Copyright© 2021 por Caroline Andrade
Ariel| 1ª Edição
Todos os direitos | Reservados
Livro digital | Brasil
Esta é uma obra de ficção.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos aqui são produtos da
imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos
reais é mera coincidência.
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, distribuída ou transmitida
por qualquer forma ou por qualquer meio, incluindo fotocópia, gravação ou outros
métodos eletrônicos ou mecânicos, sem a prévia autorização por escrito do
escritor, exceto no caso de breves citações incluídas em revisões críticas e alguns
outros usos não-comerciais permitidos pela lei de direitos autorais.
Capa:Mellody Ryu
Revisão:Assessoria Grámaticalizando
Diagramação:Mellody Ryu
O artigo 184 do Código Penal tipifica como crime, apenado com detenção de 3
(três) meses a 1 (hum) ano, ou multa, a violação de direito de autor. Pela Lei nº
10.695/2003 incluiu, em seu tipo penal, a violação dos direitos conexos aos
direitos de autor, que são aqueles relacionados aos artistas intérpretes ou
executantes, aos produtores fonográficos e às empresas de radiodifusão,
conforme o disposto nos artigos 89 a 96 da Lei nº 9.610, de 19.2.1998 ("Lei de
Direitos Autorais"), mantendo-se a mesma pena.
Por sua causa, eu nunca ando muito longe da calçada...
Por sua causa, eu aprendi a jogar do lado seguro, assim não me
machuco...
Por sua causa, eu acho difícil confiar não só em mim, mas em todos
à minha volta...
Eu não posso chorar, sou forçada a fingir um sorriso, uma risada,
todos os dias da minha vida. Meu coração não pode quebrar quando
não estava inteiro para começar...
Por sua causa, eu tenho medo!
Because Of You, de Kelly Clarkson
Playlist
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Sumário
Copyright© 2021 por Caroline Andrade
Ariel| 1ª Edição
Todos os direitos | Reservados Livro digital | Brasil
Esta é uma obra de ficção.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos aqui são produtos da
imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos
reais é mera coincidência.
Capa:Mellody Ryu
Revisão:Assessoria Grámaticalizando
Diagramação:Mellody Ryu
Playlist
Sinopse
Prólogo
Roleta-russa
Cristina Pener
Doutor Miller
Capítulo 01
O céu é o limite
Cristina Self
Capítulo 02
Toy Boy
Cristina Self
Capítulo 03
Vírus carnal
Cristina Self
Capítulo 04
O engano
Cristina Self
Capítulo 05
Nada angelical
Cristina Self
Capítulo 06
Doce vênus
Cristina Self
Capítulo 07
Férias interrompidas
Cristina Self
Capítulo 08
Do céu ao inferno
Ariel Miller
Capítulo 09
Gatilhos
Cristina Self
Capítulo 10
Terror noturno
Cristina Self
Capítulo 11
Eu também não sei o que fazer comigo
Cristina Self
Capítulo 12
Anjo sombrio
Ariel Miller
Capítulo 13
Olhos de coruja
Ariel Miller
Capítulo 14
Pílula mágica
Ariel Miller
Capítulo 15
Anjo protetor
Cristina Self
Capítulo 16
Atenuante
Ariel Miller
Capítulo 17
Irrevogável
Cristina Self
Capítulo 18
Lei e ordem
Ariel Miller
Cristina Self
Capítulo 19
O desembargador
Ariel Miller
Capítulo 20
Na companhia do medo
Ariel Miller
Cristina Self
Capítulo 21
Argumentos válidos
Ariel Miller
Capítulo 22
Apelação
Cristina Self
Capítulo 23
Arcanjo negro
Ariel Miller
Capítulo 24
Tambores do medo
Cristina Self
Capítulo 25
A visita do anjo ao inferno
Ariel Miller
Capítulo 25
Entre anjos e demônios
Cristina Self
Ariel Miller
Cristina Self
Capítulo 26
Buquê de rosas
Cristina Self
Epílogo
Ariel Miller
Agradecimentos
Sinopse
Cristina Self passou anos reclusa em seu mundo seguro, o
qual criou para si mesma depois de uma separação conturbada e
violenta. Até que seu caminho se cruzou com o notório advogado
criminalista Ariel Miller, conhecido nos tribunais por seu cinismo e
frieza calculista. Seduzida pelo magnetismo que ele possui, a
encantando com seu olhar intenso, Cristina se desprende do seu
mundo seguro, se permitindose perder por uma única noiteno calor
dos braços do charmoso homem. Mas o que Cristina não sabe é
que o destino tem outros planos para eles, um que ligará as duas
almas quebradas para sempre. E de um engano nada angelical,
mas sim completamentesexy e envolvente, Cristina irá do céu ao
inferno para viver sua história de amor.
AVISO DE GATILHO: o livro contém violência doméstica e
relacionamento abusivo.
Prólogo
Roleta-russa
Cristina Pener
Sacramento – Califórnia
Aperto meus olhos, os fechando com força,enquanto meus
braços se erguem sobre minha cabeça. O grito de dor que invade o
quarto sai dos meus lábios quando o terceiro chute desferido em
puro ódio acerta minhas costelas. Sinto o ar faltardentro dos meus
pulmões e me retorço de dor. O ataque de cólera dele não para,
nem diminui, mesmo eu gritando e implorando por minha vida. As
mãos sujas com meu sangue puxam meus cabelos, os segurando,
olhando para minha facemachucada, com o sangue escorrendo do
meu nariz quebrado. Seus olhos friose vazios não demonstram um
único fio de arrependimento por estar me espancando.
— Renan... Renan...
Minha voz entrecortada pela dor e o choro, fala seu nome,
implorando por clemência. Não sei mais onde estou, nem em qual
momento ele começou a me bater. Minha mente vaga entre o pavor
e o desespero e imagino que minha vida terminará dentro desse
quarto.
— Fica tão bela quando chora, meu amor. — A voz gélida,
como a de um cadáver sem coração, fala mansamente.
Ele beija meu rosto, me fazendo chorar ainda mais. Estou
ferida, acovardada e sem esperança de sobreviver ao seu ataque de
fúria. Seu punho fechado se ergue uma única vez, acertando minha
facecom pura pressão. É rápido e brutal, fazendovoar sangue pela
minha boca. Meu corpo mole, sem mais forçaou coragem para se
mexer, se estica ao chão, e sinto as lágrimas em minha bochecha
colarem ao piso, junto ao meu sangue. Em meio à baixa visão que
minhas vistas têm, com os olhos nublados de vermelho, observo
apenas seu vulto caminhar para fora do quarto, e aqui, caída,
anulada, humilhada, fico pelo que parece uma eternidade para
minha alma, até conseguir me arrastar pouco a pouco, chorando,
com medo de que ele volte. Consigo pegar o telefonecaídoperto da
cama. Me encolhendo, disco os números. O toque se prolonga, me
torturando dentro do meu cérebro, até que ouço a voz do outro lado
da linha me saudar.
— Alô?
— Mãe, me tira daqui. — O telefone rola dos meus dedos,
enquanto luto para continuar consciente.
— Todos de pé! — A voz do policial, assistentedo juiz, é alta,
me tirando das minhas lembranças.
Me levanto junto com meu advogado, observando o juiz
entrarno tribunalpara deferir a sentença.Eu não preciso olhar para
o lado para ver Renan, meu corpo sente seus olhos repousados
sobre mim.
— No caso de violência doméstica e tentativade homicídio
de Renan Pener contra sua cônjuge, Cristina Pener, a corte chega
ao seu veredito final.
Meu coração se aperta dentro do meu peito, estou olhando
para o juiz. A bancada dos jurados, que tem como grande maioria
homens, me olha com atenção. Me sinto silenciada, renegada, com
meu sofrimento desmerecido diante de todos que me julgam
silenciosamente com seus olhares frios e calculistas.
