Ariel Miller
— O que pretende fazer?
Meus olhos estão concentrados no sinal de trânsitodo lado
de fora, observando a noite, tendo a pequena face chorosa de
Cristina inundando meus pensamentos. A confusão que ela
desencadeia dentro de mim, me tirando de rotação, me fazendo
querer apenas a manter em meus braços, para que ela nunca
escape, é atordoante.O perfume da sua pele está impregnado em
meu blazer e me acalma a cada sugar de ar para meus pulmões.
Entrar em minha sala algumas horas depois, devido ao fato de ter
precisado dar uma saída, e ver apenas o blazer dobrado,
descansando no sofá, onde eu a tinha abrigado e passado longos
minutos observando sua face abatida, e o encontrarvazio, sem sua
presença, me desencadeou uma grande frustação.Quando Beteme
avisou que Max tinha levado Cristina para casa, a frustação foi
trocada por ira. Relaxo meus ombros, respirando fundo, girando
meu corpo e ficando de frente para Pietro, que está sentado na sua
cadeira, olhando para a tela do computado.r
— Ouviu o que eu disse?
— Sim. — Ergo meu dedo, afrouxando o nó da gravata. —
Não posso levar Violet para testemunhardiante do grande júri, ela
está mentindo.
— Todos mentem, Ariel — Pietro fala calmo, tamborilando
seus dedos na mesa. — Se descartar o álibi do seu cliente, tenha
consciência que a promotoria vai investigar o porquê.
— Stano a comprou, Pietro, ele forjou seu álibi e continuaa
omitir a verdade do que aconteceu aquela noite. E sem saber a
verdade, não posso construir a defesa dele.
— Suspeita que ele cometeu o crime? Que matou aquelas
pessoas?
— Stanoé um putode merda, que pode matara sangue frio,
mas ele não é o tipo de homem que negaria a morte da esposa. —
Respiro fundo, soltando os botões do blazer. — Conheço esses
tipos de criminosos de colarinho branco há muito tempo, sei
exatamente o modus operand[i19] deles. Stanoestámentindo.Pode
não ter apertado o gatilho daquela arma, mas sabe quem foi.
— Crime premeditado — Pietro responde rápido. — Pode ter
contratado alguém.
— Não, homens como Stano são calculistas e pragmáticos
em tudo, até para cometer um crime. O assassino agiu pela
emoção, de forma bagunçada. Os dois corpos foram atingidos na
sala, estavamum distantedo outro.— Esfrego meu rosto,erguendo
minha face de volta para a janela. — Na segunda-feira vou passar
na casa de Stano,para descobrir o que estáfaltandonesse quebra-
cabeça.
— Tenho certeza de que vai se sair bem com esse caso.
Como sempre se saiu. — Pietrosoltaum longo suspiro, pigarreando
baixo, chamando minha atenção para sua face. — Quer falar sobre
a Cris?
Ele me dá um sorriso amarelo, repuxando o canto da sua
boca quando tomba a cabeça para o lado.
— O que quer saber, Pietro? — pergunto polido, mas não
estou inclinado a ceder alguma informação para saciar sua
bisbilhotice.
— Bom, como nos conhecemos há muito... muito tempo, vou
fingir que não notei o que realmente estava acontecendodentro da
sua sala quando entrei no horário de almoço, e nem adianta me
dizer que não estava acontecendo nada, porque a energia dentro
daquela sala era praticamentepalpável. — Desvio meus olhos dos
dele, afundando meu corpo na cadeira quando descruzo minhas
pernas. — Não tenho nenhuma objeção, desde que seja algo
desejado pelas duas partes. Suspeito que não pegaria bem, para o
notório Ariel Miller, advogado criminalista,ter uma ação de assédio
sexual sendo movida contraele, e eu iria chutarmuito seu traseiro
daqui até Nova York se você estiver molestando a Cristina.
Sorrio sem nenhum traço de alegria, travando meu maxilar.
Meus dedos se fecham em punho, dando leves socos no braço de
descanso da cadeira.
— Não tem com o que se preocupar. Como disse, nos
conhecemos há muito tempo, jamais forçaria uma mulher a nada.
— Forçar sei que não, mas manipularia a situação, do
mesmo modo como manipulou ao descartar todas as secretárias
que lhe foram oferecidas, com apenas um único objetivo. — Sua voz
calma solta uma risada baixa. — O qual julgo que alcançou com
êxito.
— Ela é uma boa secretária,temdiscernimentocom o mundo
jurídico...— Reclino meu rosto em sua direção. — Foi apenas por
isso. E, a meu favor, posso garantirque aquelas secretáriasque me
encaminhou eram incompetentes...
— Está gostando dela? — Pietro me corta, fazendo a
pergunta à queima-roupa.
Me arrumo na cadeira, ficando desconfortável com sua
pergunta direta.
— Aprecio a companhia da senhorita Self, se é o que quer
saber. — Balanço meu corpo na cadeira, olhando para minha mão,
que soca o braço da cadeira.
— Aprecio sua companhia, meu amigo, mas não tenho
vontadede lhe ver pelado em minha cama. Como pode ver, há uma
diferença entre minha pergunta e sua resposta, e você sabe disso
— Pietro rebate meu argumento com petulância, em meio às suas
risadas, debochando de mim. — Pare de ser evasivo com sua
resposta e me conte. — Ele abre a gaveta da sua escrivaninha e
puxa uma garrafa de uísquee dois copos, os enchendo em seguida
e empurrando um para a ponta da mesa, para que eu possa pegar.
— Somos amigos há quinze anos, não precisamos de meios-
termos.
Esticomeu braço, pegando meu copo e o trazendoaos meus
lábios, o virando de uma única vez. Sinto a bebida queimar ao
deslizar dentroda minha garganta.Meus olhos se fecham enquanto
respiro fundo, vendo a pequena face abatida de Cris e tudo que ela
desencadeou em mim:o instintode proteção, a raiva por Pietro ter
nos interrompido dentro da minha sala, quando a assisti partir a
passos apressados, se distanciando de mim, quando tudo que eu
queria naquele momento era sentir meu pau se afundar dentro da
sua boceta quente, arrancando mais gemidos suaves dos seus
lábios e aplacando essa maldita condenação que ela me jogou
desde a noite naquele quarto de hotel. Como senti saudade do seu
cheiro, do seu sabor, do toquemacio das suas mãos sobre mim. Eu
sentisaudade dela. E ver Max ganhando dela aquele sorriso, o qual
eu desejei ver tantopor todos esses malditos dias desde que ela
voltou, me fez perder o controle. Aquele sorriso me pertence, os
olhos brandos e brilhantesdevem estarvoltadospara mim, não para
ele. E em questão de segundos fui de um homem pragmáticopara
um neandertal dominador, que apenas teve sua fúria refreada
depois de ouvir dos lábios dela a confirmação que Max nunca lhe
tocou. Inferno! O que ela está fazendo da minha vida?!
— Vocês dormiram juntos?
— Sim. — Deixo o copo sobre a mesa de Pietro, encostando
minhas costasno couro da cadeira. — Foi no último dia dela antes
de sair de férias. Eu cheguei tarde,muitotarde,passei no hotelque
tinha me hospedado e vim para o escritório. Então eu a vi. No
primeiro momento fiquei fascinado por sua face expressiva, como de
uma pesquisadora curiosa. — Sorrio melancólico, me recordando
exatamenteda forma divertida como seus olhos negros de coruja
brilhavam por trás dos óculos. — Houve um engano, e eu não
desmenti e nem confirmei, estava curioso pela forma atrapalhada
dela.
— Sua curiosidade insaciável sempre foi seu mal, Ariel —
Pietro suspira calmo, enchendo os copos. — Está apaixonado por
ela.
— Não usaria essa palavra. Tenho sentimentospor ela, se é
o que quer saber. — Pego meu copo, o tomando sem pressa.
— Não há vergonha em dar nomes às emoções, Ariel, lhe
digo isso por experiência. Quanto mais rápido aceitar que está
apaixonado por ela, mais fácil sua vida se tornará. — Pietro arrasta
seu corpo com a cadeira, apoiando seus cotovelos em cima da
mesa. — Vou ser franco com você, meu amigo. Max temum carinho
imenso pela senhorita Self. — Pietro ergue sua mão quando eu
rosno baixo, virando meu rosto. — Não faça essa cara. Disse que
meu irmão temcarinho por ela, não que nutreuma paixão platônica.
O que liga Max e Cris é outro sentimento,um afeto fraternal, e foi
por isso que o autorizeia tirarela de sua sala enquantovocê estava
em reunião.
Volto meu rosto para Pietro, esmagando meu maxilar,
sentindo raiva ao saber que ele está confraternizando com isso.
— Eu iria cuidar dela, iria levá-la para casa — falo bravo,
abaixando o copo na mesa. — Acha que eu seria tão baixo a ponto
de me aproveitar do momento frágil de uma mulher? Oh, pelo amor
de Deus, nos conhecemos há anos!
— Sei disso, e foi justamenteesse seu propósito que me fez
agir assim — Pietro fala sério, negando com a cabeça. — Vou lhe
mostrar algo, o que pode custar a renegação de laço de sangue
entre mim e o meu irmão, se ele descobrir que quebrei o sigilo dele
com a sua cliente.
Pietro abre a gaveta e retira uma pasta marrom de dentro
dela, depositando-a sobre a mesa.
