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Published by andreaires, 2019-06-19 08:00:11

Vivências_de_um_profissional

Vivências_de_um_profissional

onde iríamos trabalhar foi contatar com o prefeito
municipal sobre a dependência onde seria instalado o
escritório local, conforme acerto já estabelecido pelo
escritório estadual. Definido o local (próximo ao mercado
municipal, no centro da Cidade) e recebidos os móveis
vindos de Natal, finalmente o escritório estava nas
condições de funcionar. Após ampla divulgação no
município, era necessário realizar entrevistas para
proceder a seleção do auxiliar administrativo. O escritório
foi inaugurado.

A segunda etapa do trabalho foi percorrer toda a área
geográfica do município, juntamente com a extensionista
de economia doméstica, levantando informações sobre a
infraestrutura municipal (estradas, energia elétrica, meios
de comunicação), estrutura agrária (dimensões das
propriedades), principais culturas agrícolas, tipo e formas
de exploração da pecuária (bovinos, caprinos etc.), uso ou
não de equipamentos agrícolas, técnicas agrícolas
adotadas, situação da saúde, alimentação, níveis de
educação, estrutura familiar, tipo de habitação, fontes e
qualidade da água usada, lideranças existentes, religiões
predominantes e outras informações que eram
complementadas com dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Era o que chamávamos de
estudo da situação, fundamental para realizar um bom
trabalho em extensão rural.

Á noite, eu e Eloísa (extensionista de economia
doméstica), visitávamos as principais lideranças do

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município (padre, professoras, agricultores residentes na
sede, presidente do Rotary local e outras), trocando
informações e solicitando apoio ao nosso trabalho. O
importante dessas visitas é que elas possibilitaram que
Eloísa ficasse hospedada no colégio das freiras na sede
municipal e eu alugaria uma casa para morar, uma vez que
o município não tinha hotel.

O trabalho da extensão local deve começar com
visitas às propriedades agrícolas a serem trabalhadas. No
nosso caso, seriam as pequenas e as médias, já que as
grandes plantavam cana de açúcar com características
próprias em termos de tecnologia e aspectos
socioeconômicos. A extensão rural é um trabalho
educativo informal que tem, como unidade de trabalho, a
família rural.

Para trabalhar com a unidade familiar, a extensão
utiliza uma metodologia que começa com a visita, para
estabelecer a confiança entre os extensionistas (agrícola e
de economia doméstica) e a família a ser trabalhada. Em
seguida, dependendo de cada situação, da vontade e do
nível do produtor, poder-se-ia realizar alguma
demonstração individual, relativa a uma prática ou
tecnologia que o produtor queira aceitar para melhorar sua
produção agrícola (o uso de uma plantadeira manual, por
exemplo).

Outras vezes, o produtor agrícola foi informado ou
visitou uma outra propriedade tomando conhecimento de
um novo tipo (variedade) de milho, por exemplo, e

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gostaria de experimentá-lo na sua propriedade. Como ele
demonstrou interesse e desejava testar a nova técnica, o
extensionista agrícola escolhe uma pequena área da
propriedade para plantar a nova variedade de milho
desejada, que pode dar certo ou não. Este é um outro
método da extensão chamado de unidade de observação.
No caso de sucesso, servirá o local para levar outros
agricultores a conhecerem a novidade, através do método
da visita. Mesmo quando o extensionista agrícola, por
acaso, encontra um produtor agrícola numa feira da
cidade, é um momento para trocar informações as mais
diversas, inclusive relacionadas às tecnologias agrícolas.
Esta é uma metodologia de extensão chamada de contato.

Em função do desenvolvimento ou da aceitação do
trabalho dos extensionistas (agrícola e de economia
doméstica), outros agricultores ou donas de casa gostariam
de participar de encontros para conhecerem as novidades
trazidas ao meio rural pelo trabalho da extensão. O método
usado é chamado de reunião, porque agrega grupos de
pessoas, aumentando o alcance das informações a serem
divulgadas. Noutras ocasiões, os extensionistas (agrícola e
de economia doméstica) são convidados por outras
entidades ou programas, ou mesmo por conta própria, a
realizarem, com a presença ou não de produtores rurais,
uma palestra. Trata-se de outra metodologia usada na
extensão.

A extensão rural tem como objetivo a aprendizagem
informal do agricultor e dos membros de sua família

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(esposa, filhos e aderentes) e a considera eficaz. É o
“aprender a fazer, fazendo”. Assim, se o extensionista
agrícola quer realmente que o produtor aprenda a utilizar
uma nova tecnologia tem de deixá-lo praticar. Para
praticar, o produtor necessita ver alguém fazendo, seja o
técnico ou outro produtor (como o uso do cultivador, por
exemplo). O extensionista agrícola deve, de preferência,
reunir um grupo de produtores para aumentar o número de
adotadores. A metodologia usada é chamada de
demonstração de método (DM).

Em algumas situações, um grupo de produtores
demonstra interesse em conhecer fazendas e/ou centros de
pesquisa agronômica, por terem informações (por parte do
extensionista ou não) das novas tecnologias ali usadas.
Para proporcionar tal oportunidade, o extensionista
agrícola utiliza toda infraestrutura possível para levá-los a
conhecerem os referidos locais usando mais um método de
extensão, denominado de excursão.

Quando temos uma nova tecnologia agrícola ou uma
nova prática, advinda de um produtor mais inovador e
queremos mostrá-la a um novo produtor, podemos plantar
uma ao lado da outra: a tecnologia nova e a forma antiga
ou tradicional de fazer. Por exemplo, o produtor rural
planta algodão na sua propriedade, usando uma distância
sem padronização entre plantas numa fileira e entre fileiras
de plantas, obtendo um determinado resultado na colheita,
geralmente baixo. Se plantarmos, ao lado da forma
corriqueira, filas de plantas com espaços padronizados,

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assim como entre plantas, vamos obter maior
produtividade. Como o ditado popular que diz “só acredito
vendo”, é o método da extensão chamado demonstração
de resultados (DR), através do qual o extensionista
agrícola leva outros produtores a conhecerem os
resultados obtidos.

Os extensionistas (agrícola e a de economia
doméstica), atuando há certo tempo na sua área de
trabalho e querendo alcançar um público maior,
necessitam usar novas metodologias de alcance massal
como o rádio, o jornal, a televisão, os boletins, as
campanhas educativas, as exposições e as feiras, que
são os meios de comunicação usados na extensão. O que é
necessário e que exige uma experiência maior por parte
dos extensionistas, é o cuidado com a linguagem usada,
que deve ser ao nível de compreensão de quem recebe a
mensagem. Com esta finalidade, os extensionistas
recebem treinamento específico de como escrever e falar
de maneira mais simples e adequada.

Finalmente, o extensionista agrícola utiliza outros
métodos na extensão chamados especiais, como dia de
campo, em que grupos de produtores visitam uma fazenda
ou uma estação experimental de pesquisa agronômica,
vendo diferentes e variados temas sobre novas técnicas
agrícolas de uma mesma cultura ou criação.

No caso do algodão, por exemplo, pode mostrar
novas variedades de plantas, novos espaçamentos, tratos
culturais, novos equipamentos etc.; dia especial similar ao

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dia de campo, para divulgação de tecnologias locais
agregando palestras, demonstrações (DM, DR) e por fim a
propriedade demonstrativa (PD), quando são utilizadas
as várias tecnologias em diversas culturas ou criações.

O escritório de Ceará-Mirim, como os demais
escritórios locais da ANCAR-RN, elaborava o seu Plano
Anual de Trabalho em que eram estabelecidos, entre
outros itens, os seguintes aspectos: nomes das culturas
agrícolas a serem trabalhadas, por exemplo, as hortaliças;
da pecuária bovina, suína etc.; os aspectos sociais como a
saúde, alimentação, habitação; os objetivos a serem
alcançados; as metas visadas; as metodologias possíveis
de serem utilizadas; o público alvo; as áreas ou localidades
onde atuar; os resultados a serem obtidos; as formas de
realizar avaliações para medir os objetivos e as metas
alcançados, entre outros.

O crédito supervisionado que era destinado aos
pequenos e médios produtores, via convênio Banco do
Nordeste do Brasil (BNB)/Serviços de Extensão do
Nordeste-ANCARS-NE, tinha o objetivo de proporcionar
melhoria de vida aos mesmos. O crédito podia ser usado
na compra de insumos (sementes, adubos, inseticidas); de
novos equipamentos (plantadeiras, arados, de preferência à
tração animal); na construção, reforma de estábulos ou na
compra de animais etc. O crédito também podia ser usado
para melhoria da casa, para compra de utensílios
domésticos, entre outros. Noutras palavras, o crédito podia

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ser usado em investimento nas atividades econômicas e no
custeio das ligadas ao bem-estar da família rural.

