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Published by andreaires, 2019-06-19 08:00:11

Vivências_de_um_profissional

Vivências_de_um_profissional

Vivências de um
profissional

Projeto gráfico e capa:
Geraldo Jesuino

Editoração Eletrônica:
Virna Jesuino / Geraldo Jesuino

Revisão:
José Cajuaz Filho

Vivências de um
profissional

Antônio de Albuquerque Sousa Filho

Copyright © 2015 by
Antônio de Albuquerque Sousa Filho
[email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária: Regina Célia Paiva da Silva CRB-1051

S 725v Sousa Filho, Antônio de Albuquerque
Vivências de um profissional. / Antônio de

Albuquerque Sousa Filho. – Fortaleza: Imprece, 2015.

p.: 14,0 x 21,0 cm
ISBN: 978-85-8126-082-2

Inclui Iconografia
1. Sousa Filho, Antônio de Albuquerque –
Memórias. 2. Engenheiros Agrônomos – Brasil –
Memórias. 3. Associação Nordestina de Crédito e
Assistência Rural – Rio Grande do Norte – Educação. 4.
Ministério da Agricultura – Educação. 5. Secretaria de
Educação do Ceará – Educação. 6. Ministério da
Educação. 7. Sebrae – Ceará. I. Titulo.

CDD. 926.3

Aos meus pais

Beatriz Fontenelle da Silveira Albuquerque
e

Antônio de Albuquerque e Sousa

exemplos de
simplicidade,
honestidade,
dedicação e

ética.
.

SUMÁRIO 10
21
APRESENTAÇÃO 30
INTRODUÇÃO
1ª PARTE: 30
31
O SERVIÇO DE EXTENSÃO RURAL E O ESTADO DO RIO 33
GRANDE DO NORTE 37
INÍCIO PROFISSIONAL 41
RIO GRANDE DO NORTE 48
59
O SERVIÇO DE EXTENSÃO RURAL-RN 66
SER EXTENSIONISTA AGRÍCOLA 70
COMEÇO DE TRABALHO 72
NÚCLEO COLONIAL DE PUNAÚ 72
A EXTENSÃO RURAL E OS JOVENS 73
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 79
2ª PARTE: 102
O MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E O CARIRI CEARENSE 109
RETORNANDO AO CEARÁ 119
A REGIÃO DO CARIRI CEARENSE 126
PESSOAS PROATIVAS 129
O VALE DOS CARÁS
UM PROJETO INOVADOR
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
3ª PARTE:

A SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO NO CEARÁ 129
NOMEAÇÃO PARA SECRETÁRIO DE ESTADO 130
TOMANDO CONHECIMENTO DA SECRETARIA 136
QUADRO DA EDUCAÇÃO DO ESTADO 143
EDUCAÇÃO E RECURSOS HUMANOS 150
ESTATUTO DO MAGISTÉRIO OFICIAL 155
A CARTILHA DA ANA E DO ZÉ 158
LEVANTAMENTO DE DADOS 166
EDUCAÇÃO NO MEIO RURAL 169
ALGUNS “CAUSOS” 176
RESULTADOS ALCANÇADOS 182
187
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 189
4ª PARTE: 189
190
O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA 195
CHEGANDO A BRASÍLIA 202
A SECRETARIA DE 1° e 2° GRAUS-SEPS 206
O MEC E A FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO 211
AJUSTES NOS PROGRAMAS EDUCACIONAIS 215
A ESTRUTURA DO MEC 218
DEIXANDO BRASÍLIA 220
220
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
5ª PARTE:

O SEBRAE-CE E NOVAS EXPERIÊNCIAS

NOVAS VIVÊNCIAS PROFISSIONAIS 221
INTERIORIZAÇÃO DAS AÇÕES 226
O SEBRAE E A AGROINDÚTRIA 230
O SEBRAE E O SELO DE QUALIDADE 239
O SEBRAE E SUA MODERNIZAÇÃO 242
O SEBRAE E OS NOVOS PROJETOS 247
O SEBRAE E SUAS CONVENÇÕES 251
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 260
CONCLUSÃO 261
PREGISTRO ICONOGRÁFICO 264

APRESENTAÇÃO

O livro que você vai ler mostra com evidência que o
Brasil cresce, mas não se corrige; mostra o quanto de 1963
até julho de 1998 houve crescimento material, embora a
ação política e as instituições não se transformaram.
Continuaram - fazem-no até hoje – com os mesmos
procedimentos e vícios a travar um desenvolvimento
equânime, já que crescimento material e econômico não é
o mesmo que desenvolvimento. Personalismo,
fisiologismo, improvisação, autoritarismo, negligência e
privatização do bem público permanecem vivos. O Brasil
cresce se repetindo, sem jamais se transformar.

Na realidade este livro consiste na narração de um
itinerário e de vivências profissionais que nos permitem
aprofundar nosso conhecimento sobre três atores: o
próprio protagonista, isto é, o autor que narra sua carreira
profissional, as instituições em que passou e o Brasil que
se deixa descobrir como pano de fundo. Três temas,
portanto, ligeiramente abordados nessa apresentação: o
autor, Antônio de Albuquerque, as instituições onde
trabalhou e ocupou cargos de direção (ANCAR,
Ministério da Agricultura, Secretaria de Educação do
Estado do Ceará, Ministério da Educação e SEBRAE-CE)
e o Brasil.

10

O AUTOR.

Antônio de Albuquerque iniciou sua vida
profissional como extensionista agrícola na empresa
privada ANCAR-RN, financiada pelo poder público,
trabalho para o qual estava bem preparado por conta de
sua formação de engenheiro- agrônomo. Ainda hoje
Albuquerque tem prazer em conversar sobre extensão,
pois esse primeiro trabalho o marcara profundamente.
Após menos de 24 meses, ele se transfere para o
Ministério da Agricultura em Fortaleza e no Cariri.

Em seguida, sem nenhum preparo como ele mesmo
diz e, provavelmente, sem nunca ter refletido sobre
políticas para o ensino básico público, ele é catapultado
para a Secretaria de Educação do Estado do Ceará para,
em seguida, sem terminar sua obra no Ceará, quase à
revelia, é chamado para assumir a Secretaria de Educação
Básica do Ministério da Educação, onde fica pouco tempo,
devido a uma troca de ministro. Já aposentado da
Universidade Federal do Ceará, Albuquerque é indicado
para assumir a direção do SEBRAE-CE.

