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Published by robersons900, 2022-03-17 09:47:51

LIVRO DE HISTORIA

LIVRO DE HISTORIA

metal, se consideravam com direitos exclusivos sobre a região) aos forasteiros
(portugueses e pessoas de outras partes da colônia), os dois lados ávidos pelo
controle do comércio local e do ouro.

Emboaba: para alguns, o termo significa “forasteiro”; para outros, é uma palavra de origem indígena que
significa “ave de pés cobertos”, apelido dado pelos paulistas aos portugueses pelo fato de eles calçarem botas.

Os forasteiros, chamados de emboabas e liderados pelo comerciante e pecuarista
português Manuel Nunes Viana, foram proibidos de entrar na região e reagiram
pegando em armas; o conflito se estendeu por dois anos (1707-1709) e ficou
conhecido como Guerra dos Emboabas. Durante os conflitos, os emboabas
aclamaram Manuel Nunes governador de todas as Minas, até que a Coroa

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enviasse um outro mandante com essas atribuições. Durante as lutas que se
seguiram, um destacamento paulista foi traído e massacrado pelos inimigos no Rio
das Mortes, episódio conhecido como Capão da Traição.
Ao final do conflito, vencido pelos emboabas, a Coroa portuguesa enviou ao Rio de
Janeiro um novo governador e, para melhor controlar a Colônia, criou a Capitania
de São Paulo e das Minas de Ouro (1710) que até então faziam parte da Capitania
do Rio de Janeiro. Além disso, determinou que os povoados mais populosos da
nova capitania fossem elevados a vila, a primeira das quais foi a de Ribeirão de
Nossa Senhora do Carmo, em 1711, atual Mariana; depois surgiram Vila Rica (atual
Ouro Preto), Sabará, São João del Rei, Vila Nova da Rainha (Caeté) e Vila do
Príncipe (Serro). 1

1. Dica! Vídeo que discute e desvenda os mitos da Guerra dos Emboabas. [Duração: 26 minutos].
Acesse: <http://tub.im/w7qak8>.

Áreas de mineração no Brasil (século XVIII)

Allmaps

Fonte: ATLAS geográfico do Brasil. Rio de Janeiro: FAE, 1986. p. 25.

Regulamentação, impostos e cobranças

Para regulamentar a posse e extração do ouro, Portugal criou, em 1702, o
Regimento das Minas de Ouro. Esse documento reservava para o governo
português um quinto de todo o metal extraído na região e criava a Intendência
das Minas, órgão subordinado a Lisboa e encarregado de fiscalizar as explorações,
cobrar tributos e julgar os habitantes das áreas mineradoras.

Por lei, as áreas de mineração pertenciam ao rei; por isso, se alguém descobrisse
uma jazida, deveria comunicar ao intendente. Este mandava dividir a área em lotes
auríferos (as datas) e promovia a sua distribuição. O descobridor tinha direito a
duas datas e, a Coroa, a uma, que, depois, ia a leilão. As datas restantes eram
distribuídas conforme o número de escravos; aquele que possuísse 12 escravos, ou
mais, recebia uma data inteira; os demais recebiam lotes menores.

Os principais impostos cobrados pela Intendência eram o quinto real (20% de
todo o ouro extraído); o imposto de passagem (sobre homens e animais em
trânsito para as minas); o de entrada (sobre mercadorias que entravam para as
minas); e os donativos (quantia exigida por Portugal para pagar despesas com
eventos especiais, como o casamento de uma princesa ou o terremoto ocorrido em
Lisboa, em 1755). 2

2. Dica! Vídeo sobre a cobiça do ouro. [Duração: 26 minutos]. Acesse: <http://tub.im/jin7yc>.

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A população reage: desvios e revoltas

Os habitantes das minas reagiam à opressão fiscal de várias formas: escondiam
ouro em pó ou em pepitas nos cabelos, nos dedos dos pés, nos saltos e solas das
botas, nas estátuas ocas de santos feitas de madeira. Daí a expressão “santinho do
pau oco”: pessoa que tem aparência de santo, mas não é confiável. Escondiam
também entre os doces e salgados que carregavam em seus tabuleiros.

Com o aumento do contrabando, o governo português apertou o cerco: em 1719,
criou as Casas de Fundição, locais onde todo o ouro (em pó ou pepita) da região
deveria ser transformado em barras, selado e “quintado”, isto é, retiravam-se dele
os 20% correspondentes ao quinto real.

A tributação excessiva somada ao alto preço dos alimentos ocasionou várias
revoltas nas capitanias do ouro. Uma delas foi a conhecida Revolta de Felipe dos
Santos, ocorrida em Vila Rica, em 1720. Seus principais líderes, o tropeiro Felipe
dos Santos e o minerador Pascoal da Silva, exigiam a redução dos preços dos
alimentos e a anulação do decreto que criara as Casas de Fundição. 1

1. Dica! Vídeo sobre a Revolta ocorrida em Vila Rica. [Duração: 2 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/5yx78t>.

A revolta foi duramente reprimida, e seus líderes, presos. Felipe dos Santos foi
morto e teve seu corpo esquartejado e exposto na margem de uma estrada. O
morro onde ficava a mina de ouro de Pascoal da Silva, e que levava o seu nome, foi
queimado em noite de vento por ordem do governador da região.

Esmagado o movimento, Portugal separou Minas da Capitania de São Paulo; nascia,
assim, em 1720, a Capitania de Minas Gerais. 2

2. Dica! Vídeo sobre a história de Vila Rica, atual Ouro Preto. [Duração: 26 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/p8jqhy>.

Carlos Julião. c. 1776. Aquarela. Acervo Biblioteca José e Guita Mindlin

Detalhe da obra Negras vendedoras, de Carlos Julião, c. 1776. Escravas de ganho a serviço de seus
donos ou mulheres alforriadas que sustentavam a família com a venda de seus quitutes, as negras
do tabuleiro eram conhecidas também por proteger escravos fugidos e por esconder ouro e
diamantes entre os alimentos que vendiam, a fim de ajudar a comprar a carta de alforria. Em 1729,
o então governador da capitania, D. Lourenço de Almeida, chegou a baixar uma lei proibindo-as de
vender comestíveis ou bebidas com tabuleiros.

Diamantes: descoberta e controle

No início do século XVIII, acharam-se grandes quantidades de diamantes no Arraial
do Tijuco, na bacia do rio Jequitinhonha, nordeste da Capitania de Minas Gerais.
Logo que soube da existência dessas pedras preciosas, em 1729, a Coroa
portuguesa declarou-as propriedade real e expulsou os antigos moradores do local.

Nos cinco anos seguintes liberou a exploração dos diamantes a todos os homens
brancos que tivessem escravos e recursos para investir, estabelecendo uma taxa
sobre cada escravo empregado na extração. Exigiu, também, que sua exportação
fosse feita apenas em navios portugueses.

Em 1734, a Coroa demarcou extensa área do Arraial do Tijuco criando, assim, o
Distrito Diamantino, onde era proibido entrar sem autorização especial. A
administração e o policiamento da área foram confiados à Intendência dos
Diamantes, órgão com grande poder sobre os habitantes locais. Naquele ano
ainda, como o preço do diamante mineiro no exterior havia caído muito, por causa
do excesso de oferta, a exploração das lavras foi suspensa por cinco anos.

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Em 1739, a mineração de diamantes foi reaberta, mas sob novas regras:
estabeleceu-se o sistema de contratos, pelo qual um contratador adquiria o
direito de minerar e de cobrar certos impostos por quatro anos. Muitos deles
enriqueceram com essa atividade; o contratador João Fernandes de Oliveira
tornou-se famoso pela riqueza que conseguiu para Portugal e para si e, sobretudo,
por ter se unido maritalmente com uma negra: Francisca da Silva, a famosa Chica
da Silva, com quem teve 13 filhos.

Anônimo, escola portuguesa. Séc. XVIII. Gravura. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa

Modo de lavar os diamantes, século XVIII. Nessa gravura, vemos escravizados trabalhando na
lavagem de diamantes, vigiados por uma autoridade local. No trabalho da mineração, os
escravizados entoavam vissungos, palavra que vem do umbundo (língua banta) e que quer dizer
“cantiga”, “canto”.

