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Published by sara.acasio, 2017-09-11 12:09:44

O Tutor

O Tutor

Passou a pedra do sabonete sob seus seios. E se perguntou se o Sheik
Bastardo teria esfregado alguma vez pétalas de flor contra a pele de uma
mulher, naquele lugar.

Emma esperava Elizabeth, com várias peças de roupa. Ocultando-se
atrás de um biombo esmaltado de branco, Elizabeth colocou alguns calções
de algodão, meias de lã e uma regata de linho antes de se reunir com a jovem,
para que a ajudasse com o espartilho. Elizabeth conteve o fôlego, para que
ela pudesse ajustar bem o objeto. Tinha usado espartilho durante vinte e três
anos. Não deveria se sentir como se as barbatanas fosse uma prisão. Não
tinha sido assim até agora.

O espartilho foi rapidamente seguido de duas anáguas. Elizabeth tentou
respirar, inalando o aroma do amido e do sabão de lavar. Como cheiraria a
amante de Edward? Perguntou-se. Moveria-se Edward como uma maça
enquanto que sua amante balançava os quadris de um lado a outro o
acompanhando, lascivamente? Ou seriam certos movimentos sexuais
específicos dos árabes?

Emma deixou cair um pesado vestido de lã negro sobre as anquinhas de
Elizabeth.
—Se se aproximar da penteadeira, lhe arrumarei o cabelo, senhora Petre.

Elizabeth ficou pálida.
Emma lhe tinha penteado o cabelo na noite anterior e lhe fizera, como
todos os dias, uma trança. Mais tarde, quando Elizabeth se vestiu para sua
aula, tinha utilizado a trança para fazer um coque. Após colocar novamente a
camisola e pendurar a roupa para que ninguém soubesse que tinha estado fora
da casa, tinha esquecido de soltar o cabelo.
—Obrigado, Emma. - Disse com os lábios rígidos.
A face de Elizabeth no espelho da penteadeira estava branca como o
giz, a mesma cor que o avental de Emma. As mãos robustas e eficientes da
jovem se moveram habilmente pelas mechas de cor mogno escuro,
desprendendo, desenroscando, torcendo e voltando a prender.
Emma deu um passo atrás, com seu queixo quadrado e um pescoço
gordinho apareceram no espelho por cima do avental branco.
— Quer que lhe aproxime seu joalheiro, senhora?
—Não será necessário.
—Muito bem, senhora.
Elizabeth se deu conta de que Emma seguia sendo um enigma, mesmo
depois de dezesseis anos.

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— Já foi casada alguma vez, Emma?
—Não, senhora. Os senhores não promovem o matrimônio entre os criados.
—Eu não me oporia.

Emma se voltou, suas negras costas relativamente largas se refletiram
no espelho e depois desapareceu. Elizabeth não teve mais remedio que se
levantar e enfrentar a jovem, que, com toda calma, já lhe tinha a capa negra
preparada.

A lã estava ainda úmida por sua escapada matinal.
—Suas luvas, senhora.

Elizabeth olhou fixamente os olhos cinzas de Emma e pôde ver... Nada.
Nenhuma curiosidade, nenhum sinal de desaprovação, nenhum indício de que
havia algo que não encaixava.
—Obrigado, Emma.
—Não se esqueça da bolsa, senhora.

Elizabeth suspirou com alívio. Pelo menos tinha sido o suficientemente
previsora para colocar o livro do Sheik Bastardo e as notas em sua
escrivaninha.
—O senhor Petre, —ela colocou lentamente uma luva de couro negro na mão
esquerda, - almoçará em casa hoje?
—Sim, senhora.

Elizabeth se concentrou em deslizar a outra luva em sua mão direita.
— Perguntou por que eu fiquei no quqrto?
—Não, senhora.

Elizabeth examinou com ar distraído o conteúdo de sua bolsa.
Já era lamentável ter que perguntar a uma criada sobre o paradeiro de seu
marido. Ainda pior indagar se estava interessado no que fazia sua esposa.
Mas o pior de tudo era ser informada por ela de que seu marido não se
preocupava por seu bem-estar. Uma série de desculpas vieram a sua mente.
Aferrou-se a mais plausível.
Sem dúvida Edward, que teria chegado também tarde em casa estava
dormindo e não se deu conta de que ela estava ainda em seu quarto habitação.
Depois, era terça-feira.

Sentiu de repente mais leve, as anquinhas forradas de crina que a
esmagavam.

Embaixo, um lacaio vestido com uma curta jaqueta negra estava firme
ante a porta do salão.

Elizabeth franziu o cenho. Não o conhecia.

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—Olá. - Disse cordialmente, dando um passo para diante. De perto,
comprovou que era mais velho do que tinha pensado num primeiro momento,
provavelmente estava mais próximo dos quarenta que dos trinta. - Temo que
não o vi antes por aqui.

O lacaio se inclinou ligeiramente, depois como se não soubesse o que
fazer com as mãos colocou-as nas costas e fixou o olhar por cima do ombro
de Elizabeth.
—Sou Johnny, o primo do Freddie Watson. Ele teve uma emergência com
sua mãe, algo repentino. Seu mordomo pensou que não haveria problema se
eu ocupasse o lugar do Freddie até que voltasse.
Freddie, um jovem de vinte e tantos anos, havia sido contratado pela família
há um ano. Vivia em sua casa porque precisava ajudar sua mãe e seu irmão
menor, que padeciam tuberculosos.
—Sinto muito. - Disse Elizabeth, sinceramente. É obvio que não há
problema. Por favor, me faça saber se Freddie ou sua mãe necessitam de
qualquer tipo de ajuda. Estou disposta a lhe adiantar um mês de seu salário.

Ele assentiu. —Obrigado, madame. Eu direi.
Elizabeth esperou pacientemente. Dando um salto, como se de repente
se lembrasse das funções de um lacaio, o homem se inclinou e abriu a porta
de um puxão. Fosse o que fosse o que o primo Johnny em sua vida habitual,
pensou ela com uma careta de simpatia, não se tratava de uma atividade
como criado doméstico.
Elizabeth sorriu. —Obrigado, Johnny.
Na sala, Edward e Rebecca, sentados um junto ao outro num divã
estofado com flores, estavam conversando. Suas cabeças, o cabelo dele de
um negro azeviche rigidamente domado com uma aplicação de azeite
macasar e o dela coberto de seda negra, virtualmente se tocavam. Logo que
viram Elizabeth, deixaram de conversar.
Edward ficou em pé, mais por uma questão de cortesia que para saudá-
la.
—Olá, Elizabeth. Estava dizendo a sua mãe que a câmara revogará as leis de
enfermidades contagiosas.
Elizabeth observou o rosto de seu marido, os escuros olhos marrons
com forma de azeitona, o bigode cuidadosamente recortado e os lábios
generosos que sempre estavam arqueados num sorriso.
Seu marido não tinha voltado para casa no domingo à noite. Tinha
retornado ontem as duas e meia da manhã. – Havia ouvido as badaladas do

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relógio de parede da sala. E tudo o que tinha que dizer era que as leis de
enfermidades contagiosas seriam revogadas?
—A senhora Butler deve estar feliz. – Disse em tom neutro.

A senhora Josephine Butler, esposa de um clérigo e secretária da
Associação Nacional das Damas, tinha dedicado dezesseis anos de sua vida a
persuadir o Parlamento para que revogasse as leis sobre enfermidades
contagiosas.
—É uma vitória para todas as mulheres. - Assinalou Rebecca, estirando uma
ruga de seu vestido de lã cinza pérola.

Tanto Elizabeth como Rebecca visitavam as unidades do hospital de
caridade, como parte de seus deveres políticos. Talvez sua mãe pudesse
ignorasse as mulheres que chegavam ali doentes e mortas de fome, mas
Elizabeth não.
—De maneira nenhuma, mãe.

Rebecca voltou seus glaciais olhos verdes para Elizabeth.
— O que quer dizer?

Edward observou Elizabeth em silencio, com um brilho matreiro em
seus olhos castanhos. Por uma vez, aquele sorriso denhoso não apareceu em
seus lábios.

De repente lhe ocorreu que sua mãe fruquentava os mesmos salões,
matinês e jantares que ela. Também devia ter ouvido que Edward tinha uma
amante. Por que não lhe havia dito nada? Por que se sentava ao lado de seu
genro, defendendo sua política, enquanto ele zombava de seus votos
matrimoniais?
—As mulheres da rua já não receberão nenhum cuidado médico. - Explicou
Elizabeth com secura. - Morrerão de enfermidades e elas e seus filhos
contagiarão a outros.
—As leis menosprezam essas mulheres, Elizabeth. – A repreendeu Rebecca,
bruscamente. - As prostitutas devem suportar revisões médicas de rotina. O
recato de uma mulher não pode sobreviver a indignidade de uma inspeção
vaginal.

Elizabeth olhou para sua mãe, atônita e incrédula.
Atônita porque jamais a tinha ouvido usar outra coisa que os termos
mais eufemísticos para o corpo humano, membros para pernas, assumo para
seios, partes privadas para genitálias. Incrédula porque uma prostituta recebia
diariamente mais de uma inspeção vaginal... E não precisamente por parte de
um médico. De maneira incongruente, pensou no ” O Jardim Perfumado”

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O Sheik descrevia de forma resseiosa a vulva de uma mulher como algo
belo e assombroso. Sua mãe falava da vagina de uma mulher com um gesto
forçado na boca, como se o corpo da fêmea fosse algo vergonhoso. E seu
marido... Observou com atenção seu familiar rosto. Os olhos castanhos de
Edward não revelavam nem desgosto ante a vulgaridade de Rebecca e nem
desgosto ante a dissimulação de sua esposa. Parecia, pensou Elizabeth, como
se não tivesse interesse algum... Em nenhuma mulher.

De repente se deu conta de que se não captasse sua atenção naquele
mesmo momento, seria muito tarde e sua amante teria vencido antes que
Elizabeth houvesse nem sequer tentado seduzi-lo.
—Mamãe e eu podemos ficar em casa e almoçar contigo, Edward. - Ofereceu
de maneira apressada.

Nos lábios de Edward se desenhou seu sorriso política, um sorriso de
calidez impessoal e carinho pouco comprometido.
—Sei o quanto te agrada compartilhar seu tempo com sua mãe, Elizabeth.
Não há nenhuma necessidade de que renuncie a seu almoço por mim.
—Desejo, Edward. - Insistiu ela, débil e desesperadamente.
—Tenho documentos para revisar.