— Declaro Renan Pener inocente de todas as acusações.
— Não... Não... Oh, meu Deus! — Tapo meu rosto, negando
com a cabeça, balbuciando em meio ao choro desesperado que me
domina ao ouvir a voz do juiz declarar a sentença.
Falta ar em meus pulmões. Sinto meu corpo desabar
lentamentena cadeira, tendo as lágrimas nublando minha visão. O
pranto dolorido rasga por minha garganta. Me sinto humilhada,
diminuída,degradada, como um ser humano sem valor algum, uma
poeira, alguém sem caráte.r Colocaram à prova minha sanidade
mentale meus princípios.Minha cabeça se ergue e vejo Renan sair
caminhando altivo,com um sorriso cruel nos lábios, com seus olhos
frios cravados em mim.
— Senhora Pener...
O toque da mão do meu advogado ao meu lado me assusta,
me deixando alarmada. Giro minha face na mesma hora para ele.
— Eu sintomuito,lamento.Se puder fazer algo pela senhora,
basta apenas me falar...
— Self! — murmuro, chorando, limpando meu rosto. — O
divórcio já foi assinado, me chamo Cristina Self.
Ele sorri com vergonha e balança a cabeça em positivo para
mim.
— Se precisar de algo é só me avisar, senhorita Self.
O vejo fechar sua maleta e partir junto com os outros dentro
do tribunal, que vai se esvaziando. Tapo minha boca, chorando
desesperada. A única coisa que eu carecia, a única coisa que eu
queria, era a justiça!
E ela foi tirada de mim. Foi distorcida,ficando a favor de um
homem frio, sem remorso, que usou todo dinheiro, poder e
influência da sua famíliapara me humilhar mais uma vez. Comprou
o julgamento, desmereceu as provas. Renan tinha arrancado tudo
de mim:minha dignidade, minha alma, anos da minha vida ao lado
dele, meu mundo todo. Ele me fez morrer a cada lágrima que ele
sentia prazer em tirar de mim. Uma roleta-russa, na qual ele me
torturou psicologicamente, fisicamente e emocionalmente, até eu ser
apenas uma sombra da mulher que já fui um dia.
Doutor Miller
Nova York
— O grande júri chega ao veredito final, Meritíssimo.
Levo minha mão ao bolso da calça, observando os rostosdos
jurados. Meu cliente,de pé ao meu lado, transpirapelos poros como
um porco prestes a ir para o abate, deixando sua respiração alta a
cada puxada de ar pelas narinas.
— Contra o caso de agressão e tentativade homicídio à
senhorita Vagas, declaramos Charles Lorax inocente das
acusações, por não haver provas contra ele.
Meu rosto se mantém imparcial, não demonstro minha reação
com o resultado do julgamento. Charles se vira, me abraçando de
forma desagradável. O afastoeducadamente,fecho minha maletae
comprimo meus lábios com desagrado pelo seu toque imundo em
meu terno.
— Oh, meu Deus, estou livre... Estou livre da acusação dessa
vadia!
Lhe dou um olhar semicerrado, não dividindo meus
pensamentosde desprezo por ele. É um homem patético,com seus
1,58m de altura, cabelos curtos, pernas finas e barriga
sobressalente.
— Realmente você é o melhor! Valeu cada centavo! Muito
obrigado, muito obrigado, doutor Mille.r..
— Não me agradeça, fiz apenas meu trabalho. — Seguro
minha maleta e olho por cima da cabeça dele, para a vítima,que
está sentada no banco da promotoria, chorando melancólica. —
Faça o pagamento dos meus honorários para minha secretária.
Caminho para fora da sala de julgamento a passos firmes,
seguindo para a portada frente,mas antesmesmo de sair para fora
do prédio, os flashes dos fotógrafos me acertam, junto com o
enxame de repórteres que aguardam do lado de fora pelo fim do
julgamento. A mídiaem peso está cobrindo o caso do dono de uma
das maiores transportadoras da cidade, que foi acusado de agredir
uma mulher dentro do apartamento dele.
— Doutor Miller, poderia nos dizer como se sente com a
absolvição do seu cliente?
Não olho para seus rostos, apenas mantenho meus passos,
os empurrando lentamente, tentando sair de perto deles.
— Acreditamesmo na inocência do seu cliente?Acha que foi
correto ele ter sido inocentado?
— Oh, saiam logo da frente,seus abutres!— O segurança do
tribunal me ajuda a ter passagem livre, abrindo um pequeno
corredor entre os repórteres, para que eu possa passar por eles e
retornar para dentro do tribunal. — eTnha um bom dia, doutor Miller.
— Muito obrigado, Bill. Depois me conte como anda Flin na
escola. — Pisco para ele, que balança a cabeça em positivo.
— Ele estámuitofeliz com a bolsa de estudos,doutor. Nunca
vou poder lhe agradecer o suficiente pelo que fez ao meu menino.
— Bill abre a portada cafeteriado tribunal,apontandopara mim. —
Saia pelos fundos, vou segurar esses vermes curiosos na entrada
do tribunal.
— Agradecido, meu amigo.
Bato em seu ombro e passo apressado pela porta, sentindo
alívioem deixar a aglomeração dos repórterespara trás.Passo pela
cafeteriaa passos rápidos, indo diretopara o elevador, no intuitode
descer no estacionamentodo subsolo. Antes das portas fecharem,
um corpo esguio entra ligeiro, com os olhos castanhosbrilhando de
raiva para mim.
— Você é um grande cretino miserável, Miller! — A mulher
zangada, com sua boca semicerrada, arruma seus cabelos, os
jogando para trás, com suas bochechas vermelhas de ira.
— Bom dia para você também, Adele.
— Bom dia uma ova! Como consegue voltar para sua vida e
dormir à noite depois de soltar aquele monstro nas ruas?!
— Não seja dramática, minha querida. — Sorrio, negando
com a cabeça para ela. — Você, como promotora, sabia o final
desse julgamento melhor do que eu. Não existiam provas reais
contra meu cliente.
— Você distorceu as palavras da minha cliente e a fez
parecer uma mulher promíscua!
— Eu?! — A olho, rindo, negando mais uma vez com a
cabeça. — Oh, meu Deus, como eu pude fazer algo tão horrível, não
é? Onde já se viu fazer uma prostitutaviciada em metanfetamina
parecer promíscua?! Chega a ser abominável minha conduta!
— Abominável é sua frieza, Miller!
— Deveria ter aceitado meu acordo, Adele, quando eu
propus. Avisei para você que não pegaria leve se chegássemos a ir
diante do grande júri. Eu sou condicionado em liberdade. Não
escolho causas para defender alguém, apenas desempenho com
maestria minha profissão, e nunca perco! Isso não faz de mim um
cretino, mas sim um advogado criminalista bem-sucedido.
Ela fecha sua face com raiva, virando seu rosto para as
portas, negando com a cabeça.
— É por causa de advogados como você, que existemtantos
monstros de colarinho branco[1] impunes, como Charles Lorax. —
As portas se abrem no térreo. Adele dá dois passos para fora do
elevador, antes de se virar para mim. — Você sabe que Charles
Lorax é um maníacodepravado e que é apenas questão de tempo
antes dele fazer algo hediondo e fatal contra uma vítima.Quando
isso acontece,r espero que você sofra muito com sua consciência,
por ter deixado esse monstro à solta!
— Meu sentimento de inimizade por você é recíproco
também, minha cara. Nos vemos no próximo caso. — Pisco para
ela, apertando o botão das portas do elevado, rpara se fecharem.
Assim que as portas se fecham, solto o nó da gravata,
afrouxando o aperto em minha garganta. Respiro fundo, desejando
que esse dia acabe logo. Quando o elevador chega ao
estacionamento, caminho para fora, indo em direção ao meu carro.