Diante do enriquecimento ilícito dos contratadores e do contrabando, em 1771, a
Coroa portuguesa extinguiu o sistema de contratos e passou a monopolizar a
exploração das preciosas pedras por meio da Real Extração dos Diamantes.
Naquele mesmo ano também editou o Livro da capa verde, um conjunto de leis
específicas para a região.
Durante muito tempo se disse que este livro foi um caso atípico, que de tão severo
transformou-se no terror da população local. Atualmente, no entanto, a
historiografia relativiza essa afirmação. A historiadora Júnia Ferreira Furtado, por
exemplo, afirma que:

[...] o Regimento veio ampliar ou completar, mas acima de tudo consolidar as leis anteriores
[...]. Aproveitando muito da legislação que estava em vigor para toda a Capitania, dela pouco se
afastou ou trouxe de novo. Em todos os lugares, a aplicação da lei não se fazia de forma
homogênea, sendo que negros, [...] pobres e vadios acabavam sofrendo mais a violência da
repressão e as penas mais duras, chegando até à pena de morte. As cadeias viviam
superlotadas e em condições subumanas.
As classes mais altas conseguiam se proteger melhor da repressão, muitas vezes se
aproveitando do próprio aparelho administrativo. O acúmulo de poderes nas mãos de algumas
autoridades [...] as prisões, e a grande autonomia de que dispunham provocavam o aumento
das arbitrariedades, abusos e redes de proteção.

FURTADO, Júnia Ferreira. O livro da capa verde: o regimento diamantino de 1771 e a vida no distrito diamantino no
período da Real Extração. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: PPGH/UFMG, 2008. p. 69. (Coleção olhares).

Editora Annablume

Fac-símile da capa do livro de Júnia Ferreira Furtado.

Do Arraial do Tijuco, os diamantes eram enviados anualmente para o Reino, sendo
escoltados pelo regimento dos dragões até o porto do Rio de Janeiro. Além de
praticarem a mineração, as áreas vizinhas ao Tijuco dedicavam-se também à
pecuária e ao cultivo de gêneros agrícolas, como mandioca, milho, feijão, arroz,
algodão e tabaco, que garantiam boa parte do seu abastecimento, bem como um
movimentado comércio que tinha como centro geográfico o próprio Arraial.

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Os caminhos do ouro e dos diamantes

A produção do ouro cresceu significativamente durante os 40 primeiros anos do
século XVIII, tendo atingido o auge entre 1736 e 1740. Observe o gráfico.
Produção de ouro de Minas Gerais no século XVIII (por quinquênios)

Editoria de arte

Fonte de pesquisa: MAURO, Féderic (Coord.). O império luso-brasileiro – 1720- 1750. In: SERRÃO, J.;MARQUES, A. H.
de Oliveira (Org.). Nova história da expansão portuguesa. Lisboa: Estampa, 1991. v. 8.

Segundo estudos recentes sobre a economia de Portugal, verificou-se que, entre
1700 e 1715, conforme a produção brasileira de ouro crescia, o comércio entre
Portugal e a Inglaterra também crescia expressivamente. Pouco tempo depois, o
economista escocês Adam Smith (1723-1790) observou que o comércio luso-
britânico crescia em razão do ouro vindo do Brasil, e que quase todo o ouro
fundido existente na Inglaterra era de origem brasileira.

Dica! Reportagem sobre a rota do ouro e dos diamantes. [Duração total: 50 minutos]. Dividido em
três partes. Para a primeira parte, acesse: <http://tub.im/uaiaju>.

Para saber mais

Ouro brasileiro em banco inglês
Uma parte pequena do ouro produzido no centro-sul do Brasil foi usada na
construção de obras monumentais portuguesas, como o Palácio-Convento de
Mafra, que levou cerca de 30 anos para ser concluído. A maior parte do metal
brasileiro, porém, foi usada para saldar a dívida crescente que Portugal contraiu
com a Inglaterra. Para compreender a origem dessa dívida, vamos recuar um
pouco no tempo...

Ao se libertar do domínio espanhol, em 1640, Portugal temia um novo ataque da
Espanha e, por isso, aliou-se à Inglaterra, assinando com ela uma série de acordos
que acabaram por subordinar a economia portuguesa aos interesses ingleses. Um
deles foi o Tratado de Methuen (1703), pelo qual a Inglaterra facilitava a entrada
do vinho português nos seus mercados e Portugal, em troca, permitia a livre
entrada dos artigos de lã inglesa. Assim, o Tratado de Methuen inibiu as
manufaturas de tecidos portugueses e, além disso, colaborou para que a dívida
com a Inglaterra aumentasse. Boa parte dessa dívida foi paga com o ouro

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e os diamantes extraídos do Brasil, o que acabou favorecendo o desenvolvimento
industrial da Inglaterra.
Acompanhe agora o que um estudioso disse sobre o impacto do ouro nas Gerais.

Se o ouro não ajudou Portugal a se desenvolver, qual o seu papel em Minas Gerais? Ali,
produziu uma civilização singular nos quadros da Colônia. O ouro [...] vai possibilitar o
desenvolvimento de uma realidade marcada pela urbanização, mais significativa que em
qualquer outro local da Colônia [...]. A Capitania de Minas Gerais foi a mais populosa da
América Portuguesa, tendo o maior contingente de população escrava e o maior contingente de
população livre.
Sociedade dotada de diversidade econômica e cultural, Minas Gerais, no século XVIII, deveu
muito de seu dinamismo à produção mineral, ao ouro e aos diamantes, que, se não trouxeram
efetivo desenvolvimento econômico e social, contribuíram para mostrar uma significativa
capacidade criativa, no campo artístico e cultural, que são referências decisivas para a
construção de nossa plena emancipação.

PAULA, João Antônio de. A mineração de ouro em Minas Gerais no século XVIII. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de;
VILLALTA, Luiz Carlos. História de Minas Gerais: as minas setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. v. 1. p. 299-
300.

Acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo. Foto: Romulo Fialdini/Tempo Composto

Santa Mestra, estátua de madeira dourada do século XVIII, atribuída a Antônio Francisco Lisboa, o
Aleijadinho.

Mudanças no território colonial

No Brasil, a mineração estimulou uma série de mudanças, entre as quais cabe
destacar:

» a ocupação e o povoamento de vastas áreas do território;

» o desenvolvimento da vida urbana, contribuindo para o nascimento de várias
vilas e cidades;

» a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro (1763), único porto por
onde o governo português permitia que se embarcasse o ouro;

» a consolidação do mercado interno, já que a mineração atraiu para si a
pecuária gaúcha, por meio de São Paulo, e a nordestina, por meio do rio São
Francisco, integrando diferentes polos da economia colonial. A população dos
atuais estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás comprou com ouro em pó
aquilo de que necessitava: do Nordeste vinham o gado, o couro e a farinha de
mandioca; do Sul, cavalos, bois, mulas e charque; de São Paulo, milho, trigo e
marmelada; e do Rio de Janeiro, africanos escravizados e artigos europeus (tecidos,
ferramentas, entre outros). Em Minas Gerais e em Goiás, ao lado da mineração se
desenvolveram a pecuária e a produção de alimentos destinados ao mercado
interno.

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A sociedade do ouro

Além de ser mais complexa do que a do açúcar, a sociedade do ouro era
marcadamente urbana; nas cidades – locais de residência, de serviços, de comércio,
de oração e de festa – desenvolveu-se a vida social na região mineradora. Nela, a
discriminação contra negros, indígenas e seus descendentes era intensa e o medo e
o valor dado às aparências eram enormes.
Em 1776, a população da Capitania do Ouro era formada por cerca de 320 mil
habitantes, distribuídos conforme o gráfico ao lado.
No século XVIII, 78% da população das Minas Gerais era formada de negros e
pardos, muitos dos quais, escravizados.
População da Capitania do Ouro

Editoria de arte

Fonte: MELLO E SOUZA, Laura. Desclassificados do Ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1986. p. 141.