— Cristina não é só uma amiga para Max, muito menos a
secretária antiga. Cris é aquele caso que nos ligamos de forma
emocional e sabemos que merece justiça, mas ela nunca teve, e
isso é uma marca na vida de Maximiliano, por nunca terconseguido
justiça para ela.
Puxo a pasta para minhas mãos, vendo o nome dela escrito
em uma etiqueta.
— Max estava no tribunal no dia que o julgamento estava
acontecendona vara da família,violência doméstica.Meu irmão se
sentou do meu lado enquanto esperávamos pela audiência da
cliente dele, com seus olhos perdidos em toda dor que a face de
Cristina demonstrava.
Escutoa voz de Pietro enquanto abro a pasta, lendo apenas
pelos autos a descrição do caso.
— Já ouviu falar de Hugo Pener? — Balanço minha cabeça
em positivo, folheando as páginas. Não tinha sido apurado
absolutamentenada, o caso dela estavafrágil, sem consistência.—
Renan Pener, o filho de Hugo, espancou Cris até ela ter duas
costelas quebradas, sua mandíbula fraturada, supercílio esquerdo
cortado, diversos hematomas pelo corpo e vinte por cento da sua
visão do olho esquerdo comprometida. Porém, com o dinheiro e a
influência do pai, em conjunto com o batalhão de advogados que
eles levaram para a audiência, além de muita propina distribuída
dentro do tribunal, Cristina Self passou de vítima para ré em questão
de segundos.
Paro no laudo médico que foi feito de forma errônea, um
serviço de porco, apenas relatando brevemente o estado da
paciente. O perito filho da puta, dava a entender que foi algo sem
grande repercussão.
— Todos foram comprados: perícia, o relatório policial
manchado, os vizinhos que foram de testemunhas, dizendo que
nunca viram Renan Pener maltratarsua esposa, e que no fatídico
dia não ouviram nada dentro da residência.
— Ela não chamou a polícia? — Ergo meus olhos para
Pietro, sentindo meu corpo se abrasar de ódio puro.
— Não. Cris foi socorrida pela mãe, que a tirou de dentro da
casa. Ela procurou o hospital apenas no outro dia. Os advogados
usaram isso para alegar que ela mesmo podia ter feito aquilo —
Pietro fala amargo, suspirando pesado. — O filho da puta do juiz
comprou a ideia escrotaque eles passaram dela, alegando que ela
era uma mulher desequilibrada, que tinha se ferido de propósito
apenas para arrancar dinheiro do marido quando ele pediu a
separação, e manchar a boa reputação e índole impecável dele.
Mas o covarde nunca pediu a separação, quem pediu foi Cristina.
Posso vê-la sozinha dentro do tribunal, acuada, sendo
empurrada por mentiras e alegações falsas, com os olhos de coruja
negros brilhando de medo.
— Por que não recorreram? Por que não assumiram o
serviço de merda desse advogado? Cristina não tinha como perder
essa ação...
— Como você mesmo me disse... — A voz baixa vem de trás
de mim, fazendo tantoeu como Pietro olhar para a porta da sala
dele, enxergando Max parado, com os olhos no arquivo. — Vítimas
não podem pagar por advogados caros e ardilosos como você.
Ele se desencosta da porta e caminha para nós, jogando
outra pasta sobre a que eu olhava.
— Acho que meu irmão esqueceu dessa pasta quando foi
mexer em meus arquivos sem pedir minha permissão. — Ele para
pertoda mesa, pega a garrafa de bebida e enche um copo para ele.
— Ou na certa quis lhe poupar de ver como o doente do Renan
deixou Cristina.
Pietro encolhe seus ombros, olhando para a garrafa com
pesar.
— Não faça essa cara, Max, Ariel precisava saber. — Pietro
respira fundo, fechando seus olhos.
Devolvo a pasta para ele, ficando apenas com a que Max
entregou para mim. Abro ela lentamente,me deparando com a foto
de Cristina machucada. Seus olhos quase não se abrem, a boca
está inchada e cortada.O filho da puta tinha batido nela com todas
as forças. Vejo tudo vermelho à minha frente. Quero encontrar esse
homem que a machucou, lhe ferir de forma tãomiserável quantoele
a feriu. Cruel e brutal, até sua face não ser nada mais que um
esboço horripilante de um homem morto.
— Quando assumi o caso, depois que o advogado dela
perdeu propositalmente,Cristina estava muito abalada, não queria
seguir adiante. Renan a estava ameaçando, perseguindo-a
constantemente,ela apenas queria uma medida protetiva— Max
fala amargo, olhando para a fotografia.
— Ele não foi preso? Não foi condenado pelo que fez a ela?
— Não, ele não foi. Ele sequer chegou a passar uma noite
dentro da cadeia, mesmo infringindo a medida protetiva— Max me
responde baixo. Fecho a pasta com raiva, jogando-a sobre a mesa.
Me levantoe caminho dentroda sala, me sentindoum animal
enjaulado, sentindo a porcaria da gravata, mesmo afrouxada, me
sufocar.
— Disse “mesmo infringindo a medida protetiva”,correto?—
rosno entre meus dentes, olhando para Max. — Isso quer dizer que
ele ainda continua se aproximando dela?
— Eu o vi pessoalmente hoje, no horário de almoço,
amedrontando-a. — Esfrego meu rosto, respirando fundo ao ouvir a
voz de Max.
— Filho da puta! — Pietro xinga baixo, socando a mesa.
— Ele é um miserável que a persegue. Ele para por um
tempo, some, se distanciadela, mas não demora muito para voltar.
Cris me contou que ele anda rodeando o novo endereço dela, liga
para o celular e para o telefone fixo, sem dizer nada, apenas a
assustando.
— E por que vocês me contaramisso só agora? — Cuspo as
palavras com raiva, sentindo o gosto amargo em minha saliva.
— Porque o advogado dela sou eu. Não precisa saber sobre
a vida da Cris — Max fala amargo, me fazendo erguer meus olhos
para ele. — Não passa de um advogado sem escrúpulos.
— Não gosta como eu trabalho, não é? E quer saber? Até
acho louváveis seus pensamentos de salvador da pátrai , mas eu
cago para seus conceitospuritanos. — O olho sério, não medindo
minhas palavras. — Mas deixa eu lhe contarum segredo, meu caro
benfeitor. São advogados mesquinhos e ordinários, como eu, que
comem homens como Renan Pener no café da manhã, que não se
vendem e muito menos se intimidam por conta de rótulos do
papaizinho dele. Se diz o advogado dela, mas o que fez até agora
para sua cliente, além de arrumar a porcaria de uma medida
protetiva falha?
Pego as duas pastas em cima da mesa, as segurando com
raiva, repousando meus olhos em Pietro.
— Me fez uma pergunta, e aqui está minha resposta, Pietro.
— Ergo as pastas,balançando-as com ira em minhas mãos. — Vou
garantir pessoalmente a estadia desse verme asqueroso em uma
penitenciária máxima. Renan Pener não chegará mais perto de
Cristina. Se ele chegar, é um homem morto, esse é o tamanho do
apreço que tenho por ela!
Saio de dentroda sala, os largando lá, caminhando com raiva
para o meu escritório.
Capítulo 13
Olhos de coruja
Ariel Miller
Inalo o ar com força para meus pulmões, tentandonão perder
minha paciência no sábado de manhã, enquanto encaro o homem
melindrado à minha frente.
— Senhor, eu realmente não posso lhe passar informações
sobre os moradores.
Levo as mãos aos bolsos da calça, olhando sério para o
porteiro, respirando fundo.
— Quantas vezes Renan Pener já apareceu na porta desse
prédio, atrás da senhorita Self? — falo ácido, o deixando saber que
não vou embora tão cedo desse prédio sem as respostas que
preciso.
— Como eu já falei, não posso falar sobre...
— Fala logo, sua criatura preguiçosa, eu não estou lhe
pedindo. Não estou aqui como um especulador curioso, eu sou a
porra de um advogado que não pensaria duas vezes antes de lhe
foder, por omitir informações da minha cliente!
O homem pequeno arregala seus olhos, ficando com sua
face vermelha.
— Realmente não está fingindo, não é? É a pessoa mais
desagradável que já conheci. — Ele ergue seu dedo, apontando-o
para mim.
Sorrio com ironia para o gorducho, dando um passo à frente,
parando perto do balcão que ele usa para se esconde.r
— Nesse momento estou na minha versão mais doce, seu
idiota. — Movo minha mão para fora do bolso da calça, a erguendo
para minha face e retirandoos óculos escuros. — Mas assim que eu
te intimar e colar essa sua grande bunda flácida em um banco de
testemunhae extrair cada informação de dentro do seu rabo, lhe
dando a sensação da mais alarmantecolonoscopia[20] da sua vida,
aí sim você vai conhecer meu lado desagradável. — Cerro meus
dentes com raiva, o olhando de cima a baixo. — Então lhe
aconselho a responder minha pergunta!
O homem se encolhe, se sentando na cadeira atrás dele,
balançando a cabeça em confirmação.
— Senhor Pener aparece com bastantefrequência atrás da
senhorita Self. Como ela já tinha nos repassado sobre a presença
dele ser proibida, ele não passa do saguão do prédio. Só nessa
semana ele veio duas vezes.