Para conseguir o crédito, o agricultor necessitava
elaborar um plano ou um projeto, no qual estava
estabelecido, entre outros itens, em que seriam aplicados
os recursos financeiros; os custos do empreendimento
desejado; a perspectiva do valor de retorno do capital
aplicado; o prazo de execução; as formas de pagamento e
os prazos. O projeto era elaborado com a participação dos
extensionistas locais (o extensionista agrícola e a
extensionista de economista doméstica) e o produtor rural
com o envolvimento de sua família.

A elaboração dos projetos do crédito supervisionado
consumia muito do tempo do trabalho dos extensionistas,
os quais eram obrigados a acompanhar a aplicação dos
recursos financeiros por parte dos agricultores. O BNB só
liberava as parcelas financeiras após o relatório emitido
pelo extensionista local.

O extensionista devia elaborar mensalmente um
relatório das atividades desenvolvidas “in loco” para o
escritório estadual da ANCAR-RN. Anexados ao relatório
mensal, seguiam os comprovantes das despesas mensais
do escritório, destinados ao setor administrativo, a fim de
liberar recursos para pagamento de pequenas despesas.

O escritório local recebia a visita mensal do
supervisor regional, engenheiro agrônomo Antônio
Ronaldo Fernandes e da supervisora de economia

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doméstica Consuelo Batista Gurgel os quais orientavam e
analisavam ali os trabalhos realizados. Algumas vezes, os
extensionistas iam ao escritório estadual, em Natal, tratar
dos assuntos relativos ao trabalho e contatar com o
secretário adjunto, engenheiro agrônomo Fernando
Ferreira Barros, e o gerente administrativo Clóvis Araújo.

Depois de certo tempo, os extensionistas do
escritório de Ceará-Mirim passavam a receber outras
solicitações por parte da Prefeitura Municipal, dos
diretores de escola, das lideranças de sindicatos rurais e
dos clubes de serviço. No dia 21 de setembro, quando era
comemorado o dia da árvore, fomos convidados pela
Prefeitura para organizar as comemorações que incluíram
palestras nas escolas, plantio de mudas de árvores nas
praças e ruas da cidade. A Fundação de Saúde Especial
Pública (SESP), através de seu médico lotado em Ceará-
Mirim, também começou a realizar trabalhos conjuntos
conosco. Fomos recomendados a fazer parte do Rotary
Clube local, a titulo de representação da ANCAR-RN.

O grande entrave ao trabalho de campo do
extensionista agrícola naquela época era a falta de
resultados da pesquisa agropecuária que, por assim dizer,
travava a introdução de novas tecnologias, uma vez que os
institutos de pesquisa existentes faziam estudos sobre as
grandes culturas, inadequadas ao trabalho de extensão
rural e também não existia a EMBRAPA (Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária). A saída encontrada
pelo extensionista era identificar, na sua área de atuação,

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práticas exitosas advindas de outros produtores rurais, os
chamados inovadores.

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NÚCLEO COLONIAL DE PUNAÚ

A Arquidiocese de Natal era dirigida por Dom
Eugênio de Araújo Sales, quando cheguei ao Rio Grande
do Norte (1963). Tinha uma atividade social intensa
realizada por intermédio de várias entidades e programas.

Nos anos 60, a Região Nordeste do Brasil vivia uma
efervescência política e ideológica, principalmente no
meio rural, com ações das Ligas Camponesas, de cunho
esquerdista, liderada pelo Deputado Francisco Julião e,
por outro lado, um movimento político-social da Igreja
sob a orientação do Padre Antônio Melo com
predominância no Estado de Pernambuco, nas regiões do
litoral e do agreste, governado na época, pelo político
Miguel Arraes, com ressonância nos demais Estados da
região. O tema dominante era a reforma agrária.
Discutiam-se as formas de como fazer a indenização das
terras a serem desapropriadas e quais as regiões
geográficas dos Estados nordestinos (litoral, agreste,
sertão etc.) a serem alcançadas.

A Igreja Católica também vinha se envolvendo com
o problema da desigualdade social no meio rural, dando
início a uma série de ações visando melhorar as condições
socioeconômicas da população.

No Rio Grande do Norte, nos anos de 1960, o
populismo (política baseada no aliciamento das classes
sociais de menor poder aquisitivo) teve uma projeção

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muito forte de campanhas de educação popular visando à
politização dos mais humildes como a “Campanha de Pé
no Chão Também se Aprende a Ler”. No município de
Angicos, havia a experiência do método Paulo Freire para
a educação de adultos. A eleição de Aluízio Alves para
Governador do Estado e de Djalma Maranhão para
Prefeito de Natal acirrou o populismo expresso nas
páginas dos jornais Tribuna do Norte de Aluízio e A Folha
da Tarde de Djalma.

D. Eugênio criou o Serviço de Assistência Rural
(SAR) que promovia uma série de atividades como
programas radiofônicos através da rádio da Arquidiocese.
Entre os mais variados temas tratados, incluíam-se aulas
de alfabetização de adultos pelo rádio. Na região
nordestina, na época, o rádio era o veículo de
comunicação de maior penetração e audiência. A televisão
ainda era um veículo novo no Nordeste e por esse motivo
de baixo alcance.

A Arquidiocese possuía instituições de ensino
superior, participava de vários conselhos de entidades
privadas ou públicas, era forte apoiadora de outras como a
ANCAR-RN, tendo muita influência politica e social no
Estado.

Dentre as atividades da Arquidiocese, destaca-se a
criação e instalação do Núcleo Colonial do Punaú,
localizado no município de Touros- Região do Litoral com
uma área de 400 hectares com assentamento de famílias de
agricultores brasileiros e japoneses.

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Segundo informações correntes, a Colônia de Punaú
foi montada com recursos, conseguidos por D. Eugênio
junto a entidades religiosas da Alemanha. A estrutura da
Colônia tinha uma rua que dividia as casas das famílias de
brasileiros e japoneses, com um total de 20 casas para
cada nacionalidade. A administração da Colônia era
exercida por um técnico agrícola, cedido pelo Ministério
da Agricultura. A infraestrutura compreendia ainda um
galpão para máquinas, um armazém, estradas, energia
elétrica, água encanada nas casas, uma escola e a
residência do administrador.

Anteriormente havia funcionado na Colônia um
escritório da ANCAR-RN com a finalidade de prestar um
trabalho educativo informal, dirigido pelo Engenheiro
Agrônomo Ronaldo Fernandes, o qual fechara por razões
institucionais. O SAR que fiscalizava e apoiava a Colônia
solicitou à direção da ANCAR-RN o retorno da extensão
ao empreendimento. Estando o escritório local de Ceará-
Mirim, próximo à Colônia, foi ele designado para prestar
assessoria técnica educacional ao projeto Punaú.

Assim a equipe de extensionistas de Ceará-Mirim,
constituída por mim e por Eloísa, às terças e quintas-
feiras, ia a Punaú, chegando pela manhã cedo e
regressando ao final da tarde, após realizar trabalhos com
os produtores rurais e suas famílias.

Foi uma experiência rica e de muita aprendizagem
de nossa parte, começando pela barreira da língua, uma
vez que os japoneses quase nada falavam de português. A

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mímica era o melhor meio de comunicação e de
entendimento entre nós e os orientais. Com o tempo,
fomos aprendendo como funcionava a estrutura de
liderança e o espirito comunitário dos japoneses.

As famílias dos japoneses que viviam no Punaú
eram originárias de regiões próximas aos locais onde os
americanos jogaram as bombas atômicas, durante a
Segunda Guerra Mundial. Apresentavam sequelas de
ordem física e psíquica. Eram desconfiados e pouco
comunicativos.

Um dia, o administrador da Colônia comunicou-me
que havia um japonês doente, escondido no meio da mata,
sob uma coberta de palha construída pelos japoneses. Era
tradição entre eles que, quando uma pessoa estava doente,
sem condições de cura, devia ser isolado para morrer em
paz. Dizia o administrador que tentara inúmeras vezes que
os japoneses indicassem o local onde estava o doente,
nada conseguira. Restava-me tentar.