Os potentados

Estudos recentes sugerem que as maiores fortunas nas Minas Gerais pertenciam a
grandes comerciantes (potentados), muitos dos quais praticavam também a
agiotagem. Manuel Nunes Viana, por exemplo, enriqueceu vendendo gado e carne
das suas fazendas nos sertões do São Francisco para os açougues mineiros. Os
contratadores de diamantes e alguns funcionários do governo português também
conseguiram fazer fortuna.
Entre os donos de minas, foram poucos os que conseguiram enriquecer, pois boa
parte do que ganhavam servia para o pagamento de impostos. Outra era gasta com

a compra de mercadorias caras, como escravos, ferramentas, bebidas (vinho e
aguardente) e alimentos importados.

As camadas médias

As possibilidades de negócio com o ouro em pó, a demanda de serviços urbanos e a
ampliação do mercado consumidor favoreceram o crescimento das camadas
médias: taberneiros, sitiantes, militares, artesãos, advogados, padres, garimpeiros,
cirurgiões-barbeiros e roceiros. Estes plantavam milho, arroz, feijão, mandioca;
cultivavam plantas frutíferas e hortaliças e criavam galinhas e porcos. Nos últimos
anos do século XVIII, desenvolveu-se também a criação de vacas leiteiras e a
fabricação de queijo.

Alguns artistas mineiros como Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (escultor e
arquiteto), Padre José Maurício (compositor e músico) e Mestre Ataíde (pintor)
tiveram reconhecimento em vida e podem ser considerados também integrantes
das camadas médias da população.

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Os escravizados

Na base da sociedade colonial mineira estavam os escravizados. Eles trabalhavam
na extração do ouro em rios ou galerias subterrâneas, onde comumente ocorriam
desabamentos e mortes. Na mineração de diamantes, não era muito diferente:
erguiam-se barreiras para represar as águas da bacia do rio Jequitinhonha; como
essas se rompiam frequentemente, muitos também acabavam morrendo. Os
escravizados trabalhavam na produção de alimentos, na construção de casas,
praças e chafarizes, na abertura de estradas, no transporte de pessoas e
mercadorias pelas ladeiras acidentadas dos arraiais mineiros e no comércio pelas
ruas e lavras.
A alimentação dos escravizados era pobre em proteínas. Sua dieta era
complementada com sal, fumo e aguardente. O fumo era considerado energizante e
a cachaça um incentivo para suportar o trabalho com as pernas mergulhadas na
água. Como era de se esperar, a mortalidade entre os negros mineiros era alta. A
reposição de mão de obra se fazia por meio de contínua importação de africanos.
Mas nessa região os cativos também ofereceram forte resistência à escravidão: foi
lá que surgiu o maior número de quilombos. Segundo o historiador Carlos Magno
Guimarães, nos anos entre 1710 e 1798 foram descobertos e combatidos 160
desses núcleos.

Mestre Ataíde. c. 1809. Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, Ouro Preto. Foto: Manoel Novaes

Glorificação da Virgem, pintada pelo Mestre Ataíde no teto da igreja de São Francisco, em Ouro
Preto, é um ícone do barroco mineiro. Artista original, Mestre Ataíde pintou, com cores vivas e
alegres, virgens e anjos com traços afro -brasileiros, à semelhança dos de sua companheira e de
seus filhos. Nem sempre os pintores mineiros tinham recursos para importar suas tintas; então
criavam as suas próprias, misturando terra queimada, leite, clara de ovo e extratos de plantas e
flores. Por isso se diz que não existe nas artes plásticas do século XVIII um colorido como o que
vemos nas pinturas mineiras.

Os homens livres pobres

Nos arraiais mineiros havia um grande número de homens livres e pobres, que
sobreviviam de serviços temporários ou de pequenos furtos e passavam boa parte
do seu tempo nas vendas conversando, praticando jogos de azar ou brigando. Por
não terem ocupação nem posição social definida, foram chamados pela
historiadora Laura de Mello e Souza de “desclassificados”. Perseguidos e chamados
de vadios pelas autoridades, eles eram convocados por essas mesmas autoridades
para realizar serviços considerados inadequados aos escravos, como construir
presídios ou estradas, fazer segurança pessoal dos comerciantes ricos, combater
revoltas negras e/ou indígenas e participar de bandeiras que saíam em busca de
ouro.

Dica! Palestra da historiadora Laura de Mello e Souza a respeito da sociedade mineradora no
Brasil colonial. [Duração: 29 minutos]. Acesse: <http://tub.im/efsr98>.

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Para saber mais

Séc. XVIII. Têmpera sobre madeira. Museu da Inconfidência, Ouro Preto.Foto: Romulo Fialdini/Tempo C

Ex-voto de invocação a São Benedito, século XVIII.

Doença, promessa e arte
Trabalhando em condições adversas, e mal alimentadas, as pessoas pobres das
regiões mineiras adoeciam com frequência. Nos sertões mineiros era comum as
pessoas contraírem reumatismo, malária e infecções pulmonares.
Os doentes se tratavam, geralmente, com remédios caseiros. Por vezes, as pessoas
encomendavam aos pintores pequenos quadros em que o enfermo aparece deitado
numa cama recoberta por uma colcha vermelha, tendo acima a santa ou santo a
quem agradeciam a cura de sua doença.

A pecuária colonial

Como disseram os historiadores João Fragoso, Manolo Florentino e Sheila de
Castro Faria, a criação de gado foi uma das principais atividades econômicas da
Colônia e um setor básico para o funcionamento da economia colonial como um
todo. A pecuária ligava-se necessariamente ao mercado interno, não sendo os

animais destinados somente à alimentação, mas também ao trabalho. Daí haverem
na Colônia amplas áreas especializadas nessa atividade, como o sertão do rio São
Francisco até os rios Tocantins e Araguaia, boa parte do Piauí, do Maranhão, o
sertão da Bahia, os campos de Curitiba, o litoral do norte fluminense, o sul de
Minas e as campinas do sul do Brasil.

GADO NA COLÔNIA (1700-1710)

Rio de Janeiro 60 mil cabeças

Bahia 500 mil cabeças

Pernambuco 800 mil cabeças

São Paulo + Sul 1,5 milhão de cabeças

Fonte de pesquisa: LINHARES, Maria Yedda. História Geral do Brasil. 9. ed. São Paulo: Campus, 1990. p. 84.

Caminhos do gado

Allmaps

Fonte: ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de et al. Atlas histórico escolar. 8. ed. Rio de Janeiro: FAE, 1991. p. 38.

Ernesto Reghran/Pulsar Imagens

Gado de corte em propriedade rural de Alta Floresta d’Oeste (RO), 2011.

Página 111

No Nordeste, o gado servia para puxar os carros de boi, moer a cana, alimentar a
população local e fornecer matérias-primas, principalmente o couro. Nessa época,
o curral do gado era o quintal do engenho. Com a expansão da economia
açucareira, no entanto, o gado criado nos engenhos passou a ser considerado um
problema, pois, além de destruir as plantações, ocupava terras que poderiam ser
mais rentáveis se aproveitadas para o plantio da cana. Em 1701, o próprio governo
português, interessado nos lucros do açúcar brasileiro, proibiu a criação de gado a
menos de 10 léguas do litoral. Assim, aos poucos, o gado foi ganhando o sertão.
A pecuária apresentava vantagens econômicas: o gado não precisava de um meio
de transporte para conduzi-lo, sobrevivia em regiões áridas e exigia mão de obra
reduzida (10 ou 12 vaqueiros eram suficientes para cuidar de um grande rebanho).
A expansão da pecuária para o sertão acompanhou geralmente o curso dos rios,
com destaque para dois deles: o rio São Francisco (Velho Chico ou rio dos Currais)
e o rio Parnaíba (decisivo na ocupação do Piauí).
A expansão do gado pelo sertão foi um processo conflituoso, marcado por lutas
sangrentas entre os criadores luso-brasileiros e os indígenas. Com o auxílio dos
bandeirantes paulistas, os criadores venceram a resistência indígena e o sertão foi
ocupado pelas fazendas de gado.

Dica! Vídeo sobre o desenvolvimento da pecuária colonial. [Duração: 7 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/bk3gbd>.

João Prudente/Pulsar Imagens

Vaqueiro cavalgando em Serrita (PE), 2010.

