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Published by cleysongama05, 2022-01-09 20:01:15

Ariel - Do Céu ao Inferno

Ariel - Do Céu ao Inferno

Arcanjo negro

Ariel Miller

O som dos pneus do meu carro freando bruscamente em
frente à calçada do bar noturno no centroda cidade, faz o pessoal
se assustar, pulando para trás. Greg tragaum cigarro, encostadona
parede, do lado de fora, e olha para mim preocupado. Ele se
desencostada parede e joga seu cigarro no chão, pisando em cima,
esfregando suas mãos uma na outra.

— Onde ele está?— Batoa portado carro com força quando
saio dele, encarando Greg. Seu dedo se ergue, apontando para
dentro da boate.

— Quarto quinze, com uma prostituta.

Meus punhos se fecham, enquanto toda adrenalina entra no
meu corpo, fazendo meu coração bombardear em velocidade
extrema.

— Não achei que iria querer vir pessoalmente quando me
ligou, pedindo para rastrearo engomadinho, pensei que desejava só
algumas fotos. Vai querer conversar com ele?

— Podemos dizer que sim! — Respiro com força, esmagando
minha boca, me dirigindo para a entradada boate.— Pode ir, daqui
eu comando.

Retiro a grana do meu bolso e entrego para ele, o
dispensando. Greg precisou de apenas quarenta minutos para me
passar a informação que eu precisava depois que liguei para ele,
pedindo para encontrar Renan Pener. O achou dentro de uma
espelunca nojenta, que pertence a um dos meus clientes. Há uma
pequena regalia quando se defende homens inescrupulosos,
independentementede seus negócios. Se você os livra do corredor
da penitenciária máxima, você faz muito mais que clientes felizes,
faz aliados. E um bom advogado criminalista sabe quais são os
clientes que podem ser úteis futuramente. O corpulento homem
careca, parado na portada boate,com os braços cruzados, que me
encara enquanto ando para ele, não precisa de muito tempo para

me reconhecer, já que Greg o tinha alertado que eu estava a
caminho. Ele estica sua mão para mim quando me aproximo, me
cumprimentando.

— Boa noite, patrão Miller, seu GPS se perdeu por esses
lados da cidade? — A grande barriga dele balança, passando a mão
pelo rosto. — Ou resolveu finalmente conhecer minhas meninas?

— Tem alguém dentro do seu estabelecimentocom quem eu
preciso conversar, Bosh! — Minha voz sai ríspida, enquanto o
encaro. — Em particula.r

— Isso não vai me dar dor de cabeça, patrão? Tenho que
ganhar pelo menos alguma coisa. — Ele ergue sua outra mão,
passando por sua cabeça careca, olhando para mim. — Eu ainda
estou em liberdade provisória.

— Sabe que eu posso tirar sua liberdade provisória com a
mesma facilidade que eu a consegui para você, não é? — Mantenho
meu apertofirme em sua mão, não a soltando,espumando de raiva
por minha boca. — Posso lhe garantir que o juiz não será brando
dessa vez, quando souber que está aliciando menores de idade
para se prostituir nesse lixo de casa noturna.

Solto sua mão enquanto ele xinga baixo, olhando para trás
dele. Sua cabeça balança em positivo para um dos seguranças,
confirmando minha entrada.

— Tenta pelo menos tirar aquela vadia da assistência
penitenciária do meu pé. — Ele se afasta, apontando para a porta.

— Quarto quinze? — pergunto com raiva.

— Segue até o bar, vire à esquerda, primeira porta à direita.

Passo reto por ele e caminho com raiva, olhando o corredor
escuro, com luzes neon piscando. Ao fim, a porta branca é aberta,
me levando para dentro do miserável cubículocom música alta e
cheiro de cigarro misturado com odor de corpos suados. Vejo
mulheres nuas transitando pelo salão, ao fundo os clientes
observam as dançarinas fazendo striptease em cima da mesa.
Encontroo bar e vou direto para ele. Minha mente se desliga, nada

me acalma, ainda tenho o cheiro do corpo dela colado em minha
roupa, seu rostoabatidodentrodo hospital,com os olhos vermelhos
de choro, olhando fixamente o teto do quarto da sala de
emergência.

Foi Bete quem a encontrou caída dentro da sala e a levou
direto para o hospital. A maldita caixa de presente ainda estava em
cima da mesa do meu escritório quando eu entrei em busca dela,
recebendo a notíciaque Cristina estava internada e teve o começo
de uma hemorragia. O maldito julgamento tinha me tomado
praticamente o dia todo. Stone saiu livre da acusação de
assassinato, por conta do álibi mentiroso da sua assistente. Eu
apenas queria vê-la, queria esquecer esse maldito caso e nunca
mais olhar na cara de Stone. Voltar para Cristina, isso foi tudo que
pensei durante cada segundo dentro daquele tribunal. Mas eu perdi
o controle quando soube do que aconteceu.Há poucas coisas que
me deixo governar, e minha raiva é uma delas, porque tenho
consciência dos estragos que faço quando a liberto, mas nada me
controla nesse momento.

A portado quartosendo estourada pelo meu chute,assustaa
prostitutaq, ue pula da cama, correndo para o cantoda parede. Olho
o homem pelado, que de forma patéticaestufa seu peito a cada
respirada, me observando com raiva.

— O que pensa que está fazendo?

Olho para a garota de programa, balançando minha cabeça
na direção da porta, a ordenando sair. Ela passa ligeira, de forma
assustada. O corpo negro, com cabelos bagunçados, recorda
Cristina, o que me faz sentir o dobro de raiva. Caminho para perto
da cama e tombo minha face para o lado, mantendo meus olhos
fixos no fodido Pener.

— Sabe quem eu sou? — Ele se arrasta para fora da cama,
ficando de pé, parando à minha frente.Meus olhos recaem para sua
mão grande, e posso visualizar ela fechada enquantodesferia socos
no rostofrágil e pequeno de Cristina.— Tem ideia de quem é minha
família, seu otário?

Ele não vê, nem sequer estava preparado. Minha cabeça se
inclina para trás e acerto uma cabeçada em seu rosto, o fazendo
gritar de dor. Meu punho fechado o presenteia com um golpe
certeiro na lateral da sua mandíbula. Ergo minhas mãos e o puxo
pelos ombros, o arremessando para cima da estante,estourando
seu corpo no espelho da penteadeira.

— Filho da puta! — Renan grita, erguendo sua mão para
tapar sua boca ensanguentada, cuspindo sangue em seus dedos.

— Se defenda, seu verme! — Minha mão desfere um tapa
forte em seu rosto, para ele prestar atenção em mim.

— Seu... Seu...

Fecho meu punho e o soco com toda força em seu rosto, o
fazendo tombar para o lado.

— Se defenda, PORCO DE MERDA! — grito com ódio,
apertandomeus dedos em sua garganta,o arrastandopara pertode
mim. — Ou só sabe usar sua força para espancar mulher?

Seus olhos se expandem, ficando escuros, e ele ergue suas
mãos, segurando meu braço.

— Está aqui por ela, não é? Por aquela vadia! Você é o pau
que Cristina arrumou...

Dou outra cabeçada em seu rosto, o desnorteando, fazendo
ele se engasgar com suas palavras. Soco seu rosto com ódio,
desferindo um murro atrás do outro. Seu nariz quebrado pinga
sangue, que escorre por sua boca. Quando o solto, vejo seu corpo
rolando, deslizando da penteadeira ao chão. Renan se torcede dor
a cada chute que acerto em sua barriga. Não vejo nada à minha
frentealém da ira que governa meu corpo. Aumentoa sequência de
chutes,prensando seu corpo contraa penteadeira, a balançando a
cada impacto que ele recebe. Ele grita de dor, feito um porco
imundo, e sua boca se abre, se engasgando com seu sangue
quando meu último chuteacertacom toda a força seu pau nojento.
Respiro com raiva, me afastandodele, passando as mãos em meus
cabelos, com minha mente bombardeando com as imagens das

fotografias da face ferida de Cristina; do choro dela dentro do
quarto, se abrigando em meus braços; das suas mãos segurando
sua barriga, deitada na maca do hospital;do feto enrolado com o
cordão umbilical dentro da caixa, com a porra de uma coroa de
flores. O chuto com mais ódio, mirando em sua barriga, a cada
memória que vai me inundando, me enchendo de ira.

— Não vai falar o nome dela, nem sequer vai chegar perto
dela outra vez. — Olho para ele e o vejo gemer, com seu corpo se
torcendo de do.r

— Miserável... — Ele tomba seu corpo, ficando de barriga
para cima, segurando seu estômago.

Dou um passo à frente,atéRenan, me abaixando pertodele,
ficando agachado. Uma das minhas mãos segura seu cabelo,
erguendo sua cabeça, para que ele olhe para mim.

— Miserável será o estado do seu corpo quando for
encontrado dentro de uma cela imunda de penitenciária, com o
maldito buraco do seu rabo arrombado por todos os presidiários,
depois que eles te foderem até a merda do seu cu sair pela sua
boca. — Cerro meu maxilar, não desviando meus olhos dos dele. —
Se pensar em intimidá-la, assustar Cristina ou ficar a espreitando
como uma barata nojenta de volta, tenha em mente que será meu
rosto a última coisa que você vai ve.r

— Vadia desgraçada! — Sua boca se abre, cuspindo seu
sangue nojento em minha camisa.