Embora tenha ficado pouco tempo em cada
instituição, Antônio de Albuquerque conseguiu dinamizá-
las, inovar, obter o apoio de todos e ganhar a admiração,
gratidão e saudade dos funcionários fortemente expressas
por ocasião de sua saída do órgão. Daí a seguinte
indagação: Como explicar a liderança que exerceu em

11

cada cargo que ocupou? Procurando uma resposta nas
entrelinhas do livro, três razões surgem de imediato. Em
primeiro lugar, a sua maneira de tratar os funcionários e de
conviver com eles. Albuquerque sempre considerou
colegas os funcionários das diversas instituições; jamais os
tratou como subalternos e agiu de maneira autoritária.
Sempre se apresentou como “primeiro entre pares”; ele
considerava que, juntos (eles) tinham uma tarefa a
desempenhar. A gentileza e a cordialidade com que se
dirigia a todos agregavam e possibilitavam formar uma
equipe, cada um na sua função, mas todos igualmente
exigidos e valorizados Assim fazendo, Albuquerque
quebrava, já nos anos sessenta do século passado, um tabu
consolidado em organizações tanto privadas quanto
públicas: o da vã arrogância da chefia, arrogância que, não
poucas vezes, resultava em grosserias e maus-tratos.

É significativo a esse respeito o seguinte trecho:
segundo a tradição administrativa “o Secretário [de
Educação] deveria usar paletó, andar no banco traseiro do
carro oficial, ter sua fotografia ao lado da do Governador
nos prédios escolares e nas repartições da Secretaria.
Havia uma entrada especial para o Secretário, de modo
que ele saía do carro oficial e já entrava diretamente no
seu gabinete, não sendo necessário cumprimentar pessoas
de fora de seu local privado de trabalho. O Secretário só ia
às escolas com visitas programadas, ou em evento
especial. Para serem recebidos pelo Secretário, os
professores e funcionários necessitavam marcar
audiência, uma vez que o mesmo dedicava a maior parte

12

de seu tempo ao atendimento público, aos deputados, aos
prefeitos ou a outras autoridades. Resolvi mudar tal estilo
de trabalho”.

“Quando chegava à secretaria, dava uma volta pelos
seus diferentes setores cumprimentando todos os
servidores por onde passava. Visitava de surpresa escolas
e setores externos da educação, viajando por todos os
municípios do Estado.”

Simples assim, entrar pela mesma porta,
cumprimentar a todos, indagar sobre a família e,
evidentemente, sobre o trabalho; tudo com gentileza e
polidez, mas o suficiente para ganhar os corações e o
desejo de colaborar ativamente. Esse tratamento educado
e respeitoso, Albuquerque o aplicava também aos usuários
dos serviços que a repartição oferecia. Por incrível que
pareça, essa atitude representava (e ainda representa!) uma
verdadeira revolução dentro das instituições.

Uma frase se repete ao longo do livro, quase um
mantra: “Foi uma aprendizagem”. Aqui talvez resida uma
segunda característica explicativa da liderança de
Albuquerque: ele nunca se apresentava e nunca se
comportava com seus parceiros de trabalho como dono da
verdade. Pelo contrário, deles e com eles ele procurava
aprender e encontrar o melhor caminho a seguir. Ao
assumir a direção de uma nova instituição, ele convocava
os funcionários e pedia que cada um fizesse uma avaliação
pessoal do órgão e do setor onde atuava, destacando as
deficiências e dando sugestões para melhorar a situação.

13

Dessa feita, ele recolhia elementos para estabelecer um
plano de ação compartilhado por todos. Na hora de
executar o plano, ele podia contar com a cooperação de
todos já que o planejamento tinha sido coletivo.

Lembro-me que, quando reitor, seguindo prática do
governador Virgílio Távora, Albuquerque reunia os pró-
reitores na manhã das segundas-feiras, para discutir ações
e programas; ele escutava com atenção a opinião de cada
um para, no final, por votação decidir. Essa maneira de
agir reforça uma liderança, cimenta as relações dentro do
grupo a torná-lo coeso na ação. Por isso, Albuquerque
pode escrever com toda honestidade: “Foi uma
aprendizagem”. Bom exemplo dessa virtude é sua chegada
à Secretaria de Educação do Estado. “Começamos a
reunião solicitada por volta das 19:30 horas com a
presença dos principais chefes dos departamentos e
coordenações da Secretaria para uma apresentação a
respeito da sua estrutura, dos seus programas e dos seus
recursos. Após a explanação de cada assessor, pedi que
cada um enumerasse os principais problemas da secretaria,
com seus pontos positivos e negativos. A partir daí foi
uma série interminável de predominância de coisas
negativas devido, entre outros fatores, à interferência
política. Elencando problemas como: carência de pessoal,
deficiências estruturais das escolas, insuficiente
suprimento de equipamentos, desde carteiras até papel
para atividades didáticas; baixos salários, descrença do
pessoal (baixa autoestima) e principalmente, recursos
financeiros insuficientes. Noutros termos, tive um retrato

14

do grande “pepino” que estava assumindo e o enorme
desafio a ser enfrentado”.

Além de respeitar e ouvir os funcionários,
Albuquerque tinha ainda uma terceira força que
impulsionava sua liderança: otimismo e determinação. No
meio das maiores carências, jamais desanimava e sempre
encontrava um meio de realizar seus intentos. Em cada
lugar onde esteve trabalhando, Albuquerque conseguia ver
de maneira positiva as tarefas a serem desenvolvidas,
julgando que tudo era passível de ser aproveitado,
melhorado, aperfeiçoado ou mesmo modificado. Com sua
equipe ele ia em frente avaliando os obstáculos e
trabalhando para vencê-los, um após o outro. A isso deve
ser acrescentado que a liderança do autor desse livro
jamais foi política, pois nunca se envolveu ou deixou-se
envolver em política, embora tenha exercido funções
relatadas em um momento político extremamente delicado
e doloroso, os governos militares. Em nenhum momento
do livro, o fato da ditadura é mencionado.

Albuquerque aceitava o cargo, informava-se da
situação institucional e contextual, fixava objetivos e
trabalhava para torná-los realidade, pouco importando os
condicionamentos políticos. Recorria sempre a seu
inabalável otimismo, acreditando sempre no bom êxito dos
esforços empreendidos. Para isso, o administrador
Albuquerque nunca deixava de cobrar o cumprimento dos
trabalhos atribuídos a cada um. Com determinação e

15

serenidade, ele perseguia a realização dos objetivos
fixados, num misto de autonomia e cobrança.

AS INSTITUIÇÕES.

A redação do livro adotou a seguinte metodologia:
iniciar a narração da instituição que o autor ia assumir com
uma rápida descrição de sua situação e de seu contexto
socioeconômico; apontar o trabalho realizado; descrever
os resultados obtidos e, finalmente, fazer uma análise
crítica. Assim foi feito, por exemplo, no primeiro trabalho,
na ANCAR-RN, sobre as condições do Estado e dos
municípios de Nova Cruz, Currais Novos, Caicó e Ceará-
Mirim. O texto não o diz expressamente, mas é plausível
afirmar a precariedade das condições de trabalho tendo em
vista as sucessivas transferências do jovem agrônomo.
Tudo indica que havia muitos lugares a cobrir e um
número insuficiente de extensionistas. Mas essa carência
não parece ter sido o maior entrave ao trabalho, mas “a
falta de resultados da pesquisa agropecuária que, por
assim dizer, travava a introdução de novas tecnologias.”
Não havia o necessário entrosamento entre a extensão e os
órgãos de pesquisa.