O gado no Sul

Com a destruição das missões jesuíticas no Sul, o gado se dispersou e reproduziu-
se nas extensas planícies da região. Atraídos por esses rebanhos sem dono, os
paulistas fundaram no litoral do atual estado de Santa Catarina os povoados de São
Francisco, em 1642; Desterro (atual Florianópolis), em 1673; e Laguna, em 1684,
dando início à ocupação do Sul.
Portugal também tinha interesse em garantir e ampliar seus domínios nessa
região. Por isso, em 1680, mandou erguer um povoado, a Colônia do Sacramento,
na margem do Rio da Prata, em frente à cidade de Buenos Aires. A imensa área
compreendida entre Laguna, no litoral catarinense, e a Colônia do Sacramento, no
extremo sul (muito além da Linha de Tordesilhas), era considerada “terra de
ninguém”, onde o gado solto se reproduzia livremente.

Debret. Séc. XIX. Litogravura. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro

Província de Rio Grande, litogravura de Jean-Baptiste Debret. Para produzir o charque, os
trabalhadores abatiam o animal, cortavam a carne em pedaços e a salgavam e secavam para que se
conservasse por mais tempo. Pesquisas recentes comprovam a existência de mão de obra escrava
tanto nas fazendas de gado do sertão nordestino quanto nas do Sul. Ao lado dos escravizados
trabalhavam também nessas fazendas libertos, livres e brancos pobres.

Página 112

Com o advento da mineração no Centro-Sul, os habitantes das minas passaram a
comprar animais de carga (cavalos, mulas, jumentos) do Sul. As pastagens da
região foram, então, alvo de violentas disputas. Inicialmente, os rebanhos eram
reunidos em invernadas, pastagens rodeadas de obstáculos naturais onde o gado
engordava, aguardando o momento de seguir viagem. Com o tempo, as terras
foram cercadas e formaram-se as estâncias.
Posteriormente, os estancieiros aprenderam a produzir o charque. Isso permitiu a
venda da carne para várias partes da Colônia, bem como para o exterior. A maior
parte da produção, contudo, era voltada para o mercado interno.
A metrópole também se empenhou em ocupar e proteger a “terra de ninguém”
situada entre a Colônia do Sacramento e Laguna: em 1737, nas proximidades da
Lagoa dos Patos, mandou fundar o Forte do Rio Grande de São Pedro. Três anos
depois, para reforçar a presença portuguesa na região, enviou 4 mil açorianos e
concedeu a cada família um pequeno lote de terra, instrumentos agrícolas,
sementes e animais. Os açorianos ergueram diversas vilas, entre elas Porto dos
Casais, atual cidade de Porto Alegre. Isso contribuiu para a ocupação e
incorporação do atual estado do Rio Grande do Sul.

Açoriano: habitante da ilha dos Açores, pertencente a Portugal e localizada no oceano Atlântico.

Fernando Bueno/Pulsar Imagens

Vista do Monumento aos Açorianos, no Largo dos Açorianos. Porto Alegre (RS), 2014.

As novas fronteiras

Como vimos, os habitantes da América portuguesa ocuparam terras que, pelo
Tratado de Tordesilhas, pertenciam à Espanha. Os espanhóis, por sua vez, também
invadiram áreas do Oriente, pertencentes a Portugal. Considerando ter direito às

terras conquistadas na América, Portugal fez vários acordos internacionais para
oficializar essa conquista. Os mais importantes foram:

»» Tratado de Utrecht (1713), assinado entre Portugal e França. Estabelecia que
o rio Oiapoque, no norte do atual território brasileiro, limitaria a fronteira entre
Brasil e Guiana Francesa.

»» Tratado de Madri (1750), assinado entre Portugal e Espanha. Estabelecia que
a Colônia do Sacramento pertencia à Espanha. Em troca, Portugal recebia os Sete
Povos das Missões, área situada em terras do atual estado do Rio Grande do Sul.
Sete Povos das Missões eram sete grandes aldeamentos organizados pelos jesuítas
espanhóis, onde viviam cerca de 30 mil indígenas da nação Guarani. Os Guarani
não aceitaram a ideia de ter de se mudar das terras em que viviam, conforme
determinava o Tratado de Madri. Por isso, pegaram em armas contra soldados
portugueses e espanhóis, dando início à Guerra Guaranítica. Os indígenas
resistiram por 17 anos – período em que ganhou fama a atuação do cacique Sepé
Tiaraju –, o que obrigou Portugal e Espanha a fazer novos acordos.

Página 113

»» Tratado de Santo Ildefonso (1777), assinado entre Portugal e Espanha. Os
espanhóis obtinham o território de Sete Povos das Missões e a Colônia do
Sacramento, e devolviam a Portugal algumas terras que haviam ocupado no atual
Rio Grande do Sul. Considerando-se prejudicados, os portugueses exigiram da
Espanha um novo acordo.
»» Tratado de Badajós (1801), assinado entre Portugal e Espanha. Os
portugueses ficavam com o território de Sete Povos das Missões e a Espanha
garantia para si a Colônia do Sacramento.

Dica! Reportagem sobre a Colônia do Sacramento. [Duração: 4 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/rwopak>.
1

Prefeitura Municipal de São Luiz Gonzaga/RS

2

Alexandre Campbell/Tyba

Fig. 1: ruínas da Igreja de São Miguel das Missões, sítio arqueológico de São Miguel Arcanjo, no atual
estado do Rio Grande do Sul, 2011. Em 1983, a Unesco declarou essas ruínas patrimônio histórico
da humanidade. Fig. 2: A cruz acima da lança, em concreto armado, em frente à Prefeitura
Municipal de São Luiz Gonzaga (RS), 2013.

Principais tratados de limites

Allmaps

ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de et al. Atlas histórico escolar. 8. ed. Rio de Janeiro: FAE, 1991. p. 30.

Como se pode ver no mapa, as fronteiras estabelecidas pelo Tratado de Badajós eram bem
parecidas com as fixadas pelo Tratado de Madri. Definia-se, assim, o novo território da América
portuguesa.

Página 114

ATIVIDADES

ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando

1. (Enem/MEC – 2014)
O índio era o único elemento então disponível para ajudar o colonizador como agricultor,
pescador, guia, conhecedor da natureza tropical e, para tudo isso, deveria ser tratado como
gente, ter reconhecidas sua inocência e alma na medida do possível. A discussão religiosa e
jurídica em torno dos limites da liberdade dos índios se confundiu com uma disputa entre
jesuítas e colonos. Os padres se apresentavam como defensores da liberdade, enfrentando a
cobiça desenfreada dos colonos.

CALDEIRA, J. A nação mercantilista. São Paulo: Editora 34, 1999 (adaptado).

Entre os séculos XVI e XVIII, os jesuítas buscaram a conversão dos indígenas ao catolicismo. Essa
aproximação dos jesuítas em relação ao mundo indígena foi mediada pela
a) demarcação do território indígena.
b) manutenção da organização familiar.
c) valorização dos líderes religiosos indígenas.
d) preservação do costume das moradias coletivas.
e) comunicação pela língua geral baseada no tupi.

1. Resposta: e.

2. (Unicamp-SP – 2014)
A história de São Paulo no século XVII se confunde com a história dos povos indígenas. Os
índios não se limitaram ao papel de tábula rasa dos missionários ou vítimas passivas dos
colonizadores. Foram participantes ativos e conscientes de uma história que foi pouco
generosa com eles.

(Adaptado de John M. Monteiro, “Sangue Nativo”, em http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/ sangue-
nativo. Acessado em 14/07/2013.)

Sobre a atuação dos indígenas no período colonial, pode-se afirmar que:
a) A escravidão foi por eles aceita, na expectativa de sua proibição pela Coroa portuguesa, por
pressão dos jesuítas.
b) Sua participação nos aldeamentos fez parte da integração entre os projetos religioso e bélico de
domínio português, executados por jesuítas e bandeirantes.

c) A existência de alianças entre indígenas e portugueses não exclui as rivalidades entre grupos
indígenas e entre os nativos e os europeus.

d) A adoção do trabalho remunerado dos indígenas nos engenhos de São Vicente contrasta com as
práticas de trabalho escravo na Bahia e Pernambuco.