Meu punho se fecha, e soco seu nariz quebrado com ódio,
soltando a cabeça dele com força no chão, batendo-a três vezes
seguida no chão, antes de eu o libertar. Me levanto, endireito meu
corpo, arrumo as mangas do meu blazer e encaro o ser desprezível.
Minha perna se ergue, flexiono meu joelho e soltoo peso com força,
esmagando seu pau com meu pé. Ele arqueia seu corpo para cima,
ficando com sua face roxa e os olhos arregalados, soltandoum grito
fino da sua garganta. Tombo minha face para o lado, esmagando
meu pé em suas bolas, como se fosse uma inútil porcaria de bituca
de cigarro.

— Nunca mais vai machucar ela, vou garantir que você
apodreça na cadeia se alguma coisa de ruim acontecercom ela ou
com meus filhos! — Retiro meu pé de cima das suas bolas,
cuspindo em sua cara.

— Ela nunca vai me esquecer, nunca. — Ele tenta se
levantar, espalmando seus dedos no chão.

Seu corpo explode na cômoda com a força que eu chutoseu
abdômen, como se fosse um saco de merda. Estou cego, apenas
me mantendo governado pela raiva, desferindo bicudas no corpo
dele com toda força que solto em minha perna. A última acertaseu
rosto, o que o faz cuspir seus dentes para fora, junto com a gosma
de sangue.

— Filho da puta, doente de merda! — rosno com ódio,
segurando seus cabelos, fechando meu punho, pronto para socar
sua cara.

— CHEGA, ARIEL! — Greg me puxa pelos ombros, me
empurrando para trás. — Vai matar esse verme se não parar.

Eu não me importo, é isso que quero. Desejo apagar a
existência asquerosa desse homem da face da terra. Olho com raiva
para Greg, que entra na minha frente, bloqueando Renan de mim.
Respiro com fúria, me levantando, cuspindo no chão.

— Vamos, precisa sair desse quarto. — Greg estica seu
pescoço, encarando o que está atrás de mim.

Direciono minha atenção para lá e noto a presença de
algumas prostitutasparadas na entrada do quarto, olhando de mim
para Pener caído no chão. Meus dedos empurram meus cabelos
para trás e aperto o nó da minha gravata, girando meu corpo,
andando na direção da porta do quarto, respirando fundo.

— Meu Deus, nunca pensei que sentiria prazer em ver
alguém apanhar — uma delas fala, rindo, tirando o celular do bolso
do short. — Merda, devia ter gravado esse porco levando uma
surra!

Saio de lá sem encará-la, sendo seguido por Greg, que me
acompanha. Volto todos meus pensamentos para Cristina. Estou
agitado, respirando com furor, querendo voltar dentro daquele
quarto e o matar de forma fria, o destruindo da mesma forma que
ele fez com o espíritodela. Esfrego meu rosto com indignação e
empurro as pessoas à minha frente, até conseguir respirar o ar
fresco da noite, que entra pelos meus pulmões quando saio para
fora da boate imunda.

— Vamos encontrar algo que o ligue aos fatos, precisa ter
calma. Mas não pode querer fazer justiça com as próprias mãos,
porra!

Retiroa porcaria do bilhetedo bolso da calça, empurrando no
peito dele, o olhando com exasperação.

— Ligue esse miserável a isso. Ligue ele à porra daquele
apartamento. Me dê uma prova concreta para acabar com ele
dentro de um tribunal, mas não ouse me pedir calma, não depois
dele ter mandado um feto morto, enrolado em um cordão umbilical,
para a minha mulher, junto com a merda de uma coroa de flores,
GREG!

Ele fica sério e olha para minha face, erguendo o bilhete e o
lendo.

— Caralho! — Greg fecha seus olhos, balançando sua
cabeça em negativo.— Não me disse no telefoneporque queria vê-
lo. Ela está bem?

Nego com a cabeça e entro no carro. Meus dedos se erguem,
estrangulando o volante, e observo os nervos das minhas mãos
vermelhos. A porta do carona é aberta, com o corpo de Greg se
sentando ao meu lado.

— Quer que eu dirija?

— Não — falo de forma ríspida, girando a chave que ficou
largada na ignição quando estacionei o carro.

— Como sua garota está, Ariel?

— Ela teveum iníciode aborto,Greg. Cristinasó não perdeu
os bebês, porque uma funcionária a encontroudesmaiada dentroda
minha sala e chamou a ambulância. E eu não tenho nada de
concreto contra esse filho da puta!

Viro meu rosto para a janela, esmagando o volante com
irritação.

— Se alguém tinha a filmagem de Renan daquele sábado à
noite, simplesmente ela sumiu...

— Vou matar esse cretino...

Minha voz se cala quando volto meu rosto para Greg. A
prostitutaque tirouo celular do bolso pertoda portado quarto,onde
eu estava com Renan, caminha, rindo, segurando o aparelho,
mostrando para outra garota na calçada.

— Bom dia, lindona, dá oi para a galera do canal! — Cris se
afasta, respirando rápido, olhando para o chão, ficando de costas
para mim, erguendo seus olhos para o garoto.

— Olá, Estence! Olá, galera do canal do Estence! — Ela
acena para ele e volta a subir a escadaria.

Respiro com desânimo, encarando o pivete que sorri para
mim, apontando a porcaria do aparelho na minha direção, com sua
face espinhenta e os dentes presos a um aparelho ortodôntico.

— E aí, tiozão! — Ele desce os degraus apressado, me
cumprimentando, dando um leve tapinha em meu ombro.

Olho para meu ombro, onde sua mão de bater punheta
juvenil tocou, sujando meu terno de alfaiataria.

— O punheteiro de aparelho ortodôntico— falo baixo, me
lembrando daquele dia.

— Punheteiro?

— Engraçadinha! — Volto a subir os degraus, odiando,
definitivamente, esse prédio cafona. — Qual tipo de padrão de
emissora contrata um pré-adolescente?

Ouço a risada dela explodir em uma gargalhada, ao mesmo
tempo que nega com a cabeça.

— Estence filma para seu canal em uma rede social na
internet, doutor Miller. Ele filma de tudo que puder, acho que fica24
horas com esse celular na mão, gravando. Está por fora da
atualidade dos jovens, tiozão!

— Me disse que foi ao apartamento dela, não foi? —
pergunto sério para Greg.

— Sim, eu fui. Disse que não encontrei nada.

— Conversou com os moradores? Com um moleque
espinhento com aparelho nos dentes chamado Estence?

— Não, eu não posso ficar batendo de porta em porta,
interrogando os moradores, Ariel. Sou detetive particula,r não a
porra de um policial com um mandado.

Arranco com o carro, pisando fundo no acelerador assim que
ele fala. Viro o volante,entrandona outrapista,engatandoa marcha
e disparando os ponteiros de velocidade do carro.

Capítulo 24

Tambores do medo

Cristina Self

— Esse medicamento,junto ao soro, lhe ajudará a dormir. —
A enfermeira risonha me olha amavelmente, se afastando de mim
depois de verificar minha pressão pela quinta vez. Seus olhos
param no grande homem encostado na parede, com seus braços
cruzados, o que é o suficientepara fazer a pobre ficar intimidada. —
Sua pressão já está estável e seus bebês seguros. Isso quer dizer
que só amanhã cedo vou te incomodar, lá pelas quatro horas da
manhã, quando vai tomar outra dose de remédio, para manter sua
pressão estabilizada. — Ela volta seus olhos para mim, me dando
uma piscada. — Apenas descanse.

Gostaria de poder retribuir o sorriso brando com que ela me
presentou,mas me sintotãofadigada, que apenas confirmo com um
leve balançar de cabeça. A vejo sair do quarto, nos deixando
sozinhos. Meu rosto se vira para a janela do quarto e enxergo a
noite que está alta. Apenas consegui sentir meu coração voltar a
bater quando escutei os batimentoscardíacosdos meus filhos e o
médico me garantiuque eles estavambem. Ariel não ficou mais que
cinco minutos dentro do quarto quando soube da notíciade que eu
quase perdi os bebês. A instabilidade da minha pressão é um risco
para a vida deles. Os olhos azuis que me amaram com tanta
intensidade, roubando minha alma na noite passada, agora não
passavam de duas pedras frias, que mal me olharam. Não
suportando ver a raiva dentro das suas íris, direcionei meus olhos
para o tetodo quarto, sendo esmagada pela minha dor, meu medo,
minha incapacidade por não ser forte o suficiente para proteger
meus filhos dentrodo meu próprio corpo. Quando minhas pálpebras
se fecham, ainda posso ver aquele feto enrolado no cordão umbilical
no meio da coroa de flores. Era tão frágil e pequeno, que podia
caber na palma da minha mão. Uma coisa é ver em fotografias,mas
quando a imagem real de um feto morto envolto de sangue e
resquíciode placenta se apresenta à sua frente de forma nítida,é
esmagador.

— Tenho algo para lhe deixar feliz — Brow fala baixo,
caminhando para a cama. Viro, o vendo descruzar seus braços e
olhar por cima do ombro na direção da porta, como se estivesse
com medo da pequena enfermeira. — Chocolate com caramelo.

Sorrio para ele, que estende a barrinha de guloseima para
mim.

— Está traficandoprodutos ilícitosdentro do hospital, Brow?
— Ele ri, encolhendo seus ombros, negando com a cabeça.

— Fui pegar um café para mim, mas a máquina desse andar
está com defeito, só a do oitavo está funcionando, então não quis ir
lá para buscar, mas resolvi pegar o chocolatee trazerum para você.

