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Published by Raquel Maciel, 2020-11-11 16:59:45

PASTA - 07

PASTA - 07

Keywords: GETÚLIO,POLÍTICA,DITADURA,CONSTITUIÇÃO,SUICÍDIO,JÂNIO,QUADROS

• ,,, e, Ji. IH .' .,.►;,,.,

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Praga viveu por -
alUum tempo seus
spo1•1n1mhoasvedra.e, mas os
tanques soviéticos
sufocaram a
liberdade

l

aros eram os observadores Apesar das derrotas, apesar da re- Martin Luther King, líder da luta ~,
que discordavam desse diag· pressão, as bandeiras libertárias le-
nóstico - uma demógrafa vantadas pelos estudantes de Praga. dos n,egros norte-americanos pelos
francesa. que observara a maior pelos trabalhadores da Polônia , que seus plenos direitos civis, foi assassi-
velocidade no crescimento das po- iriam formar , com o Solidariedade,
pulações n1uçuln1anas da União So- os primeiros sindicatos independen- nado em ' um hotel de Memphis,
viética e1n relação à população rus- tes do Leste, e pelos próprios solda- Tennessee. A sua morte foi como
sa. previa conflitos após o ano 2000. dos do Pacto de Varsóvia, que se
e um exótico diplomata brasileiro, sentiram traídos na invasão da Tche- u·m rastilho de pólvora até os bairros
Márcio Ran1alho. escrevia de Bu- coslováquia, como mais tarde se pobres qas grandes cidades. _Nas se-
curcste sobre a possibilidade de n1u- sentiriam enganados no Afeganis-
danças na Hungria e na Romênia, tão, irian, tornar-se vitoriosas no fu- manas seguintes eles explodiram de
desde que se iniciassem no interior turo. norte a sul, de leste a oeste dos Esta-
dos partidos comunistas no poder. dos Unidos, em uma onda de violên-
A previsão de Ramalho começou ALUTA DOS NEGROS
a acontecer, para espanto geral, no AMERICANOS cia muito mais terrível que as rebeli-
dia 6 de janeiro de 1968, quando o
secretário-geral do Partido Comu- Não se ·sabe ainda o resultado fi. ões anteriores, de Nova Iorque ou
nista da Tchecoslováquia, Antonin nal do desmoronamento do império de Los Angeles, provocadas por
Novotny , estalinista de quatro cos- soviético. Dor, guerra, n1iséria e
tados, foi substituído pelo reforma- destruição são hoje as conseqüên- militantes dos Panteras Negras. An-
dor Alexander Dubcek. Começava. cias mais evidentes desse cataclisma tes que a onda passasse, 110 cidades
e1n pleno inverno , o jogo de gato e histórico. Mas as suas raízes foram
rato entre os linha-dura soviéticos e plantadas com as flores sobre o tú- em 29 estados haviam conhecido os
a juventude do mais ocidental país mulo dos jovens tiroteados na Praça incêndios e as destruições do pro-
do Leste. jogo que faria florir a Pri- Venceslau , em Praga, perto do tea- testo da maior massa de marginali-
n1avera de Praga e ierminaria em tro onde Mozart pela primeira vez
agosto, debaixo das lagartas dos tan- zados da afluente sociedade ameri-
ques do Pacto de Varsóvia. encenou o seu Dom Giovanni.
Os ventos da liberdade sopraram cana.
também na Polônia. onde as mani- Na :noite de 4 de abril de 1968, King foi um líder muito firme nas
festações estudantis foram reprimi-
das pelo Exército. Tal como no Bra- suas reivindicações, embora paci-
sil . onde todos os contestadores
eran1 perseguidos e tachados de co- fista. Em 1963, depois de anos de
munistas. abriram-se en, Varsóvia enfrentamentos com os racistas do

centenas de processos contra sionis- Sul, ele liderara a Marcha Sobre
c,1s. ou seja. judeus.. e revisioniscas. Washington, quando dezenas de mi-

ou seja, opositores políticos. Esses lhares de pessoas, brancas e negras,
processos. que incriminararn.350 mil se reuniram na grande esplanada
pessoas, só viriam a set anulados por
fronteira ao Memorial de Lincoln
uma anistia em 1984. para exigir igualdade para todos

perante a lei. Um ano mais tarde,



.-

{

,,
r 'na iÍi,,;,sc1l:

cano realçado pela re!llização dos jo-
gos. Luis Echeverria mandou os tan-
ques barrarem a saída da praça e deu

a ordem de fogo. Oficiosamente, o
governo reconheceu 50 mortos, em-
bora jamais desse oficialmente um

número. A imprensa e as organiza-
ções de direitos humanos calcularam
de 400 a 500 as vítimas do massacre.

OS ENJEITADOS 00
BANQUETE

O mais longo ciclo de paz e de

prosperidade qu~ a Europa jamais

conheceu chegou ao pico em 1968.

As cidades já estavam reconstruí-

das, as fábricas lançavam nos merca-

dos mercadorias em volumes cada

vez maiores e cada vez mais diversi-

ficadas, mercadorias que podiam ser

compradas pela vasta maioria da po-

pulação. Portanto, do ponto de vista

material, a vida nunca fora melhor.

Nem só de pão vive o homem,

ensinam os evangelhos. Curiosa-

mente, foi um acordo político desti-

nado a dai: uma estabilidade ainda

maior à sociedade alemã que provo-

cou os primeiros debates sobre o po-

der jovem. O Partido Demócrata

Cristão aliou-se ao Partido Social

Democrat'a - e são os dois partidos

que contam de verdade nq Alema-

nha - para formarem um governo

de coalizão. Em conseqüência, ó

graças ao apoio do Presidente John- ções políticas dos estudantes - os país ficou sem oposição, o que nunca
son, essa reivindicação era formali- partiçlos Democrata e Republicano
OSANGUE DE zada na Lei de Direit0s Civis, contra é saudável para a democracia. Se~
PRAGA EDE todas as formas de discriminação, têm uma estratégia política idêntica.
provocando intensos protestos, des- só se diferenciando nas táticas - a oposição, logo, sem reformas , por-
MARTIN sa vez dos brancos sulistas. O des-
tino tem as suas ironias: a morte do polícia interveio em qua~e todos os •,que a rotina só se quebra quando
1 LUTHER KING maior defensor da não violência nos estados e a briga na Universidade c,le
, ; e FOI SEMENTE Estados Unidos provocou a maior pressionada de fora e as rotinas das
i ' PAR,A MUITAS vaga de violência da história recente Colurrbia, em Nova Iorque, não fi-
do país. cou devendo, em violência, aos universidades européias vinham in-
! VITORIAS combates no Quartier Latin, de
OS ESTUDANTES, SONHAM tactas desde antes da gu~rra, muito
. COM·APOLITICA Paris.
O cúmulo da violência aconteceu antes, por vezes. A. ,hierarquia dos.
O ano .dos estudantes, é como a
maioria das pessoas se iembra de no México, onde o governo estava catedráticos alemães, ·distantes a-
1968. Foi mesmo .. A rebelião na disposto a tudo para garantir a reali-
França foi a maior, a mais televisiva, zação tranqüila das Olimpíadas. Os nos-luz dos seus alunos, s,ó se com-
a de maior criatividade, a que mais
mexeu com as estruturas de um país. alunos da Universidade Autônoma, parava em rigidez à elas lJhiversida-
Mas ocorreram rebeliões na Espa- uma das maiores do mundo; foram
nha de Franco, na Itália, nas bolo- des soviéticas que, aliás, as copia-
rentas universfdades de Oxford e fazer uma manifestação de protesto
Dubcek e BreJnev, Cambridge, n~ Inglaterra·. Até na na Praça do Tlatelolco, Essa praça, ram . .Na França, a última grande
liberalíssimà Suécia, paraíso reali- onde ficam várjos ministérios,. tem
sorrisos e flores zado da social-democracia, onde o mudança tinha sido promovida por
Estado proíbe que se seja pobre, o uma só entrada e foi aberta no lugar
na Conferência de Parlamento foi ocupado pelos jo- da fortal~za onde o último impera- Napoleão. •
vens. Nos Estados Unidos,,onde não
Bratislava. Pouco existia uma tradição de manifesta- dor astec~ foi derrotado pelos espa- Um estudante da Universidade
nhóis. Uma placa de bronze anun-
depois, os tanques Livre de Berlim, Rudi Dutschke,
cia, com arrogância oficial, que do que viria a.ser conhecido como Ru-
soviéticos sangue ali derramado pbr duas ra-
Invadiam a di. o Vermelho,• começou a organi- ·
f ças, a européia e a indígena, nasceu
Tchecoslováquia. uma terc~ira, a raça mexicana. Um zar os colegas, inspirados nas idéias
\ Martin Luther pouco mais de sangue não pareceu
de um velho filósofo neomarxista',
ào ministro do Interio_r, presidente,
King, entre Jesse em seguida, ser um preço alto de- simpático aos jovens, Herbert Mar;-

Jackson e mais !?ara garantir o pr.estígio ·mexi- cuse. autov de Eros e Civilização e

Albernaihy, hotel ,de O Homem Unidimensional, mui-

do Memphis onde to xingados e pouco lidos pelos mili-

foi morto. tares brasileiros de então.
C'onsfatanqo a grande aliança go-

vernamental a.lemã, Rudi declarou:,

"Dagui em diante só existir~ uma

oposição: a dos estudantes." Acha-

va que as universidades eram fábri-

cas,de idiotas especializados.

1

• Eom osonho da •.

revdlução, os ••
estu1,dantes
e.:
abalaram as
est'ru1 turas da -
F'rança
8J
• ,...

ropunha u1na política de au-
togestão, tanto para as uni- L . .P ,. .1.!.!.
versidades como para os cen- ~
tros de trabalho, a abolição de toda e Os diretores de recursos humanos
qualquer hierarquia, e a discussão continuavam a dar preferência aos imediatamente ocupada pelos estu-
permanente e contrad,ifória de todos formandos das chamadas grandes dantes e declarada território livre da
os problen1as da sociedade. Propu- escolas, poucas, elitistas e desliga- repressão, co1no na Idade Média,
nha, ainda. adotar a provocação . elas do sistema universitário comum. quando 'os guardas do rei não po-
con10 forma de educação política. diam atravessar as fronteiras da uni-
Por exen1plo: quando o vice- Diante do protesto estudantil e da versidade sem licença do reitor.
presidente dos Estados Unidos, Hu- ocupação de alguns prédios, o reitor
bert 1-lumphrey, foi a Berlim, tentou de Nanterre teve a reação chíssica de O Quartier Latin cobriu-se de
acertá-lo com tortas de creme, co1no autoridade ofendida: chamou a po,lí- bandeiras vermelhas, do comu-
nas comédias-pastelão do cinema cia , que chegou de cassetete em pu- nismo, e de bandeiras negras, do
mudo. nho. Houve luta, alguns estudantes anarquismo. Os grafittis fizeram das
Rudi, o Yern1elho, foi vítima de foram presos, muitos apanharam. paredes as vitrines dos sonhos:
um atentado neonazista, mas os seus "Corre, o velho inundo está atrás de
1 seguidores não conseguiram abalar A bola de neve começou a rolar. ti"; "Seja realista: peça o impossí-
o sólido mundo germfinico. Quem Cohn Bendit conseguiu agrupar al- vel"; ",Faça an1or, não faça a guer-
conseguiu n1exer con1 as estruturas guns grupúsculos esquerdistas - a ra"; "E proibido proibir."
de um país. a França, foi un1 dos seus Juventude Comunista Revolucio-
nária. o Comitê de Ligação dos Es- A ocupação dos centros culturais
' adeptos, Daniel Cohn Bendit, estu- tudantes Revolucionários. a Federa- foi fácil: os intelectuais tomaram um
ção dos Estudantes Revolucio- banho de juventude e aderiram aos
dante na Universidade de Nanterre, nários, a União dos Comunistas estudantes. Jean-Paul Sartre e Si- ,
subúrbio chique de Paris. Marxista-Leninistas, a Guarda Ver- mone de Beauvoir foram para a Sor-
. melha, o Grupo Servir o Povo. Mui- bonne entrevistar os líderes das
AIMAGINAÇÃO to nome de tribo. mas poucos índios. várias facções: Serge J uly, da Es-
Em todo caso, esses bandos junta- querda Proletária, Jacques Sauva-
NO PODER ran1-se no Movimento 22 de Março. geot , da União Nacional dos Estu-
que começou a receber a adesão es- dantes Franceses, Alain Geismar,
Começou com un1 incidente ba- pontânea dos alunos de outras uni- maoísta, e, claro, Cohn Bendit. O
versidades. Teatro do Odeon, que pertence à
nal. Os estudantes de Nanterre fi- tradicional Comedie Française, foi
Princípios de n1aio, quando a pri- "fechado para o público burguês" e
zeran1, a 22 de n1arço. tuna 1nanifes- n1avera faz de Paris a mais deslum- transformado em centro de assem-
brante festa do mundo, os estudan- bléias, aliás permanentes. O seu lo-
1 tes voltaram às ruas. As suas n1ani- catário, Jean-Louis Barrault, mons-
festações foram novamente reprimi- tro sagrado dos palcos franceses, foi
taçáo por n1elhores condições de en- das e ganharam força. O ministro da despejado, apesar de ter' também
Educação, escritor Alain Peyrefitte, aderido ao frenesi geral.
sino, o que, en1 últirna inst,lncia. sig- mandou fechar a Sorbonne, que foi
As coisas começaram a ficar mais
nificaria melhores condições de dis-

puta no mercad_o de trabalho. depois

de forn1ados. E que a universidade

francesa inchara , tal con10 as do

resto da Europa Ocide ntal. onde o

núrnero de universitários passara de

739 n1il alunos, em 1950. para 1.700

mil. en1 1968. mas não mudara. Os

métodos de recrutan1ento , tanto da

'1 en1presa privada como do serviço
plÍblico. permaneciam inalterados.

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.1i~.Y-- 6) - .,_ 11 tes de rua, o General De Gaulle su-.
miu do mapa. Soube-se mai$ tarde
NA GUERRA sérias a 10 de maio, quando as ruas com 10 milhões de filiados e 'liderada que fora visitar o comandante das
DOS vizinhas à universidade foram palco pelo PCF, 'Partido Comunista Fran- tropas francesas aquarteladas na
PARALELE- ·9e batalhas campais entre estudan- cês, anunciou, no dia 11, uma greve Alemanha, General Jacques Massu,
PÍPEDOS, O tes e à polícia ,militar. Não sobrou de 24 horas em solidariedade aos jo- para garantir o apoio da mais equi-
ESTADISTA um único paralelepípedo no leito da vens. pada parcela do Exército. Conse-
DE GAULLE estreita Rua Mouffetard , que ser- guiu, com uma condição: o Exército
VENCEU PELO penteia ladeira acima desde o metrô A greve não parou. Na estatal Sud não atiraria contra o povo francês.
VOTO Monge até a Praça da Contra-Escar- Aviation, em Nantes, a oeste do
pa e é perfeita para barricadas. Mais país, houve a primeira ocupação da Ao voltar, apenas uma' frase: "Re-
Q Não sobraram tarde, a prefeitura cobriria o calça- fábrica com a detenção dos dire-
paralelepípedos mento de pedras com uma camada tores. Nas fábricas dos automóveis formes, oui, la chienlit, non.." Os
nas ruas de Paris: de asfalto, para privar de munição os Renault, a mesma coisa. No dia 18 já
os estudantes os rebeldes do futuro. Uma nuvem de eram 50 as fábricas ocupadas, o ae- ljornalistas.saíram correndo atrás de
usaram contra a gás lacrimogêneo ·cobriu o bairro. roporto estava em greve, as rádios,
polícia. Mas o Houve 367 feridos, 468 presos, mas tevês e jornais também. Depois, vie- dicionários para saber q que signifi-
estadista De apenas uma morte, a de um homem ram os táxis, o metrô, os correios, o cava a palavra chienlit. Verificaram
Gaulle entrou em que caiu no Sena fugindo da polícia e telefone, até as padarias. Quatro ser um t.ermo do linguajar militar
ação, e, pelo ~oto, se afogou: dias mais tarde, com 8 milhões de que quer dizer bagunça.
resolveu o trabalhadores em greve, as três cen-
problema. Os Ficou tão em moda solidarizar-se trais sindicais propuseram negocia- "Reformas, sim, bagunça, não."
estudantes com os estudantes que algumas colu- O slogan de De Gaulle era tão co n-
acabaram náveis mais afoitas percorriam a ba- -ções imediatas ao governo. ciso quanto as melhores frases dos
conseguindo o talha distribuindo convites: "Ma- AREPRESSAO estudantes. Após ver desfilar pelos
que pretendiam. dame Fulana recebe os estudantes PELO VOTO Campos Elíseos centenas de milha-
depois das barricadas." res de cidadãos que o apoiavam, De
• Charles de Gaulle não era um ge- Gaulle deu instruções ao Primei-
Os estudantes tentaram aproxi- neraleco latino-americano qual- ro-Ministro Georges Pompidou
-. mar-se dos operários nas portas das quer, que se dispusesse a estabelecer para conceder aos trabalhadores um
fábricas mas, como falavam línguas uma ditadura militar. Era um esta- aumento geral de 35%, gigantesco
diferentes, foram a princípio recha- dista, talvez o maior de uma geração para um país com inflação de 5% ao
çados. Acontece que a França pa- de grandes homens públicos, um re- ano, dissolveu o ,Parlamento e con-
gava, na época, salários bem mais publicano e um democrata. Era, vocou eleições gerais.
baixos que os da Alemanha e da Eu- ainda, um estrategista, o que quer
ropa do Norte. A rebelião estudantil dizer que trabalhava sempre com ce- As greves começaram a acabar a
proporcionou a oportunidade para nários alternativos, adaptados a cir- primeiro de junho.. Georges Seguy,
as centrais sindicais corrigirem essa cunstâncias diferentes. presidente da CGT e um dos arqui-
desigualdade. A poderosa CGT.
Central Geral dos Trabalhadores, No auge das greves e dos comba- tetos do acordo com ó governo, foi

acusado de traiqor do· povo por lí~
dere~ estu'dantis. Os jornalistas per-
guntaram o que achava da opinião
de Cohn Bendit, então o mais céle-
gre ,personagem da França. Seguy,
atarracado, cabelo escovinha, me-
talúrgico, chefe consciente da força
da sua organização, respondeu.

- Cohn Bendit? Não conheço.
No dia 18 de junho a polícia reto•
mou a Sorbonne. As eleições deram
a De Gaulle uma espetacular vitória
sobre os partidos de esquerda e, a 10 ·
de outubro, a Assembléia Nacional
Francesa aprovou·, por 441 votos a
zero, uma profunda reforma educa-
cional, negociada com os partidos
comunista e socialista.
Encerrou-se, na França, pela von-
tade democrática do povo, uma fase
de sonhos que parecia abrir-se sobre
o desconhecido.
No Brasil, aó contrário, as ruas
banhadas de sangue iriam desaguar
no pior período de violência política
institucional da n9ssa história.
'falvez esteja nessa evolução di-
vergente a diferença entre um país
desenvolvido e um país subdesen-
volvido. Como ela se desenrolou é o
assunto da próxima semana.

.ASÊQUIR: ~ GUERRII.HA IJRfA~ CHÉGAp B~,SIL .
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vence o ueoco

B ollywood, uma manhã de sá- matográficas e a escolha da Associa- o que facilitava o amor como o des-
bado. O astro de maior bilhe- ção dos Diretores da América. prezo. Não queriam reconhecer suas
teria do cinema mundial está complexidades.
saindo de um estacionamento com A questão é saber como as pes-
soas deixaram de perceber a grande Por um longo período, Eastwood
seu GMC Typhon verde-escuro transição. Não que Eastwood viesse serviu às expectativas. "Você tem
operando na obscuridade, reali- que fazer o que é realista", disse, 15
quando quatro sujeitos munidos de zando pequenas jóias sobre a amea- anos atrás. ''Você pode forçar a in-
ça à lontra no golfo do Alasca. Ele é terpretação, mas o público pode não
pranchetas se lançam correndo na a maior atração do cinema há mais acreditar em você.'' Conversa fiada,
de 20 anos. Os 21 filmes que fez para segundo o amigo Don Siegel, então
sua direção, em meio ao tráfego. O a Warner desde 1971 faturaram 1,2 seu diretor. "Fico surpreso que ele
bilhão de dólares mundo afora (Har- não se interesse por uma maior vari-
que faria Harry, o Sujo? Não se pre- rison Ford e Arnold Schwarzeneg- edade de papéis. Não dá para enten-
ger podem sonhar em chegar perto der como o astro de maior bilheteria
ocupem, Clint East,vood não é Dirty um dia). As fitas com seus filmes no mundo não arranje um material
representam mais 139 milhões de melhor para trabalhar. Ele insiste
Harry. Ele pára, dá uns autógrafos e dólares e as trilhas sonoras, uns 25 em fazer a mesma coisa"., disse Sie-
milhões. Há ainda os direitos pagos gel na época.
o sorriso que é sua marca registrada, pelas redes de televisão toda vez que
exibem um, clássico de Eastwood as em 1980, com Bronco
·apenas um esgar, enquanto os qua- como Dirty Harry (P, erseguição lm- Billy, Eastwood começou a
placável, 1972). "E uma bola de produzir um legado mais ri-
tro inclinam a cabeça e fazem uma neve", diz Barry Reardon, presi- co. Nessa comédia à Frank Capra
dente da distribuidora Warner, um sobre um comerciante de sapatos de
profusão de agradecimentos. homem que não se assusta com gran- Nova Jersey que se transforma em
des números. "Acho que, somando empresário de shows de faroeste,
Na vi da real, Eastwood sabe tudo, teríamos uma cifra astronô- não há tiros disparados com ódio.
mica." E que não pára de crescer. Em vez disso, Eastwood começa a
Com Os\como interpretar o cara legal, mo- explorar de maneira mais reflexiva e
desto. Vejam como ele Mesmo assim, East'\\'.ood quase tranqüila os limites de seus persona-
foi pego na armadilha que os atores gens, freqüentemente falhos, imper-
·explica por que lhe pe- bem-sucedidos armam para si mes- feitos. Os bandidos também não
mos. Durante quatro décadas, ele foram despachados sangrenta-
Imperdoáveis, diram que autografasse viveu quase que exclusivamente per- mente, três anos depois, em Honky-
tiras de papel em branco sonagens superficiais, embora me- tonk Man, um filme melancólico so-
moráveis. Primeiro, foi Rowdy (bri- bre um músico bêbado, que East-
umfilme seco em vez de saudações gão) Yates, o alegre vaqueiro da wood estrelava com o filho Kylle.
eprovocante, personalizadas para, série de televisão Rawhide (1959/ "Odiaria olhar para trás um dia e
parentes do interior. "E 66), Depois veio o Homem Sem pensar: bem, fiz 100 episódios de
Nome, um anjo vingador de esporas Magnum e um filme desastroso",
o-ator-diretor um negócio", diz, "um nos westerns spaghetti de Sergio Le- disse após o lançamento de Honky-
redefine asi comércio". Faz uma one. Em seguida, Dirty Harry, o ins- tonk Man. "Gostaria de pensar que
mesmo eo pausa, dá seu esgar e petor de polícia que limpava as ruas tive uma ampla carreira, com vários
completa: "Um Steve de São Francisco. Tanto seus críticos tipos de filmes e papéis." Infeliz-
McQueen vale quatro como seus fãs pareciam conspirar mente, ninguém além dele prestou
para mantê-lo nesses limites: conti- muita atenção. O filme foi um fra-
western dos meus." nuaram a vê-lo, por bem ou por mal , casso.
Já não é assim, em- como o haviam visto desde o início,

bora o acervo de autógrafos de

McQueen não vá mais aumentar.

Este é o ano em que, afinal, Clint

Eastwood foi levado a sério. Se-

mana passada. seu filme Os Imper-

doáveis arrebatou quatro Oscars:

melhor filme, direção. ator coadju-

vante (Geue Hackman) e monta-

gem. Mesmo antes da premiação, na

segunda-feira, dia 29. Eastwood já

havia cruzado a fronteira que separa

um astro da constelação e um diretor

sério de alguém que meramente faz

filmes: ele e Os Imperdoáveis ha-

viam recebido nove indicações da

Academia de Artes e Ciências Cine-

[M;;J40 10 DE ABRIL DE 1993

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~ -:~- ·..~ ~llf.í :,:,,,,_,,,.

Por Márcio Moreira Alves . ......~ '{1•/
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• -- ' "' 4 :1,(. •~ ,~~~I ~
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.. ' ... i1 •

história tem suas ironias. -. . .,
O capitão Carlos
La111arca, un1 dos líderes '• •'t
máxi111os da guerra de guerrilhas
no Brasil, ensinou bancários a . ----,. . •· ', · , 7 - . ...·-. . ' •' •1
-usar armas contra os assaltos a ' .
bancos - a marca registrada . ,.,
dos guerrilheiros urbanos. E ''
Leonel Brizola, herdeiro do nada
esquerdista getulismo, • ..
administrou, de lo11ge e meio a
contragosto, a fracassada . ' .1
guerrilha de Caparaó. No
segundo destes dez capítulos em • ,
que analisa o ano que n1udou o
mund.o,' Márcio Moreira Alves -. ,
1nergulha nessas contradições.
Até o ponto em que a j
originalmente católica Ação
Popular se tornou maoísta, de •1
olhinhos apertados '

• -·... • ~'- Antes de se
assumir como
,. • -- . •
líder
ia • 1

- • Ili. guerrilheiro, o

.. capitão Carlos
Lamarca ensina

uma bancária a

puxar. o gatltho
contra os

assaltantes de

bancos.

• '

.. "' '·' 1 .- v, ~

Marighella -

sonhava unir os \
t. revolucionários

,.

• brasileiros e

·1evar o povo ao
poder

s partidos comunistas latino- ••.

1 an1ericanos, seguidores da li- l
nha soviética, enfretaram un1a

difícil decisão en11967. O PCC, Par-

tido Con1unista de Cuba , único a ter

chegado ao poder no continente,

chefiado por Fidel Castro, santo --=,.•,. :.- '
guerreiro das esquerdas n1undiais, 1 _.......
convocara unia reunião com o obje-
tivo declarado de criar vários focos

de guerrilha contra os governos lo- Em outros, como na Argentina e escreveu a Fidel Castro, explicando

cais e os Estados Unidos. Os cuba-
nos tinha1n uma secreta e urgente no Brasil, os comunistas estavam na a sua decisão, dizia: " Não renuncia-
razão para incentivar a criação de ilegalidade, mas não sofriam uma rei jamais à minha condição de co-
focos de guerrilha: vários compa- repressão exagerada dos respectivos 1nunista. É por isso que não posso
nheiros de Fidel na Sierra Maestra, regimes militares. Ta1nbé1n pensa- me recusar a atender ao convite do
ponto de partida da derrubada do van1 ser possível progredir dentro comitê organizador da OLAS para
ditador Fulgêncio Batista, tinham dos quadros legais existentes. participar da conferência. A via que
eescolhi é a guerrilha, que devemos
acon1panhado o maior deles, Er- Acresce que a União Soviética, prin-
nesto Chc Guevara. à Bolívia, na cipal apoio dos vietnan1itas. a quem desencadear nos campos e através

tentativa de transfor111ar os Andes fornecia armas, n1unições, treina- da qual me integrarei definitiva-
na cordilheira ,nãe das revoluções n1ento e o mais que pudesse dar , não mente na Revolução Latino-Ameri-
sul-an1ericanas. Os outros partidos queria saber de novas frentes de luta cana. A guerrilha é, para mim, a
não sentiam essa pressa. Tinham em uma região longínqua. Consi- única 1naneira de unir os revolucio-
apenas de decidir se comparecia1n derava a América Latina parte das nários brasileiros e de levar o nosso
ou não,'\ conferência da OLAS. Or- linhas de defesa dos Estados Uni- povo ao poder. Como comunista ,
ganização Latino-A1nericana de dos, da mesma forma como os estou convencido de que o meu
Solidariedade, convocada para 31 americanos consideravam os países gesto servirá ao menos para mostrar
da Europa do Leste parte da esfera que comportamento um revolucio-
de julho daquele ano.
l Ora, en1 muitos países, con10 o de influência soviética e lá não se nário deve ter."
De Havana mesmo, Marighella
Chile, a Venezue la e o Uruguai, os n1etiam abertamente.
O Partido Comunista Brasileiro, mandou uma carta ao Comitê Cen-
partidos con1unistas eran1 legais.
Participava,n de eleições, tinham re- PCB, resolveu não con1parecer e tral do PCB , desligando-se do par-
presentantes nos parla111~ntos e un1a proibir os seus militantes de ir a Ha- tido. O PCB não se deu por achado
in1portante participação no 1novi- vana. Carlos Marighella, n1ilitante e , e1n vez de aceitar a demissão do
n1ento sindical. Achavan1, em con- con1 anos nas cadeias do governo prin1eiro-secretário do Comitê Esta-
seqüência. que a construção da so- Getúlio Vargas. dois anos de man- dual de São Paulo e colocar a sua
ciedade que desejavan1 passava pela dato como deputado pela Bahia , carta e,n discussão , optou por um
Gcaminho burocrático: expulsou
consolidação e pelo desenvolvi- profissional clandestino desde sem-
mento das instituições democráticas pre e secretário estadual de São Pau- Marighella a pretexto de ter ele fal-

existentes. que serian1 fatalmente lo, principal base da organização, tado a três reuniões seguidas do seu
destruídas. caso partissen1 para a lu- decidiu desobedecer. pela primeira comitê central. E desapareceu com a
vez. ao seu partido. Na carta que carta.
ta arn1ada.