Retiro meu cartão do bolso, empurrando em cima do balcão,
apontando para ele.
— Quando ele der o ar da graça outravez, você vai ligar para
mim, não importa a hora do dia. Vai ligar diretamentepara esse
número e não vai repassar mais nada para a senhorita Self. — Ele
pega o cartão e fica em silêncio. — Compreendeu?
— Sim, senhor Miller.
— Esplêndido! — Sorrio para ele, arrumando meu terno,
levando os óculos de voltaà minha face. — A propósito,senhor... —
Estalo as pontas dos dedos, olhando para o crachá dele. — Bobe,
gostei do nome. Adorei nossa conversa amistosa, conto com sua
discrição sobre esse momento também.
Ele apenas balança a cabeça, confirmando. Me viro e saio do
prédio, caminhando até o meu carro. Antes que eu possa abrir a
porta, reconheço o pequeno corpo que vira a esquina, andando
apressado, segurando firme as sacolas em seus dedos, olhando
para trás. Me afasto do carro e marcho de encontroà Cristina, que
mantém sua cabeça virada, olhando por cima do seu ombro,
andando rapidamente. Esticomeu braço e seguro seu ombro antes
que ela trombe em mim, o que a faz soltar um grito, derrubando
suas sacolas.
— Oh, meu Deus! — Sua face se ergue para mim, ficando
com a respiração pesada, puxando o ar fortemente para suas
narinas. — Ariel! Quer me matar do coração?
Ela se afasta, abaixando para pegar as coisas que caíram
das sacolas. Olho no rumo de onde ela veio, mas não enxergo
ninguém caminhando atrás dela. Me abaixo e auxilio Cristina a
pegar suas compras, repousando meu olhar em sua face. Sua veia
está saltada na lateral da sua garganta, os olhos arregalados. Seu
coque bagunçado, com fios soltos, cai na lateral do seu rosto.
— Do que estava fugindo? — pergunto sério. Cristina ergue
seus olhos para mim, se levantando lentamente.
— Nada, apenas estava distraída...— Ela abaixa seus olhos
para minha mão, tentando pegar o frasco de xampu dos meus
dedos, mas eu o puxo para trás, a impedindo de pegá-lo. — O que
está fazendo em pleno sábado no portão do meu prédio, doutor?
Pensando bem, como sabe meu endereço?
— Passei no setor de RH[21] da firma — respondo sem
pressa, abrindo seu xampu e o levando perto do meu nariz e
cheirando. — Apenas Ariel, babá McPhee. Não estamos em horário
de trabalho, para ser tãoformal. — Repuxo meu nariz, fazendo cara
feia. — Não sei se gosto desse xampu, tem cheiro de produto de
liquidação.
— Oh, meu Deus, não acreditoque vai resolver me infernizar
até nos fins de semana! — Ela pega o frasco da minha mão,
fechando sua face enquanto o joga dentro da sacola.
— Na verdade, ainda temos muito trabalho a fazer sobre o
caso Brat — falo a primeira coisa que vem em minha mente, não
querendo a deixar saber meu real motivo para ter vindo até seu
endereço. — O que mais tem aí dentro das sacolas?
— O quê? — Ela tenta se afastar quando me aproximo.
Minha mão se estica, e olho curioso para suas compras,
retirando uma das sacolas da mão dela.
— Veja, alguma coisa de qualidade. — Pego o molho de
tomate.Olho o restantedas coisas e não gosto muito do que vejo:
cereal de morango, iogurte, doce, pasta de amendoim... E piora a
cada segundo que mexo dentro dela. — Foi fazer compras para
uma criança?
— Me devolve a merda da minha sacola, Ariel!
Puxo a barra de chocolate, a virando em meus dedos,
negando com a cabeça.
— Não é à toa que passou mal, olhe o tantode porcaria!
Come alguma coisa que preste, babá McPhee?
— Babá McPhee é o seu c... — Ela se cala quando ergo meu
rosto para ela, sorrindo sarcástico. Olho a ponta do seu dedo
erguida em minha direção.
— Vejo que está recuperada, pelo desenrolar do seu
linguajar, minha adorável secretária — falo em deboche, a vendo
resmungar zangada, esticando sua mão para mim.
— Devolva a minha sacola e vá embora, Ariel. Hoje é minha
folga e me nego a ser escravizada por você.
Observo sua face abatida e vejo as olheiras embaixo dos
seus olhos, de quem passou a noitetodaem claro. Sei que deve ser
isso, já que foi esse o motivo que me fez usar os óculos escuros,
pois minha noite foi longa, enquanto andava como um felino
enjaulado dentro do meu apartamento,de um lado ao outro, lendo
cada palavra do seu caso, vendo as fotos dos hematomas do seu
corpo, sua face machucada. Me viro e caminho para a entrada do
prédio, levando sua sacola de compra comigo.
— Ande, babá McPhee, não tenho o dia todo para esperar
que você tenha bons modos e me convide para entra.r
— Como assim entrar? Você quer subir no meu
apartamento? — Ouço sua voz perguntar confusa atrás de mim.
Paro meu corpo, olho para ela e retiro meus óculos.
— Aceito seu convite!
Self se engasga, erguendo sua mão no ar e a fechando em
punho, apontando apenas o indicador para mim.
— Não foi um convite, sabe disso. E você distorceu minhas
palavras. — Ouço seu gritinho de raiva enquantoela bateseu pé no
chão, feito uma menina pirracenta.
— “Você quer subir no meu apartamento?” — falo suas
palavras anteriores, as usando contraela. — Para mim, isso foi um
convite.E agora que eu aceitei subir, será feio da sua parteo retirar.
— Inacreditável! Você é um ser humano inacreditável!
— Eu sei disso, meu bem. Não precisa inflar meu ego. —
Pisco para ela, lhe provocando. — Ande, vamos, estou com fome!
Talvez ache alguma coisa decentedentro dessas sacolas, para nos
alimentar.
Aponto para a entrada do seu prédio, esperando que ela
passe, rabugenta, balançado sua cabeça em discordância. Antes
que ela se afaste, retiro as outras sacolas da sua mão, levando as
compras para ela. Meus olhos param na esquina uma última vez,
em busca de alguma pista do que a estava deixando assustada,
mas não tem ninguém. Ando atrás dela, voltando para o prédio,
passando pelo segurança quando entro com Cristina do meu lado.
— Olá, Bobe, como está indo seu dia? — Cris sorri para ele
de forma branda, apontando para mim. — Esse é o doutor Miller,
meu chefe.
— Olá, Bobe, prazer em lhe conhecer — cumprimento-o
cinicamente,não demonstrando para ela que já me apresentei para
ele.
O homenzinho flácido com rosto vermelho apenas balança
sua cabeça para mim, em saudação. Cristina está distraída,
caminhando para as escadarias, o que me faz parar e olhar das
merdas dos degraus para o elevador.
— Por que serei obrigado a subir escadas quando tem
elevador nesse prédio? — Ela para no terceirodegrau e segura no
corrimão, olhando para mim.
— Oh, meu Deus, é verdade! Você tem preguiça de usar
escadas, correto? — Sua mão bate em sua testa,negando com a
cabeça. — Está tudo bem, não vou me sentir ofendida se recusar
subir, e nem no caso do nobre doutor Miller quiser voltar para o
quinto dos infernos de onde veio.
— Bonitinha... — falo com desdém, subindo o primeiro
degrau da escada.
— Eu sei que sou, não precisa ficar inflando meu ego, doutor.
— Sua voz risonha é baixa, me fazendo erguer meu rosto e olhar
para ela.
Sou pego pelo sorriso doce que se alarga em sua bochecha,
me levando ao nocautea cada segundo que ela me fisga com seus
olhos grandes de coruja estalados, como uma noite quente de
verão.
— Ande, Ariel, não é o fim do mundo subir escadas! — Seu
corpo gira, com ela voltando a se move.r
Ouço o pequeno pigarro vindo de trás de mim, me fazendo
olhar para o bisbilhoteiro do Bobe, que tem seus olhos atentosem
mim. Fecho meu semblante para ele, subindo os degraus atrás de
Cristina.
— Cobro uma fortuna dos meus honorários aos meus clientes
pelo meu tempo, para manter meu padrão elevado de vida, para no
fim estar aqui, trocando o elevador por escadas em um prédio
mediano na periferia da cidade.
— Oh, céus, cale essa sua boca cretina, Miller!
O som da sua risada se espalha, me fazendo sorrir por ser o
causador do som feliz que sai dos seus lábios. Esticominha perna,
subo de dois em dois degraus, alçando a pequena vênus, parando
no degrau abaixo do dela. Cris gira sua face para mim, ficando a
poucos centímetrosdo meu rosto, soltando um baixo sorriso,
tranquila.
— O que foi? — A voz envergonhada pergunta baixinho.
— Estou pensando sobre o que disse. — Recaio meus olhos
para seus lábios, que se comprimem, quase em um convite doce
para que eu os prove.
— No quê?
— Sobre calar minha boca cretina — sussurro rouco,
engolindo minha saliva, sentindo minha boca ficar seca. — Aprecio
quando seus lábios felinos silenciam minha boca cretina.
Ela me desarma com tantafacilidade, como se eu fosse um
castelo de cartas sendo desempilhado pela brisa suave do vento.
Observo os gestos desajeitados das suas mãos, que se erguem,
empurrando seus cabelos para trás das orelhas, sorrindo de lado,
tombando sua face em seu ombro.
