a Minas Gerais um novo governador, o Visconde de
Barbacena, que tinha sido encarregado de lançar a derrama do quinto do ouro e
investigar a vida dos devedores da Fazenda Real. Na época, Minas Gerais devia a
Portugal mais de 500 quilos de ouro e não tinha como pagar. A derrama afetava o
conjunto da sociedade mineira, pois a metrópole considerava que a dívida era de
todos.

Derrama: cobrança forçada da dívida em atraso. Em 1751, ficou estabelecido que o Brasil deveria pagar a
Portugal 100 arrobas anuais de ouro; caso a cota não fosse completada, seria lançada a derrama.

Dica! Vídeo sobre Tiradentes e a Conjuração Mineira. [Duração: 7 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/7ypvcx>.

O clima de revolta tomou conta da população. Em Vila Rica, um grupo de homens
ricos e influentes, inspirados nos princípios iluministas, planejou uma conjuração
contra a metrópole.

Entre os principais articuladores da revolta estavam: Inácio José de Alvarenga
Peixoto (dono de jazidas e fazendas); Francisco Paula Freire de Andrade
(comandante do Regimento dos Dragões); o padre Oliveira Rolim (chefe político de
onde é hoje Diamantina, negociante de pedras e agiota); Tomás Antônio Gonzaga
(ouvidor de Vila Rica, o principal posto da magistratura nas Minas); Cláudio
Manuel da Costa (o mais rico e prestigiado advogado de Vila Rica, dono de

Página 197

lavras de ouro e de várias lavouras); e Joaquim Silvério dos Reis (conhecido
contratador de impostos). Entre os conjurados, estava também o alferes Joaquim
José da Silva Xavier (o Tiradentes, maior propagandista da revolta pela
Independência).

Contratador: indivíduo contratado pela metrópole para arrecadar impostos.
Alferes: posto equivalente ao de segundo-tenente.

Candido Portinari. 1948-49. Têmpera sobre tela. Memorial da América Latina, São Paulo. Reprodução autorizada por João Candido Portinari

Detalhe da obra Tiradentes, do pintor paulista Candido Portinari.

Os conjurados planejavam proclamar uma república em Minas Gerais, com capital
na próspera São João del Rei, que produzia alimento e gado comercializados com
outras capitanias; instalar em Vila Rica uma universidade e uma casa da moeda;
introduzir o serviço militar obrigatório e incentivar as manufaturas locais.
Segundo o historiador João Pinto Furtado, havia discordância entre os conjurados:
alguns deles eram movidos por ideias iluministas e de mudança política; outros
tinham como único objetivo a suspensão da derrama (cobrança forçada dos
impostos em atraso devidos a Portugal). Os conjurados divergiam também quanto
à escravidão: a maioria deles – senhores de terras, mineradores e grandes
comerciantes – era favorável à continuidade da escravidão; dois deles apenas,
Alvarenga Peixoto e o padre Carlos Correia de Toledo, se disseram favoráveis à
abolição. 1 e 2

1. Dica! Vídeo com foco na personagem Joaquim Silvério dos Reis. [Duração: 4 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/sscmq7>.
2. Dica! Vídeo sobre a Conjuração Mineira. [Duração: 14 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/xa7777>.

Suspensão da derrama, prisão e sentença

A revolta não chegou a ocorrer. Segundo estudiosos do assunto, o Visconde de
Barbacena suspendeu a derrama antes de o movimento ter sido denunciado por
Joaquim Silvério dos Reis e outros. Com as denúncias, iniciaram-se a perseguição e
a prisão dos principais envolvidos. Por ordem de D. Maria I, foram abertos dois
processos: um no Rio de Janeiro e outro em Minas Gerais. O julgamento se
estendeu até o início de 1791, quando então saiu o veredito.

Página 198

Acusados de cometer crime de lesa-majestade, a maioria dos rebeldes foi
condenada ao degredo (exílio) nas colônias portuguesas na África. Segundo a
versão oficial, Cláudio Manuel da Costa cometeu suicídio na cadeia; no entanto, há
indícios de que ele foi morto por seus interrogadores. Tiradentes pagou com a
vida. Enforcado em 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro, foi esquartejado e teve
as partes do seu corpo distribuídas pelos lugares por onde pregou a libertação das
Minas Gerais.