•• '

,,

,

~ Libertadora Nacional, ALN , e os
primeiros GTAs, grupos de trabalho
l1 armados, células de guerrilha ur- •
bana. " O primeiro dever de um re-
NASCE AALN nalista, possivelmente u1n social-de- Fidel volucionário é fazer a revolução", ••
mocrata marcado pela pobreza da Castro, a era a palavra de ordem da época,
Entrar e sair de Cuba era, na'quela sua infância no sertão cearense, um que trataria de pôr em prática logo ••
época, uma operação demorada, homem solidário com as lutas anti- Conferência em seguida. ·
que envolvia alguns riscos p,ara um colonialistas do Terceiro Mundo, da OLAS 1'
revolucionário. Não se usavam os mas não era um ·revolucionário. Jacob Gorender, outro membro
aeroportos do México e de Madri em Havana, do Comitê Central do PCB que sai- 1
por medida de segurança. A CIA, Marighella compreendeu o posi- Miguel ria do partido para formar , com
Agência Central de Inteligência dos cionamento de ·Arraes e partiu com Mário Alves e Apolônio de Carva- 1·
Estados Unidos, costumava fotogra- votos de felicidades. Nos 11 anos Arraes e lho, uma organização autônoma, o
far todos os passageiros da Cubana que ainda'separariam o político per- Marighella, PCBR, Partido Comunista Brasilei- .'.
de Aviacion, da Soviética Aeroflot e nambucano da sua volta ao Brasil grandes ro Revolucionário, analisou os fun-
da Iberia, as companhias que manti- não pôde ele contar com compreen- damentos ideológicos da ALN no li- '
nham linhas para Hayana a partir de são igual por parte tanto dos segui- inspirações
alguns aeroportos do mundo capi- dores de Marighella como dos mili- vro Combate nas Trevas. Escreveu
talista. As rotas seguras implicavam tantes das demais organizações ar- da
demorados desvios por países onde madas que surgiram no país. Tacha- esquerda . ele:
a ação da espionagem americana era "Nos escritos de Marighella deli-
dificultada pela polícia local . do de liberá/, um xingamento para
neia-se um ideário que não se limita
No caminho de volta, Marighella os esquerdistas, foi vítima de intri- à cópia da teoria oficial cubana
tomou o rumo de Praga e foi dar em gas, objeto de acusações e alvo das porém procura adaptar o modelo'
Argel, com passaporte falso e a pequeninas misérias que fazem castro-guevarista a certos dados da
peruca que usava como disfarce. parte da política cotidiana de exila- realidade brasileira .
Procurou Miguel Arraes, hóspede dos que, não podendo derrubar o
de honra do governo argelino desde governo que os obrigou a deixar o "O erimeiríssimo princípio é o da
que na sua embaixada do Rio se país, tratam de se atacar uns aos ou- ação. E a ação que faz a organização
asilara, em 1965. Explicou o seu pro- tros, simplesmente porque estão e a desenvolve. As necessidades teó-
jeto guerrilheiro, convidou-o a par- mais à mão. ricas do presente já estão supridas
pelo lcninismo e pelo castrismo.
ticipar. Em dezembro de 1967, Carlos Nada há a acrescentar.
Arraes, prudente e talvez melhor Marighella estava de volta ao Brasil.
Conquistou para as suas teses de luta Também o princípio organizativo
conhecedor da realidade brasileira, armada boa parte das bases do PCB da ALN se identificou com o anar-
recusou o convite. Era um nacio- em São Paulo e com elas começou a quismo. Nada de direções centrali-
montar a sua organização , a Aliança zadoras e de escalões intermediá-
rios. A organização revolucionária
se compõe de grupos de inteira liber-
dade de iniciativa. Os comandos ou
coordenações só existem para arti-
cular ações de maior envergadur/l,
que envolvam mais de um grupo. O
princípio tático da ação direta mili-
tar (incluindo o terrorismo) e o prin-
cípio organizativo do grupismo per-
mi te m caracterizar a concepção

marighellista como a de um anarco-

militarismo.

ACIAESCREVE
SOBRE BRIZOLA

Marighella não tinha sido o pri- 1
me iro militante de esquerda a pen-
sar em guerrilhas no Brasil. Antes
dele, um grupo de militares que
acompanhara Leonel Brizola ao
exílio no Uruguai, suboficiais, sar-

gent.os e marinheiros na sua maioria,

havia formado uma organização
chamada MNR, Movimento Nacio•
nalista Revolucionário, com o obje-
tivo de derrubar pelas armas o re-
gime que os obrigara a sair do país
em 1964.

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. 1-•n. ~::.:.--~~:!.:..:~.\::..J~~.:.Z...~..;:..---+~....::...~.di..:..i!...,.....;..,;..::::..:..1.:;..;.:..,.;.:.;,:........;...;;.t._~;...;.;........;1.;..,......,,;...L.....,...:.;,.~ ~ ~ ..., ..._ ...., 1

Bmizola É inverossín1il que um go"llernante dores treinados. .O plano é mandar
pequenos grupos para esses dois es-
estabeleceu con1 a experiência de Fidel tratasse tados. na medida ern que consiga
recrutú-los e desenvolvê-los. Os
11ntatos com desrespeitosamente. diante dos seus adeptos de Brizola dizem que jú
" existen1 dois grupos em Goiiis.
conterrâneos. un, político de u1n país
~~ba e recebeu "Os líderes do grupo de Brizola
·1efursos_para co1n o qual se111pre desejou estreitar afirma1n que Fidel Castro ofereceu-
lhes mais fundos que os que po-
·,,,_mover a relações. Mas quen1 exiine definitiva- derian1 usar eficientemente. Deci-
-gu~rrilha dira1n aceitar ape,u!s os fundos míni-
n1ente Brizola dessa acusação é a pró- mos necessários às atividades cor-
rizola era, n1eio a contragosto, rentes, esp~cialmente à preparação
o líder desses jovens guerrei- pria CIA, que havia infiltrado agentes da guerrilha. Eles estão conscientes
ros. En, pri1neiro lugar, porque tanto da atitude hostil que Castro
,1[10-compartilhava dos seus ideais so- junto ao grupo de exilados em Monte- teve em relação a Francisco Julião •
cialistas. Forn1ado na tradiç,10 autori- de Paula . .~ntigo líder das Ligas
t:íria dos positivistas gaúchos - tradi- vidéu. Ca1nponesas, depois de ter ele su- •
ção con,cçada por Júlio de Castilhos posta1nente desperdiçado fundos
no século passado, consolidada pelos En1 un, telegran1a datado de 28 de cubanos, como da possibilidade de ~
longos anos de governo de Borges de se levantarem posteriormente acu-
tvtedeiros no Rio Grande do Sul, no agosto de J967, conservado nos arqui- sações de corrupção contra o círculo
início do século 20, transplantada ao brizolista.
plano nacional pelo Estado Novo de vos da Biblioteca Lyndon Johnson. de
Getúlio Vargas e continuada por João "Brizola recebe atuabnente, de
Austin, Texas, e aqui publicado pela fornui perióclic,1. dinheiro de Cuba
~ vi;i viaiantes do exterior, que trazen1
pri111cira vez, a Central de Inteligência dó-,í1res. N,ío se peden1 recibos ou
Goulart, n1as, sobretudo, por ele prestações de contas, mas Brizola
n1csn10. Brizola prezava den1ais a h!e- America11a escreve o seguinte: registril ct1idadosa1nente tod<1s as
rarquia, que enci1nava, e a proprie- despesas e 1na11té111 uma contabili-
dade privada, que usufruía. para acre- "Leonel Brizola, o líder esquerdista dnde. caso um di11 elas lhe seja111
ditar nas pregações igualiuírias dos pedidas."
seus adn1iradores. Ali,ís, quando brasileiro exilado no Uruguai, con-
Os n1ais próxin10s colaboradores
criou uni partido. o ro·r. e voltou a cluiu un1 acordo co1n Fidel Castro de Brizola na época, Neiva Moreira,
que articulou a ponte política con1
exercitar o poder. como governador para planejar a i1nplantaçao ~ longo Cuba, e Betinho, Herbert José de
duas vezes eleito cio Rio de Janeiro, Souza , que foi a Havana buscar as
nele instaurou u1na disciplina de ferro. prazo de uma guerrilha no Brasil., ba- primeiras contribuições, confirmam
expulsando todos os que dele diver- a ajuda, mas coincide1n e1n dizer que
gi:1111 ou que ousavan1 compartilhar a seada nadoutrina castrista das "Guer- ela se li1nitava a cobrir o preço das
liderança. O seu caráter é 1nuito 1nais viagens de avião e a fornecer treina-
o ue un1 estancieiro, dono de gado ras ele Libertação Nacional" e no lrei- n1ento n1ilitar.
ferrado. que o de un1 líder revolucio-
n,írio de 1nassas. na1nento de brasileiros em Cuba. Não CAPARAÓ: AGUERRILHA

No entanto, apesar das resistências serão enviados guerrilheiros cubanos QUE NÃO HOUVE
que pudesse ter ~1s propostas socialis-
tas. Brizola estabeleceu contatos co1n ao Brasil porque Brizola defende for- A guerrilha de Caparaó, referida
Cuba e n.:ccbeu recursos para pro1110- te111ente a tese ele q•ue qualquer ação a no telegrama da CIA , foi a prin1eira
ver a guerrilha. Nasceu desses conta- e única tentativa do MNR de criar
tos tuna calúnia contra ele levantada ser desenvolvida no Brasil. deverá ser un1 foco de resistência ao regime.
pelo rcgi,ne n1ilitar e 1nuitas vezes re- Essa tentativa foi desarticulada se1n
petida pelos seus adversúrios nas lut,~s 100% brasileira. (Co111entário do que se disparasse um só tiro. É que
políticas tlun1inenscs: a de que se tena os candidatos a guerrilheiros esco-
apropriado do dinheiro cubano para agente de ca·111po: lnna fonte diferente lheram o local da sua base a partir.
benefício próprio. o que levaria Fidcl exclusivamente, de raciocínios mili-
Castro a chan1ü-lo de E/ Ratón. o Ra- relata que Brizola fez comentários no tares. A política não entrou nos seus
to. quando e n1 conversa con1 bra- cülculos. Não levaram em consi-
n1esmo sentido a representantes do deração as condições de vida e as
sileiros. contradições políticas que pudessem
Partido Comunista do Brasil, PCB.) existir na população. O local era
longe dos quartéis da repressão,
Os lugares-tenentes de Brizola dizem montanhoso e no meio da mata,

que n1ais de 300 brasileiros fora1n ou

estão sendo treinados para a guerrilha

en1 Cuba.

''Os ciúmes ·a propósito da li-

derança persistem. ·Brizola acredita

que Castro viola os seus próprios prin-

cípios ao tentar exercer liderança so-

bre as guerras de libertação en1vários

países latino-an1ericanos. (Con1en-

tário ela fonte: Brizola considera-se

un1 líder destacado na A111érica do Sul

e acha que Castro não deveria aspirar

a 11111a liderança revolucionária no sul

do Continente.)
1na·1•.so
grupo odeseBrrai~zonleacaecssrea, dn.iotapqaurae
um an

que u1na te ntativa séria de guerrilha

possa ser tentada no B rasil. Ao

longo do últin10 ano aproxi1nada-

n1cnte seis tentativas de se estabele-

cer unu1 base guerr"ilheira no Rio
~

Grande cio Sul fracassara,n. da

111es111a 111aneira con10 fracassou un1

esforço ,nais an1bicioso ~a Serra no

Caparaó. Em conseqüência_. Brizola

concentrará a preparação da ativi-

dade guerril heira no Mato Grosso e

e1n Goi:ís. que são os únicos estados

onde acredita que os ca,nponeses

possam ser influenciados por agita-

.. '••• .

' . - c - . . _·- - ;1,;~.;i....-\:,\!;._~....::;;,..;,_...;.......;.::......c,............:;~~~~..,::;a~-~:....ii,&.,;,,..A.,:.;:__...;:.;...._.,....,.._ _.._;.ii:__,,.;,a.:.,:.:6.,.......r;..___,~,..:.-.......

- - ..,. rio nos seus nomes. Dois outros rela-
l cionavam-se com a linha chinesa de

t "'ª"l ,HHUIOJHCJ AO ..l V • uuuu:,r. Mao Zedong, a AP, Ação Popular,
e a AP-ML. Ação Popular Marxis-
Intelligence Infonnetion Cable '"·••~,; ta-Leninista. Vanguardas. eran1

º')'..\01 1 3 , ~(.IS,

também duas. a VPR, Vanguarda t •

iAH 11 .,.., 1..Visíl.....r.o;i 11.:5,,,. EN >1.c..:.",; 10..co.-.,1G 1M&a:ur,,.c'l. Popular Revolucionária, que con- . .'
quistou a adesão do Capitão Carlos
----· . . .tHI TOCi -3U/l27118-87 Lamarca. principal líder militar •
CPDCIC/ t'O VI IXST 3l.AOOUS1' )1167 guerrilheiro. e a VAR-Paln1ares,
Vanguarda Armada Revolucio- 1
COUH'UY DAAZlt./CU81\ -,~L:J•({,l ·~2-31 nária, que recolheu os d~stroços d?
l
A.U4UST 1967
'
. .flt~T DJU%01.11.-CASTP,0 AGRE't"L~T O!i Pl.liff3 l'OR OU.Efil\lLLA

ACTIVITits lN DMZ!L

MNR brizolista. .

(28 .<UCOST 1067) / Havia, finalmente. o curioso caso

do MR-8, Movin1ento Revolucio-

nário de 8 de Outubro, batizado por

acaso. ou por engano, em março de

1969. no decorrer do assalto à agên-

l . LZONZL DRIZOt.A, DnAZILJAU LtrTJiT LMXIIR UI IXrt.:t ttf cia do Banco Aliança. na Rua da
Abolição, no Rio de Janeiro. Un1
URUOU~Y, H.AS R&ACtl.l.D AORCtultn' WlTH r(Otl.o CASTll:O IK PLAMl'JNG A dos assaltantes, João Manuel. hoje
prefeito de Gravata!, no Paraná, co-
LOKO-TtJUl OU'tRRtr..LA EF10flT JH UMZIL tl.UBD O:i CAST~o•a DOCTJUN'C

º' ."W~ft.l o, ll'ATION'AL LIDtJ\AT(OH'1 Atl"D ox TAi TMJHIKC or DflAZll..UN'S

IH CUQ4. }(O CUBAM 01/SftAJt.UIS KILt. Dt 5E>IT TO DMZIL Dl:CAU31 DRIZOIJI

ri:tu 3T1'0t«u..v TDAT AHY ACTIO)I D!VEt.OP.ED IH DMtlL )IU5? DE 100 Jt.ER meçou a fazer um discurso revolu-
cionário para os apavorados reféns,
, Ct.~1' nnAr.lLUN', (PULO CO,\UU!Hl': 11:\1%0~ JS RlPOI\TICD DY ,. Dlrft.n!ffT presos no banheiro. Lá pelas tantas,
entusiasn1ou-se e declarou: ..Esse
: SOUT!Ct TO lU.Vt MAO! A 81).llL,.'iR ~ IUl:Sl' TO llM¼U.IAN CO>CUINl8T PAJffY dinheiro que estamos expropriando
dos banqueiros e dos patrões servirá
'1 co,,

• O"l9a .-o,,,~ tmv)

r.nn"

para a libertação do povo brasileiro

sendo de difícil acesso e fácil de ser • pela nossa organização, o. MR-8 .

companheiros em 1naio de 1969, em Brizola (aí Viva Che Guevara!"
defendido, vantagens militares. No uma das mais espetaculares fugas de
uma prisão brasileira de que se tem com Basica1nente, esse MR-8 era un1a
entanto, não havia qualquer traba- notícia. A maioria integrou-se a ou- sa rgentos , dissidência estudantil do PCB de Ni-
lho de doutrinação prévia dos mora- tros grupos guerrilheiros, já sem em 64) terói, conhecida até então como D1-
dores, desvantagem política. qualquer ligação com Leonel Bri- RJ, sigla que soava como a _de un1
Quando os moradores perceberam zola, enquanto alguns seguiram para administrou departamento da adn1inistração es-
movimentações suspeitas na região, o exílio, sobretudo no Chile. tadual. Havia outra dissidência, a do
em março de 1967, chamaram a polí- bem as Rio de Janeiro, Dl-GB, cujo líder
cia, que chamou o Exército. Os ASOPA verbas mais conhecido era o atual deputado
guerrilheiros foram cercados e ti- DE L.ETRINHAS Wladimir Palmeira. Como, e1n ,nea-
veram de render-se. cubanas,. dos de 69, a polícia anunciou, com
como prova grande publicidade, ter destruído o
As prisões realizadas em Caparaó MR-8, em setembro os mili_tantes
restringiram-se aos militantes sur- este
documento

da CIA.

preendidos com armas nas mãos no Eram tantas as organizações da cariocas assinara1n o seqüestro do

local e a um pequeno grupo de esquerda brasileira que as suas siglas embaixador americano Charles El-

apoio. É que o professor de Mate- mais pareciam uma sopa de letri- brick com a sigla MR-8, que termi-

mática Bayard Boiteux, encarre- nhas. Daniel Aarão Reis. militante e naram por adotar como definitiva.

gado da ligação da guerrilha com as paciente historiador, reuniu em li- A intenção era desnortear e des-

bases urbanas, resolveu seguir o vro os principais documentos de 18 moralizar os órgãos da repressão.

exemplo de Tiradentes: assumiu organizações da Nova Esquerda, re- As razões de tantas cisões, além

plena e total responsabilidade pelo digidos a partir de 1961, e fez fichas das suas raízes em outros rachas do

foco guerrilheiro e, nos interroga- históricas de outras 10, que não che- movimento comunista internacio-

tórios, recusou-se a citar o nome de garam a pôr no papel as suas análi- nal. como o trotskismo e o n1aoísmo,

qualquer pessoa que já nã~ estivesse ses. Fez, também, um mapa e um eram, muitas vezes, produto de re-

presa. Com isso, o processo se fe- quadro cronológico, para facilitar a gion~lismos ou de disputas pessoais

chou sobre si mesmo. compreensão dessa barafunda. entre lideranças.

Bayard foi condenado pela Justiça Só PCs, partidos comunistas, ha- Afinal, todos queriam derrubar o

Militar, passou quatro anos preso via cinco, todos derivados do velho regime e implantar o socialismo.

em quartéis de Minas e do Rio. e, ao PCB, fundado em 1922 e fiel à linha Mas não conseguiram chegar a um

ser libertado, seguiu para o exílio em de Moscou até ser dissolvido após o comando unificado, provavelmente

Argel e em Portugal. Um grupo de desmanche da União Soviética. Saí- em virtude das suas próprias fragili-

suboficiais e sargentos de Caparaó, dos da cisão trotskista russa, que re- dades organizacionais, resultantes
da fraca implantação social.
~ presos na penitenciária Frei Caneca, sultou na IV Internacional, havia

no Rio de Janeiro, foi libertado p~r quatro, todos com a palavra operá-

1,--.,,_..,.--.---,- - ~ . . . . . . - - - - - - - - n - - : - - : " : - - - - ; ~ ~ ~ ~ ~ : - - - ; : ~ ~~



•• •

' t: :1,

Ateoria do foco vando-o a unia etapa completa- Ianni. Paul Singer e Roberto ,
revolucionário mente nova." S,vartz. Aliás, os pro(essores paulis- Jv~~

ch~mava à luta E ainda há quem duvide do espíri- tas sempre achara,n e achan1 qúe, '
to religioso dos brasileiros...
enquanto eles procur_am fazer ciên-
AS BASES TEÓRICAS
cia, o.s cariocas procura,11 assunto

para conversas de botequim e, no

1g11.1asá.ximo. conseguem fazer ideolo-

m~smo sem a Os políticos brasileiros, tanto da Marx circulou 1nuito no Brasil
cohcordância direita como da esquerda, nunca
' dosl PCs foram de ler muito. de se apega~em através de apostilhas, manuais e in-
a esquemas teóricos e de escrever
análises profundas da realidade na- terpretações reducionistas. O livr?
cional. Luiz Carlos Prestes foi o de Louis Althusser Para Ler o Capi-
único secretário geral de um impor- tal andou circulando no final dos
tante partido comunista latino-ame- anos 60. ,nas o que circulou de ver-
ricano a jamais ter escrito u111 livro. dade, por ser uma simplificação bru-
Caio Prado Junior foi praticantente tal, foi o de _uma sua aluna, a chilena
Marta Hannecker.. Conceitos Fu11-
da111e11tais cio Capital. O filósofo

expulso do PCB por ter buscado en1 alemão Herbert Marcuse, que os
militares acham ter tido grande in-
fontes históricas irretorquíveis os ar- fluência sobre os revolucionár.ios es- ~ ·
gumentos para provar nunca ter ha-
tudantis, não era lido praticamente
l ntenda-se: cnt um país conto o vido um regime feudal no Brasil e, por ninguém. O seu livro Eros e Ci-
nosso. de pouca tradição par- ao contrário, que a nossa econo1nia vilização, editado pela Zahar em
' 11 tid.iria, portanto sem o lu\bito sempre fora inserida no contexto do 1968, teve uma única edição. E• mui-
de discutir idéias. a importância dos capitalismo mundial. mercantil pri- to chato e difícil de entender. Só o
líderes e do culto às suas_personali- meiro, industrial depois.
dades é detenninante para o run10 subtítulo j.i mostra a barreira que
dos acontecimentos. Em vez de u,n Lia-se Marx.. sim, 1nas muito 1ne- representa para leitores pouco habi-
partido trabalhista, tivemos o ge- 11os que, por exemplo, nos Estados
tulis1no; em vez de uni partido de- Unidos, onde o estudo de O Capital tuados a leituras psicológicas e filo-
senvolvin1entista, tivcntos o jusceli- era matéria obrigatória nos cursos
nisn10; ent vez de u,n partido n,ora- de economia e de ciências políticas. sóficas: "Uma interpretação filosó-
lista. tiven10s o janis1no. Lia-se mais ern São Paulo que nos fica do pensan1ento de Freud.·• Para
Nas ~squerdas, a 1nesma coisa. outros estados. Ja1nais se organizou
E111 uni docun1ento do Partido Co- no Rio algo de parecido com o céle- dar uma idéia da sua restrita circula-
munista. de 1964. intitulado Se bre Sen1inário Marx, n1ontado, a
f'orcs Preso. C,11narací,1, está escri- partir de 1958. na Faculdade de Filo- ção: o único 1nilitante do MR-8 que
to : "Os co,nunistas brasileiros de- sofia da USP, por jovens professores sabidamente o lera, Marco Antonio
ven1ter se1nprc cn, 1nente o exe1nplo dentre os quais José Arthur Gianot- Medeiros, ficou com o apelido de
do can1arada Prestes. cujo con1por- ti. criador do seminário.. Fernando
Henrique e Ruth Cardoso, Octavio Marcuse.
Claro: depois que a conferência

da OLAS , Organizaçüo Latino
Americana de Solidariedade, deu a
chancela da revolução cubana ao li-

ta1ncnto ao ser preso e111 março de OS LIVROS DISPONÍVEIS P.ARA
1936 e. em seguida. durante os nove

anos da sua prisão, é um n1odelo de e Há u,nu grande quantidade de Cornbate nas·Trevas, de Jacob
Gorender, publicado pela Ática e,n
dignidade revolucionária. interna- informações publicadas sobre a
cio na hne ntc conhecid0 e ad- guerrilha urbana, a sua atuação e as I987, é un1 excele11te éstudo da

mirado." suas bases teóricas. Alg11n1as dessas evolução das esquerdas após ó golpe

O progran1a básico da AP-ML. publicações são en1 inglês e [rances ou ,nilitar de 1964, do ponto de vista de

Ação Popular Marxista-Leninista, foran1 pul,licadas somente enr um n1ilitante que ron1peu com o

de março de 1971, tem essa pérola: Portugal, o que as torna difíceis de se Partido Con1unista Brasileiro.
"0 can1arada tvt.10 Tsé-tung é o líder ,•ncorrtrar. Menc·iono-as para ajudar Gorender acrescenta excelentes
bibliografias a cada capitule, do li1•ro.
a/pum leitor que queira se aprofundar
incontcstüvel do proletariado do 110 assunto ou alg11n1 estudante que Tortura Nunca l\!fais, da Arquidiocese

inundo inteiro, é o dirigente n1ais sobre ele deseje escre1·er. de São Paulo, publicado pela Editora

provado e experiente do 111ovin1cnto ln1agens da Revolução, de Daniel Vozes en, 1985, trata da guerrilha na.
con1unista internacional nos nossos medida em que relata as torturas
dias... Ao dirigir lutas de tão grande Aarão Reis e Jair Ferreira de Sá, sofridas pelos presos políticos, segundo
publicado pela Marco Zero em 1985, é
uma preciosa coleçâo,dos principais os dados contidos en, processos que

• alcance e con1plexidade, o can1arada docun1entos de 18 organizações de tramitaram 11a Justiça Militar. f'az
l'v1ao Tsé-tung integrou _a verdade esquerda. Cada .docun1ento é precedido muita falta para quen1 quer apenas

universal do 1narxisn10-leninis1no de uma pequena explicação sobre as consultar esse livro um índice dos V
com a pr.ítica concreta da revolução
origens da organização e o que non1es das pessoas citadas.
aconteceu con1 ela. No final, há fichas Batismo de Sangue, de Frei Belo,

en1 nosso ten1po. herdando. defen- históricas de organizações que não publicado em 1982 pelo Círculo do

de ndo e desenvolvendo o 111arxis- chegara,n a se desen1·0/i•er e u111a lista Lit·ro, trata das ligações entre

1110-leninismo em todos os don1ínios de presos políticos desaparecidos ou 1',1arighella e o.5 frades don1inicanos e
e, de maneira genial e criadora, ele- 111ortos. dos acontecimentos que levaram à

'

\



• foco consistia na afirmação da exis-

tica conjuntural, destinado a cum- tência de condições 'objetivas ama-
prir um papel e$pecífico, e não uma
reflexão acadêmica desinteressada durecidas para o triunfo revolucio-
sobre a Revolução Cubana. Essa tal-
vez seja u1na das razões que levara1n JHírio e,n todos os países latino-an1e-

o seu autor a pouco depois repudiar ricanos. Se já existian1 as condições

veen1e nten1ente as teses que ele pró- objetivas. ta1nbém era1n necess_árias
prio defendia. ·
as condições subjetivas, confonne
Quem melh'or sintetizou as op-
ções teóricas das organizações arma- ensina o n1arxismo. Ou seja, a von-
das influenciadas por Cuba foi Jacob ·
Gorender. En1 Con1bate ruis Trevc1s, tade de fazer a revolução por parte Oito
escreve o·seguinte:
das fo_rças sociais por ela beneficia- guerrilheiros
"O ponto de partida da teoria do
das. Aqui entrava a grande desco- de Capara_ó__
berta: as condições subjetivas po- entregaram-
deriam ser criadas ou rapidamente
completadas pela aç:io de u1n foco se em de
guerrilheiro. Este funcionava con10 agosto
o pequeno motor acionador do
1967.

grande motor - as massas.