— O que realmente veio fazer aqui, Ariel, em pleno sábado?
Me enganar!
Menti para mim mesmo, dizendo que apenas revirei os
arquivos do RH atrás do endereço dela, porque odiava o serviço
porco de advogados aproveitadores, como o que a deixou à mercê
de um julgamento inescrupuloso, e não porque cada parte do meu
corpo, do meu ser, grita ansioso, tendo minha alma inquieta e ao
mesmo tempo esperançosa por encarar seus olhos negros
expressivos de coruja. Puxo o ar com força para meu peito,inalando
seu perfume que me embriaga, a quenturada sua respiração morna
que me acaricia a face. Tombo meu rosto na mesma direção que o
dela se encontra, me aproximando lentamente,não resistindo aos
seus olhos pecaminosos, que me chamam para ela.
— DROGA, VOU ME ATRASAR! — A voz alta gritando nos
faz afastar.
Ergo meu rosto para cima da cabeça de Cris e vejo um
jovem, que desce correndo os degraus, com um celular em suas
mãos, que provavelmente está filmando tudo. Ele sorri quando nos
vê, apontando o celular para Cristina.
— Bom dia, lindona, dá oi para a galera do canal! — Cris se
afasta, respirando rápido, olhando para o chão, ficando de costas
para mim, erguendo seus olhos para o garoto.
— Olá, Estence! Olá, galera do canal do Estence! — Ela
acena para ele e volta a subir a escadaria.
Respiro com desânimo, encarando o pivete que sorri para
mim, apontando a porcaria do aparelho na minha direção, com sua
face espinhenta e os dentes presos a um aparelho ortodôntico.
— E aí, tiozão! — Ele desce os degraus apressado, me
cumprimentando, dando um leve tapinha em meu ombro.
Olho para meu ombro, onde sua mão de bater punheta
juvenil tocou, sujando meu terno de alfaiataria.
— Tio é meu ovo, moleque de merda! — resmungo baixo,
desviando meus olhos do meu ombro, olhando para minha frente
vazia.
Estalo minha língua, me sentindo mal-humorado pelo pivete
ter interrompido meu momento com Cristina.
— Vai me dizer que já está fadigado de subir degraus,
tiozão?
Ergo minha cabeça e a vejo no segundo lance de escadas,
sorrindo para mim, me provocando, com a parte superior do seu
corpo inclinado sobre a barra de proteção da escadaria.
— Engraçadinha! — Volto a subir os degraus, odiando,
definitivamente, esse prédio cafona. — Qual tipo de padrão de
emissora contrata um pré-adolescente?
Ouço a risada dela explodir em uma gargalhada, ao mesmo
tempo que nega com a cabeça.
— Estence filma para seu canal em uma rede social na
internet,doutor Miller. Ele filma de tudo que puder, acho que fica 24
horas com esse celular na mão, gravando. Está por fora da
atualidade dos jovens, tiozão!
— Patético, babá McPhee!
Capítulo 14
Pílula mágica
Ariel Miller
— Meu Deus, isso é assustador!
Me afasto do fogão, depois de abaixar o fogo da panela, onde
está cozinhando o molho para o espaguete. Olho Cristina sentada
na ponta da mesa, cortando os legumes para a salada.
— O quê? — Limpo minha mão no pano de prato, me
encostandona pia. — Não acreditaque Stano possa algum dia ter
posto o pau velho e murcho dele dentro da boceta larga da
assistente?
— Bom, isso também, agora que acabou de falar com tantos
detalhes. — Ela faz careta, negando com a cabeça. — Mas, na
verdade, me refiro a você com esse avental amarelo preso na
cintura, invadindo minha cozinha.
Ela apontapara mim e abaixo meu olhar, vendo os desenhos
de patinhos no tecido brega, num amarelo pavoroso. Cruzo meus
braços, que tem as mangas da minha camisa dobradas em meus
cotovelos.
— Discordo, acho que combina com o dourado do meu
Rolex[22]! — Pisco meus cíliosdocementepara ela, debochando do
pano feio. — Estou até pensando em ir com ele na audiência, acho
que fará um bom par com meu blazer.
Aponto para a parte de cima do meu terno, pendurada na
cadeira, rindo para ela. Cristina se levanta, rindo, negando com a
cabeça, caminhando para a pia e me fazendo me afastar. A vejo se
abaixar para pegar uma travessa, olhando para mim.
— Tenho uma teoria! — Ela ergue sua mão, empurrando sua
mecha de cabelo teimosa para trás da orelha. — Stano entrou em
casa, pegou sua mulher no flagra com o suposto amante, aguardou
os dois terminarem o momento íntimoe os matou quando eles
saíram da área de exercício e entraram na casa.
— Teoria falha! — rebatopara ela, pegando a taçade vinho e
levando aos lábios.
Cris me olha perdida e caminha para pertoda mesa, jogando
os legumes na travessa.
— A esposa de Brat estava a quatro metros de distânciado
outro corpo. A não ser que ela tenha entrado e caminhado até o
marido, enquanto o amante ficou parado na porta, vendo a mulher
com quem ele trepava ser assassinada, não tem como eles terem
entrado juntos na casa.
— Ela já tinha sido baleada — Cris fala, pensativa, erguendo
sua cabeça. — Veja, ele ouviu o som do tiro e entrou na sala. O
assassino estava com a arma em mãos, se assustou e matou o
rapaz.
— Correto, isso que pensei. — Seguro a garrafa de vinho
barataque encontreino armário dela, fazendo uma anotaçãomental
de deixar bebidas com mais qualidade dentro desse apartamento.
— O personal morreu porque foi abelhudo. Lugar errado, hora
errada. — Passo meus olhos pela mesa, procurando pela taça de
bebida dela. — Não está bebendo?
O som da tábua de cortar legumes caindo da mão dela, me
faz olhar, sem entender, para seus olhos arregalados.
— Eu tomei remédio ontem à noite por conta do mal-estar.
Prefiro não beber — ela fala rápido, pegando a tábua, indo para a
pia e ficando de costas para mim.
— Posso lhe garantir que é o melhor que faz, até eu não
queria estar bebendo esse vinho de atacadista[23]. — Deixo a taça
no balcão, olhando com desgosto para ela.
— Oh, meu Deus, você pensa antes de abrir sua boca ou
apenas solta todas as bobagens que vêm em sua mente
egocêntrica? — Cris fala, rindo, lavando a louça que está na pia.
— Eu sei, é um charme natural. — Dou de ombros para ela,
indo para perto do fogão, conferir o meu molho. — Acho que mais
um pouco e minha massa italiana vai estar pronta.
— É macarrão, Ariel. — Cris se afasta da pia, parando ao
meu lado, secando suas mãos no avental da minha cintura. Seu
dedo se ergue, indo na direção da panela. Estapeio seu dedo e a
recrimino assim que percebo o que ela pretende.
— Não difame meu pratogastronômico.Se estoufalando que
é massa italiana, então é.
Ela age rápido, levando o dedo para dentro da panela e o
melecando de molho, o sugando rapidamente em sua boca.
— É macarronada, doutor Miller! — Suas sobrancelhas se
arqueiam, me dando um sorriso debochado.
— Agora é, já que enfiou seu dedo curioso dentro do meu
molho — rebato, me virando para pegar minha taça de vinho no
balcão do armário.
Caminho para a sala com poucos passos, devido ao fato do
apartamentoser pequeno, e o olho atentamente:o sofá de três
lugares está de frente para a TV na parede e tem alguns livros
espalhados sobre a mesinha de centro.Minha atenção se retém na
moldura, onde há duas mulheres sorridentes abraçadas. Vejo
Cristinasegurar seu chapéu de formaturacom um grande sorriso na
face jovial, os cabelos estão soltos, destacandoo vestido vermelho
elegante e terrivelmente sexy no corpo. Quem olhar para essa
mulher impecavelmentearrumada, desde a sandália de saltofino no
pé atéa maquiagem em sua face, não encontrarásemelhanças com
a mesma que se encontra na cozinha. Deixo a taça na estantee
pego o porta-retratos,admirando-a de perto. Parece animada.
Observo o brilho de felicidade que tinha em seus lábios pintados de
vinho. Paro perto das cortinas escuras compridas, as abrindo,
observando a porta da varanda fechada. O som dos passos dela,
caminhando rápido para mim, me faz virar. Cristinafecha as cortinas
imediatamente, passando seus dedos agitados em sua saia.
— Está sol lá fora, não quer deixar aberta? — pergunto baixo,
olhando-a.
Sua boca se comprime, com ela negando com a cabeça.
— Esse horário, prefiro elas fechadas. — Seus olhos param
no quadro em minha mão, sorrindo melancólica. — Foi o dia da
minha formatura...
Travo meu maxilar e balanço minha cabeça em positivo. A
moça do porta-retratosestá escondida dentro de Cris, deixando
apenas essa casca frágil que a protege aparece.r
— Estava feliz?
— Sim, muitofeliz. A época da faculdade foi a mais alegre da
minha vida. — Sua voz é um sussurro triste.
Meu ódio pelo seu ex-companheiro só aumenta,sabendo que
foi ele que a transformou nisso, que apagou a vida dela, como se
fosse uma vela sem importância.