A chegada à cidade do Crato para assumir a
Coordenação da Comissão do Vale dos Carás foi, por sua
vez, decepcionante, segundo pode ser lido no texto:
“Imaginava encontrar uma comissão numerosa, formada
por representantes de outras entidades, com suporte de um
secretário administrativo e auxiliares, uma sede
apropriada, transporte adequado para deslocamento nas

16

áreas do vale e material escrito com todas as informações
possíveis a respeito da comissão e os resultados dos
trabalhos já executados. Na realidade, encontrei um Jeep
velho, um motorista, poucas informações do acervo da
Comissão e nada mais. Noutros termos, a comissão era eu,
um motorista (que trabalhava na praça de carros da cidade
do Crato) e um Jeep”.

A descrição da situação encontrada na educação
não é diferente; também ela mostra as deficiências e falhas
do sistema. Tudo isso diz muito sobre o funcionamento
dos diversos órgãos federais, estaduais e municipais:
precariedade, desorganização, indicações políticas e
desencontro entre diversas repartições que deviam se
complementar umas às outras. É triste constatar que se
naquela época as instituições deixavam muito a desejar,
em grande parte, por falta de planejamento e articulação
entre si, a verdade é que até hoje – o atual descalabro na
saúde comprova a afirmação – as instituições brasileiras,
privadas ou públicas, funcionam pouco e mal. Elas estão
sempre na dependência de uma direção personalista, de
um dirigente agregador, ousado e capaz de sacudi-las,
dando-lhe outra vida. O grave é que com a saída dessa
liderança, tudo volta a funcionar como anteriormente.

Um bom exemplo tirado do livro é o caso da
Secretaria de Educação que, após a saída de Albuquerque
e do governador Virgílio Távora, perdeu o que tinha
ganhado. Oito anos depois, nem a própria Secretaria de
Educação, nem a Secretaria de Finanças conheciam o

17

número de funcionários que pagavam mensalmente e onde
muitos deles se encontravam. O fisiologismo político é a
maneira brasileira secular de governar. “A nomeação dos
professores e funcionários administrativos dava-se com
respaldos políticos que acarretavam, muitas vezes, a
indicação de pessoas sem a devida qualificação desejada.
Em muitos casos, essas pessoas conseguiam, logo após a
nomeação, ficar à disposição de prefeituras ou outros
órgãos públicos. Às vezes, havia excesso de lotação em
determinadas localidades e carências em outras”. Em
milhares de casos, a nomeação significava uma sinecura.

Essa situação institucional é de extrema gravidade
quando se sabe que são boas instituições que provocam
mudanças culturais e desenvolvimento sustentado. Os
altos e baixos das instituições não permitem resolver
definitivamente os problemas. Por esse motivo, o País vive
sempre no provisório, ocupado a apagar incêndios, tapar
buracos (ajustes fiscais, por exemplo) e distribuir
privilégios.

O BRASIL.

No livro, pode-se, nas entrelinhas, vislumbrar o
Brasil, um Brasil que cresce, sem sombra de dúvida, e que
teve e continua tendo grandes vitórias. O livro inicia num
tempo em que não havia luz elétrica nas cidades
interioranas, as estradas não eram asfaltadas, não havia
escola para todas as crianças, o analfabetismo adulto e
infantil era generalizado, o segundo grau existia quase
somente para a classe média abastada, a miséria do campo

18

e a falta de emprego provocavam migrações para as
cidades grandes, sobretudo para São Paulo, as indicações
políticas enchiam o Estado e as prefeituras de profissionais
desqualificados e sem trabalho. Empresários, proprietários
rurais e assalariados viviam, legal ou ilegalmente
pendurados no poder público e a ditadura abafava todas as
formas de liberdades e manifestações, até mesmo de
pensamento.

Sim, a partir do relato do livro pode-se concluir que
hoje o Brasil evoluiu e que sua população possui melhores
condições de vida. Mas pode-se também compreender por
que o crescimento econômico não se transforma em
desenvolvimento já que há uma continuidade perversa na
cultura política, nos métodos de trabalho, na apropriação
privada do que é público, na desigualdade racial, social e
regional, etc. O crescimento se dá aos trancos e barrancos,
sem uma preocupação com o planejamento, o permanente
e a qualidade. A normalidade é que os mesmos problemas
sempre reapareçam. O Brasil cresce, mas continua
vulnerável, desigual e injusto. Cresce aos sopapos, sem ter
fortalecido suas instituições básicas que continuam
material, financeira e administrativamente carentes,
frágeis e instáveis, na espreita de um estadista e de um
ousado e competente empreendedor, como foi Antônio de
Albuquerque, embora se saiba que não existe salvador da
pátria.

A leitura do livro vai proporcionar ao leitor uma
grande aprendizagem prazerosa sobre tempos sem dúvida

19

passados, mas que, sub-repticiamente, se prolongam de
modo exagerado e inconveniente.

André Haguette

20

INTRODUÇÃO

Escrever sobre o passado neste País é quase uma
epopeia pela dificuldade de encontrar material
bibliográfico, pois, geralmente, as instituições públicas
não têm o cuidado devido com o arquivo de seu passado.
Com raríssimas exceções, as pessoas rasgam ou descartam
documentos, artigos e fotos antigas. Passei por esta
experiência durante a elaboração deste livro.

O livro está dividido em cinco partes, que tratam de
diferentes entidades e de suas circunstâncias, como o
antigo Serviço de Extensão Rural (ANCAR), localizado
no Estado do Rio Grande do Norte; o Ministério da
Agricultura com a sua antiga estrutura e sua ação na
Região do Cariri Cearense; a Secretaria Estadual de
Educação do Ceará e o Ministério da Educação e sua
atuação no Ensino de 1° e 2° Graus e, finalmente, o
SEBRAE-CE, em seu objetivo maior de atuar junto às
micros e pequenas empresas no Estado do Ceará. O
período descrito vai de 1963-1965, de 1979-1983 e de
1996-1998.

Estou envolvido nos episódios do livro pela minha
participação como profissional ligado às áreas da
agricultura e da educação. A primeira, pela minha
formação de engenheiro agrônomo e a segunda, pelo
desempenho como professor universitário.

21

O Serviço de Extensão Rural, denominado, nos anos
de 1960, na Região do Nordeste Brasileiro, ANCAR
(Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural),
era uma entidade particular que recebia recursos
financeiros dos Governos Federal, Estaduais e Municipais.
Cada Estado Nordestino tinha a sua ANCAR,
adicionando-se à sigla, o nome do respectivo Estado. Por
exemplo, o Ceará tinha a ANCAR-CE. Atualmente a
entidade é uma instituição governamental conhecida pela
sigla EMATER (Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural) e acompanhada do nome do Estado
(EMATER-CE).