"O foco se iniciava co,n a açüo de

um punhado de homens e se punha a ·

atuar entre os cantponeses de uma

regiüo cujas condições naturais fa-

vorecessem a ct'efesa contra a taques

do exército. Numa segunda etapa,

colunas guerrilheiras se deslocavan1

da regiüo inicial, levavan1 a luta ur-

inada para outras regiões e con-

vro de Regis Debray Revoluç.io na fluía,n afinal para o exército re-
Revolução?, ele se tornou o texto
belde, capaz de infligir ao inimigo a
sagrado das organizações guerrilhei-
ras ligadas a Cuba. A teoria do foco derrota definitiva.

revolucionário, que t;sse trabalho "O foquis1no trouxe outra novi-

defende, destinava-se a atrair para a dade, que o singularizou: a idéia da

luta armada os militantes dos parti- primazia do fa tor militar sobre o fa-
dos comunistas do continente, com
tor político, da prioridade do foco
ou sem a concordância das suas dire-
ções. O sucesso dessa tentativa seria guerrilheiro sobre o partido. Todo o
1 vital para a sobrevivência da guerri-
processo revolucionário se subordi-
lha de Che Guevara na Bolívia. Re-
volução na Revolução? era, por- naria à dinâmica ge rn1inativa da

' -• tanto, unt livro de_intervenção polí- guerrilha rural, desde a luta ele mas-

!j QUEM QUER SABER MAIS sas nas cidades à forn1ação do novo

,norte do líder guerrilheiro. partido revolucionário."

Lamarca, o Capitão da Guerrilha, d t• Neiva Moreira, O Pilão da publicada e111 l'ort11g11I pela Moraes, •

En1ilia110 José e Oldack Miranda, Madrugada, Editora Terceiro M11ndo, c111 ./976. Contén1 depohnentos de
publicado pela Glohal en, 1980, é u,na 1989, e o de IJctinho, Se,n Vergonha guerrilheiros 11.silaclos en, llav11na.
reportagem n1eio malajambrada, mas da Utopia, Vozes, 1988.
corn dados inéditos sobre a vida do Dcpoi1ne11tos desse tipo pode,n tan1bén1
principal chefe n1ílitar da guerrilha. A visão que o governo tinha do
Uma análise rápida do pensamento movhne11to gucrrillleiro pode ser ser encontrados c111 Me1nórias do
encontr11d11 em A Rcvoluçµo e o
1nilitar de Carlos Marighella pode ~·t•r Exílio, ele Pedro Celso Ucllo11
encontrada em A Guerra Irregular Governo Costa e Silva, do General . l'av11lc1111ti e Jovellno Rurnos,
l\.1oderna, de Friederich Augusl vo11 Jaymc Portel/a de Mel/o, G1111viru
der Heydte, Biblíotec:1 do Exército, Editores, 1979. v11blicado e111 LislJ1>a pe/11

1990. Os 111ais i111portantes textos publicados Arcádia, c,11 1976.
. no exterior são:
Há depoime11tos pessoais interessantes A gucrrillu, é aborcli1Cla t11mbén1
de militantes guerrilheiro,. O que fez Carlos Marighclla, Pour la Libération
111aior sucesso foi O que E Isso, du Urésil, de Co11racl Octrcz, Editio11.5 no 111el/1or estudo .~obre
Companheiro?, de Fernando Gabcira, du Scuil, Paris, 1970. a e.5trut11ra ideológica e 11111tc•rit1I
publicado pela Codecri en1 1979. Do
...- 111esn10 gênero é Os Carbonários, de Contém a única entrevista dud11 d11 tortura a vrcsos 11c,lític:os en,
A Estratégia do
l.J Alfredo Sirkis, publicado pela Global, por Marighe/Ja quando 'J'crror, do 1111/ropólogo e médico
em 1980. Depoimentos pessoais vivi:, cl11ndcsli11amenle 110 Drasil.
importantes, que ultrapassam o it:iliuno Ettorc /Jiocca, pu/Jllcaclo pela
problema da guerrilha, são os de dois As obras de Che Guevara, Fidel l11ícialívas Editoriais,·e/e l,í.~boa, en,
colaboradores de Brizola no Urufluai, Castro e Mao Tsé-tung foram
publicadas no Brasil ao longo dos anos 1974. Fin1tln1ente, Dictatorship and

60. Armed Struggle in Brazil, NLIJ,
Lonclres, 1971, de João Quartím de
A Esquerda Armada no Brasil, do Moraes, Jilósofo·e Ideólogo ela VPR, é
jornalista cubano Antonio Caso, foi 111n11 interessante análise do processo

guerrilheiro cscrJt11 enqu1111to ele se

desenvolvia.


'

• • 1

• 1 · ção Popular ' " =• ' <.~'='i"'~~~«\'.7?·:,,r..w..~..~...',-, o.~;,,,:~'b.,-_~u'
... J:OJ1jlleçou religiosa, . !.
I' ,',
.<
~.
1

·processo de •
la icalização
ideplógica.

•l

TODO MUNDO DE J,... - a

OLHINHO APERTADO Apolícia apreendeu um poster de Mao num mosteiro de São
Paulo. Era a maoização da Ação Popular.
A principal organização armada a
divergir da teoria do foco era a AP,

Ação Popular. Nascida da juventude "Começa por volta de 66. 67, o Betinho, pelo menos, conseguiu

católica, estudantil e operária, em fins processo de maoização da AP. em sobreviver, virou uma espécie de

de 62, propôs-se, inicialmente, a buscar conseqüência do retorno do grupo consciência crítica da sociedade bra-

um caminho estritamente· nacional enviado à China e que se submetera sileira, uma pessoa tão respeitada

para o socialismo, passando pelo nacio- não propriamente a um curso, mas a que o Presidente Itamar Franco en-

nalismo, a aliança operário-campone- um enlouquecimento ideológico." tregou-lhe a formulação da luta con-

sa-estudantil e as refonnas de base. A No depoimento que escreveu para tra a fome. para que o programa

idéia entusiasmou alguns políticos da o livro de Pedro Celso Cavalcanti e tivesse um mínimo de credibilidade.

esquerda do Partido Democrata Cris- Jovelino Ramos, Memórias do Outros tiveram menos sorte e mor-

tão. PDC, como Plínio de Arruda Sam- Exílio, Betinho foi mais específico: reram em combate ou nas salas de

paio e Paulo Tarso Santos, que chegou "Quando eu volto, depois de uma tortura da repressão política.

a ministro da Educação. Entusiasmou, crise geral da direção, a organização Ao contrário das organizações li-

sobretudo, muitos universitários, que está todinha de olhinho apertado. gadas a Cuba, a AP defendia uma

viam na organização uma maneira de Só encontro Mao Tsé-tung, Chu En prioridade para o trabalHo de mas-

defender as reformas estruturais da so- Lai, Lin Piao, e todo o mundo se sas, sobretudo no campo. No capí-

ciedade brasileira sem terem de partici- tratando de camarada. Começa uma tulo Tática do seu programa, dizia:

par do partido comunista. fase terrível e eu, dada a minha vo- "Na estapa de preparação da guerra

A proposta prosperou de tal forma cação cristã de sofrer no martírio, popular, as formas fundamentais de

que a AP conseguia eleger militantes vou assumir tudo isso, aceito agora luta são não armadas. Contudo, o

seus para a presidência da UNE. União em nome da proletarização. Dizem- povo tem direito e o dever de recor-

Nacional dos Estudantes, então uma me que sou um pequeno-burguês. rer desde o início à sua justa violên-

entidade com peso na vida nacional. que nunca deixei de ser. Então, por- cia, em caráter defensivo e segundo

Dois deles são hoje deputados. cotn que sou um pequeno-burguês, tenho as condições concretas de cada lu-

posições divergentes: Aldo Arantes, do de passar por um processo de prole- gar. E são também indispensáveis

PC do B. e José Serra, do PSDB. tarização, o que significa purgar to- desde o início ações armadas pionei-

Depois do golpe de 1964 e após uma das as vestes de pequeno burguês e ras de várias modalidades, a serem 1
série de atritos entre a JUC, Juventude tornar-me um operário. Se eu cum- conduzidas em união estreita com o

Universitária Católica, a JOC, 'Juven- prisse isso teria condições d~ ser um movimento de massas, segundo as

tude Operária Católica. e a alta hierar- militante revolucionário, um verda- condições concretas de cada lugar e

quia da Igreja. a AP desligou-se inteira- deiro marxista-leninista-maoísta e, voltadas para despertar e organizar

mente das suas origens religiosas. Na portanto, pronto para me reincor- as massas."

busca de nJ1nos e espaços. descobriu porar na nova organização. no novo E agora , José? Como é que todas

primeiro o marxismo . depois o partido do operariado que tinha sur- essas intenções revolucionárias, as

maoísmo. gido no Brasil! do foco guerrilheiro e a maoísta, de-

I Betinho. que fora um dos princi- "Deveria ter chegado para os fensora da guerra popular prolon-

pais ideólogos do início da AP. companheiros e dito: Vocês estão gada. a que d~veria fazer com que o

conta essa transformação nas entre- todos loucos, então até logo, vou campo cercasse as cidades, se tradu-

vistas que deu a Ricardo Gontijo. conversar com gente mais normal. ziram em atos concretos?

publicadas no livro Sen1 Vergonha Mas não consegui fazer isso e fiquei Isso é o assunto do próximo capí-

da Uropia: louco, com os loucos. " tulo, semana que vem.

A seguir: A E~Q!}ERDA VAI À L:;.U;:;:.T:;:.A:.;:_-,;,

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Márcio Moreira Alves '

••

ão era por acaso que o . 1•
gabinete de Delfim Netto
tinha ares de trono, e que .o " ' ' t ''''.. ~1, •
então ministro tinha o jeito de
quem está comandando o mundo. UJ . . .·:ti:'
Mais do que R~berto Campos,
Octávio Gouvêa de Bulhões e Hélio t;; f rr= =! ! ! ! ! ! ! !
Beltrão, Delfim mandou e
desmandou na economia brasileira. ..:zur '1
Durante o período da ditadura, a
economia brasileira experimentou o ~ . ' :!' 1
milagre econômico, com um
ilusório crescimento anual de 11% ""~:', '
ao ano em certo período. A classe :.:,;
média foi ao paraíso, atingindo o Delfim Netto
auge do consumismo, graças aos !,
crediários. Mas quem pagou a dividia seu
conta foram os trabal, hadores -~
menos qualificados. E o que tempo por igual
Márcio Moreira·Alves anota nesta · UJ
entre o Rio,
-c;;ontinuação de sua análise sobre Brasília e São ,
1968, o, ano que mudou o mundo. .
Paulo, Aí, ele '

rei•na.. em seu

. gabinete no •
Mlnls(érlo da

'Fazenda, no Rio,

.'

• r

:No ~ilagre

eco~ômico, o



• Brasil crescia 11°/o

ao àno, mas as
esqberdas não
enxel r . a, v· am.,. •"'+

on1eçaram em 1968 os sete dição industrial reclamassen1 uma brasileiro, pois não concebia a possi-
anos de vacas gordas do Mila- fatia maior do bolo. bilidade de un1 cresciinento econô-
gre Econô11iico do regime mico baseado e111 uma desigualdade
111ilitar. Já os seus primos pobres saídos do crescente entre os brasileiros e entre
Enquanto os estudantes universi- ca1npo, recém-chegados do Nor- as regiões do país. Constatava o firn
türios, filhos da classe média, ian1 deste ou de Minas Gerais, atendiam de um ciclo da industrialização subs-
para as ruas enfrentar a polícia e às ofertas de emprego das empresas, titutiva de iinportações e não imagi-
alguns entravan1 nas primeiras ações e1n frenética retomada das suas ati- nava saídas. Pensava que a equipe
da guerrilha urbana, os seus pais co- vidades após os anos de recessão. econômica do governo Castelo
111eçavam a ganhar dinheiro como Para esses recém-chegados, viver Branco levava o Brasil a un1 proces-
nunca na vida. As ofertas de empre- nas cidades e ter un1 emprego fixo, so de "pastorização", de volta ao
go choviam. O arrocho salarial só com carteira assinada, j.í era uma campo, de destruição sistemática da
existia para os funcionários públicos revolução , be1n concreta. Não preci- indústria por falta de investimentos.
pouco qualificados e para os operá- sava1n da revolução que existia na porque essa equipe via a realidade
rios. Começavam os tempos de gló- cabeça dos con1panheiros politiza- brasileira como parte da segurança
ria do Sérgio Dourado, co1n os .seus dos, freqüentadores dos sindicatos, norte-americana, a quem não in-
aparta,nentosde trêsquartos em São ainda que eventualn1ente reclamas- teressaria o desenvolvimento elas
Conrado, e do "padrão global" da sern contra o arrocho salarial. economias satélites. Essa visão, se
Vênus Platinada con1andada pelo acaso teve validade com a dupla Ro-
Walter Clark. Os executivos tupini- AESQUERDA berto Campos-Octávio Bulhões, foi
quins eram mais ben1 pagos que os desmentida pela mudança de estra-
norte-americanos. CUSTOU AVER tégia introduzida pelo grupo Delfim
Jovens operários. já na segunda Netto depois de 1967.
geração das indústrias de Osasco, A econon1ia brasileira engrenava
criava1n as con1issões de f.íbricas, u1na arrancada co1no jamais se vira: A geração de economistas de es-
raiz do novo sindicalismo. e partian1 taxas médias de crescimento de querda seguinte à de Furtado, Maria
para uma greve modelo francês. 11,2% ao ano, entre 1968 e 1973. As da Conceição Tavares, Antonio de
com ocupação dos locais de trabalho esquerdas, cujos principais econo- Barros Castro, Luís Carlos Bresser
e prisão dos patrões. Uns poucos mistas estavam exilados, custara1n a Pereira, José Serra, só começou a
ta111bé1n iriam engrossar as fileiras se dar conta da realidade. publicar as suas análises do modelo
da guerrilha. É que eles havia,n so- de desenvolvimento baseado na
frido quatro anos de redução no po- Parte. porque Celso Furtado, o conce11tração da riqueza na classe
der de con1pra dos seus salários. A seu mais renomado e competente n1édia e na classe empresarial em
din1inuição dos sahirios cios traba- n1estre, acreditava ainda numa teo- fins de 1970. Além da estagnação, o
lhadores tinha sido a única política ria da estagnação do capitalismo
consistentemente ,nantida no pro-
gra1na antiinflacion,írio do governo
Caste lo Branco, encerrado em
rnarço de 67. A parcela dos salários
no PIB. Produto Interno Bruto, pas-
sou de 55,5% em 1959 para 52% en1
1970. apesar de a produtividade ,né-
dia na econornia ter crescido a uma
taxa de 9, 1% ao ano. !..ogo, era na-
tural que os trabalhadores com era-

• J1

,1 7 1 1

Roberto Can1pos dera as ordens no ' ''
período anterior.· Era ele ocupado

por Hélio Beltnío. un1 sobrevivente
da equipe de governo de Carlos La- •
cerda. na Guanabara, homen, jnt'eli-
I{ .. . gente, conversador suave, tocador·
de violão, ,nas sem a gana de poder ·
..:f'_;~ Chegara à conclusão de que era ridí- Octávio
. culo, naquele mo1nento, ''pretender Gouvêa de dreos1.sseteu' ncc1.oalse.ga paulista. Não houve
que o capitalismo brasileiro vivia Bulhões,
r'/ uma crise de estagnação. Há três Depois, tratou de reverter a polí-
anos crescia a mais de 10% ao ano, e Hélio tica de seu padrinho político, Ro-
artigo que deu o ponto de partida ao a esquerda era a última a reparar". berto Campos, a quen1 devia as indi-
ciclo de críticas às conseqüências so- Beltrão, cações para a Secretaria da Fazenda
ciais do ''Milagre", foi apresentado DELFIM de São Paulo, em 1966. e para o
a um seminário da CEPAL, Comis- DESOBEDECE AO FMI Roberto próprio ministério.

são Econômica para a América La- Antônio Delfim Netto, un1 econo- Campos e Reverter, no caso, consistiu en1
1nista de 40 anos de idade que tivera mudar as prioridades· da política
tina, em novembro de 1970. por ílertes de juventude con1 o Partido Delfim econômica que havia1n sido impos-
Maria da Conceição e José Serra . Socialista, tornou-se o i1nperador da Netto: os tas a ferro e fogo durante o governo
-Bresser Pereira, sem conhecer esse econo1nia brasileira no dia 15 de senhores da Castelo Branco. Essa política , que
texto, chegou às 1nes1nas conclusões março de 67, co,n a posse na presi- economia provocara un1a brutal recessão •
em uma entrevista publicada na re- dência do General Arthur da Costa parecia muito con1 a que sucessivos
vista Vis,ío, e1n dezembro do mesmo e Silva. Órfão de pai 1nuito cedo. na ditadura.
ano. começou a trabalhar aos·14 anos de ministros da economia i1nplen1cn-
idade, como contínuo da Gessy--Le- tara1n a partir da segunda n1etadc do
Parte da cegueira da esquerda de- ver, e parece se ter desgostado para governo Sarney. no final da década
veu-se, ainda, a que os teóricos ul- sempre de ser pobre e de com pobres dos 80: aumento de i1npostos, cortes
tra-esquerdistas, trotskistas como lidar. Conseguiu entrar para a Fa- nos gastos públicos, arrocho sala-
Rui Mauro Marini e Teotônio dos culdade de Economia da USP, tor- rial, arrocho no crédito, clin1inação
Santos. não era1n econon1istas. nou-se presidente do centro acadê- de subsídios, au1nento das tarifas
Eram sociólogos que preferiam ler mico e daí para a frente colocou a públicas, ou seja, do preço da ener-
neomarxistas europeus a exa1uinar sua inteligência e capacidade de arti- gia elétrica, dns telecon1unicações,
as contas da Conjuntura Eco11ô- culação política ao serviço das elite~ do transporte, enfin1, de todos os
1nica. Não conseguiam manejar econômicas de São Paulo. serviços que o governo fornece à po-
direito os instrumentos da análise pulação. Essas sáo as n1edidas rcco-
econômica clássica, portanto sabiam Ao chegar ao Ministério da Fa- n,endadas pelo Fundo Monetüriao
mais de ideologia que da realidade. zenda, Delfim tratou primeiro de es- Internacional para todos os países
tabelecer a sua liderança sobre o Mi- do mundo. en1 dificuldades pern,a-
Um dos primeiros a perceber a nistério do Planejamento, de onde nentes ou provisôrias, sejam indus-
realidade concreta, porque a vivia trializados plenamente, con10 a In-
no Brasil, foi o Capitão Carlos La- glaterra, semi-industrializados,
marca. Seu companheiro Alfredo con10 era o Brasil da época, ou qua-
Sirkis conta que, durante os longos
40 dias da negociação da troca do se tribais, con,o o Zaire, antigo
seqüestrado embaixador da Suíça
por presos políticos, em 1970, ele Congo Belga.
estudara estatísticas econômicas.
Até aquela época, e desde então.
essas receitas não conseguiran1 en1
lugar ncnhu1n fazer com que u,n país

pobre ficasse n1ais rico ou que os

pobres de algum lugar melhorassern
de vida. En, uns poucos países,

co1no o Chile ou a Bolívia. consegui-
ram controlar a inflação e melhorar

muito a vida dos ricos e de algu1nas

c.in1adas rc1nediadas. No entanto,
nfto tivcsse1n sido aplicadas , a equi-
pe de Dclfi111 possivelmente não
teria tido o 111csn10 sucesso c111 i1n-
plantar o modelo de crescimento de-
sigual. Dez anos mais tarde, no go-
verno Figueiredo, quando as finari-

ças públicas estavam rnais deteriora-
das, Dclfin1 tentou uma reprise do
"Mi lagre•· e fracassou redonda-
ment e.

-0,consumismo ..r.;;:...,
i\tin,'. iu seu auge no
período do milagre. eaall1lc;b
Ea dívida externa
cr. es1ceu -·-"-"-'"'·paorat

l ·-. c,om,■.~.~,

s receitas do FMI s,ío ideoló- -.- . ' ... .·f'
gicas. quer dizer, elas tomam
conta da cabeça dos econo- ---- • • - :· 1· Com crediário
mistas co,no se fossen1 a crença em · fácil e muito
u,na religião revelada por Deus, . dinheiro
com dogmas que não admitem dis-
cussão. São difundidas um pouco do l disponível, nunca
jeito co,no os soldados portugueses
difundian1 a religiào católica na Ín- 1 o apelo ao
• dia. Eles encostavam o fio da espada consumismo foi
na garganta dos indianos e diziam:
crê ou 1norre. Os tecnocratas de ho- tão forte. Uma
je seguram as torneiras dos créditos conta que foi
internacionais e exigem dos gover- paga pelos
nantes que adote,n as suas receitas
para não morreren1 de sede. desfavorecidos.
Segundo. porque encontram se1n-
pre sócios poderosos nas classes do- en1 economês se chatna ·'capacidade caso dos Deputados Campos e
111inantes locais, principais benefi- ociosa elevada''. Achou. também, Delfim.
ci,írios de n1cdidas que provocam a que a inflação não era o resultado de
concentração da riqueza, nas multi- um excesso de demanda, ou seja, de As empresas estatais, responsá-
nacionais. que vendem para as clas- um número exagerado de pessoas veis' por 26% do patrimônio líquido
ses don1inantcs locais. e na alta querendo comprar bens, exagero da indústria brasileira em 68. quatro
burocracia internacionn l, que anos mais tarde já tinham 32%. O
1nanda no Banco Mundial. no Banco • governo passou a ter 50% dos depó-
lntera,nericano de Dcsenvolvi- sitos bancários . a quase totalidade
1nento e nos dernais organis1nos que provocado pelos salários e pelos gas- dos recursos para financiar investi-
controlan1o fluxo de dinheiro oficial tos públicos, 1nas sim o resultado de mentos, 80% da energia elétrica, ·
no inundo. custos de produção altos, detenni- 72% da siderurgia, 80% das expor-
I)clfi1n núü era ideológico ne1n re- nados por juros elevados, por pouco tações de minério de ferro, 80% da
li gioso. Ao contnírio. Quando tnais dinheiro na economia e por 1nerca- exploração, refino e distribuição·de
dos pequenos de1nais para permi- petróleo.
~ tircn1 aos industriais aumentaren1 as
suas vendas o bastante para diminuí- Com todos os cordões nas mãos.
tarde brigou com un1 ministro da ren1 o preço de cada unidade que os do Tesouro, do Banco do Brasil.
~ produziam. do BNDE. Banco Nacional de De-
senvolvimento Econômi co, do
Agricultura. um fazcndciriio gaúcho , Banco Central e, sobretudo, contro-
chan1ado Cirne Lin1a. soube-se que lando a mais poderosa arma da ad-
dizia ser o Estado "u1n ente cssen- OPARAISO ministração brasilei ra, que é o Diá-
cia tinente aético". Quer dizer: con- DO CREDIÁRIO rio Oficial, a equipe Delfim resolveu
siderava o Estado uni organismo favorecer os industriais, os grandes
que não se rege por regras morais. Finaln1ente , como mandava no fazendeiros e o grande comércio.
Estado . Delfim tratou de aumentar Esse favorecimento, aliás. dependia
O diagnóst ico que fez da econo- o seu tan1anho, 1nais ainda do que menos de decisões dos governantes
niia brasileira ao assun1ir o poder fizera Roberto Carnpos, criador do do que da adoção do modelo de cres-
rccorncndava a retomada do cresci- Banco Nacion;il da Habitação e de cimento ba'seado na indústria auto-
rncnto. o 4uc poderia ser consegui- v:írias outras estatais. Aumentava , n1obilística e na de eletrodomésti-
do sem provocar t1111a pressão intla- dessa forma, o seu próprio poder. cos, bens de consumo ao alcance da
cionéiria forte , porque a n1aior parte Para dar uma idéia dessa sede de parcela mais rica da população.
das faibricas estava co1n um quarto poder: entre 1968 e 1974 foram cria-
das suas n1üquinas paradas, o que das 231 novas empresas públicas. A política escolhida tinha dois ei-
Foi un1 recorde, sobretudo para xos: internamente , soltou o crédito
queni hoje se diz contra a .presença para os empresários, emprestando,
do Estado na economia, con10 é o muitas vezes, o dinheiro dos bancos

·AS .RELAÇ-O~S COM

OMUNDO LA FORA



Seguro n1or_reu de velho. Embor.a

achasse que a utílização da capaci-

dade ociosa da indústria não iria

pressionar de1nais os índices infla-

cionários, que tinham alcançado

24% ao ano en167, Delfim conhecia

os en1presários de São Paulo e sabia

que o seu apetite por lucros desine- ,

didos era des1nedido tambérn. Trà-

tou de quebrar mais uma regra dos

economistas ortodoxos, que são

contra ·a intervenção cio governo na

liberdade dos mercados: criou unia

polícia de preços, o CIP, o Conselho

lnterministerial de Preços, de longa

vida é largas maracutaias.

A outra perna da intervenção do

Estado na economia, intervençüo

que os economistas ortodoxos costu-

n1am conjurar como uma aparição

do diabo, foi o controle dos salários.

Só que que1n vive de salários é o

oficiais a juros abaixo da inflação, e 100 veículos que saíram das fábricas, A linha de povão, a arraia-1niúda, o que torna
passou uma montanha de dinheiro 67 fora1n carros de passeio . Um ano montagem mais leve o preconceito contra a sua
para as empresas que financiaviim a antes, só 49 eram automóveis e 51 da regulamentação por intervenção' es-
venda a prestações de mercadorias era1n can1inhões ou ônibus. Quer di- tatal. Essa a razão de a dupla Ca1n-
duráveis. como os automóveis. as zer: a política de Delfim deu pre- Chevrolet pos-Bulhões, ortodoxos de carteiri-
geladeiras e as televisões. no período nha, ter aplicado um arrocho nos
fer~ncia ao consumidor individual, do milagre sal,írios do funcional ismo público e.
No Brasil antigo , falava-se no ao homem de classe 1nédia, redu- atestava os logo depois, em todos os outros.
Turco da Prestação, o mascate que bons ventos Delfim fo i na onda e, con1 a aprova-
vendia a prazo e, nos meses seguin- zindo a participação dos transportes da indústria ção do Congresso, n1anteve o arro-
.tes, fazia a.ronda de visitas dos .clien- coletivos e dos transportes de carga cho , como vere1nos adiante.
tes para cobrar o devido . No Brasil na produção do setor. automobi-
lística . No plano internacional, Delfim
de 1968 e nos anos seguintes, o justo Ao mesmo tempo cjue favorecia aproveitou a oferta de dinheiro no
seria fa lar no Delfim da Prestação. o consumismo, Delfi1n aprofun- mercado mundial para fazer-crescer

dou a modernização do sistema de

O que milhares de imigrantes do impostos, au1nentando a arrecada- a dívida externa e criou grandes in-

Oriente Médio e da Europa Central ção e,n 55% entre 68 e 71, e desen- centivos para as empresas exporta-

tinham feito quarenta anos antes, volveu novas fontes de recursos para doras, especialn1ente as que ven-

usando o crédito e as poupanças pes- o governo, através de fundos. con10 diam produtos industrializados.

soais para financiar as vendas, o mi- o FGTS, Fundo de Garantia por Buscou. assim, evitar o gargalo da ,

l nistro da Fazenda e os seus Delfim Tempo de Serviço, criado por Ro- falta de divisas. que tradicional- '

Boys fizeram de uma tacada só - berto Campos, o PIS, Plano de Inte- mente en1perrava os ciclos dé cresci-

abriran1 as portas do consumo para gração Social, e o PASEP , Progra- 1nento da economia brasileira.