— Segure para mim, sim? — Entrego o porta-retratospara
ela, a deixando o guardar de volta no lugar dele.
Giro meu corpo e fico de frente para as cortinas.Minha mão
se esticae segura com força, as abrindo até o fim, destrancando a
porta, as empurrando para fora.
— Ariel... — Cris estica seu braço para me impedir, mas eu
apenas o seguro, apertando sua mão em meus dedos.
A trago para perto de mim, envolvendo meu braço por sua
cintura, a deixando protegida, envolvida por mim, de frente para a
grande porta.
— Por favor, feche a porta. Realmente preciso que feche a
porta, Ariel... — Sua voz é quase um fio de choro, e ela olha
assustada para o meu rosto.
Nego com a cabeça, varrendo com meus olhos a rua e a
pequena praça do outro lado, buscando algum rosto virado para a
janela dela. Quero que ele veja, se ele estiver lá, como eu tenho
certezade que deve estar, escondido como a baratanojentaque ele
é, a espreitando. Quero que ele saiba que ela não está sozinha.
Que ele tenha consciência que ele não é mais o caçador, que ele é
a minha caça. Ergo meus dedos, me virando para ela, segurando
seu rosto em minha mão, a impedindo de se afastar de mim.
— Estou com o arquivo do seu caso, Cristina — falo sério,
acompanhando o ritmo descompassado do seu peito, que sobe e
desce. — Também sei que Renan te acuou na rua ontem, assim
como eu também sei o porquê de você ter medo de ficar exposta
diante dessa janela.
— Você não tinha esse direito. — Suas mãos tentamme
empurrar, ela me olha assustada. — Max me prometeu nunca
mostrar para ninguém aquele arquivo...
— Maximiliano continua com sua preciosa ética intacta,
Cristina. Quem me mostrou foi Pietro. — A puxo pela cintura, a
deixando impossibilitada de fugir. — Você já se escondeu por muito
tempo, minha vênus, está na hora de sair desse casulo, e não
pretendo te deixar mais nem um minuto aí dentro.
Não me privo mais nem um segundo sequer do que
realmente desejo. Minha cabeça se inclina e a beijo com pura
posse. Sinto seu medo, seus dedos agitados que se prendem em
minha camisa, tentandose afastar. Forço meu domínio, aplacando
toda minha fúria e ódio em um único ato. Abraço-a com força com
os dois braços, a tirando do chão, a beijando com uma fome de mil
anos por estar junto a ela. Sua língua se solta, assim como seus
dedos relaxam, presos à minha camisa, devolvendo o beijo na
mesma intensidadecom a qual a tomo.Meu coração bateacelerado
dentro do meu peito, desfibrilado, ganhando um real motivo para se
manter batendo, pulsando sangue pelas minhas veias. Eu morri por
dentro quando perdi minha filha, achando que nada no mundo me
faria voltara desejar viver, mas cá estou,gritandodentrode mim por
uma segunda chance de poder lutar e cuidar de algo que seja meu,
de abrigar ela em meus braços, destruindo qualquer coisa que
possa machucá-la.
Ela é minha, apenas minha, e não vou abdicar dela. Estou
reivindicando o que é meu, e vou lutarpor ela com todaminha fúria,
não deixarei Renan sair ileso se tentar ferir Cristina. Uma das
minhas mãos se solta das suas costas quando sinto seus braços
circularem meu pescoço. Puxo suas pernas para cima, a forçando a
me prender entre elas. Caminho segurando seu corpo, não
afastando minha boca da sua, a beijando com prazer. Suas costas
batem na parede da sala quando a uso para apoiar seu corpo.
Afasto meu tórax do seu apenas poucos centímetrosp, ara facilitar
minha mão de se livrar daquela maldita blusa de lã, a jogando para
o chão. Os olhos mornos dela me olham intensos, brilhando com
luxúria.
— Sua massa italiana? — ela fala, atrapalhada, com sua voz
entrecortada.Enfio minha mão em seu quadril, abaixando o zíperda
minha calça, libertando meu pau.
— É só a porra de um macarrão!
Colo meus lábios aos seus, tendo a fome que consome meu
corpo muito além do que o espaguete poderia saciar. Meu desejo é
por ela, por seu corpo, por sua essência, por tudo que essa mulher
me desperta. Empurro sua saia para cima, segurando sua calcinha
com meu dedo, a empurrando para o lado, e é de forma animalesca
que me afundo forte e duro dentro da sua boceta, estocando meu
pau tão fundo, como se a pudesse pregar na parede.
— Ariel... Oh, meu Deus! — Ela solta meus lábios, gemendo
alto, me recebendo dentro do seu corpo.
Beijo seu queixo, arrastando minha boca por cada canto da
sua pele, mordendo sem raciocínio seu pescoço, movendo meu
quadril para trás, apenas o suficiente para voltar implacável meu
pau em sua boceta.Minha mão se espalma na parede, ao lado do
seu rosto, com a outra esmagando sua coxa, a fodendo com
tamanha urgência, sabendo que nada me faz me sentir tão vivo
quantoestarenterrado,a fodendo atéminhas bolas colarem em sua
pele quente. A cada bateria desregulada de estocadas frenéticas,
tão intensas e insanas quanto minha mente, e a cada gemido que
escapa dos seus lábios, colados em meu rosto, com suas mãos
presas em meus cabelos, mais necessitadoeu fico. Não é sexo, não
é a porcaria de uma foda, é a mais carnal urgência que minha alma
pede. A tomo com fúria, como um animal sem raciocínio, que
apenas precisa a marcar. Cristina trava suas pernas em minha
cintura, apoiando seus calcanhares em minha bunda, o usando
como alavanca para duplicar o impacto das estocadas, me
cavalgando com a mesma lascividade com a qual a fodo. Essa é
minha mulher, essa é a criatura selvagem e libertina que me
prendeu a ela dentro daquele quarto de hotel.
— Ohhhhhh... — Sinto seus dentes morderem meu ombro,
com ela me engolindo por completo.Meu pau escorregadio desliza
por sua boceta molhada para fora do seu corpo, voltando mais
agressivo.
Fecho meu punho na parede, alavancando seu corpo com a
força do meu quadril, que se choca com o seu. Meus dedos em sua
coxa, atracados em sua pele, a comprimem, retirando novos
gemidos da sua garganta quando ela se liberta, gritando pelo meu
nome, gozando com euforia, lavando meu pau com seu esguicho e
me fazendo me sentir a porra de um imperador prepotenteque
chegou ao topo do mundo. Seu corpo trêmulo convulsiona e aperta
as paredes quentes da sua bocetano meu pau, que está tão fundo
dentro dela, ao ponto de fazer minha mente explodir. Sinto quando
meu gozo chega, tendo um breve momento de lucidez em meio ao
nirvana que me engole, saindo de dentro dela. Colo minha face
entre seus peitos, ouvindo seu coração disparado, enquanto meu
pau pulsa, soltando os jatos da minha porra na parede. Meu corpo
todo, cortado pela corrente elétrica, desencadeia por completo
minha adrenalina. Ergo minha face para a sua quando os tremores
diminuem, me perdendo em seu olhar carinhoso. Beijo seu queixo,
esfregando meu nariz em sua garganta, ouvindo o suspiro suave
que ela solta. Sua pele suada está colada à minha camisa e
escorrego suas pernas molengas ao redor da minha cintura. A
seguro, mantendo seu corpo preso ao meu, protegido de uma
queda, respirando com força. Sorrio, fechando meus olhos.
— Mais um pouco e eu não teria conseguido tirar meu pau a
tempo. — Rio para ela, balançando a cabeça para os lados, me
sentindoum calouro de faculdade, que acaba de metercom vontade
dentro da sua garota. — Em nossa primeira noite, tudo foi tão
explosivo e ardente, e ainda teve aquelas garrafas de vodca que
tomamos. Não me lembro se te perguntei se toma algum
contraceptivo.Se quiser, posso comprar uma pílulado dia seguinte
por precaução. Acho que mesmo eu tirando agora, acabou ficando
um pouco de esperma dentro de você...
Me calo ao ouvir o som baixo do soluço que escapa dos seus
lábios. Meus olhos se abrem e me deparo com Cristina chorando.
— Eu te machuquei? — pergunto, me sentindo inseguro.
Estava com tantasaudade de tê-la em meus braços, afoito
apenas por aplacar minha necessidade de marcá-la como minha,
que foi inevitável a possuir com tamanha aspereza pelo tantode
adrenalina que corria em minhas veias.
— Não era para tersido assim, eu a queria como ainda quero
agora, apenas perdi o controle. Não tem ideia de como desejei ter
você de volta em meus braços desde aquela noite do hotel.
O choro aumenta,ficando cada vez mais forte.Seu rostoestá
lavado em lágrimas, os olhos de coruja tristes se fecham,
escondendo sua face em meu pescoço, me fazendo me sentir
perdido, não compreendendo o motivo dela chorar com tanta d.or
Capítulo 15
Anjo protetor
Cristina Self
Abro meus olhos com preguiça e enxergo a noite que toma
conta do quarto. Meu rosto tomba do travesseiro e olho o espaço
vago ao meu lado. Me mexo na cama, ficando deitada de lado, e
estico meu braço, percorrendo minha mão, alisando o lençol
amarrotado, marcado pelo corpo grande do homem que estava
deitado aqui. Seu cheiro masculino ainda paira dentro do quarto,
assim como em minha pele. Suspiro vagarosa, levando meu braço
para cima do meu rosto e tapando meus olhos.