Para os profissionais de agronomia e carreiras
correlatas, trabalhar no Serviço de Extensão era como
fazer mais um ano de aprendizagem profissional, dado as
características pragmáticas de sua atuação. Ali era
realizada informalmente uma ação educacional junto aos
produtores rurais e às suas famílias.

Fui atuar como extensionista agrícola (assim era
chamado o técnico da ANCAR), no Estado do Rio Grande
do Norte. Uma experiência rica e inovadora para qualquer
novo profissional das Ciências Agrárias. Ali aprendi mais
sobre a Região do Nordeste com todos os desafios da
época, desde sua infraestrutura (energia elétrica, estradas,
portos, aeroportos e telecomunicações, deficientes) aos
problemas sociais os mais graves, incluindo educação,
saúde, saneamento, estrutura rural, habitação, distribuição
de renda, dentre outros; à politica e à administração

22

dominada por grupos oligárquicos, ao lado da ausência do
poder público, para modificar tal quadro socioeconômico.

Era tempo de efervescência política com o
surgimento das ligas camponesas. A Igreja Católica
aparecia mais, através de ações como a formação de
líderes rurais, programas de alfabetização pelo rádio,
fundação de sindicatos, implantação de programas de
colonização com suporte financeiro vindo de igrejas
católicas do exterior. A SUDENE começava a atuar de
maneira presencial forte em toda a região, realizando
pesquisas e estabelecendo programas inovadores como a
ocupação dos vales do Estado do Maranhão.

Seguindo o programa de qualificação estabelecido
pela ANCAR-RN, realizei estágios rurais, fui treinado nos
chamados cursos de Pré-Serviço, reabri novo escritório
local (Ceará-Mirim) e, principalmente, tive oportunidade
de trabalhar em uma colônia de brasileiros e japoneses.
Foi uma aprendizagem inesquecível que muito ajudou nas
minhas tarefas profissionais futuras.

Deixando o Serviço de Extensão Rural, vim
trabalhar no Ministério da Agricultura que tinha uma
estrutura baseada nos Postos Agropecuários e nas
Fazendas de Criação, atualmente, extintas e com uma
atividade mais fiscalizadora.

Tive a oportunidade de ir trabalhar na Região do
Cariri Cearense que já apresentava, naquela época, uma
adequada infraestrutura com energia elétrica (Paulo

23

Afonso), aeroporto e algumas estradas intermunicipais
asfaltadas. Tinha o Cariri um bom nível cultural e
educacional, principalmente a cidade de Crato; uma
agricultura variada, com solos férteis, abundância de água
e um mercado interestadual (Pernambuco) para a venda de
seus produtos agrícolas. A educação era trabalhada por
colégios tradicionais. O Seminário do Crato
desempenhava um papel importante e a saúde já possuía
hospitais adequados para as necessidades locais.

No Cariri participei dos trabalhos no Vale dos Carás;
do Seminário de Estudos Caririenses; dos encontros
relativos ao desenvolvimento da região sul do Estado; da
famosa exposição agropecuária do Crato; das discussões e
da implantação do Projeto Morris Asimov. Vizinho de
moradia de uma favela, no bairro Barro Vermelho,
chamado de “Rabo da Gata”, exerci, pela primeira vez na
vida, o status de “autoridade”, dando conselhos,
resolvendo desavenças e cuidando do transporte dos
vizinhos doentes para o hospital do Crato.

A terceira parte do livro trata da Secretaria de
Educação do Estado, uma experiência diferenciada, a
começar pelo número de servidores do Estado,
distribuídos por todos os municípios e sob forte pressão
política. Pela primeira vez eu trabalhava com um
quantitativo de recursos financeiros que jamais havia
visto, como administrador público.

Tive oportunidade de trabalhar com um homem
público da estatura de Virgílio Távora que nunca solicitou

24

um ato que desabonasse a sua administração. Tinha uma
atenção especial pela educação, sempre procurando alocar
mais recursos financeiros e apoiando a realização de
programas e projetos inovadores. Apoiou a lei do Estatuto
do Magistério, o aumento salarial condizente, na época,
para os professores, a elaboração da Cartilha da Ana e do
Zé e o desenvolvimento da educação no meio rural,
incluindo o dos Colégios Agrícolas.

Visitei todas as escolas estaduais situadas nos
diferentes municípios, tive visões as mais diferenciadas da
nossa educação, encontrei educadores dedicados e
entusiasmados. Cheguei à conclusão de que o papel mais
importante numa escola é a do diretor (a). Ele (a) pode
contribuir para mudar a autoestima de seus professores e
funcionários; pode melhorar a qualidade da educação e
pode conquistar seus alunos e seus pais para um ambiente
de concórdia e participação.

O ambiente escolar é um celeiro de “causos” e deles
contarei alguns como este: Certo dia, na secretaria de
Gabinete do Secretário, um senhor muito nervoso estava
na antessala para ter uma conversa pessoal comigo. Ao
final do expediente, recebi-o no meu gabinete e foi logo
adiantando o assunto: “Doutor, quero que o senhor
transfira a minha mulher que é professora na escola X.”
Perguntei qual o motivo e ele acrescentou, “ela está
namorando outro professor”. Para encerrar nossa conversa,
disse àquele senhor que a minha função era cuidar da
educação e não de casos entre casais e que ele mesmo

25

resolvesse o seu. Ele ainda perguntou “como?”. Afirmei
que a forma de resolver era de sua inteira
responsabilidade.

O Ministério da Educação é tratado na quarta parte.
Nela descrevo como cheguei a ser Secretário de 1° e 2°
Graus do MEC, o conhecimento que tive, de perto, da
educação brasileira, como é exercido o poder político em
Brasília, a estrutura de funcionamento do Ministério e os
desafios enfrentados.

Também tive a oportunidade de trabalhar com dois
homens públicos da melhor qualidade: o Ministro Rubem
Ludwig e o Secretário Geral do MEC, Sérgio Pasquali,
sempre preocupados com alternativas para melhorar a
educação brasileira.

No MEC, aprendi que qualquer que seja o Ministro
da Educação, pouco poderá fazer se não tiver o respaldo
do Presidente da República e um bom relacionamento com
os Ministros da Fazenda (principalmente) e do
Planejamento. Outra aprendizagem que tive é que todo
administrador público deve, sempre que possível, ter uma
temporada em Brasília para conhecer e vivenciar melhor
os meandros das grandes decisões nacionais.

A última parte trata da minha participação no
SEBRAE-CE, entidade da maior importância para o
desenvolvimento socioeconômico do Ceará. Para conhecer
bem o papel do SEBRAE no processo de desenvolvimento

26

do nosso Estado, é preciso conhecer os seus programas e
projetos voltados para as micros e pequenas empresas.