1 as classes médias, criando o cre- ma de Formação do Patrimônio do Unia das invenções desse período
1

diário. Servidor . Público, fontes onde foi foram as min idesvalorizaçõcs do

Em 1960 só uma de cada dez casas buscar dinheiro para a construção cruzeiro frente ao dólar. un1a manei-

nas cidades tinha um aparelho de civil e outras atividades. ra de indexar a con1ponente externa

TV. Em 1970, já eram 4 as casas com Com isso, a indústria da constru- da econornia que persiste até hoje•,

televisão e começava a desaparecer ção, que emprega muita gente, cres- e1nbor~ no início as niinidesvaloriza-

a figura do televizinho. Com os car- ceu mais depressa que todas as ou- ções. de menos d.e 2% de cada vez.

ros, foi a n1esma coisa. A indústria tras, exceto as indústrias automo- não fossem diárias, como atual•

automobilística chegou a crescer bilística e de eletrodomésticos: au- 1nente, e sim mensais o'u até bimen-

34,5% em um só ano, 1969, e cres- mentou a um ritmo de 15% ao ano sais. Elas ganharam até um nome
ceu 24,5% em média entre 68 e 73. até 73, incorporando parte dos ho-
esquisito em inglês, crawling ptig._

Mudou também a composição dos mens que se mudavam do campo que quer dizer f>ucha preguiçosa, e
seus produtos. Em 1969, graças à para as cidades e não tinham capaci- forarn elogiadas'pela imprensa cspe- ,
invenção dos consórcios, para cada tação para trabalhar nas fábricas ... cializada dos Estados U'nidos.

r,; ·,·--·•r ;I )ri ...."jl.,,.,',' ....

N- império de fazer por decreto coisas que tinham LLI
antes de passar pelo Congresso: eles
G.e:l·fim, Médici têm feito decretos a torto 'e a direito, tii
':.ifo,bnheceu: e a maioria é boa,"
:e
,''lieconomia vai Tudo·estaria no melhor dos mun-
dos possíveis, como se propalava 1
-_;·.be1Ji1, mas.o povo nos discursos do presidente da Re-
·- .1a:i :mal'' pública e dos seus mi1_1istros. z

oi a forma que encontrou de Só que havia um senão. O melhor tanto entre as classes socíais como
garantir as receitas em cruzei- dos mundos possíveis não era a~rto entre as regiões do país, motivada
ros daquilo que se vendia no a qualquer um. Os benefícios do fundamentalmente pelo arrocho·do
exterior. O resultado é que cerca de crescimento não eram distribuídos salário mínimo, que é o máximo _de
8% do aumento das vendas industri- de maneira igual para todos os se- ganho que a maioria dos brasileiros
ais deveram-se a exportações. tores da sociedade, Piorava a vida que trabalham consegue levar para
do trabalhador braçal da · agricul- casa.
ODESENVOLVIMENTO tura, do peão da construção e do
i PERVERSO operário não qualificado, de um la- A dupla Roberto Campos-Octa-
do, e melhorava a dos cóntrames- vio Bulhões havia posto em funcio-
As altas taxas de crescimento da tres, gerentes, executivos e empre- namento durante o governo CastflO
economia brasileira, registradas a sários, de outro. As diferenças, mui- Branco um a fórmula, inventada
partir de 1968 e continuadas durante to grandes, eram cada vez maiores, pelo professor Mario Henrique Si-
o mais duro período de repressão ·monsen, de calcular os aumentos
política , fizeram com que alguns Foi por causa do aumento das de- anuais do salário mínimo de maneira
amigos da ditadura, economistas e sigualdades entre os brasileiros que a reduzir progressivamente o poder
cientistas políticos norte-america- a Igreja Católica começou a dizer de compra dessa faixa da população,
nos especialmente , elaborassem que os ricos ficavam cada vez mais
teorias sobre as virtudes do autori- ricos e os pobres cada vez mais po- . PARA SABE ~.
tarismo. Essas teorias aplaudiam os bres.
tecnoburocratas, formados nas uni- • Há uma vab·ta literatura sobre a eco-
versidades do Primeiro Mundo, que Foi a constatação desse fenô- nomia brasileira no final dos anos 60 e
tomariam decisões econômicas " ra- meno, publicado sobretudo no ex- nos anos 70, o chamado Milagre. Alguns
cionais" e independentes das pres- terior, que levou os economistas li- livros são essenciais para quem quer sa-
sões de interesses políticos "es- berais e de esquerda a batizarem o ber mais:
púrios", enquanto os militares e os tipo de desenvolvimento patroci-
policiais impediriam as manifesta- nado pela equipe Delfim Netto de A Ordem do Progresso, Rio de Janei-
desenvolvimento perverso. ro, Editora Campús, 1990, é um livro
·l ções de protesto de liberalóides da organizado pór Marcelo de·Paiva Abreu
classe média, que reclamavan1 Mais tarde, quando as desigualda- com ensaios dos professores de economia
des saltavam aos olhos de todos os da PUC, e estuda as diversas políticas
j maior liberdade de participação observadores, elas levaram o pró- econômicas desde a Proclamação da Re-
política , e as reivindicações "irracio- prio General Garrastazu Médici, pública até 1989. O texto sobre o período
nais" dos grupos de trabalhadores, presidente da República, a dizer: de 1967 a 1973 é de Luís Aranha Corres
cujos aumentos salariais estivessem ''A economia vai bem, mas o povo do Lago e muito rico em dados.
i sendo mantidos abaixo dos índices vai mal."
Celso Furtado, o mais prestigioso cri•
de inflação. OGORDO SINISTRO • tico das políticas de Roberto Campos e
Wiliam Ellis, diretor para o Brasil Delfim Netto, publicou suas opiniões em
A performance da equipe Delfim três textos: Brasil, Tempos Modernos,
da AID, a agência americana de de- Netto a partir de 1968 foi a mais Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1968; Um
senvolvimento , declarou a uma co- favorável às classes dominantes bra- Projeto para o Brasil, Rio de Janeiro,
• missão da Câmara de Deputados, sileiras que já se viu. Repetia a do Saga, 1968, e Subdesenvolvimento e Es-
em Washington: " Em termos das governo de Napoleão III, na França tagnação na América Latina, Rio de Ja-
políticas econômicas gerais, posso do século passado, quando os minis- neiro, Civilização Brasileira, 1968:
dizer que houve uma clara melhoria; tros gritavam para a burguesia: "En-
o ministro da Fazenda pode agora riqueçam, enriqueçam!" Mas, se foi A estratégia de mudança da política
assim, por que os políticos de oposi- econômica do período Roberto Campos
ção, também parte da burguesia, os para o de Delfim Netto foi explicitada em
economistas e jornalistas voltados maio de 1967, logo no início do governo
para o social, os sindicalistas dos Costa e Silva, em um documento do Mi-
can1pos e das cidades ficaram com
tanta raiva que apelidaram Antônio
Delfim Netto de Gordinho Sinistro?

Em primeiro lugar, a raiva veio do
crescimento das desigualdades ,

.,.,,...,._.• ...,....,.....,..,..,.- .,.....,,...---.,.,...,~ --.~~---~~-.._.,..,..,_~ .......-.....-.::,.,...,,..-..,.... .,,,..--,-,-....,,,."""--··~--.,..,--,..ti"_ _ _..-;:,~--

'•

Delfim Netto, que não tinha in- I
ventado a mutreta, tratou de' apro-
1 Em vez de se dar o aumento recom- "resíduo" era estabelecido delibera- Entre veitá-la gostosamente. ,
pondo o pico do salário do período damente abaixo da inflação real. generais
11 anterior e deixar que a inflação fosse Com isso, o poder de compra do O DIEESE , Departamento Inter-
comendo o poder de compra até o e sindical de Estatística e Estudos So-
1 dia do novo aumento, que é o que salário mínimo de 1967, quando mu- cio-Econômicos, mantido pelos sin-
antes se praticava com prejuízo já dou o governo, era menor em um tecnobu- dicatos.de trabalhadores nas indús-
~. grande para os assalariados, a nova quinto do que o poder de compra do rocratas, trias, transformou as perdas em um .
fórmula calculava para o ano a ven- salário de 1964 e 5% menor que o cálculo sobre quantas horas alguém
a cer a média dos salários reais dos salário de 1955. Comentário do eco- Costa e que ganhasse salário mínimo tinha
dois anos anteriores, média menor nomista da Universidade da Califór- de trabalhar para comprar a ração
/• que a do·pico, porque a inflação vi- nia, Albert Fishlow: " Apesar de a SIiva alimentar mínima, que uma lei de
nha se acelerando. Procurava cal- renda per capita dos brasileiros ter esmurra
lt cular, também, qual seria a inflação 1938 define. Em 1965, esse tempo
dos doze meses seguintes, o cha- aumentado em um terço neste perío- amesa e era ~e 88. horas e 16 minut~s;"em .
'l,c. mado "resíduo inflacionário" , que ·do , 12 anos de crescimento econô- 1968, era de 101 horas e 35·minutos-;.
deveria ser compensado. Ora , esse mico ·não resultaram em nada para Médlcl no fim do período Delfim Neúo, em
I] os trabalhàdores não qualificados do saboreia 1973, era de 147 horas e 4 minutos.
nistério do Planejamento: Diretrizes de Brasil." seu café
11 Governo; Programa Estratégico de De- Imperial. Como todo mundo que algum dia
senvolvimento. já ouviu alguém dizer "sabe com
1 sobrasse da exploração imperialista do qµem está falando?" percebe, nem
Mário Henrique Simonsen, o mais ar- país, tinha, necessariamente, que pagar todos são iguais perante a lei. A lei
ticulado defensor da política econômica aos operários salários tão bai;<os que se• que arrochou os salários pequenos
do período, publicou as suas opiniões em quer eram suficientes para comprar as não mexeu nos lucros dos empre-
uma coletânea de artigos, especialmente sários, nas rendas de quem tinha di-
em Inflação, Gradualismo e Tratamento mercadorias e serviços necessários à re- nheiro aplicado em papéis ou em
de Choque; um capítulo do livro A Eco- posição da sua. força de trabalho. Essa imóveis, nos salários dos executivos.
nomia Brasileira esuas Perspectivas, Rio seria uma teoria da "superexploração", Ao contrário, deixou tudo isso solto.
de Janeiro, APEC, 1970. que José Serra despedaçou, com a sua O resultado foi que, entre 1960 e
habitual impiedade intelectual, em um 1970, os 10% dos brasileiros mais
João Paulo Reis Velloso, ministro do ensaio publicado em O Novo Autori- ricos tiveram um aumento de renda
Planejamentonogoverno Geisel, faz uma tarismo na América Latina, Rio de Janei- real da ordem de 67%.
an4lise geral da economia brasileira em ro, Paz e Terra, 1982. José Serra foi, · Esse aumento foi maior para
O UJlimo Trem para Paris, Rio de Janei- ainda, co-autorda primeira análisesobre quem vivia nas cidades que para
ro, Nova Fronteira, 1986, tratando do o crescimento com desigualdade, feita no quem vivia nos campos, onde só-
período 1967a 1973 nos capítulos V e VI. Chile mas publicada em português no mente os grandes fazendeiros ti-
livro de Maria da Conceição Tavares Da veram aumentos de renda importan-
Os principais defensores da teoria do Substituição de Importações ao Capi• tes . Foi maior, também, entre os
"desenvolvimento do subdesenvolvi- talismo Financeiro, Rio de Janeiro, que trabalhavam em setores de
mento", uma visão catastrófica do capi- Zahar Editores, 1972. ponta, como as indústrias automo-·
talismo latino-americano, eram o alemão
Andre Gunther Frank, ex-professor da Uma análise económico-política geral é bilísticas e de eletrodomésticos, que
Universidade de·Brasília, que publicou a de Thomas Skidmore, em Brasil: de entre os empregados em setores tra-
vários trabalhos no Chile e no México e Castelo aTancredo, Riode Janeiro, Paz e dicionais. como o têxtil, o de artefa-
dois soc16logos brasileiros, influenciados Terra, 1988. Quem tiver acesso a livros to,s de couro ou da construção civil.
pelo trotskismo, Rui Mauro Marini e estrangeiros não deve perder Authori- Foi, igualmente , maior para os f1,1n-
Teotônio. dos Santos. Achavam que a tarian Brazil, uma coletânea de ensaios cionários qualificados do gover,no e
burguesia brasileira, para guardar o que organizada por Alfred Stepan, Yale Uni- do setor de serviços que para os ba.r-
versity Press, 1973. nabés, Finalmente , a disparidade
entre as regiões tambév, cresceu. No
Nordeste, apesar de o sistema de in-
centivos fiscais ter produzidó uma
cópia da indústria paulista, o efeito
dessa industrialização sobre os ren-
dimentos médios da população ,foi
insignificante.

Como_diz o economista ~merj-
can.o ,Milton Friedman, nãQ bá al-

moço grátis. Alguém semere paga o

preço da comida, No caso: do Mila-
gre Brasileiro, que~ pagou a co.nta
foram os trabalhaaore.s menqs quali-

f icados, tanJo os da agr:icuJtuliã ,,,
corno os da indúst11ia, do comércio "
ou do ser:viço público.

ote-sc ·que a falta tle isono- A indústria automobilística cresceu 1-...
como nunca, mas os operários estavam
nlia entre os servidores públi- sempre sob suspeita. so o processo de crescin,ento. após'
cos - os sühírios para um 1967 os novos formuladores da polí-t
1nesn10 trabalho não siio iguais nos OS AMERICANOS tica econô1nica nunca mais fo ram
diversos setores do Executivo, do BIGODEADOS tão próxi1nos ou tão dependentes de
Judiciário ou cio Legislativo - nas-
·ceu nesse período. Ela é hoje um Os d_ocumeotos disponíveis 1u1 bi- influências externas. 1-lá unia certa
blioteca do Presidente Lyndon ironia ness·a seqüência. A presença'
fator de atrito pern1anente e un1 dos Johnson, e m Austin , no Texas, n1os-
tran1 que o governo dos Estados norte-americana no Brasil após J964
1 n1ais complicados problen1as que a Unidos não só participou da cons- destinava-se a restaurar o processo
piração para derrubar o Presidente constitucional e a participação elei-
sociedade terá de resolver. Co1no ti- João Goulart co1.no mandou uma es- toral. No entanto, ela defendia, ao
nhan1 de atrair para Brasília gente quadra para as costas do Espírito mesmo tempo, as virtudes de um
joven1 e capaz . portanto . executivos Santo com instruções de apoiar con1
que eram disputados e n1 u1n 1ner- annas. 1nunições. supri1nentos e até progran1a ortodoxo de estabilização
catlo privado e1n expansão, os admi- tropas o levante n1ilitar chefiado econô1nica cujas maiores possibili-
nistradores desse te1npo inventara1n pelo governador de Min:is Gerais, dades de sucesso residiam na conti-
para remunerá-los todo u1n siste1na Magalhães Pinto. .
de gratificações e 1nordon1ias que nuação das restrições pofíticas. De-
dura até hoje. Vitorioso o golpe se,n a necessi- pois que a ecoriornia tinha realm~nte
dade de con1bates, a Embaixada dos melhorado, a influência a1nericana
Por outro.lado, dada a importân- Estados Unidos apoiou tão escan- da esfera política ficou diminuída
dalosamente as políticas de Roberto pela sua anterior inconsistência e in-
cia da base militar para a 1naouten- Can1pos e Octávio Bulhões que os flexibilidade no cao1po econômico.''
çiio do regi1ne e da sua política eco- estudantes escreviam nas paredes:
nô111ica, os gastos militares, inclu- "Basta de lntern1ediários, Lincoln Na verdade, o período de cresci-
sive co1n sahírios, aun1entanun n1ais Gordon para Presidente.'' n1ento com repressão que alcançou ,
depressa que as despesas civis. Esse e.m 1968, urn novo pata1.nàr, tanto de
aun1ento, aliiís, era propagandeado. Lincoln Gordon era niio apenas êxito econômico con10 de violência
O Presidente Castelo Branco, ao u1n cn•1baixador americano indiscre- política , era mais n~cionalista, e1n
inaugurar o ano letivo da Escola Su- to con10 un1 economista ortodoxo relação aos desejos do governo de
perior de Guerra en1 1965. disse: que ,icreditava em todas as regras do Washington , que o período an-
Fundo Monet<irio Int ernacio nal.
"A política do governo revolucio- E1n conseqüência , o governo ameri- 1erior. Nos anos seguintes, quarido a
cano olhou com suspeitas a revira- Embaixada dos Estados Unidos
nürio te111 sido a de apoiar a reorga- volta econômica pron1ovida por pressionava os generais de Brasília
• nização do poder nacional, reestru- Delfin1 Netto, Albert Fishlo,v ano- para que respeitassern os direitos
tou os resultados dessas suspeitas: hurnanos, seria inconcebível U1n 111i-
turando a econo1nia e as finanças do nistro das Relações Exteriores di-
país e ajustando os soldos das Forças "Sentindo-se progressivamente zer, con10 o General J uracy Maga-
Armadas. •· confiantes nas suas próprias capaci- lhães, 1ninistro de Castelo Branco:
dades depois de reiniciar com sucçs- "O que é bom para os Estados Uni-
Essa política resultaria ern desti- dos é bo1n para o Brasil."
nar para as Forças Armadas 2, l %
do PIB , Produto Interno Bruto, ou 0 que lev()U os n1ilitares brasilei- r
25% do orçamento da República e1n ros a adotar, no froi1t interno . un1a j-.

1970. Hoje e m dia. com a influência política consistente de alinhame nto
política dos militares en1 baixa , elas con1 as grandes estratégias norte-a-
receben1 0,4% do PIB e 2.76% do n1ericanas não foi un1a obediência
orça!nento, segundo dados do Esta- servil às ordens de Washington . Foi
do-Maior da Armada, apresentados a adoção de uma doutrina de Se-
gurança Nacional baseada em um
pelo comandante da Escola Su- anticon1unisn10 doentio. Essa tlou-
perior de Guerra. Ahnirante Her- trina servia para just ificar a própria ·

nani Fortuna. existência das Forças Arn1adas bra- f

sileiras co1no tropas auxiliares das
Forças Arn1adas dos Estados Uni- ''
dos, na cruzada mundial contra o
Movi mento Con1u nista Interna-
cional.

Baseadas na Doutrina de Se-

gurança Nacional Antico1nunista é
que as f'orças Annadas interviera1n
e1n todos os aspectos da vida do país,
definindo amigos e inimigos. · Os
operários, por exemplo, eram ini1ni-
gos quando reivindicava1n melh.ores
salários e c011dições de trabalho fora

dos lin1ites traçados por essa dou-
trina.

":''11 "" ■ •• : .p--=cl q .t - ;~ : .: a 1 , ia■ ; ;n

.. ASEGUI~: OPESPERTAR DOS ~P,ERARIOJ

\

T• , •:


.1

..''. .'

.Márcio Moreira Alves

quando saíam da~ .. .. ... .. .,. ,, ,, ... .--· . . . .....
r,_ '·, operfaá,rb1.roicsaps,areemci.a1m96m8,aonssos
-· l~ .,.
,f

~ como cordeiros, mas o

arrocho salarial da ditadura .. . ..,

acabou levando-os a .. .... .~ .- ,~'. ,

despertar para greves como ,

a 4e .Qsasco, onde só não

hou;ve ·mortos por milagre.

No·quinto capítulo de sua

série sobre 68, o ano que

mudou o·mundo, Márcio '. · .Ordeira e mansa
j·. salda de operários
Mo.reira :Alves·analisa o
· de uma fábrica,
movimento operário e . · ·São Paulo, 1968.

camponês-no Brasil durante Uma pesquisa
mostra que a
o regimé militar, e conclui maioria dos
trabalhadores
que houve erros estratégicos brasl(e/ros apoiava
a,dltadura.
de graves conseqüênçias.
'
I~... Escreve ele: ''Nem sempre é
'h bom negócio cutucar uma

~ pnça com vara curta.''



, ••w, , . % ,'.,-M& · - t!

~ jEs agados pela "No caso, ,,.,.,
porém, de falhar a
' tentativa de ocupa- .,,t1
ção da tribuna, tí-
d·ila. ura, os nhamos pronta se encontrava abriu passagem para
uma alternativa: nós, de tal maneira que pudemos
• 0_1terários reagiram como eu era um chegar até bem defronte do palan-
à p ue pe.dra ,.. dos oradores de-
signados, aprovei- que oficial."
• taria o meu discur-
so para denunciar 1 ÉPAU, ÉPEDRA 1
oberto de Abreu Sodré, go• a política traba-
vernador biôniço de São Pau- lhista da ditadura e " Poucos momentos depois, fui '
lo, foi quem pela primeira vez exortaria os traba- convocado pelos alto-falantes, mas a
tentou organizar um 1? de Maio ofi- · lhadores a abando- massa respondia: "Não vai. Não 1
eia! depois da derrubada do Presi- nar a Praça da Sé e vai." Alguns oradores tentaram ini-
dente João Goulart, em 1964. So- a se dirigirem a ou- 1
dré, membro da UDN, União De- tra, próxima dali, e Ociar os seus discursos, mas a gritaria ,
mocrática Nacional, um partido tão lá então realizar 1
elitista que havia organizado um co- uma demonstra- era tanta, que não se podia ouvir
mício da campanha presidencial do ção autentica- nadg. O grupo de choque começou a · 1
Brigadeiro Eduardo Gomes no está- mente proletária, aproximar-se do palanque à espera
dio do Pacaembu, aberto apenas a digna do 1.º de do momento oportuno para tomá-
quem tivesse recebido um convite • Maio." lo."
nominal, não fazia a mais vaga idéia
dos devastadores efeitos da política "Havíamos pre- "Quando três ou quatro oradores
salarial dos ministros Roberto Cam- parado um grupo haviam sido rechaçados, o governa-
pos e Octávio Bulhões sobre o poder de choque, inte- dor de São Paulo, Abreu Sodré,
de compra dos operários. Em 1968, grado por operá- aproximou-se do microfone, com a
o salário mínimo valia apenas 43% rios, que deveria atuar em autode- intenção de impor a autoridade, já
do mínimo de 1959. Como Sodré se fesa da massa e que, sobretudo, par- que os dirigentes sindicais pelegos
. julgava um 1iberal bem-intencionado ticiparia no assalto e ocupação da não conseguiam sobrepor-se à de-
e mandara organizar um espetáculo tribuna oficial. Esse grupo era com- sordem . Abreu Sodré não pôde se-
artístico, achava que seria bem rece- posto por uns trinta co_mpanheiros, quer concluir a sua primeira frase.
bido pela multiqão de operários, es- operários de muita decisão e inicia- Tudo o que conseguiu dizer foi:
tudantes e intelectuais que compare- tiva. Levariam porretes e paus para, 'Trabalhadores de São Paulo: nós,
ceu à Praça da Sé. em caso de necessidade, enfren- trabalhadores...' Nesse momento·
A oportunidade oferecida pela in- tarem as forças da repressão."
genuidade do governador era boa ...Jum companheiro nosso cortou os
demais para ser perdida pela es- " Os ônibus que nos transpor-
qu e rd a . taram de Osasco até São Paulo esta- fios do microfone, e o governado¼
José Ibrahim, 21 anos de idade, cionaram na Praça Clóvis Bevilac•
presidente do Sindicato dos Me- qua, próximo à Praça da Sé, para Gficou gesticulando grotescamente no
talúrgicos de Osasco e estudante se- onde nos dirigimos levando cartazes
cundarista à noite, conta o plano qµe e faixas com palavras de ordem palanque, já que ninguém ouvia-a
elaboraram: operárias, de apoio à ·luta do povo sua voz."
"O nosso plano consistia em ocu- do Vietnã, contra a ditadura e con-
par a tribuna revolucionariamente tra o congelamento dos salários. Em "Aquele incidente foi o sinal para
e dar, assim, ao ato do 1? de Maio outras palavras: chegamos a São
um verdadeiro conteúdo proletário. Paulo agitando palavras de ordem· ,
Nele deveriam falar companheiros essencialmente políticas."
de base e .outros elementos de es-
querda que não estivessem queima- "As pessoas que se encontravam
dos. Seria o programa ideal, porque na Praça Clóvis ficaram assombra-
dessa maneira não seria comprome- das quando viram aqueles trabalha-
tido o trabalho político e sindical de dores avançando para a Praça da Sé
Osasco, garantindo a sua continui- em formação militar. erguendo car-
dade. " tazes contra a ditadura e distri-
buindo volantes. Os cartazes esta-
vam presos a pedaços de madeira
compridos e grossos, que podiam ser
usados no momento de tomar a tri-
b, una ou de enfrentar a repressão.
Eramos uns quatrocentos operários

de OsiJsco."
"Ao chegarmos à Praça da Sé, a

multidão de trabalhadores que lá já

-,t,L-· :.-J..:.LAL'. .:,;,-W~~l!;;t;;..;...~Wii;Mi,lt·s:J~~~~~~~~~~i&:~~~~~·~s~"~;,e]~!5~~~~~~2!:;;z;i~~~~~",t4i~~ •

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o ataque ao palanque. Para come- palanque com coquetéis molotov. A revo lta
Quando chegamos à esquina da operária
çar, c;üu sobre ele .uma chuva de Avenida São João com a Ipiranga, a AINJUSTIÇA
multidão , muito excitada, atacou o chegou até PLANEJADA
pedras, tomates e ovos podres, pe- as
edifício do City Bank, em cujo mas- escadarias •
daços de madeira etc. O governador tro estava içada a bandeira dos Esta- da Catedral
dos Unidos." da Sé e O violento Primeiro de Maio de
foi atingido na cabeça por uma pe- 68 e:"1 São Paulo foi, para os serviços
Segundo os dados levantados no apavorou a de informação militar, a primeira
dra. Os seus guarda-costas imediáta- Diário Oficial por Maria Helena equipe do demonstração pública de que a
Governador aparente calma do movimento sindi-
mente o retiraram do local. Nos vi- Moreira Alves, foram realizadas 965 Abreu Sodré cal, controlado até então pelas inter-
intervenções em sindicatos entre (de venções nos sindicatos e pelas cassa-
deotapes feitos para a televisão , 1964 e 1968. Cada intervenção im- cçõoebsri.daeudmireviutolcsãpooflíetricvoilshadnetelí.dePraersa'
plicava a substituição das respecti- microfone) , algu?s dos chefes desses serviços,
todo o mundo pôde ver o Governa- vas diretorias por prepostos do Mi- que não que Já detectavam os primeiros mo•
nistério do Trabalho. Os operários, conseguiu v_imentos da guerrilha urbana, signi-
dor Abreu Sodré e os policiais cor- .falar. ficou um argumento a mais contra a
sentindo-se mal representados, pro- manutenção das garantias cidadãs
rendo para se refugiarem na Cate- curaram criar um sindicalismo para- preservadas pela Constituição ou-
lelo, informal, e, quando conse- torgada pelo Presidente Castelo
,,,8' dral da Sé. guiam vencer as barreiras e os vetos Branco, em 1967. Lidar com a rebel-
do Ministério do Trabalho, apresen• dia operária implicava riscos muito
"A massa, cerca de 20 mil traba- tavam candidatos também para as ma1' ~res que os representados pelos
movimentos estudantis, embora fo•
•'ÁÍ'l lhadores; não percebeu logo o que eleições sindicais consentidas pelo sem estes mais óbvios, mais incômo-·
go~erno. No entanto, os que substi- dos para a vida das ciqades e mais
W acontecia em frente à tribuna oficial. tuíram os sindicalistas cassados barulhentos..
eram quase sempre muito jovens,
De repente, porém, um companhei- portanto inexperientes. Alguns es- Para entender as reivindicações
tudavam à noite, em cursos supleti- operárias no campo jurídico, é pre-
ro subiu ao teto da armação de ma- ciso voltar no tempo, para conhecer
vos ou no sec~ndário, estando, por- o marco legal das relações entre o
deira e lá em cima abriu um enorme tanto, abertos à influência dos estu- capital e o trabalho e entre os sindi-
catos e o estado.
mreutrlatitdoãdooeCrghueeGu uuemvavrae.rdAaodeviêro-lor'ua- dantes secundaristas e universi-
tários. Raríssimos eram os que per-
gido ensurdecedor e a praça foi do- tenciam ao PCB, Partido Comunista
Brasileiro, uma influência modera-
minada por gritos de alegria. dora à época. Daí o radicalismo com
que agiam, do qual a descrição de
"Utilizando um megafone, outro José l brahim é um retrato fiel.

companheiro anunciou: 'A tribuna é

nossa. A tribuna está agora ocupada

pelos trabalhadores.' Então discur-

saram dirigentes sindicais oposicio-

nistas, operários de b~se e líderes

estudantis, entre os quais o Luiz

Travassos, então pr~sidente da

' UNE. A polícia não estava em con-

,1

1 - , diçôes de reprimir."

1
1 "Depois de vários discursos, cha-

C, mamos·a multidão para sair em pas-

seata pelas ruas de São Paulo. Antes

de iniciar a marcha, in, cendiamos o

., .