Crime de lesa-majestade: crime cometido contra a autoridade suprema de um Estado.

Para saber mais

A obra Tiradentes esquartejado, pintura a óleo de Pedro Américo, foi produzida na
Itália, em 1893, quatro anos após a proclamação da República no Brasil. Nesse
contexto, havia uma preocupação dos republicanos em revisitar o passado colonial,
eleger um herói nacional e criar ou recriar mitos de origem e de fundação. O
artista, com seu pincel, ajudou na transformação da figura de Tiradentes em herói
republicano.

Observe que as partes do corpo do mártir da Independência estão dispostas de
modo que lembram o mapa do Brasil. O artista quis, provavelmente, sugerir um elo
indissolúvel entre o herói-mártir e a Pátria.

Note também que Pedro Américo pintou a cabeça de Tiradentes ao lado do corpo
crucificado de Jesus Cristo. Com isso, ele pretendia assemelhá-lo ao maior mártir
do Cristianismo. Além disso, sabe-se hoje que, na época de Tiradentes, os
condenados eram executados sem cabelo e sem barba, mas, mesmo assim, o pintor
representou o inconfidente com barba e cabelos longos, usando mais esse recurso
para cristianizá-lo.

Como observou o historiador José Murilo de Carvalho na obra A formação das
almas, o apelo à tradição cristã do povo brasileiro contribuiu para o êxito de
Tiradentes como herói republicano.

Pedro Américo. 1893. Óleo sobre tela. Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora

A Conjuração Baiana

Enquanto os principais envolvidos na Conjuração Mineira eram homens de negócio
e intelectuais de origem europeia, os rebeldes baianos eram em sua maior parte
mestiços e/ou negros e pobres. Como muitos deles exerciam o ofício de alfaiate, a
Conjuração Baiana (1798) ficou conhecida também como Revolta dos Alfaiates.

Página 199

Na época, a cidade de Salvador e suas cercanias possuíam um comércio
movimentado e cerca de 500 engenhos e lavouras em plena atividade. Mas a
riqueza achava-se concentrada e contrastava com a enorme pobreza da maioria
dos seus cerca de 60 mil habitantes. Alimentos como carne, sal e azeite subiam de
preço constantemente. Roupas, calçados e ferramentas eram produtos caros e,
além disso, raros, pois a rainha de Portugal tinha proibido a instalação de
manufaturas no Brasil. Os impostos abusivos também contribuíam para aumentar
a insatisfação social.

Nesse contexto opressivo, em 12 de agosto de 1798 um grupo de rebeldes baianos
afixou em locais públicos “avisos”, ou seja, manuscritos anônimos conclamando o
“magnífico povo baiano” a participar de uma revolução contra a metrópole. Em
seus manuscritos, os rebeldes defendiam:

»» a proclamação, na Bahia, de uma república semelhante à da França em que
todos – brancos, negros ou mestiços – tivessem liberdade e igualdade de
tratamento;

»» a abertura do porto de Salvador para o livre-comércio;

»» medidas para dinamizar o comércio de pau-brasil, tabaco e açúcar;

»» a diminuição dos impostos e o aumento dos soldos para 200 réis diários;

»» aumento da oferta de alimentos (a falta de carne e farinha de mandioca afetava
duramente os mais pobres);

»» isonomia no tocante à ascensão na hierarquia militar;

»» o fim do preconceito contra negros.

Isonomia: princípio geral do direito segundo o qual todos são iguais perante a lei.

Assim que os cartazes dos rebeldes ganharam as ruas, o governador da Bahia, Dom
Fernando José de Portugal, ordenou o início das investigações e a prisão de
dezenas de rebeldes: alfaiates, soldados, escravos de ganho, além de indivíduos de
estratos sociais mais elevados, como o cirurgião Cipriano Barata e o farmacêutico
João Ladislau de Figueiredo, em cuja casa funcionava a loja maçônica Cavaleiros da
Luz. Estes dois últimos, chamados nos inquéritos de “pessoas de consideração”,
foram inocentados; os soldados Lucas Dantas e Luís Gonzaga das Virgens e os
alfaiates João de Deus e Manuel Faustino foram enforcados e esquartejados na
Praça da Piedade, em Salvador. 1 e 2

1. Dica! Documentário sobre a história da Bahia. [Duração: 48 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/cgqe46>.