Ali vamos encontrar equipes de funcionários bem
motivados, cumpridores integrais de suas tarefas,
responsáveis e que vestem, realmente, a camisa da
instituição, na capital ou no interior do Estado.

O SEBRAE é uma entidade importante e séria e está
envolvida com várias entidades de classe, universidades e
governo estadual. Ele atua de forma eficiente nos negócios
na esfera estadual, nacional e internacional.

Este livro só foi possível ser escrito porque contei
com a colaboração de muitos amigos atenciosos e prontos
a ajudar. Gostaria assim de agradecer a alguns: aos
engenheiros agrônomos Faustino de Albuquerque
Sobrinho, Demócrito de Almeida Assis e sua esposa,
também formada em agronomia, Raquel de Almeida
Assis, pelo suporte dado em relação ao tempo em que
trabalhamos juntos na ANCAR-RN; à Ângela Campos
Magalhães, João Bosco Câmara e José Oswaldo Araújo
pela colaboração fornecida em relação à estrutura antiga
do Ministério da Agricultura.

Às bibliotecárias Margareth de Figueiredo Mesquita,
do Departamento de Economia Agrícola, do Centro de
Ciências Agrárias da UFC, pela presteza na cessão de
material pertencente ao acervo daquela biblioteca e
Albaniza Teixeira Alves, responsável pelo Centro de
Documentação e Informações Educacionais (CDIE) da

27

Secretaria de Educação do Ceará, pela forma atenciosa no
fornecimento das informações solicitadas.

Aos sobrinhos Eleonora de Albuquerque Batista e
seu marido Edésio Batista e Antônio José de Albuquerque
pelos esforços empregados na coleta de dados sobre a
Região do Cariri Cearense. Ao jornalista Humberto Cabral
e ao professor da UFC Mauro Gondim pelas informações
complementares sobre o Projeto Morris Asimov.

Ao professor Marcelo Farias, pela rapidez no
atendimento às solicitações feitas a respeito da educação
rural no Ceará.

Aos funcionários do SEBRAE, Ana Camurça e
Reginaldo Lobo, pela maneira ágil e eficiente no
fornecimento dos dados relativos ao SEBRAE-CE.

Ao professor Pedro Sisnando Leite, pelas sugestões
a respeito de tópicos tratados no livro.

Ao eficiente digitador Francisco das Chagas Silva de
Araújo, pela boa vontade demonstrada ao longo da
elaboração do livro.

Ao professor André Haguette, pela fineza em atender
á minha solicitação para fazer a apresentação do livro, que
o fez com muita presteza.

Ao professor José Cajuaz Filho, que fez, com muita
competência, a revisão, sugerindo ajustamentos
necessários e oportunos.

28

Ao professor Geraldo Jesuíno da Costa, pelo
excelente trabalho realizado na diagramação, montagem e
arte final.

À minha esposa Marlene Menezes de Albuquerque,
pela ajuda importante na listagem do material
bibliográfico consultado e, por ter tido a paciência
suficiente, durante os momentos da escrita deste livro.

Ao meu filho Paulo Antônio de Menezes
Albuquerque, pelas sugestões emitidas a respeito dos
capítulos e trechos do livro.

A todos os amigos que me estimularam a escrever
sobre as entidades aqui abordadas e minha participação
nelas, antes que o tempo desfaça sua própria memória.

As opiniões e os conceitos emitidos e todos os fatos
narrados, bem como os possíveis deslizes, são de inteira
responsabilidade do autor.

29

1ª PARTE:

O SERVIÇO DE EXTENSÃO RURAL
E

O ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

30

INÍCIO PROFISSIONAL

A formação do engenheiro agrônomo na antiga
Escola de Agronomia (atual Centro de Ciências Agrárias)
da Universidade Federal do Ceará, nos anos de 1960, era
generalista. Não havia um aprofundamento específico de
determinada área do conhecimento da profissão.

A base de sua formação estava estruturada em
disciplinas básicas e tecnológicas como física,
matemática, química, botânica, zoologia, geologia,
genética, estatística, química orgânica, agricultura geral,
fitopatologia, microbiologia, engenharia agrícola,
topografia, horticultura, entomologia agrícola, zootecnia,
agricultura especial, tecnologia de alimentos, hidráulica e
construções rurais e economia agrícola. A partir do ano de
1959, com o surgimento da Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), ocorreram
mudanças significativas na região, influenciando os
ajustes necessários na formação de várias profissões,
inclusive agronomia, com a introdução de novas
disciplinas como extensão e sociologia rurais,
modificando e ampliando o conteúdo de economia
agrícola.

O profissional de agronomia era destinado a
trabalhar em instituições públicas, atuando como
professor, pesquisador, extensionista agrícola, técnico,
administrador e, raramente, como técnico ou gerente de
empresas privadas.

31

O ano de 1962, em que terminei o meu curso de
graduação em Agronomia, foi considerado um ano de ouro
em termos de oferta de emprego. A Universidade Federal
do Ceará, o Ministério da Agricultura, as Secretarias de
Agricultura, a Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE), o Departamento de Obras Contra a
Seca (DNOCS), o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e
os Serviços de Extensão Rural estavam expandindo suas
atividades e precisavam de diferentes profissionais,
principalmente de engenheiros agrônomos.

A minha opção foi, no primeiro momento, ir para o
Ministério da Agricultura que havia criado o
Departamento de Promoção Agropecuária, através da Lei
Delegada nº 09, de 11 de outubro de 1962, que previa a
nomeação de 50 engenheiros agrônomos, pois deles havia
escassez no País. A segunda foi inscrever-me no Serviço
de Extensão Rural do Rio Grande do Norte, na época
denominado Associação Nordestina de Crédito e Extensão
Rural-RN (ANCAR-RN).

Em função da morosidade nas nomeações, por parte
do Ministério da Agricultura, a ida para a Ancar-RN foi a
alternativa viável. Seguimos eu e mais dois colegas de
turma, Demócrito de Almeida Assis e José Maria de
Carvalho, em busca de uma experiência fora do Ceará,
iniciando assim nossa vida profissional.

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RIO GRANDE DO NORTE

O Estado do Rio Grande do Norte (RN), no ano de
1963, quando ali chegamos, tinha a sua base econômica na
agropecuária, no minério e nos serviços. A predominância
no agrossetor era a da cana de açúcar na região do litoral,
mormente no vale do rio Ceará-Mirim, existindo ali usina
para produção de açúcar. O algodão arbóreo prevalecia na
região do Seridó, com as variedades chamadas Cruzeta e
9193, esta oriunda do Instituto de Pesquisa Agropecuária
do Nordeste (IPEANE), resultante do trabalho de pesquisa
realizado pelos engenheiros agrônomos Fernando Melo e
Usulino Veloso.