— Obrigada, Brow. — Seguro o doce em minha mão,
abaixando meus olhos para o acesso da agulha pertodo meu pulso.
Suspiro com melancolia, piscando rápido para dissipar as lágrimas.

— Vai ficar tudo bem, vocês vão ficar bem — ele fala calmo,
me olhando com carinho. — O chefe avisou que vai demorar um
pouco para chegar, mas ele virá assim que puder.

O sorriso em minha face é de tristezaao ouvir Brow. Balanço
minha cabeça em positivo para ele. Acho que, de certa forma, já
sabia dentro de mim, me preparava para isso, apenas não queria
acredita.r Ariel deseja estar junto com seus filhos, não comigo.

— Quer que eu ligue para ele?

— Não, não. Gostaria que tentasseligar para aquele número
da minha mãe outra vez, se for possível.

— Claro, irei tentar novamente. — Brow sorri em
compreensão, ao entender que eu não desejo falar com Ariel.

— Por que não vai ao oitavo andar buscar seu café?

— Não posso deixar você sozinha novamente, Cristina. —
Sua voz sai baixa, como se estivesse se culpando. — O hospital
não autorizou a entrada dos outros seguranças, apenas o
acompanhante. Não quero lhe deixar sozinha.

Nego com a cabeça sua indagação, sabendo que ele se
refere ao trabalho. Brow queria ter subido comigo para o escritório,
mas eu não o deixei, jamais imaginei que Renan mandaria aquele
presente cruel para mim.

— Brow, eu estou bem agora. Foi eu quem pedi para você
não subir comigo. Se alguém tomou a decisão errada, fui eu. —
Fecho meus olhos e seguro as lágrimas que ardem em minhas
vistas.

— Não foi sua culpa, senhorita Self.

Balanço minha cabeça em positivo. Apenas consinto com
suas palavras para lhe conforta,r mas dentro de mim eu sei que é.
Foi minha culpa ter ficado presa àquela relação por tanto tempo com
Renan, foi minha culpa por não ter tido coragem de levar ele a
justiça, quantas vezes fosse preciso, até ele parar de me
atormenta.r

— Por que não fazemos assim? — Limpo meu rosto,
tombando minha face no travesseiro, abrindo meus olhos para ele.
— Vá pegar seu café, assim você pode trazer um suco de morango
para mim, sinto minha boca amarga.

— Vai ficar bem?

— Sim, vou ficar exatamenteonde estou. — Sorrio para ele,
o incentivando a ir buscar seu café. Sei que ele está cansado,
mesmo ele não dizendo uma única palavra.

— Não vou demorar mais de cinco minutos, ok? — Seus
dedos se esticam, deixando a luz do quarto mais fraca. — Por que
não tentadormir um pouco? Ouviu a enfermeira, ninguém vai vir te
incomodar por enquanto.

Ele pisca para mim, se virando, saindo do quarto. Fecho
meus olhos e abaixo minha mão para minha barriga, suspirando
fundo. Não vou perdê-los. Já perdi demais na minha vida, mas não
vou deixar nada acontecer com eles. O barulho da máquina que
acompanha meus batimentoscardíacosé todo som que tem dentro
do quarto, com a luz baixa. Suspiro fundo, me sentindo sonolenta,

com meus pensamentos confusos. A ardência em minhas veias,
com o remédio circulando pelo soro, torna tudo tão vago. O som da
porta sendo aberta por uma mulher alta, com jaleco branco e salto
alto, me faz olhar em sua direção.

— Hora do medicamento, senhorita Self.

Pisco diversas vezes, tentando dissipar meu sono, olhando
para ela sem compreender.

— Mas... — Minha voz se cala, enquanto tentosentir alguma
saliva dentro do céu da boca, que está amargo. — A enfermeira
disse que não teria mais...

A mulher para perto de mim, sorrindo, negando com a
cabeça, retirandoa seringa do bolso do seu jaleco. Com muitaforça
consigo me arrastar na cama, me sentando, tentandofocar minha
visão nela.

— Ela esqueceu de uma, acredita? Como está ocupada, me
pediu para vir aqui lhe medicar.

— Não entendo... — Forço minha respiração para entrar em
meus pulmões, negando com a cabeça quando ela esticasua mão,
segurando meu braço.

Viro meu rosto e estico meu braço para o balcão pequeno,
próximo à cama, pegando meus óculos em cima dele, os arrumando
em minha face, olhando para a porta do quarto aberta, e vejo a
mesa da enfermeira sorridente vazia.

— Que remédio é esse que está me dando?

— É só uma picadinha, para lhe ajudar a dormir. Quando
acordar, vai ser tudo como antes.

Voltomeu rostopara a mulher, com meu cérebro disparando,
com o fluxo de sangue acelerando ao entender suas palavras.
Minha mão se move rápido e seguro o pulso dela, a afastando do
meu braço.

— Não... Não! — Balanço minha cabeça em negativo, vendo
suas mãos desprotegidas, sem as luvas, com unhas compridas

pintadas de rosa pink. O cheiro forte do seu perfume é enjoativo e
entra em minhas narinas. — Você não é uma enfermeira!

— Senhorita... Senhorita, precisa se acalma.r

— NÃO! — gritoforte,puxando meu braço quando ela tentao
pegar de volta, o que faz a seringa do acesso se desconecta.r

— Droga! — ela fala baixo, olhando o sangue que começa a
sair do meu braço. — Me dá seu braço!

— Fica longe de mim!

Estou tão nervosa, que não me importo com o sangue
escorregando do meu acesso aberto. Desço da maca e ouço os
disparos da máquina do coração, que bipa alto quando levo minhas
mãos por debaixo da camisola hospitalar, desconectando os
eletrodos do meu peito, jogando os cabos para longe.

— Estásangrando, precisa sentaraqui e me deixar cuidar de
você.

— Fica longe de mim! — Ergo minha mão e aponto meu dedo
para ela. — Veio matar meus bebês... Isso não é remédio!

— Senhorita, está tendo alucinações, ninguém aqui quer lhe
fazer mal.

— Não, não... não... — sussurro, olhando perdida para ela.

— É apenas coisa da sua mente,eu só quero cuidar de você.

Gatilhos são disparados como uma bala potente em meu
cérebro: latente, fria e dolorosa. Os jurados comprados, que
aceitarama alegação que eu estavamentalmentedesequilibrada. O
som dos meus gritosecoando pelas minhas ondas cerebrais a cada
lembrança dos murros que Renan me desferia. O martelo do juiz
batendo sobre a madeira, o inocentando.Tudo pago, comprado de
forma injusta e fria. Levo a mão à minha cabeça, a esmagando forte,
como se pudesse tirar tudo de dentro dela, espremendo para fora
como a um pus sujo que infecta o sangue.

— Ele comprou você também, não foi? Pagou você para vir
tirar meus bebês de mim.

A imagem do feto sem vida, tão desprotegido em sua cor
arroxeada, empastado de sangue seco e placenta,me acerta,tudo
me engole. Meu coração bate disparado, como um tambor forte,
repercutindo o som de medo a cada sequência de batidas.

— Volte para a cama, garota!

Ergo meu rosto quando ouço a voz dela, e a vejo segurar
firme a seringa em suas mãos. É um click, um botão de alarme
sendo repercutido pelos tambores do medo, pode se dizer que é
reflexo, ou apenas a teoria de toda ação ter uma reação, mas, para
mim, é o mais primitivo instintode proteção com os meus filhos.
Assim que ela dá a volta na cama, vindo em minha direção, meu
braço puxa o cabide de ferro que sustenta o saco do soro,
acertandonela com força, a fazendo cambalear para trás,caindo no
chão. Meus passos já estão se atrapalhando apressados, e me viro
com urgência, enquanto corro para a porta do quarto, largando o
ferro no chão. A adrenalina entra em minha mente, o medo me
anula, sinto tudo vindo: as lembranças, as memórias me
empurrando para a borda da minha lucidez e da loucura.

— Fica tão bela quando chora, meu amor. — A voz gélida
como a de um cadáver sem coração, fala mansamente.

Ele beija meu rosto, me fazendo chorar ainda mais. Estou
ferida, acovardada e sem esperança de sobreviver ao seu ataque de
fúria.

Ergo minha mão e esfrego meu rosto, tentando tirar os
cabelos da minha face. A vista apenas fica nublada pelo
embaçamento das lentes dos óculos, decorrente das lágrimas.
Limpo de forma grotesca,apenas com as pontas dos meus dedos,
olhando perdida para os lados, sem saber para onde ir, em quem
confiar, o que é real e o que é efeito do medo sendo projetado em
meu desequilíbrio. O corredor quase vazio, tendo apenas alguns
visitantes,me faz encolher, e enxergo todos como pessoas hostis,
que querem machucar meus filhos. A dor rasga minha cabeça
novamente,com uma pontadaprofunda, quase como se um martelo
estivessepregando um prego dentrodela. Minhas mãos se erguem,

esmagando minha cabeça, e mordo minha boca com força, até
sentir meus dentes machucarem a pele, para poder parar a do.r

— Declaro Renan Pener inocente de todas as acusações.

— Não, não... Não sou louca! — murmuro entre a dor
agressiva, respirando com força, sentindo cada parte do meu corpo
rígida.

Abro meus olhos e encaro o corredor frio, sentindo pavor.
Estou sozinha e assustada.

— Ariel... — Meus dedos trêmulos param perto dos meus
lábios, enquanto sussurro seu nome como se fosse uma ponte que
me mantém estável. — Ariel, Ariel... Ariel.