Saí de casa em casa dos japoneses, solicitando que
indicassem onde estava escondido o doente na mata. Nas
primeiras casas visitadas, tive como resposta o silêncio.
Depois de algumas visitas, cheguei a uma, cujo dono me
ouviu com mais atenção e, depois de certo tempo, disse
que me levaria ao local. Ao sair, outros japoneses
decidiram acompanhar-me. Vendo a situação precária do
doente, disse-lhes que iria buscar um médico.

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Retornei imediatamente a Ceará-Mirim, onde
procurei o médico da Fundação SESP, sediado na sede do
município, e falei-lhe da situação da saúde do japonês,
solicitando sua ida imediata à Colônia. O médico foi de
imediato, levando medicamentos. Feitos os exames
médicos e a prescrição dos medicamentos necessários,
após alguns dias, o doente teve franca recuperação. A
partir daí, aumentou a confiança das famílias japonesas na
equipe da ANCAR-RN e eu descobri que, no grupo, havia
um líder que tomava decisões. Por outro lado, não
faltaram mais japoneses para irem ao médico do SESP.

O objetivo do trabalho da educação informal na
Colônia era a da adoção de novas práticas agrícolas por
parte de brasileiros e japoneses. Os japoneses tinham o
conhecimento, o uso de tecnologias modernas e bastante
experiência no plantio de hortaliças e na utilização de
melhores sementes e formas de plantio, colheita e tradição
na cultura do arroz. Tais conhecimentos deveriam ser
transferidos para os brasileiros que, por outro lado, tinham
conhecimento e prática no plantio e na colheita da cultura
da banana que deveriam repassar aos japoneses.

A exploração agrícola era feita em lotes de cinco
hectares para cada produtor, brasileiro ou japonês, que
recebia, da parte do SAR, os insumos necessários
(sementes, adubos etc.), ajuda de máquinas para o preparo
do solo, transporte da colheita dos lotes para o galpão de
armazenagem e ajuda na comercialização dos produtos,
resultantes da produção agrícola.

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Certas áreas de determinados lotes tinham, como
suporte, um tipo de solo chamado paul, constituído de
material orgânico e alagadiço, apresentando alto índice de
alcalinidade (ph >7), o que exigia a utilização da técnica
de calagem, a qual consistia na distribuição, sobre o solo,
de gesso, para criar uma condição de neutralidade,
indispensável ao plantio de culturas agrícolas. Anos
depois, tive oportunidade de ir à África e visitando alguns
países, entre eles a Costa do Marfim, encontrei o mesmo
solo, tipo paul.

O trabalho dos extensionistas era assim distribuído:
a extensionista de economia doméstica ficava junto às
famílias brasileiras em determinado dia; em outro dia,
ficava com as japonesas, trocando pontos de vista a
respeito de melhorias da alimentação, de cuidados com a
saúde, principalmente das crianças, de ajustes no ambiente
da habitação e na utilização de novos equipamentos
domésticos que poderiam ajudar na melhoria da eficiência
dos trabalhos caseiros.

A extensionista de economia doméstica tinha um
cuidado especial com as donas de casa no que dizia
respeito à orientação no aproveitamento de produtos
excedentes, na fabricação de conservas e doces.

O extensionista agrícola passava uma manhã nos
lotes dos brasileiros e uma tarde nos dos japoneses. Seu
trabalho consistia na troca de informações técnicas com os
produtores a respeito do preparo do solo para o plantio, da
semeadura das mudas de plantas, do sistema de irrigação a

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ser utilizado, da adubação, do combate às pragas e
doenças das plantas, da colheita, dos cuidados no
transporte e na armazenagem dos produtos. Em vários
momentos, conversávamos com o administrador da
Colônia a respeito do andamento do nosso trabalho e
fazíamos as solicitações necessárias para as atividades
vindouras.

No período em que estávamos na Colônia de Punaú,
constatamos que os produtores rurais japoneses
começavam o trabalho a partir das cinco horas da manhã,
terminando suas atividades quando o sol declinava, além
de trabalhar nos sábados e domingos. Por sua vez, os
produtores brasileiros começavam a trabalhar mais tarde,
de manhã e à tarde, terminavam suas atividades em torno
das dezesseis horas e não trabalhavam nos sábados e
domingos. Eram visões culturais bastante diferenciadas e
determinantes.

A respeito dos resultados alcançados nos trabalhos
da Colônia de Punaú, depois que deixamos a ANCAR-RN,
não tivemos mais oportunidade de acompanhar.

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A EXTENSÃO RURAL E OS JOVENS

O trabalho com os jovens era uma das formas mais
eficientes e de perspectiva futura para o Serviço de
Extensão Rural. A estratégia aplicada era a de um clube de
serviços de jovens, com a sigla “Clube 4-S” cujos
significados da letra S eram (saber, sentir, servir e saúde).
O saber significa que o jovem deve sempre procurar novos
conhecimentos e práticas a fim de melhorar seu nível de
vida. O sentir, a conscientização para efetuar as mudanças
necessárias na a sua comunidade. O servir, fazer do jovem
um veículo a mais, no seu meio, para ajudar a mudar as
condições socioeconômicas. Noutras palavras, aprender
que servir é fundamental. A saúde é um importante fator
para proporcionar bem-estar e disposição para enfrentar o
trabalho e os desafios.

Os Clubes 4-S contavam com uma diretoria, um
quadro de associados na faixa de idade de 9 a 18 anos, de
ambos os sexos. Realizavam reuniões periódicas,
trabalhavam com projetos técnicos econômicos e sociais e
ajudavam na transformação dos adultos em termos
educacionais. Os padres jesuítas é bom lembrar, quando
chegaram pela primeira vez no Brasil, adotaram a
estratégia de educar os índios adultos por intermédio de
seus filhos.

O Serviço de Extensão, quando trabalhava com
jovens, visava aos seguintes objetivos: mudar as atitudes
dos adultos pelos resultados dos trabalhos dos jovens;

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formar líderes rurais para promoverem mudanças na
comunidade; proporcionar maior incentivo para
permanência dos futuros produtores na vida do campo;
mudar os hábitos rotineiros dos jovens rurais, tendo em
vista a importância das tecnologias para o aumento da
produção e da produtividade agrícolas e da melhoria das
condições sociais.

Os resultados dos trabalhos executados pelos sócios
dos Clubes-4S eram divulgados através de exposições, de
encontros estaduais e nacionais dos Clubes 4-S e de
concursos de produtores mirins entre outros.

O Escritório Estadual da ANCAR-RN que utilizava,
entre as formas usadas de “treinamento em serviço,”
cursos de curta, média e longa duração para a constante
atualização de seus extensionistas, comunicou que eu
deveria fazer um curso de 15 dias na cidade do Recife
sobre reforma agrária, patrocinado pela SUDENE. O
referido curso foi realizado num centro de treinamento. As
aulas eram ministradas pela manhã e à tarde, de segunda a
sábado, em regime de internato e com folgas aos sábados à
tarde e aos domingos.

No mês de outubro de 1963, recebi a comunicação,
da parte do Ministério da Agricultura, de que fora
nomeado agrônomo do referido Ministério, juntamente
com vários outros colegas. No início deste livro, abordei
as várias oportunidades de emprego para os engenheiros
agrônomos, formados no ano de 1962 e entre elas a do
Ministério da Agricultura que havia criado o

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Departamento de Promoção Agropecuária, necessitando
preencher 50 vagas para engenheiros agrônomos em todo
o Brasil, o que não era fácil, pela inexistência de
profissionais da área. Quando estudante, eu fora servidor
público do Estado do Ceará e havia inscrito o meu nome
na lista do Ministério da Agricultura. Em função da
demora na nomeação, aceitei o convite para trabalhar na
ANCAR-RN.

Decidir nem sempre é fácil: ficar na ANCAR-RN ou
ir para o Ministério da Agricultura? Eu estava satisfeito
com o trabalho que realizava na ANCAR-RN, tendo
perspectiva de crescimento profissional, com bom
relacionamento nos diversos níveis da instituição e,
principalmente, na comunidade em que trabalhava. A
grande dificuldade do Sistema de Extensão era o suporte
financeiro, por parte das instituições públicas,
principalmente, nas transferências, quase sempre
atrasadas, das parcelas dos recursos financeiros,
necessários ao bom funcionamento da entidade. Retornar
ao Ceará, à terra natal, aos familiares e amigos, era um
desejo muito forte. Até para os mais aventureiros, os
chamados judeus cearenses, permanece o impulso de
voltar para a terrinha.