Outra variedade de algodão usada no RN era a
chamada MF-1, devido ao trabalho de seleção de sementes
conduzida pelo engenheiro agrônomo Carlos Farias na
empresa inglesa Machine Cotton, situada no município de
Angicos. É importante destacar que os agricultores de
algodão de pequeno ou médio porte já usavam,
corriqueiramente, a tração animal para o preparo do solo e
a corrente para esquadrinhar o espaçamento entre fileiras e
plantas; sementes selecionadas e plantadeiras manuais de
distribuição de sementes, além dos cuidados nos tratos das
plantas (limpeza de matos, pulverizações etc.).

As culturas de plantas alimentares como arroz,
feijão, mandioca, milho e a pecuária bovina existiam nas
demais regiões do Estado potiguar, destacando-se a região
do Agreste.

33

No munícipio de Currais Novos havia uma mina de
tungstênio, mineral estratégico, que produzia emprego e
renda para a região. O sal era explorado nas proximidades
do município de Mossoró, gerando, muitos anos depois,
uma complexa e moderna estrutura de extração do sal,
financiada pelo Governo Federal, com um porto específico
para a exportação do produto.

Quando cheguei ao Rio Grande do Norte
(07/01/1963), o Estado tinha como Governador Aluízio
Alves, político carismático, populista, com forte apoio da
Aliança para o Progresso, da SUDENE e de alguns órgãos
federais como o Ministério da Educação e Cultura (MEC).
O governador mantinha, semanalmente, um programa de
rádio com mais de três horas de duração, divulgando seu
trabalho. Convocava o povo a participar de eventos, tendo
como símbolo uma bandeira verde, erguida
permanentemente no ponto mais alto do Estado, o Pico de
Cabugi, situado no município de Angicos. O seu lema era
“Fazer em 3 Anos o Que Não se Fez em Três Séculos”.

O governador criou algumas empresas públicas
como a Companhia de Serviços Elétricos do Rio Grande
do Norte (COSERN), a Companhia Telefônica do Rio
Grande do Norte (TELERN), o Serviço Cooperativo de
Educação do Rio Grande do Norte (SECERN). Na
educação, com base na experiência do município de
Angicos na alfabetização de adultos, utilizando o método
Paulo Freire, criou a Fundação José Augusto que abrigou,
em seu seio, a Biblioteca Pública, o Centro de Estudos

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Afro-asiáticos, o Centro de Cultura Hispânica e a Escola
de Arte Infantil Cândido Portinari. No ensino superior,
criou a Faculdade de Jornalismo. A partir das novas
entidades criadas, o Estado iniciou um processo de
modernização socioeconômico.

O Rio Grande do Norte tinha uma infraestrutura
deficiente em termos de estrada, porto, energia elétrica e
telecomunicações. As estradas eram de piçarra, sem
asfalto, inclusive a BR-304 que liga Natal-Fortaleza e a
BR-101 que começa no Estado do Rio Grande do Norte e
vai de Natal-João Pessoa na direção sul do País e as que
levam aos diferentes municípios do Estado. O principal
porto era o de Natal, com frágil estrutura. Vale destacar o
aeroporto situado no vizinho município de Natal, chamado
Parnamirim, construído pelos americanos durante a
Segunda Guerra Mundial, com uma pista de boa
qualidade.

A energia elétrica só veio ter maior abrangência no
Estado com a chegada da energia elétrica de Paulo
Afonso, através da Companhia de Hidroelétrica de São
Francisco, no ano de 1960. Mesmo no ano de 1963,
muitos municípios ainda tinham energia gerada por
motores diesel, durante algumas horas, à noite.

A telecomunicação era muito precária no Estado. Os
serviços de comunicação eram prestados pelo telégrafo da
estrada de ferro ou pelos serviços dos Correios, estes com
muito atraso. Praticamente não existia água encanada, a
não ser na Capital e em algumas cidades grandes como

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Mossoró e Currais Novos. O saneamento era inexistente.
O sistema de saúde era precário e o índice de
analfabetismo, elevado.

A situação socioeconômica do Estado era a de uma
região atrasada, subdesenvolvida e totalmente
despreparada para construir o seu desenvolvimento
industrial.

O Serviço de Extensão Rural do RN precisava
superar grandes desafios e, através de uma metodologia de
educação informal, propor as mudanças necessárias e
possíveis de serem realizadas.

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O SERVIÇO DE EXTENSÃO RURAL-RN

Quando cheguei, no ano de 1963, ao Rio Grande do
Norte, o Serviço de Extensão Rural era realizado pela
Associação Nordestina de Crédito e Extensão Rural
(ANCAR-RN), entidade privada que recebia recursos
financeiros dos Governos Federal (60%), Estadual (35%) e
Municipal (5%).

Outra entidade nacional, também privada,
Associação Brasileira de Crédito e Extensão Rural
(ABCAR), agregava todos os serviços de extensão rural
do Brasil, que estabelecia as diretrizes nacionais para as
entidades estaduais e repassava os recursos financeiros
recebidos da parte do Governo Federal e também de outras
fontes, quando existentes.

Os serviços estaduais de extensão rural tinham
outras denominações como ATER, ANCAR seguido das
siglas dos seus respectivos Estados: ATER-MG, ANCAR-
RN, dentre outros. Em cada Estado havia um Conselho
Estadual que era composto por membros fundadores e
apoiadores e também por aquelas entidades federais,
estaduais e privadas que davam suporte financeiro. No Rio
Grande do Norte, o Conselho Estadual era constituído
pelos representantes do Governo Estadual, do Banco do
Nordeste, do Serviço de Assistência Rural, pelo
Supervisor Estadual e pelo representante da ABCAR.
Havia representações diferenciadas nos Conselhos

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Estaduais, decorrentes da existência de outras entidades
como as Universidades.

Em cada Estado havia um escritório estadual
dirigido por um supervisor estadual, também chamado, em
alguns casos, secretário executivo (caso da ANCAR-RN),
podendo ter um secretário adjunto, auxiliado por um
supervisor técnico e uma supervisora social, conhecida
mais como supervisora de economia doméstica e um
gerente administrativo. Junto ao escritório estadual, havia
extensionistas agrícolas e sociais que exerciam funções de
especialistas. Também poderia, eventualmente, sediar um
supervisor regional, geralmente de uma área geográfica
próxima ao escritório central, assim como auxiliares
administrativos.

A nível intermediário, havia um escritório regional,
localizado, geralmente, na sede do município de maior
representatividade de determinada região geoeconômica, o
qual fazia a supervisão dos trabalhos dos escritórios locais.
O número de municípios a serem supervisionados era
variado, dependendo dos recursos financeiros e humanos.
O escritório regional era composto pelo supervisor
regional e por uma supervisora social ou de economia
doméstica. Eram extensionistas com experiências já
comprovadas nos escritórios locais, podendo dispor de
especialistas técnicos e um auxiliar administrativo.