,~. errilheiros Jongar até a votação da Constituição (D Revogação da legislação repres- ·
.· · inham a de 1988, tinha como objetivo a longo
prazo a revogação de muitos disposi- siva e retorno a formas democráticas
tivos da CLT restritivos da liberdade
sindical. A curto prazo, a principal de governo.

..m or idéia da reivindicação operária era a revoga- @ Eleições diretas para todos os ní-
ção da política salarial iniciada pelos
Ministros Roberto Campos e Octá- veis de representação política, inclu-
~ive para os 63 municípios que, a
·e1al situação da vio Bulhões, no governo Castello partir de 68, passaram a ser consi-
Branco, e mantida pela equipe do derados de segurança nacional,
.tendo os seus prefeitos nomeados
e opera, ri■a Ministro Delfim Netto, no governo por Brasília.

Costa e Silva. G) Participação de representantes
A política de compressão salarial
dos sindicatos na gestão dos fundos
foi inicialmente aplicada apenas ao criados para programas sociais,
como o FGTS e o PIS-PASEP.
E ssas relações são determinadas funcionalismo público. Em julho de
pela CLT , Consolidação das 1965 ela foi estendida ao setor pri- @ Revogação da lei de controle dos
Leis do Trabalho, datada de vado, através.da Lei n~4.725. Tinha
salários e reconhecimento do direito
1943, e foi decretada por Getúlio o propósito explícito e declarado de a negociações coletivas.

Vargas , provavelmente o docu- reduzir o poder de compra dos salá- (D Direito de greve.

mento legal mais divulgado no Bra- rios. No seu preâmbulo, diziam os © Autonomia sindical, com d_ireito

sil, como observou um especialista, ministros: a organizar sindicatos sem a inter-

José Albertino Rodrigues. Diz ele: "Demonstrado como está, pela oferência do estado.
A questão da liberdade sindical,
"A inspiração dos elaboràdores da experiência, que as tentativas de re- que era o centro dessas reivindica-
ções, era mais sentida pelos traba-
Consolidação não é difícil de identi- constituição do salário ·real através lhadores urbanos que pelos do
campo, cuja história organizacional
ficar. Basta ver que justificam al- de reajustamentos -efetuados me- era diferente.

guns capítulos protetores do traba- diante simples aplicação dos índices O sindicalismo no campo era frá-
de aumento do custo· de gil antes da derrubada de João Gou-
lart. Segundo o estudo de Alceu Fer-
. ... vida são incompatíveis rari Igreja e Desenvolvimento, o
f,Q,ii~' ·)• com uma política antiin- Movimento de Natal, até 31 de de-
.- •. - zembro de 1963 o Ministério do Tra-
balho reconhecera um total de ape-
-.;., i ;:, . flacionária, toma-se ne- nas 256 sindicatos e ·10 federações de
cessário estender ao se- sindicatos rurais, a maior parte com
~it'-- existência meramente no papel.

, Desde 1959 travara-se no campo,
especialmente no Nordeste, uma
tor privado da economia competição pela criação de sindica-
tos rurais entre a Igreja Católica, o
normas fundamentais de Partido Comunista Brasileiro e as
Ligas Camponesas, chefiadas pelo
disciplina salarial já ado- deputado estadual de Pernambuco
Francisco Julião. Os católicos, in-
tadas no setor público." centivados pelo arcebispo de Natal
Dom Eugênio Salles, conseguiram
Nada podia ser mais avanços importantes e, a partir de
64, contaram com o apoio do go-
claro. Reduzir o poder verno e da Aliança para o Progresso,
ambos temerosos da influência co-
de compra dos salários, munista e da liderança de Julião. O
temor era possivelmente infundado,
sobretudo dos salários porque Julião era um péssimo orga-
nizador e disso tinha consciência.
mais baixos, não era um Em uma conversa ·que Antônio Cal-
lado registrou , ele mesmo confes-
acidente de percurso da sara que "agitar é uma beleza, orga-
nizar é que são elas" . Exilado
política de crescimento Julião, as Ligas desapareceram. Os
comunistas, perseguidos desde o iní-
adotada pelo regime cio do regime militar, tiveram a sua

militar. Era um resul-

tado desejado e sistema-

ticamente perseguido.

As Ligas Camponesas reúnem-se em São Na verdade, aumentar
José da Boa Morte, RJ, armadas de paz. as injustiças sociais era
uma parte integrante e

lho. 'com os imperativos de defesa insubstituível do modelo aplicado,
da raça·, nurna argu1nentação ben1 modelo que a oposição chamou de
de acordo com o regime fascista que desenvolvimento perverso ou de ca-
se vivia na época, que chegara a ins-
tituir o Dia da R;1ça. ·• -pitalismo selvagem.

A CLT tomou como modelo o Có- AS REIVINPICAÇOES

digo do Trabalho de Mussolini. apli- OPERARIAS
cado à Itália fascista. Con10 permitia

o estrito controle das organizações A pauta de reivindicações sindi-

sindicais pelo governo , não foi al- cais ia além da recomposição do po-

terada em essência pelo regime mili- der de compra dos salários, em que-

tar e até hoje está em vigor. da continuada. Nos 20 anos seguin-

A Juta operária que se desenrolou tes essa pauta mudaria pouco. Con-

ao longo de 1968, e que se iria pro- sistia em:

-~ • ....
contratado por\uma siderúrgica Joc1;1I.
1 1 Í3 A varanda dava para a rua e Ladislaw ·
·i:~ não conseguia comer a sua lagosta; in-

.. , <n comodado pelos meninos de rua que a
.e toda hora lhe pediam coinida.
"Falei para o meu pai,que era muit!)
1! católico: diante de uma situação como

§ essa, ou nós mudamos os nossos valo-;

\ resou nós mudamos a situação", conta

{,:. ele. , .-

• Ladislaw jogou-se de cabeça na m~-

capacidade de fazer proselitismo dança, asreconhece hoje queosguerri- .'
fortemente abalada. O principal
lheiros não tinham a menor idéia da
"' quadro do partido no campo, Gre-
real situação da cla_sse operária de en-
1 gório Bezerra, foi preso logo nos pri-
meiros dias do golpe de 64 e na pri- tão, a classe que, segundo as teorias
são ficou até ser solto em troéa da
liberdade do embaixador dos Esta- ' que abraçara, teria de ser o motor da
.dos Unidos, seqüestrado em 1969.
Em 1968, um líder sindical muito revolução.
dinâmico e ligado à Igreja, José
Francisco da Silva, foi eleito presi- Quem dessa situação tinha uma vi-
dente da CONTAG, Confederação
Nacional dos Trabalhadores na são clara era o sociólogo Leôncio Mar-
Agricultura, sendo reeleito para
tins Rodrigues, que acabara de fazer
·o quatro ot1tros mandatos até 1980.
Em 1980 a CONTAG já represen- um extenso levantamento sobre as ati-
tava oficialmente 21 federações de
trabalhadores rurais, com 6,8 mi- '-'!/' 9: tudes e orientações de um grupo de
lhões de filiados. Na mesma data, os
sindicatos urbanos somavam 4,2 mi- ' :' ;;le,•.i,J operários de uma indústria automo-
lhões de membros. bilística. Os dados que colheu em uma
Apesar do imenso crescimento do ,,. 1 empresa da ponta do processo de in-
sindicalismo .rural, as suas reivindi- dustrialização em curso poderiam ser
cações eram muito mais elementares t. . ..a, ..,'t"-..,
que as das cidades. Basicamente,
consistiam em reclamar o direito à OQSUOEPMEREÁRRAIMOSLadislaw Dowbor, economista for-Francisco estendidos a todo o operariado e
posse da terra nas regiões defrontei- Julião, o líder·
ras agrícolas, onde mais intensa e mado na Suíça, filho de um engenheiro camponês, seriam capazes de dissuadir qualquer
violenta é a ação dos grileiros, e em polonês imigrado e ferrenhamente an- dizia: "Agitar pessoa de juízo a se lançar na luta con-,
exigir a obediência às leis vigentes, ticomunista, tornou-se o Comandante
freqüentemente desrespeitadas Jamil, da VPR, Vanguarda Popular é beleza. tra o regime, caso considerasse que o
pelos, patrões, inclusive o paga- Organizar é êxito dessa luta dependeria da partici-
~ mento do salário míryimo e do re- eRevolucionária,.foi preso e acabou ba- que são elas."
pação operária.
pouso remunerado. E que as ~ela- nido do país por ter sido trocado pelo Segundo os dados de Leôncio, 35%
seqüestrado embaixador da Ale-
c ções de produção no campo eram e dos operários achavam que a ditadura
são muito mais primitivas que nas manha. seria o tipo de governo capaz de apres-
cidades. - A sua opção pela luta armada foi , sar o desenvolvimento econômico
elevar o nível de vida do povo, en-
como a de muitos outros jovens, pura- quanto somente 18% considera, vam
mente en1ocional. Depois de fazê-la é que a democracia se.ria melhor. E ver-
que tratou de ler os textos básicos do dadeque entre osferramenteiros, aeli-
marxismo e, por sua vez, de teorizá-la. te do operariado da fábrica, essa era a

opinião de apenas 4%, enquanto 39%
preferiam a democracia.

Outras constatações do estudo:

A sua opção aconteceu em um restau- 53% dos operários sindicalizados,

rante do Recife, onde fora visitar o pai, 59% dos não sindicalizados e 63% dos

ferramenteiros achavam que os sindi-

catos não devem interferir na política

do país. l)m percentual elevado tam-

bém rejeitava a greve como meio de

melhorar a própria situação e, em sua

esmagado'ra maioria, consideravam

que a melhor maneira para progredir

na vida era o esforço individual.

A origem da maioria dos operários

era rural: 53% trabalhavam na agricul-

tura antes de vir para São.Paulo, onde

haviam chegado há menos de lO anos.

Um quarto deles vinha da agricuftura

de subsistênciado Nordeste, como ob-

jetivo de conseguir melhores, coodi~

Dom Eugênio Salles, arcebispo de Natal ções de vida, o.que tinham realmente

na época, incentivava os camponeses. conseguido.

• ••

'. dicavam um aumento de 35%, por-
tanto muito acima dos 17% ofereci-
-!aulo assumiu um dos pelos empresários, obedecendo •
• • -;.i ráter de aberta aos cálculos do governo. Uma se-
mana mais tarde os grevistas já eram .I ;.,,
.,.:.~·1ontestação ao 15 mil.

_..,,.... . j • ~ Relata Maria Helena Moreira Al-
ves: "O Ministério do Trabalho foi
1 g1me apanhado de surpresa. Como, en-
tretanto, o seu líder, Ênio Seabra,
ito de cada dez estavam satis- fora demitido da Mannesmann, o 0,, •'
sindicato perdera contato com as ba-
1 feitos com os seus empregos, ses e também foi surpreen~ido. O tanto, foi a sua fábrica a primeira
achavam que a indústria auto- movimento de Contagem foi em onde a direção aceitou legalizar o
mobilística pagava melhor que as grande parte espontâneo. Por isso, e comitê de representantes dos traba-
outras e que as empresas estrangei- porque as exigências eram limitadas lhadores e com ele negociar."
ras respeitavam mais o trabalhador e o ministério pretendia equiparar
que as brasileiras. os salários aos aumentos do custo de Conta José lbrahim que pensa-
O retrato da realidade estava vida, pôde o governo adotar. uma vam em paralisar não só a Co-
longe de ser revolucionário, embora política conciliàtória e negociar. brasma, a Brown Boveri e umas sete
se pudesse detectar uma certa insa- ou oito outras metalúrgicas como
tisfação política com o governo, que O CoronefJarbas Passarinho, mi- uma fábrica de fósforos, portanto
pouco fazia para obrigar os maus pa- nistro do Trabalho, dirigiu-se ime- uma indústria química, e fábricas em
trões a cumprir a lei e que determi- diata~ente a Belo Horizonte e, re- cidades e bairros ·satélites de São
nara um arrocho salarial que, em correndo à-direção oficial do sindi- Paulo.
1968, reduzira o poder de compra cato, ofereceu um a,bono de emer-
real do salário mínimo a apenas 43% gência de 10%, acima do previsto na "No dia 16 de julho de 68, antes
do que era em 1959. política oficial. A oferta foi aceita e
os operários voltaram ao trabalho do que estava previsto, os metalúrgi-
AS GREVES: no dia 25 de abril. A 12 de junho esse
CONTAGEM abono era estendido a todos os tra- . PARASABp
balhadores, através de um decreto
A vel<;>cidade da guerrilha é a do presidencial. • Os cientistas políticos, os soci6Iogos
seu elemento mais lento, ensinava
Che Guevara , no seu livro sobre a Comparada com as greves de an- e até os jornalistas brasileiros
experiência cubana. A recomenda- tes de 64, ou com os grandes movi-
ção não foi levada em conta pelos mentos do ABC paulista de 1978 e dedicaram pouca atenção à luta
organizadores das duas greves que 1979, a greve de Contagem foi um
ocorreram em abril e julho de 1968, movimento restrito e, em si, de pou- sindical contra o regime militar, ponto
sobretudo da última, na cidade pau- ca importância. Representou, no
lista de Osasco, que tomou um cará- entanto, mais uma advertência aos de partida para o noYo sindicalismo, o
ter de aberta contestação ao regime. órgãos dá repressão de que nem
tudo era um mar de tranqüilidade no PT e o fenômeno Lula. Um exemplo:
A primeira greve importante mundo operário.
desde a instauração do regime mili- Dos 30 títulos publicados pela Jorge
tar ocorreu em Contagem, a ci•dad•e CUTUCAR COM
industrial de Belo Horizonte, a 16de VARA CURTA Zahar Editor sobre Brasil os Anos de
abril de 68, inteiran1ente à revelia da
direção do Sindicato.dos Metalúrgi- O Sindicato dos Met8:lúrgicos de Autoritarismo, nenhum tra'(i df:,
cos, cujo principal líder, Ênio Sea- Osasco, presidido pelo jovem José
bra, fora impedido pelo Ministério Ibrahim , um operário da Cobrasma, operários, E um sinal do elitismo
do Trabalho de concorrer à presi- c:te 21 anos, preparou com boa ante- '
dência nas recém-travadas eleições cedência uma greve contra a política desses estudos.
sindicais. salarial do governo. Tratou de orga-
nizar, novidade no Brasil, grupos de O mais sofisticado estudo das greves de
Os primeiros a parar foram os 10 operários em cada seção daquela
1.700 operários da Belgo-Mineira, fábrica , a maior da região e, base.ado Osasco e Cootagem foi publicado por
nesses grupos, um comitê de fábrica.
principal fábrica da cidade. Reivin- Francisco WeUort, no número 5 dos
Luís Eulálio Bueno Vidigal, prin-
cipal acionista da Cobrasma, mais Cadernos do CEBRAP, em 1972, sob o
tarde presidente da FIESP, Federa-
ção das Indústrias de São Paulo, ti- título de Participação e Conflito , J i
nha a reputação de ser muito conser- industrial: Contagem e Osasco 1968.
vador, até de reacionário. No en- .,

As conclusões a que We/fort chega são

contestadas por Jacob Gorender, em

Combate nas Trevas, São Paulo,

'1 choque com ,técnicos e funcjonários

... ,.. de escritório para ,forçar a saída por
um dos portões. E que a greve e a
, ocupação da fábrica coincidira com
a visita de um grupo, de diretores da
,O~I1e1ENTé J.,, CORKtCÀO matriz americana e para a direção
brasileira era desagradável que per-
., 1+.T~~:,
manecessem retidos na fábrica por
:- ·-=. -,--~R·~=-,:------'-:;- uma greve dos operários. Um com-
panheiro correu para o local onde se
-. realizava a assembléia -~ gritou: 'O
pessoal dos escritórios está agre~·
' dindo os companheiro.s do portão!'
1 Os trabalhadores abandonaram a
assembléia e correram a ·ajudar a
cos de Osasco iniciaram a greve. O um terceiro portão, de saída. Em Oentão guarda do portão . Ao mesmo
todos havia guardas armados de re- tempo, os diretores, certos de que o
movimento começou n~ minha fá- vólveres. ministro do
brica, pela fundição, onde cada Trabalho, portão já estava desimpedido, saí-
" Em vinte mi~utos conseguimos Jarbas . ram das suas salas de trabalho. Os
companheiro era um sindicalista parar os 5 mil empregados da fábrica Passarinho técnicos e funcionários da tropa de
preparado para cumprir qualquer e constituímos uma assembléia per- (com o choque, mal levaram as primeiras
tarefa que lhe fosse atribuída: Em manente no pátio central, dirigida porradas, fugiram e abaridonaram
seguida, o trabalho foi paralisado pelo comando de greve. então os diretores: Quem, afinal, acabou
consecutivamente, na seção do aço, Deputado
na oficina mecânica e na de monta- "De acordo com o plano conce- Franco por apanhar foram os americanos.
gem, estendendo-se por toda a fábri- bido de antemão, naquele primeiro Montoro):. Um deles caiu no chão e a massa
ca. Grupos de operários ocuparam dia também foram paralisadas a Lo- leis· gritava: "Gringo filho da puta, hoje
os portões. Dois davam acesso à fá- naflex , a Barreto-Keller e a fábrica você não manda aqui." .
brica, um para operários, outro para de fósforos. Na Lonaflex a direção trabalhistas
os funcionários burocratas, e havia patronal organizou , uma tropa de contra as Os representantes do Ministério
greves. O
p ,, Political Transformation of the Brazilian empresário do Trabalho e da Federação dos Me-
Luis Vidigal talúrgicos de São Paulo procuraram
1 Editora Atica, 1987, capitulo 20. Catholic Church, de Thomas Bruneau, aceitou Ibrahim no sindicato e pediram que
Maria Helena Moreira AIYes faz um Cambridge UniYersity Press, 1974. negociar encontrasse uma saída. lbrahim dis-
! relato sintético do nascimento da O desenYôlvimento do sindicalismo
rural é relatado em um liYro que José com os se que não lhe cabia fazer isso e que
1 oposição sinctical no Capítulo V de Francisco da Silva, ex-presidente da trabalhado- o proble!lla só poderia ser resolvido
Estado e Oposição no Brasil, CONTAG, organizou em 1980: As res. pelos patrões, que deveriam atender
Petr6polis_, Editora Vozes, 1984, livro as demandas dos trabalhadores, mas
documentado com o rigor exigido pelo Lutas Camponesas no Brasil. concordou em comparecer a uma •
Massachusetts Institute of Technology reunião com os empresários. O re-
Estudos mais gerais e muito úteis são o presentante dos empresários acabou
para as teses ,!e doutorado que aproYa. de Leôncio Martins Rodrigues,
O depoimento de José lbrahim professor da USP, UniYersidade de São por comparecer à Cobrasma, mas
encontra-se em A Esquerda Armada Paulo, que,é o maior especialista em ,não conseguiu nada com o seu dis-
no Brasil....;.. 1967/1971, Lisboa, sindlcalismr, no Brasil, Industrialização curso, porque nada tinham a propor
Moraes Editores, 1976. e Atitudes Operárias, São Paulo, de concreto . O Ministério do Traba-
A participação de moYimentos católicos Brasiliense, 1970, e o de José Albertino lho proibira que fizessem conces-
e de padres nas greYes de Contagem e Rodrigues, Sindicato e sões.
~ Osasco está melhor documentada em Desenvolvimento no Brasil, São Paulo,
~ ' liYros publicados em inglês: The Símbolo, 1979, Jiyro que examina As entradas das fábricas foram
especialmente as relações legais entre barradas por vagões, caminliões,
O Catholic Churc and Politlcs ln Brazil, sindicatos e Estado. guindastes e todos os veículos dispo-
1916-1985, de Scott Maiwaring, níveis. Espalharam por toda parte
Stanford·UniYersity Press, 1986, e The cartazes que anunciavam: "Estamos
em Greve. Queremos um Aumento
de 30%." Ocorriam espontanea-
mente manifestações de solidarie,

dade pelos quatro cantos?ª cidade,
organizadas pelos parentes dos gre~
vistas.

Nas igrejas alguns padres pediam
aos fiéis que orassem pelos trabalha-
dores. Pierre Wauthier, padre- '
operário francês que se havia recu-

sado a rezar uma missa encomen-
dada pelos patrões, manifestava, a
sua solidariedade.

~

. 1· guns situados abaixo do solo. Quero , ,·
dizer que há muitos obstáculos difí-
-o n;duto dos ceis de se ultrapassar para quem não AS RAIZES DO PT '(t._ -.-~(\
conhece a localização. Naquela es-
grevistas. Não curidão , os soldados começaram a A Igreja e uma das mais impor-
cair nas valas, n_os tanques de água, a
1 trombar com as máquinas. Do alto tantes organizações da sociedade ci-
das pontes rolantes os trabalhadores
'• mas muitos feridos lançavam-lhes pedras. Não houve vil, a OAB, começavam em Osasco ,
mortos, mas houve muitos feridos.
ais tarde seria preso e expul- a cumprir um papel de substitutos 1
so do Brasil , dando origen1 a A luta dentro da fábrica durou até
um choque entre o cordatís- o amanhecer e, como não podiam dos partidos políticos, papel que
siino cardeal de São Paulo, Dom fazer mais nada, cerca de 400 operá-
Agnelo Rossi. e o Presidente Costa rios entregaram-se ao Exército. continuariam a desempenhar até o
e Silva.
" Na Lonaflex, os operários, que fim do regime militar. Isso porque os
I tinham improvisado lança-chamas
com maçaricos de acetileno, conse- trabalhadores se haviam recusado a
OEXERCJTO guiram permissão para sair da fábri-
ca sem serem molestados. " admitir a interferê ncia dos parla- 1
EM AÇAO
No segundo dia de greve o sindi- mentares da oposição, de cuja legiti- 1
cato foi ocupado e presos todos os
que lá se encontravam. Informada n1idade desconfiavam. l
pelo Exército e pela polícia, a im-
prensa divulgava ameaças e notícias Nascia também em Osasco o novo
ameaçadoras. Os dirigentes sindi- 1
cais que não estavam presos tiveran,
que cair na mais profunda clandesti- sindicalismo, baseado em comissões

de fábrica que, por sua vez, eram \

alicerçadas por células menores, os I ,,(,

t,grupos de seções. Muito mais pró-

ximo dos trabalhadores que os anti-

gos sindicatos estruturados segundo ~ i),

as regras da CLT de Getúlio Vargas,

esse novo sindicalismo acumularia

forças ao longo dos 10 anos seguin-

tes. Em 1978 explodiria o noticiário

-CONFEfTQ IA•' .l com as greves dos metalúrgicos de

São Bernardo do Campo e das de-

Foi um milagre não mais cidades do ABC. Nela surgiria

ter havido mortes e,n a liderança de Luiz Inácio Lula da 1

Osasco. Na ,nadrugada Silva e dele nasceria um partido ino-

do dia 17 de julho o vador na política brasileira, que tem 1·

l Exército isolou as fábri- tudo para se transformar em um 1
cas ocupadas, eva- grande n1ovimento social-democra-

cuando os moradores da ta, alternativa concreta de pode r,

vizinhança e os jornalis- caso se livre dos seus grupelhos radi-

tas. Depois. rechaçado o calóides: o PT . Partido dos Traba-

ultimato pnra a desocu- lhadores. ~

pação da Cobrasma , os Anos mais ta rde, José Ibrahim fez 1 .
uma autocrítica: " Demos ao movi-
l sapadores abriran1 bre-
chas nas cercas e a ca- Gmento grevista um caráter excessi-

valaria entrou. vamente radical e, por isso mesmo, 1.
ele entrou em um beco sem saída,
"Co,no não pude ram

entrar pelas ruas asfalta- ... . não teve capacidade e desdobra-

das por causa das barri- ' ... -:, mento. Podemos dizer que a greve 1
cadas, entrara111 pelos la-
dos. onde se acumulava - ~e.:'.'.~-"·c de Osasco teve um car,iter insurre-
n1uita lin1alha pelo chão.
Os cavalos nüo pudcran1 Nos conflitos de ruas de São Paulo, a cional localizado. Por esse motivo é
avançar porque a lin1a- morte passou por perto deste
que a repressão se deu ao nível mais
manifestante, salvo pelos companheiros.
brutal que se possa imaginar. "

Nem sempre é bom negócio cutu-

lha lhes feria <3.s patas e n1uitos jo- nidade. se,n possibilidades de entrar car uma onça com vara curta. A

garan1 os seus ginetes no chão''. en1 contato con, os seus liderados. onça pode abrir a jaula e comer

conta l.brahi1n. ''Mo,nentos depois. Assim mes1no, a greve durou quen1 a cutuca. Foi o que aconteceu.

a infantaria reiniciava o a taque. Nos ainda duas semanas. Quando os e m- Na próxima semana veremos

prin1eiros instantes do assalto houve presürios obtiveran1 do governo luz como a Igreja Católica foi mudando,

confus,io dentro da fübrica. tvlas a verde para negociar, em vez de lí- ao longo de 1968, até assumir uma

primeira coisa que os operários fi- deres sindicais tiveram à sua frente franca oposição ao regime militar, ~1 1
apoiada em documentos políti-
zera,n foi retirar os fusíveis. dei- n1cn1bros do clero e da Orden1 dos co-teológicos inovadores, como o f

xando a fábrica completamente às -Advogados. Concordaram com um resultante da Conferência dos Bis- ~ l
escuras. Dentro da fábrica hü muitas
aun1ento de 23%, em indenizar os

n1áquinas grande~. tanques de ,1gua despedidos e en1 não despedir mais pos da América Latina. reunida em .'

para o resfrian1ento das peças. ai- Medellín. na Colômbia.

A seguir: AIgreja ·dos Pobres

1 •' '

1

~ ·ll • ,
1
POS-PARTO NOPLANALTO •• .,
1

e Agora que Passando a Limpo - A Trajetória de E
~
•1 Um J;arsante já saiu, a jornalista Dora Kranícr - que "~.,'
.oo
'1 co-escrevcu o livro com Pedro Collor - troca a ansie- ••••''''' IX:

dade de cinco meses de trabalho pela sensação do .g

dever cumprid9. A tensão. foi tão grande que Dora LU

suspira de alívio ao retomar a função de repórter em

Brasília, cidade.povoada por fantasmas e forças ocul- '

: tas que volta e 1neia derrubam um presidente.
...e..,. ''
~ •••''' •
N

• ~- ,
<Q41'.t ;;: ..li$

...~ , ,M _k, ,,..."~'

l ~ i •~/"

••••••'

••••'' ·t r i ~Cl/r.•

~ ,L

VIDANOVA, CASAMENTO NOVO

1 • Bem que a velha canção dos Rolling $tones avisou. Ainda em busca
, de satisfação, o ex-baixista ijill Wyman acaba de se casar com Suzannc
.
Accosta, poucos dias depois que seu filho anunciou oficialmente o
~ ::f1 noivado com a mãe de sua ex-mulher, Mandy Smith. Atual sogro da
ex-sogra, só falta Wyman mandar Suzanne para a cozinha-do restau-
. rante Sticky Fingers, do qual é sócio - para ajudá-lo a sustentar a casa,

G .1 já que não conta mais com o milionário salário da ex-banda.

'• ~

EMBALOSDO SERTAO
e Será que as duplas caipiras vão levar os embalas de sábado à noite
para o sertão? A resposta será ouvida no próximo lançamento de

Chitiiozlnho e Xororó, que conta com o reforço dos Bee Gees. Seja qual

foro resultado musical, as caixas registradoras prometem ficar abarrota-

das. Afinal, os manos brasileiros acabam de emplacar um disco duplo de

''' platina, enquanto os australianos já venderam a bagatela de 27 milhões
de cópias do álbum Saturday Night Fever.

.......,,.,.... ·;t "li

l

'•
•'''''''''''' •

••'NAS ONDAS DO AMOR•''

:''.
e Se o amor modifica as pessoas, o artilheiro do Fluminense, tzio Leal .
:
Moraes Filho, está mesmo apaixonado pel? bodyboarder Isabela Noguel-

v ~' ra, com quem vai se casar romanticamente no próximo Dia dos Namora-••••'''
dos-12 de junho. Ele já aprendeu a pegar onda, trocou a sunga de lycra
pelos calções coloridos e passou máquina quatro no cabelo, à moda dos
surfistas. O noivado, é claro, foi selado com uma prancha de surfe e um
pé-de-pato.



••

•. • . . . ome oi•opreço

.....•,.•. . . . ama. ase re ren

... ...,•..•..,. • ,.•..

..~ •

.,.,. sempre·: ' \ .