Não foi difícil convencer-me de não deixar passar
aquela oportunidade profissional, de poder contribuir da
melhor forma possível para o desenvolvimento do setor
agropecuário no meu Estado de origem.

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Foi assim que deixei o Serviço de Extensão Rural do
RN, a ANCAR-RN.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

LIVROS E FOLHETOS

1. Damasceno, José Maria. Extensão Rural (1954-
2004); 50 anos a serviço do produtor rural
cearense. Fortaleza, Premius, 2004. 224 p.

2. EMBRATER. Coordenadoria de
Desenvolvimento do Sistema. Supervisão nos
Serviços de Extensão. Brasília, 1980. 116p.

3. FAO. Programa de Cooperacion Técnica. La
extension ruraly el desarrollo del agro; uma
alternativa programática para uma situación de
crisis. Santiago, 1987. 54 p.

4. Fonseca, Maria Tereza Lousa da. A extensão rural
no Brasil, um projeto educativo para o capital.
São Paulo, Edições Loyola, 1985. 191 p.
(Coleção Educação Popular, 3).

5. Freire, Paulo. Extensão ou comunicação?
Tradução de Rosisea Darcy de Oliveira. 12ª
ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. 93 p.

6. Pinheiro, Deodato Machado. Algodão; uma
experiência de vida. São Paulo, Baraúna, 2010.
227 p.

7. Minas Gerais. Universidade Federal de Viçosa.
Departamento de Economia Rural. Extensão
70

rural no desenvolvimento da agricultura
brasileira. [por] José Geraldo Fernandes de
Araújo, Geraldo Magela Braga, Marinho
Miranda dos Santos. Viçosa, 1994. 60 p.
8. Silva Filho, Manoel Marques da. A extensão rural
em meio século; a experiência do Rio Grande
do Norte. Natal, 2005. 164 p.
ARTIGOS
1. Brasil Senado Federal. Coordenação de Estudos.
Extensão rural no Brasil; uma abordagem
histórica da legislação [por] Marcus Peixoto.
Brasília, 2008. 51 p. (textos para discussão,
48).
2. Santa Catarina. Secretaria de Agricultura e
Desenvolvimento Rural. Programa de
Recuperação Ambiental e de Apoio do
Pequeno Produtor Rural. Declínio da extensão
rural no Brasil, por Glauco Olinger, 2010. 2 p.

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2ª PARTE:

O MINISTÉRIO DA AGRICULTURA
E O CARIRI CEARENSE

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RETORNANDO AO CEARÁ

No início do mês de janeiro de 1964, apresentei-me
à Delegacia do Ministério da Agricultura no Ceará,
representação máxima em nosso Estado do Ministério da
Agricultura e em cuja chefia estava, na época, o professor
e engenheiro agrônomo Francisco Alves de Andrade, que
havia sido meu mestre no Curso de Agronomia da
Universidade Federal do Ceará. A estrutura do Ministério
da Agricultura (MA) era completamente diferente do
Serviço de Extensão do RN (ANCAR-RN), de onde eu
viera.

O Ministério tinha como objetivo principal realizar o
“fomento agropecuário” que fora estabelecido ainda na
década de 1940, quando foram criados os chamados
Postos Agropecuários (PAPS), pequenas fazendas
demonstrativas. O fomento agrícola caracterizava-se pelo
uso de novas tecnologias agropecuárias para servirem de
estímulo e modelo para que os produtores agrícolas e
criadores mudassem suas formas de produzir, aumentando
sua produtividade.

Em cada Delegacia do Ministério da Agricultura nos
Estados, geralmente, havia um núcleo central de produção
agropecuária, dividido em dois grupos: Produção Vegetal
e Produção Animal. No caso específico do Ceará, a
produção vegetal dava-se através dos Postos
Agropecuários nos seguintes municípios: Crato-Região do
Cariri; Quixadá, Quixeramobim–Região do Sertão

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Central; Sobral, Ipu-Região Norte; Iguatu, Lavras da
Mangabeira- Região do Centro Sul; Itapipoca- Região do
Litoral; Russas-Região do Baixo Jaguaribe; Crateús-
Região dos Inhamuns; Guaramiranga- Região do Maciço
de Baturité; Guaiúba- Região Metropolitana de Fortaleza.

O trabalho do Ministério da Agricultura relacionado
à produção animal no Ceará estava concentrado nas
Fazendas Iracema-Quixadá; Mocambo-Sobral e Itaperi-
Fortaleza.

A estrutura de cada posto agropecuário era formada
pelas residências para os técnicos de nível superior, médio
e dos trabalhadores de campo. Possuía galpões para
máquinas e equipamentos, armazéns, sistemas de
irrigação, estábulos, pequenos açudes ou poços amazonas,
energia elétrica de Paulo Afonso ou de geradores próprios,
estradas internas, muitas vezes, oficina mecânica, tendo
sua área física totalmente cercada.

Na parte agrícola, os postos agropecuários podiam
ter pomares, hortas, culturas comerciais como o algodão
ou alimentares como arroz, feijão etc. e pequenas criações
de bovinos, caprinos e ovinos. As atividades
desenvolvidas por cada PAPS eram variadas, conforme
sua localização regional.

Assim, por exemplo, o Posto Agropecuário de
Guaramiranga, por ser localizado numa região de serra
(Maciço de Baturité), trabalhava com fruticultura,
produzindo mudas de plantas frutíferas e demonstrando

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técnicas de enxertia. O PAPS de Quixadá, mais conhecido
por Lavoura Seca, produzia sementes selecionadas de
feijão, variedade “Seridó”, em um trabalho conjunto com a
Escola de Agronomia, atual Centro de Ciências Agrárias
da Universidade Federal do Ceará. Depois de
beneficiadas, eram distribuídas para todo o Estado do
Ceará. O PAPS de Guaiúba desenvolvia trabalhos de
multiplicação de sementes de arroz e o de Iguatu
trabalhava com sementes de algodão, e assim por diante.

Existiam, também, em alguns PAPS, as chamadas
Patrulhas Motomecanizadas, compostas de tratores de
pneus e de esteiras com equipamentos. Os de pneus
destinavam-se à abertura de áreas para plantio, serviços de
aração e gradagem entre outras finalidades e os de esteiras
eram utilizados na construção de açudes e barragens de
pequeno porte. O uso dos referidos tratores era pago pelos
produtores com base na hora trabalhada. Essas Patrulhas
Motomecanizadas existiam nos PAPS dos municípios de
Itapipoca, Iguatu, Crato e Quixadá. Elas contavam com
oficinas mecânicas de manutenção e caminhões para os
deslocamentos de seus equipamentos.

Na parte relativa à produção animal, cada fazenda
apresentava características e objetivos diferenciados. A
Fazenda Mocambo, situada no município de Sobral,
dedicava-se à criação de bovinos, principalmente as
linhagens europeias, zebuínas, e à raça nativa. Realizava
cruzamentos dirigidos entre as diferentes raças de bovinos
com controle de coberturas com vistas ao melhoramento

75

da produção de leite e carne dos rebanhos da região.
Oferecia cursos sobre vacinação, controle leiteiro, manejo
e arrazoamento de animais, prevenção e combate das
principais doenças infectocontagiosas. O uso e a
armazenagem de forrageiras no âmbito das fazendas
faziam parte das orientações técnicas.

A Fazenda Itaperi, em Fortaleza, possuía um
laboratório animal com ações voltadas para a saúde dos
rebanhos bovinos, caprinos, ovinos e equinos. Oferecia
serviços como a coleta de sangue dos animais destinados a
fornecerem diagnósticos de doenças, prevenirem e
combaterem as principais zoonoses presentes no Estado. O
laboratório, durante muitos anos, produziu vacina
antirrábica, atendendo ao Ceará e aos Estados vizinhos.

A Fazenda Iracema, no município de Quixadá,
tratava do melhoramento do gado nativo através de
cruzamentos dirigidos, tendo como suporte o gado zebuíno
(Guzerá e Nelore). Também cuidava da melhoria de
ovinos.

O Estado do Ceará, nos anos 60, ainda tinha muitas
deficiências nos meios de comunicação e para viabilizar a
circulação de informações entre os Postos Agropecuários e
a sede de Fortaleza do M.A. existia um sistema de rádio.