— Doutor Miller?
A voz masculina que me chama, me faz virar. Vejo um
homem grisalho, sério, me encarando. Ele retira seu documento, o
mostra para mim e estende sua outra mão para me cumpriment.ar
— Sim, sou eu. — Olho da sua mão aberta para sua face,
repuxando meu nariz. — E você seria?
— Detetive Maiar. Passei no seu escritório, mas sua
secretária me avisou que poderia lhe encontrar aqui, no tribunal.
Como estava em audiência, tive que aguarda.r
— E qual seria o motivo da sua espera? Se quer uma
consultoria, sugiro que marque uma hora.
Me viro e volto a caminhar para meu carro, retirando as
chaves do bolso da calça.
— Doutor, não estou aqui por conta de uma consultoria.
Nesta madrugada, por volta das três e quarenta, uma Mercedes
Sedan vermelha colidiu com outro veículo— o homem fala nervoso
atrás de mim, o que me faz parar de andar. — O veículo está
registrado em seu nome, doutor Miller, foi assim que conseguimos
identificar os passageiros.
— Esse carro fica com minha ex-mulher, estamos passando
pelo processo do divórcio, meu motoristaé quem conduz o veículo.
Não consigo ver Tober se perdendo na direção...
— Doutor Miller, sua esposa estava na direção.
— Oh, merda! — grunho com raiva. Mais uma vez, Silvia se
superou com suas infantilidades. — Ela machucou alguém, as
pessoas do outro veículo,por isso está aqui? — Esfrego meu rosto
com cólera, respirando fundo. — Olha, eu não tenhomais paciência
para as irresponsabilidades de Silvia, vou lhe passar o contatoda
irmã dela. Se tiver algo que possa fazer para...
— Houve uma morte — o homem me corta, me fazendo
calar.
Esfrego meu rosto, não acreditando que ela fez isso. Como
pôde dirigir o carro de madrugada, sendo que tinha Tober para
conduzir o veículo? Ela tirou a vida de alguém por sua falta de
responsabilidade.
— Deus! Eu nem sei o que dizer. Quem estava no outro
veículo?
— Doutor Miller, não foi no outro veículo.Havia mais alguém
com sua esposa, deitada no banco de trás do Mercedes, e ela não
estava na cadeirinha.
Meus olhos caem para o chão enquanto compreendo o que
ele estáfalando. Meu coração vai parando de bater, o frio sobe pela
minha espinha.
— Dolly?! — Ergo minha face com ira, segurando a jaqueta
do detetive, o puxando com desespero. — Minha filha! O que
aconteceu com a minha filha?!
Capítulo 01
O céu é o limite
Cristina Self
Sacramento – Califórnia
Quatro anos depois
Depois de muita resistência, observando a parede e não
tendo para onde fugir, ao som do insistentealarme em cima da
penteadeira, me sento na beirada da cama, esfrego meus olhos e o
desligo. Caminho pelo quarto, vou ao banheiro, deixo meu rosto
focar na mulher descabelada que me encara pelo reflexo do
espelho. Posso ver as olheiras, destacadas abaixo dos olhos por
conta das noites mal dormidas e do cansaço puro. Desvio minha
atenção para o panfleto que tinha colado na moldura superior do
espelho e soltoum suspiro de alívio.Observo a praia paradisíacade
areias brancas e águas de um azul-céu, que arranca meu fôlego.
Abaixo das palmeiras há uma delicada rede, que destacaa beleza
de Kona, no Havaí.
— Apenas mais um dia de trabalho, Cris, e em quarenta e
oito horas tomará Mai Tai[2] de frente para essa bela vista. — Sorrio,
animada, ansiosa para minha viagem de férias. Me dei ao luxo de
pagar essa viagem para mim.
Só preciso aguentar mais esse dia. Tentar não cair no
estresse total do trabalho e sobreviver a mais algum presente
terrivelmenteconstrangedor da minha mãe. Depois de fazer minha
higiene matinal e estar pronta para o trabalho, respiro fundo, abro a
porta do quarto, torcendo para minha mãe ainda estar no quarto
dela, trancadaa setechaves. Mas, ao entrarna cozinha, colido com
o cara da semana da minha mãe, o que não é novidade, já que toda
semana ela tem uma nova paixão.
— Olá, bom dia, gata! — Ele sorri, me saudando assim que
me vê.
O homem, que deve estar próximo da casa dos trintaanos,
me cumprimenta, segurando uma xícarade café, só de cueca, com
seus cabelos úmidos de quem acabou de sair do banho.
— Bom dia — balbucio, desviando meus olhos dele, me
encaminhando para o armário de louças.
Pego uma xícarapara mim, me sirvo de café o mais rápido
que posso, e ao tentarsair da cozinha, dou de cara com minha mãe
entrando só de roupão.
— Oi, meu anjo, bom dia. — Ela me dá um beijo estridente na
testa,sorrindo animadamente para mim. — Vejo que já conheceu
Filipe.
Ela sorri, dando um beliscão na bunda do homem, parando
ao lado dele.
— Filipe é latino, meu bem. Olha que coisa mais linda! —
Suas sobrancelhas se mexem de forma desavergonhada, fazendo
uma careta safada para mim.
Minha mãe dá um superbeijo no cara, digno de cinema,
aqueles de fazer o pescoço ficar torto.Vejo a mão dele espalmada
na bunda dela, pressionando seu quadril mais ao dela. Ela soltaum
grande suspiro, sorrindo para ele, quando finalmente o exagerado
beijo termina.
Fico observando minha mãe, uma mulher excepcional, no
auge dos seus cinquentae nove anos, se deleitando nos braços do
latino, suspirando como uma colegial. Quem olha para ela num
primeiro momento, pensa: “nossa, essa mulher é uma porra
louca[3]”, mas não imagina o tantoque ela já sofreu nessa vida.
Meu pai morreu quando eu ainda estava na barriga dela, e meus
avós a expulsaram de casa, a largando à própria sorte. Minha mãe
trabalhava como garçonete em dois turnos em uma lanchonete
decadente para poder se virar. Se casou quando eu ainda era um
bebê e nos mudamos de Los Angeles para a Califórnia. Conforme
os anos se passavam e eu ia crescendo, via a cada dia o brilho de
minha mãe se apagar, seu espírito aventureiro morrer, sem os
traços da mulher alegre que ela sempre foi. Bruce, seu marido, era
um alcoólatra narcisista, batia nela com grande frequência. Me
recordo que até os meus doze anos, nossas vidas foram horríveis.
Em uma noite de chuva, Bruce estava dirigindo embriagado quando
se perdeu em uma curva. Seu carro bateu de frente com um
caminhão, o levando a óbito instantâneo.Sei que é horrível dizer
isso, mas aquele infeliz prestou para algo, a deixou com uma vida
estável e ela não precisa se preocupar com grana. Porém, como
minha mãe sempre foi uma mulher de paixões avassaladoras, ela
nunca conseguiu ficar sozinha, e assim fui vendo a cada semana
um novo amor entrar e sair de sua vida. Mas, ao fim, sempre
desconfiei que era meu pai que ela procurava em todos esses
envolvimentos relâmpagos.
Sorrio sem graça para os dois, que estão namorando na
minha frente, e tento escapar da cozinha outra vez, mas sou
impedida pela pequena mulher, que começa a tagarelar ao me ver
me afastar.
— Ande, Cris, sente-se! Vou preparar o seu café da manhã.
Não achou que esqueci o aniversário da minha gatinha, né?!
— Na verdade, eu já estoude saída,mãe. — Dou um sorriso
amarelo, girando meu corpo e caminhando para a porta.