2. Resposta: c.

3. (UECE) A corrida do ouro em Minas Gerais no final do século XVII trouxe uma riqueza muito
grande para a Coroa portuguesa mas também exigiu muitos esforços no sentido de fiscalizar a
produção e punir o contrabando. Assinale a expressão correta a respeito das medidas fiscais
empreendidas por Portugal na área das minas:

a) apesar dos protestos dos fidalgos encarregados da arrecadação, a Coroa portuguesa evitava
pressionar os produtores através das derramas, limitando-se a aumentar os impostos.

b) sem conseguir se impor aos proprietários das minas, a administração colonial passou a permitir
a livre comercialização do ouro, arrecadando impostos nos portos e nas estradas.

c) a administração colonial instalou as casas de fundição para regulamentar a produção do ouro e
arrecadar mais impostos, obtendo total apoio dos proprietários das minas.

Página 115

d) ao aumentar a carga fiscal e as casas de fundição, a Coroa logrou aumentar a arrecadação de
impostos, mas provocou a revolta dos proprietários das minas.

3. Resposta: d.

4. (UFRGS-RS – 2013) Leia o enunciado abaixo.

A sede insaciável do ouro estimulou a tantos a deixarem suas terras e a meterem-se por
caminhos tão ásperos como são os das minas, que dificultosamente se poderá dar conta do
número de pessoas que atualmente lá estão [...]. Cada ano, vêm nas frotas quantidades de
portugueses e de estrangeiros para passarem às minas. Das cidades, vilas e recôncavos e
sertões do Brasil, vão brancos, pardos e pretos, e muitos índios, de que os paulistas se servem.

ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos; Brasília: INL,1976. p. 167. [1ª edição:
1711].

A descrição acima refere-se à sociedade formada na região das Minas Gerais, no século XVIII. A
respeito dessa sociedade, considere as seguintes afirmações.

I. A possibilidade de ascensão social era mais facilitada do que na atividade açucareira empreendida
no Nordeste.

II. A riqueza gerada promoveu o desenvolvimento de uma agricultura em grande escala, voltada
para a exportação.

III. O desenvolvimento acarretou uma sociedade urbana, heterogênea, composta por comerciantes,
funcionários reais, profissionais liberais e escravos.

Quais estão corretas?

a) Apenas I.

b) Apenas II.

c) Apenas I e II.

d) Apenas I e III.

e) Apenas II e III.

4. Resposta: d.

5. (UFRGS-RS – 2014) Sobre o Tratado de Madri, assinado em 1750 por Portugal e Espanha,
considere as seguintes afirmações.

I. A Colônia de Sacramento passou para a Espanha, e os Setes Povos das Missões passaram para
Portugal, consagrando o princípio do uti possidetis.

II. A expulsão dos jesuítas foi fator importante para a eclosão da chamada guerra guaranítica (1752-
1756), reduzindo os efeitos do Tratado.

III. As Missões retornaram para a Província do Paraguai.

Quais estão corretas?

a) Apenas I.
b) Apenas II.

c) Apenas III.
d) Apenas I e II.
e) Apenas I e III.

5. Resposta: d.

6. As populações indígenas foram praticamente exterminadas com a chegada dos europeus no
continente americano a partir do final do século XV. Mas, apesar da violência da conquista
territorial, a resistência indígena nas regiões brasileiras sempre existiu. Como essa resistência pode
ser identificada?

6. A resistência indígena pode ser identificada em lutas e enfrentamentos diversos, como na Guerra Guaranítica e em fugas
para áreas do interior da Amazônia.

7. Em dupla. Escrevam um pequeno texto sobre o gado no Sul seguindo o roteiro:
a) a destruição das missões jesuíticas no Sul e os rebanhos sem dono;

b) as “terras de ninguém” entre Laguna (SC) e a Colônia do Sacramento;
c) a ocorrência da mineração no Centro-Sul;
d) invernadas e estâncias;

e) a produção do charque.

7. O texto fornece elementos para a resposta. A intenção aqui é dar continuidade ao trabalho de estímulo à competência
escritora do aluno e ajudá-lo a fixar conhecimentos sobre a ocupação e o povoamento do sul do Brasil.

Página 116

II. Leitura e escrita em História

Leitura e escrita de textos

PROFESSOR, VER MANUAL.

VOZES DO PRESENTE

O texto a seguir é de Paulo Cavalcante, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Eu quero é ouro!

[...] Nas Minas Gerais do final do século XVII e das primeiras décadas do XVIII, todos queriam
ouro. A qualquer preço. Os próprios representantes do Estado português – governadores,
ouvidores, provedores [...] contribuíam para desviar as riquezas da Fazenda Real (a Receita
Federal da época). [...]
Como a sociedade colonial era escravista, os trabalhadores negros encarregados da mineração
eram vistos como os principais “passadores” [...] de ouro e diamantes. Ouro em pó salpicado no
cabelo de mulheres negras, pepitas e diamantes desviados no pequeno comércio dos povoados
e das lavras – especialmente pelas chamadas “negras de tabuleiro”, que vendiam comidas e
bebidas – também foram modos de descaminhar a riqueza extraída da terra. [...]
A maneira mais espetacular de desviar ouro era a falsificação de moedas. Encontravam-se
moedas falsificadas de diversos tipos: vazadas [...] com peso reduzido ou fundida com metais
considerados baixos (como cobre, níquel e estanho).
[...] Mas a fábrica de moeda falsa de que realmente se tem notícia [...] foi obra de [...] Inácio de
Souza Ferreira, [...] sob a proteção [...] do próprio governador das Minas Gerais, D. Lourenço de
Almeida (1721-1732) [...]. D. Lourenço, a propósito, retornou riquíssimo a Portugal, com
bagagem reluzente, no fim do seu governo. Estes sim, e não os escravos, foram os grandes
descaminhadores.

CAVALCANTE, Paulo. Eu quero é ouro! Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 4, n. 38, p. 28-
30, nov. 2008.

Descaminhar: extraviar.

Museu Paulista da Universidade de São Paulo. Foto: Romulo Fialdini/Tempo Composto

Barras de ouro do início do século XIX, quintadas na região das Minas.

a) O extravio de ouro e diamantes nas Minas Gerais do início do século XVIII era uma prática
exclusiva dos escravizados? Justifique.

b) Sobre os extravios de riqueza gerada nas Minas do século XVIII, responda:

b1) Quem praticava esses extravios? De que forma isto era feito?

b2) No texto, o autor afirma que os representantes do governo, e não os escravos, foram os
grandes extraviadores. Explique essa afirmação de acordo com o contexto da época.

Página 117

Capítulo 6 A Revolução Inglesa e a
Industrial

Professor: partimos de uma imagem e um mapa atuais para verificar o que o aluno sabe sobre o tipo de monarquia adotado
no Reino Unido, dar início ao trabalho com o conceito de monarquia parlamentar e o processo que levou ao advento desse
regime político na Inglaterra. Na cerimônia registrada na foto, a rainha Elizabeth II apresentou um programa com os
seguintes pontos: cortes no orçamento, geração de empregos, construção de casas populares, creches gratuitas e controle da
imigração; este programa ajuda-nos a pensar sobre a capacidade de renovação da monarquia parlamentar britânica e de
adequação de suas propostas às demandas do mundo atual.

Ben Stansall /WPA Pool/Getty Images

Reino Unido atualmente

Vespúcio Cartografia

Fonte: WORLD Atlas Reference. London: Dorling Kindersley, 2010. p. 96-97.

A imagem da esquerda mostra Elizabeth II, a rainha do Reino Unido (representado
em um mapa atual à direita). Ela aparece discursando na sessão de abertura do
Parlamento de seu país, em maio de 2015.

» Você sabe qual é o tipo de monarquia adotado no Reino Unido
atualmente? Sabe como ele funciona?
» Como e quando o país passou a adotar esse tipo de monarquia?
» Você conhece outros países que adotam a monarquia na
atualidade?

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O processo revolucionário inglês

O processo revolucionário que se desenrolou na Inglaterra do século XVII tem suas
raízes nas mudanças socioeconômicas que vinham ocorrendo anteriormente.

Durante a dinastia Tudor (1485-1603), a política mercantilista de monarcas
poderosos, como Henrique VIII e Elizabeth I, ajudou a Inglaterra a se transformar
em uma grande potência econômica. Na época, ela liderava o ramo da indústria
têxtil e o da produção de carvão; e, no comércio marítimo, perdia apenas para a
Holanda. No início do século XVII, os comerciantes, industriais e armadores
constituíam uma burguesia próspera e atuante. À época, Londres tinha se
transformado na maior cidade da Europa.