Cada PAPS era chefiado por um engenheiro-
agrônomo ou um veterinário, podendo ter um “staff” de
mais outros agrônomos e veterinários, contando com uma
lotação de auxiliares, os chamados técnicos agrícolas, de

76

nível médio e os trabalhadores de campo. O quadro de
pessoal de cada Posto era variado, dependendo do
tamanho da área e das atividades desenvolvidas.

O Ministério da Agricultura possuía ainda, no início
dos anos 60 a Superintendência do Ensino Agrícola e
Veterinário (SEAV) que supervisionava os Colégios
Agrícolas e, anteriormente, também os Cursos Superiores
de Agronomia e Veterinária. Posteriormente a SEAV saiu
da esfera da M.A. para o Ministério da Educação e Cultura
(MEC). Junto à Delegacia do Ministério da Agricultura,
havia um engenheiro-agrônomo da SEAV que exercia
suas atividades de supervisão nos Colégios Agrícolas de
Pacatuba e Granja, então existentes.

Funcionava, no Ceará, ainda o Serviço de
Classificação Vegetal que possuía um quadro com um
chefe, engenheiro-agrônomo, e dez classificadores,
realizando trabalhos de classificação de produtos para
exportação. Os principais produtos agrícolas para
exportação, na época, eram cera de carnaúba, algodão e
castanha de caju. O referido trabalho tinha o apoio da
Carteira do Comércio Exterior (CACEX) do Banco do
Brasil. Realizava também um trabalho de previsão de
safra, nos meses de fevereiro, junho e setembro, da
produção das culturas de algodão, milho e feijão no Estado
do Ceará.

Contava o Ministério da Agricultura, no Estado, com
o Serviço de Defesa Vegetal, com engenheiros agrônomos
distribuídos em alguns municípios, entre eles o de Crato,

77

com o objetivo de fiscalização do uso de defensivos
agrícolas (agrotóxicos).

Na Região do Cariri Cearense, com sede na cidade
do Crato, existia a Comissão de Desenvolvimento do Vale
dos Carás, vinculado ao Ministério da Agricultura para a
qual fui designado.

A estrutura do Ministério da Agricultura situada no
Estado do Ceará, descrita anteriormente, depois foram
totalmente desmontados os Postos Agropecuários e as
Fazendas de Criação Animal, alguns foram invadidos
pelos sem-terra e outros transferidos para instituições,
como a Universidade Federal do Ceará (PAPS Lavoura
Seca-Quixadá), Governo Estadual e Prefeituras, e para
particulares com prestígio político. Os Serviços de Defesa
Vegetal e de Classificação Vegetal foram transferidos para
o Governo Estadual. A Comissão de Desenvolvimento do
Vale dos Carás teve seu prazo de validade esgotado.

A antiga Delegacia do Ministério da Agricultura no
Ceará é chamada, atualmente, de Superintendência Federal
de Agricultura, Pecuária e Abastecimento no Estado do
Ceará. A base de seu trabalho é a fiscalização de
exportação e importação de produtos agropecuários
(vigilância zoo e fitossanitária) através das Unidades de
Vigilância Agropecuárias situadas nos Portos do Mucuripe
(Fortaleza) e Pecém (São Gonçalo do Amarante) e no
Aeroporto Pinto Martins, Fortaleza.

78

A REGIÃO DO CARIRI CEARENSE

Designado pela chefia do Ministério da Agricultura
no Ceará para atuar na Região do Cariri Cearense, para ali
segui no início do ano de 1964. Iria coordenar a Comissão
de Desenvolvimento do Vale dos Carás, com sede na
cidade de Crato.

O Cariri fica situado no sul do nosso Estado, distante
cerca de 600 km de Fortaleza. Os meios de transporte mais
usuais para ali se chegar eram o ônibus (Empresa
Expresso de Luxo) e o trem (Rede de Viação Cearense). A
BR-116 que começa em Fortaleza e segue em direção ao
sul do País, era, naturalmente, a via mais usada para se
chegar àquela região. O asfalto da BR, naquela época,
chegava ao município de Pacajus, daí em diante era só
piçarra e muita poeira. Gastava-se um dia de viagem em
ônibus de assentos desconfortáveis, sem banheiro, com
paradas despreparadas em termos de qualidade de
alimentos, diversidades de produtos ofertados e limpeza de
toaletes.

Em termos de delimitação geográfica, o Cariri
Cearense sempre teve controvérsias. Inicialmente, quando
se levava em consideração somente a zona canavieira, a
região era considerada constituída pelos municípios de
Barbalha, Juazeiro do Norte e Crato. Posteriormente,
foram adicionados os municípios de Santana do Cariri,
Brejo Santo, Caririaçu, Jardim, Mauriti e Milagres.

79

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), no levantamento do censo de 1960, considerou a
Região do Cariri Cearense formada por 15 municípios:
Abaiara, Barbalha, Barro, Brejo Santo, Caririaçu, Crato,
Granjeiro, Jardim, Jati, Juazeiro do Norte, Mauriti,
Milagres, Missão Velha, Penaforte e Porteiras.

Nos anos de 2000, o Cariri foi desdobrado na
chamada microrregião do Cariri como pertencente à
mesorregião Sul Cearense e constituída pelos municípios
de Barbalha, Crato, Jardim, Juazeiro do Norte, Missão
Velha, Nova Olinda, Porteiras e Santana do Cariri. Por Lei
Complementar Estadual n° 78, de 29 de junho de 2009, foi
criada a Região Metropolitana do Cariri a partir da
conjugação dos municípios de Juazeiro do Norte, Crato e
Barbalha, chamada de triângulo caririense ou
popularmente de CRAJUBAR. Somando-se a eles, foram
incluídos mais Caririaçu, Farias Brito, Jardim, Missão
Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri.

A Região Metropolitana do Cariri de acordo com a
lei estadual que a criou terá como área de influência a
região sul do Ceará e a região da divisa entre Ceará e os
Estados de Pernambuco, Paraíba e Piauí. Doravante
vamos considerar a região do Cariri Cearense, aquela
constituída por 15 municípios conforme estabeleceu o
Censo do ano de 1960 do IBGE, dada a proximidade do
ano de 1964, quando ali cheguei.

No início dos anos 60, a economia do Cariri tinha
como suporte maior a agricultura, seguida do comércio e

80

esforços para incrementar mais a indústria. A agricultura
na região estava baseada nas culturas da cana-de-açúcar
(principal), mandioca, milho, arroz, algodão e feijão.

A cana-de-açúcar era chamada de cultura dos ricos,
pois o seu produto principal era a rapadura produzida nos
engenhos, cujos donos eram considerados homens de
fortuna. A cidade de Barbalha possuía imensas áreas de
plantação de cana, destacando-se o Vale do Salamanca,
cortado pelo rio do mesmo nome. Também contava com
inúmeros armazéns para a venda de rapadura que saíam
em carradas, transportadas por caminhões para os sertões
nordestinos. Os plantadores de cana contavam com um
bom suporte agronômico na região, através do Instituto de
Pesquisa Agropecuária do Nordeste (IPEANE), que tinha
o Campo de Sementes de Barbalha e que ajudou a eliminar
a doença do “mosaico” que dizimava ferozmente a
referida cultura. O Campo de Sementes de Barbalha criou
novas variedades de plantas resistentes ao “mosaico”, bem
como produzia mudas de fruteiras (manga, citros etc.).

A cultura da mandioca estava presente em quase
todos os municípios da região, destacando-se a zona da
Serra do Araripe. Seus principais produtos eram a farinha
de mandioca e a goma utilizadas vastamente na mesa
nordestina.

A cultura do milho estava espalhada no Cariri,
destacando-se os municípios de Missão Velha, Milagres,
Brejo Santo, Mauriti e Caririaçu.

81

A cultura do arroz estava presente no município do
Crato (Vale dos Carás), Juazeiro do Norte e Missão Velha
dentre outros.

A cultura do algodão tinha uma importância
econômica pela existência na região de várias usinas para
o beneficiamento do caroço do algodão, produção de óleo
comestível e fabricação da torta de sementes para
alimentação de animais. Os municípios de Milagres, Brejo
Santo e Jati eram grandes produtores.