A nível local, havia um escritório na sede do
município a ser trabalhado, podendo ter dois ou mais
outros municípios vizinhos incluídos nas atividades do

38

referido escritório. Trabalhavam, no escritório local, um
extensionista agrícola e uma extensionista de economia
doméstica ou social e um auxiliar administrativo. É bom
esclarecer que os chamados extensionistas agrícolas, bem
como aqueles outros especialistas que trabalhavam nos
escritórios locais, regionais e estaduais eram portadores de
títulos universitários como engenheiros agrônomos (a
maioria), veterinários, sociólogos, administradores,
economistas, advogados e de nível médio, como os
técnicos agrícolas, as economistas domésticas, as
normalistas e grande número de auxiliares administrativos.

As prefeituras municipais davam suporte ao
escritório local, cedendo um prédio ou arcando com as
despesas de aluguel na sede do município para a instalação
e o funcionamento do referido escritório, pagando, muitas
vezes, o salário do auxiliar administrativo ali lotado. Era a
contrapartida municipal (5%) para o escritório local do
Serviço de Extensão Rural.

Para facilitar o deslocamento dos extensionistas nas
diferentes áreas geográficas de suas atuações, fazia-se
necessário um transporte, geralmente um Jeep Willys
Overland antigo, que o próprio extensionista deveria
dirigir.

A seleção dos recursos humanos para os serviços de
extensão, em todos os níveis de formação, dava-se através
de entrevistas, sem indicação política, seguindo-se
treinamento inicial de três meses, chamado de “pré-
serviço” em que o candidato poderia ser eliminado e

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estágios de campo junto a um ou mais escritório local sob
a supervisão e avaliação do extensionista agrícola local.

Para exercer suas atividades como extensionistas, os
técnicos dos Serviços de Extensão Rural estavam
constantemente realizando cursos de atualização nas
diversas áreas do conhecimento, necessários ao melhor
desempenho de suas tarefas, através dos chamados
“treinamento em serviço”.

Ao final de cada ano de atividades, havia uma
reunião de todos os servidores dos Serviços de Extensão
Rural, a fim de analisar os resultados alcançados e
estabelecer metas para os trabalhos do próximo ano.

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SER EXTENSIONISTA AGRÍCOLA

Chegando a Natal, os candidatos a extensionistas
agrícolas tiveram, nas dependências da Escola de Serviço
Social da Arquidiocese de Natal, uma série de palestras
versando sobre estrutura e funcionamento da ANCAR-
RN; informações sobre o Rio Grande do Norte atinentes
aos aspectos socioeconômicos do Estado e suas diferentes
regiões geográficas; sobre programas e ações do Governo
Estadual e atuação de outras entidades no meio, rural do
Estado, como o Serviço de Assistência Rural da
Arquidiocese de Natal, a Delegacia do Ministério da
Agricultura e outras mais. As palestras eram proferidas
nos turnos da manhã e da tarde.

A etapa segunda do treinamento, que seria o curso
de “pré-serviço”, por razões de ordem técnica, foi trocado
pela terceira o estágio nos escritórios locais.

Feita a distribuição dos candidatos, em um total de
10 técnicos, formados na Universidade Federal do Ceará
(3) e na Escola de Agronomia de Areia-Paraíba (7), coube
a mim ir para o município de Nova Cruz, na Região do
Agreste, onde o escritório local tinha como extensionista
agrícola o Engenheiro Agrônomo Zaqueu de Almeida que
começara o seu curso de agronomia na UFC e o concluíra
na Escola de Agronomia de Areia-Paraíba.

Nova Cruz era uma cidade pequena, em torno de
15.000 habitantes. A estrada que a ligava a Natal e a

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outros municípios circunvizinhos era de piçarra, não tinha
a energia de Paulo Afonso, mas a de um motor diesel que
funcionava durante poucas horas à noite. Não havia água
encanada e a utilizada pela população era transportada, por
trem, de uma lagoa e depositada num tanque de cimento
ao lado da estação de trem, onde os habitantes locais a
retiravam para os diversos usos, utilizando latas e carroças
puxadas por animais. A cor da água era amarelada e de
gosto amargo. Saneamento não havia. O lazer era jogar
bola e observar o movimento da rua. Existia uma única
pensão, chamada de “hotel,” onde fiquei hospedado, tendo
como companheiros, viajantes, vendedores ou
representantes de vários produtos como sapatos, tecidos,
ferramentas, cosméticos, que percorriam o interior do
Nordeste. À noite, colocávamos cadeiras na calçada da
pensão para ouvir as estórias verdadeiras ou inventadas
dos viajantes.

As maiores e mais importantes autoridades do
município eram a prefeita, mulher valente e muito
respeitada, o delegado de polícia e o padre. Não lembro se
existia juiz ou promotor.

A programação do estágio, junto ao escritório
consistia em acompanhar o extensionista local nas
atividades de campo junto a agricultores ou comunidades,
pela manhã. Na parte da tarde, quando o dia não era
tomado por atividades no meio rural, atendíamos as
solicitações dos produtores ou de seus familiares na sede
do escritório ou realizávamos reuniões de serviço. O

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estágio permitia ao estagiário aprofundar conhecimentos
das técnicas agrícolas, das melhores metodologias
utilizadas nos trabalhos extensionistas e conhecer de perto
a realidade do meio rural, os costumes e as tradições do
povo.

Após um mês de estada no município de Nova Cruz,
fui designado par ir para o município de Currais Novos, na
Região do Seridó, que tinha a sede da cidade melhor
apresentada, contando com 30000 habitantes. Era um
município com melhor estrutura, com água encanada, mas
ainda sem luz de Paulo Afonso, com energia durante
algumas horas da noite, gerada por um motor diesel. Não
tinha sistema de esgoto, as estradas eram de piçarra e não
possuía telecomunicações. Entretanto, sua economia era
dinâmica com a plantação, em larga escala, do algodão
arbóreo e com exploração do minério de tungstênio de
uma mina lá existente. Havia, no município e nas
redondezas, forte presença de técnicos da SUDENE, que
faziam estudos exploratórios sobre novos minerais.

Fiquei hospedado em uma casa alugada pelos
técnicos da SUDENE, que era considerada mal-
assombrada pelos habitantes da cidade. Durante o dia,
permanecia com portas e janelas abertas e ninguém se
atrevia a entrar. Corria na cidade a história de que um
negro, empregado daquela casa, ali havia se suicidado por
enforcamento e aparecia no local com frequência.

Um técnico que havia trabalhado na mina de
tungstênio e que morara na referida casa havia morrido

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queimado ao tentar combater insetos, chamados
“pichilingas,” com pólvora, num pavilhão do aviário da
mina. Eram muitas histórias, alimentadas pelas crendices e
superstições locais e por certa dose de malandragem. Na
primeira noite em que dormi na casa, começaram a jogar
pedras dentro da rede em que eu dormia e passei devolvê-
las na mesma direção. Apesar disso, dormi muitas noites
só, na casa, no escuro e nada vi.