— Nem tente,Cristina! — Seus dedos já estão bem presos
em meu braço, me puxando para me sentar na cadeira. — Não
pode achar que está tão velha assim para me negar um pequeno
carinho para minha rosquinha...
— Oh, meu Deus, mãe! — Esfrego meu rosto, deixando a
xícaraem cima da mesa. — Já falamos sobre eu não termais idade
para apelidos, certo?
— Pense em uma menina que apenas comia rosquinha
recheada quando criança, Filipe. — Ela me ignora descaradamente,
sorrindo para o sarado seminu dentroda cozinha. — Ainda continua
se entupindo de rosquinha, a única diferença é que agora não é
mais minha menininha.
Me afundo na cadeira, desejando poder transformar meu
corpo do estado sólido para o gasoso, apenas para poder evaporar
daqui. Sinceramente, detesto datas comemorativas, e meu
aniversário está no topo delas. Estar completandovinte e oito anos,
morando dentroda casa da minha mãe de favor, enquantoespero a
reforma do meu apartamento terminar, apenas me faz me sentir
mais patética.Devia ter ido para um hotel, ao invés de ceder e vir
para cá pela insistência dela. É estranho saber que quando eu
completei a maior idade, tinha toda minha vida planejada, e ela
simplesmente desmoronou.
Aos vinte anos conheci Renan enquanto eu cursava
faculdade de Direito, e ele Gestão Empresarial. Me apaixonei por
ele perdidamente. Logo após minha formatura, nos casamos, e ao
invés de seguir carreira, me vi trocando códigos civis por afazeres
domésticos, já que era o que Renan queria e o que eu também
achava que queria. Me transformei em uma perfeita mulher que fica
em casa, pois para a educação que ele teve, isso seria o correto.E
eu, por amá-lo demais e ser uma completaidiota,renunciei à minha
formação acadêmica e virei a melhor dona de casa que um homem
poderia querer. Mas sempre me sentia como se não fosse
suficientementeboa para ele. Seu ciúme em demasia me sufocava
tanto,ao ponto de eu não ter nenhum tipo de amizade verdadeira
com outra pessoa, nenhuma amiga e muito menos um amigo, e
poucas vezes eu visitava minha mãe. Eu mentia para mim mesma
que estava tudo bem, que não precisava me preocupar, que seu
ciúme era algo normal, porque, afinal, ele me amava. Mas não tem
nada de normal em um ciúme doentio,não existenada de saudável
em um parceiro que tediminui, que usa sua fraqueza contra você, te
torturando lentamente, como um vampiro que chupa toda sua
alegria, sua luz e sua vida, até restar apenas do.r
Depois do primeiro ano de casamento, tudo piorou quando
ele decidiu terum filho. Claro que abracei a ideia da maternidade na
mesma hora, pois meu sonho sempre foi ser mãe. Mas então nada
acontecia,cada mês um novo fracasso, até que procuramos ajuda
médica. Quando Renan trouxeos resultadosdos exames, me deu a
notíciaque eu não poderia ser mãe. Meu corpo é oco e seco por
dentro. Isso me devastou, me deixou mais abalada
psicologicamentedo que eu já me encontrava, e fiquei de bandeja
para a dominação que ele tinha sobre mim.
Aprendi da pior maneira a distinguiruma relação saudável de
uma relação maligna. O ciúme doentiode Renan, em nossa relação
tóxica e narcisista, me consumia. Em nosso último agonizante ano
de casamento, no qual já me encontrava melancólica ao extremo,
em uma noite, quando voltávamos do cinema, sorri com ternura
para uma criança dentro do shopping, não reparei no homem ao
lado dela, apenas imaginei como seria estar passeando com meu
filho, se eu pudesse ser mãe. Foi apenas um sincero sorriso para
uma criança, mas Renan não viu com esses olhos. Ao chegar em
casa naquela noite, Renan ficou louco, zangado, espumando de
ódio pela boca, enraivecido. Ficou alterado de uma forma brutal, só
que dessa vez ele não usou apenas de palavras maldosas para me
ferir, não foi só o abuso psicológico. Ele me olhava com nojo
enquanto me arrastava para o nosso quarto, puxando meus
cabelos. Gritando palavras chulas e grosseiras, me arremessou ao
chão, jogando todas as coisas da cômoda na parede, me dizendo
que eu era uma vagabunda, que mesmo ao lado dele estava
paquerando outro homem, que o sorriso que dei era para o homem
e não para a criança, que no fim ele sempre soube que eu seria
igual à minha mãe, uma puta suja. Fiquei assustada e com muito
medo, acuada, me sentindo pequena e insignificante. Não tive
qualquer tipode reação quando ele partiupara cima de mim. Renan
me bateu de forma brutal, desferindo um murro em meu rosto,
puxando meus cabelos, dando chutes no meu estômago, que me
faziam contorcer de dor caída ao chão, sentindo o gosto do meu
sangue se misturaràs minhas lágrimas a cada vez que ele acertava
minha face.
— Sempre soube que no fim você seria só mais uma
vagabunda negra! — Ele me chuta com força. Minhas mãos só
conseguem tapar meu rosto, tentando estancar o sangue que sai
pelo meu nariz. — Bem que me avisaram, mulheres como você são
fogosasdemais para se contentarem com apenas um pau dentro da
boceta. Não passa de uma vadia que não tem onde cair morta. Você
sem mim não é nada, só uma cadela imunda!
Deus, eu ainda posso ouvir a voz dele me dizendo aquilo
dentro do quarto.Renan é duas vezes maior que o meu tamanho.O
que seriam meus 1,59m contra um homem de 1,85m e com 90
quilos me espancando? Nada!
O que Renan sentiapor mim não era amor, e sim posse. Seu
ciúme patológico,que eu tentavasempre perdoar, era assustador, e
não tinha mais como enganar a mim mesma que nossa relação era
saudável. Ele me abusava psicologicamente, me fazia me sentir
inútil e culpada por qualquer coisa que o irritasse.
Renan saiu de casa me xingando de todos os nomes sujos e
depravados. Me arrastei até o telefone, que estava no chão, o
peguei em meus dedos sujos de sangue, e liguei para minha mãe.
Quando minha mãe chegou e me encontrou toda machucada,
encolhida no chão do quarto, ela me tirou daquela casa na mesma
hora. Não houve nenhum diálogo entre nós, questionamentoou um
“eu te avisei que ele não era bom para você”. Ela não falou nada.
Minha mãe não pegou nenhuma roupa minha, já que todas foram
Renan quem comprou, nem fez as malas, apenas me tirou de lá. E
assim deixei quatro anos de casamento para trás. Minha única
felicidade em tudoisso foi que pelo menos para alguma coisa me foi
útil meu ovário seco: não tivemos filhos.
A separação foi dolorosa em todos os sentidos. Fui
humilhada pelos advogados da família dele diante do tribunal, que
me espezinharam, apontando como ele era um bom marido. E de
vítimaagredida fisicamente, emocionalmente oprimida por quatro
anos, me vi tendo minha sanidade mental contestada. Os
advogados distorceram tudo, desmerecendo os fatos, omitindo a
personalidade agressiva de Renan, o transformando em um
empresário de boa índole,familiar, respeitoso,de famílianobre. Isso
foi feitode uma forma tãofria, calculistae baixa, que atéeu mesma
tive dúvida sobre minhas memórias e sanidade mental. Eu estava
fraca e abalada, e fui de vítimapara ré em questão de segundos.
Depois dessa humilhação, quando achei que tudo iria terminar,
Renan retornou dia após dia, vindo me ofender na portada casa da
minha mãe, onde fiquei um tempo depois da separação.