De acordo com o Agente de Estatística do IBGE do
Crato Antônio Correia Coelho, com base no VI e VII
recenseamento realizado pelo IBGE, nos anos de 1950 e
1960 e apresentado no I Seminário de Estudos Caririenses,
realizado no ano de 1965 na Faculdade de Filosofia do
Crato, a produção total da agricultura no Cariri Cearense,
comparando os anos de 1959 e 1964, era a seguinte:

Especificação 1959 (t) 1964 (t)
Cana-de-Açúcar 426.080 516.621
127.245 124.564
Mandioca 41.047 46.998
Milho 22.625 41.751
Arroz 31.121 36.138
Algodão 20.112 24.398
Feijão

A pecuária, na época, era uma atividade
complementar. A bovina era a dominante com um rebanho
de mais de 224.887 animais no ano de 1964. Todo grande
pecuarista do Cariri possuía fazendas nos sertões de

82

Pernambuco, trazendo o gado, por ocasião das moendas da
cana para engordar no aproveitamento do olho e da palha
da cana. O gado era geralmente mestiço, holandês e
nativo, resultando daí aumento na produção de leite, no
tempo da movimentação dos engenhos. É conveniente
destacar a Exposição Agropecuária do Crato, realizada
anualmente no mês de julho e de repercussão em vários
Estados da região nordestina (Bahia, Pernambuco, Rio
Grande do Norte, Piauí, Paraíba), e em Minas Gerais. A
vinda de criadores daqueles Estados de raças
geneticamente melhoradas para comercialização tem
contribuído para elevar a produtividade do gado da região.

Devemos ainda destacar a criação de suínos com
218.282 animais; de caprinos com um plantel de 200.497
cabeças; de ovinos 145.056 e equinos com 54.441. Além
de contar com asininos 50.000 e muares 48.838, dados do
ano de 1964. (Antônio Correia Coelho, 1965).

Em termos de infraestrutura, a região do Cariri no
ano de 1964 era deficiente em estradas e meios de
comunicação. O grande suporte de infraestrutura existente
na época era a presença da energia de Paulo Afonso,
fornecida pela Companhia de Eletricidade do Cariri
(CELCA). O Cariri foi a primeira região do Estado do
Ceará a receber a energia de Paulo Afonso em 28/12/1961.

O comércio estava em franco desenvolvimento não
só pela variedade de produtos ofertados, mas,
principalmente, pela presença, na região, de filiais de
empresas como as Casas Pernambucanas (Grupo

83

Lundgren), Mesbla, Souza Cruz, White Martins, Casa
Inglesa e Pessoa Filho. Os dois principais polos
comerciais da região eram Juazeiro do Norte e Crato. O
primeiro destacava-se pelo comércio de joias, pelo
artesanato e pelos produtos religiosos, por causa das
presenças constantes de romeiros de diferentes locais do
Nordeste, vindos para prestarem em homenagens ao
“Padim” Padre Cicero. O segundo tinha comércio de
tecidos, eletrodomésticos, carros e material agrícola.

A indústria era constituída por empresas mais
antigas, destinadas principalmente ao beneficiamento do
algodão, à extração de óleos vegetais, à refinação e ao
fabrico de sabão. Viviam um período áureo comprando
equipamentos novos, ampliando suas instalações físicas,
empregando um bom número de operários e fornecendo
seus produtos para vários municípios do Ceará e de
Estados vizinhos. Ela estava presente nos municípios de
Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha, Missão Velha, Brejo
Santo e Caririaçu.

Nesse período, novas indústrias começavam a ser
instaladas como as fábricas de papel, de calçados, de
cerâmica, de cimento, de alimentos e a Coca-Cola entre
outras.

O Cariri vivia a experiência do “Projeto Morris
Asimov”, fruto de convênio entre a Universidade Federal
do Ceará/ a Universidade da Califórnia- Estados
Unidos/SUDENE/BNB/Aliança para o Progresso-USAID.
Visava referido acordo à implantação na região de

84

pequenas e médias indústrias, tendo como matéria prima
os recursos regionais.

A Região do Cariri passou por transformações
substanciais, mormente no seu aspecto econômico. Hoje,
sua infraestrutura é moderna e atualizada, o comércio e os
serviços passaram a dominar a economia da região, a
industrialização teve avanços com a instalação de novas
indústrias, o perfil do setor agropecuário é diferenciado e
novos meios de comunicação foram instalados.

A saúde teve melhorado seu suporte, a educação
cresceu bastante, principalmente o ensino superior; o
mercado de trabalho foi bastante diversificado; melhorias
na habitação, serviços de água encanada e esgotos (este
em menor escala) foram ampliados; a coleta de lixo está
mais presente. Entretanto, no social, temos ainda
problemas na distribuição de renda, na carência de
habitação, no inchaço das sedes municipais e na
descontinuidade de certos programas sociais. Falta, ainda,
melhorar o planejamento de longo prazo da região e
modificar os valores éticos do poder político.

Todos os municípios da região são ligados por
estradas asfaltadas, inclusive a BR-116 Fortaleza-Cariri.
Hoje, estradas estaduais entre Fortaleza e Cariri oferecem
percursos mais curtos, todas asfaltadas. Todos os
municípios, inclusive no meio rural, estão contando com
energia elétrica de Paulo Afonso, fornecida pela
Companhia de Eletricidade do Ceará (COELCE). A
telefonia celular está presente em toda área da região, com

85

as principais empresas prestadoras de telefonia móvel e
fixa nas sedes municipais. A rede de fibra ótica está
presente nos municípios de Juazeiro do Norte, de Crato e
de Barbalha, proporcionando maiores velocidades de
comunicações, via banda larga 3G.

Os meios de comunicação estão presentes com as
várias emissoras de rádio AM e FM. O município de
Juazeiro do Norte possui emissoras de televisão. O
aeroporto de Juazeiro do Norte, denominado Aeroporto
Deputado Orlando Bezerra, proporciona diariamente voos
para Brasília, São Paulo, Recife, Fortaleza e conexões para
o restante do País, pelas principais empresas aéreas
brasileiras. O Metrô do Cariri, utilizando o sistema do
VLT (trem leve sobre trilhos) faz atualmente a ligação das
cidades de Crato e Juazeiro do Norte. A previsão é que o
Metrô possa fazer a interligação das cidades do núcleo da
Região Metropolitana do Cariri.

O comércio teve um desenvolvimento substancial
em toda região, principalmente no município de Juazeiro
do Norte. Ali existe um grande shopping e outro em
construção com a presença de grandes cadeias de
supermercados (Atacadão, Açaí, São Luiz etc.), grandes
lojas de revenda de carros, lojas especializadas de roupas e
calçados e material de construção entre outras. Merece
destaque a presença, em Juazeiro do Norte e Barbalha, de
grandes armazéns de várias distribuidoras nacionais de
produtos comestíveis.

86

A prestação de serviços vai de hotéis, de
restaurantes, de bares, de buffets, de equipamentos
eletrônicos, de médicos e odontológicos especializados, de
diferentes empresas de transporte coletivo e os mais
variados serviços públicos. É bom frisar que a
informatização esta presente na quase totalidade do
comércio e serviços.

A industrialização teve avanços substanciais com a
predominância da indústria de calçados (Juazeiro do
Norte, Crato e Barbalha), da farmacêutica, dos vagões de
trem (VLT) e da fábrica de cimento (Barbalha), joias e
refrigerantes (Juazeiro do Norte), de papel (Crato), de
massas alimentícias (Juazeiro do Norte e Crato), entre
outras. Juazeiro do Norte é atualmente o terceiro maior
polo da indústria de calçados brasileiros, depois de Franca
(São Paulo) e Novo Hamburgo (Rio Grande do Sul).

A agropecuária teve modificações com a perda da
cana-de-açúcar como cultura agrícola principal da região.
Nos dias atuais, é o setor da fruticultura que é o destaque
maior com a produção da banana, cultivada
principalmente nos municípios de Mauriti, Barbalha e
Missão Velha e exportada para diversos Estados das
Regiões Nordeste e Norte do País. As culturas alimentares
estão presentes em áreas menores de cultivo como milho e
feijão nos municípios de Mauriti, Brejo Santo, Santana do
Cariri, Nova Olinda e Milagres e mandioca nos
municípios de Santana do Cariri e Crato. No município de
Barbalha, o Governo Estadual construiu uma Central de

87

Abastecimento de Alimentos, permitindo um melhor
retrato da produção regional.