— O que foi fazer, Cristina?!— me recrimino baixinho por ter
abaixado por completo a guarda diante de Ariel.
A urgência como me tocou,a necessidade como meu próprio
corpo respondeu a ele, tudo nebulou minha mente, meu raciocínio, e
o amei com pura devassidão, não me importandocom nada além de
ser sua. O medo, o pavor, a ansiedade, tudo se silenciou. Apenas
uma mulher apaixonada, vibrando nos braços do homem que
deseja, se fez dentro da minha sala. E foi por isso que quando sua
voz falou tãonaturalmente,que as palavras pesaram dentrodo meu
coração. Tinha que ter tomado a pílulado dia seguinte dois meses
atrás, agora não adiantava mais, mas como eu poderia pensar
nisso? Acreditava que nunca poderia ser mãe, então nem me
preocupei.
Hoje eu estava em seus braços, o amando perdidamente,
sendo que dentrode mim duas vidas estãosendo geradas, e eu não
tenho nem ideia de como contarpara Ariel. Ele me desarmou com
sua forma presunçosa e cínica, com piadas sacanas, que tiraramde
mim o amedrontamento que eu estava desde ontem, quando
encontrei Renan. Essa nova face de Ariel, tão íntimo,invadindo
minha cozinha, revirando minhas sacolas, enquanto tirava seu
blazer, falando todos os tipos de disparates, que apenas ele
consegue falar, me deixou à mercê dele, pois, de alguma maneira,
sua presença me pareceu tão familiar, tão desejada em minha vida
solitária, que me perdi.
Ainda sintomeu corpo dolorido, tendocada músculo, juntase
nervos se deleitando por terem sido usados de forma devassa em
seus braços. De um ataque brusco e selvagem, me tomando com
lascividade colada àquela parede, ele virou um guardião proteto,r
que me abraçou forte, me consolando do choro triste que me
golpeava, sem ter noção que eu não chorava porque ele tinha me
amado da melhor forma que eu já fui tomada em minha vida, eu
chorava por não saber como ele aceitará a notíciade que vai ser
pai. E mesmo assim, fraca, demonstrandominha fragilidade, ele não
me afastou. Ariel me acolheu em seus braços, caminhando para o
quarto, soltando meu corpo apenas depois que me depositou na
cama. Tapei meu rosto para abafar meus soluços, tão dispersa em
minha dor, que nem senti seus dedos me despindo, e muito menos
percebi em qual momento ele saiu do quarto para desligar as
panelas do fogão, ou quando se livrou da sua própria roupa. Apenas
me segurei em seus ombros, o abraçando com força, quando seu
corpo se juntou a mim na cama. E morri a cada segundo que suas
safiras me encararam, parecendo um menino perdido, se culpando
pelas lágrimas que rolavam por minha face. Talvez tivesse que ser
ali, naquele breve segundo, enquanto ele me confortava, que eu
devia ter tido coragem de lhe confessar meu segredo, mesmo
sabendo que me destruiria se ele tirasse meus filhos de mim. Mas
eu fui fraca, me rendi à minha covardia, me deixando esquecer
todas as minhas dores no beijo calmo que ele me deu. Meu anjo
perverso que me presenteou com mais uma nova faceta entre
tantas que ele tem.
O suor está transpirando por minha pele, colando meu cabelo
bagunçado em minha face.Meu coração e minha respiração estão
completamente acelerados, apressados, como se estivesse parada
diante de um penhasco. Ariel se move em um ataque seguro,
parando seu corpo sobre o meu, deixando seu rosto próximo à
minha face. Seus olhos me fitam diretamente, com seus cabelos
dourados revoltos por meus dedos, que os desalinham. Tão perfeito
na mais controversa beleza brutal, um anjo ou demônio. Eu não sei
como lidar com Ariel, estou completamente rendida a ele. Meu corpo
implora por ser amado por ele, exigente por seu toque, ansiando por
tê-lo dentro de mim, me tomando até não restar mais nenhuma dor
em minha alma. E como um anjo benevolente, que lê os pedidos
mais secretos da minha alma, não preciso esperar por muito tempo.
Sua face para na lateral da minha. Ele flexionaseu tórax nu para
cima, impulsionado seu quadril para frente, e sinto seu pau entrar
dentro de mim, sem pressa, me torturando a cada centímetro que
sou preenchida. Meus olhos vão em busca dos seus, segurando seu
rosto, precisando olhar para ele. Ariel vira sua face,beija minha mão
antes de cravar os dentes na pele, se enterrando por inteiro dentro
de mim quando seus olhos se abrem, ficando cruzados com os
meus. Avisto a luz da luxúria que queima tão fortemente dentro dele,
e sei que é a mesma que incendeia dentro de mim.
— Eu não quis machucar você. — Sua voz é rouca, com seu
peito se estufando a cada ar que ele suga para seus pulmões.
Ariel move seu quadril, retirando seu pau de dentro de mim,
voltando a me foderlento e profundo.Gemo com prazer, apertando
minha mão em seu braço, afastandominhas pernas da cama, para
que eu possa o ter mais colado a mim.
— Quero isso de você. Seus sons, seu sabor, seu prazer,
seus arrepios e tremores, me deixando ver sua facetão expressiva
quando se entrega para mim.
Seu corpo repete os movimentos, me fazendo cair entre o
prazer de estar sendo tomada por ele e a depravação do meu ser,
que precisa de mais.
— Ariel... Ohhh!
Seu corpo se abaixa, colando seu peitoral em meus seios, os
comprimindo. Sinto o gosto dos seus lábios me drogando, não tendo
nada mais real do que esse segundo em seus braços. Sua língua
invade minha boca, trazendo mais desejo ao meu corpo com seus
beijos quentes, e acelera o ritmo do seu quadril, me fodendo com
mais propriedade. Meus gemidos se silenciam entre nossos beijos,
minhas mãos rodeiam suas costas, me colando mais a ele, o
abraçando com força.Seus lábios se separam dos meus, descendo
para meu pescoço, mordiscando, beijando com paixão. Ariel ergue
seu tórax e seu corpo se afunda com pressão dentro de mim.
Minhas unhas cravam em sua pele, e seus olhos se mantêm presos
aos meus. Suas estocadas aumentam. Rápido, forte,me esticando,
fodendo muito além do que apenas minha boceta, mas a minha
mente. Sinto meu corpo ser consumido por uma corrente elétrica,
que vai se expandindo cada vez mais. Enlaço minhas pernas em
sua cintura, colando minhas coxas na lateral do seu corpo. Com
uma das suas mãos, Ariel me prende por baixo de minha cintura,
fazendomeu corpo ficarainda mais cativo a ele. Meu anjo devasso
acelera as investidas, soltando toda sua energia em cada
penetração, e minha cabeça explode quando o orgasmo me pega,
me jogando para o abismo. Meus músculos se apertam mais em
torno do seu pau, fazendo meu corpo entrar em erupção com o
orgasmo que me rasga. Minhas mãos se prendem em seu rosto,
trazendo-o para mim, o beijando com abandono, o levando para a
queda junto comigo. Ariel me fode com mais força,se enterrando
uma última vez antes de sair de dentro de mim. Sinto seu corpo
trêmulo, enquanto seu pau jorra sua porra em cima da minha
barriga, me melecando a cada pulsar do seu corpo.
E é com meu coração acelerado e minhas pálpebras ficando
pesadas depois que ele retorna do banheiro, trazendo uma tolha
umedecida e me limpando, que vou me concentrando apenas no
som rouco da sua respiração. Com ele deitado ao meu lado, me
abraçando com pressão, adormeço. Seus braços me prendem a ele,
e toda falta de sono por medo, que tive nos últimos dias,
desaparece quando me sinto protegida em seus braços.
Um anjo, um demônio ou um protetor? Eu desconheço a
verdade.
Mas, nesse momento, nada mais tem importância.
Me sento na cama e esfrego meu rosto, batendo meus pés
lentamente no piso do quarto. Solto um espirro, que me pega
quando o ar da janela abertame acerta.Coço a pontado meu nariz
e olho para lá. Ariel deve ter a deixado aberta, e o gato da vizinha
andou passando por aqui. Espirro outravez, direcionando meu olhar
na direção da porta do quarto aberta. Levanto e caminho para o
armário, pegando uma camisa dentro dele e a vestindo. Ando para
fora do quartosilenciosamentee vejo a cozinha arrumada. O relógio
da parede me mostra que dormi a tarde inteira, já que passam das
19h30. Caminho sonolenta pelo apartamento, avistando um
pequeno bilhete sobre a mesa da cozinha, e reconheço a caligrafia
de Ariel, que se destacaem um tomazul sobre a folha branca, com
uma singela, mas impactantefrase, que tornao meu mundo seguro.
Já volto!
Esfrego minha nuca, virando meu rosto para a sala, e vejo a
janela da varanda fechada, com as cortinas abertas. Caminho
lentamente para lá, apertando seu bilhete em minhas mãos.
Observo a noiteestreladado lado de fora, com o céu tãobelo. Meus
olhos repousam para o local onde o veículo dele ainda está
estacionadodo outrolado da rua, de frentepara o prédio, e suspiro,
sem terideia do que vou fazer. Ergo minha mão e mordo o cantinho
da minha unha, me recordando das palavras de Max dentro do
elevador. Elas martelam forte em minha cabeça, de forma pesada,
me estrangulando o coração.