Quando me estabelecia em algum apartamento,ele sempre
dava um jeito de descobrir onde eu estava, e ia até a porta do meu
prédio ficar me acuando. Mudei de endereço por três vezes, de
tantomedo que eu sentia. Passava um tempo e eu ficava calma,
quando achava que tudo estava se encaminhando e eu podia
respirar aliviada, Renan voltava, me perseguindo na rua, fazendo
juras de amor, implorando por uma segunda chance, me
aterrorizando na frente do prédio do meu novo apartamento,
cuidando de cada passo da minha vida. E toda vez que eu dava
uma queixa na políciacontraele, Renan não ficava mais que duas
horas preso, logo era solto por conta do seu pai, que tem grande
influência por ser um governador do estado. O máximo que eu
consegui foi uma restrição protetiva, e mesmo assim ele a quebrava,
ficando feito um fantasma, parado do outro lado da rua do meu
prédio.
Apenas tive um pouco de paz quando Renan arrumou uma
garota. Descobri por acaso, em uma reportagem de jornal, que ele
estava noivo outra vez. Isso me deixou aliviada e ao mesmo tempo
triste.Aliviada por mim, mas temerosa pela coitada da mulher que
deve ter caído no charme irresistível de predador dele.
Finalmente encontreium bom lugar para morar, sem precisar
mais fugir dele, agora que Renan encontrou alguém. É um
apartamentosimples, mas acolhedor, e estou animada com meu
imóvel. Já estoulá há uns trêsmeses, só que decidi retirar a parede
que divide a cozinha da sala e trocaro porcelanatodo chão, para o
deixar mais belo, por isso precisei passar uns dia na casa da minha
mãe.
No entanto,de alguma forma, eu morri, não dentro daquela
casa sendo espancada por ele, mas por dentro, em minha alma. A
garota sorridente, extrovertida,romântica, apaixonada pela vida e
pelo amor, não ri mais, nem brinca ou dá brecha para outra pessoa
entrar na sua vida. Os vestidos soltos e saltos altos, com roupas
coloridas e alegres, foram trocadospor saias compridas sem cor até
as canelas, sapatilhasdiscretase blusas de gola alta,que me dão a
sensação de proteção. Os cabelos soltos viraram um coque, as
maquiagens foram jogadas no lixo. Eu era uma luz brilhante que
tinhase apagado. Prefiro ficar no escuro, onde os monstros não me
alcançam.
— Olha só o que preparei para você. — Minha mãe me tira
dos meus devaneios, colocando um prato de panquecas com mel na
minha frente.
— Obrigada, mãe, sabe que é minha comida preferida —
digo, sorrindo para ela, lhe dando uma piscada.
— Feliz aniversário, meu amor! — Ela sorri carinhosa,
apoiando seus cotovelosna mesa. — E aí,já sabe o que vai fazer
hoje? — Ela estáparecendo uma adolescenteme olhando, ansiosa,
batendo seus longos cílios.— Vai sair para beber, encher a cara,
pegar uns rapazes gostosos para transar a noite toda?
Meus dedos congelam segurando o garfo, que está enfiado
em cima das panquecas. Expando meus olhos, a encarando.
— Por favor, não faça isso...
— Por quê? Você gostava quando brincava com você, antes
de virar esse fantasma ambulante.
— Mãe...
— Isso mesmo! Transar, foder, trepar até suas coxas ficarem
assadas... — Olho para o rapaz, que sorri atrás dela e segura sua
cintura. Perco qualquer resquícioda mínima fome que eu pudesse
ter, enquanto ela tagarela sem parar: — São atos naturais para o ser
humano.
— Mãe, suspeito que erraram nossos corpos, sabia? —
suspiro envergonhada, soltando o garfo, sentindo uma falta de ar
me pegar.
— Ah, qual é, Cris? Pelo amor de Deus! Você parece uma
velha chata! Só se faz vinte e oito anos uma vez na vida. — Ela
puxa uma cadeira e senta ao meu lado, segurando meu rosto em
suas mãos. — Sério, garota,você estáprecisando de uma boa noite
de sexo, com um deus grego maravilhoso, que te tire desse mundo
chato que você se fechou, por conta daquele merda do Renan.
— Mãe, meu mundo não é chato,e eu não sou assim — falo
séria, afastando meu rosto de suas mãos.
Meu mundo, no qual eu tinha me recluído depois do
aterrorizantefim do meu casamento,durante esses quatro anos de
divórcio, não é chato, é seguro.
— Não?! — Ela encostasuas costasno encostoda cadeira,
cruzando os braços. — Então me diz, quando foi a última vez que
transou? E não venha com encontros enfadonhos de reuniões da
empresa. O que estou lhe perguntando é sobre dar, foder de uma
forma que ficou dolorida por pelo menos um dia.
Pisco, confusa, negando com a cabeça para ela.
— Veja... — Ergo meu dedo, apontando no ar, tentando trazer
algum encontro, no qual eu transei, em minha mente. — Bom...
Teve... Humm... Foi... Foi...
— Foi há muito, muito tempo. — Minha mãe balança a
cabeça em negativo,sorrindo para mim, me dando um olhar arteiro.
— Precisa voltara viver, Cris. Precisa de sexo, e já resolvi isso para
você da minha maneira.
— Mãe?! — Ela sorri, gesticulando seus dedos no ar como
quem não quer nada. — Não quero que faça nada. Sem gracinha ou
qualquer presente que vá me deixar envergonhada.
— Relaxa, relaxa. — Minha mãe se levanta da cadeira e se
afasta da mesa. — Sabe do que você precisa, dona Cristina?
— Desconfio que mesmo que eu não queira saber, a senhora
vai me conta.r..
Ela se vira, me olhando, sorrindo diabólica. Bebo meu café,
não quebrando nosso contaot visual, tentandodescobrir o que ela
está tramando.
— De um cara com um pau bem grande, não digo tipo
McLanche Feliz[4], com aqueles brinquedos pequeninos mixurucas,
mas sim aqueles homens Subway[5], com 21cm.
Me engasgo na mesma hora que ela me diz isso, quase
jogando o café da minha boca para fora. O tal de Filipe ri junto com
ela, saindo da cozinha, indo na direção do quarto dela.
— Mãe, pelo amor de Deus! — Solto a xícara de café na
mesa, limpando minha boca com o guardanapo, a olhando de cara
feia. — A senhora não pode falar sobre minha vida sexual na frente
dos caras da semana.
— O que foi? É verdade! Veja o Filipe, por exemplo. Pensa
em um homem que sabe usar o que tem, Cris. Deus, se você
soubesse como ele tem doutorado em manusear aquela língua
dele... — Enquanto a estou olhando chocada, quase saltando meus
olhos para fora do meu globo ocular, minha mãe está rindo
descaradamente da minha face de pânico. — Filipe me
proporcionou os melhores orgasmos que já tive na minha vida...
Me levanto em um pulo, derrubando no chão a cadeira em
que estava sentada com o movimento abrupto.
— Lembra aquela linha invisível que eu estipulei sobre
assuntos que podemos falar uma para outra? — Respiro rápido,
sentindoa faltade oxigênio aumentar. Faço um risco com meu dedo
no ar na frente dela, como se fosse nossa linha imaginária. — A
senhora acabou de ultrapassá-la. Não vamos falar sobre seus
orgasmos ou como o cara da semana sabe usar a língua.
— É Filipe, Cris. Não chame ele de cara da semana, pega
mal falar assim, sem dizer que parece que estoudesmerecendo-o...
— Ela abaixa o tom de voz, olhando na direção que o homem foi,
enquantoergo a cadeira do chão. — Meio que ontemà noiteeu dei
uma mancada, esquecendo o nome dele na hora do sexo...
— Mãe, você é inacreditável.— Aliso meu peitopor contade
uma palpitação em meu coração, e percebo a dor latenteem minha
nuca. — Não vai me contarmais nada das suas aventuras sexuais,
a senhora vai me fazer ter um infarto antes dos trinta anos. — Passo
meus dedos em minha nuca, a massageando. — Acho que minha
pressão está alta...