Meus pés descalços caminham rápidos no chão frio, com
meu corpo tremendo. Estou amedrontada, usando seu nome como
um mantra. Preciso chegar até ele, tenho que sair daqui. Renan
pode ter mandado outras pessoas, ele vai mandar mais pessoas
para fazer mal aos meus bebês. Eu não estou desequilibrada, nunca
fui louca. Meu corpo não diminui o ritmo acelerado, apenas corro,
olhando assustada para trás, como se a qualquer segundo Renan
fosse aparecer para me machucar. Estaco na frente do elevador,
apertando o botão, desesperada para que as portas se abram.

— Ariel... Ariel. Preciso chegar até Ariel. — Fecho meus
olhos com dor, tentandome lembrar para qual andar Brow foi. Ele
me levará até Ariel. — Ariel...Oh, meu DEUS! — Tapo minha boca,
segurando o soluço de choro, sentindo o gosto do meu sangue se
misturar com minhas lágrimas.

Choro de dor, medo e angústia, por não conseguir me
lembrar em qual andar Brow está. É como se minha mente
regressasse entre memórias do passado e o agora, me torturando
com flashes de dor, me levando de volta para aquele quarto e
depois para o tribunal. A porta do elevador se abre, fazendo meu
rosto se erguer para ela.

— O que está fazendo aqui? Deus! O que aconteceu com
você?

Meu cérebro bagunçado demora alguns segundos para
processar e fazer o reconhecimentoda voz do homem que me olha
preocupado.

— MAX... Oh, meu Deus, Max!

Entro no elevador, não o deixando sair, levando meus dedos
para seu terno, me segurando firme a ele.

— O que houve? Está fria, com seu corpo suado. Oh, meu
Deus, estásangrando! — Ele tentasegurar as portas,para que não
se fechem. — Precisa voltar para o quarto.

— Não, não, não, não — falo rápido, com meus lábios
trêmulos, balançando minha cabeça em negativo.

Puxo seu braço, para que as portas se fechem, cravando
minhas unhas em seu terno, olhando apavorada para ele.

— Ele... ele está aqui, não é seguro. — As palavras saltam
por minha boca em pavor. — Meus bebês estão em perigo. Uma
mulher, ela tinha uma seringa, não era remédio para dormir, não era,
não era... — Direciono meus olhos para o pontode acesso que está
sangrando em meu pulso. — Eu batinela, batinela. Oh, meu Deus,
eu bati em uma pessoa, Max, mas foi para proteger meus bebês.
Preciso que acredite em mim, eu não estou louca. Max, não estou...

— Eu acredito em você, Cris... Calma...

Levo meus olhos aos seus, que estão preocupados, me
olhando.

— Ariel, Ariel... Preciso chegar até o Ariel. — Escondo meu
rostoem seu peito,chorando desesperada. — Não estoulouca, não
sou louca, não sou...

— Ei, está tudo bem. Tudo bem — Max sussurra próximo ao
meu ouvido, me abraçando com força. — Sei que não é louca.

Ele me afasta apenas um pouco, tirando seu paletó e jogando
por cima dos meus ombros, voltando a me abraçar com força. As
palavras martelam em meu cérebro como um disco arranhado, que
se repete por várias vezes.

— Ariel, Ariel... Ariel.

Capítulo 25

A visita do anjo ao inferno

Ariel Miller

— Por mais que ache instrutiva a anatomia humana das
garotas da Playboy, retratadasnas páginas de revista pregadas na
parede do seu quarto imundo, meio que já estou ficando irritado de
ficar aqui dentro.

— Qual é, tiozão? — O garoto sentado na cadeira gamer, se
vira para mim, abrindo seus braços. — Estou dando o meu melhor.
Tem ideia de quantas filmagens eu fiz naquele dia?

— Estence...ESTENCEEEEEEE! — O som agudo da mulher
gritando na sala por ele, o faz virar seu rosto para a porta do quarto.

— QUE FOI, MÃE?

— VEM LOGO JANTAR!

Fecho meus olhos, respirando fundo, me sentindo
aprisionado dentro do quarto que tem aroma de meia suja, e tenho
até medo de pensar há quanto tempo o lençol desarrumado da
cama está sem ser trocado.

— NÃO VOU JANTAR, MÃE, TÔ TRABALHANDO COM
MEUS AMIGOS! — Ele volta seus olhos para mim, sorrindo.

— QUE AMIGOS? VOCÊ NÃO TEM AMIGOS!

— Você me cobrou quinhentos paus pela porra de uma
filmagem que nem sabe se tem, então, definitivamente,você não é
meu amigo. — Balanço minha cabeça em negativo, comprimindo
meus lábios.

— Se eu filmei, eu tenho todo direito de cobrar. Amizade é
uma coisa, negócios são outra. Não me culpe se eu posso ter feito
um headshot[27].

Não entendoo que ele disse, mas antesque pergunte,o som
de portas sendo batidas com força se faz alto pela casa.

— VÊ SE ARRUMA A PORCARIA DESSE QUARTO,
ESTENCE!

— Qual o problema de diálogo em tom baixo entre você e sua
mãe? — pergunto sério para ele.

— A gente se entende, mas às vezes ela é surda, quando tá
muito estressada dá uns BUG[28].

— Por que eu não entendo nada que sai da boca desse
garoto?

— Gíria de gamer[29], Ariel. — Greg dá de ombros, me
respondendo.

Olho para Greg, que está sentado ao lado do garoto, com o
notebook do pivete em sua perna, conferindo as imagens na tela,
enquanto Estence fica com o computado.r Greg segura o riso, me
olhando divertdi o. Balanço minha cabeça com desgosto, respirando
profundamente.

— ESTENCEEEEE, VEM JANTAR!

O grito sonoro da mulher repercute pelo quarto, com a voz
dela zangada outra vez.

— JÁ FALEI QUE NÃO VOU, EU TÔ TRABALHANDO! DÁ
PRA RESPEITAR?!

— DESDE QUANDO FICAR VADIANDO NA INTERNT É
TRABALHAR? SE APARECER MAIS UMA COBRANÇA NA MINHA
FATURA DE CARTÃO DE CRÉDITO, PORQUE VOCÊ ENTROU
EM SITE PORNOGRÁFICO, EU VOU TE MATAR!

O som da porta batendo novamente com força em algum
cantoda casa, me faz balançar a cabeça em negativo. Já estou me
arrependendo terrivelmente por ter vindo atrás do moleque de
quinze anos, que estáme extorquindo,cobrando quinhentosdólares
para o caso de achar alguma coisa de valia para mim em suas
filmagens. Tive que me segurar para não estrangularo pescoço dele
quando ele quis me ensinar sobre direito de imagens.

— Ela exagera, foi só uma vez — Estence fala,
envergonhado, com suas bochechas ficando vermelhas.

— Explicar esse tipo de coisa só piora. — Greg bate em seu
ombro, rindo para ele.

— Vocês estão com fome? Eu nem sequer perguntei se estão
com fome. Minha mãe não é uma cozinheira de mão cheia, mas é
tragável o que ela prepara. Se quiser, posso buscar um prato de
comida para vocês.

— Depende, o que ela fez para o jantar? — Greg fala, rindo.

Seguro o ombro de Estence, o fazendo se sentar outra vez,
quando ele ergue sua bunda da cadeira, dando a ele e a Greg uma
prévia da raiva que está estampada em meu rosto.

— Você se senta e acha os vídeos de sábado à noite e
começa a falar na mesma língua que a minha! — rosno para o
pirralho. — E você, Greg, se concentra nos vídeos que está
assistindo!

— Ok... Ok, tiozão, relaxa um pouco. — O menino sorri,
fazendo o metal dos seus dentes brilhar. — Por que não se senta
um pouco? Relaxa.

Olho para a cama dele bagunçada e as imagens das
mulheres nuas coladas na parede, ao lado da cama.

— Estou bem de pé. — Alinho meu terno com força,
endireitando meu blazer.

— Estálegal, você que sabe. — Ele voltasua atençãopara a
telado computado,r olhando as datase horários. — Então,você é o
carinha que deu match[30] na Cris. Está dando uns pegas nela?

— O que ele falou agora? — Olho para Greg, buscando por
ajuda.

— Ele quer dizer que vocês se gostam, que você deu uns...
— Greg fala, se calando, erguendo seus braços ao lado do corpo,
fazendo um gestode foder com o quadril, olhando para o notebook.
— Entendeu?

Observo o menino espinhento curioso, que ri para mim, e
fecho meu semblante, o encarando.

— Para seu governo, eu dei muito mais que uns pegas nela.
E sim, eu e a senhorita Self apreciamos a companhia um do outro.

— Nossa, tiozão, isso foi deprimente! — Ele bate seu braço
no de Greg, com os dois trocando olhares. — Quem diz isso?

— Ariel, é realmente deprimente. — Greg balança a cabeça
em negativo, não desviando seus olhos da tela.

— Escuta, por que não diz para ela que a curte e que quer
muito mais que dar uma ficada? As meninas gostam de caras
sinceros e emocionalmente decididos. — Seu sorriso metálico se
expande, enquanto eu estou me segurando para não estrangular
sua garganta fina.

Minha mão se prende em sua cabeça, a virando de voltapara
o computado,r respirando com raiva.

— Foca na porra dos vídeos, ou seus quinhentos paus já
eram!