...' ' glamourosas, cerca- todo-poderoso John Casablancas nem percebi. Só descobri há pou- por um fotóg\~fo em um restau-
. .'. ..' ' ' lhe prometeu um futuro cheio de co tempo, através de uma entre-
... •. ·· das por cenários delirantes e dólares - desde que perdesse 10 vista que ela deu a uma revista", rante de Lon&J.~tand, onde traba-
quilos, no mínimo. diz Carol, hoje orgulhosa da irmã, lhava como g~ç'onete nas horas
. · , envoltas en1 roupas luxuo- uma bem-sucedida modelo para
• sas, as top mode/s encarnam o mo- Alexis chegou a desmaiar de manequins grandes. Ela mesma, de folga da fac tàa e, teve que
fome e desnutrição, em sua pri- abdicar de sete q ilà
derno ideal de beleza feminina , meira sessão de fotos. Uma cena Carol, jamais chegou a extremos.
nada glamourosa mas. infeliz- Mas depois de ter sido descoberta
despertando a admiração e a in- · mente corriqueira , num meio
onde impera a anorexia - uma
veja de milhões de mulheres em doença crônica, onde a pessoa
passa virtualmente dias sen1 co-
todo Ô mundo. O público pensa mer nada e que é seguida pela
bulimia, uma crise compulsiva de
que elas já nasceram assim, 20 qui- éomilança que acaba etn vômitos,
naturais ou induzidos.
los mais magras do que as pobres
Há seis anos, Beverly Johnson
mortais. Mal sabe que para alcan- freqüenta reuniões semanais dos
Co,nedores Compulsivos, uma as-
çar a passarela da fama - e se sociação semelhante aos Alcoóla-
tras Anônimos, voltada para a
manter lá o máximo de tempo pos- aj uda aos bulímicos. Em 1971.
com 17 anos, ela se preparava para
sível- , todas são obrigadas a pas- cursar a faculdade de direito, em
Buffalo. Atlética, era a can1peã
sar fome, sacrificando a saúde em local de natação, com um corpo
perfeito de 1,73m e 60 quilos.
dietas draeonianas, tão milagrosas quando amigos a convenceram a
ganhar dinheiro com sua beleza.
quanto prejudiciais. Estavam certos. Na mesma hora
em que entrou no escritório da re-
Juntas, Kin1 Alexis, Carol Alt e vista G/an1011r, em Nova Iorque.
foi contratada. Com un1a condi-
Be_verly Johnson ilustraram mais ção: a de perder oito quilos . Cen-
tenas de dietas e 1O anos mais
de 2 mil capas de revistas em todo tarde. Beverly estava anoréxica.
mal que alternava com a bulimia e
o mundo e experimentaram o agri- da qual ainda não se livrou. "Nin-
guém se livra de uma alteração no
doce sabor do sucesso. Na maior metabolismo", reconhece a ex-
modelo .
parte do tempo, alimentadas de
Num exemplo vivo da influên-
ar. substituindo uma dieta por ou- cia exercida pela imagem das mo•
delos sobre as outras mulheres.
tra ainda mais eficaz, na inces- Carol passou por uma experiência
penosa. Sua irmã , que sempre
sante corrida contra a balança teve uma ossatura mais larga, aca-
bou se tornando anoréxica. de
para manter mais de 1,70m de pé tanto que familiares e amigos co-
bravam dela um corpo igual ao da
com parcos 50 quilos no máximo. irmã mais famosa. " Pior. Na hora

AS DIETAS AFETAM
OMETABOLISMO

Já fora das passarelas e dos estú-
dios fotográficos, elas ganharam
en1 média 10 quilos, cada, e re-
velam as loucuras que fizerrim
contra o próprio corpo ao longo de
suas carreiras. Às mulheres que as
invejam, as três aconselham a não
se guiarem pelris imrigens vendi-
das pelas revistas: o preço é a sua
saúde.

··As die tas afetaram tanto o
meu metabolismo que fiquei sem
menstruar durante dois anos se-
·guidos'', revela Alexis, que, em
1977, era uma adolescente como
milhões de outras nos Estados
Unidos. Com 1,75m e 63kg, dispu-
tava campeonatos juvenis de nata-
ção. enquanto planejava se tornar
farmacêutica. Tudo mudou depois
que um concurso de modelos, em
suas escola, pavimentou seu cami-
nho até a agência Elite, onde o

l;;;;J40 06 OE MAIO OE 1993

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1

Márcio Moreira Alves

epois de muitos séculos

ligada aos governos e

aos poderosos, a

Igreja Católica fez sua

. opção pelos pobres, a partir 1·,
do Papa João XXIII e da
declaração dos bispos da .. .. • ....•.11

• • • • '1'

-'

América Latina reunidos

em MedeUín, Colômbia, em

1968. Os reflexos foram

imediatos no Brasil, e cedo.

a Igreja, que inicialmente . .,1 • r •
.. • •
aapssouianvu.au oumgoalpoepodse1.ç1-a9o64, ' ; _~~ . Segundo a

/ •• polícia, este

decidida e passou a ser ·- / crucifixo com •

perseguida pelos militares. / a foice e o // t

Neste sexto capítulo de sua ,. , martelo foi

análise de 1968, o ano que ••• i • encontrado
mudou o mundo, Márcio
! no Convento

Moreira Alves mostra como • das Perdizes,

foi a Igreja dos pobres sob •. ... em São

o tacão dos generais. r.• .,,-,- 1 .- Paulo.

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11 l~reja saía de

a atitude de·¾,_'"1··1

·~provação ao

,-,.;u;galpe de 64 para a

Dlf si:ção aberta

,~:~.,:1~:~

s sinos da Candelária dobra- "'Os 15 outros concelebrantes, com e~ra o lado esquerdo da igreja, em
vam finados às seis e meia da direção à Praça Pio X e à esquina da
tarde da quinta-feira, 4 de as suas alvas sobrepelizes postas , Rua da Quitanda.
abril de 1968, ao final da missa de acompanharam Dom José, como em
sétimo dia pela alma do jovem para- procissão. Quando as portas se abri- Os flashes da imprensa espoca-
ense Édson Luís, 1norto por um _as- ram, os oficiais que comandavam o vam, registrando o momento mais
pirante da Polícia Militar do Rio de cerco tiveram um momento de hesi-
Janeiro, no restaurante do Calabou- tação diante dos padres, que levan- fotográfico da confrontação entre a
ço, onde estudantes pobres como ele Igre·ja Católica e o Estado de Se-
comiam por um preço simbólico. O tavam os braços e gritavam para que
castanholar no piso de cantaria dos não atacassem. Vencidos sem cho- gurança Nacional, então em vias de
cascos dos cavalos de três pelotões ques os primeiros instantes, esta- dominar inteiramente a sociedade
da PM~ que se ouvia do outro lado beleceu-se um habeas corpus tácito brasileira.
das portas de bronze, fechadas para entre sitiantes e sitiados, para que
dificuJtar a entrada do gás lacrimo- estes, cerca de três mil, pudessem Naqu~la noite, a Igreja saía de
géneo na igreja, prometia violênci~s evacuar a nave da igreja sem serem uma atitude de aprovação ao golpe
como as ocorridas pela manhã, em molestados. Lentamente, em duas de estado de 64 para a oposição
outra missa pelo n,orto. alas protetoras-dos assistentes à mis- aberta, em nome da defesa dos direi-
Pela manhã, interpretando mal-
dosamente a proibição de passeatas sa, que seguiam pelo corredôr assim Otos humanos.
que estava em vigor, a cavalaria da formado, os padres deslocaram-se Longo fora o caminho ideológico
PM havia encurralado os assistentes percorrido em quatro anos pela hie-
que saíam da missa contra as portas
da Candelária, fechadas por ordem rarquia católica, bispos e cardeais,
não se sabe de quem assim que ter-
minara o serviço religioso. Os solda- iU
dos desceram o sabre na cabeça de
moças e rapazes apavorados, forne- t::i
cendo aos fotógrafos imagens de sel-
vageria policial que seriam reprodu- õ
zidas pelo mundo afora e ilustrarian1
as capas de muitos livros e publica- I
ções de denúncia da ditatura bra-
sileira. ,
Em vez de con,pletar a liturgia di-
zendo "Ide em paz e que o Senhor :]
vos acompanhe". Dom José de Cas-
tro Pinto. bispo-auxiliar do Rio de ~
Janeiro, anunciou que os sacerdotes
sairiam primeiro e todos deviam es- . . _.:i~c
perar em seus lugares até que a cada
um tocasse a vez de sair organizada Dom José de Castro Pinto (de preto), bispo-auxiliar do.Rio, celebrou
mente, dando-se preferência aos a missa e pediu a todos que saíssem organizadamente.
que estavam mais perto do. altar-
mor, portanto, mais longe da porta.

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para chegar até aquele instante de gressivo enfraquecimento da mais Com a mil padres no país. Calculava-se que
antiga e sólida instituição lati- Candelária somente 12% dos brasileiros eram
conflito com os generais de 64. Mais no-americana. David Mutchler, um fechada , a católicos praticantes, ou seja, católi-
americano que estudou o catoli- celebração da cos que, além de batizados, freqüen-
longa ainda seria a caminhada no cismo no conjunto do Continente, missa. Na tavam as missas dominicais e tinham
escreveu: saída, a PM vida sacramental regular.
escuro, nos anos de ditadura com- encurralou os
"O aspecto mais característico da A transferência de populações do
pleta, quando a Igreja substituiria as igreja latino-americana não é a assistentes e campo para a cidade, acelerada ao
abundância dos seus teólogos pro- desceu o longo da década de 60, obrigava a
funções dos partidos políticos, que gressistas, dos seus planos de pas- sabre. Igreja Católica a competir com ou-
toral, do seu comprometimento com tras religiões, como as seitas protes-
·não tinham liberdade para se organi- as transformações sociais, mas sim o tantes de massa e a umbanda, me-
estado lastimável dos seus recursos lhor implantadas nos bairros pobres
zarem, e seria a ~nica voz indepen- próprios, em mão-de-obra e finan- e com um sistema de recrutamento
de sacerdotes mais próximo do
. dente a falar pelos que não tinhám c~iros, bem como a apatia das mas- povo. Enquanto um padre católico
sas católicas." tem de ter secundário completo e
outras possibilidades de apresentar ainda estudar dois anos de Filosofia
Em 1968 havia no Brasil 243 bis- e quatro de Teologia, um pastor da
• as suas revindicações e protestar pos, 178 brasileiros e 65 estrangei- Assembléia de Deus ou um
1 r.os, sendo que estes raramente se pai-de-santo precisa apenas conhe-
I contra as violências sofridas. A-op- envolviam em assuntos políticos. cer a sua liturgia e ser aceito pelos
Quase um quél.rto dos bispos bra- seus fiéis.
1 ção pelos pobres e pelos violentados sileirps, ou seja, 43, tinha nascido
em Minas Gerais , estado notório Por outro lado, a importância do
•1 pela sua moderação_ política, en- sistema de ensino setundário católi-
l não se daria sem cisões internas, sem quanto o Nordeste, onde a miséria co, uma fonte tradicional de recruta-
favorecia a radicalização de opções, mento de sacerdotes, diminuía. Os
~ - - - --1 hesitaçõ'es e dúvidas profundas. fora o berço de outro quarto, 46 ao governos municipais e estaduais au-
todo. A outra metade era de São mentavam a oferta de vagas gratui-
·UMA IGREJA tas e a inflação corroía as possibili-
ENFRAQUECIDA Paulo e do Sul, especialment.e gaú- dades da pequena classe média de
financiar os estudos de seus filhos
·Ao contrário do que a maioria dos chos. em educandários pagos.
O pequeno número de padres -
qu~ estudaram a Igreja Católica no A Igreja Católica era., em 68,. e
Brasil pensam, o que a caracteriza cerca de 12 mil, sendo quase metade apesar de enfraquecida é ainda hoje,
'• não é a sua implantação nacional, a estrangeiros - não permitia a ex- a principal instituição religiosii do
multiplicidade dos seus meios de co- pansão da instituição. A formação Brasil e a que maior audiência tem
(' municação, a importância dos seus de novos sacerdotes, reduzida a me- nas classes média e superior.
1 colégios, hospitais e missões, a im- nos de 300 por ano, fazia prever o
agravamento da carência de voca- '
li ponência das suas catedrais. Tudo
isso realmente existe e tem peso, his- ções sacerdotais e do déficit de 20
tórico e material. Tanto assim que
permitiu que a Igreja cumprisse um
importantíssimo papel político
r')durante os anos em que a censura
~ alou quase todas as outras vozes da

sociedade. O que impressiona é an-
tes o outro lado da medalha: o pro-

..< • r-~-.... quando foi substituí.do por outro, in- despertado militâncias extremadas,
ll§íies e . titulado Plano Pastoral de Con-
junto. como a do padre guerrilheiro Ca-
declarações de
·gr.udos de leigos Esses dois planos permitiram aos milo Torres, morto em combate na
e·agentes pastorais grupos empenhados na luta política
justificarem o seu engajamento com Colômbia, foram o ponto de partida
a~ter9.a.r-í~erassma-oa textos da igreja brasileira, ga-
nhando, portanto, legitimidade. Es- para novas e polêmicas maneiras de
Rerdeira Ja:, tradições passa- sa legitimidade veio a ser reforçada.
das, quando atribuía ao poder em agosto e setembro de 68, pela interpretar-se o cristianismo através
divino a legitimidade das declaração dos bispos da América
coroas reais, quando os reis de Por- Latina. reunidos em Medellín, na da chamada Teologia da Libertação.
tugal se intitulava1n Majestade Fi- Colômbia, declaração que represen-
delíssi11u1. enquanto os de Espanha tou a mais clara condenação das es- As reflexões teológicas clássicas,
truturas político-sociais do conti-
1 eram Majestudc Cutólica e os de nente jamais feita pela Igreja Ca- como as de Santo Tomaz de Aquino,
tólica.
i França Majescudc: Muito Cristã, a por exemplo, nasceram, quase sem-
Igreja Católica sacra1nenta os nasci- ATEOLOGIA,., ·
mentos pelo batismo, a formação DA LIBERTAÇAO pre. nos conventos, mosteiros e cen-
das fa1nílias pelo casamento e a
n1orte pela ext ren1a-unção e pelo en- A declaração da Conferência tros de estudo, sendo fruto de ex-
terro. No entanto, a sua posição é a Episcopal da América Latina -
de unia fortale:la sitiada, com bre- CELAM, de Medellín, enfatizava a periências místicas individuais e de
chas nas muralhas. necessidade de se ver o processo de
salvação como iniciando-se neste sistematizações também elaboradas
AS ORDENS inundo; fazia as ligações entre a fé e
N a justiça, a necessidade de mudanças individualmente. É por isso que
estruturais na América Latina, a im-
DE JOAO XXIII portância de se encorajar as comuni- Max Weber, um dos mais importan-
dades eclesiais de base; explicitava a
A desvantagen1 con1petitiva dos preocupação da Igreja com os po- é ,tes autores da economia política e da
católil'os já era conhecida há muito bres , o pecado existente nas estru-
ten1pu pelo Vaticano. Na sua última turas sociais injustas e a importância sociologia do século XX, achava
carta aos "diletos povos da América de se ter uma Igreja pobre.
Latina•·. datada de dezembro de que , nas grandes instituições religio- '
1961. João XXIII 1nandava os bispos As preocupações sociais manifes-
fazer três coisas: elaborar u1n plano tadas pelo episcopado continental sas, a mudança só ocorre de cima
pastoral que tivesse corno objetivos em 68. preocupações que já haviam
"ilun1inar as inteligências. revigorar para baixo, através da hierarquia e
a vida sacra1nental e fortalecer os -.
católicos na fé": se esforçar para da influência de líderes. No caso das
mostrar aos governantes e a todos os
responsüveis u urgêncüi de u,na re- novas interprstações do cristianismo
forn1a de todas as estruturas sociais
no sentido da pr()n1oçlio das n1assas e da sua relevância para a realidade 1
subdesenvolvidas; e dar a sua coo-
peração a esse esforço de participa- político-social dos povos, o ponto de
ção hun1ana e 1on1ar no seu seio uma
parte ativa. partida foram as experiências con-

A ordem do papa foi prontamente cretas, vividas pelas comunidades de
transforn1ada p~>r Don1 Helder Câ-
mara e o seu grupo de assessores em base que surgiram no Brasil, no Peru
um Plano Pastoral de Emereência.
e em outros países muito pobres da
~
América Latina. Surgiam, portanto,
aprovado pela CNBB en1 abril de
1962. plano (1ue durou até 65. de baixo para cima. É interessante

observar que não apareceram teólo-

gos da libertação nos países menos

desiguais do continente, como a Ar-

gentina, o Uruguai, o Chile e a

Costa Rica.

Scott Maiwàring, que escreveu A

Igreja Católica e a Política no Brasil, ~ -

constata: "As primeiras comunida-

dds de base, as discussões iniciais

pi

.. . •

lo.,ú;~~:;.;_.~..;ã.~~..:lli...:W..:..W;;.;,;,;.,J;.;~r.....~.:...:.i~i:.,,_;~.'ltíiô.,.__,,..,z"""'"""'""',•"'1'i''.-"!--~~......i...:;~

drão da Morte da "Baixada Flumi-

nense e ,chamasse os seus membros

de Filhos de Maria. ·

No Brasil, um dos r'esultados do

anticomunismo exaltado f<.>i o agra-

vamento do conflito Igreja-Estado ,

que já se delineava desde 1964,

quando foram presos como c.omu-

nistas muitos católicos engajados em

trabalhos sociais tais corno a alfabe-

tização de adultos, o sindicalismo

rural ou a participação em movi- .

mentos estudantis. Até Paulo Frei-

re, um dos mais influentes pedago-

gos do mundo, foi -preso e teve de

exilar-se. Foi parar na Universidade

de Harvard , logo onde , e, mais

tarde, no Conselho Mundial das

Igrejas , sediado na Suíça , pá- ·

tria-mãe do capitalismo financeiro.

Tudo o que tivesse relação com

movimentos populares, disputas en-

tre posseiros e fazendeiros, estudan-

1 sobre a pedagogia nas classes po- Fidel Castro entrou em Havana a Muit'as tes rebeldes, operários reivindican-
pulares, o trabalho ini'cial com os tes, passou a ser encarado com sus-
i índios e a maioria das inovações da 1:•de janeiro de 1959, à frente de um freiras peita pelos serviços de informações
bando de guerrilheiros maltrapi- participaram do regime , suspeita que freqüente-

igreja brasileira começaram nas or- lhos, saudados como ltb.értâdores de mente passoU' a se transformar em
ganizações de base. Além disso. pela população e pela imprensa·es- passeatas.
quase sempre foram as ações e as trangeira, americana inclusive. Três Dom Helder repressão. Na verdade, esses servi-

ços e. progressivamente, a cúpula .
declarações de grupos de leigos e de anos mais tarde, em outubro de Câmara criou das Fotças Armadas, convence-
agentes pastorais trabalhan·do com 1962, a presença de mísseis soviéti- ram-se da existência de uma ampla
'1 as classes populàres que atraíram a cos em Cuba, que já se declarara um o Plano 'infiltração 1narxista na Igreja Católi-
repressão contra a Igreja após o país comunista, quase provoca uma Pastoral de
.. golpe de 64. A repressão foi um fa- guerra nuclear capaz de destruir o Emergência. •

tor chave para a transformação da mundo. A partir dessa crise, o risco ca, infiltração que deveria sef extir-
pada através dos métodos então ha-

de surgir uma nova Cuba em algum bituais: a prisão, a tortura e a expul-
lugar, especialmente na sua zona de
instituição. defesa imediata, a América Latina, são do país , no caso de estrangeiros.
tornou-se a obsessão dos estrategis- Outra conseqüência, pelo lado
li
tas dos Estados Unidos. Eles tro- oposto, foi a conversão a diversos
l AGUERRA FRIA caram o enunciado. da doutrina de tipos de socialismo de militantes e

EXPLICAVA TUDO Franklin Roosevelt, que, durante a até de organizações católicas intei-
ras, como, por exemplo, a ACO -

Algumas das principais obras da II Guerra Mundial, declarara as Ação Católica Operária, e a JOC-

Américas a fortaleza de defesa da Juventude Opei:ária Católica.
democracia. O que passou a v~ler foi
i• Teologia da Libertação , influencia-
das pela repressão aós militantes ca-
OS COMANDANTES
tólicos, foram publicadas pouco de- a defesa do capitalismo, qualquer

1 pois de 68 por dois brasileiros: Li- que fosse o regime político que o PERDEM OCOMANDO
bertação: Desafio aos Cristãos do sustentasse, democrático ou dita-

gaúcho Hugo Asrnann e Jesus Cristo torial, não importava. Os atritos da Igreja com o regime
A paranóia anticomunista que se
Libertador, de Frei Leonardo Boff,
militar foram inicialmente tratados
franciscano do convento de Petró- apossou dos cérebros de inúm_eros como episódios isolados, desvios in-
dividuais a serem contidos,tanto na
polis. Ambos admitiram terem ela- políticos e militares das Américas
organização religiosa como na· míli-
borado o pensamento sob a influên- chegou ao ponto máximo com o Pre- tar. À medida que se repetiam, por-
1 cia dos movimentos populares, da sidente Reagan. Depois de armar, que a Igreja elaborava os seus docu-
mentos de opção pelos pobres e,
) mesm·a forma que o jesuíta peruano subsidiar e treinar os bandidos da aprofuqdava as suas críticas ao mo,

l Gustavo Gutierrez, também célebre guarda pessoal de Anastácio So- delo econômico vigente, e as Forças
inovador, autor de A Força Históri- moza, sangüinário ditador nicara- Armadas consideravam subversivos

ca dos Pobres. A iufluência que es- güense, atiçou-os contra os sandinis- otosdcohsooqsureespapraosssaàrsaimnjuastsieçra.-,sdseoci'niasjts.i-,
ses teólogos exerceram ultrapassou tas e o povo daquele pobre país cha-
as fronteiras brasileiras e esten- mando-, os de Combatentes da Liber- tuição contra instituição.
deu-se a todo o mundo cristão, des- dade. E como se algum prelado ou

pertando adesões apaixonadas e crí- sacerdote, pois deles tratamos neste
capítulo, subvencionasse um Esqua-
ticas arrasadoras.

:icj_,,_

-:DS ·generais sar os li1nites da
chamada vida es-

qu9.~l •1am ens■inar piritual é. na prá-
tica, aceitar o con-
o~ ~ispos a rezar ceito rnarxista de
religião. Procla-
mar a defesa da ci-

missa. E o vilização cristã e,
ao mes,no tempo,

•• limitar a missão
magistral da Igreja

na defesa dos valo-

e.sfabeleceu res hu,nanos signi-
fica uma defesa

n1ascarada do pa-

ganismo."

O pri1neiro inci-
,na das causas mais in1ponan- dente do ano ocor-
tes desses conflitos foi a pre- reu a 3 de maio de
tensão de alguns chefes 111ili- 68, en1 São Paulo,
tares de ditar o co1nporta111cnto da então u1na impor-
Igreja. separando o que lhes parecia tante base da linha
ser o seu papel legítimo - a distri- dura n1ilitar. que já
buição dos sacran1entos - do que procurava pretex-
julgavam ilegítimo - a partícipaçüo tos para dar um
nos problemas sociais. Essa preten- golpe dentro do
são ao cerceamento da liberdade da
Igreja de traçar as suas estratégias golpe de 64. Foi •
preso. acusado de
de crescimento pastoral nüo podia ter abrigado por
se r aceita. corno não foi. sequer uma noite un1 co-
_, ,Jw ...

pelos n1en1bros da hierarquia 1nais munista persegui- Padres dominicanos fizeram manifestação
favor,íveis ao rcgin1e.
do. o presidente contra a ditadura em São Paulo.
O ano de 1968 rnarca o início des-
se conflito institucional. jü i111possí- do Movi1nento Familiar Cristão, ten10 ntuito pelo que poderá aconte-
vel de ser ocultado pelas respectivas José Sotero Filho, até então consi- ccr a este país. Quem poderá estar
derado un1 conservador sem cone- seguro de não ser preso?"
hierarquias. Marca, ta1nllé111 . o for-
j talcci1nento dos que defcndiarn un1n xões políticas. Dom Lucas Moreira A n1issa de ação de graças pela
Igreja voltada para os pobres. Neves. assistente nacional do movi- vitória dos aliados na Europa, reali-
1 mento e atual Cardeal Primaz do iada a 8 de n1aio, foi a ocasião de

' Brasil por ser bispo de Salvador, de- · outro incidente, desta vez no Mara-

OS PRIMEIROS clarou : ··se as operações de se- nhão. No decorrer do seu sermão, o

CONFLITOS guran~a nacional resultam na prisão bispo auxiliar de São Luís, Dom Ed-
de h<>inens como José Sotero, eu 111ilson da Crui, indagou: "É possí-

A raiz dos prin1eiros conflitos ins- PARA SABER MAIS .
titucionais entre a Igreja e o n.:~i1nc

1nilitar pode ser encontrada en; u111 • Hú 111uitos livros sobre a t·artas que escre,·eu do Presídio
1"1radentes, publicadas com o título
docu111ento da Comissüo Central da partiL·ipação da Igreja Católica na de A Igreja das Prisões, foram
CNBB - Confederação Nacional política, a repressão que os seus traduzidas nas principais línguas
111ilitantes engajados em ocidentais e conheceram um
dos Bispos do Brasil, de nnve111hro imenso e merecido sucesso.
de 1967. intitulado A Nliss:io c/;, Jlie- movin1e11tos populares sofreram e A Igreja e a Política no Brasil, São
rarquié1 Católica no fvlunclo <le l l<>i!.'. sobre a Teologia da Libertação e os Paulo, Editora Brasiliense, 1979
Esse docurnento, que foi assin,Ído seus for1nuladores brasileiros.
pelos 21 n1en1bros da Corniss,io C'cn- .f.oi. a n1inha tese de doutorado, '
Alguns dos n1elhores trabalhos
foram publicados nos Estados 1n1c1aln1ente publicada pelas
tral, inclusive prelados consc rva- Unidos. Editions du Cerf, em Paris. Trata
do conflito Igreja-Estado e
dores como Don1 Vice1111.• Schercr. Batisn10 de Sangue, de Frei Betto descreve as estruturas eclesiais de
decisão no Brasil.
cardeal de Porto Alegre. e 1)0111 Eu- Se,ãuomPeasutluod, oC-dírecpuoliomdeontLoivsorob're19o8Í'
gênio Salles. ad1ninistrador apos- envol,,imento de frades Os melhores estudos estrangeiros
sobre o assunto são The Political
tólico de Salvador. <lizia que "'o domÍI1icanos com Carlos Transformation of the Brazilian
bispo não se pode alic.!nar dos pro- Catholic Church, de Thomas
blernas reais que afligen, os lll>111e11s. Marighella e as perseguições que Bruneau, publicado pela
As alegrias e o sofri1nc1110 dos IH)-
svoa,,,frr1.eorsaamrt.i.gBoestti.omppuobrltiacnotuesaninada Cambridge University Press, em
-mcns süo as nossas alegrias e süfri- 1974, e The Catholic Church and
.Re,,ista QEculeesEi-ásCtiocma uBnriadsaidleeira e o
n1entos. Afirmar que a 1nissâl> reli-
livro O
.giosa dos bispos não pode ultrapas- Eclesial de Base. As con101·entes