— Você estáótima,Cristina.Pare com essas suas manias de
hipocondríaca[6]. E outra, não vejo qual o problema de falarmos
sobre minha vida sexual. Se eu não contarpara você, eu vou falar
com quem? Para a vizinha amarga do outro lado da rua?
— Inacreditável! Mude de assunto, por favo.r
— Inacreditável é uma mulher na sua idade ficar sem transar
por quatro anos. — Ela nega com a cabeça, revirando seus olhos.
— Já que quer mudar de assunto, me diga: vai voltar para casa
cedo hoje ou vai ficar até tarde no escritório?
— Não vou voltar cedo, amanhã estou oficialmentede férias,
então preciso deixar tudo encaminhado hoje, para a secretária
temporária.
— Secretária.— Ela volta a revirar seus olhos, me deixando
saber que vai fazer um discurso. — Ainda não entendo como pode
ficar trancadadentro de uma sala, atendendo telefonemas, quando
poderia estar brilhando dentro dos tribunais, defendendo as
pessoas, como sempre foi seu sonho.
— Mãe, por favor...
— Anos de estudos, uma carreira promissora em Direito
jogada no lixo, para sobreviver de atender telefones...
— Mãe, para seu governo, meu serviço é muito mais do que
atender telefones, e não há nada de errado com a profissão de
secretária. — Ela ergue sua mão, me calando, fechando sua face.
— Não pense que estou desmerecendo o serviço de
secretariado, eu seria a primeira a me encher de orgulho por você
ser uma ótima profissional — minha mãe me olha séria, negando
com a cabeça —, se essa fosse a profissão que você realmente
queria exercer. Eu quero que você seja feliz, que viva, e não que
apenas sobreviva nessa forma sem cor na qual você se
transformou.
— Eu sou feliz, mãe. Da minha maneira, eu sou.
Desvio minha face do rosto dela, olho para a janela e respiro
fundo. Não quero voltar a ter essa conversa com ela.
— Bom, se é o que você diz a si mesma para acreditarnessa
mentira, não falarei mais nada.
— Eu tenho que ir, vou me atrasar para o trabalho. — Olho
para ela e lhe dou o mais próximo de um sorriso que minha face
consegue expressar.
— Se não tiver nessa casa antes das 20h, vou mandar seu
presentepara seu trabalho,uma entregaespecial. E nem pense em
o recusar, Cristina. — Ela sorri para mim, me dando uma piscada. —
Irá gostar de algo palpável para animar essa sua vida.
Minha mãe desliza sua língua pelo canto da boca de forma
obscena, olhando na direção do quarto, onde o cara da semana
está.
— Você precisa de uma terapeuta. — Esfrego meu cenho,
sentindo meu coração palpitar dentro do peito. — Na verdade, eu
preciso de uma terapeuta,não sei mais como lidar com uma mãe
ninfomaníaca[7].
— Não precisa de terapia porra nenhuma!
Saio da cozinha e ouço minha mãe rir e gritar em alto e bom
som atrás de mim, enquanto caminho apressada para meu quarto.
— Você tem que transar, Cristina! — ela continua gritando,
eufórica. — 21cm, lembre-se disso!
Pego minha bolsa no cabideiro e saio a passos acelerados,
antes que eu acabe me atrasando para o serviço. Paro perto da
portada saídae pego minha chave de casa na mesinha do telefone.
O pequeno cartão vermelho chama minha atenção, me fazendo
olhá-lo atentamente.
O céu é o limite, escrito em negrito, brilha em letras
ofuscantes. Tem a descrição de garotos de programa logo abaixo.
Olho em direção à cozinha, que agora está vazia, voltando a
encarar o cartão.
— Ela não ousaria fazer isso comigo! — resmungo baixo,
puxando as chaves, me negando a acreditar que minha mãe me
sacanearia no dia do meu aniversário. Mesmo assim fico com a
pulga atrás da orelha ao sair para o trabalho.
Capítulo 02
Toy Boy
Cristina Self
— Cris, será que você pode me cobrir hoje?
Desvio meus olhos da tela do computador para a mulher
parada do outrolado da minha mesa, e vejo Beteme dar um sorriso
travesso. Não, eu não posso, e não quero. Já estou três horas a
mais depois do meu expediente, deixando todo o trabalho
mastigado, direcionando meu serviço para a moça que ficará
cobrindo minhas férias. Bete me sacaneou durante todo o dia,
jogando o serviço dela em cima de mim, redobrando todos os
relatórios que eu tive que transcrever durante o expediente, e
apenas agora pude finalizar as planilhas para a menina da agência
de secretárias temporárias.
— Preciso resolver uns assuntos com Dove.r..
Minha vontade é de dizer para ela que sair para dar para o
cara do departamentode contas não é assunto para resolver, é
apenas uma forma dela ser vadia.
— Claro. — Tiro meus óculos, suspirando, me restringindo a
apenas uma única palavra.
Confesso que hoje a única coisa que mais quero é estar
longe de casa, caminhando para o aeroporto com minha mala. Sei
que minha mãe está aprontando alguma coisa, e no meu íntimoaté
desconfio o que possa ser. Ela sempre faz algo fora do normal nos
meus aniversários, e dessa vez não irá ser diferente, aquela
porcaria de cartão que encontrei hoje pela manhã me alerta disso.
Graças a Deus, quando eu retornar das férias, meu apartamentojá
estará liberado, para eu poder voltar!
— Sei que deve estar ansiosa para sair de férias, mas
acontece que não tenho como desmarcar esse compromisso. —
Bete cruza seus braços acima do peito, me olhando sorrindo. —
Queria ter essa sorte de poder encaçapar 60 dias afastada da
empresa.
— Estou com férias vencidas e a outra vence daqui a três
dias, então não havia como adiá-las... — falo calma para ela,
recolocando os óculos em minha face.
— Bom, que seja, teve sorte. A propósito, pode ficar até as
21h30 também. Vai chegar um daqueles jovens que acabou de sair
da faculdade de Direito, o novo sócio da firma. Se caso o novato
aparecer, pode recebê-lo para mim. Não é certeza que ele venha,
mas precisa teralguém aqui atéestehorário apenas por precaução.
Se ele vir, entreguepara ele o envelope que estáem cima da minha
mesa. São apenas os direcionamentosde como funciona a firma, e
depois pode ir embora — Bete tagarela e se encaminha para a
saída da sala.
— Na verdade, eu... — Ela nem sequer se vira para me ouvir,
apenas acena, dando tchau. — Piranha! — murmuro baixo,
balançando minha cabeça em negativo,me sentindoexaustae com
raiva dessa vadia exploradora.
Olho para o canto da tela do computador e vejo que já são
quase sete horas da noite. Me sinto desanimada por saber que não
vou ter chance alguma de trocar minha passagem de amanhã para
hoje à noite. Já são 21h50 quando finalmente finalizo as planilhas.
Sendo a última funcionária dentro do escritório, abro uma nova
janela de pesquisa, navegando entre os sites de companhia de
viagem aérea, torcendo para que milagrosamente apareça alguma
disponibilidade de trocar meu voo para hoje à noite, para assim
conseguir fugir da minha mãe. Eu não tenho do que reclamar do
meu serviço, gosto de trabalhar com Pietro e Max. Consegui um
bom trabalhode secretáriana companhia de Direitodos irmãos Toll,
na qual eu realmente aprecio trabalha.rViro meu rosto para a janela,
vendo a noite alta. O prédio está praticamente vazio, restando
apenas eu no meu andar, esperando algum filhinho de papai
mimado que acabou de receber seu diploma de advogado, sem
compromisso algum. Imagino quando tiver que ir ver um juiz, com
certeza vai dizer:
— Desculpe, Vossa Excelência, estava testando meu novo
carro esporte, que meu pai me deu...