E sem dúvida uma amante para revisar esta noite depois da sessão da
câmara. Elizabeth apertou os lábios ante o cortês desprezo.
—É obvio. Por favor, não queremos te entreter mais e te afastar de seus
assuntos. Mãe, está preparada?

Rebecca observou Elizabeth com expressão crítica antes de ficar em pé.
—Estou pronta à uma hora.

Lá fora, o céu estava ainda mais cinza que a luz interior. A fumaça de
carvão pendia sobre Londres em nuvens negras e pesadas. Elizabeth se sentiu
afligida por um desejo tão penetrante de ar fresco e da tibieza do sol que
resultou ser doloroso. O Parlamento suspendia as sessões, na Páscoa. Talvez
ela e Edward pudessem pegar umas férias. De repente se deu conta de que
nunca tinha saido de férias com seu marido. Sempre viajara somente com os
meninos para Brighton ou Bath ou em qualquer lugar que fosse o último
balneário de moda.
—Realmente deve contratar lacaios melhor preparados, Elizabeth. Juro-te
que o último que empregaste não tem nem a mínima noção das
responsabilidades que lhe correspondem.

Por sua vez, Elizabeth foi imune às críticas de sua mãe. Fixando os
olhos nos cavalos cobertos de fuligem e nas carruagens que obstruíam a rua.

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Tentou imaginar sua mãe e seu pai fundidos num abraço apaixonado... E não
pôde fazê-lo.

O vapor de sua respiração empanou a janela do carro.
— Quando foi a última vez que viu papai?
—Seu pai é um homem ocupado, como seu marido, Elizabeth. Não te
corresponde questionar sua política. Não foi criada para fazê-lo. O dever de
uma mulher é apoiar seu marido. O amor não é um espetáculo que necessite
de uma tribuna. É um sacrifício.

Elizabeth voltou a cabeça e encontrou com o olhar reprobatorio de sua
mãe: —Mãe, quando foi a última vez que o viu? —Repetiu.

Rebecca não estava acostumada que sua filha a interrogasse. Talvez por
isso, embora reticente, respondeu: — Domingo.
- No domingo?
—Não será de nenhuma ajuda para seu pai e seu marido se seguir assim.
Amanhã à noite assistiremos ao baile da baronesa Whitfield. O barão está
enfrentado seu pai e seu marido por causa de uma nova lei e é muito
importante que ganhemos seu favor. Na quinta-feira dará um bate-papo para
sua organização beneficente. Seu pai e eu não podemos assistir ao jantar dos
Hanson, por isso você e Edward deverão ir em nosso lugar. No sábado é a
festa beneficente. Confio em que não fique na cama se não receber a atenção
que acha que merece.

Elizabeth se conteve de lançar uma réplica cortante. Havia coisas mais
importantes que a política. Mas para sua mãe e seu pai jamais tinha havido
nada mais importante que a política. E agora Elizabeth estava casada com um
homem que dava toda a impressão de seguir seus passos. Exceto claro, que
Edward tinha uma amante.
O carro se deteve bruscamente.

Rebecca não tinha visto Andrew durante três noites e dois dias. Tinha
seu pai também uma amante?

Seria por isso que Rebecca dedicava sua vida a política... Devido ao
abandono de seu marido?

A porta do carro se abriu.
Se Elizabeth não mudasse o curso de seu matrimônio, se converteria
numa pessoa como sua mãe, sem outro estímulo que a carreira de seu marido
ocupando seu tempo e seus temas de conversa?

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CAPÍTULO V

- Tem um formoso cabelo, senhora Petre.
A porta se fechou atrás de Elizabeth, isolando-a no interior da morna

intimidade da biblioteca, com o eco sedutor e completo do Sheik Bastardo
zumbindo em seus ouvidos.

Ninguém tinha jamais elogiado seu cabelo.
Timidamente se passou a mão por sua cabeça descoberta e se deteve. Se
tivesse o cabelo formoso, seu marido não estaria agora com outra mulher.
Maldito seja. Edward não havia retornado para casa outra vez.
—Tenho um cabelo que não está na moda, Lorde Safyre. – Corrigiu-o
glacialmente.
O abajur de gás piscava sobre a enorme mesa de mogno e arrojava
luzes e sombras sobre o rosto taciturno do Sheik Bastardo. Seu cabelo
brilhava primeiro como ouro e logo como trigo escuro.
—A beleza está no que olhe.
—Como o está a natureza «meritória» do homem.
Um sorriso apareceu nos canmtos de sua boca. Assinalou a poltrona de
couro vermelho.
—Por favor. Sente-se. Espero que tenha dormindo bem
Mantendo as costas erguidas e a cabeça no alto Elizabeth cruzou o
tapete oriental. O atrito áspera de sua anágua de algodão e o pesado vestido
de lã contra as pontas de seus mamilos a irritava. Recordava-lhe que tinha
necessidades que nenhuma mulher respeitável deveria ter, mas as tinha e
haviam trazido-na até ali, para ser ridicularizada por um homem que podia
obter qualquer mulher que desejasse, enquanto seu marido passava a noite
com a mulher que ele desejava.
Acomodou-se na beirada da cadeira com a raiva bulindo em seu
interior, procurando uma maneira de sair.
—Obrigado. Não foi difícil depois de ler o capítulo dois.
Ramiel inclinou a cabeça.
—E você não gostou do que o Sheik escreveu a «Respeito das mulheres que
merecem ser elogiadas».
Não era uma pergunta.
—É obvio que sim. —Ela tirou as luvas com força. - Depois de tudo, a moral
do capítulo é o que toda mulher deseja ouvir.

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Especialmente uma mulher que mostrava todos os indícios de ter
perdido seu marido para as mãos de sua amante.

O Sheik Bastardo serviu café numa pequena xícara veteada de azul. A
fumaça subiu como uma cortina entre ambos. Acrescentou-lhe um pouco de
água.
— E qual é?

Ela colocou a mão em sua bolsa para tirar suas anotações... E se deu
conta de que estava esperando aquilo, canalizar a raiva que tinha guardado no
dia anterior e que agora aflorava de novo.

Merecia mais de seu marido que um comentário superfino sobre a
revogação das leis de enfermidades contagiosas. Depois de folhear várias
páginas de notas, Elizabeth encontrou a que estava procurando. «Um homem
que se apaixona por uma mulher fica em perigo, e se expõe aos maiores
infortúnios».
— Acaso não está de acordo com o Sheik, senhora Petre?
— Está você, Lorde Safyre?

Ele ofereceu-lhe a xícara e o pires, tão correto naquela aprendizagem
tão incorreta.
—Acredito que nada do que vale a pena possuir se obtém facilmente.

Não era a resposta que ela queria ouvir. Arrancou-lhe o pires de sua
mão e levantou a xícara até seus lábios.
—Sopre, senhora Petre.

Elizabeth soprou. Uma vez.
Quase sem apreciar aquele líquido fervente, tomou dois goles.
— O que opina você sobre o conselho do Sheik com respeito às qualidades
que fazem elogiável uma mulher?
Indiferente aos ditados dos bons costumes, Elizabeth apoiou o pires
sobre a mesa com tanta força, que o negro café derramou sobre a beirada da
xícara. O rangido do papel encheu o salão enquanto dava voltas em suas
notas.
—«Para que uma mulher seja desejável para os homens, deve ter uma cintura
perfeita e deve ser arredondada e luxuriosa. Seu cabelo será negro, sua testa
larga e terá sobrancelhas de negrume etíope, grandes olhos negros, com o
branco imaculado dentro deles. Sua face, de ovalóides perfeitos. Terá um
nariz elegante e uma boca graciosa. Os lábios e a língua vermelhos. Sua
respiração será um hálito agradável e sua garganta larga, seu pescoço forte,
seu seio e ventre amplos...».

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Deixou as notas de um lado.
—Acredito, Lorde Safyre, que os homens árabes diferem dos homens
ingleses nos atributos que desejam suas mulheres.

Os olhos cor turquesa faiscavam de riso.
—Já acordamos que a beleza está no que observa, senhora Petre. Entretanto,
não estava referindo a descrição que faz o Sheik dos atributos físicos de uma
mulher.

A ira quente se enroscou com mais força na boca de seu estômago. Sua
mãe a tratava com desdém. Seu marido com indiferença. Não ia tolerar o
ridículo por parte de seu tutor,
—Devo supor então, que você está se referindo aos preceitos do Sheik,
relativos a que uma mulher elogiável estranha vez fala ou ri. Não tem amigas,
não fala com ninguém e confia só em seu marido. Não toma nada de
ninguém, exceto de seu marido e seus pais. Não tem defeitos que ocultar...
Não tenta chamar a atenção. Faz o que seu marido deseja quando ele o deseja
e sempre com um sorriso. Assiste-lhe seus assuntos políticos e sociais. O
acalma em suas dificuldades para lhe fazer sua vida mais satisfatória embora
isso requeira o sacrifício de seus próprios desejos. Jamais expressa nenhum
tipo emoção por temor que suas necessidades básicas e infantis causem
rechaço.

Elizabeth elevou o queixo, decidida a impedir que as lágrimas que
apareciam em seus olhos, caíssem.
— Se referia a isso, Lorde Safyre?

O Sheik Bastardo sustentava a xícara nas palmas de suas mãos e se
balançava na cadeira.
— Você não opina que tal mulher é elogiável?

Os lábios de Elizabeth se crisparam com fúria.
—Acredito que prefiro ser um homem “meritório”.

Ele contemplou-a durante segundos longos antes de responder.
—Isso é assim porque ainda não leu uma das prescrições para incrementar a
natureza «meritória» do homem.

Elizabeth não podia imaginar nada pior que a vida que acabava de
descrever. Tinha passado dezesseis anos sendo uma esposa elogiável,
mantendo suas emoções a raia, dedicando-se por completo a seu marido.
Talvez fizesse a vida mais agradável ao homem, mas não contribuía em nada
para melhorar a vida de uma mulher.
— E como seria isso?

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—Imagine lavar as genitálias de um homem em água morna até que se
tornam prazerosamente eretos... - Fez uma pausa, estudando seu rosto.

Elizabeth manteve seu olhar. Nem em sonhos admitiria que jamais tinha
imaginado lavar as genitálias de um homem, nem com água morna e nem
fria. Além disso, era difícil imaginar um homem voltando prazerosamente
ereto quando não tinha nem idéia de como se via um homem... Ereto.
—Agora imagine que pega um pedaço de couro suave, lubrificado com breu
quente e golpeia sobre o membro crédulo do homem.