2. Dica! Reportagem sobre a Revolta dos Alfaiates. [Duração: 33 minutos]. Dividido em duas
partes. Para a primeira parte, acesse: <http://tub.im/fbbdma>.

Autoria desconhecida. 1802. Gravura. Fundação Biblioteca Nacional

Uniforme do Regimento dos Henriques Milicianos, 1802. Luís Gonzaga das Virgens era um dos
integrantes desse regimento. Ao examinar a caligrafia dos manuscritos apreendidos na cidade de
Salvador, as autoridades descobriram que ele era o autor de alguns dos mais importantes desses
manuscritos.

Página 200

A família real no Brasil e a interiorização da
metrópole

Vimos que o governo português não aderiu ao Bloqueio Continental e continuou
comerciando com a Inglaterra. Em represália, as tropas napoleônicas invadiram
Portugal, e a família real portuguesa teve de se transferir para o Rio de Janeiro. A
transferência da Corte não foi uma decisão repentina: há tempos, intelectuais e
políticos portugueses propunham a formação de um Império Luso-Brasileiro, com
sede no Rio de Janeiro, a fim de proteger os domínios lusos e defendê-los das
agressões de potências europeias.

Bloqueio Continental: decreto imposto pelo imperador francês Napoleão Bonaparte proibindo os demais
países europeus de comerciar com a Inglaterra ou receber navios ingleses em seus portos.

Por esses motivos, no final de 1807, o príncipe Dom João, que assumira a regência
em razão da doença de sua mãe, D. Maria I, a Louca, sua família e cerca de 10 a 15
mil pessoas embarcaram para o Brasil. Escoltada pela marinha inglesa, a comitiva
de Dom João desembarcou em Salvador em 22 de janeiro de 1808 e, um mês e
meio depois, chegou ao Rio de Janeiro, que passou a ser então a sede do Império
Português, cujo território abrangia terras na Europa, África e Ásia.

Durante sua permanência, Dom João e sua corte estabeleceram uma aliança com a
elite de São Paulo e do Rio de Janeiro, por meio de negócios entre eles envolvendo
terras e comércio de abastecimento, de casamentos com famílias locais e de
empregos concedidos por Dom João aos membros dessa elite. Essas relações
sociais e mercantis com a elite do Centro-Sul levaram ao enraizamento da Corte
portuguesa e à sua intenção de permanecer no Brasil, fenômeno que a historiadora
Maria Odila Dias chamou de interiorização da metrópole. 1, 2 e 3

1. Dica! Reportagem sobre a viagem de fuga da família real portuguesa para o Brasil. [Duração:
19 minutos]. Acesse: <http://tub.im/mey7jz>.

2. Dica! Vídeo sobre a fuga da Corte portuguesa para o Brasil. [Duração: 22 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/czrabc>.

3. Dica! Documentário sobre a vinda da família real portuguesa. Narrativa baseada nas obras do
escritor Laurentino Gomes. [Duração: 36 minutos]. Acesse: <http://tub.im/98e3yb>.

Candido Portinari. 1952. Óleo sobre painel. Banco da Bahia, Salvador. Reprodução autorizada por João Candido Portinari

Quadro de Portinari que representa a chegada da família real portuguesa ao Brasil. Note que nessa
versão triunfal o autor valoriza sobretudo o príncipe, que ocupa o centro da tela, com seus trajes
elegantes e gestos cuidadosamente pensados.