— Ariel não é o tipo de homem que vai querer se envolver,
Cris. Não tem ideia do que ele fez com Silvia. Ele vai lhe
estraçalhar...
Quem é Silvia?
Um ex-amor, uma mulher importanteem sua vida? O que
Ariel fez de tão abominável para ela que causou o repúdio de Max?
Ontem eu estava tão abalada quando Max me trouxe para casa, que
nem me atenteia isso, e agora me sinto perdida. Porque o homem
que me amou em minha cama essa tarde,não parece ser o mesmo
homem frio de olhos safiras que Max me advertiu para ter cuidado.
— Onde você foi se meter, Cristina? — sussurro,
completamente perdida
Mas, dentrode mim, eu sei que não posso esconder mais do
Ariel sobre os bebês. Terei que enfrentar sua reação, independente
de qual seja. Não posso prolongar mais o segredo. Me giro e volto
para o quarto, caminhando a passos decididos. Vou contarpara ele
sobre os bebês, talvez ele entenda que não fiz por maldade, que
não penso em lhe dar um golpe e muitomenos tenhopretensãoem
prendê-lo a mim. Eu só quero meus filhos, poder cuidar deles.
Mostrarei o exame de gravidez e a ultrassonografia, e que seja o
que Deus quiser.
— Merda! — Coço meu nariz e solto outro espirro assim que
volto para o quarto.
Caminho diretopara a janela e a fecho. Meus olhos param na
rua escura sem ninguém. Respiro com força, me negando a sentir
ansiedade agora. Não agora! Ando pelo quarto, tendo a luz do
corredor iluminando um pouco o ambiente, e empurro a porta do
banheiro. Espirro com mais força, sentindo agonia pela sessão de
espirro alérgico que me pega.
— Oh, droga! Esse gato entrou dentro do meu quarto. —
Puxo a gaveta do armário do banheiro, tentandoencontrar meus
exames. Assim que seguro os documentos, espirro outra vez,
cambaleando para trás.Sintomeu pé escorregadio pela viscosidade
líquida no chão do banheiro, como se eu tivesse pisado em uma
poça de água. — Mas o quê?! — Ergo meu pé, olhando para o
chão, sem entender de onde está vindo o vazamento.
Meus dedos se esticam e aperto o interrupto.r Acendo a luz
do banheiro e olho para o chão. A grande poça vermelha de sangue,
na qual eu piso, mancha o chão por inteiro.Olho a mancha vindo de
dentrodo boxe e sintomeu corpo frio, com minhas pernas perdendo
forças a cada segundo. Estci o minha mão e empurro a cortina do
boxe.
— OH, MEU DEUS! — grito apavorada, vendo o pobre gato
da minha vizinha pendurado pelo rabo, com a mangueira do meu
chuveirinho no ferro do chuveiro, com seu pescoço cortado.
Ando atrapalhada, com meus pés melados de sangue, e
escorrego quando tentofugir do banheiro. Meus dedos se seguram
na pia para eu não cair. E é ao olhar para o espelho, lendo a palavra
escrita com sangue no vidro, que meu corpo desaba no chão, em
meus joelhos. Engatinhopara fora do banheiro, gritandoapavorada,
chorando de medo, me segurando ao batenteda porta para me
levantar. A luz do quarto acesa me faz erguer a cabeça para Ariel,
que entra como um furacão, parando seus olhos em mim.
— Cris!
Estico meu braço para ele, derrubando os exames no chão,
sentindo a pontada de dor que me acertano ventre. Retraio todo o
meu corpo com a cólica forte, que me rasga como uma faca
invisível. As batidas do meu coração pulsam desregular a cada
lufada de ar, tanto que vai se tornando difícil respir.ar
— Meus bebês... Meus bebês... — Seguro minha barriga,
olhando para minhas pernas, vendo meus joelhos sujos de sangue.
— MEUS BEBÊS! EU TÔ PERDENDO MEUS FILHOS, ARIEL!
Tudo é tão frio, tão lento, enquanto meu corpo vai se
inclinando para o lado, perdendo as forças dos movimentos. O
grande corpo me pega antes de eu tocar o chão. Vejo os mesmos
olhos que me amaram parando a poucos centímetrosdo meu rosto,
se expandido, trocandoas safiras por um azul-escuro, enquantome
segura em seus braços, interrompendo a queda.
— Meus bebês... — Minha voz é um murmúrio, com os
pensamentos ficando vagos, tendo minha mente sendo invadida
apenas pela mais sombria escuridão e medo.
Capítulo 16
Atenuante
Ariel Miller
— A caixa torácica dela não suportou a colisão com o painel
do veículo no momento que ocorreu a abatida.
Tapo minha boca, mordendo o mais forte que posso minha
mão, abafando minha dor dentro do necrotério.
— Ela foiarremessada do banco de trás para a parte frontal
interna do carro. Sua morte foi instantânea. Lamento por sua perda,
senhor Miller.
Meus dedos acariciam seu rosto pequeno tão frio, retirando
seus cabelos da sua face, enquanto tombo meus joelhos no chão,
ficando ajoelhado ao lado dela, morrendo junto com minha filha.
Sinto meu coração ser arrancado de dentro do meu corpo, privado
de seus olhos alegres, da sua facerisonha, que agora é apenas o
aspecto do adormecer eterno.
— Foi uma grande fatalidade. Sei que não serve de consolo,
ainda mais nesse momento, mas o senhor e sua esposa são novos,
poderão, quem sabe...
— CALE-SE, pelo amor de Deus! Antes que eu lhe mate
dentro dessa sala! — grito com ódio, urrando como um animal
ferido, que perdeu a parte mais importante do seu corpo.
Seguro sua mão pequena entre as minhas, a beijando, não
querendo acreditar que nunca mais terei ela em meus braços, que
não ouvirei sua doce voz. Na minha vida, nada pôde me preparar
para perder minha filha. Nem a condenação da minha alma no
inferno pela eternidade me faria sofrer o tanto que estou sofrendo
agora. Me deixo ficarcaído,ajoelhado ao seu lado, chorando, sem
consolo algum que possa me acalmar a alma. E por quatro horas
seguidas, me mantenho aqui, ao lado dela, odiando a Deus por ter
me presenteado com meu pequeno anjo apenas para tirá-la de mim
de formatão fria. Excomungo minha fé,meus sonhos, me odeio, me
amaldiçoo por não ter a protegido. Nessa hora, nada me parece ter
valor, nem importância, nada. Nem todo o dinheiro que tenho no
banco, nem minha carreira, carros, casa, nada que eu tenho trará
minha filha de volta. Meu corpo se levanta inerte, sem alma, tão
robótico e apático como minha vida se tornará de agora para frente,
olhando meu bebê sobre a maca fria.
— O senhor gostaria de saber alguma notícia sobre sua
esposa, senhor Miller? — A voz do médico é baixa, parando ao meu
lado.
— Silvia está morta? — pergunto com a voz quebrada. As
lágrimas secaram em meu rosto, enquanto eu olho minha filha.
— Não, sua esposa...
— Então não tem nada que eu queira saber sobre ela. —
Estico meu braço, alisando o rosto frio sem vida da minha filha,
olhando para ela como eu fazia todas as noites, quando chegava
em casa e a encontrava dormindo no berço. — Gostaria que nos
deixasse a sós, doutor.
Meu coração congela, não tenho mais nenhum motivo para
pulsar com vida dentro de mim.
Seguro o exame em meus dedos, olhando para o estranho
esboço da imagem, não sendo nada mais do que dois pontos,que o
médico circulou com a caneta.
— Ela está estável agora, senhor Miller. Tanto ela como os
bebês. — Ele sorri para mim, amistoso,falando com a voz calma. —
A pressão arterial disparou.
— O sangramento era todo dela ou do gato?
— Não era dela, o sangue em suas pernas era do felino. Pelo
que o senhor me relatou, foi um grande susto para ela, o que
acabou disparando a pressão arterial. O senhor gostaria de entrar
para ver sua companheira? Ela está adormecida, mas, se quiser,
pode ficar ao lado dela.
Apenas balanço minha cabeça em positivo,tendoas palavras
bloqueadas dentro da minha garganta. Seguro firme o papel,
seguindo o médico, que me conduz para a porta do quarto, onde
Cristina está hospitalizada.
— O senhor agiu rápido ao trazer ela direto para nós, alguns
papais de primeira viagem acabam entrandoem pânico — o médico
fala baixo, abrindo a porta do quarto.
Respiro fundo, pousando meus olhos em Cristina, que está
deitada na cama hospitalar. Os fios de soro estão ligados em suas
veias, e ouço o som dos bipes dos aparelhos, que medem e
controlam os batimentoscardíacose sua pressão. Não respondo
para o médico que não sou pai de primeira viagem e que não sabia
sobre a existência dos meus filhos até uma hora atrás.
— Vou deixar vocês a sós — fala calmo, se virando para sair
do quarto.
— Obrigado.