A surpresa se desenhou no rosto de Elizabeth, seguida pela
incredulidade.

O breu quente era breu quente. Embora ela jamais tinha visto o membro
ereto de um homem, estava bastante segura de que era tão sensível como as
genitálias de uma mulher.
—Seguindo a prescrição, o membro do homem levanta a cabeça, tremendo
de paixão. Quando o breu se eenfría e o homem está novamente em repouso,
a operação deve ser repetida várias vezes para incrementar sua natureza
«meritória».

“O membro do homem levanta a cabeça, tremendo de paixão”, faiscava
no ar entre eles.

Um resplendor de calor sacudiu o corpo de Elizabeth.
— Um homem treme de paixão, Lorde Safyre?
—Não quando está envolto em breu quente. - Murmurou secamente o Sheik
Bastardo.

Edward lhe parecera tão distante no dia anterior, tão acima dos ditados
da carne, tão longe de um homem que poderia tremer, fosse pela paixão ou
por qualquer outra emoção. Era uma fachada? Os homens projetavam as
qualidades que acreditavam que as mulheres queriam ver neles?
— Um homem treme de paixão? — Repetiu, pronunciando as palavras lenta
e cuidadosamente, precisando saber, precisando ter esperança.

Ele se inclinou para diante na cadeira, com um agudo estalo da madeira
devido à pressão.

Seu cabelo e seus olhos pareciam jogar labaredas à luz do abajur. —
Quando se está sexualmente excitado... Sim, senhora Petre. Um homem
treme de paixão.

Instintivamente, ela olhou para suas mãos que ainda sustentavam a
xícara. Eram grandes, musculosas e firmes como a pedra.
—Tal como uma mulher treme de paixão. —Sua voz era um arranhão escuro.

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Elizabeth retrocedeu. Definitivamente, aquela não era a voz com a qual

um tutor deveria se dirigir a seu aluno.

Ele apertou seus escuros dedos até que os nódulos ficaram brancos. De
repente, levou a pequena xícara até os lábios e bebeu seu conteúdo de um

gole. O brusco impacto da porcelana sobre a madeira ressoou no silêncio.
—Na Arábia, homens e mulheres desfrutam do tabaco. - Disse
repentinamente. - Deseja fumar, senhora Petre.

Fumar?
Só as mulheres de má fama fumavam.
_—Talvez em outro momento, Lorde Safyre. - Disse de maneira recatada.

A pele do rosto se estirou tensamente.
—Os homens se excitam com as palavras. Se você quer aprender como

agradar a seu marido, possivelmente deva memorizar ou pelo menos tomar
nota de alguns dos poemas de amor do ” O Jardim Perfumado”.

Era um desafio direto.

Os olhos cor avelã de Elizabeth se moveram, notando num ponto acima

de sua cabeça dourada.
—«Cheio de vigor e de vida —citou brandamente.— Perfura minha vagina e

atua ali com uma atividade constante e esplendorosa. / Primeiro de diante

para trás e logo depois da direita à esquerda; / agora entra profundamente
com pressão vigorosa. / Agora esfrega a cabeça daquele sobre o orifício de

minha vagina. / E acaricia minhas costas, meu ventre e meus flancos. / Beija
minha face e novamente começa a sugar meus lábios.» — Ela pousou seu
olhar de novo em Ramiel. - Assim, Lorde Safyre?

Seus olhos prenderam os de Elizabeth.
—Exatamente assim.

Um fogo líquido se derramou sobre seu ventre. Pôde sentir de repente,

com a respiração entrecortada, o rítmico movimento de seus seios liberados

do espartilho e a áspera carícia de sua regata de linho e o sutiã forrado de lã.
—No poema... Numa parte anterior, —disse com audácia, - o que significa

que o membro de um homem tem a cabeça como um braseiro?

Os olhos turquesas se semicerraram.
—Significa que está vermelho de desejo e está quente por uma mulher.

Elizabeth sentiu como se o ar tivesse sido aspirado de seus pulmões.
—Um homem... Sente prazer quando uma mulher... O põe dentro dela?
—«Quando me vê quente, vem rapidamente para mim. — Recitou ele, de
maneira rouca—. Logo abre minhas coxas e beija meu ventre e põe seu

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instrumento em minha mão para fazê-lo golpear em minha porta». Quando
uma mulher envolve seus dedos ao redor do membro de um homem, toma a
vida dele em sua mão. Pode machucá-lo... Ou pode lhe dar um êxtase
indescritível. Quando o guia para sua vagina e empurra a cabeça do membro
contra ela, há um momento de resistência, a possibilidade de rechaço, logo
seu corpo se abre e o devora com uma quente acolhida e sim, senhora Petre,
sente prazer. Mais ainda, é um momento de fusão. Ao tomar o controle, a
mulher demonstra a seu homem que o aceita pelo que é e por ser quem é. Ao
ceder o controle, o homem diz a sua mulher que confia nela absolutamente.

“Um momento de fusão”.
Edward havia possuido Elizabeth num quarto escuro. Sob a colcha
sufocante e a roupa de cama enredada, uma carícia curta tinha precedido a
uma ligeira espetada de desconforto e o momento de ambos tinha terminado.
Não havia aceitação nem falta de controle. Unicamente o silêncio quebrado
pelo ranger das molas da cama.
De repente, ela voltou à cabeça para baixo, longe daqueles olhos
hipnóticos e revolveu entre suas notas.
Uma mulher não memorizava poesia erótica que a excitasse.
Sexualmente. O Sheik Bastardo deveria sabê-lo. Como sem dúvida sabia que
as palavras seduziam uma mulher tanto como um homem.
Deus, o que pensaria dela! Não sabia onde meter a vergonha e de algo muito
mais abafadiço, enquanto dobrava o papel para buscá-lo. Em onde está a
passagem...?
— Ou prefere que aprenda de cor este poema? —Leu com estridência—: «
OH, homens! Escutem o que tenho a dizer sobre o tema da mulher... Sua
malícia é infinita... Enquanto está contigo em sua cama, tem seu amor, mas o
amor de uma mulher não é perdurável, me acreditem».
Elizabeth se envergonhou ante o tom discordante de cinismo em sua
voz.
— Quanto tempo pode uma mulher agüentar com tranqüilidade a ausência de
coito, senhora Petre?
O maço de folhas rangeu entre seus dedos duros.
Doze anos, cinco meses, uma semana e três dias.
Esse era o tempo que tinha transcorrido desde que Edward tinha ido a
seu leito pela última vez. Mas num só dia daqueles tinha sido tranqüilo.
—Uma mulher não é como um homem. Não necessita... Desse tipo particular
de consolo.

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Um pedaço de lenha caiu na lareira, sublinhando sua mentira. As
faíscas saltaram, o fogo cintilou.
— Quanto tempo, senhora Petre? — Ele repetiu sem lhe dar uma pausa,
como se soubesse exatamente quanto tempo tinha passado da última vez que
Edward tinha freqüentado sua cama.

Endireitando os ombros, elevou a cabeça.
—” O Jardim Perfumado” assegura que uma mulher bem nascida pode
permanecer tranqüilamente celibatário durante seis meses.
Ela podia antecipar a seguinte pergunta que se formava em seus lábios:
Quanto tempo faz que é você celibatária senhora Petre? Dissimulando o
apuro com um tom altivo, interceptou:
— Quanto tempo pode um homem permanecer celibatário com tranqüilidade,
Lorde Safyre?

A intensidade desumana nos olhos do Sheik Bastardo se afrouxou.
Tornou-se para trás na cadeira.
—O celibato nunca é cômodo para um homem, senhora Petre.

Ela não precisava perguntar a ele quando tinha sido a última vez que
tinha estado com uma mulher. Tampouco precisava perguntar s seu marido
onde passava as noites.
— E por que? —Arremeteu ela. - Por que não pode um homem sofrer o
celibato tranqüilamente, como se pretende que uma mulher o faça?
—Talvez seja, senhora Petre, porque as mulheres suportam sua dor em
silêncio e os homens não. – Respondeu ele, brandamente.

De repente o ar se tornou muito espesso e a conversa muito intensa.
— Recomenda você uma dieta de pão branco e gemas de ovos fritos em
graxa e nadando em mel, para lhe dar vigor ao homem? —Perguntou ela de
maneira brusca.

Gargalhadas masculinas cálidas e sonoras a rodearam de repente.
Elizabeth pestanejou.

O rosto duro de fisionomia cinzelada do Sheik Bastardo se transformou
no de um menino desinibido. Um menino muito risonho.

Temeram os lábios de Elizabeth. Queria compartilhar sua risada, apesar
de que sabia que era dirigida a ela.

Finalmente Ramiel respondeu:
—Não, senhora Petre, não a recomendo.
— Fala por experiência, Lorde Safyre?

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Todo rastro de risada desapareceu e uma vez mais seu rosto se tornou

escuro, duro e cínico.
—Há bem poucas coisas que não provei.

Nenhum homem deveria estar tão desamparado... Ou sozinho.

Sequer o Sheik Bastardo.

Elizabeth queria fazê-lo rir de novo. - Então imagino que terá provado o

cataplasma de breu quente. - Disse intrépida.

Ramiel fez uma careta de desgosto.
—Você imaginou errado. Há uma diferença entre o ego adolescente e a

loucura infantil.
—Pois, me diga, qual foi à intenção do Sheik ao incluir uma receita

semelhante se é prejudicial?
— “O Jardim Perfumado” é um livro que tem mais de trezentos anos. Os

tempos mudam, as pessoas mudam, mas a necessidade de satisfação sexual,

não.
—Para os homens. - Disse ela com firmeza.
—E para as mulheres. – Adicionou, ele. – Compartilharei com você alguns

dados que não estão nesta tradução inglesa. Na Arábia há três coisas que

ensina os homens que não devem fazer. Treinar um cavalo, atirar com arco e

flecha e por último, fazer o amor em sua própria mulher.
— Nessa ordem? —Perguntou ela com dureza, enquanto sentia que a

realidade lhe dava uma clara bofetada na cara. Quarto lugar, terceiro lugar,

importava pouco. Uma mulher nunca estava em primeiro lugar. Nem na

Arábia e nem na Inglaterra.
— Você acha que uma esposa merece maior importância no resumo da vida
de um homem? —Perguntou ele, com suavidade.
—Sim. - Replicou ela, desafiante.
—Também eu, senhora Petre.