..,_..,.,, ~ -■♦a, n " -



1

=.... América Latina e professor de Teo- Frei Beto (na forma como hayia editores espeçiali-
poltrona)
vel se falar, na atual situação bra- logia do seminário de Olinda , que teve de zados em ·economia ou em esportes,
apresentou uma proposta alterna- passaram a ter especialistas em orto-
Q. sileira, em liberdade de imprensa? doxia católica. · Os correspondentes·
Em liberdade do rá?io?" Os mili- tiva.
tares presentes se retiraram em pro- O estudo de Comblin era provi- estrangeiros consideravam as diva-
testo e o comandante da guarnição gações teológicas dos jornais bra-
federal distribuiu uma nota dizendo sório e para uso interno dos grupos sileiros, inéditas no mundo, como
que a Igreja fo ra profanada por de reflexão da Arquidiocese. Criti- mais uma bizarra peculiaridade dó
quein tinha a obrigação de defendê-
la. O caso fo"i encerrado pela inter- cava a proposta apresentada como país.
ferência dos superiores do coman- sendo demasiadamente genérica e O debate em torno do estudo do
dante. cheia de lugares-comuns. Em segui-
da, fazia uma análise do papel da padre Comblin durou umas três se-
OCASO COMBUN Igreja na história e na política do manas. Os ataques, responsabili-
continente, tratava de assuntos zando Comblin e Dom Helder pela
Mais sério foi o conflito em torno como a conquista e o exercício do "comunização do clero", haveriam
poder e terminava por examinar a de durar mais alguns anos. Em 1972,
de um estudo do padre belga Joseph
Comblin sobre a proposta de decla- o padre Comblin foi impedido de
ração que os bi spos latino- entrar no país ao voltar de uma via-
americanos assinariam na conferên- gem. Houve; também , inúmeras
cia a ser realizada em Medellín.
n1anifestações de solidariedade. O
Don Helder Câmara, arcebispo .psicanalista Hélio Pelegrino, çatóli-
de Recife e um dos alvos favoritos da co radical e intelectual respeitadís-
linha dura militar, recebeu da secre- simo no Rio de Janeiro, publicou no
taria da conferência o rascunho da Correio da Manhã uma longa análi-
declaração e pediu a opinião de se do documento e da posição da
Igreja frente aos problemas sociais.
O vários assessores. Um deles era o Dom Marcelo Carvalheira, bispo
auxiliar de Recife, e frei Eliseu Lo-
' padre Comblin , há 10 anos na pes. superior do convento dos domi-

Politics in Brazil, de Scott nicanos no Rio, fizeram o mesmo.
Mainwaring, publicado pela
Stanford University Press, em responsabilidade da Igreja no pro- comparecer a OPADRE WAUTHIER
1 1986. É no texto de Bruneau que cesso de desenvolvimento latino• uma
1\ me baseio para o essencial da americano, cuja injustiça para com Outro conflito foi provocado pela
os pobres considerava gritante. delegacia em prisão, durante a greve dos metalúr-
\ descrição dos conflitos gicos de Osasco, de dois padres: An-
Igreja-Estado ea1 1968. O vereador Walderkolk ·Wander- Porto Alegre, tônio de Aln1eida Soares, que ficou
O Padre Joseph Comblin, pivô de lei, militante político de extrema detido apenas uma semana, e Pierre
um importante atrito entre a Igreja direita e visceral inimigo de Dom sob suspeita Wauthi er . Wauthier, fra ncês e
e o Estado publicou um estudo Helder, conseguiu uma cópia do do- de subversão. membro da congregação de São Pe-
indispensável ao conhecimento das cumento, pinçou alguns trechos, ci- dro e São Paulo, cuja missão é evan-
1 doutrinas militares da época e a tados fora do contexto do conjunto, gelizar o meio operário, trabalhava ,
e os fez circular na imprensa e entre na Cobrasma. Embora não fosse um
influência dos Estados Unidos na militares. Iniciou-se imediatamente ativista político, ficou solidário co1n
América Latina em A Ideologia da uma feroz campanha de imprensa os seus companheiros em greve, ati-
Segurança Nacional, São Paulo, tanto contra o arcebispo como con- tude que se somou à suspeita que
Civilização Brasileira, 1978. tra o seu assessor, apresentado contra ele já tinham os serviços de
, .... A crítica à Teologia da Libertação como o responsável pelas idéias sub- inteligência, por se haver recusado a
~ mais divulgada no Brasil é a de rezar uma missa encomendada pelos
Dom Boaventura Kloppenburg, versivas que circulavam na institui- patrões.
Igreja Popular, de 1983. ção. Um editorial de O Globo che-
gou a dizer que o estado brasileiro Após um mês de prisão, os servi-
correria certamente um risco se fos- ços de inteligência permitiram que
se levado a acreditar que o plano de Wauthier ficasse na casa do cardeal
operações do padre Comblin era um de São Paulo, Dom Agnelo Rossi. A
texto de teologia. "Se isso é teolo- 27 de agosto, Dom Rossi ausente
gia, o livro vermelho de Mao é um por estar em Medellín, a casa foi
manual de quietismo", afirmava. invadida e, sem processo regular,
Wauthier foi deportado para a
Era comun, naquela época, os França.
jornais conservadores escreverem
editoriais ensinando aos bispos o A deportação provocou protestos
que era e o que não era parte da de bispos e padres de todo o Brasil.
ortodoxia da Igreja. Essa prática Uma das raz•ões do protesto é que a
curiosa era regularmente exercida in_iciativa da polícia política provo~
não só por O Globo, como pelo Jor- cava insegurança em todos os sacer-
nal do Brasil e, sobretudo, pelo O dotes estrangeiros.
Estado de S. Paulo. Da mesma

• .,' ,



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. • i • J■ a cumpri■u tra a Igreja pelo General Afonso Al- ras de colégios do Rio de Janeiro
buquerqUe Lima, ministro do In- •

inculcam em.jovens de treze e qua-

~.(: plarmente oseu. terior e candidato à presidência da torze anos problemas destinados a
República, no último trimestre de acabar com a família. Colaboram
68, significou uma mudança pro- . com a disseminação de teses que têm

1 a ,e. de defensora fu nda na estratégia dos altos es- como objetivo despertar nos jovens
' calões do regime, que sempre pro- tendências sexuais anormais" .
curaram conter os conflitos, e um
Lidas hoje, essas afirmações im-

1• : rseguidos e claro anúncio das intenções totali- pressionam apenas pela sua estu-
tárias de uma parcela do Exército. penda imbecilidade. Em 1968, elas
.'ª~· dos
O General Albuquerque Lima, ao eram levadas a sério, tanto que Al-
deixar o serviço ativo, tornou-se um
buquerque Lima qu,ase foi presi-
dente da República. E que a loucura
homem de negócios não muito cla- ideológica, de direita e de esquerda,
ros, metido que esteve na falência da se havia apossado de importantes se-
orno a igreja brasileira depen- Decred, um dos maiores escândalos tores da sociedade e empurrava o
dia forteme nte de missio- financeiros dos anos 70. Mas, em 68, país para a ditadura total.
nários para fazer funcionar as passava por moralista , por nacio-
A Igreja, apesar de sua hierarquia
suas estruturas, essa era uma amea- nalista extremado e por muito in- ser ideologicamente dividida, tendo

ça organizacional séria. fluente na tropa, o que de fato era, no seu interior alguns bispos de ex-

A expulsão do padre Wauthier como ficou provado em uma con- trema direita, como os inspiradores

' teve um desdobramento em outu- sulta realizada entre os oficiais do I da TFP - Tradição Família e Pro- ~ · •
bro, quando o Cardeal Rossi, pres- Exército, no Rio de Janeiro, que lhe priedade, Dom Castro Mayer e ~

sionado pelo clero da diocese, recu- deu a preferência da oficialidade Dom Eugênio Sigaud, e uma maio-

sou-se a receber do Presidente Costa para a sucessão de Costa e Silva. ria de prelados pouco interessados

e Silva a medalha da Ordem Nacio- Em outubro de 1968 o General em política , cumpriu exemplar-
nal do Mérito. Em retaliação , Dom Albuquerque Lima percorreu os es- mente o papel de defensora dos
Rossi foi proibido de celebrar a pri- tados do Sul proferindo, nos Cír- direitos humanos. Diante de perse-
meira comunhão guidos s~m defesa, foi a advogada.

dos filhos de mili- Diante de torturados, foi a acusa-

tares, a 10 de de- dora. Diante da prepotência, foi a

gzeamr ba, ro1..grAeJ.oa, che- resistente .
um Esse exemplo de cidad_ania e hu-

oficial comunicou- manidade cobrou em sangue o seu

1he que era per- preço. Padre Bournier foi assassi-
sona non grata e nado em uma delegacia do Ara-

que devia se re- guaia; padre Henrique, assistente de

tirar. Dom Helder para a juventude, foi

Segundo o Ge- morto no Recife. Tito, frade domi-

neral Jayme Por- nicano torturado na. OBAN -

te 11 a, chefe da Operações Bandeirantes, de São

Casa Militar, o Paulo, não conseguiu livrar-se dos '"--'"'

Presidente Costa e seus fantasmas. Enforcou-se em um

Silva teria inter- carvalho de uma floresta francesa.

pretado a recusa Seus irmãos do convento de Lyon

de Dom Rossi, um escreveram o seu epitáfio:

dos membros mais Os militantes da TFP saíam às ruas gritando "Expatriado, ferido em sua carne,
conservadores do contra a Igreja progressista. aniquilado quase ob.jetivamente,
episcopado. como porém vindo do delírio à razão, Tito

um agravo pessoal e não como o ato culos Militares, uma série de pales- ia pôr fim à indulgência que lhe ha-

político que realmente era. Essa ver- tras denunciando a Igreja. viam infligido os seus torcionários.

são conflita com a esperteza política Dizia: "Os comunistas, os padres Na última semana, René Ducret

que Costa e Silva muitas vezes de- e os bispos da esquerda festiva preci- veio duas vezes para vê-lo: ninguém

monstrou, inclusive para chegar à sam entender de uma vez por todas respondeu. Tito estava morto, entre

presidência, passando por cima da que as Forças Armadas não permi- o céu e a terra, em parte alguma. Seu ..
oposição do grupo mais próximo do tirão nunca uma volta ao passado.'' corpo foi descoberto no sábado, 10

Marechal Castelo Branco. E explicava que o plano do comu- de agosto. A 12 de agosto, em uma j

nismo para dominar o mundo tinha prece revoltada, nós· acompanha-

AGUERRA DECLARADA1 J várias fases. A primeira tinha como mos um homem e um irmão, Tito,
objetivo eliminar as Forças Arma- aquele que não se calou quando era ~ •

Na , verdade, Costa e Silva era das; depois, a Igreja, que seria uma lpreciso falar. Nós reconhecemos .._.t)
muito mais fino e inteligente que a poderosa força moral já infiltrada
fama de burro e de grosso que teve e pelos comunistas e, finalmente, eli- com Isaías o servidor de Javé e, com
os discípulos de Emaús, o Cristo
que levou para o túmulo. minar a moral e a família. Textual- vivo. Como dizes? Esse irmão nós o

A série de ataques desferidos coo- mente. afirmou que "padres e frei- conhecemos há 20 séculos."

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Aseauir: "A Briaa dos Oolàos": como os militares evol.uíram,ao lonao de :1968.

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Márcio Moreira Alves ,

princípio, os estudantes apenas ,,
faziam manifestações por mais vagas
nas.faculdades. Mas a ditadura ,.•.
reagiu com tal violência que a indignação
cresceµ e os protestos chegaram ao seu ••
clímax com a morte do estudante Edson
Luís, em·março, e.uma passeata de cem ..
mil pessoas, em junho, na Avenida Rio
Bra1ico, Rio. Nesta oitava part~ do seu. ',

exame dos acontecimentos !le 1968, Unida pela
Indignação, a
Márcio Moreira Alves opina que a classe média
incon1petência do MEC e a brutalidade da -dá-se·as mãos
polícia foram os criadores da revolta . esolta a voz .
estudantil. Pretexto de que os militares se em protesto
serviram para endurecer o regime, até a contra a
morte da democracia. ditadura, na
Passeata dos
• C~m Mil,
no Rio.
•.

• J .....

queimar um livro é capaz de assar
• OMIEC uma criancinha.

incompetente ea Em 68, o ministério passara às
mãos de um político gaúcho, Tarso
p~líFia violenta Dutra. que entendia tanto de educa-
ção quanto qualquer um de nós en-
criaram o tende de engenharia g~nética: ou
seja. nada.
mo,imento
As polícias estaduais era1n con1an-
estudantil dadas por oficiais do Exército afina-
revolucionário d os co m as doutrinas contra-
insurrecionais dos Estados Unidos e
m 1968 a massa estudantil não supervisionados pela Comunidade de
Informações nascente. Eles viam em
saiu às ruas para derrubar a qualquer contestação uma insurrei-
ção, em todo jovem um comunista.
' ditadura. Muito n1enos queria
ANOVA CLASSE
in1plantar o socialismo, o con1u- REVOLUCIONÁRIA?

nismo ou qualquer outro ismo no A teoria política marxista tem um
dogma: no capitalismo , quem faz a
Brasil. A 1nassa estudantil saiu para revolução é a classe operária. Marx
foi categórico ao escrever que o ca-
1 as primeiras manifestações de pro- pitalismo industrial era o primeiro •
testo em busca de melhor inserção modo de produção que fazia tam-
\ no mercado de trabalho do país hi- bén1 os seus próprios coveiros. Só servadores. Eles e as suas organiza-
que isso foi escrito em meados do ções sindicais, como as grandes cen-
percapitalista que crescia sob a ba- século passado e daí para cá o capi- trais norte-americanas, e políticas,
talismo demonstrou uma insuspei- como os partidos comunistas da
tuta de Delfi1n Netto e dos seus Del- tada flexibilidade. não só científica e França ou da Itália.
tecnológica, corno ta1nbém humana.
fin1 Boys. Nos países in dust rial izados. os Em maio de 68, depois das bata-
operários conseguiram um nível de lhas entre estudantes e policiais nas
O que a maioria dos estudantes rei- vida suficienten1ente confortável ruas de Paris, houve urna greve
para se acomodaren1 ao sistema. Em geral. Greve geral é a que paralisa o
vindicava quando começou a ocupar o n1uitos casos, tornaram-se até con- conjunto da sociedade. Nos manuais
revolucionários do princípio do sé-
pátio do Ministério da Educação. no culo e nas teorizações de líderes co-
munistas como Rosa Luxemburgo, a
centro do Rio. em fevereiro, era un1 greve geral é o trampolim para o

pedaço n1aior do bolo. Sabia que esse 4.Jassalto ao poder. Só que, no caso -

pedaço só estaria ao alcance das suas francês, ela foi a antecâmara de um
pacto estabilizador, firmado entre o
mãos se conseguisse uma vaga em al- primeiro-ministro conservador
Georges Pompidou, a direção da
.gn1uumn1a.smfaocu, oldamdaeo.1sQn1u0e.mo qguueerviaan.osmcoo-, CGT, Confederação Geral dos Tra-
balhadores, e o Partido Comunista.
o socialismo era uma n1inoria de estu- Os trabalhadores embolsaram um
aumento de 35% e deixaram os estu-
dantes politizados, já agrupada en1 or- dantes falando sozinhos.

ganizações clandestinas. Con1 o correr A partir das rebeliões estudantis
dos anos 60, alguns analistas levan-
do te1npo e o aun1ento da repressão, taram a hipótese de serem os estu-
dantes a nova classe revolucionária.
esses jovens politizados iriam fornecer O mais famoso desses teóricos foi o
filósofo alemão radicado nos Esta-
a liderança de um movin1ento que. na dos Unidos, Herbert Marcuse. Al-
guns intelectuais brasileiros também
verdade, não foi criado por eles. apoiaram essa tese. O objeto da re-
volta não seria o capitalismo ou o
Quen1 criou o movimento estu- comunismo, enquanto modo de pro- l,.i
dução, mas a sociedade industrial
dantil revolucionário no Brasil foi o moderna, responsável pela desuma-
nização do homem.
Ministério da Educação, pela sua in-

capacidade em responder com ofer-

tas de ensino à den1anda dos jovens.

e a polícia, baixando o cassetete na

cabeça de que1n re invidicava a

chance de arrunu1r un1 emprego n1e-

lhor quando entrasse no n1ercado de

trabalho.

O Ministério da Educação esti-

vera entregue no governo Castello

Branco a un1 paranaense cha,n ado

Flávio Suplicy de Lacerda. que ga-

nhara os seus quinze minutos de no-

toriedade mandando quein1ar livros

esquerdistas no pátio da Universi-

dade do Paraná. Quem é capaz de

]

•.•.·- ____________.__.....................................J,._•_....i,.1;111.w\,

por quê, os vestibulandos se multi-

plicaram . Segundo o estudo de Luís

Antônio Cunha, e,n Educaçfio e De-

senvolvimento Socíal no Brasíl, no

período entre 1964 e 1968 o número

de candidatos às escolas superiores

cresceu 120%, enquanto o número

de vagas crescia 56%. O aumento do

número de excedentes do vestibular

neste período foi de 212% , sendo

que, em 68, 125 mil candidatos em

todo o país não conseguira,n trans-

por as portas das universidades.

O sisten1a de entrada nas faculda-

des era então o de exames vestibula-

res individualizados. Ou seja: o es-

tudante que desejava. por exemplo,

entrar para a Faculdade de Direito

da Universidade Federal do Rio de

Janeiro, então Universidade do Bra-

sil, fazia exame só naquela facul-

dade. Caso obtivesse nota superior à

mínima . esperava a classificação ,

para ver se a sua posição em relação

, cas da categoria, por mais verbas e Os estu dantes aos demais aprovados garantia-lhe
·mais vagas nas faculdades, e a luta ocuparam o
E possível que essas análises tives- pelo restabelecimento das liberda- pátio do MEC uma vaga. O número de vagas era 1
se1n alguma coisa a ver com o que se des democráticas na sua plenitude. reivindicando
passava nos países ricos, com a res- A terceira etapa. a do engajamento apenas mais estabelecido a cada ano pela admi-
salva de que mesmo por lá os estu- na guerrilha urbana. foi uma luta de oferta de l
dantes não são uma classe social, e a estudantes e não dos estudantes. ensino. Tarso
juventude. infelizmente, não é um Outra , nistração da faculdade. Com esse
estado permanente. Voltaire che- Na prim ei ra etapa, durante o ministro da
gou até a escrever, no fim da vida, verão de 68, a luta foi um movi- Educação em sistema, muitos estudantes conse-
claro, que a juventude era um bem mento da categoria dos excedentes 68, tentou
precioso demais para ser desperdi- por um lugar na universidade.· dialogar, mas guiam ser aprovados, mas, como ou-
çado nos jovens. Ao Brasil é que não era do
elas não se aplicavam. A pressão por vagas era violentís- ramo. tros tiravam notas melhores, fica-
sima. Nos primeiros anos do regime .
OPROBLEMA entre 1964 e 1966, o número de can- Wladimir vam de fora. Criou-se, assim. a fi-
DOS EXCEDENTES didatos ao vestibular crescera a um Palmeira
ritmo tolerável, embora acelerado e assumiu o gura do exceclente .
A luta dos estudantes teve duas quatro vezes maior que o aumento microfone
etapas: a das reivindicações específi- da população, de 12% ao ano. De para gritar Excedente era o jovem considerado
repente . não se sabe bem até hoje contra a
ditadura dos intelectualmente capaz de freqüentar
.. ·-,• r ·-:...•·. gorilas.
um curso superior. mas que nele não
:~,,,..j" •
entrava porque as vagas existentes ti-
•••
nham sido preenchidas por colegas

com melhor aproveitamento.

Corno ainda não tinhan1 inven-

tado os vestibulares unificados, com

essa história de primeira, segunda e

terceira opções, os que ficavam de

fora nas suas escolhas preferenciais

sobravam mesmo. Sobravam e iam

para o pátio do Ministério da Educa-

ção pedir mais vagas e mais verbas.

O Ministro Tarso Dutra, em vez de

procurar resolver esse problema

concreto, chamava a polícia. Pior:

não só a polícia aparecia. como bai-

xava o pau.

Pronto: prato feito para os cabe-

ças-feitas-, que é como se chamavam

os líderes politizados. E tome o Wla-

dimir Palmeira trepado no·poste, di-

zendo: "Pessoal, a gente vai acabar

com a ditadura dos gorilas.'' Do ou- ·

tro lado da linha, a massa entendia:

"Se berrarmos muiro, a gente vai ter •
vag_a e conseguir um emprego me-

lhor:." Diálogo de surdos.



]f


•radnr = e,, ,ll-

um repressão Paraná, filhos de lavradores de ori- Delfim Netto, seu sucessor. Logo , llii.:.
ge,n Japonesa. era marcadamente oposicionista,.,~
bru l·e· .:1 como provou assi1n que lhe deram a
, P1ovocadora matou Ora, a 1ne1nória histórica das clas-
·oestudante Edson ses médias brasileiras ensina que chance de votar: elegeu governador
sempre que elas consegue,n se mo-
Luís.. Ea revolta Francisco Negrão de Lima, candi- •
explodiu bilizar em torno de um objetivo, as
chances que têm de mudar a situa- dato do MDB, partido oposicio-
• orno os excedentes eran1 urna ção política geral do país são gran-
minoria, essa etapa não 1110- des. Portanto, a liberdade de ex- nista. Mais: a principal liderança da
• bilizou os estudantes em geral. pressão e de organização lhes parece direita carioca , Carlos Lacerda, pas-
Os líderes politizados. n1ilitantes da vital para a manutenção do seu lugar sara para a oposição desde 67 ,.
•• AP. Ação Popular, das dissidências na sociedade.
• do Partido Co1nunista do Rio , de quando articulou uma Frente Am-
Niterói e ele Siio Paulo, e de outras É sempre bon1 le,nbrar que estu-
organizações de esquerda ,nenores, dante não designava sempre un1 jo- pla contra o governo. Finalmente, as
tentan11n usar os excedentes como instituições de ensino preferidas
111assa de ,nanobra ele um movi- vem, democrata ou esquerdista ,' pelos mais ricos, colégios secun-
n1ento político n1aior. contra o re- contrário ao regin1e 1nilitar. Havia ,
gime. mas tiveran1 pouco sucesso. tan1bém, os estudantes direitistas, dários religiosos e a PUC, Pontifícia
que apoiava,n a ditadura e eram até Universidade Católica, pertenciam
PELAS LIBERDADES capazes de por ela lutar. E. claro, à Igreja, que também con1eçava a
DEMOCRÁTICAS havia u1na imensa massa de confor- ocupar espaços de oposição.
rnistas. que queria mesmo era um
Na segunda etapa. cujo cstopin1 diploma e um lugar no 111ercado de Em São Paulo, não só a base social
foi a violenta repressüo, com un1 da direita era mais sólida, com raízes
1norto, a unia reivindicação corpora- trabalho. históricas no fascismo, que fora po-
tiva. de escassa capacidade rnobili- Os direitistas, n1enos visíveis no pular na colônia de imigrantes italia-
zadora - a 1nanutençüo e,n funcio-
nan1cnto do restaurante do Cala- Rio de Janeiro , eram ostensivos e nos, con10 havia uma vizinhança geo- .
bouço, perto do Aeroporto Santos militantes em São Paulo, onde cria- gráfica entre o principal núcleo direi-
Dun1ont , no Rio de Janeiro - , a ram o CCC, Comando de Caça aos tista, a Universidade Mackenzie, e um
luta an1pliou-se e passou a ser pelo Comunistas. Por que não no Rio? A dos baluartes da esquerda, a Facul-
restabclecirnento das liberdades de- tradição de ,nilitância política da ex- dade de Filosofia, Ciências e Letras.
1nocr,Hicas. capital contava muito. A população Ambas ficavam na Rua Maria Antô-
carioca orgulhava-se de ter influído nia, em lados opostos das calçadas, o
Quen1 mudou o caníter da luta que era um pern1anente convite ao en-
nüo foram os líderes estudantis poli- no curso dos acontecin1entos ern
tizados. Foi a reprcssüo policial. bo- vários mo1nentos da história repu- frentamento.
çal e provocadora. blicana. Por ser ainda sede da n1aio-
ria dos órgflos governan1entais, o UM MORTO,
Os estudantes. é sernpre bo1n lem- Rio tinha uma pesada influência do UM MÁRTIR
brar. era,n e süo oriundos da classe funcionalismo público federal na sua
1nédia. O n(uncro de estudantes uni- classe média. Esse funcionalismo vi- O restaurante cio Calabouço servia, e')-
versit:írios saídos da classe operária nha. desde 64, perdendo o poder de por um preço irrisório, umas três ,nil
é extrern:unente reduzido e tende a refeições a estudantes pobres.e a po- ~
un1 conforrnismo político n1aior. compra dos seus salários, en1virtude bres que não eram estudantes, mas
Chegar à universidade é. para os fi- do arrocho aplicado pelo Ministro haviam arrum~do algum tipo de aces-
Roberto Campos e ,nantido por so à comida. Estudante, no caso, era
~ um ter,no que não se restringia aos

lhos de farnílias oper:írias. unia as- Edson Luís, ~
censão social de irnportfincia tnn1a- sem família :oze
nha que não se arriscarn a colocá-la e sem ~
ern perigo. O núrncro de estudantes
universitários nascidos en1 fan1ílias recursos , ;;,
ca,nponesas é n1íni1no. Quando apenas se :",'
n1uito. hü alguns e,n Süo Paulo e no
c."l,l'

abrigava no êe,,
Calabouço. -:>,,

Foi vítima

rdeepruemssaa-o

cega, para

quem
estudante

era

sinônimo

de
comunismo.



1 ZZ!"t

l -- •
-

~
os jov~ns e a alta burguesia carioca,
• que os aplaudia: "Mataram um estu-
dante. E se fosse um filho seu?'' \
universitários, que geralmente não "Sem horário de verão, às 6 da A morte do
precisava1n de refeições subsidiadas, tarde já era noite, o que i,npediu que estudante Para as classes do1ninantes bra-
mas abrangia tan1bé1n secundaristas e sileiras, polícia, espancamentos, pci-
alunos dos cursos noturnos de' ma- as testemunhas vissem que o tiro Edson Luís sões, se,npre foran1 problemas dos
dureza. criados para oferecer uma saía do revólver do aspirante da PM levou a outros. O regime 1nilitar rompia essa
nova chance aos jovens que não ha- Aloísio Rapos~ para atingir 1nortal-
viam tido a oportunidade ele uma es- mente o coração do estudante Ed- revolta à ttradiçflo. Com o incremento da
colaridade normal. son Luís. "
Cinelândia , guerrilha urbana iria transgredir
Edson Luís Lima Souto , caboclo O corpo foi levado para a Assem- ainda mais as barreiras de classe:
paraense, de 18 anos de idade, viera bléia Legislativa, que funcionava no em frente à passaria a invadir as casas ele qual-
sozinho para o Rio. onde não tinha Palácio Pedro Ernesto, na Cinelân- quer um , rico ou pobre, que estjves-
família. Encontrara no Cala.bouço dia. A notícia da morte espalhou-se Câmara dos se sob suspeita.
um abrigo de sobrevivência. Lá co- depressa e, ao longo da noite, mui- Vereadores ,
mia e, por vezes, dormia, em troca tos milhares de pessoas passaram onde as Sete dias depois do enterro, na
de ajudar na limpeza. pelo velório, onde oradores se reve- faixas porta da Candelária, os cavalarianos
zavam denunciando a ditadura. Os da Polícia Militar descia,n o sabre
Ao cair da tarde cio dia 28 de mais co,nbativos deputados do contra a sobre as costas dos jovens que com-
março, a Polícia Militar cercou o MDB, Alberto Rajão, comunista; ditadura se pareceram à primeira rn issa pela
Calabouço para impedir uma pas- Fabiano Villanova, simpatizante do multiplicaram. alma do rapaz morto. A escalada da
PCB, e Ciro Kurtz, independente de violência nas ruas, somada às ações
o seata que, segundo as informações esquerda, negociaram com o Gover- da guerrilha urbana, iria em um
crescendo até o desfecho final: a im-
-• que recebera, tinha como objetivo nador Negrão de Lima garantias de plantação da ditadura total com o
que a polícia não praticaria violên- A l-5, Ato Institucional n:· 5, na
apedrejar a embaixada dos Estados cias no decorrer do enterro. Salva- sexta-feira, '13 de dezen1bro.
Unidos, umas quatro quadras dor Mandim , deputado da ARE-
adiante. Zuenir Ventura, que foi NA , partido da revolução, lacer- .
teste,nunha visual, descreveu o epi- dista, general da reserva e homem
de bem, conduziu a negociação mais OENGAJAMENTO
sódio em 19681 O Ano que Néio 1'er- difícil: obter as mesmas garantias do DOS INTELECTUAIS
mi•nou: comandante do I Exército, General
Sizcno Sarmento, que era quem re- Em 1968 somente um de cada qui-
"A tropa chegou às 18 horas, almente tinha poder de mando sobre nhentos brasi leiros estava matri-
brandindo cassetetes. Os estudantes a cidade. culado en1 urna universidade. Dos
fu giram em duas direções e depois se nossos 90 n1i lhões de habitantes,
reagruparam, avançando sobre os O enterro de Edson Luís, que le- menos de 4,5 rnilhões haviam pas-
vou uma multidão a marchar pela sado do segundo grau, somando to-
policiais com paus e pedras. Os sol- Avenida Beira-Mar acompanhada dos os bacharéis, militares, enge-
dados começaram então a recuar e a pelo papel picado da solidariedade nheiros, enfermeiras, dentistas. mé-
área fronteira ao restaurante ficou dos moradores de apartamentos de dicos e quantos mais doutores exis-
deserta. Ziraldo disse à Comissão de luxo da Praia do Flamengo, foi a tissem. Calculava-se o público que
freqüentava habitualmente o teatro
Inquérito: primeira do curto ciclo de protestos em menos de 50 mil pessoas no Rio
"Quando os soldados voltaram pacíficos contra a repressão e o cer- de Janeiro, cidade con1 a pretensão
ceamento das liberdades. Uma das de capitalcultural ela República. Em
começou o tiroteio, vindo do edifí- 'faixas levadas ao enterro sintetizava todo o território n/)cional havia me-
cio da Legião Brasileira de Assistên- a razão da provisória aliança entre nos livrarias que no pequenino Por-
,...,_ eia. Os estudantes fugiram cm pol- tugal.
~ vorosa das proximidades e , nesse
momento, eu vi um policial. em po- Não é de admirar que, em um am-
biente desses. culturalmente pobre.
sição característica de tiro, saindo da os problemas dos intelectuais preo-
galeria, e alguém caindo. cupassem apenas um número muito
restrito de pessoàs. Quando, em fins
de 64, organizei o pritneiro mani-
festo de intelectuais•contra a dita-
dura, achamos que aquelas cento e
poucas assinaturas abalariam ós ali-
cerces do poder. Romos, uns dez ot.1

doze, distribuir o produto das noites 1

indo,rmidas, no Largo âc São Fr.an-
cisco, centro do Rio, debaixo da es-

tátua do Patriarca José Bonifácio. 1

depois de teF avisado a nossa inten-
ção pela imprensa.