Espero ele fechar a porta atrás de mim e caminho para perto
dela, olhando sua face adormecida, que não traz a mesma dor e
medo que estavam em seus olhos quando entrei no quarto, a
encontrando gritando apavorada. Se fechar meus olhos, ainda
posso enxergar sua mão esticadapara mim, enquantosegurava seu
ventre, implorando pela vida dos bebês. Não precisei ser um gênio
da matemática quântica quando o médico me contou de quantas
semanas Cristina está grávida. Os bebês que crescem dentro da
sua barriga são meus. E, por um instante,a sensação de perder
algo que tinha acabado de descobrir me acertoucomo dois punhos
fortes e certeiros em meu estômago, destrancando memórias
antigas e dolorosas, que havia detido dentro da minha mente. A
mancha vermelha de sangue do animal ainda está em minha camisa
e ainda posso sentir o suor frio do rosto de Cristina na ponta dos
meus dedos. O chão do banheiro ensanguentado,o gatopendurado
no chuveiro. O filho da puta ainda escreveu vagabunda no espelho
dela. Eu tinha saídopor dez minutos, dez malditos minutos, para ir
até o meu carro, que estava estacionado do outro lado da rua, na
frente do seu apartamento,que começou a disparar o alarme sem
parar. Isso foi o suficientepara ele invadir o quartodela e a ver nua,
adormecida na cama. Dez minutos que quase me custaram meus
filhos e Cristina! Desço meu olhar por seu corpo, parando em cima
do seu ventre, sentindo meu coração tão apertado e minha alma se
enchendo de ódio profano a cada segundo que observo seu corpo
em cima dessa cama.
— Por que não me contou,Cristina?— sussurro, perdido em
meus pensamentos, tentando compreender por que ela não me
falou que estava grávida.
O vômito no escritório, as manias dela de fugir dos
elevadores, a expressão abatida e cansada, tudo vem em minha
mente, se formando como uma quebra-cabeça. A porta do quarto
sendo aberta me faz olhar para Pietro, que passa apressado,
olhando para mim.
— Como ela está?
Meus olhos não param nele, mas sim em Maximiliano, que
caminha preocupado atrásdo irmão. AfastoPietroda minha frentee
prendo meus dedos no ternode Max, o empurrando contraa parede
e estourando suas costas com raiva.
— Sabia a verdade, não é?! — Empurro com mais força,
mantendo meus dedos presos em sua roupa, mesmo com ele
tentando se desvencilha.r
— Me solta, porra!
— Me responda, filho da puta! Sabia que Cristina estava
grávida, e mesmo assim não me contou! — rosno com ódio a
centímetrosda sua face, estourandoseu corpo outravez na parede.
— Não era eu que tinhaque teconta,r Miller! — ele gritacom
raiva, enquanto Pietro me puxa para trás, tentandolivrar seu irmão.
— Cristinatinhaque tecontar, cabia a ela contarpara você. — Solto
sua roupa com ódio, querendo socar sua cara maldita. — Se ela não
te contou, a pergunta que devia fazer para si mesmo é: o que a
levou a preferir omitir a gravidez ao invés de lhe contar a verdade?
— CRETINO DE MERDA...
— Parem os dois! — Pietro entra na frente, me olhando
nervoso, respirando fundo. — Imagino o que deva estar sentindo
com essa notícia, mas ter uma explosão de raiva não vai ajud.ar
Não, ele não tem ideia de como eu estoume sentindo.Estou
sendo levado por uma gangorra do céu ao inferno, sentindo todas
as emoções que trancafiei por anos dentro de mim aflorarem com
ardor, sem tercontrolesobre elas. O som dos aparelhos bipando me
fazem virar para Cristina, a olhando preocupado. Respiro fundo e
observo a atrapalhada mulher que bagunçou minha vida em todos
os sentidos, deitada na maca, tão frágil, não lembrando em nada a
criatura doce e sensual que passou a tarde em meus braços.
— Ariel, como ela está? — Pietro coloca a mão em meu
ombro, parando ao meu lado. — Aconteceu algo com o bebê?
— Bebês... — falo baixo, deixando a palavra sair pela
primeira vez da minha boca. — Cristina está gravida de gêmeos. —
Olho para ele confuso, balançando minha cabeça. — Vou ser pai de
gêmeos, Pietro, gêmeos...
— Gêmeos? — Max fala baixo, olhando para a cama.
— Seu filho da puta sortudo, não acredito que acertou dois
tirosde primeira! — Pietrobateem minhas costas,rindo para mim e
virando seu rosto para Cris. — Estou feliz por vocês, meu amigo,
realmente estou feliz!
Nunca imaginei sentir essa emoção outra vez, nunca me vi
sendo pai de novo. Havia trancafiado essa palavra dentro de mim,
junto com as lembranças dolorosas, mas agora, olhando para Cris,
compreendo que não consigo parar de pensar que fizemos nossos
filhos naquela noite, embriagados dentro do quarto do hotel.
— Eu vou ser pai.
Me afastode Pietroe caminho para pertoda cama, esticando
minha mão, repousando-a sobre a barriga de Cristina, me
permitindo pela primeira vez tocar seu ventre conhecendo sobre a
existência dos meus filhos. Ergo meus olhos para ela, e dentro de
mim sei que vou caçar esse filho da puta até dentro do inferno.
— Vou acabar com Renan Pener, Pietro. Vou fazê-lo se
arrepender amargamente por ter machucado ela — falo baixo,
deixando o ódio profano sair da minha boca. — Mato esse homem
com minhas próprias mãos, se for preciso, mas ele vai se
arrepender.
O som das batidas na porta me faz olhar para lá. Logo ela é
aberta, me deixando ver o policial que chama por mim.
— Doutor Miller, sou o investigador responsável pela
ocorrência na residência da senhorita Self, poderia me dar um
segundo do seu tempo?
Olho para Cristina, relutando em deixá-la, mas será
necessário. Bobe chamou a polícia,tinhafeitoo que mandei quando
desci às pressas do apartamentode Cristina, com ela desmaiada
em meus braços.
— Sim — respondo para ele, caminhando para a porta,
sendo seguido por Pietro.
— Já foram atrás do responsável? — Pietro pergunta sério
para o policial, parando no corredor, do lado de fora da porta do
quarto de Cristina, cruzando os braços sobre o peito.
— Não, ainda não temosnada, o caso é muitoatenuante[24].
— Atenuante? — pergunto sério para ele. — Acha que
invasão de propriedade, maldade com um animal, o qual foi
degolado de ponta-cabeça,preso dentrodo banheiro dela, com uma
palavra agressiva escrita no espelho, claramente sendo uma
ameaça e coação para uma mulher grávida, é atenuante?
— Não estou dizendo que não estamos dando importânciaa
esse caso, doutor Miller. Mas não tem arrombamento, não teve
invasão. As câmeras de segurança não pegaram ninguém estranho
no prédio, e, infelizmente, a lateral do prédio não tem segurança de
câmeras nas escadas de incêndio.
— Filho da puta! — rosno com ódio, esfregando meu rosto.
Pietro balança a cabeça em negativo, olhando para o policial.
— A senhorita Self tem uma medida protetivacontraseu ex-
companheiro, a qual ele não cumpre, então me diga, qual prova
precisa para ir atrás dele?
— É apenas uma suposição, ninguém o viu no prédio,
perguntamos para os vizinhos, revisamos as filmagens.
— Inacreditável,inacreditável!— Pietro resmunga com raiva,
olhando para mim.
— Passei apenas para lhe assegurar que vamos investigar
esse caso a fundo, doutor Mille.r
— Eu percebi — respondo irônico, olhando sério para ele.
Capítulo 17
Irrevogável
Cristina Self
— Está com fome, sede, quer algo?
— Não, eu estou bem... — Estalo meus dedos, os apertando
um a um, observando minha mala ser depositada lentamenteno
chão. — Por que eu não estou no meu apartamento?
— A polícianão liberou ele ainda, e não é seguro para você
ficar lá. — Ariel atravessao grande quarto,se encaminhando para a
janela, abrindo as cortinas bordô.
Observo o grande quarto com carpete creme no chão, a
cama de casal arrumada ao canto,com o guarda-roupa combinando
com a cabeceira da cama.
— Ali fica o banheiro, o guarda-roupa pode usar para guardar
suas coisas.
Ele não olha para mim, nem sequer me dirige as palavras
diretamente.Seus olhos passam por todo o cômodo, menos em
minha face. A única vez que Ariel me olhou diretamentenos olhos e
manteve o mais humano e brando contatovisual comigo, foi no
domingo de manhã, quando eu despertei, e ele estava sentado na
cadeira, ao lado do leito da minha cama. Sua face se abaixou,
recaindo sua atenção para o meu ventre, me deixando saber que
ele enfim tinha descoberto sobre a gravidez. Sua voz foi baixa
quando me falou que estava tudo bem comigo e com os bebês. Eu
tinha me preparado, de certa forma, para qualquer tipo de reação
que ele tivesse: explosão de raiva, grito, seu cinismo e até
aceitação,que eu tinhaesperança que iria haver, mas a única coisa
que eu não tinha previsto foi seu totalsilêncio. Ainda fiquei vinte e
quatroshoras em observação no hospital,atéo médico me dar alta,
e qual não foi a minha surpresa quando a portado quartofoi aberta
na segunda-feira por Ariel, taciturno, segurando uma mala minha em
seus dedos. Ele não foi para meu apartamento,e muito menos
ouviu meus protestosquando disse que queria ir para a casa da
minha mãe, que estaria segura lá. Ele me trouxe para a residência