Disco o número da recepção no primeiro andar e ouço a voz
do segurança que me atende.
— Oi, Mithi, é a Cris. Boa noite...
— Feliz aniversário, boneca. — A voz alegre dele me corta,
me fazendo sorrir.
— Obrigada, Mithi — suspiro, girando meu corpo na cadeira
de rodinhas. — Me diga uma coisa, sabe me informar se alguém se
apresentou aí na recepção ou se algum carro entrou no
estacionamento da firma depois do expediente?
— Não apareceu ninguém, e pelo que estou vendo nas
câmeras, o estacionamento está vazio...
— Bom, está tudo bem. — Bocejo, preguiçosa, balançando
meus pés.
— Estava esperando alguém? — o segurança me pergunta,
animado.
— Um novo sócio que iria vir. Mas, pelo visto, ele não vem
mais.
— Bom, se ele aparecer, eu te ligo avisando... Mas, escuta,
você não vai embora para comemorar seu aniversário?
— Eu estou finalizando uns trabalhos e vou embora daqui a
pouco. Agora preciso terminar as coisas aqui. Obrigada — minto
descaradamente para ele, desligando em seguida, não dando tempo
de me perguntar mais nada.
Tiro o sapato do meu pé e solto as sapatilhas ao chão,
admitindo mentalmenteque prefiro ficar aqui dentro, escondida, do
que voltar para casa e me surpreender com as loucuras da minha
mãe. Sabia que ela estava blefando, não seria louca de mandar um
motoboy fazer uma entrega aqui no meu serviço depois das 20h.
Continuo a ficar vadiando na internetpor um tempo. Tendo certeza
de que o engomadinho não vai aparecer, solto a presilha dos meus
cabelos, o livrando do coque. Talvez eu possa passar a noiteem um
hotel. Isso é tentado.r Pela manhã vou para casa, pego minha mala
e corro para o aeroporto. Sorrio com a ideia.
Abro uma guia para pesquisar um hotelpróximo ao escritório.
Depois retiro o telefone do gancho, para discar para um que achei,
mas abre uma porcaria de propaganda em cima da página. Clico em
cima do pequeno x, tentandofechar a guia, mas sou direcionada
para outro site diferente no computador e uma outra guia se abre
sozinha. A porcaria da propaganda que estava tentandofechar me
direcionou para um site de vídeospornográficos. Meu rosto queima
de vergonha, me fazendo olhar assustada para a tela, correndo o
mouse na mesa com rapidez e o deixando se espatifarno chão. Me
entortona cadeira, tentandopegá-lo, e, quando consigo, arrasto a
flechinha em cima do x na lateral da página, mas ao invés de
encerar a página, fico curiosa ao ler o título que brilha na tela.
Garota má com Toy Boy.
Sério, eu juro que não iria ver, mas sabe aquele minuto de
besteira que bate na gente? Pois então, provavelmente é isso que
deve estar acontecendo comigo. Ergo meus olhos e percorro o
escritóriovazio, confirmando que estou sozinha, e antes que pense
se é o certo ou não, minha bisbilhotice me faz clicar no pla.y
Como a grande maioria dos vídeos pornôs, ela começa
chupando o cara no sofá. O homem é extravaganteem todos os
sentidos,é bem-dotado,musculoso e temtatuagenspreenchendo o
corpo inteiro.As mãos enormes apertama bunda dela, se cravando
na carne. Não sofro de nenhum tipo de libido sexual, pelo contrário,
por mais que não transe com nenhum cara há muito, muitoooo
tempo, eu sou sexualmente ativa comigo mesma e meus vibradores.
Acho que por não transar e estar por fora da prática,fico abismada
com tudo que vejo acontecer nesse vídeo. Ele a pega de quatro e
volta em um frenesi rápido, se afundando dentro do rabo dela.
Chega a ser assustador como essa mulher é flexívelcom as juntas
do corpo dela, pelo tantoque ele a gira de cima do sofá. Ele sai dela
e joga seu corpo debruçado sobre o braço do sofá, erguendo sua
perna até ela estar toda reta, e começa a penetrar mais fundo e
mais rápido ainda. E como uma idiota, tombo minha cabeça para o
lado, tentando entender que posição é essa, e fico olhando as
estranhas acrobacias. Se eu tentassefazer algo assim com minha
perna, provavelmenteiria rasgar algum músculo ou morrer gritando,
tendo uma câimbra agressiva.
— Como ela consegue fazer isso, meu Deus! — murmuro,
arrumando os óculos no meu rosto, me aproximando da tela do
computado.r
— Suspeito que ela faça pilates[8]. — Uma voz rouca
sussurra próximo ao meu ouvido, assoprando um ar morno em meu
pescoço.
Dou um pulo na cadeira, jogando meu corpo para trás e
soltando um grito, apavorada.
— MEU DEUS! — grito, assustada, me atrapalhando em
minhas pernas, andando para trás. A maldita cadeira se vira, me
levando ao chão junto com ela, de pernas para cima.
Fico lá, caída,por alguns segundos, antes de ver duas mãos
grandes nos meus tornozelos,afastandominhas pernas, as abrindo.
Seus cabelos dourados são tudo o que vejo antes de enxergar um
sorriso irônico alargado de orelha a orelha em um rosto másculo e
charmoso ao mesmo tempo. Pisco, confusa, me perdendo em seus
olhos azuis e em seus lábios grossos, que estão sorrindo para mim.
Capítulo 03
Vírus carnal
Cristina Self
— Vejo que é adepta de pilates também, senhorita... — O
intruso terrivelmentesexy desvia seu olhar para minha mesa e vê a
placa com meu nome. — Cristina Self!
Suspeito que meu cérebro ainda não assimilou que estou
esborrachada no chão, com as pernas erguidas e com o traseiro
preso na cadeira, encarando um homem estranho dentro do
escritório. Continuo cativa em seu olhar provocador e em seus
lábios, que possuem um sorriso travesso no canto. Seu olhar
penetrante arrancaria o que quisesse de mim, pois não tenho
capacidade mental para raciocinar com clareza. Meu QI[9] diminui
drasticamenteassim que tenho a noção que suas mãos ainda se
mantêm em minha pele. Ele brinca com seus dedos, subindo e
descendo em meus tornozelos, desenhando pequenos círculos,
trazendo arrepios pelo meu corpo, os quais há muito tempo não
sentia. Sua mão quente, unida com o tecidoda meia fina da minha
perna, me faz imaginar como seria se ele descesse um pouco mais
suas mãos. Pisco diversas vezes, tentando me livrar desses
pensamentos libertinos que estão inundando minha mente. Arrumo
os óculos tortosem meu rosto. Em um movimento ágil, o intruso
sexy estica seu braço e segura meu pulso, me erguendo em um
solavanco só, como se eu fosse uma almofada largada no chão, que
estava atrapahl ando seu caminho. Meu corpo vai de encontro ao
dele, me chocando contra seu peitoral, dando um soco na minha
libido assim que seu cheiro amadeirado invade minhas narinas.
— Se machucou? — A voz rouca me pergunta de forma
íntima,próxima ao meu ouvido, enquantomantenhomeus olhos nos
botões da camisa jeans que contém os três primeiros abertos. —
Cristina?
Ele chama pelo meu nome um pouco mais firme, e ergo meu
rosto para encarar o seu. Se minha mente estava paralisada, agora
ela entrou em modo de bloqueio. Inferno! Ele realmente é
terrivelmentesexy. Um anjo sexy com cabelos dourados e olhos
safira com um ar sombrio. Pigarreio, balançando minha cabeça em
positivo para ele. Me afasto dele, mesmo contra os protestosdo
meu corpo para que eu não me distanciedesse aroma embriagante.