Solto sua cabeça, esfregando meu cenho, ainda não
acreditandoque recebi conselhos amorosos de um punheteiro, que
passa mais tempo no mundo virtual que no real. Vejo Greg se
segurar para não rir, com sua boca se esmagando. Ergo meu pulso,
verificando a hora no relógio. Tenho que voltar para o hospital.
Desejo tanto olhar Cristina e lhe deixar segura.

— Acho que achei alguma coisa! — o menino fala rápido,
apertandoo botãode enter. — Eu fiz essa filmagem de noite,depois
da janta, quando fui jogar o lixo. Não soltei ela no canal, não sei se
tem serventia para você.

— Onde fica a lixeira?

— Fica do lado do prédio, no beco.

— Deixa eu ver. — Me abaixo, me aproximando da tela,
apoiando minha mão na mesa.

— Olha, mas foi só por curiosidade mesmo que eu fiz, viu? —
Estencefala rápido, assim que o carro estacionadono beco começa
a balançar.

A câmera dá zoom, nos presenteando com a imagem de um
casal trepando dentro do automóvel. Viro meu rosto para Estence,
que tem sua face corada, repuxando a ponta do nariz.

— Eu achei que podia ser alguém roubando. Não foi nada
demais.

Nego com a cabeça, o encarando, vendo seu rostoficar cada
vez mais vermelho.

— Não, isso é direito de imagens, Estence, e tenho certeza
de que o casal do carro não te autorizou a fazer um vídeo caseiro da
trepada deles.

— Lembra o que tefalei? Se explicar é pior. — Greg vira seu
rosto para Estence, batendo em seu ombro. — Já assistimos mais
de vinte filmagens, uma por uma, ele não está em nenhuma delas
— Greg fala para mim, repuxando seu nariz.

— Miserável, filho da puta! — Me afasto da tela do
computado,r levando minhas mãos para a cabeça, respirando com
raiva.

— Talvez deva levar ela para as montanhas, deixá-la
escondida, longe disso tudo, até descobrirmos o que aconteceu,
como ele entrou no prédio dela e saiu sem ser visto.

— A lavanderia — o menino fala rápido, respondendo Greg,
virando sua cadeira para me olhar.

— Como?

— A lavanderia que temno beco. Quando quero entrare sair
do prédio sem ser visto, uso a escada de emergência deles. Você só
precisa ir para o terraço do nosso edifício. — Ele aponta para a
janela do quarto, rindo para mim. — Às vezes faço isso quando
minha mãe não me deixa sair. Os prédios são unidos, entende?Um
ao lado do outro. Você apenas precisa pular a divisória e já está no
terraço da lavanderia, e daí para a escada de incêndio é um passo.

Greg retira o notebook das suas pernas, deixando em cima
da cadeira que ele estava sentado, caminhando para a janela do
quarto de Estence, olhando para fora.

— A janela dela fica distantedo prédio da lavanderia, ao
menos que ele fosse o Homem-Aranha, não teria como ir até lá.

— Mas se você estiver dentro do prédio, não precisa ter que
invadir uma janela.

O menino ri, respondendo Greg outra vez.

— Você me disse aquele dia no escritório que não tinha
arrombamento. — Olho de Estence para Greg, o vendo confirmar
com sua cabeça.

— Sim, não tem vestígio algum, a polícia estava
completamentecerta. — Greg se afasta da janela, com um olhar
intrigado.

— Talvez quem entrou no prédio tinha a chave da porta do
apartamento da Cris — Estence fala, voltando seus olhos para a tela
do computado.r

Greg olha na mesma hora para mim, batendo as mãos com
força, como se tivesse pescado alguma informação com a teoria de
Estence.

— E ficou esperando o momento certo de você sair, para
entrar no apartamento... — Ele se cala, abaixando seus olhos para o
chão. — Ou...

— Ou? — pergunto, nervoso, dando um passo à frente.

— Ou ele já estavalá dentro,juntocom vocês, Ariel. — Greg
trava seus olhos com os meus. — O tempo dele foi pouco, para
disparar seu alarme e correr para as escadas de incêndio da
lavanderia, fazer todo o percurso e entrar no apartamento,
degolando o gato... O alarme do veículosendo disparado foi uma
vantagem que ele não esperava, mas ele não se aproveitou disso
para entrar.

— Mas sim para sair — termino por ele.

— Você saiu em algum momento antes disso? Qualquer
brecha que tenha dado para ele entrar?

— Não, eu não saí— falo com convicção. — Nós dois fomos
para o quarto,acabei pegando no sono depois que fizemos... — Me
calo, olhando para o garoto curioso, que está com sua atenção em
mim.

— Pode falar, eu não sou nenhum virgem!

— Se masturbar não é perder a virgindade. — Bato na
cabeça de Estence,revirando meus olhos, respirando fundo. — Eu
só saí de perto dela quando o alarme disparou — termino de falar
para Greg.

— Deixei passar alguma coisa. — Greg olha em volta,
levando suas mãos à cintura. — Passou alguma coisa batido, que
eu não percebi dentro do apartamentoquando entrei. Um sótão,
closet, qualquer lugar que alguém possa ficar sem ser percebido.

O ar entra em meus pulmões como gasolina, e sinto os
nervos da minha mão se fecharem com ira.

— Os dois! — Estencese levanta,esfregando a cabeça onde
eu bati, indo para uma porta do quarto dele. — Vê? Todos os
apartamentos vêm com um pequeno armário dentro dos quartos.

Ele abre a pequena estrutura, acendendo a luz interna e
apontando para o teto.Caminho para lá, erguendo minha mão e
puxando a alça pequena. A escada que cai, fica pendurada,
mostrando a ligação do closet para o sótão.

— Os apartamentos são padrão?

— Sim, todos são. Quando quero me esconder da minha
mãe, entro nele. Acredita que eu consigo ver tudo dentro do
apartamentopor conta das frestas de ar? Minha mãe nem sabe
disso.

— O filho da puta a vigiava — Greg fala, sério.

— Ele estava o tempo todo a espreitando. — Meus olhos
vagam pelo quarto de Estence. Me lembro dela em meus braços,
comigo.

Apenas por imaginar que ele estava lá dentro, olhando para
ela, enxergando a forma livre e amorosa dela, como eu enxerguei,
me faz ter vontade de matar esse verme doente.

— Você tinha razão, realmente temos um caso de predador
aqui.

— Renan a manteve afastada de qualquer pessoa,
controlando-a de longe, usando o medo da Cristina para ficar
presente na vida dela, acuando-a.

— Deus, há quanto tempo ele pode estar fazendo isso?
Invadindo a casa dela, a perseguindo...

— Tudo começou depois do divórcio... — falo, perdido, com
meus olhos presos na filmagem pausada na tela do computador.
Mas não é o casal trepando que chama minha atenção, mas sim o
rosto que reflete na janela do banco do carona, passando do outro
lado da rua.

— Noto que se preocupa muito com a senhorita Self. —
Arqueio minhas sobrancelhas, mantendo meu olhar sério quando
encaro sua face. — Algum interesse específico, Maximiliano?

— Cris é uma boa amiga, tenho um carinho especial por ela.
Conheço sua fama carrasca, Miller. Cristina não precisa de um
otário egocêntrico a diminuindo. Pode ter certeza de que eu vou
estar com meus olhos em você!

— Filho da puta! Filho da puta doente! — Minha boca
espuma de raiva, enquanto empurro Estence da minha frente,
dando mais zoom na tela do computado.r

Me afasto da tela, agitado, levando as mãos à minha cintura,
respirando forte. Tudo se encaixa:a superproteção, a forma como
ele olha para ela quando a vê... Cris é sua presa, e ele se alimenta
do medo dela.

— O bilhete. Cadê a porcaria do bilhete que mandaram para
ela?! — Viro meu rosto para Greg na mesma hora.

— O bilhete de Renan? — ele pergunta sério, retirando o
papel do bolso.

Pego a folha em minhas mãos, relendo outravez as palavras.

“Ainda se lembra de quando nos conhecemos?

Eu sim. Me lembro de tudo, de cada segundo. E se eu fechar meus
olhos, posso me ver diante de você agora. Me recordo que olhei
você e a vi de cabeça baixa, desprotegida, tão frágil... E a única
coisa que pensei foi em como seria a esposa mais linda, como eu
queria ser o pai dos seus filhos. Mas eu não sou, não é, Cristina?

Você foi rápida em achar um pau para meter em suas pernas, para
lhe engravidar. Espero que aproveite seu presente, meu amor.
Servirá tanto para você como para o que cresce dentro do seu
ventre.”

— Cristina conheceu Renan Pener na faculdade. — Me
lembro do porta-retratos,do sorriso na face dela, que a iluminava,
deixando-a tão linda.

— Estava feliz.

— Sim, muito feliz. A época da faculdadefoia mais alegre da
minha vida. — Sua voz é um sussurro triste.

— Não foi Renan Pener. Nunca foi Pener!

Greg para ao meu lado, virando seu rosto para a tela do
computado,r encarando a face de Max, que está visívelpelo reflexo
do vidro do carro.

— Max estava no tribunal no dia que o julgamento estava
acontecendo na vara da família,violência doméstica. Meu irmão se
sentou do meu lado enquanto esperávamos pela audiência da
cliente dele, com seus olhos perdidos em toda dor que a face de
Cristina demonstrava.

Chuto a porra do cesto de lixo com raiva, travando meu
maxilar. Cris se tornou uma presa fácil e instiganteassim que ele
pôs os olhos nela dentrodo tribunal. Não era a medida protetivaque
era falha, mas sim as manobras nojentas de Max. Se Renan
continuasse se aproximando dela, Cristina nunca suspeitaria de
quem é o verdadeiro monstro, que a está assustando com os
telefonemas e as vigias constantes nas ruas.