A fúria de Elizabeth se dissipou. A imagem repentina do membro de

um homem elevando vermelho e quente enquanto tremia de paixão passou

frente a seus olhos.
— Memorizou todo o livro, Lorde Safyre?
—Sim.

Olhou-o, surpreendida. - Por que?

Um sorriso irônico torceu seus lábios.
—Meu pai. Não me dava uma mulher até que eu não aprendesse a satisfazê-

la.

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—Seu pai queria que você aprendesse a satisfazer uma mulher... Aprendendo

a não confiar em nenhuma?

Ramiel baixou os olhos, seu dedo longo e escuro acariciou ligeiramente

a xícara de porcelana.
—Meu pai quis que eu aprendesse que uma mulher tem a mesma capacidade

de satisfação sexual que um homem. Também quis me ensinar que há

mulheres boas e mulheres nas quais não se pode confiar. - Seu rosto se
endureceu, enquanto elevava o olhar. – Do mesmo modo que há homens bons

e maus.

Ela tentou imaginar-lhe como um menino de cabelo dourado, com a

cabeça inclinada enquanto estudava um manual de erotismo, para praticar

depois o que tinha aprendido com uma formosa concubina de cabelos loiros.
—Mas você só tinha treze anos. - Replicou.
— Conservaria para sempre seus Adois filhos varões, senhora Petre?

Elizabeth ficou imóvel.
—Não discutirei sobre meus filhos com você, Lorde Safyre.

A brincadeira se tornou a se apropriar de seu rosto.
—E não discutirá sobre seu marido comigo.
—Exato.
—Então, o que discutirá comigo, senhora Petre?

Sexo. Amor. Uma fusão de corpos que vai mais à frente do sacrifício ou

o dever.
— Você está de acordo com que a lei de enfermidades contagiosas deva ser

revogada? - Meu Deus! Não era aquilo que tinha intenção de lhe perguntar.
—Não.

Nem tampouco lhe surpreendeu sua resposta.
—Porque você freqüenta esse tipo de mulheres.
—Não procuro as mulheres na rua, senhora Petre. - Sua voz era dura em

lugar de áspera, zangada em lugar de sedutora. - Pode ser que não seja

respeitável, mas sou um homem de fortuna. As mulheres que levo a cama não

se verão afetadas por uma lei parlamentaria.

Elizabeth mordeu o lábio, querendo se desculpar, mas sem estar

plenamente segura de por que devia fazê-lo.
— Por que aceitou me ensinar? Tem que saber que eu não teria ido a meu

marido.

Os cílios escuros velavam seus olhos. Voltou a roçar brandamente a

beirada da xícara, acariciando-a com as pontas de seus dedos, conciliador.

65

— Por que me escolheu para instruí-la?
—Porque necessitava de seus conhecimentos.

Ramiel elevou as sobrancelhas.
—Talvez você tenha algo que eu também necessite.

O coração de Elizabeth acelerou em seu interior. Reuniu as notas e as
colocou desordenadamentna em sua bolsa. Não era necessário olhar o relógio
para saber que era hora de partir.
—Acredito que esta lição terminou.
—Tem razão. - Concordou ele com semblante inescrutável. - Alguns dos
capítulos de “O Jardim Perfumado” constam somente de poucas páginas.
Portanto, amanhã discutiremos os capítulos três, quatro e cinco. Aconselho-
lhe que preste particular atenção ao capítulo quatro. «Com relação ao ato de
geração».

Apertando com força suas luvas e sua bolsa, Elizabeth se levantou. A
boa educação exigia que também ele ficasse em pé. Não o fez.

Ela olhou sua cabeça dourada sob a luz. Logo observou seus dedos,
brandamente bronzeados, contra a porcelana. Elizabeth recordou a amplitude
de suas duas mãos. E imaginou seu tamanho.
Girou sobre seus pés, quase caindo sobre a cadeira.
—Senhora, Petre...

Com as costas eretas, ela esperou a regra número três. Com toda
segurança seria totalmente humilhante.
—MA'A e-salemma, Taliba.

Sentiu que um nó lhe oprimia a garganta. Ele tinha assegurado que a
palavra não tinha conotações carinhosas, então, por que roçava um lugar em
seu interior que tão desesperadamente desejava ser acariciado?
—MA'A e-salemma, Lorde Safyre.

CAPÍTULO VI

Ramiel olhou com atenção um jornal de quatro anos. Aparecia uma
severa fotografia de Edward Petre, recém designado ministro da Economia e
Fazenda e sua esposa Elizabeth, com seus dois filhos, Richard de onze anos e
Phillip de sete.

66

Um jornal atual mostrava Edward sozinho. Tinha o cabelo curto e
negro, penteado para um lado. Usava, seguindo os ditados da moda, um
bigode grosso que caía para baixo. As mulheres o considerariam belo, pensou
Ramiel desapaixonadamente, enquanto que os homens ficariam
impressionados pela confiança que tinha em si mesmo.

Um jornal de um mês mostrava uma foto de Elizabeth em pé, atrás de
um podio, em que só se viam sua cabeça e seus ombros. Um chapéu escuro
com plumas frisadas ocultava quase todo seu cabelo, salvo uma mecha de cor
cinza escura em lugar do vermelho mogno. As mulheres a veriam como uma
mulher moderna que apoiava de maneira ativa as boas obras e a carreira
política de seu marido. Para os homens seria uma esposa útil embora
aborrecida. Um jornal de seis meses tinha publicado uma foto de Edward e
Elizabeth juntos, aparentemente o casal perfeito. Ele sorrindo afavelmente e
ela com um olhar insípido. E logo estava um jornal de vinte e dois anos antes
que mostrava o esboço realizado por um artista do Andrew Walters,
primeiro-ministro eleito e sua esposa, Rebecca, com sua filha de onze anos,
Elizabeth.

Andrew Walters tinha sido muito afortunado em política. Seu primeiro
mandato como primeiro-ministro havia durado seis anos. Depois de perder o
apoio de seu gabinete, tinha lutado para recuperar seu posto. Seu segundo
mandato, do qual já tinham transcorrido quatro anos, não dava sinais de
debilidade.

Ramiel comparou os dois retratos familiares.
Elizabeth parecia com seu pai. Enquanto que os filhos de Elizabeth...
Guardavam um notável parecido com Edward.
L'na! Maldito seja! Seria muito mais singelo se parecessem com
Elizabeth. Levantou uma cópia do The Time com data de 21 de janeiro de
1870. Uma fotografia de Elizabeth acompanhava uma notícia que anunciava
seu compromisso com Edward Petre, que possuia uma promissora carreira
política.
Parecia tão jovem. E tão ingênua. O fotógrafo tinha captado, fosse
acidentalmente ou a propósito, a romântica ilusão de uma menina sem
experiência, a ponto de se transformar numa mulher. Elizabeth se tinha
casado aos dezessete anos. Isso significava que na atualidade estava trinta e
três. E agora seu rosto não albergava nenhum tipo de expressão, nem em
pessoa, enquanto se sentava frente a Ramiel discutindo sobre relações

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íntimas, nem nas diferentes fotografias tomadas depois da nomeação de seu
marido no gabinete de seu pai.

Os jornals mencionavam muitas de suas atividades. Fazia uma intensa
campanha a favor de seu marido, assistindo festas, organizando bailes de
caridade, beijando meninos órfãos e repartindo cestas aos pobres e doentes.

Segundo tudo o que tinha observado, Elizabeth era a filha, esposa e mãe
perfeita. Uma mulher que merecia ser elogiada.

Atirou o jornal sobre sua mesa. A repugnância se misturava com a
indignação, o desejo com a compaixão. O temor se sobrepôs a todos eles.
Temor de que Elizabeth Petre soubesse realmente quem era seu marido.
Temor de que tivesse procurado deliberadamente a Ramiel devido a esse
conhecimento. Ela devia saber sobre seu marido! Mas, por outro lado... Não
havia nenhuma maneira de que pudesse saber... A verdade sobre Ramiel.

As páginas do amarelado jornal se agitaram. Uma suave rajada entrou
na biblioteca.
—Ibn.

A voz de Muhamed podia soar cortesmente inexpressiva para aquele
que não o conhecesse. Não era. Muhamed pedia a Ramiel em silêncio que
rechaçasse Elizabeth Petre, como ele já o tinha feito em seu coração. Talvez
Muhamed tivesse razão. Elizabeth tinha intimidado o eunuco. Queria que
Ramiel lhe repartisse instrução sexual. Nenhum dos dois atos aparentava ser
inocente.
— Seria possível que esse detetive que contratou... —Ramiel fez uma pausa,
odiando-se por perguntar, mas incapaz de deter a pergunta. - Estivesse
equivocado?

Os olhos negros se cruzaram com os turquesas.
—Não há nenhum engano, Ibn.

Ramiel recordou o vermelho ardente no cabelo mogno escuro de
Elizabeth... E seu rubor quando a elogiara. Suas reações eram as de uma
mulher que raras vezes recebia galanterias.

Uma fúria cega, fria e dura subiu até seu peito. Ela merecia algo melhor
que Edward Petre.
— O que está fazendo Petre esta noite?
—Está num baile. .
— Quem o organiza?
—A baronesa Whitfield.

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—A mulher com a qual o ministro da Economia e Fazenda foi supostamente
visto... Quem é, Muhamed?

O rosto escuro de Muhamed permanecia estóico. —Não sei, Ibn.
Ramiel o olhou intensamente, com os olhos semicerrados.
—Mas tem uma idéia.
—Sim.
—Então me traga as provas necessárias.
A noite se formava do outro lado das enormes janelas. Estaria Elizabeth
dançando nos braços de seu marido no baile dos Whitfield?
Naquela manhã tinha tomado dois goles de café turco, apesar de que era
óbvio que lhe desgostava. Ou não? Se tivesse a oportunidade, o que
escolheria Elizabeth? O decoro ou a paixão?
De repente, imaginou-a nua, reclinada sobre vários almofadões de seda,
fumando um cachimbo de água. A imagem podia ser ridícula. Ela usava
espartilhos e pesados vestidos de lã com aroma de benzeno. Mas não era.
Podia imaginar vividamente seu escuro cabelo cor mogno caindo em cascata
sobre suas costas e sobre seus seios turgentes enquanto ele lhe chupava os
mamilos.
—Manda chamar uma carruagem. - Ordenou Ramiel de repente. - Esta noite
serei eu que seguirei Petre.