Página 201

A abertura dos portos brasileiros e seus desdobramentos

Seis dias depois de sua chegada ao Brasil, Dom João decretou a abertura dos portos
brasileiros às nações amigas e estipulou o imposto de 24% para as mercadorias
estrangeiras. Essa medida inevitável, já que os portos portugueses estavam
ocupados pelos franceses, trouxe benefícios para o Brasil, pois, a partir daí, as
exportações brasileiras não tinham mais de passar por Portugal, o mesmo
acontecendo com os produtos que viessem de outros países para cá.
Para a Inglaterra, a abertura dos portos brasileiros foi extremamente vantajosa,
pois o governo inglês havia negociado com Portugal certos privilégios no comércio
com o Brasil, em troca da proteção dada à família real.
Naquele mesmo ano chegaram ao Brasil dezenas de navios estrangeiros, ingleses
em sua maioria. Traziam produtos variados: tecidos, caixões, mostruários,
ferragens, cristais, perfumes, cachimbos e também artigos de utilidade duvidosa,
como patins para gelo, carteiras para notas (no Brasil só havia moedas) e...
calçados para neve!
Em abril de 1808, já instalado na cidade do Rio de Janeiro, Dom João liberou a
indústria no Brasil, isentou do pagamento de impostos as matérias-primas
destinadas a ela (como o ferro) e prometeu subsídios às fábricas de tecidos, lã e
algodão. Porém, os resultados dessas medidas foram inexpressivos, por causa da
falta de investimentos na indústria e da dificuldade de competir com os produtos
estrangeiros.
Em troca da ajuda e da proteção dada à família real portuguesa, o governo de Dom
João assinou com a Inglaterra, em 1810, os tratados de Aliança e Amizade e
Comércio e Navegação, que asseguravam um conjunto de vantagens e privilégios
aos ingleses. O principal deles era que, para entrar no Brasil, as mercadorias
inglesas deveriam pagar um imposto de 15% (menor inclusive que os 16% pagos
pelas portuguesas), enquanto as outras nações continuariam pagando 24%.

Dica! Reportagem sobre a economia brasileira nos tempos de Dom João VI. [Duração: 21
minutos]. Acesse: <http://tub.im/mx2c4z>.

Museu da Casa Brasileira, São Paulo. Foto: Romulo Fialdini/Tempo Composto

Com a abertura dos portos e o Tratado de 1810, dezenas de navios entraram trazendo mercadorias
nos portos brasileiros inglesas de luxo, como cigarreiras, portas-charuto, candelabros e louças
refinadas, a exemplo das que vemos na fotografia cima.

Administração joanina

Uma vez instalado, o governo de Dom João empenhou-se em modernizar a cidade
do Rio de Janeiro, assemelhando-a a Lisboa. Multiplicaram-se as obras em solo
carioca: abriram-se vias para facilitar a circulação de pessoas e mercadorias,
construíram-se novas habitações com amplos jardins e janelas envidraçadas, que
permitiam a entrada de luz, e instalaram-se importantes órgãos político-
administrativos, como o Ministério e o Conselho de Estado, a Intendência da
Polícia, o Erário Régio, o Banco do Brasil e a Casa da Moeda. Além disso, foram
criadas importantes instituições científico-culturais, como a Imprensa Régia, que
publicou livros, folhetos e o primeiro jornal feito no Brasil, a Gazeta do Rio de

Página 202

Janeiro; a Academia Médico-Cirúrgica; o Teatro Real; o Museu Nacional; o
Observatório Astronômico; o Horto Real; a Biblioteca Real (atual Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro); e a Academia de Belas Artes, fundada por sugestão dos
membros da Missão Artística e Cultural Francesa, que também vieram para o Brasil
no governo de Dom João, em 1816. 1

1. Dica! Animação sobre a vinda da família real portuguesa e as transformações por ela
provocadas. [Duração: 57 minutos]. Acesse: <http://tub.im/qjansc>.

Para saber mais

Junto com a comitiva de D. João desembarcaram cerca de 60 mil peças, entre livros,
manuscritos, mapas, moedas e medalhas. O acervo foi acomodado nas salas do
Hospital da Ordem Terceira do Carmo, na Rua Direita, hoje Rua Primeiro de Março.
Em 29 de outubro de 1810, foi fundada a Real Biblioteca. Ela deu origem à
Biblioteca Nacional, que é considerada hoje pela Unesco a maior biblioteca
nacional, da América Latina.

Adilson B. Liporage/Opção Brasil Imagens

Vista externa da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 2013.

O Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarve

A transferência da Corte para o Rio de Janeiro havia criado uma fratura no Império
Português: a metrópole, privada de seu soberano, perdera suas antigas funções; a
colônia, por sua vez, exercia agora a função de metrópole. Essa situação acirrou os
conflitos de interesses entre as forças políticas que disputavam benefícios e poder
no Império Português, independentemente de seus membros serem brasileiros ou
portugueses, e estarem lá ou aqui.


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