O extensionista agrícola do escritório de Currais
Novos era o engenheiro agrônomo João Costa, que havia
concluído seu curso de agronomia na Escola de
Agronomia de Areia-Paraíba e que, depois, seria
extensionista regional e, posterirormente, professor da
Universidade Federal do RN, em Natal.

O treinamento de estágio no escritório de Currais
Novos obedecia ao mesmo esquema do treinamento de
Nova Cruz: acompanhar os trabalhos do extensionista
local no meio rural e na cidade, tentando aprender sempre
mais, evitando erros futuros.

Após 15 dias em Currais Novos e com a chegada
imprevista do secretário executivo da ANCAR-RN,
engenheiro agrônomo Faustino de Albuquerque Sobrinho,
recebi a comunicação de que eu deveria seguir para o
município de Caicó, na Região do Seridó e substituir o
colega que exercia ali a função de extensionista agrícola.

O extensionista ali lotado era oriundo de
transferência do Serviço de Extensão Rural do Estado do

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Pará (ACAR-PA). Tinha uma estatura muito baixa, o que
lhe provocava atitudes disparatadas: dirigia o Jeep da
ANCAR colocando travesseiros no banco para parecer
mais alto e, quando ia às festas dançantes na cidade,
gostava de dançar com moças mais altas. Tais
comportamentos inspiraram galhofas por onde ele
passava. Para completar o drama do citado técnico, fora
colocado, na sede do escritório local, um jumento com um
cartaz: “Eu sou o Doutor Fulano.” Acatando a orientação
do Secretário Executivo da Ancar-RN, assumi o escritório
local de Caicó, ainda na fase de estagiário.

Caicó era uma cidade de destaque na Região do
Seridó, tendo políticos de projeção estadual e nacional,
com base econômica na cultura do algodão arbóreo,
(predominância da semente de algodão chamada Seridó) e
na pecuária bovina.

O binômio algodão-gado era a base principal de
grande parte do Nordeste brasileiro, principalmente, dos
Estados do Ceará e Rio Grande do Norte. A cultura do
algodão gerava a renda principal da região do semiárido
nordestino. Era o chamado “ouro branco” e estabelecia o
consórcio algodão-boi, permitindo que o gado pudesse se
alimentar do restolho da plantação do milho e/ou do feijão
plantados entre fileiras das plantas do algodão. Através da
renda da colheita do algodão os agricultores estimulavam
a movimentação financeira nas feiras e no comércio local.
O algodão possibilitou o surgimento de várias usinas para
a extração do óleo para o consumo humano e para a

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produção de tortas do caroço do algodão para a
alimentação animal.

Em Caicó, dei continuidade aos projetos em
andamento no escritório, estabeleci novos relacionamentos
com a comunidade local, favorecendo o retorno da
confiança, por parte dos produtores rurais do município,
nos trabalhos ali realizados.

Após algum tempo no escritório de Caicó, eu
deveria cumprir a etapa seguinte de treinamento para
admissão como extensionista agrícola da ANCAR-RN.
Seria participar do “pré-serviço.” Com a vinda de outro
colega para me substituir, deixei Caicó.

O “pré-serviço,” após o estágio de campo foi
realizado nas dependências do Colégio Agrícola de
Jundiaí, próximo a Natal, onde ficávamos internos de
segunda a sexta-feira com atividades pela manhã e à tarde.
As aulas abordavam temas como metodologia; filosofia;
objetivos da extensão rural; meios de comunicação usados
como auxiliares da extensão; liderança; estudo de
situação; culturas e técnicas agropecuárias entre outros. O
treinamento incluía a confecção de material didático, a
elaboração de roteiros e redação de artigos técnicos,
algumas visitas a outras entidades ligadas às atividades
agropecuárias ou às propriedades agrícolas que usassem
tecnologias inovadoras. A avaliação fazia parte das etapas
ou dos módulos do treinamento.

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Ao término do treinamento do “pré-serviço” e tendo
passado pelos estágios de campo nos escritórios locais da
extensão, os candidatos aprovados estavam prontos para
iniciarem suas novas atividades profissionais como
extensionistas agrícolas.

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COMEÇO DE TRABALHO

Após o treinamento do “pré-serviço”, os novos
extensionistas agrícolas tiveram conhecimento de suas
lotações, onde dariam início às atividades profissionais.
Fui lotado no município de Ceará-Mirim, reabrindo o
escritório local que ali funcionara e fora fechado. A
ANCAR-RN havia passado, no início dos anos 60, por
uma forte crise, com fechamento de alguns escritórios
locais, redução de pessoal e contenção financeira. Os
novos extensionistas chegados em 1963 eram favorecidos
por uma nova etapa de crescimento da entidade, com
maior suporte financeiro por parte do Governo Estadual.

O município de Ceará-Mirim localiza-se na Região
do Litoral do Rio Grande do Norte, distante 27 km de
Natal e ligado, na época, por uma estrada de
paralelepípedos, com uma ponte sobre o rio Potengi, por
onde passavam trens e carros. Ali a energia de Paulo
Afonso ainda não tinha chegado. O motor diesel gerava
energia das seis às dez horas da noite. Água encanada não
existia. Retirava-se água de cacimbas ou do rio Ceará-
Mirim. O esgotamento sanitário era feito através das
fossas existentes nas casas ou lançado a céu aberto.

A base econômica era a cana de açúcar, cuja
plantação se espalhava por todo vale do rio Ceará-Mirim.
Havia uma usina para produção de açúcar, pertencente à
família Varela. Nas pequenas e médias propriedades

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existia plantio de mandioca, bananas, milho e outros
cultivos de fruteiras e hortaliças.

O lazer da população da cidade dava-se com o
deslocamento para as praias em municípios próximos
principalmente, em Natal. A maioria das compras fazia-se
no comércio da Capital, bem como a utilização de serviços
de saúde e educação (níveis médio e superior).

A cidade de Natal, no ano de 1963, era uma cidade
de aproximadamente 170 mil habitantes, com forte
presença de militares do Exército, Marinha e Aeronáutica,
advindos do período da Segunda Guerra Mundial, com a
instalação da base americana. O local era o ponto mais
próximo da África e servia de trampolim para a retomada
daquele continente por tropas aliadas. A economia base da
cidade eram serviços, sobretudo, do comércio e do
governo.

Natal tem uma topografia acidentada, com uma parte
chamada alta e a outra baixa. O lazer, na época, eram as
praias, principalmente a do Forte e a dos Artistas, ir aos
cinemas, aos restaurantes (a famosa carne seca do Lira),
aos bares e dançar nas tertúlias domingueiras do Clube
América. O hotel principal da cidade, os Três Reis Magos,
construído pelo Governo do Estado na Praia dos Artistas.
Na época, o turismo era insignificante.

Minha primeira tarefa ao chegar ao município de
Ceará-Mirim, juntamente com a extensionista doméstica
Eloísa Maia, que faria parte da equipe do escritório local

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