****
O baile resultou ser muito pior do que Elizabeth tinha imaginado.
Conversou com as jovens debutantes que ainda não tinham pares e com os
homens que eram muito tímidos para se aproximar do sexo oposto. Também
havia se aproximado daqueles homens e mulheres mais velhos ou que
estavam muito fracos para dançar. E todo o tempo pôde ouvir a modulação
forçada das risadas nervosas das mulheres e as gargalhadas masculinas
enquanto o mais deslumbrante da sociedade girava e dava voltas na pista de
baile, absorta em sua busca de prazer.
O Sheik Bastardo havia elogiado seu cabelo. Quanto tempo tinha
passado desde que Edward lhe tinha feito um elogio... Sobre o que fosse?
Quanto tempo pode uma mulher agüentar com tranqüilidade a ausência de
coito?
—Senhora Petre...
Elizabeth demorou um segundo em dar conta de que estavam lhe
falando. Seu companheiro, Lorde Inchcape, um nobre de oitenta anos cujo

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característico aroma corporal obrigava a colocar a cabeça, contra o vento, não
necessitava de sua conversa, só alguém que o escutasse.
—Senhora Petre, tenho alguém aqui que deseja que o presente.

Elizabeth se voltou, agradecida À baronesa Whitfield, sua anfitriã.
Seu cálido sorriso se gelou. O Sheik Bastardo, todo vestido de negro e
gravata branca, destacava sobre a figura baixa e bojuda da baronesa. Em seu
outro braço se pegava uma mulher alta. À parte de acima de sua cabeça
alcançava o queixo dele. Era magra, elegante e vestia um vestido turquesa
que combinava com seus olhos. Seu rosto era um ovalóide perfeito. Seu
cabelo dourado estava preso num coque e era da mesma cor que o do Sheik
Bastardo.
O reconhecimento foi instantâneo. Ela devia ser a mulher com a qual
ele se derrubou até que seu perfume se converteu em seu próprio aroma.
Sentiu uma fugaz dor aguda no peito. Ciúmes, inveja. A mulher era tudo o
que Elizabeth jamais seria. Exatamente o tipo de mulher que ela escolheria
para um homem como ele. A face roliças da baronesa Whitfíeld estavam
acesas pelo champanhe e o calor que irradiavam dos mais de cem corpos e os
três abajures.
—Catherine, me permita te apresentar a senhora Elizabeth Petre, a ilustre
esposa de nosso ministro da Economia e Fazenda. Senhora Petre, a condessa
Devington.
Aturdida, o primeiro que pensou Elizabeth foi: Não é a amante do Sheik
Bastardo, é sua mãe e logo, de forma incoerente, embora não é o
suficientemente velha para ser sua mãe.
Com um sorriso cálido, a condessa estendeu uma mão embainhada
numa luva branca.
— Como vai, senhora Petre? Ouvi falar muito de você.
Um arrepio frio de temor percorreu as costas de Elizabeth. Ignorando a
cálida apresentação, fez uma rígida reverência.
— Como está você, condessa Devington?
—Catherine, conhece Lorde Inchcape?
—É obvio que sim. Como está você, Lorde Inchcape?
Lorde Inchcape assentiu com a cabeça, salpicada por uma enfermidade
hepática.
— Ainda segue viajando para esses países estrangeiros e fazendo seqüestros?
O sorriso da condessa se alterou imperceptivelmente.
—Por desgraça, ultimamente, não.

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Divertido, o rosto roliço e pequeno da baronesa se iluminou.
—Se comporte, Catherine. Senhora Petre, permita-me lhe apresentar ao filho

da condessa Devington, Lorde Safyre. Lorde Safyre... A senhora Petre.
Os olhos turquesas colidiram com os de cor avelã de Elizabeth. Em seu

olhar estava tudo o que tinham lido e discutido naquelas duas últimas
manhãs. “O que significa que o membro de um homem tem a cabeça como
um braseiro?” “Significa que está vermelho de desejo e quente por uma
mulher”. Deus, o que estava fazendo ele ali?

Teria contado a condessa algo sobre suas aulas?

Elizabeth assentiu rigidamente.
—Lorde Safyre.

Antes de poder adivinhar suas intenções, o Sheik Bastardo fez uma

reverência e tomou a mão de Elizabeth. Sua escura pele estava coberta por

uma luva branca. A pressão de seus dedos através da capa de sua luva de seda
e o dela era abrasadora.
—Ablan wa sabiam, senhora Petre.

Com uma mistura de horror e fascinação, Elizabeth observou a cabeça
dourada inclinar sobre sua mão. Seus lábios, quando a beijou estavam ainda

mais quentes que seus dedos.

O sangue que se retirou de sua cabeça ao vê-lo erguer o rosto como uma
onda carmesim. Arrancou sua mão da dele. A baronesa, como se não tivesse

acontecido nada estranho, sorriu ao companheiro de Elizabeth.
—Lorde Inchcape... Lorde Safyre.

Lorde Inchcape se ergueu tanto como o permitiam seus ombros

murchos. - Em meus tempos não apresentávamos nossos bastardos.

Elizabeth sentiu como o fôlego ficava preso na garganta ante a
brutalidade do comentário, logo que registrou a exclamação afogada da

baronesa.
—Oh, Meu deus...

Os olhos da condessa lançavam gélidos dardos de chumbo.
—Em seus tempos, Lorde Inchcape, você não teria um título, portanto, não

tivesse sido apresentado a alguem, fossem bastardos ou verdureiros.
O rosto amarelado de Lorde Inchcape se cobriu de manchas vermelhas.

—Mmmm. —O murmúrio rouco do Sheik Bastardo encheu o explosivo

silêncio. - A senhora Petre acreditará que somos comums.
O olhar gélido da condessa não se alterou.

—Duvido muito que seja nós, a quem a senhora Petre considere comums.

71

Elizabeth reprimiu uma explosão de risos.
Lorde Inchcape se voltou e caminhou airadamente para a multidão
envolvente de homens e mulheres que se passeavam. A condessa olhou
enfurecida naquela direção enquanto o perdia de vista.
—O homem malvado já se foi. - Disse lacónicamente o Sheik Bastardo. -
Pode relaxar, seu pintinho está seguro.
Um veloz brilho de consternação brilhou nos olhos cinzas da condessa.
Foi seguido de uma risada forçada.
—Sinto muito, senhora Petre. Mas foi uma grande provocação. Como mãe,
estou segura de que entenderá meu aborrecimento.
A condessa Devington havia sido a rameira de um Sheik árabe. Tinha
dado a luz a um filho bastardo. Um bastardo que tinha enviado para a Arábia
quando ele tinha doze anos para não ter que lutar com as moléstias de educar
um menino adolescente.
Elizabeth duvidava de que tivesse uma só fibra de instinto maternal em
seu corpo.
—Sim, é óbvio. - Disse friamente.
Os olhos do Sheik Bastardo jogaram faíscas furiosas de fogo cor
turquesa.
A condessa apertou seu braço. Seu sorriso era cálido e simpático.
—Viemos procurá-la para a próxima dança, senhora Petre. Meu filho deseja
dançar a valsa. Por favor, não lhe diga não. Se o fizer, talvez nunca mais o
possa convencer a vire numa festa,
Elizabeth deu um olhar furtivo sobre massa transbordante de sedas de
luxuosas cores e gravatas brancas que os rodeava, procurando
desesperadamente seu marido, sua mãe ou um motivo para declinar o
convite. Uma mulher respeitável não dançava com um homem com aquela
reputação.
—Meu marido e eu não dançamos a valsa...
—Seu marido está no salão das cartas, senhora Petre. - Interrompeu
brandamente o Sheik Bastardo. - Estou seguro de que não se importará que
eu ocupe seu lugar. Especialmente, se, como você diz, ele não dança a valsa.
O Sheik Bastardo não estava falando da valsa. Estava falando de sexo.
Edward não dançava com ela em público, dizia-lhe ele, como tampouco se
deitava com ela em particular.
Elizabeth podia sentir o olhar curioso da baronesa e a extrañamente
compassiva da mãe dele. E se escutou A si mesmo enquanto dizia:

72

—Será um prazer dançar com Lorde Safyre.
Antes que pudesse voltar atrás, Elizabeth foi empurrada entre muito

vestidos de seda de luminosas cores e jaquetas de ornamento de um negro
austero. Dedos duros e quentes a pegaram pelo cotovelo, justo onde
terminava sua luva e começava sua pele nua.

Elizabeth deu um passo para um lado e foi jogada para o Sheik
Bastardo sob ritmo estridente de um violino que desafinava. O corpo dele
estava tão quente e duro como seus dedos. Podia cheirar o calor que emanava
sob a seda de sua roupa. Não havia indícios de aroma de mulher. Cegamente,
deu um passo atrás, mas sem êxito. Estava presa numa imprensa sufocante de
seda perfumada e o roçar de um corpo sólido enquanto as mulheres e os
homens se colocavam a dançar.

O Sheik Bastardo pegou sua mão direita, levantou-a e a afastou de seu
corpo para que seus seios se levantassem dentro do espartilho e se
realçassem. Era excitante, perigoso. Não era o que tinham acordado.
—Você disse que não me tocaria.
—Como seu tutor, senhora Petre. Não como seu companheiro de dança.
— Por que veio?
—Porque sabia que você estaria aqui.
—Se soubesse não teria vindo.

Uma mão forte lhe firmou a cintura.
—Pergunto-me por que

Ele estava muito perto, Elizabeth não podia respirar. Tentou se afastar
do intenso calor que irradiava seu corpo. Suas anquinhas impactou totalmente
com outras anquinhas, devolvendo-a a seu lugar.
—Se você não me tocar, fará que mexeriquem mais que já o fazem, senhora
Petre.
Ele tinha razão.

Apertou os dentes e elevou o braço contra a vontade, cada vez mais
acima... E descansou os dedos de sua mão esquerda sobre o ombro dele. Seu
peito esquerdo saiu quase por completo do espartilho.

Começou a música, num som de violinos e os lembretes estrondosos de
um piano. O ar quente rodeou Elizabeth e de repente se converteu em parte
da mais seleta sociedade, do suave toque da seda de vivas cores e das
jaquetas negras. Homens que pisavam e mulheres que giravam.