— Maximiliano foi quem conheceu a versão triste de Cristina.

— Filho da puta! — Greg fala sério, xingando com raiva.

— Pega as filmagens, vou ligar para a polícia— falo rápido.
Giro e caminho para a porta do quarto, a abrindo e saindo
apressado. Antes mesmo de levar a mão ao bolso, para retirar o
aparelho, meu celular começa a tocarinsistentementeO. puxo com
rapidez, olhando o nome de Brow na tela.Atendona mesma hora, o
levando ao ouvido.

— Como ela está?

— Ela saiu do hospital, chefe. — A voz dele é nervosa
enquanto fala rápido. — Eu procurei por tudo, mas não a achei,
então consegui ter acesso às câmeras de segurança. Aquele rapaz
do serviço dela tirou Cristina do hospital. As filmagens do
estacionamento gravaram ela entrando no carro dele.

Meus olhos se fecham enquanto sinto meu mundo congelar.
O sentimento de impotência emerge, um enorme desespero me
atinge. Tudo isso está me engolindo de uma única vez.

“O amor é bonito, brando, protetor, quente e acolhedor. Mas
se tem uma coisa que o amor não é, é doloroso e violento.”

Estou caindo no inferno, voltando para aquele lugar sombrio,
onde o luto da perda da minha filha me jogou, ouvindo as orlas de
demônios que me rodeiam, instigando toda a violência para fora de
mim, sendo misturadas com a voz doce de Cristina, que me
governa.

— Brow, preciso que arrume uma coisa para mim. — Esmago
o aparelho em minhas mãos, me virando para a entrada do quarto,
cravando meus olhos na imagem parada na tela do computado.r —
Preciso de uma arma sem numeração.

Capítulo 25

Entre anjos e demônios

Cristina Self

— Está se sentindo melhor?

Max esticasua mão e alisa meu rosto, abaixando seus olhos
para o curativo que fez em meu pulso.

— Sim — sussurro lentamente,puxando a manta para cobrir
meu corpo.

— Viu, lhe disse que um banho quente lhe ajudaria a se
sentir melhor. — Seu dedo bate na ponta do meu nariz, sorrindo
para mim. — Trouxe chá para você.

Olho perdida para a xícara e avisto o vapor que sai dela.
Balanço minha cabeça em negativo,sentindoo enjoo que me acerta
ao inalar o aroma forte que exala do chá. Me sinto mais calma
depois que Max me tirou do hospital, me trazendo para a sua casa.
Ele me emprestou uma muda de roupa, me deixando usar seu
banheiro, para que eu pudesse tomar um banho. Depois que saí, fez
o curativo, me levando para a cama, mas ainda assim não me sinto
segura, por não estar junto de Ariel.

— Vai lhe ajudar a dormir, você vai ver. Beba um pouco — ele
fala calmo, apertando minha mão, me ajudando a segurar a xícara.

— Não tenhovontade,Max, meu estômagoestáembrulhado.
— Encolho minhas pernas na cama, olhando a xícara. — Tenho
medo de que piore o enjoo se eu tomar.

— Não vai, isso vai lhe fazer bem. — Ele sorri e ergue a
xícarajuntocomigo, a parando pertodos meus lábios. — Eu sempre
cuido de você, não cuido?

Meus lábios se apertame sintouma fisgada de dor dentrodo
meu cérebro. Repuxo meu nariz, tendo os gatilhos sendo
disparados na minha mente.

— A mulher, o que houve com a mulher? — Pisco, confusa,
ainda me lembrando do rosto dela. — Ela não pode escapar, ela
tentou ferir meus bebês.

— Eu liguei para o hospital, Cris, como se quisesse saber
notíciassuas, e eles não comunicaram que você fugiu. Mas quando
falei da enfermeira, eles disseram que não havia nenhuma pessoa
com as características que você descreveu dentro do hospital.

— Não... Não... Ela é real. Eu a vi, Max. Ela estavalá, entrou
no meu quarto, tentando me medica, rentão bati nela.

— Você estava nervosa, Cris. Foi um dia conturbado.

— Eu vi... Max, eu a vi, não estou louca...

— Não, não está, meu anjo — ele sussurra carinhoso,
tentando me acalma.r

Fecho meus olhos e balanço minha cabeça em negativo.Não
estou tendo alucinações, aquela mulher estava lá dentro.

— Ariel... — murmuro com dor, abaixando a xícara. —
Conseguiu achar ele? Ligar para ele? Avisar onde eu estou?Ele vai
encontrar essa mulhe,r ele vai saber o que fazer.

Max nega com a cabeça, esticandosua mão e alisando meu
rosto.

— Eu liguei, mas ele não atendeu. Deixei inúmeras
mensagens de voz pedindo para ele retornar assim que ver o
telefone dele.

— Tentou no escritório? — Seguro mais firme a xícara,
olhando perdida para Max. — Talvez ele esteja lá...

— Não tem mais ninguém no escritório. Brat foi inocentado.
Sabe como Pietroé, adora levar os funcionários para comemorar no
bar quando nossa firma ganha um caso grande.

— Miller ganhou o caso... — Dou um fraco sorriso
melancólico.

— Isso era certo que ia acontece.r Miller nunca se importou
em burlar as leis, não foi nada para ele levar uma testemunha falsa
para o tribunal.

— Ele a levou... Eu... eu não sabia que ele usaria o
testemunhodela. — Me sinto afundar dentro de mim mesma. —

Pietro deve estar feliz com a visibilidade que a empresa vai ganha.r

— Não tem ideia do quanto. Malvina estava toda curiosa,
querendo saber qual foram os truques que Ariel usou no caso. —
Max se cala, fechando seu rosto,negando com a cabeça. — Droga,
eu não devia ter lhe contado.

— Ariel está comemorando com eles? — Sinto as lágrimas
queimarem meus olhos e volto minha atenção para a xícara.

— É coisa rápida, garanto que ele já vai olhar o celular dele.
— Max se sentana beirada da cama, ficando próximo a mim. — Na
verdade, quando eu saíde lá, ele e ela já não estavammais no bar,
eu até pensei que Miller estaria no hospital quando cheguei.

— Ele... Ele... — Fecho meus olhos, tentandoorganizar meus
pensamentos.Ariel mal tinhaolhado para mim, saindo apressado de
dentro do quarto, sem trocar uma única palavra comigo.

— Não fica assim. Descanse e tome seu chá, vai se sentir
melhor depois de uma boa noite de sono. — Sua mão cai em meu
braço, fazendo pequenos círculos em minha pele. — Não temos
controle sobre as ações das outras pessoas, o ser humano é uma
criatura perigosa.

— Ele não iria fazer isso...

— O quê? Lhe deixar solitária em um quarto de hospital
enquanto aproveita a grande noite dele, recebendo os louros[31]
pela mentebrilhantedo notório advogado criminalistaem que ele se
transformou? — Max sorri para mim e ergue seus olhos para os
meus. — Nada é de valor para Ariel, absolutamentenada, apenas a
carreira dele, que sempre virá acima de qualquer coisa e pessoa
para ele.

Sinto meu coração se partir com meus sentimentos, me
negando a acreditar nas palavras de Max. Luto para achar algum
argumento que desminta as acusações, mas as palavras se
prendem em minha garganta.

— Com Silvia foi a mesma coisa, tantoque foi por isso que o
casamento dele afundou. Silvia apenas servia para ele quando lhe

convinha desfilar com ela ao seu lado, nas festas que ele
frequentava. Quando não precisava, ele a descartava
instantaneamente.A coitada acabou se perdendo na bebida, mas
ele não se importou, não até perder a filha.

— Dolly... — sussurro triste.

— Sim. Depois que a filha morreu, ele acabou com a vida da
mulher. É muito triste a forma como Silvia está.

— O que houve com ela?

— Ele não tecontou?— Max balança a cabeça em negativo,
encolhendo seus ombros. — Não sei se devo te conta,r isso não é
um assunto que eu deva falar, ainda mais que você está grávida
dele.

— Max, o que ele fez com a ex-esposa? — Seguro sua mão
na minha, não deixando seus olhos desviarem dos meus.

— Ariel a internou. Silvia está desde a morte da sua filha
internadaem um sanatórioem Nova York. Ele a levou a julgamento,
alegando que ela é um risco para a sociedade por conta do seu
desequilíbrio mental e do alcoolismo, e que por isso a filha deles
morreu.

— Ariel não faria algo assim...

— Oh, ele fez! Ariel fez sim. Foi diante do juiz e fez ele
mesmo sua representação contra sua ex-esposa. No fundo,
suspeito que ele queria fazer isso desde a época que a filha era
viva, pois, se a internasse, a guarda seria só dele. É mais fácil para
ele se livrar de alguém do que ajudar. — Max respira fundo, alisando
meu rosto, e solta um suspiro lento. — Ela estava assustada, se
sentindoabandonada, inútile fragilizada, entãose entregarà bebida
foi quase inevitável, mas ela não era louca, apenas não tinha mais
serventia para Ariel. Mas isso não quer dizer que ele vá fazer a
mesma coisa com você.

— Comigo...