Deixo uma boa distância entre nós dois, endireitando minha saia.
— Estoubem. Obrigada! — balbucio com um fio de voz. Olho
pelo canto dos olhos, o avaliando com cautela.
Percebo agora como ele é extremamentealto. Lhe dou no
mínimo 1,96m de altura, com ombros largos e uma falsa magreza,
escondida sobre a camisa jeans de botões e a bermuda branca.
Tem uma posturadespreocupada, com ares despojados, e os traços
em seu rosto masculino me deixam saber que não é mais um jovem,
talveztenhauns trintae oitoou quarentaanos. Coço minha cabeça,
olhando para a porta aberta do escritório e os corredores vazios.
Como ele entrou aqui?
— Foi um tombo e tanto, hein?
— Eu... — Meus dedos trêmulos erguem meus cabelos, os
enrolando em um coque, sentindo meu rosto queimar de vergonha.
— Estou bem, apenas estava... — Aponto para a tela do
computado,r soltando o ar do meu peito.
OH, ME FODE... MAIS RÁPIDO... MAIS FUNDO...
O grito da mulher na tela do computadorfaz eu querer abrir
um buraco e me enfiar dentro para o resto da minha vida, enquanto
ela geme, soltando um ruído agudo da garganta.
Olho para o homem, que está sério, observando o monitor
em cima da minha mesa. Seus olhos voltam-se para mim, me
encarando, arqueando suas sobrancelhas claras.
— É vírus! — digo em uma voz baixa, sem coragem de
manter meus olhos nos seus.
Ele apenas balança a cabeça para mim em positivo, levando
suas mãos ao bolso da bermuda. Me obrigo a me mexer, indo para
o computador, e tento fechar a merda da tela, mas é como se
tivessecongelado, ficando travadana cena do pau se afundando no
rabo da peituda. Em um ato de desespero, puxo o fio da tomada,
forçando o desligamentodo aparelho. Ao me virar, dou de cara com
o homem alto a dois passos de distância de mim, me olhando
curioso. Meu corpo se cola à minha mesa e puxo minha perna para
o lado enquanto me arrasto para longe, deixando ele remotamente
distante do meu espaço pessoal.
— Em que posso lhe ajudar, senhor? — falo, nervosa,
tentando resgatar um pouco da dignidade que possa ter me
sobrado.
— Acho que não gostaria de saber, Cristina — ele me diz
com sua voz rouca, em tom baixo. — Quando cheguei, estava tão
distraídacom seu... — Sua cabeça tomba para o lado, dando uma
pequena pausa em suas palavras, me olhando sério. — Vírus.Creio
que foi esse termo que usou para descrever seu momento.
— Realmente foi um vírus, abriu uma página...
— Percebi — ele fala sério, me cortando, caminhando pela
sala de forma autoritária.— Tanto que não quis lhe interromper,
você estava tão concentradacom seu “vírus”, que seria uma pena
lhe atrapalhar, sem falar no seu rostotãoexpressivo. — Sua face se
volta para mim e sorri diabolicamente.— Seria até um crime privar
um homem de ver suas expressões faciais.
Ele é um grande filho da puta que sabe usar as palavras!
Meu cérebro grita “perigo” em alto e bom som, mas minha vagina
repete as palavras da minha mãe: “você precisa transar, Cristina”.
Balanço minha cabeça, para tirar essas ideias de lá, e avalio sua
forma despojada com roupa casual, não parecendo nem um pouco
com um advogado, e muitomenos um jovem saídoda faculdade de
Direito, como Bete falou. Fico confusa e me pergunto o que um
homem como esse está fazendo por aqui.
— Bom, e o senhor é quem? — pergunto, tentandodescobrir
de onde diabos ele veio. — Como conseguiu subir?
Olho para o telefone, vendo que o aparelho está fora do
gancho. Merda, devia estartãocuriosa com a porcaria da acrobacia
pornográfica, que nem reparei que não tinhaenganchado o telefone!
Antesde me mexer para arrumar o aparelho, a sombra se movendo
chama minha atenção. Me volto para ele a tempo de o enxergar
dando dois passos, parando à minha frente.Seu braço se estendee
a grande mão fica parada no ar, perto da minha barriga.
— Sou Ariel. Creio que o segurança devia estarocupado, por
isso não me viu subir. — Ele não tem cerimônia alguma em pegar
minha mão na sua, apertando forte entre seus dedos.
Ele faz círculos com os dedos dentro da palma da minha
mão, me embebedando com sua colônia, e nunca um aperto de
mão me pareceu tãopecaminoso e sacana como o dele estásendo
agora. Mas, em um estalar de dedos, tudo se encaixa dentro da
minha mente. Seu rosto sexy, o ar autoritárioe perverso, até sua
roupa despojada, com os três botões abertos da camisa,
provocativo, deixando um vislumbre do seu peitoral musculoso.
Corpo atléticocom mãos ásperas demais para ser um advogado, os
cabelos angelicais dourados que têm uma mecha preguiçosa caída
em sua testa, sorriso avassalador em sua face quadrada,
praticamente uma festa sexual ambulante repleta de testosterona.
“O céu é o limite.”
As palavras do cartãose fazem em minha mente, tão nítidas
quanto seu olhar safira agora preso ao meu. Vou matar minha mãe!
Não é um motoboy com um presente estranho que ela me mandou,
mas o próprio homem é o presente.
— Ariel, sério? — digo, não acreditandono que estou vendo
à minha frente. — Muito criativo mesmo, muito criativo.
Solto sua mão, balançando minha cabeça para os lados, me
afastando dele e esfregando meu rosto. Deus, vou matá-la! Como
pôde fazer isso comigo?!
— Não acreditoque ela fez isso — rosno entremeus dentes,
fechando meus dedos em punho, soltando meus braços ao lado do
corpo. — Está certo que estou sozinha há bastantetempo, mas
mandar você?! — Apontopara ele, negando com a cabeça, odiando
muito minha mãe nesse momento. — Quanto ela te pagou?
O vejo piscar seus cíliosdourados, arrumando seus cabelos
e voltando a levar suas mãos ao bolso.
— Pagou?
— Minha mãe se superou agora! — Me viro com raiva para
não olhar para a face dele, cortando suas palavras. — Sério,
contratarum garoto de programa para mim?! — Bufo pelas narinas,
batendo meus pés no chão. — Tá certo que você é muito lindo e
gostoso, e, porra, lhe daria numa boa — giro, o encarando —, mas
saber que ela te pagou para me come,r isso é humilhante!
O grande homem ergue minha cadeira do chão, sentando-se
nela, cruzando suas pernas, olhando para mim.
— Ela não me pagou.
— Oh, meu Deus, sou eu que vou terque tepagar! — Batoa
mão em minha testa, não acreditando nisso.
— Se lhe disser que ela não me pagou, e que estou
pensando se você precisa me pagar ou não, isso lhe deixará mais
calma?
— Não, claro que não me deixa calma. Uma mãe normal dá
um perfume de presente de aniversário para a filha, um dia de SPA
ou qualquer outramerda fútilfeitaentremãe e filha. Mas não minha
mãe. Não! Ela me dá um garoto de programa! — falo rápido,
tentando não ter uma crise de falta de .ar
— Creio que devo parabenizá-la. — A voz dele sai calma,
não perdendo um movimento sequer meu. — Feliz aniversário,
Cristina!
— Não seja cínico,pois isso é feio. — Esfrego meu rosto,
andando da janela até a minha mesa e mantendo o ritmo dos meus
passos fazendo o caminho contrário.— Olha, minha vida não anda
fácil, isso eu admito, me fechei depois do que Renan fez comigo,
mas eu vou saber quando será a hora certa para transa.r
— Presumo que ele seja um cretino?