73

Concentrou-se no branco imaculado de sua luva, no brilhante negro
acetinado de suas lapelas, algo que não fosse o incômodo palpitar de seu
coração e a dureza aguda de seus mamilos sob o atrito escorregadio da seda.

Trabalhou em excesso desesperadamente por encontrar um tema seguro
de conversa. Acreditava que não devia ser sensível a um homem que não
fosse seu marido.
—Não sabia que você dançava.
—Você quer dizer que não sabia que eu fosse aceito pela alta sociedade.

Não tinha sentido mentir.
—Sim.
—Há muitas coisas que desconhece de mim, senhora Petre.
— Você tem relações sexuais com a baronesa?

Elizabeth tropeçou no momento em que as palavras saíam de sua boca,
sem que pudesse dete-las. Os dedos do Ramíel se cravaram em sua cintura e
uma barbatana se incrustou em sua costela.
—Você parece estar a par da fofoca reinante. Por que não me conta isso
você?

Elizabeth olhou fixamente o gêmeo diamante de sua camisa. Piscava à
luz que resplandecia acima deles.
— Do que outra maneira podia saber que meu marido e eu tínhamos aceitado
um convite para o baile?
—Minha mãe. – Ele disse casualmente, fazendo-a girar. - Ela e a baronesa
são companheiras de bridge.
— Sabe sua mãe algo sobre nossas... Aulas? - Perguntou sem fôlego.
—Siba, senhora Petre. Eu lhe disse que não falo do que acontece entre uma
dama e eu sob portas fechadas. Não precisa usar espartilho. —Sua perna se
meteu entre as dela enquanto a fazia girar uma vez mais e um denso calor se
apoderou da parte central de suas coxas. - Está sofrendo desnecessariamente
um colapso nos pulmões.

Elizabeth enterrou os dedos em seu ombro... Aonde não havia
ombreiras, só músculo duro.
—Não estamos em sua casa, Lorde Safyre. Se uso espartilho ou não é um
assunto que me compete e s minha criada.
— E seu marido, senhora Petre? Acaso ele não opina a respeito de suas
roupas íntimas?

A réplica afiada não chegou a sair dos lábios de Elizabeth.

74

Seu marido jamais a tinha visto em roupa intima e muito menos

expresso interesse nela. Entretanto, não lhe cabia dúvida alguma de que o

Sheik Bastardo tinha visto muita roupa interior feminina.
— Por que dança tão bem se não assiste regularmente a eventos sociais?
— Por que dança tão bem a valsa, se seu marido não o faz?
—Não disse que ela não dançasse a valsa. - Replicou ela severamente.

Edward dançava valsa. Simplesmente não dançava com ela. Guardava

as diversões sociais para seus eleitores.
—Me conte algo sobre seus filhos.
—Já lhe disse que não falo de meus filhos.
—Mas neste momento não sou seu tutor. Sou um homem que está

conversando para passar o tempo enquanto dançamos.

Elizabeth jogou a cabeça para trás, enquanto abria sua boca para lhe

dizer que se dançar com ela era uma tarefa tão aborrecida, não devia se

incomodar.

Foi um engano.

Apenas vinte centímetros separavam seus rostos. A largura de suas duas

mãos.
—Meus filhos estão os dois em Eton.
—Chamam-se Richard e Phillip, não é certo?
—Sim, mas como...
—De vez em quando leio algum jornal. O que gostam...? De política?

Um sorriso apareceu na boca de Elizabeth, recordando a briga de Phillip

porque o jovem Bernard, um whig, era supostamente um ultraje a suas

crenças.
—Não, meus filhos não estão interessados na política. Richard está estudando

para ser engenheiro... Diz que a tecnologia é o que move o mundo e quer

ajudar as pessoas, bem mais que ao governo. Phillip quer ser marinheiro. Seu

sorriso aumentou, talvez seja um possível pirata.

Um sorriso afetuoso suavizou o rosto do Sheik Bastardo.
—Richard parece um menino inteligente.

Elizabeth procurou em seus olhos algum rastro de brincadeira, mas não

achou nenhum. Uma corrente de orgulho maternal se sobrepôs a sua cautela.
—É. Prepara seus exames para entrar em Oxford em outono. Mas para o

Phillip será duro quando Richard for de Eton. Sempre estiveram muito unidos

apesar de sua diferença de idade e possivelmente porque suas personalidades

são opostas. Richard é mais calado e estudioso. Phillip é aventureiro. Não me

75

surpreenderia que assaltassem a despensa do colégio à noite, em busca de

algo para comer. Sempre o fazem quando estão em casa.
—Você ama seus filhos.

Era tudo o que tinha.

Elizabeth evitou seu ardiloso olhar.
—Ahlan wa salgam. O que significa?
—Em termos gerais, significa que é um prazer conhecê-la. Ama você seu

marido?

Elizabeth pisou em seu pé... Com força.
—Se não o amasse, não teria ido até você.
— Seu marido a ama?
—Isso não é assunto...
—Proponho-me que o seja.

Não estaria pensando em...?
—Acredito que será melhor que cancelemos nossas aulas, Lorde Safyre.

Farei com que lhe devolvam seu livro.
—É muito tarde, Taliba.

O temor roçou a pele de Elizabeth.
— O que quer dizer?
—Temos um acordo.

Seus olhos cintilaram ao compreender suas intenções.
—Eu lhe chantageei e agora você quer me intimidar.
—Se for necessário...

Era o que tinha temido aquela primeira manhã, portanto, não deveria se

sentir tão... Ofendida.
— Porquê?
—Você quer aprender a agradar um homem... E eu quero lhe ensinar.

Elizabeth se sentiu arder de ira.
—Deseja me humilhar.

Os cílios de Ramiel criavam sombras côncavas sob seus olhos.
—Como lhe disse anteriormente, você sabe muito pouco sobre mim. Recorda
a história do Dorerame no capítulo dois de “O Jardim Perfumado?”
—Mataram-no. - Respondeu ela com tristeza. E também se recordava que

havia sido de maneira bastante macabra.
—O rei que o matou liberou uma mulher de suas garras.
—Uma mulher casada.
—Logo o rei tomou a mulher e a liberou de seu marido.

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—Isso é absurdo. —Não queria pensar na mulher casada que era «liberada»

de seu marido. - Não vejo aonde quer chegar com esta conversa.
—Simplesmente a isto: uma mulher na Arábia tem certos direitos sobre seu
marido. Entre eles está o direito a união sexual. Tem o direito de pedir o

divórcio se seu marido não a satisfaz.

A mortificação estalou dentro do peito de Elizabeth. Só as mulheres
sem princípios podiam não estar satisfeitas em seu matrimônio.

Como ele se atrevia...?
—Para sua informação, meu marido me satisfaz. – Espetou-lhe.
—Não haverá mais mentiras entre nós, Taliba. Você teve a coragem de me

pedir que a ensinasse, agora tenha coragem de enfrentar a verdade.
— E qual se supõe que seja a verdade, Lorde Safyre?
—Olhe para seu marido. Quando vir o que é e não o que você quer que seja,
obterá a verdade. —De repente, ele soltou sua mão e liberou sua cintura. – A
dança terminou, senhora Petre. Saiamos a caminhar.

Elizabeth retirou sua mão esquerda bruscamente, afastando-a de seu

ombro.
—Não me coagirá.
—Temo que sim. Você ama seus filhos, mas não sabe nada a respeito de seu

marido... Ou de você mesma. Espero-a amanhã pela manhã.
Elizabeth saudou um conhecido enquanto sua mente tratava de

assimilar e analisar velozmente suas palavras.
—Você sabe quem é a amante de meu marido.
—Não.
—Então, por que está fazendo isto?
—Porque acredito que é você uma mulher meritória.
—Não tenho membro masculino, Lorde Safyre. - Replicou ela fríamente.

A dura linha da boca dele afrouxou. Um brilho brincalhão cintilou em

seus olhos. Parecia o menino travesso que deveria ter sido quando tinha doze
anos, incitado por sua mãe.
—Veremos.
—Não estarei aláli amanhã pela manhã.
—Estará. E eu estarei esperando-a.

Pela primeira vez em sua vida, Elizabeth compreendeu por que Phillip

estava acostumado a dar patadas no chão, com fúria. Olhou fixamente para o
outro lado do salão, os olhos de seu marido. Um homem se aproximou dele,

77

um colega do gabinete. Edward se voltou para homem mais velho e
caminhou para o salão de cartas.

Quase paralisada, Elizabeth se deu conta de que Edward a tinha visto e
a tinha ignorado. Voltou seus olhos para o olhar turquesa do Sheik Bastardo.

Ele também tinha visto como Edward a tinha ignorado.
O aroma de gás procedente dos abajures, os perfumes das mulheres e o

azeite no cabelo dos homens se misturaram em sua cabeça. Elizabeth
endureceu seu gesto e se ergueu ainda mais.
—Não lhe mentirei se você não difamar meu marido.
—Está bem.
—E se insistir com a verdade, deve estar preparado para mostrá-la.

Os cílios escuros desenhavam afiadas sombras sobre sua face.
—Eu estou para instruí-la, Taliba. Não ao reverso.
—Talvez ambos aprendamos.
—Talvez. —Ele ofereceu-lhe seu braço.

Ela apoiou com temor seus dedos sobre a manga da camisa. Sob a seda,
seus músculos estavam tensos como uma vara. Um calor abrasador se
apoderou de seu interior. Procedia de seu olhar, sobre seus seios. Jogou os

ombros para trás e o espartilho rangeu, dando conta muito tarde de que o
movimento empurrava seus seios para cima e para fora.

Ramiel elevou as sobrancelhas. O riso faiscava nas profundezas de seus
olhos.
—Regra número três. Amanhã você não usará nenhum objeto de lã em minha
casa. Poderá usar seda, musselina, veludo, brocado ou o que queira, desde
que não seja lã.
—E você, Lorde Safyre. - Perguntou ela audaz, com um gemido. - O que
usará?
—Tanta ou tão pouca roupa como você deseje.

Elizabeth sentiu que lhe secava a boca, imaginando a suave pele morena
coroada pelo vermelho ardor do desejo. De repente recordou quem era ele e
quem não era ela. Um homem como ele não desejava uma mulher cujo

cabelo estava salpicado de fios de prata e cujo corpo tinha engordado pela
gestação de dois meninos.
—Estamos envoltos numa aprendizagem, Lorde Safyre, não numa comédia
burlesca.