A pecuária bovina diminuiu seu plantel na região,
devido às secas nos últimos anos e também à transferência
de animais para os Estados do Maranhão e Tocantins,
onde os criadores de gado da região adquiriram fazendas
de criação. Os municípios, hoje, com maior número de
bovinos são Brejo Santo, Porteiras, Mauriti e Crato. No
município de Crato, no local chamado Malhada (Distrito
de Ponta da Serra), existe um grupo de criadores de vacas
leiteiras (holandesas puras e/ou mestiças), que
estabeleceram uma cooperativa e implantaram uma
miniusina para pasteurização do leite produzido.
Atualmente produzem e comercializam leite pasteurizado
ensacado e derivados (queijos, iogurtes e manteiga). A
Exposição Agropecuária do Crato teve ampliado seu raio
de influência e diversificado sua amostra de animais, raças
e produtos agroindustriais.

A saúde teve melhoras importantes com a criação de
dois cursos de medicina (Juazeiro do Norte e Barbalha);
com a construção do Hospital Regional do Cariri pelo
Governo do Estado, sediado em Juazeiro do Norte; com a
ampliação e a modernização dos Hospitais Maternidade
São Vicente de Paulo e Santo Antônio e do Hospital do
Coração, todos em Barbalha; do Hospital e Maternidade
São Francisco de Assis, Hospital São Raimundo e
Hospital São Miguel, no Crato. Médicos especializados

88

nos grandes centros de medicina do País e Exterior estão
fixados na região e cirurgias complexas são ali realizadas.

A educação assistiu, nos últimos anos, ao
surgimento de novas modalidades de formação dos jovens
como as Escolas Profissionalizantes construídas pelo
Estado, como a do Crato (Escola Estadual
Profissionalizante Violeta Arraes), o CENTEC (Instituto
Centro de Ensino de Ensino Tecnológico), Juazeiro do
Norte. O ensino superior foi o que teve maior
desenvolvimento com a presença da Universidade Federal
do Cariri (UFCA), Juazeiro do Norte e da Universidade
Regional do Cariri (URCA), Crato, Campus do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
(IFCE) nos municípios de Juazeiro do Norte e Crato e
unidades da Universidade Vale do Acaraú (UVA),
Juazeiro do Norte e Crato. Várias faculdades particulares
estão presentes na região como a Leão Sampaio, a Estácio
de Sá, a Paraiso (FAP), a de Juazeiro do Norte (FJN), a de
Tecnologia CENTEC (FATEC CARIRI), a de Medicina
de Juazeiro do Norte, o Instituto de Teologia Aplicada
(INTA), todos situados em Juazeiro do Norte e a Católica
do Cariri, na cidade do Crato.

O município de Juazeiro do Norte é um importante
polo de ensino superior do Ceará, com influência em
outros Estados da região nordestina, pela presença de 11
instituições entre universidades públicas e faculdades
privadas, ofertando 56 cursos de graduação e 62 de

89

especializações com um total de mais de 20.000
estudantes.

O ensino superior melhorou o desenvolvimento
socioeconômico da região de várias formas, qualificando
mais os recursos humanos; ampliando oportunidades de
trabalho para professores, funcionários e alunos e
estimulando a construção civil (moradia para os novos
alunos, professores, funcionários). Também acelerou o
desenvolvimento pelo surgimento de novos negócios
(hotéis, restaurantes, bares, buffets, supermercados,
transporte coletivo); a vinda de especialistas em diversas
atividades profissionais (médicos, dentistas, técnicos de
informática e de montagem de equipamentos sofisticados);
a melhoria nas comunicações (rede de fibra ótica); as
modificações nos equipamentos comunitários (escolas,
hospitais, transporte público) e os maiores cuidados por
parte dos administradores públicos com as vias de
circulação de veículos, a limpeza pública, o abastecimento
de água, ampliação do saneamento, dentre outras razões
pela reivindicação dos novos usuários, melhor
qualificados profissionalmente.

O turismo é o novo grande “filé” da região
apresentando alternativas para as modalidades religiosa,
ecológica, cultural e científica.

O turismo religioso é predominante em Juazeiro do
Norte com a presença dos romeiros em suas devoções ao
Padre Cícero Romão Batista. O ecológico pela variedade
paisagística e pelas trilhas existentes na Chapada do

90

Araripe (Crato) e pelos parques do Caldas e Arajara no
município de Barbalha.

O cultural é riquíssimo com o artesanato nas formas
de figuras talhadas em madeira e barro (Juazeiro do Norte
e Crato), suas danças festivas de cunho religioso e suas
bandas de pífaros (Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha),
na literatura de cordel (a Academia dos Cordelistas do
Crato) e no trabalho grandioso da Fundação Casa Grande,
uma ONG (Organização não Governamental), atuante nas
áreas da educação (não formal), na comunicação, na arte e
na cultura, geridas por crianças, adolescentes e jovens.
Esta situada no município de Nova Olinda e possui um
museu (Museu do Homem Kariri), um teatro (Violeta
Arraes), uma banda de música, um coral, uma emissora de
rádio, um estúdio de televisão e uma sede própria. A
Fundação Casa Grande foi criação de Alemberg Quindins
e Roseane Lima Verde.

O científico tem como suporte maior o estudo da
flora regional rica em termos de formulações de novos
medicamentos (floresta da Serra do Araripe) e com a
presença do Museu de Paleontologia, de renome
internacional pertencente à Universidade Regional do
Cariri-URCA, sediado no Município de Santana do Cariri.

O Governo do Estado construiu no Crato um Centro
de Convenções que vai permitir a realização de eventos
nas diversas áreas do conhecimento técnico-científico, do
comércio e da indústria, trazendo para a região pessoas

91

dos diferentes recantos do País e mesmo do Exterior,
alavancando ainda mais o turismo local.

Entre os grandes desafios de imediato para a região,
podemos destacar um melhor ordenamento do trânsito nas
sedes municipais em função do grande aumento de carros
e motos; ampliação do sistema de esgotamento sanitário,
evitando o triste quadro de correrem nas vias públicas as
águas usadas; melhoramento e ampliação da pavimentação
das ruas e avenidas nas sedes municipais e nos distritos;
criação de mais áreas públicas como praças e parques;
melhora da coleta e seleção do lixo; impedimento da
destruição das matas na região, com queimadas
principalmente na Chapada do Araripe. Em resumo, o
grande desafio é dotar o planejamento municipal de uma
visão de médio e de longo prazo.

92

A CIDADE DO CRATO

Quando cheguei à cidade do Crato, ela tinha uma
população em torno de 50.000 habitantes. Povo simpático,
prestativo e orgulhoso de sua situação intelectual. Já
funcionavam as Faculdades de Filosofia do Crato (1960) e
a de Ciências Econômicas (1961); o Seminário São José
(1922); o Instituto Cultural do Cariri (1953), com sua
Revista Itaytera; a Sociedade Artística do Crato (1950),
com a Escola de Música Branca Bilhar. Os colégios
tradicionais como o Diocesano (1927) e o Santa Teresa de
Jesus (1923), o Serviço Nacional da Indústria (SENAI)
com o seu Centro Social da Indústria; o Serviço Social do
Comércio (SESC), com o Centro Social do Comércio; os
cursos profissionalizantes nas áreas do comércio e
contabilidade; o Museu Municipal (Itaytera); as
bibliotecas; as emissoras de rádio Araripe, dos Diários
Associados e a Educadora, da Diocese) e o jornal A Ação
(da Diocese), conferiam a cidade a denominação de
“Capital Cultural”.

Sede de Bispado tinha representação de várias
entidades federais e estaduais. Seu aeroporto estava
situado no alto da Serra do Araripe, chamado Aeroporto
Nossa Senhora de Fátima, com voos para Fortaleza e
outras regiões do País, a cargo da Viação Aérea do Rio
Grande (VARIG), utilizando os famosos aviões DC-3.
Uma Agência do Banco do Brasil atendia a outros
municípios do Cariri. A estação de trem da Rede de

93

Viação Cearense (RVC) ligava Crato a Fortaleza com
trens de passageiros e de carga e era o ponto final da
extensão da Estrada de Ferro de Baturité.

A energia de Paulo Afonso era distribuída na cidade
pela Companhia de Eletricidade do Cariri (CELCA); o
sistema de comunicação dava-se por meio de canais de
micro-ondas a cargo da Companhia de Telecomunicações
do Ceará (CITELC). Uma empresa municipal de
sociedade anônima chamada Serviço Telefônico do Crato
(SERTESA) oferecia telefonia fixa na sede do município e
outra, denominada Serviço Telefônico Rural (SERTRUC)
para o meio rural. As imagens da televisão chegavam via
torre repetidora com forte penetração da TV Comércio de
Pernambuco. Por sua vez, a Agência dos Correios e
Telégrafo local atuava nos municípios circunvizinhos,
além da cidade do Crato contar com numerosos rádios
amadores.