Fico em silêncio, tentandocompreender tudo que ouvi. Ariel
quer ficar com os filhos, ele deixou claro no primeiro momento que

nunca se afastará dos filhos. Me pedir em casamento não foi por
mim, mas sim pela descoberta dos gêmeos. Max me puxa para seus
braços, cuidando para não me deixar derrubar a xícara.Sinto seu
queixo ficar no topo da minha cabeça, com os dedos dele
acalentando minhas costas com palavras suaves, me acalmando.

— Não sofra, não vai mais sofrer, eu te prometo, Cris. Está
segura agora. — Escondo meu rosto em seu peito, sentindo a dor
que sai entre as lágrimas. — Nunca mais vai sofrer. Não se
desgaste, Cris. Beba seu chá e descanse agora... — Sua mão para
na xícara,olhando para ela. — Esfriou. Demorou tanto,que acabou
ficando fria. Vou preparar outra para você.

Ele beija minha testade forma carinhosa, se levanta, pega a
xícara da minha mão e olha com brandura para mim.

— Está segura agora, Cris. Prometo que nada mais de ruim
vai acontecer com você.

Meus olhos se fecham assim que ele sai do quarto. Deixo as
lágrimas rolarem por minhas bochechas, fungando entreos soluços,
com meus dedos achatadosem minha barriga. Eu tinhafugido tanto
de me envolver com outra pessoa durante tantotempo, para no fim
seguir o mesmo caminho que embarquei no início.Estou confusa,
sozinha, me sentindo isolada, apenas eu e os meus bebês. Tapo
meu rosto, sentindo o enjoo me tomar, me dando apenas poucos
segundos para levantar-me da cama, correndo para o banheiro e
vomitando minha bílis. O gosto amargo em minha boca é o mais
doloroso fel, se igualando ao meu coração e minha alma quebrada.
Tento, assim que passa os espasmos do vômito, me escorar na
parede para me erguer.

Caminho para a pia e dou descarga na privada. Lavo meu
rosto com a água gelada da torneira. Procuro por uma toalha no
banheiro do Max, mas não encontro,o que me faz sair para fora do
banheiro olhando em volta, para ver se ele levou a toalha que me
emprestou.Mas nada estáali, Max a levou, juntocom a camisola do
hospital. O vento que passa por minhas costas me faz encolher,
estoucom um pouco de frio. Ergo meus olhos para a janela e a vejo

fechada. Meu rosto se vira, procurando de onde vem a correntede
ar gelado, observando uma das portas do guarda-roupa encostada.
Ajeito meus óculos em minha face, olhando sem entender para ela.
Meu braço se estica e deixo minha mão aberta, próxima à fresta,
sentindo a correnteza fria que sai dela. Abro lentamente, vendo a luz
que se acende lá dentro. O que julgava ser um guarda-roupa, é o
closetrefrigerado de Max. Mas não são suas peças de roupas que
encontro, o que vejo é aterrorizante. Dou um passo para frente e
olho a quantidade de fotos minhas pregadas na parede. Fotos
íntimas,inclusive. Em algumas estou dormindo em meu quarto, em
outras deitada no sofá, lendo um livro, em outras andando na rua.
Cada foto reflete um momento da minha vida. Em uma mesa ao
canto, há um manequim sem braços e pernas, apenas o torço,
usando um dos meus conjuntos de lingerie, que julgava há muito
tempo perdido. Em volta dele tem mechas de cabelos humanos,
iguais aos meus.

— Oh, meu Deus... — Tapo minha boca, vendo a fotogrande
do meu rosto em cima do pescoço do manequim.

Minha respiração está acelerada, meu coração bate
desesperado. Tropeço quando ando para trás, fechando a porta
com força.

— Não era para ter entrado aí.— Giro meu rosto para Max,
que tem sua feição zangada, apertando forte a xícaraem sua mão.
— Não era para ter visto isso.

— Você... Você, Max... — Me afasto dele e vou para a outra
pontado quarto,abraçando meu corpo. — Todo esse tempo foi você
me aterrorizando.

— Cuidando — ele fala baixo, negando com a cabeça. — Eu
cuidei de você, cuidei para nunca mais ninguém te machucar...
Vigiei você. Eu protegi você.

— Não voltou para mim porque não quis. Deve ter descoberto
como é ser como a sua mãe, não é, Cris? Ser a vagabunda imunda

que sempre foi — ele falacom raiva, ficandomais agressivo a cada
segundo.

— Renan, por favo.r..

— Cristina? — A voz de Max atrás de mim me dá um alívio
imediato quando a ouço.

Renan me solta na mesma hora, olhando para trás de mim
com raiva. Sinto as mãos de Max passarem por meus ombros,
parando ao meu lado, e ele me puxa, me levando para perto dele.

As memórias me acertam,me deixando perdida. Max sempre
esteveao meu lado, como um bom amigo em quem eu confiava. Me
sentia segura ao lado dele. Sua amizade verdadeira era
reconfortante.Desde o primeiro dia que nos conhecemos, dentrodo
tribunal, a empatia que ele sentiu por mim, o acolhimento... Agora
tudo é tão cínico, tão distorcido.

— Você estavame seguindo... Fez aquilo com o pobre gato...
O presente mórbido... Deus, Max... Eu confiava em você...

— Você errou, precisava ser disciplinada. — Ele joga a xícara
no chão, balançando sua cabeça para os lados. — Se comportou
como uma vagabunda suja, se deitando com qualquer um de forma
promíscua, sentindo prazer em ser fodida na parede, como uma
cadela.

— Meu Deus, Max, o que fez?

— Eu te vi, enxerguei você quando ninguém mais te viu,
avistei a mulher linda que você é, mas você ficou feia, ficou
asquerosa, como uma vadia barata, trepando com Ariel e gostando
de ser fodida feito uma porca nojenta. — Ele suaviza sua face,
sorrindo para mim. — Mas eu perdoei você, eu perdoei sua traição,
porque eu cuido de você, sempre cuidei de você, Cris, nunca te
deixei sozinha.

— Não... Não, por favor, para. — Tapo meus ouvidos,
batendo minhas costas na parede quando recuo, fechando meus
olhos. — Fez eu me sentiruma louca, uma louca que não conseguia
provar que estava sendo ameaçada...

— CUIDEI DE VOCÊ! E até agora eu cuido de você... Então
você disse que queria casar. Não vê que ninguém nunca vai cuidar
de você como eu cuido? — Abro meus olhos e vejo sua mão
esticada em minha direção.

Meu corpo se encolhe, sinto medo, pavor do olhar
desequilibrado de Max. Ele recolhe seus braços para o lado do seu
corpo, abaixando seus olhos para o meu ventre.

— Tentei fazer você enxergar que essas coisas dentro de
você foram um erro, que precisava tirá-las, mas não saiu como eu
esperei.

— Mandou aquela mulher para o meu quarto...

— Eu não queria chegar a esse ponto, mas precisei. Pietro
me contousobre sua pressão alta,ele não me deixou ir tever. Miller
afastou você de mim, tirou você de mim, por contadesses estorvos
que ele pôs dentro de você. — Sua boca se esmaga com ódio.

— Você mandou um feto morto para mim, Max, fez isso para
me machucar.

— Não, não. Eu nunca machucaria você... — Ele nega com a
cabeça, sorrindo. — Eu precisei agir rápido. Você se apaixonou por
aquele verme... Se perdesse seus filhos, você não teria mais
serventia para Ariel, e o veria como ele realmente é. Mas não
perdeu as sementes dele, elas são maléficas igual a ele,
entranhadas dentro de você, se negando a morrerem. — Max
respira fundo. — Eu vou cuidar de você agora, para sempre. Ele não
vai afastar você de mim, nunca mais ninguém vai machucar você.

— Max, não faz isso, por favor...

— Devia terdeixado a mulher tedar a injeção, Cris, devia ter
tomado o maldito chá. Assim, pelo menos, seria menos doloroso.

O som dos seus passos aumenta, com ele caminhando em
minha direção de forma fria, me encarando.

Aperto meus olhos, os fechando com força,enquanto meus
braços se erguem sobre minha cabeça. O grito de dor que invade o
quarto sai dos meus lábios quando o terceiro chute desferido em

puro ódio acerta minhas costelas. Sinto o ar faltardentro dos meus
pulmões e me retorço de dor.

As lembranças me inundam, me pegando com força, me
paralisando a cada passo que Max dá em minha direção.

— Você não vai sofrer por conta dessas coisas que estão
dentro de você, não vai. — Max retira o cinto da sua calça, o
esticando em sua mão, olhando para o couro. — Nunca mais vai
sentir dor, medo, nunca mais vai chorar... Nunca mais vai sofrer ou
ser chamada de louca, eu vou cuidar para sempre de você.

O instintoprimitivo de sobrevivência pura, de proteção de
uma mãe pelos seus filhos, é o que me arranca da minha paralisia e
me faz chutar suas pernas quando ele se aproxima de mim, com
seus braços esticados,prontos para me estrangular com seu cinto.
O rompantedo meu corpo, que se move em disparada para a saída
do quarto, é ligeiro. Ouço os gritos de ódio de Max, que vem atrás
de mim. Ouço o som da respiração dele se aproximando. Meus pés
estabanados se atrapalham, me levando ao chão quando ele puxa
meus cabelos. Sinto o impacto e a dor dos meus joelhos sendo
pregados no chão, a textura do cinto em minha pele, sendo
comprimido tão forte, como se fosse ultrapassar minha garganta e
quebrar minha traqueia. Meus gritos roucos e grotescos são
abafados pelo ar que me falta,e entretudo,o caos, o medo, o terror
que submerge, minha mão se estica, como se eu pudesse de
alguma forma alcançar a porta da saída da casa, que está tão
distante.Vejo a madeira ser arrombada, escancarando a porta. Um
vultoalto se move. Apenas um único som se faz em meio ao caos, é
frio, sonoro, latente e inabalável. O aperto do couro cede, me
fazendo sugar com todasas minhas forças o ar para meus pulmões,
tombando a parte superior do meu corpo para frente, com meus
dedos espalmados no chão. Rapidamente,tudofica lento,distorcido
com os gritos de ódio e passos pesados, que parecem minas
terrestres explodindo dentro da minha mente. Então tudo se silencia,
abafa, os zumbidos, os ecos... Sinto apenas o calor quente da mão
firme que segura minha face em seus dedos. A escuridão me suga
no segundo que meus olhos se chocam com os seus, em um azul

tão angelical, mas em uma face demoníaca, violenta, agressiva e
cruelmente perversa. É como ir do céu ao inferno.