Dica! Reportagem sobre aspectos da história da Grã-Bretanha nos séculos XVI e XVII. [Duração:
27 minutos]. Acesse: <http://tub.im/3jt2n5>.

Mudanças na sociedade inglesa

O capitalismo não se restringia às cidades inglesas; chegava também ao campo,
onde a pequena nobreza rural – chamada na Inglaterra de gentry – enriquecia
praticando a agricultura comercial. Apesar de atuar no meio rural, a gentry se
ligava à burguesia das cidades por meio de negócios e casamentos.

Capitalismo: sistema socioeconômico caracterizado pela propriedade privada dos meios de produção
(terras, fábricas, equipamentos etc.), relações assalariadas de trabalho e produção visando o lucro.

Os yeomen (pequenos e médios proprietários rurais) também vinham
prosperando. A gentry e os yeomen produziam e vendiam tecidos de lã e alimentos
que a marinha mercante inglesa comercializava nos quatro cantos do mundo.

Para continuar produzindo alimentos e criando ovelhas em quantidades
crescentes, eles começaram a cercar os seus domínios, expulsando os camponeses
que lá viviam. Essa prática recebeu o nome de cercamento. A ela se referiu
Thomas Morus no seu livro A Utopia, ao falar de um estranho país onde as ovelhas
devoravam os seres humanos.

Cercamento: consistia em cercar as terras de uso comum, de onde os camponeses retiravam sua
subsistência, para transformá-las em pastos para a criação de ovelhas (produtoras de lã) ou em áreas de
produção de cereais, frutas e vegetais destinados à venda. A prática dos cercamentos se estendeu por um longo
período, mas teve momentos de maior intensidade.

Publicado por Jan Blaeu. Séc. XVII. Coleção particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Frontispício de A Utopia, de Thomas Morus, 1643.

Página 119

Era comum também a compra de terras por parte da gentry e dos yeomen. Assim,
por meio dos cercamentos e/ou da compra, essas camadas sociais foram
acumulando terras. E, pouco a pouco, a agricultura de subsistência foi cedendo
lugar à agricultura comercial com características capitalistas.
No campo, enquanto os yeomen prosperavam, os camponeses empobreciam.
Expulsos das terras em que trabalhavam, os camponeses se transformavam em
andarilhos, mendigos ou migravam para as cidades, onde se ofereciam para
trabalhar por baixíssimos salários nas manufaturas, oficinas ou nos estaleiros.

Cornwall Lamorna Cove. Séc. XIX. Óleo sobre tela. Coleção particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Camponeses ingleses de um vilarejo. Esta obra do século XIX ajuda-nos a imaginar um fenômeno
típico do século XVII, na Inglaterra: a migração de famílias camponesas do campo para as cidades
inglesas.

Assim, nas cidades inglesas, especialmente em Londres, se formou, de um lado,
uma rica burguesia mercantil e manufatureira e, de outro, uma massa de
trabalhadores urbanos e de desempregados. A maior parte da burguesia inglesa
era favorável à liberdade de produção e de comércio e considerava a política
regulamentadora e monopolista da monarquia inglesa como prejudicial aos seus
negócios.

O absolutismo dos Stuart

Com a morte de Elizabeth I, em 1603, seu primo, o rei da Escócia, assumiu o trono
da Inglaterra como Jaime I (1603-1625), o primeiro da dinastia Stuart. Apoiado na
teoria do direito divino dos reis, Jaime ordenou, logo no início do seu reinado, que
todos os seus súditos seguissem o anglicanismo, a religião oficial da monarquia
inglesa. Essa imposição, aliada à adoção de uma política tributária extorsiva,
provocou forte oposição no Parlamento, onde os puritanos tinham muitos
representantes. O rei reagiu mandando fechar o Parlamento, pondo em prática seu
absolutismo.

Parlamento: era composto da Câmara dos Comuns e da Câmara dos Lordes. Na Câmara dos Comuns
predominavam os representantes da burguesia e da gentry; na Câmara dos Lordes, o alto clero e a alta
nobreza.

As violentas disputas entre a Monarquia e o Parlamento, iniciadas no governo de
Jaime I, prosseguiram no reinado de seu filho e sucessor Carlos I (1625-1649).

Página 120

Em 1628, reagindo à política fiscal opressiva do rei Carlos I, o Parlamento
conseguiu aprovar a Petição de Direitos, que declarava ilegal qualquer tributação
sem o seu consentimento e condenava as prisões arbitrárias efetuadas a mando do
rei. Em represália, nos 11 anos seguintes, Carlos I governou sem convocar o
Parlamento e tomou uma série de medidas arbitrárias: restaurou taxas e tributos
que haviam sido extintos, concedeu monopólios, vendeu cargos públicos, impôs
multas e criou novos impostos. Um deles, o ship money, pago apenas pelas
cidades portuárias, passou a ser de âmbito nacional. A reação ao ship money
desencadeou uma onda de protestos em todo o país; muitos líderes da oposição
foram encarcerados e mortos a mando do rei.
Em 1640, Carlos I convocou o Parlamento para pedir aumento de impostos a fim
de sustentar uma guerra contra os escoceses calvinistas, que reagiram à imposição
do anglicanismo na Escócia invadindo o norte da Inglaterra. O Parlamento, por sua
vez, aproveitando-se da situação de urgência, anulou os impostos solicitados pelo
rei e aprovou um ato que impedia a dissolução do Parlamento sem a aprovação dos
parlamentares.
Sentindo sua autoridade ameaçada, Carlos I passou à ofensiva: invadiu com sua
guarda pessoal a Câmara dos Comuns, órgão de maioria puritana, para prender os
líderes da oposição. A oposição, no entanto, já havia se retirado do recinto para se
unir às forças puritanas armadas na luta contra o absolutismo; tinha início, assim,
na Inglaterra, uma guerra civil que se estendeu de 1642 a 1649.

Lir Anthony van Dyck. 1635. Óleo sobre tela. Coleção particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

A pintura intitulada Carlos I em três posições é um dos vários retratos que o pintor Anthony van
Dyck fez desse rei, seu protetor e mecenas. Repare que Carlos I foi retratado de três ângulos
diferentes, de modo a impressionar o observador e evocar a ideia de força e poder de rei
absolutista.

Revolução Puritana

Do ponto de vista social, a alta nobreza, burgueses favorecidos por monopólios
reais e os membros do clero anglicano e católico lutaram ao lado do rei; a
burguesia manufatureira e mercantil, a gentry e os yeomen, de religião puritana,
lutaram ao lado do Parlamento.

Durante a guerra, os integrantes do exército parlamentar, chamados de “cabeças
redondas”, por usarem cabelo curto, obtiveram diversas vitórias contra os
membros do exército do rei, denominados “cavaleiros”, por causa da sua origem
nobre. O exército parlamentar venceu em virtude de sua superioridade numérica

Página 121

e estratégica (marinha e portos) e da remodelação promovida pelo militar Oliver
Cromwell. No regimento sob seu comando, Cromwell substituiu o nascimento
(origem) pelo merecimento (eficiência militar) como critério de promoção na
carreira militar. Aos poucos, todo o exército adotou esse critério, constituindo,
então, o New Model Army (Exército de Novo Tipo).
Esse exército remodelado venceu as tropas leais ao rei, definitivamente, na batalha
de Naseby (1645). A monarquia foi declarada “desnecessária”, opressiva e
perigosa; a Câmara dos Lordes foi abolida; a República foi proclamada; e Cromwell
assumiu o governo do país. Carlos I foi julgado pelo Parlamento por crime de
traição, mas não reconheceu a autoridade dos parlamentares justificando que tinha
recebido seu poder das mãos de Deus. O Parlamento o condenou à morte e ele foi
decapitado no início de 1649.

C. 1640. Gravura. Coleção particular. Foto: Hulton Archive/Getty Images

Integrante do exército dos “cabeças redondas”, c. 1640. Os puritanos, nome dado aos calvinistas na
Inglaterra, acreditavam na predestinação. Muitos desses soldados, como esse representado na
imagem ao lado, acreditavam que tinham sido eleitos por Deus para combater no exército de
Cromwell.

Para saber mais

Puritanismo e Revolução
Sem ideias não há Revolução.