As cabeças giraram para ver quem ousava rir com uma alegria tão

expansiva.

78

Elizabeth mordeu os lábios para evitar rir com ele.
É obvio que eram os nervos. Não havia nada nem remotamente gracioso
no fato de que toda a sociedade fosse testemunha da risada desinibida do
Sheik Bastardo, especialmente quando ela estava segurando seu braço e
também sendo observada. Mas foi em vão resistir, já que não pôde manter
seus lábios numa linha reta.
Olhos cor verde esmeralda apanharam os de Elizabeth. Eram os olhos
de sua mãe e não estavam divertidos.
Elizabeth afastou bruscamente sua mão do braço do Sheik Bastardo. A
risada de Ramiel se apagou imediatamente. Elizabeth se voltou, deixando-o
plantado. E sentiu como se algo morresse também dentro dela.

CAPÍTULO VII

Elizabeth Petre vestia um grosso traje de veludo marrom e suas rígidas
maneiras inglesas. A noite anterior havia sorrido... E logo o tinha deixado
plantado como se fosse um cão das ruas.
—Sabah o kheer, senhora Petre.
—Bom dia, Lorde Safyre.

Um sorriso vacilante torce os cantos de seus lábios enquanto ela tirava
as luvas de couro negro. Serviu o café fumegante numa pequena xícara de
porcelana e acrescentou um pouco de água fria antes de entregar-lhe. Era
evidente que ela se mostrava reticente em aceitá-la. Era igualmente evidente
que suas rígidas maneiras inglesas opinavam que se não a aceitasse, ofenderia
a seu anfitrião.
Ramiel a observou atentamente, desejando que ela pegasse o café.
A alegria que sentiu quando afinal ela aceitou aquela bebida turca, lhe fez
recordar seu passado mongol.

Desejava-a.
Desejava que ela reconhecesse suas necessidades físicas.

79

Desejava que ela desejasse a ele, ao Sheik Bastardo nascido no
Ocidente, mas que feito homem no Oriente e ao Ibn, que tinha saboreado os
amargos despojos da sexualidade humana e seguia desejando ainda mais.

O café turco era um bom pretexto para começar.
A fumaça quente envolveu o rosto de Elizabeth. Ela soprou o café antes
de tomar um, dois, três goles... Logo depositou a xícara sobre a mesa
enquanto tirava o maço de papéis de sua bolsa.
—Não consigo entender por que escolheu este livro de texto, Lorde Safyre.
—Ela elevou a cabeça e sustentou seu olhar. O desejo sexual brilhou por
alguns segundos em seus claros olhos cor avelã, mas desapareceu
rapidamente. - O Sheik não ensina muito sobre como dar prazer a um
homem.
Ramiel voltou a encher sua xícara de café, inalando o espesso e doce
aroma, uma lembrança agridoce do que alguma vez tinha como obvio. - «OH
vós os homens» —murmurou—, «preparem-se para o prazer e não deixem de
fazer nada para obter esse fim. Explorem incansavelmente e inteiramente
ocupados nela, não deixem que nenhuma outra coisa lhes distraia... Logo,
prepare para trabalhar, mas recordem, não até que seus beijos e carícias
tenham sortido efeito». - De maneira instintiva, levou a xícara lábios e deu
um gole. A espessa bebida estava quente e úmida, exatamente como se
sentiria Elizabeth se ele estivesse agasalhado no mais profundo dela.
A mulher o observou, com uma aparência de tranqüilidade e quietude.
Seus mamilos se destacavam no suave sutiã de veludo. Ontem haviam
roçado o peito dele quando dançavam.
Ramiel deixou a xícara sobre o pires.
— Você não acredita que os homens precisam ser preparados, senhora Petre?
Seus claros olhos refletiam a luta entre a indecisão e o recato. Triunfou
a necessidade de saber.
— Está você dizendo que os homens e as mulheres se excitam com o mesmo
tipo de carícias?
—Ambos têm seios, lábios, coxas... —Delicadamente deu voltas com seu
dedo sobre a beirada da morna da xícara de porcelana. - Sim, isso é
exatamente o que estou dizendo.
—Então você acredita que um homem se excita quando uma mulher beija sua
face... —Um batimento do coração palpitou como um disparo em sua
garganta. Havia cruzado irrevogavelmente os limites entre tutor e aluna... Ele

80

sabia, ela sabia. Ele tinha semeado a dúvida na mente dela sobre seu marido...
E sobre ele mesmo.—...Mordisca seus mamilos?

Ramiel sentiu a dureza entre suas pernas. —Sei que um homem se

excita com beijos e mordidas, senhora Petre.
Elizabeth evitou o calor de seu olhar. —Posso compreender que talvez

seja prazenteiro para um homem quando uma mulher agita a parte de abaixo

de seu corpo, mas não consigo entender de que maneira um homem pode

desfrutar... Ao ser beijado no umbigo e nas coxas.

Ramiel sabia exatamente quanto prazer sentia o homem ao ser beijado

no umbigo e nas coxas. Uma sensação erótica pulsava entre suas pernas, a

lembrança dos prazeres do harém, as ternas explorações de uma mulher, as

pernas abertas, o membro viril brilhando com urgência enquanto ele

enroscava o cabelo suave como a seda em suas mãos e se rendia ao êxtase

primitivo de uma boca quente e úmida.

Ele queria isso... Queria experimentar de novo o gozo inocente do

sexo... Com Elizabeth Petre.

Tinha que reconhecer suas necessidades.
— Acaso não desfruta você quando lhe beijam o umbigo e as coxas? —

Perguntou ele com voz grave e sensual.
—Eu... —Os olhos de Ramiel desafiaram Elizabeth a dizer a verdade. Ela

não o defraudou. - Não sei. Jamais me beijaram aí.
— Excita-a pensar em que a beijem aí?

Uma brasa explorou na lareira.

Elizabeth elevou o queixo, desafiando-o a que brincasse com ela.
—Sim, excita-me. Excita você pensar em que o beijem aí?

O fôlego de Ramiel raspou na garganta.
—Sim, excita-me.
— E a um homem, dá prazer que a mulher lhe morda os braços?

A ardente sexualidade que começava a crescer entre eles se dissipou

súbitamente.
—Mordiscar os braços, senhora Petre. - Disse ele, secamente—. O Sheik não

está sugerindo que um homem ou uma mulher pratiquem canibalismo.
—Desculpe-me. Um homem sente prazer se a mulher mordiscar seus braços?

Um sorriso cínico se desenhou nos lábios de Ramiel, outras lembranças

voltavam em sua mente. Lembranças mais recentes, lembranças do Ocidente.
—A dor tem seus momentos.
— Quando?

81

— Quando a dor é prazeirosa para um homem...Ou quando é prazeirosa para
uma mulher?

A fria reserva inglesa voltou a apropriar dela.
—Para um homem.
—Quando um homem faz que a mulher alcance seu clím...
—Me perdoe. Eu gostaria de tomar notas. Pode me emprestar sua pluma
novamente, por favor?

Elizabeth estava fugindo.
Dele. De si mesmo.
Ela sabia como ser mãe, mas estava aterrada em ser mulher.
O abandono de sua esposa por parte de Edward Petre no baile da noite
anterior, junto a seu rechaço, tinham mostrado a Ramiel tudo o que precisava
saber a respeito daquele matrimônio de dezesseis anos. O olhar no rosto de
Elizabeth refletia sua própria versão dos fatos.
A Edward não importava... A Elizabeth sim.
Perguntou quanto tempo ficaria acordada pela casa sozinha, esperando
seu marido. Perguntou que reação teria quando descobrisse o segredo de
Edward.
L'na. Maldita seja. Toda a casa estava a par das predileções sexuais de
Edward Petre. Como era possível ser tão ingênua?
Ramiel procurou sua pluma na gaveta superior. Ela olhou fixamente o
instrumento de ouro.
Ou talvez olhou seus dedos, recordando a largura de suas mãos e
perguntando como ele entraria dentro dela. Aceitaria-o com facilidade ou a
dilataria até que doesse? Provocaria-lhe um orgasmo ou a deixaria ofegante
de frustração como sem dúvida Edward Petre a tinha deixado?
Endireitando os ombros, Elizabeth arrancou a pluma de seus dedos.
—Obrigado.
Quanto tempo teria transcorrido desde que ela tinha tido um homem em
seu interior?
Ramiel arrastou o tinteiro de bronze para o outro lado de sua mesa.
Elizabeth inundou a ponta de metal dentro da tinta e pousou
ligeiramente a pluma sobre o papel, com seus olhos fixos sobre o pergaminho
branco.
— O que dizia você?
— Alguma vez teve um orgasmo, senhora?
Elizabeth levantou bruscamente a cabeça.

82

—Sem mentiras e sem respostas evasivas. - Advertiu Ramiel com seriedade.
- Esse foi nosso pacto.

A expressão de escândalo e indignação se converteu em frio desdém.
—Sim, Lorde Safyre. Já experimentei um orgasmo.

Os ciúmes se enroscaram em seu ventre como uma cobra preparando-se
para atacar.
—Então sabe você que justo antes do clímax, se diminui a capacidade para
dar conta da diferença entre o prazer e a dor. Quando uma mulher alcança o
orgasmo, algumas vezes arranha ou morde seu amante. A dor pode ser o
ímpeto que ele necessita para alcançar seu próprio clímax.

A ponta de metal deslizava afanosamente sobre o papel.
Ramiel observou o jogo de luz e sombra sobre seu cabelo, o vermelho
escuro do vinho e o dourado como o fogo. E se imaginou sua cabeça
inclinada de maneira solene para receber seu marido em sua boca. Ele não
sabia o que o alterava mais, se o fato de que quando finalizassem suas lições
ela usaria aqueles conhecimentos para agradar outro homem ou estar
convencido de que usá-lo para agradar seu marido, o destruiria.
—Agora lhe direi o que uma mulher necessita às vezes para alcançar o
clímax.
As notas cessaram.
—Conheci mulheres que gostam que lhes mordisquem ou belisquem os
mamilos. —Sua descrição era abertamente sexual. - Outras desfrutam quando
levanto suas pernas sobre meus ombros e as invisto tão forte e
profundamente, que posso sentir como se contrai seu ventre ao meu redor.
Elizabeth apertou a pluma como um pau e olhou fixamente o que tinha
escrito.
— O que você prefere?
Ramiel sentiu lástima por sua ignorância... E por aqueles desejos que
tão corajosamente tentava ocultar.
—O que prefira a mulher. - O que você prefira, Elizabeth Petre.
Mas era lastimosamente evidente que ela não sabia o que desejava.
Simplesmente desejava.
Sua voz soou em tom grave.
— Realmente gosta que uma mulher lhe mordisque os mamilos?
Um relâmpago de calor atravessou os testículos de Ramiel.
—Sim, senhora Petre.
Com o corpo tenso, ele esperou a seguinte pergunta.