Ariel Miller

— Chefe, precisa ficar calmo, vamos chegar a tempo! —
Brow fala nervoso, sentando-se ao meu lado enquanto dirijo o carro
em alta velocidade.

Sinto tudo me sufocar. Um anseio de medo, desejo de morte
e incompetênciapor tê-la deixado sozinha. Como não vi, como não
consegui enxergar a verdade que estava diante de mim por todo
esse tempo? Meu desejo por vingança me fez ficar concentrado em
Renan Pener e em todomal que ele causou na vida de Cristina,me
fez ficar restritoa uma única linha de raciocínio.Não abri os leques.
Estava tão assertivo, todos os índicesapontavam que era o maldito
do Renan, que não me atenteia única outra pessoa que estava ao
lado dela desde o divórcio dela.

Greg me passou o endereço pelo celular, e estacionoo carro,
o deixando atravessado na frente do jardim. Em seguida, pego o
revólver da mão de Brow. Os gritos, que vêm da residência, faz eu
sentirmeu sangue congelar dentrodas minhas veias. Corro rápido e
estouro a porta da frente. A imagem dela ajoelhada ao chão, com
seu rosto ficando pálido, completamente lavado por lágrimas,
esticando a mão para mim, me faz não pensar. Vejo apenas ela
lutando para tentarrespirar. Meu dedo pressiona o gatilho da arma
assim que a ergo em um rápido movimento. Miro em Maximiliano e
disparo contra ele. Seu corpo desaba no chão, próximo a ela, que
tentase arrastar para outra direção. Eu estou ao lado de Cris em
questão de segundos. Retiro o couro do seu pescoço e a pego em
meus braços.

— Não... Não! — Minha voz, carregada de cólera, sussurra
enquantotentonão cair na insanidade, a tendodesmaiada em meus
braços.

— Cretino de merda! Seu cretinodoente de merda, você não
pode tirá-la de mim! — Ergo meu rosto para Max, que grita,
tentando fugi,rsegurando seu ombro baleado.

Minha mão se ergue mais uma vez, e miro o revólver em sua
direção, tendo cada cantodo meu ser implorando para matar esse
desgraçado. Brow entra na frente, marchando como um demônio
enfurecido em sua direção.

— Doentefilho da puta!— Brow o amaldiçoa, e seu punho se
fecha, acertando a face de Max com toda força, o derrubando no
chão. Ele retira o celular do bolso e disca para a emergência.

Aperto as costas dela, a mantendo colada em meu corpo.
Ainda quero acabar com a vida de Max, pelo que ele fez por todos
esses anos a ela. Max usou do trauma dela para aprisioná-la,
melindrá-la tão fodidamente, a ponto de fazê-la se sentir sozinha e
louca.

— Sai da frente, Brow! — Cerro meu maxilar, ainda com a
arma empunhada para o filho da puta que é Max. Brow se vira e
olha o revólver em minha mão.

— Ariel, não faça isso... — Ele tentasoar calmo, esticando
sua mão para mim.

— Sai da frente dele, Brow!

— Chefe, ela precisa de você. Eu sei o que está sentindo, e
eu sei também quais são as consequências de fazer algo por
impulso. — Ele abaixa seus olhos para ela, voltando a encarar a
arma. — Não precisa da morte desse verme lhe assombrando. Me
entregue a arma, chefe. Te garanto que ele vai pagar pelo que fez.
Cuide dela e deixe o resto comigo.

Não reluto quando Brow se aproxima de mim e retira a arma
dos meus dedos, a tirandolentamenteda minha mão. Me voltopara
Cris, tiro os fios de cabelos da sua face e vejo sua pele molhada.
Arrumo ela em meu colo e me levanto. Brow segura a arma e usa
sua camisa para não tocarnela, enquanto a limpa. O vejo caminhar
de volta para Max. Saio com ela rumo à porta e o som da
ambulância ao longe vai ficando alto. Os paramédicos estão se
aproximando da residência.

A giro pouco a pouco, a fazendoficarde frentepara mim. A
quentura da sua respiração morna me acerta, tendo seus olhos
brandos me fitando. Nada do que sinto ao seu lado é o que eu
dividia com Silvia. Meu mundo tinha encontrado o ponto de
equilíbrio desde o segundo que entrei naquele escritório e meus
olhos repousaram nela.

— Aprecio sua companhia, babá McPhee — murmuro com
rouquidão, não conseguindo dizer para ela que não só aprecio estar
ao seu lado, mas que eu a amo. Ergo minha mão e seguro seu
queixo, observando cada centímetroda sua face.Solto seu queixo e
retiro os óculos dos seus olhos, os deixando no cantinho da pia. —
Aprecio muito sua companhia.

— Eu te amo, babá McPhee... — A aperto mais forte em
meus braços.

Cristina Self

Quando abro meus olhos outra vez, tenho minha mente
confusa. Está tudo tão claro, o tetobranco... O cheiro de álcool que
invade minhas narinas, faz voltar lentamentemeus sentidos. Sinto
as agulhas em meu braço e ouço o som distantede um insistente
bipe, que se repete. Fico com meus olhos parados, sem desviar do
teto,piscando com minhas pálpebras pesadas. Sinto o toque forte
em meus dedos, sendo segurados por uma mão firme. Movo minha
cabeça lentamente,olhando o grande homem desalinhado, com sua
cabeça baixa, com os cotovelos apoiados na cama, segurando
minha mão na sua, à frente do seu rosto, sentado em uma cadeira
ao lado da cama, com sua postura melancólica. Vejo seus ombros
se enrijecerem quando mexo meus dedos, retribuindo seu carinho.
Seu rostomortificadose ergue, apertandominha mão entreas suas.
Ariel tem sua feição abatida, a pele pálida e seus cabelos
desalinhados.

— Graças a Deus, você acordou! — Seus olhos vermelhos se
fecham por um instante,antes dele se mover rápido e se levantarda
cadeira abruptamente, soltando minha mão, inclinando seu corpo
para cima do meu.

Sinto o aperto forte dos seus braços ao redor dos meus
ombros, e ouço sua respiração pesada, esfregando seu rosto em
minha bochecha.

— Tirou uma grande soneca, não foi? — ele me diz baixo,
beijando minha testa, afastando apenas um pouco sua face,
passando seus olhos pela minha.

— Meus... meus bebês. — Minha mão pesa, sem conseguir
se erguer mais que poucos centímetrosdo colchão. — Meus
bebês...

— Eles estão bem, estão seguros, minha babá McPhee. —
Sua mão se abaixa sobre a minha, a levando até meu ventre,
espalmando nossas mãos juntas.

Sua mão em meus cabelos os massageia, empurrando para
trás, sorrindo para mim. Fecha seus olhos e respira fundo, colando
sua testaà minha. Sintoo alíviome inundar e felicidade de ver seus
olhos presos aos meus. Ariel se afasta um pouco, passando seu
dedo por minha boca, tombando sua cabeça para a esquerda, em
cima do seu ombro.

— Quando minha filha morreu, eu rompi os laços com Deus,
o amaldiçoando por Ele ter me tirado ela, ter levado minha menina
de mim, me privando da existência dela, por ter deixado sua
inocência partir de forma tão trágica. — Ele esmaga seus lábios
melancolicamente, fechando seus olhos e esfregando minha
barriga. — Jurei a mim mesmo que jamais deixaria nada ser tão
importanteoutra vez. — Uma única lágrima escapa por sua face,
com seus olhos se abrindo, me olhando. — E por uma maldita
semana, os sete dias mais longos da minha vida, senti todo aquele
sofrimento outra vez, enquanto segurava sua mão, conversando
seriamente com Deus outra vez, tentandocompreender o que eu
podia ter feito de tão errado nessa minha vida, para não ser
merecedor de uma segunda chance. Se foi uma esmola que neguei,
algum domingo que deixei de ir à missa, qual foi meu pecado para
merecer perder as pessoas que eu amo.

— Ariel...

— Ele me ouviu, Ele me ouviu — Ariel murmura calmo,
sorrindo para mim. — Ele não me deu uma segunda chance, Ele me
deu três.

Meu peito arfa e sinto meu coração disparar. Respiro fundo,
ficando presa na intensidade dos seus olhos. O azul tão calmo e
suave, está sem aquela tempestade que brilhava lá dentro.

— Eu te amo, Cristina Self. Te amo como eu nunca amei
nenhuma mulher. Te amo como eu jamais vou amar qualquer outra.
— Sua testa se cola à minha novamente e sinto as lágrimas
descerem pela minha face. Apertoseus dedos com força sobre meu
ventre.


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