Segundo o historiador Modesto Florenzano, uma das principais bases intelectuais
da Revolução Inglesa foi o puritanismo. Puritanos eram os calvinistas ingleses que
lutavam pela purificação da Igreja e se consideravam “eleitos de Deus”.
O puritanismo se desenvolveu, sobretudo, entre a burguesia e a pequena nobreza
rural, ou seja, entre o empresariado inglês do campo e das cidades.
Os puritanos defendiam a independência de juízo baseada na consciência de cada
um e na leitura da Bíblia; e estavam convencidos da necessidade de lutar contra a
corrupção na Corte e na Igreja. E foi justamente essa “certeza da retidão da causa”
um dos principais combustíveis da Revolução contra o absolutismo monárquico na
Inglaterra.

C. 1600. Xilogravura. Coleção particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Família puritana reunida à mesa. Xilogravura de c. 1600.

Página 122

A República de Cromwell

Apoiado no exército, Oliver Cromwell (1649-1658), um republicano moderado, foi
um dos governantes mais autoritários da história inglesa. Externamente, sufocou o
levante dos católicos da Irlanda e o dos separatistas da Escócia; internamente,
combateu os movimentos populares puritanos que exigiam reformas radicais. As
terras dos partidários do rei e da Igreja anglicana foram confiscadas e vendidas
para a burguesia manufatureira, para os gentry e para os yeomen, os vencedores da
Revolução Puritana.
Para fortalecer o comércio exterior da Inglaterra, Cromwell promulgou, em 1651,
os famosos Atos de Navegação.

[...] as mercadorias europeias não podiam ser transportadas para a Inglaterra, a não ser em
navios ingleses ou em navios do país de origem; do mesmo modo os produtos da Ásia, da
América ou da África não podiam ser importados senão pela marinha britânica ou colonial.

DEYON, Pierre. O mercantilismo. São Paulo: Perspectiva, 1973. p. 22.

Os Atos de Navegação favoreceram a acumulação de capitais por parte da
burguesia britânica e excluíram a Holanda do lucrativo transporte de mercadorias
para a (ou da) Inglaterra, precipitando uma guerra entre os dois países (1651-
1654). A Inglaterra venceu a Holanda, assumindo a liderança marítimo-comercial
no mundo daquela época; a burguesia inglesa ligada ao comércio exterior
prosperou.
DIALOGANDO

Com que intenção Oliver Cromwell teria promulgado os Atos de Navegação?

A intenção de Cromwell era fortalecer a marinha inglesa, enriquecer comerciantes e armadores de seu país e atingir a
Holanda, que na época era sua principal concorrente nos mares.

A partir daí, Cromwell aproveitou-se da guerra para tornar seu cargo vitalício e
hereditário (1653), impondo seu poder pessoal à nação, com o título de Lorde
Protetor da Inglaterra, Irlanda e Escócia. Por isso, cinco anos depois, quando
Cromwell morreu, o poder passou às mãos de seu filho Ricardo.

Dica! O vídeo aborda a crise do absolutismo inglês e as revoluções inglesas. [Duração: 32
minutos]. Acesse: <http://tub.im/hwxczv>.

Escola francesa. c. 1700. Xilogravura colorizada. London Metropolitan Archives. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Vista de Londres, c. 1700. A indústria têxtil, a produção de carvão e a política mercantilista dos
governantes ingleses contribuíram para a prosperidade de Londres, a maior cidade da Europa no
século XVII.

Página 123

A restauração da monarquia

Ricardo não tinha o apoio do exército e, além disso, mostrava-se incapaz de fazer
alianças e de controlar as oposições. Ao mesmo tempo, os movimentos populares
liderados por grupos político-religiosos puritanos, como os levellers (niveladores)
e os diggers (cavadores), pressionavam por mudanças.
Os niveladores surgiram nos quadros do exército parlamentar e, liderados por
homens como John Lilburne, o Nivelador, defendiam:
»» o direito de voto a todos os homens, o fim da Câmara dos Lordes e todo o poder
para a Câmara dos Comuns;
»» a separação entre a Igreja e o Estado;
»» o fim dos dízimos cobrados pela Igreja anglicana e a proteção à pequena
propriedade.
Os cavadores pleiteavam uma reforma agrária radical. Esse grupo inspirava-se
nas ideias do escritor Gerrard Winstanley, defensor dos ideais de igualdade e
fraternidade dos primeiros cristãos. Veja o que um historiador diz sobre esse
grupo político:

Os diggers exigiam que todas as terras e florestas da Coroa, os terrenos comunais e ociosos
fossem cultivados pelos pobres, através da posse comunitária, e que a compra e venda da terra
deveria ser proibida por lei.

HILL, Christopher. O eleito de Deus: Oliver Cromwell e a Revolução Inglesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.
18.

Temendo a força desses movimentos populares radicais, o Parlamento aprovou a
volta à monarquia, convidando o filho de Carlos I (executado pela Revolução
Puritana) a ocupar o poder.
Com Carlos II (1660-1685), as tensões entre a monarquia e o Parlamento voltaram
a dominar a cena política. Embora se declarasse rei por direito divino, Carlos II
sabia que era rei por vontade do Parlamento. Mas, uma vez entronado, buscou se
impor ao Parlamento: externou seu ódio ao puritano Oliver Cromwell (mandou
desenterrar o corpo e decepou a cabeça dele publicamente) e não escondeu sua
simpatia pelo catolicismo.
Jaime II (1685-1689), seu irmão e sucessor, foi mais longe: tentou impor o
catolicismo aos ingleses desafiando o Parlamento, de maioria protestante. E
também aliou-se a Luís XIV, da França, o monarca absolutista mais poderoso da
Europa.

Editora Cia. das Letras

Fac-símile da capa de O eleito de Deus, de Christopher Hill.

A Revolução Gloriosa

O Parlamento reagiu às imposições de Jaime II reunindo tropas para destroná-lo. O
rei, por sua vez, preferiu deixar o trono a resistir. Os líderes do Parlamento, então,
convidaram o príncipe holandês Guilherme de Orange, casado com a filha
protestante de Jaime II, a ocupar o trono inglês. Em 1688, Guilherme de Orange
entrou na Inglaterra com o seu exército e, por ato do Parlamento, foi declarado rei.
Era a Revolução Gloriosa (1688), assim denominada por ter ocorrido sem
derramamento de sangue.

Página 124

A seguir, o Parlamento aprovou a escolha do soberano. Assim, Guilherme de
Orange jurou obedecer à Declaração de Direitos (Bill of Rights, 1689), vigente na
Inglaterra até hoje. A Declaração de Direitos limitou o poder do rei, conferiu
autoridade e garantias ao Parlamento e assegurou os direitos civis e a liberdade
individual a todo cidadão inglês.
O processo revolucionário inglês foi inspirado nas ideias do importante pensador
político John Locke.

Dica! Vídeo sobre John Locke. [Duração: 3 minutos]. Acesse: <http://tub.im/bdeveg>.

Escola inglesa. Séc. XIX. Ilustração. Coleção particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Na imagem vemos um membro do Parlamento entregando aos reis Guilherme de Orange e sua
esposa, Maria, a Declaração de Direitos, documento que limitava o poder real.

Para saber mais

John Locke e o liberalismo
John Locke (1632-1704) ajudou a derrubar o absolutismo na Inglaterra. Locke
dizia que todos os homens, ao nascer, tinham os mesmos direitos: direito à vida, à
liberdade e à propriedade. Para garantir esses direitos naturais, os homens
haviam criado governos. Mas, se o governo tentasse impor o absolutismo, as
pessoas poderiam rebelar-se e retirá-lo do poder pela força das armas.
Locke defendia o direito de cada pessoa escolher sua religião, apoiar um grupo
político, defender suas ideias em público ou por meio da imprensa. Esses direitos
individuais deveriam ser respeitados e protegidos pelos governantes. Por essas
suas ideias, Locke foi considerado um dos “criadores” do liberalismo na política.

Séc. XIX. Gravura. Coleção particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

John Locke, filósofo inglês, pregou a ideia de que os governos foram criados para defender os
“direitos naturais” dos homens.