••

• As·classes médias As atitudes, problemas e qpiniões Montenegro, como recon1endavam ,..,
indibnadas dos intelectuais interessavam pouca os manuais americanos de contra- ~ '
••• abar.rotaram a gente, mas os poucos a que1n in-
AvePida Rio Branco teressavam tinham poder: poder na •
! na Passeata mídia. no caso dos intelectuais -
dos]Cem Mil afinal, os que faziam os jornais eram insurreição.
l' O teatro e a canção foram os cam-
CCC. Comando de Caça aos intelectuais também - , e poder de
Cornunistas. estava à espera , fogo, no caso dos jovens oficiais in- pos de confronto entre os intelec-
apoiado por viaturas policiais, flados pela idéia de que estavam sal- tuais e o reghne em 68, de vez que
e caiu no nosso pêlo. Os passantes vando o mundo do comunismo dis- eram. juntamente com o cinema. as
ficaram olhando bestificados o An- tribuindo porrada en1 artistas de atividades sujeitas à censura.
tônio Callado, Mário Martins. Paulo
Silveira, Hélio de Almeida. e outros teatro. O primeiro escândalo do ano veio
rnilitantes cívicos serem empurrados A censura não chegara ainda à im- logo no início, a 17 de janeiro ,
para dentro do can1burão. Não n10- quando estreou no Teatro Princesa
veram um dedo, olhando con10 se prensa escrita, que publicava o que Isabel, em Copacabana, a peça de
estivesse1n no circo. Ajuizado foi o bem lhe parecesse, n1as já era dura Chico Buarque Roda Viva. E1n si, a
solitário estudante do grupo. Sérgio no teatro e no cine1na, regulados por peça nada tinha que pudesse desper-
Tostes, que viu logo não podermos leis a respeito dos bons costumes nas tar represálias de jovens militares. O
diversões públicas que vinham do que lhe dava um caráter afrontoso à
contar com as a1nplas massas. como tempo da ditadura de Getúlio Var- moral burguesa era a encenação
gas. No rádio também reprimia. imaginada pelo diretor José Celso
se dizia. e nos aconselhou a entrar proibindo músicas que não se en- Martinez Correa. Os atores não só
depressa nas viaturas da polícia para quadrassem nos padrões ,norais e lançavam sobre os espectadores pe-
não apanhar. Paulo Ribeiro , alen- políticos do regi,ne. Como para daços sangüinolentos de fígado cru,
tado deputado estadual. não seguiu anunciar a intolerância que a nortea- o fígado do personagem principal,
o conselho e tentou fazer valer a sua va, o encarregado da censura no De- um ídolo de TV que comete suicídio,
condição de parla111entar. Foi o como o anjo da guarda, personifi-
único a entrar no cassetete. partamento de Polícia Federal res- cado por Antônio Pedro, sugeria um
pondia.pelo nome de Juvêncio Faça- estupro da viúva, Marieta Severo,
vestida de Virgem Maria. Em re-
nha. general da reserva. Este exem- sumo: era um happening de provo-
plar acabado da inteligência do re- caçáo à burguesia. que o sustentava
gi1ne comentara u111a assen1bléia de con1 o dinheiro das entradas e o
artistas e intelectuais realizada na aplaudia com um frissonzinho de
AB I con1 uma declaração: "A reu- medo. Nada que uma ditadura sen-
nião da ABI foi dirigida por pessoas sata não pudesse suportar.
que não têm n,oral para representar
nenhuma classe. A classe teatral só Quando se apresentavam em São
Paulo, os atores de Roda Viva foram
tern intelectuais pés-sujos. desvaira- atacados pelo CCC e por jovens ofi-
dos e vagabundos, que entendem de ciais da Aeronáutica. Bateram nos
tudo, 111enos de teatro." homens e deixara1n Marília Pêra nua
na rua. Norma Bengell foi seqües-
Não era esse. propriamente. u1n trada e111 São Paulo e largada no
argumento capaz de ganhar os cora- Rio. Peças absolutamente anódinas,
ções e as 111entes de gente co1no Dias como Utn Bonde Cluunado Dese,io.
Gornes, Tônia Carrero e Fernanda

·. Parà saber mais . . : · . ·
.-

l ()s dois depoi111entos testen1u11hnis do trabalho. Excelente repórter, capaz A documentação sobre os acordos
' 111ois in1porta11tes sobre o de relatar co111 brilho o que 1•i11 ou entre os governos brasileiro e o
n101·i111e11to estudantil são o de ouviu, longo te111po editor do Caderno norte-a111erica110 para a reforrna do
ensino 1111iversitário no Brasil está
Fer11a11do Gahcira. O Que E Isso, B do Jornal do Brasil, onde se reunida 110 meu livro Os Acordos
l\-1EC-USAID, de 1968. O relatório do
Con1panhciro'!. Codec·ri, 1979, e o de publicam notícias culturais e sociais. General Ji1eira Matos, propo11do .
medidas de refor111a uni1·ersitária, foi
,tlfredo Sirki.ç, e,n Os C11rbon1irios, Zue11ir sobrel·aloriza esses dois
publicado na íntegra pelo O Estado de
1 Global, 1980. Gabeirn er:1 11n1 aspectos de 68. As n1udanças do ano S. Paulo, de JJ de agosto de 1968. O
jor1111listn participante, quase da idade nos campos econôn1ico, sindical, Jornal do Brasil dedicou 11m caderno
especial ao n1ovimento estudantil a 10
dos ,•st11da11t(•s ca111 q11en1 combatia a 111ilitar e religioso 11ão o preoc11paran1 de j11nho de 1968 e a re1·ista Realidade
publicou duas grandes reportagens
Pl\J nas ruas. Sirkis, :1111110 do célebre i•.,·agerad:1n1ente. sobre o assunto nos números de julho e
agosto. intituladas Eles Querem
Colfgio de Aplicação da UFRJ. As lutas internas do n1ovime11to Derrubar o Governo e A Faculdade
estuds11til paulista e os co11frontas que Está Ocupada. Os jornais e revistas da
particip:11·a da UI\ IES. União época registrara111 com abundância os
l\'letropolit1.111n de Estudantes pro1·oc11ra111 entre est11dantes de acontecimentos. tanto em reportagens
como en, fotos.
Secundaristas. e e1·al11iu de uma esquerda e de direita são

' posiçtio co11ser1·adara, Jacerdista, para n1ag11ilics111ente estudadas por Judith

a luta arn1ada. Patarra, e111 Iara, Reportagem

O li1•rt1 de Zuenir l'entura. 1968: O Bibliográfica, Rosa dos Tempos. 1992.

Ano Que Não Acabou, é indispe11sá1·cl Esse livro reúne, ai11da. um precioso

para se ca11hccere111 os debates que docu,ne11tário sobre os dirersos

agita1·an1 a intelectualidade carioca e n101·Ílnentos de guerrilha urba11a.
as n1s11ifestaçôes estudnntis 110 Rio de sendo, pro1·al·eln1ente. o n1ais sério
trabalbo jor11alístico sobre a época.
1

! Janeiro. que traiu 118 primeira parte

,

Presidente lta1nar Franco. As finais qual seria o único preso a sobrevi-

UJ realizavam-se no Maracanãzinho, ver. José Carlos Mata Machado, da

t;; para u,n público de 20 mil pessoas, e AP, Ação Popular. liderava mani-
atraíam a atenção de toda a impren-
:zuJ: festações em Belo Horizonte. Foi
~
sa. Em 68, os finalistas eram a lírica n1ais tarde preso e1n São Paulo, e o

canção de Chico Buarque, Sabiá, seu corpo foi jogado em uma rua do

considerada alienada, e a trova re- Recife, com a clássica declaração de

volucionária de Varidré, Cami- que morrera ao tentar fugir. Em

nhando. Brasília, o líder era um rapaz magri-

A juventude esquerdista. evi- nho, cabelo ruço encaracolado.

dente, ficou co1n Caminh;111do e óculos de intelectual, Honestino

brindara1n com vaias ensurdece- Guimarães, ta,nbém da AP, que

doras a música do mais importante viria a ser presidente da.UNE clan-

intelectual da sua geração. Chico destina. Preso, o seu nome consta

Buarque, aliás, foi dos poucos a até hoje da lista de desaparecidos.

manter imutável a solidariedade às A seqüência de passeatas reprimi-

causas e aos movimentos de es- das com grande violência no Rio nos

querda ao longo dos anos. dias 19, 20 e 21 de junho terminaria 1

Sabiá foi a preferida dos jurados, rpor desencadear n·as classes médias

que também ganharam a sua vaia,·e a indignação necessária a uma gigan-

Caminhando tornou-se o hino das tesca manifestação de repúdio ao re-

passeatas, tanto as da época co1no as gime, a chamada Passeata dos Cern

f i que viria1n a se realizar desde então. Mil. de 26 de junho, dia de Santo

Millôr Fernandes, forçando a barra, Anselmo, o patrono do fogo fátuo, a

considerou a canção de Vandré uma glória que dura pouco. 1

Marselhesa brasileira. Comparada A origem da passeata foi uma as-

com a M;,rselhesa. que tem ritmo sembléia no teatro de arena por trás

rnarcial da infantaria em marcha. da reitoria da Universidade Federal

C;i1nínhando é quase um canto gre- do Rio de Janeiro, na Avenida Pas-

goriano de Sexta-Feira da Paixão. teur. A reitoria funcionava no prédio

Eça de Queiroz escreveu que os es- construído por Don1 Pedro (1 para

tudantes saíam às ruas ganindo a servir de asilo de loucos. U,n grupo de

Marselhesa. Ninguém é capaz de ga- estudantes saiu da assembléia para in-

nir Caminhando. terpelar o Conselho Universitário so-.

bre as suas posições a respeito da re-

ESTUDANTES E forma universitária e,n estudos pelo
INTELECTUAIS:
CAMINHANDO JUNTOS governo. A base dessa refôrma, que

viria a ser implementada, era un1 rela-

tório confidencial elaborado pelo Ge-

neral Meira Matos, ex-co,nandante

Não se sabe quem inventou a pas- das tropas brasileiras em Santo Do-

seata na contramão da Avenida Rio lmingo, e nas conclusões de uma co-

Branco. Fernando Gabeira acha que n1issão criada pelos acordos entre os l

foi na idade da pedra dos protestos, governos brasileiro e norte-
americano. conhecidos como Acor-
em 65. O fato é que a ·idéia foi de
dos MEC-USAID. Os estudantes tc-
un1a incrível eficiência. Bastavam
Í1nia1n a privatização das universidades
200 ou 300 estudantes subindo a ave-

nida no sentido oposto ao tránsito federais e a dispersão das turrnas, em

para engarrafarem por horas o Cen- razão da adoção de um sisten1a de cré-

. ' de Tennessee Williams, e Poder Ne- A grande passeata tro cio Rio de Janeiro. São Paulo não ditos semelhante ao das universidades

gro, de Roy Jones, foram proibidas. de 26 de junho teve, no ano mágico, ponto de en- an1ericanas.

A politização da canção, come- transformou a contro igual. A cidade maior é, tam- Algué,n ·chan1ou a polícia, que
Avenida Rio
çada nos confrontos entre os fãs do Branco num só bém. mais difusa , sem uma artéria cercou a universidade. O Reitor
tropicalismo, partidários de Cae- grito contra a tão evidente como a Rio Branco.
tano Veloso e Gilberto Gil, e os das Clementino Fraga Filho, homem
canções clássicas de Chico Buarque. ditadura. A Após a morte de Éclson Luís as
teve o seu auge .no IIJ Festival da brutalidade do passeatas se ,nultiplicaram por todas destemido, procurou proteger a re-
regime criou o as capitais. Em Fortaleza, José Ge-
tirada dos estudantes, que negociara

com a polícia , saindo na frente. Mas

Canção do Rio de Janeiro. clima para isso. noíno , presidente do DCE, Dire- o tempo das. contemporizações pas-

1 ·• Os festivais da canção cariocas tório Central dos Estudantes, mili- sara. e o golpe den_tro do golpe já
•1-""'4eram eventos espetaculares, como tante do PC do B, a dissidência de
ti .estava cm marcha. Clementino foi
todos os que promove Augusto Mar- linha chinesa do PCB. fazia nas ruas
destratado , os estudantes levados
zagão, meio megalomaníaco e atual aos bofetões e pauladas para o
os primeiros treinamentos para a

assessor de marketing político do guerrilha nas matas do Araguaia, da campo do Botafogo.



• •



....L...' Aclgitação AMARCHA No mesmo dia da prisão dos estu·
DO GOLPE dantes em Ibiúna, às 8hl5min da
.•". ·estudantil ea manhã, um comando de três militan-
tes da VPR, Vanguarda Popular Re-
• guerrilha urbana volucionária, assassinava em São

Menos de dois meses ,nais tarde, a Paulo o Capitão Charles Chandler ,
do Exército dos Estados Unidos,

• foram ~retextos 12 de agosto, a Comunidade de In- com 14 tiros de metralhadora. Chan- 1
formações iria decapitar de um só dler estudava português, língua que
golpe a liderança estudantil do país. pretendia ensinar na Academia de '

~ara ofim da Confiantes no sucesso das manifes- West Point. Fora combatente no
tações de rua e enlouquecidas pelas Vietnã, estrategista em contra-in-

ilemocracia disputas de poder no interior do mo- surreição na aldeia de Quan Bo Tri,
vimento, as lideranças dos diversos no delta do Mekong. Esses dados,

grupos de esquerda acharam que ti- mais o fato âe se haver tornado co- •
iveran1 de p,issar horas, rapazes nha1n suficiente organização e se- nhecido dos estudantes por ter parti-
..· . e moças, deitados de bruços no gurança para reunir um congresso cipado de um debate na Universi-
chão. ,nãos no pescoço, apa- clandestino da UNE con1 muitas dade de Campinas, fizeram a VPR
considerá-lo espião e, potencial-
nhando e sofrendo vexames. centenas de partipantes.
O congresso, com mais de mil par- 1nente, instrutor de torturas.
As fotografias e os relatos do dia O ato terrorista da VPR e o con-

seguinte indi g- gresso da UNE , somados às outras

naram a classe n1é- • -~, •..<t.>~-. :·!•t:-:--r, ações de guerrilha urbana já conheci-

dia a um pont o das e à agitação nas ruas, levaram o
chefe do SNJ, General Ernílio Garras-
nunca visto. No in- ••' tazu l'vlédici. e os oficiais da Comuni-
terior das Forças
Arrnadas. em ~•·

grande parte ainda ...\.~ dade de Informações, aliados ao Ge-
concentrada no neral Jayme Portella , chefe da Casa
Rio. a boçalidade 'J. /. Militar da Presidência, a apressarem a

tambérn provocou. busca qe um pretexto para um novo

protestos. Muitos ato institucional e a abolição do que

dos presos era,n fi. restava de democracia.

lhos e filhas de No dia 29 de agosto de 1968, às 10

militares. da n1anhã, tropas da Polícia Militar do

A Passeata dos Distrito Federal e do Exército cer-

Cem Mil. coman- caram o campus da Universidade de

dada por Wladimir Brasília com a desculpa de procurar

Palmeira. presi- Honestino Guimarães, então fora-

dente da UME. gido. Os estudantes estavam nas suas

União Metropoli- salas de aula e nos laboratórios, que

tana de Estudan- foram invadidos a patadas. Levados

tes. filho de un1se- para a Praça Central , começaran1a

nador da Arena de ser espancados. Houve corre-corre,

-Alagoas e ,nili- tiros, e uma bala atingiu a cabeça de
um rapaz, que assistia à cena de um
tante da D1-GB.
terceiro andar.
dissidência da As tropas escoltaram os presos no congresso Muitos dos alunos da Universi-
Guanabara do da UNE em lbiúna. Entre eles, os principais
Partido Comu- dade de Brasília são filhos dos parla-

nista Brasileiro, líderes estudantis. rnentares, dos juízes e dos altos fun-

foi a últin1a a po- cionários do Executivo. Atacá-la de

der se desenvolver sen1 repressão ticipantes vindos do Brasil inteiro, surpresa e violentamente era uma
policial. Reuniu , em um belo dia do reuniu-se no sítio de un1 velho mili- provocação premeditada, que não
tépido inverno carioca, artistas de tante comunista em Jbiúna, 1nunicí- poderia deixar de criar um tremendo
teatro. cantores, intelectuais. políti- pio hortigranjeiro a 70 quilô1netros caso político.
Na seqüência da invasão e does-
cos, padres. freiras , profissionais li- de São Paulo. Como era de esperar
berais. milhares e 1nilhares de estu- em um país onde há políticos que pancamento de vários parlamentares,
dantes, mas Nélson Rodrigues não consideram comícios reuniões de choveram inflamados discursos de
deixava de ter r~zão quando comen- mais de três pessoas, o congresso foi protesto na sessão da tarde na Câmara
tou: ''Só não vi um preto ou u,n descoberto. Resul tado: mais de 700 dos Deputados, no peóodo para cur-
operário." Não era mesmo para ver. presos, inclusive Wladimir Palmei- tas declarações conhecido por Pin-
Aquilo era a classe média nas ruas, e ra, Luiz Travassos. o líder da AP ga-Fogo. Um deles serviu de pretexto
a classe média no Brasil não tem paulista, Franklin Martins e muitos para o golpe. Foi o discurso de cinco
minutos que pronunciei.
pretos. É quase escandinava. outros.

Na próxima semana: AResistência dos Políticos. ..

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~i;J) 1!~~[:

·1.tlttLli ·r i~ .·1rrt tLtL!

••

'


Por Márcio ~fif. •·,..,~ ~---•·-e-------~-----· ----- ·
Moreira Alves
-":,~~:'' ~µ_~.-·<,:r~l.. . (
nimigos políticos como t~ ·;Vt~• 1.•~
, ~Jfl.•',I,.
ICarlos Lacerda, J usceli- --..7 !
f~'nv-=.-~½~3~. ._-
eno Kubitschek João Gou-
.
lart se reconciliaram numa
Frente Ampla, em busca ~/.;,,' ,:ç,P
de paz. Mas o regime mili-
tar os calou com um Ato ~~,..~'"J''',~
Institucional. Jovens depu-
tados, entre eles Márcio r
Moreira Alves, levanta-
ram-se em discursos e arti- .-
gos inflamados, te11tando a
queda do regime e a rede-
mocratização do país. O
regime respon4eu com a
ditadura nua e crua. Neste
penútimo capítulo de 68, O

Ano que Mudou o Mundo,

Márcio mostra como os
políticos tentaram reagir
às botas dos militáres.

Juscel!no Kub/tschek, Carlos 4acerda.e o gesto que selou o pacto abrindo•a Frente Ampla.

•• • tico, não tinham

Um Ato Institucional . canais indepen-
reduziu a eficácia
da .Frente Ampla de cerda e João Goulart, os maiores dentes de comuni-
bcerda, JK eJango líderes políticos do país, todos soma-
dos, não tinham estrutura organiza- .cação com o elei-
•• • cional para juntar ,nil pessoas em
qualquer cidade brasileira. Políticos torado ou, mesmo,
o dia 4 de abril de 1968, logo tradicionais, criados na liberdade de
após os conflitos ocorridos à imprensa garantida pela Constitui- com os seus pró-
• saída das missas de sétimo dia ção de 1946. a comunicação que
pela alma do estudante Edson Luiz. mantinham com o povo dependia prios filiados. Lo-
o ministro da Justiça. Garna e Silva, diretan1ente da mídia, sobretudo da
assinou un1a portaria declarando eletrônica, rádio e TV. go, quando os lí-
fora da lei a Frente Ampla, uma as-
sociação pela redemocratização do Os partidos que dirigira1n, o PSD, deres precisaram
país, que Carlos Lacerda passara Partido Social Democrata, de Jus-
mais de ano para costurar com os celino, a UDN, União Democrática mobilizar as ruas
seus inimigos da vida inteira , Jus- Nacional, de Lacerda, e o PTB, Par-
celino Kubitschek e Joüo Goulart. tido Trabalhista Brasileiro, de para defender a
Com essa medida, os meios de co- Jango, ja,nais tiveram vida própria,
municação, que realmente atingem independente dos episódios elei- volta raao, tr1.ecgoim, enda-eo-
o povão, rádio e TV, já colocados torais que mobilizavam os caciques rnoc
sob censura, ficava,n definitiva- estaduais, os senadores, deputados,
n1ente proibidos de mencionar as prefeitos e vereadores.. Entre uma foram ouvidos por
atividades da Frente Ampla. des- eleição e outra, a sua atividade era
truindo a eficácia da sua pregação. meramente formal, reduzindo-se .a ninguém e as ruas
Juscelino Kubitschck, Carlos La- obedecer às determinações· da Jus-
tiça Eleitoral, que obrigava os dire- continuaram va-
tórios a se reunirem de tempos em
tempos. Esses diretórios, por sua zias. Tentaram, é
vez, eram apenas uns livros de atas.
que os amigos dos chefes guardavam verdade, alguns
en1 casa, acumulando poeira. Ne-
nhum deles, nen1 o PTB, participava comícios pelo in-
organizadamente de lutas sociais,
nenhun1 jan1ais formara u,n sindi- terior do Paraná,
cato ou u,na associação de bairro.
de Minas e de São
Em resumo: como os partidos re-
duziam-se a um papelório burocrá- Paulo, mas foram

comícios chochos,

puxados antes

pelas saudades do

que por uma pers-

pectiva de futuro.

Ao longo do ano

as ruas realmente

se encheram de es-

tudantes, intelec-

tuais, profissionais

liberais e de outros

membros da classe

média. Mas os que

marchavam res-

pondiam aos

apelos do movimento estudantil, or-

ganizado em torno de lideranças

próprias e radicalizadas, para recla-

n1ar o restabelecimento imediato

das liberdades democráticas.

,

AIDEIA DA

FRENTE AMPLA

,..._," Os velhos líderes, quando conse-
• - .• guiam se fazer ouvir, pareciam real-
mente fora do tempo, pela impres-
_..,.. .d . ~ 1
 são que davam de conformidade
com o regime militar, através do re-
Juscelino e Lacerda encontram-se em 19 de novembro de conhecimento da chamada Revolu-

1966 para assinar o Pacto de Lisboa, pedindo a redemocratização. ç,io, como fato histórico. Os líderes

estudantis não queriam ouvir falar
da tal revolução, a não ser para der-

rotá-la e para substituí-la pela re-
volução que tinham na cabeça. Con-
sideravam com igual desprezo todos
os que haviam optado por vias legais
de oposição, fossem da Frente Am-

pla, fossem do grupo de jovens de-

,





versam entre si e, nas classes políti-

cas, conversam com int imidade

maior porque. no fundo, o que te-

mem é ser desbancadas por forças

fora do seu controle, sejam as do

povão, sejam as dos militares.

Os defensores do regime militar,

como o General Jayme Portella,

principaI assessor do Presidente

Costa e Silva, consideraram a Frente

Ampla co,no uma conspiração, por

envolver um dos líderes do golpe de

64 e dois ex-presidentes que haviam ,.

lsido por ele afastados da vida públi-

ca formal. No entanto, se conspira-

ção fosse. seria uma conspiração

inédita, porque nascida à luz dos ho-

lofotes de TV e com o conhecimento

de toda a in1prensa.

Poucos episódios da vida política

brasileira foram tão fartamente do-

cun1entados corno o da formação da

Frente A1npla, que, além dos três

grandes líderes, seria também inte-

grada por uma ala do PCB, Partido

Comunista Brasileiro, e por políti-

cos avulsos, ligados a governadores

. cujos mandatos haviam sido cassa-
• dos, como Adhemar de Barros, de
••
..J São Paulo, e Mauro Borges, de
.' . Goiás. Até pessoas cuja liderança

era exercida fora do campo estrita-

mente político, como Dom Helder

Câmara, foram convidadas por La-

cerda para integrarem-se ao movi-

mento.

A razão para a abundância de do-

putados que haviam assumido os todas as origens e, embora em posi- Apesar da cumentos é simples: tradicional-
seus mandatos dois anos antes. ções opostas, fora colega de Lacerda liderança de mente o nosso jornalismo político
na Câmara. Após relutar um pouco, Lacerda, o ocupa-se quase exclusivamente dos
A Frente Arnpla começara como Renato assumiu a tarefa e, com a sua comício da políticos. Raramente trata de políti-
urna conversa entre a Deputada San- capacidade de articulador, terminou Frente
dra Cavalcanti, de passagem por Lis- cas. Ou seja: publica o disse-que-
boa, e Juscelino Kubitschek, impa- por representar tanto J uscelino Ampla, no disse e aco,npanha o desempenho
como João Goulart nos entendimen- Rio, em dos Fulanos e Beltranos que ocupa,n
ciente com o exílio. Sandra levantou a tos com Lacerda e com a ala chique março de lugares no Congresso e no Execu-
hipótese de um entendimento com do Partido Cornunista. 1968, teve tivo. Quase nunca trata das políticas
Carlos Lacerda, que já rompera com pequena públicas, como a política educacio-
o regime que ajudara a criar. Uma vez Segundo Lacerda conta nas suas nal, a econômica, a de transportes
no poder, os militares barram-lhe o memórias, a idéia central da Frente

\ sonho de vida inteira, que era chegar à Ampla era tentar restabelecer o cli- mobilização ou a de saúde. A política externa e a
presidência da República. ma de lei, de ordem. ''Uma coisa popular. militar, então, jamais aparecem nos

Juscelino deu a Sandra urna carta que não fosse hostil à Revolução, jornais. Em conseqüência, o público

nomeando seu representante nas que tomasse a Revolução como um e os políticos não se interessam por

conversações que se seguiriam o De- fato consumado, mas que se fizesse a elas, que ficam entregues aos profis-

putado Renato Archer, do PSD do partir daí alguma coisa." sionais do ramo, diplomatas e mili-

Maranhão, que fora vice-ministro UMA CQNSPIRAÇA-O tares. Esse é, aliás , um dos mais evi-
das Relações Exteriores durante o dentes sinais do nosso subdesenvol-
período parlamentarista que se se- PUBLICA vimento político. Contrasta com o
guira à renúncia de Jânio Quadros, comportamento do eleitorado dos
quando o ministro titular era Santia- países desenvolvidos, que muitas ve-

go Dantas, do PTB de Minas Gerais. zes opta entre um ou outro candi-

Renato, um encantador mestre da As classes dominantes brasileiras dato devido às propostas que te-

conversa política, tinha bom trânsito se dividem em facções adversárias, nham sobre a política internacional

entre os antigos parlamentares de mas não inimigas. Essas facções con- e a de defesa.

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