A cidade tinha uma topografia desigual, por estar
situada no sopé da Serra do Araripe com a parte central
plana e os arredores montanhosos. O centro da cidade no
sentido leste-oeste, era formado pela Praça da Estação da
Estrada de Ferro, oficialmente denominada de Praça
Francisco Sá, conhecida pela estátua de Cristo e pela
Coluna da Hora ali postados, estava lá situado o Hotel
Crato e a Rua Nelson Alencar paralela a um trecho da
Avenida José Alves de Figueiredo, na parte próxima ao
prédio do antigo Mercado Central chamado de Redondo

94

(atual prédio da Prefeitura Municipal) e por onde passa o
canal do Rio Granjeiro.

No sentido norte-sul, começava na Rua Almirante
Alexandrino, onde existe a Ladeira do Joquinha, seguindo
por várias ruas transversais até a Praça Alexandre Arraes
em frente ao Hospital e Maternidade São Francisco de
Assis.

As duas principais ruas do centro eram Senador
Pompéu e a Dr. João Pessoa que, a partir da Praça Siqueira
Campos, chamava-se Rua Dr. Miguel Lima Verde e da
Praça da Sé em diante, Rua Dom Quintino. Ao longo da
Dr. João Pessoa e nas suas ruas vizinhas e paralelas
estavam as principais lojas e praças da cidade: São
Vicente, oficialmente chamada Juarez Távora, a Siqueira
Campos, a principal do Crato, ponto de encontro para
discutir o cotidiano, local onde existia um cinema (Cine
Cassino), o bar e sorveteria Glória, o café Líder, o Grande
Hotel e a loja de eletrodomésticos de Thomas Osterne; a
Praça da Sé, onde estava a Igreja de Nossa Senhora da
Penha (Catedral), a Praça Prefeito Alexandre Arraes, onde
ficava o Hospital e Maternidade São Francisco de Assis e
mais à frente estava o Crato Tênis Club e a Praça Antônio
Esmeraldo. Devemos destacar as ruas paralelas à João
Pessoa e à Senador Pompéu como as Ruas Santos Dumont
e a Tristão Gonçalves, conhecida como a Rua da Vala.

No centro da cidade estavam situados os principais
estabelecimentos comerciais, a Agência do Banco do
Brasil, a Cooperativa de Crédito Banco Caixeiral, os

95

cinemas da cidade, as escolas mais renomadas, hotéis, os
consultórios dos médicos e dentistas mais conhecidos, o
principal hospital e maternidade e onde aconteciam os
principais eventos cívicos, sociais e administrativos do
município.

Em torno do centro, todas as segundas-feiras, era
realizada a famosa “Feira do Crato”, que ocupava as
principais ruas, com os espaços divididos por oferta de
cereais (arroz, feijão, milho, farinha e goma de mandioca),
hortaliças e frutas (tomate, pimentão, abóbora, banana
abacaxi, mamão etc.), pequi, roupas e sapatos, artefatos de
barro (panelas) e de alumínio (copos, panelas), produtos
de artesanato, venda de pequenos animais (galinhas,
carneiros, porcos) de grandes (jumentos, burros e cavalos),
além da presença de cantadores de viola e repentistas.
Vinham para a feira semanal, moradores do meio rural e
urbano dos municípios vizinhos e de outros estados
fronteiriços, como Pernambuco, transportados por
camionetas e caminhões tipo “pau de arara.” O dia da feira
era a oportunidade para os produtores rurais resolverem
questões no Banco do Brasil, fazerem compras de
eletrodomésticos e “jogarem conversa fora” com os
amigos.

Outra grande movimentação no centro da cidade
dava-se por ocasião dos festejos da padroeira Nossa
Senhora da Penha, que começavam no dia 22 de agosto
indo até o primeiro de setembro. Eles aconteciam na Praça
da Sé, com barracas para venda de alimentos, um parque

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de brinquedos, diversões variadas como tiro ao alvo, pesca
de peixes, quermesses com os seus famosos leilões,
novenas, procissões e missas solenes. A cidade ficava
cheia dos filhos saudosos da terra que moravam noutros
lugares do nosso ou em outros Estados do País que vinham
render homenagens à padroeira. Na ocasião aumentava o
congraçamento familiar.

O maior evento socioeconômico da cidade, no
entanto, no mês de julho, era a realização da Exposição
Agropecuária do Crato, mais conhecida como a
Expocrato. Tive a oportunidade de ser o secretário da
Comissão Organizadora da Exposição no ano de 1965. Era
realizada no Parque de Exposição de propriedade do
Governo Estadual, dependência da então Secretaria de
Agricultura. Os recursos financeiros eram oriundos do
Estado, destinados à construção, ampliação ou
recuperação dos pavilhões para abrigarem os animais.
Espaços para a montagem de estandes comerciais de
empresas ligadas ao setor agropecuário e de bancos eram
alugados. Havia também estandes para as entidades dos
governos federal, estadual e municipal mostrarem suas
atividades e realizarem ações educativas.

Na área do parque, eram instalados restaurantes,
bares e um setor específico para a realização de shows
musicais. A comissão organizadora tinha que montar toda
a infraestrutura relativa à recepção e à distribuição dos
animais nos pavilhões, ao fornecimento de forragem
destinada à alimentação dos mesmos; ao alojamento dos

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cuidadores (vaqueiros) dos animais, da limpeza do parque
e de sua sinalização, além de oferecer suporte aos técnicos
julgadores dos variados concursos dos animais e às
autoridades. Geralmente o Governador do Estado vinha
abrir ou fechar o evento que tinha ampla cobertura
jornalística. Pessoas dos diferentes Estados do País e de
outras regiões do Ceará estavam presentes. Circulava
muito dinheiro na cidade.

A cidade do Crato por estar no sopé da Serra do
Araripe não tinha problema com água, pois havia 27
fontes perenes, além de ser cortada pelos rios Batateiras,
Carás e Granjeiro e diversos riachos. O seu clima era
muito agradável, principalmente nos meses de junho-
agosto. O bairro mais requintado, na época, era o Pimenta,
onde estavam as residências mais charmosas. Ao longo da
estrada do Lameiro, ficavam os sítios mais conhecidos e
visitados. Posteriormente, com a abertura de estrada
asfaltada para o Clube Granjeiro, tornou-se o local
privilegiado da cidade, onde foram construídas grandes
mansões.

Continuando a Avenida Duque de Caxias, próximo
à Igreja de São Francisco, havia, na época, o Bairro
chamado Barro Vermelho, hoje denominado Pinto
Madeira. Numa parte desse bairro, chamada “Rabo da
Gata” fixei residência. Havia perspectiva da direção do
Ministério da Agricultura em Fortaleza de que eu poderia
residir numa das casas existentes no Posto Agropecuário
do Crato. Isso não se realizou. Tendo de alugar uma casa

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para morar, o local mais viável em termos financeiros foi
o famoso “Rabo da Gata”.

A moradia localizava-se em uma elevação com
vista privilegiada da cidade, tendo em frente um chafariz
público, seguindo-se uma depressão do terreno, onde
estava situado o baixo meretrício. Atrás da casa, havia
uma favela (nesse tempo não havia a drogas). A rua não
era pavimentada e, ao entardecer, observávamos um belo
pôr do sol, ao mesmo tempo em que escutávamos sons de
pífaros ao longe. Os moradores costumavam trazer suas
latas para pegar água no chafariz e ficavam a comentar
fatos de suas vidas. À noite, era comum ouvir as brigas
dos casais. As mulheres gritavam: “Pode bater, mas, você
é corno de meia-noite” ou “Quanto mais você bater “mió”
é o amor”, entre outras pérolas. Passei a ser a maior
autoridade do local, sempre consultado e quando
precisavam levar algum dos moradores para o hospital, eu
era o condutor. Traziam bolos e conselhos para minha
esposa, entre os quais como cuidar de criança. Nosso
primeiro filho nasceu no Crato. Foi uma experiência muito
rica a respeito dos costumes e das crenças das famílias de
favelados.

O lazer na cidade estava presente nos banhos de
cachoeiras, nos cinemas (Cassino e Moderno), nas festas
dançantes do Tênis Clube, na frequência aos restaurantes
como o famoso “Pau do Guarda” (especialista no pirão de
galinha), o Gaibu e o Pilão, nas festas religiosas, nos
concertos musicais da Sociedade de Artes, nos eventos por

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