O significado da Revolução Gloriosa

A partir da Revolução Gloriosa, tornou-se comum dizer: “o rei reina, mas quem
governa é o Parlamento”. Embora a afirmação não deva ser tomada ao pé da letra,
o fato é que a Inglaterra deixava de ser uma monarquia absolutista e passava a ser
uma monarquia parlamentar. Os ingleses deixavam de ser súditos para
tornarem-se cidadãos, com direitos e deveres. Além disso, a Revolução favoreceu o
desenvolvimento do capitalismo e, consequentemente, a expansão dos negócios da
gentry e da burguesia manufatureira e mercantil, o que ajuda a compreender o
pioneirismo inglês na Revolução Industrial.

Página 125

A Revolução Industrial

A Revolução Industrial pode ser definida como uma transformação sem
precedentes no modo de produzir mercadorias, de viver e de pensar, que
impressionou muito os homens e as mulheres que a vivenciaram. Essa Revolução
teve início na Inglaterra na década de 1760 e se propagou pela Europa nas décadas
seguintes.

Foi na Inglaterra que se desenvolveram as primeiras máquinas movidas a vapor.
Foi lá também que se viram pela primeira vez fábricas enormes que reuniam
muitos trabalhadores ocupados na produção sob o olhar vigilante de seus chefes.

Por que a Inglaterra foi a primeira a se industrializar?

O pioneirismo inglês deveu-se a um conjunto de fatores inter-relacionados, a
saber:

»» Acúmulo de capitais – A partir do governo de Elizabeth I (1558-1603), a
economia inglesa ganhou forte impulso. A Inglaterra acumulou capitais por meio
do comércio, da pirataria, da guerra e da exploração colonial. E, na segunda metade
do século XVII, assumiu a liderança marítimo-comercial que até então cabia à
Holanda.

»» Modernização da agricultura – O empresariado rural inglês introduziu a
rotação continuada de culturas e novas técnicas de drenagem e adubação, que
aumentavam a produtividade do solo. Além disso, por meio dos cercamentos,
apropriou-se de terras antes utilizadas por camponeses e, com isso, aumentou a
oferta de alimentos e de matérias-primas para as cidades.

»» Mão de obra farta e barata – Sem terra e sem trabalho, os camponeses
mendigavam pelas estradas ou iam para as cidades, onde se ofereciam para
trabalhar por baixos salários nas fábricas que então começavam a surgir. O
desespero levava os desempregados a aceitarem qualquer serviço, pois a
Legislação dos Pobres, vigente na Grã-Bretanha à época, determinava que todo
indivíduo sem trabalho ou ocupação poderia ser preso e chicoteado.

»» Abundância de carvão mineral e de ferro no subsolo inglês – O ferro era a
matéria-prima básica para construir máquinas, e o carvão mineral era a fonte de
energia que garantia seu funcionamento. 1

1. Dica! Vídeo sobre os usos e a importância do carvão mineral. [Duração: 26 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/5c5tp6>.

»» O puritanismo – Não condenava o lucro e pregava uma vida voltada para o
trabalho e a oração.

»» A Revolução Gloriosa, que deu estabilidade política e favoreceu o
desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra. A monarquia parlamentar inglesa
tomou várias medidas favoráveis ao crescimento das manufaturas, das empresas
rurais e da indústria naval, estimulando, portanto, os negócios da burguesia. 2

2. Dica! Vídeo sobre o começo da Revolução Industrial na Inglaterra. [Duração: 25 minutos].
Acesse: <http://tub.im/mjeton>.

Máquinas industriais e sistema fabril

A industrialização inglesa começou pela indústria de tecidos de algodão. A
crescente procura mundial por esses tecidos e o baixo preço da matéria-prima
usada na sua confecção estimularam a invenção de máquinas de fiar e de tecer em
um curto espaço de tempo.

Por volta de 1760, foi disseminado o uso da lançadeira volante inventada por John
Kay. Essa máquina permitia tecer peças largas, com menos trabalhadores e

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maior velocidade, o que gerou descompasso entre tecelagem e fiação: a quantidade
de fios já não atendia à necessidade da tecelagem. A situação se modificou, em
1767, quando o tecelão e carpinteiro James Hargreaves inventou a spinning
jenny, uma roda de fiar que permitia a uma só pessoa fiar oito fios por vez. Com a
spinning jenny, uma só pessoa realizava o trabalho de 12 fiandeiras. Por ser
pequena, ela podia ser instalada em casa; movida manualmente, essa máquina
exigia apenas a força do ser humano.
DIALOGANDO

Você já ouviu o ditado “a necessidade é a mãe de todas as invenções”? Você concorda com
isso?

Resposta pessoal. Professor: o assunto dá oportunidade a esse debate e para iniciá-lo é interessante perguntar: qual é a
origem de uma invenção? Um invento atende, principalmente, à necessidade social de determinado momento histórico.

William Ibbitt. Séc. XVIII. Litogravura. Coleção particular. Foto: SSPL via Getty Images

Cidade inglesa de Sheffield no século XVIII. Naquele tempo, as chaminés das fábricas eram um
elemento novo na paisagem. Os grossos rolos de fumaça que saíam dessas chaminés poluíam o ar,
dando início ao que hoje chamamos de “questão ambiental”. Industrialização e urbanização
caminharam de mãos dadas. Muitas cidades surgiram ou cresceram em torno das fábricas,
desordenada e rapidamente, sob o impacto das famílias que vinham do campo, ansiosas por
trabalho e uma vida melhor.

Os fios produzidos na jenny eram, no entanto, finos e quebradiços. Para suprir os
tecelões com fios resistentes inventou-se em 1769 a water-frame, uma máquina de
fiar movida com água, atribuída a Richard Arkwright. Tendo a água como força
motriz, não podia ser instalada nas casas e necessitava de um espaço maior: a
fábrica. A water-frame contribuiu, assim, para a consolidação do sistema fabril.
Nesse sistema, os trabalhadores labutavam juntos, no mesmo espaço, sob o rígido
controle de seus chefes, que ditavam o número de horas diárias e a velocidade da
produção.

Os fios da water-frame eram resistentes, porém grossos. A solução para isso foi
dada pela mule, inventada por Samuel Crompton, em 1779. A mule – uma máquina
híbrida (combinação das duas anteriores) – produzia fios finos e resistentes, com
os quais se podiam fabricar tecidos de uma leveza que superava

Arterra Picture Library/Alamy/Latinstock

Representação de um menino trabalhando para limpar resíduos da mule. Museu da Indústria,
Trabalho e Têxtil da Bélgica. 2014.

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a dos importados da Índia, a maior produtora de tecidos do Oriente. Com a mule, a
fiação tornou-se efetivamente uma atividade predominantemente industrial.
Se o problema antes era a carência, agora passa a ser o excesso de fios. A solução
para esse problema foi o tear mecânico, inventado pelo reverendo Edmund
Cartwright, em 1785, cuja capacidade de produção era muitas vezes maior que a
do tear manual.
Todas essas máquinas tornaram-se muito mais produtivas ao serem acopladas à
máquina a vapor, aperfeiçoada por James Watt em 1765. Nessa máquina, a força
de expansão do vapor substituía a força do ser humano, do vento ou da água.

Sem data. Coleção particular. Foto: Bettmann/Corbis/Latinstock

As primeiras fábricas de tecidos foram construídas às margens dos rios para aproveitar a energia
da água. Com a descoberta da máquina a vapor, isso deixou de ser necessário, e as fábricas
passaram então a ser erguidas no centro das cidades. A imagem ao lado representa a experiência de
James Watt com a força da expansão do vapor de água.

O uso do vapor exigia máquinas mais resistentes que as de madeira. Essa
necessidade foi atendida em 1784, quando Henry Coit conseguiu produzir um ferro
resistente, fácil de ser fabricado e barato, que passou a ser utilizado em máquinas,
navios e na construção civil. A máquina a vapor e a metalurgia do ferro, por sua
vez, impulsionaram a descoberta de dois outros inventos que revolucionaram os
meios de transporte em princípios do século XIX: o barco a vapor, desenvolvido
por Robert Fulton em 1807, e a locomotiva, idealizada por George Stephenson em
1814. O nome da locomotiva construída por Stephenson era “foguete” (rocket em
inglês) porque atingia até 45 quilômetros por hora, velocidade considerada alta na


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