83

Os seios de Elizabeth subiam e baixavam ritmicamente com sua

respiração sob o vestido de veludo marrom. Elevou a cabeça. Estava com as

pupilas dilatadas pela excitação sexual.
— Dá-lhe... Dá-lhe prazer, você lhe mordiscar o mamilo de uma mulher?
—Beijar. Sugar. Lamber. Mordiscar. - Disse com dureza. - Sim, os seios de

uma mulher me dão prazer.
— E seu... Membro? Ontem você disse que quando uma mulher põe seus

dedos ao redor do membro de um homem sustenta sua vida em suas mãos.
Como você gosta que o... Sujeitem?

Uma respiração entrecortada soou como um assobio no ar. Ramiel

apenas se deu conta de que era dela.
—Eu gosto que uma mulher agite e aperte meu membro até que a coroa fica

liberada do prepúcio.

Elizabeth não se moveu, nem pestanejou sequer.
Ramiel podia sentir como o sangue se atropelava por suas veias sob sua

pele cor alabastro, uma estátua esperando ser sexualmente despertada.
—Os homens muçulmanos são circuncidados. - Amaldiçoou-se brutalmente
em silêncio. Por que havia dito isso?
—As mulheres árabes devem achar fascinante.

Sua elogiosa resposta não era o que ele tinha esperado. A tibieza roçou
a face do Ramíel. Era a primeira vez que se ruborizava em vinte e cinco anos.
—Sim.

As mulheres o consideravam fascinante, mas estrangeiro. Uma
concubina não podia copular com um homem como ele, um infiel, quando

terminava sua permanência no harém, nem sequer pagando com sua

liberdade.
— Alguma vez esteve com uma mulher que não lhe tenha dado prazer, Lorde

Safyre?

Árabe. Bastardo. Animal. Dentro e fora da cama, os nomes não
cessavam.
—Se o que quer saber é se alguma vez fracassei em obter que uma mulher
alcance o orgasmo, —disse bruscamente. - A resposta é não.

O papel rangeu e as notas de Elizabeth se adotaram.
— Alguma vez?

Ramiel elevou uma sobrancelha.
—Não me considero um mártir, senhora Petre. Houve momentos nos quais

cheguei ao orgasmo antes que uma mulher. Mas há outras maneiras de

84

alcançar o êxtase. Os dedos. As mãos. Os lábios. Os dedos dos pés.
Virtualmente qualquer lugar do corpo de um homem pode ser usado para
satisfazer uma mulher.
Tinha conseguido escandalizá-la. Uma vez mais.
— Os dedos dos pés?
—Os dedos dos pés.

A incredulidade apareceu por um instante em seu rosto. Seguiu-lhe a
intriga, mas logo também tratou de ocultá-la. Ela olhou para seu colo e
estirou o papel que tinha enrugado. A pluma de ouro seguia, grossa e
brilhante, entre seus dedos.
—Talvez você se deite com mulheres de má fama que têm formas de agir
diferentes das mulheres respeitáveis.

Era evidente que Elizabeth estava repetindo o que lhe tinham ensinado
e não o que ela pensava na realidade e que ele queria despertar em seu
interior.
— Acredita honestamente que as mulheres respeitáveis e as mulheres de má
fama têm uma anatomia diferente?

Elizabeth queria lhe mentir, podia senti-lo. Também podia sentir a
excitação que tentava desesperadamente ocultar... Bulindo e borbulhando
como um oásis em meio a um árido deserto. Passaram alguns segundos até
que ela pôde alisar as muitas folhas tal e como queria.
—Não, é obvio que não.
—Então, por que acredita que as mulheres respeitáveis são incapazes de
sentir prazer sexual?
—Talvez seja o desejo ou o reconhecimento de sua natureza mais baixa, o
que faz que uma mulher não seja respeitável. Pode parecer virtuosa
exteriormente, mas se tiver ânsia de prazer sexual, então não pode ser melhor
que uma... Uma mulher da rua.

Ramiel se inclinou para diante na cadeira, enquanto a madeira rangia,
tentando frear de repente as palavras que sabia que estavam a ponto de brotar.
—Senhora Petre...
—Lorde Safyre... Você, como homem...—Ela elevou a cabeça e os olhos cor
avelã estavam carregados de desprezo fazia si mesma. - Em você não
provoca rechaço uma mulher que deseja... Como um animal?

Ramiel queria ver o que havia sob sua fachada sossegada. Agora
desejava lhe devolver a serenidade e, certamente, podia fazê-lo. Podia mentir.
Podia lhe dizer que sim, que as necessidades sexuais mais primitivas de uma

85

mulher causavam repugnância a um homem como ele. Podia lhe dizer que as
mulheres árabes dignas de respeito estavam treinadas para agradar um
homem, não para procurar o próprio e que a paixão, embora fosse digna de
louvor numa concubina, resultava imperdoável numa esposa. Podia enviá-la
de novo para casa e lhe evitar a decisão que, em última instância, ele a
forçaria tomar e desejar que nunca soubesse a verdade sobre seu marido.

Mas já era muito tarde...
—Não, senhora Petre, as necessidades sexuais de uma mulher não me
provocam rechaço.
—Mas você tem uma parte árabe.

Não havia motivo para que Ramiel sentisse a fúria bestial que formigou
por suas veias. Não havia se incomodado quando Inchcape o tinha chamado
bastardo. Que Elizabeth deduzisse que era incapaz de sentir o mesmo que um
inglês por ser árabe lhe produziu uma virulenta ardência.
—Sou um homem, senhora Petre. Embora os ingleses me chamem bastardo e
os árabes infiel, sigo sendo um homem.

Ramiel não estava preparado para o gesto de reconhecimento que
brilhou nos olhos de Elizabeth.
—Se pensasse de maneira diferente, Lorde Safyre, não lhe teria pedido que
me desse aulas. - Declarou com firmeza—. Peço-lhe sinceras desculpas se o
ofendi. Asseguro-lhe que não era minha intenção.

As aletas de seu nariz tremeram.
Não estava acostumado a receber desculpas, nem toleraria a lástima.
—Então, o que quis dizer, senhora Petre?
—Simplesmente quis dizer que os ingleses não aceitam a natureza sexual de
uma mulher. Você não sente rechaço por tais arrebatamentos ao ter sido
criado na Arábia, mas se não tivesse tido esse tipo de preparação,
possivelmente tivesse outra opinião. Mas talvez sejam só as mulheres
inglesas são educadas com estas idéias. Meu marido tem uma amante, por
isso é evidente que não sente rechaço pela sexualidade feminina. Não sei,
Lorde Safyre. Já não sei qual é o significado das coisas.
Nos olhos de Elizabeth se refletia uma honestidade brutal. Ramiel
observou o gesto orgulhoso de seu queixo e o brilho resplandecente de seu
cabelo cor mogno.
Vermelho.
Os árabes usam a cor para representar muitas coisas. Raiva. Desejo.
Sangue.

86

Ali, naquela sala, era simplesmente a cor do cabelo de uma mulher
inglesa. Uma mulher que sentia raiva e desejo. E que talvez, no final, veria
sangue.
—Se um homem sentir rechaço pela sexualidade de uma mulher, Taliba,
então não é um homem.
—Talvez não quando é jovem...
—Senhora Petre, você é uma mulher na flor da vida.
—Tenho dois filhos, Lorde Safyre. Asseguro-lhe que faz muito tempo que
deixei de ser uma mulher na flor da vida.

Elizabeth lhe devolveu o olhar como se não fosse consciente de que ele
tinha cuidado descaradamente dentro de seu vestido na noite anterior e se
deleitara com os contornos suaves de sua branca pele. Como se não pudesse
imaginar que um homem pudesse vibrar de paixão por ela.
—Você tem o corpo bem proporcionado de uma mulher, não o colo plano e o
quadril sem forma de uma mulher jovem.

A irritação de Elizabeth foi manifesta. Ele havia despertado sua
vaidade.
—Não estamos aqui para discutir a respeito de minha pessoa, Lorde Safyre.
—Senhora Petre, há certas coisas que um homem pode fazer com uma
mulher de seios grandes que não pode fazer com uma mulher de proporções
menos generosas. - Explicou Ramiel brandamente enquanto seu olhar
deslizava para seu seio, especulando de maneira sedutora. - Deve se sentir
orgulhosa de seu corpo.
— E o que é exatamente o que um homem pode fazer com um corpo bem
proporcionado, Lorde Safyre? — Ela perguntou de forma cáustica. - Usar
seus seios como bóias?

Ramiel riu.
Elizabeth Petre não deixava de surpreendê-lo nunca.
Não tinha associado o sexo com a dor e também com a morte. Mas
jamais o tinha relacionado com a risada.
—Se tiver terminado, talvez possamos continuar com nossa lição. Como uma
mulher seduz ao homem? —Ela perguntou rígida. - E por favor não me diga
que mostrando os seios. Custa-me acreditar que a metade das mulheres que
fazem parte da boa sociedade exiba seus corpos para você como busconas.
Ramiel reprimiu outra gargalhada.
—Surpreende-me, senhora Petre. Não sabia que conhecesse esses termos.

87

—Ficaria surpreso ante algumas das palavras que sei, Lorde Safyre. Uma
dama possivelmente não as empregue, mas é difícil não ouvi-las quando se
trabalha com os pobres.
—Aqui, em minha casa, você pode dizer o que lhe agrade... Garanto-lhe que
eu já o terei ouvido... E de uma dama muito, muito fina.

A condessa, a mãe de Ramiel, riria por lhe ouvir descrever de tal forma.
Embora Elizabeth Petre tampouco estava convencida.

Ramiel cedeu.
—Uma mulher que desfruta de seu corpo torna-se sedutora, senhora Petre. A
maneira de vestir, a maneira de caminhar, a maneira de falar... Todas essas
coisas dizem ao homem o que precisa saber.
— E o que é?

Sua voz se voltou mais profunda.
—Que ela o deseja.

Elizabeth ficou paralisada.
—Não estou tentando seduzi-lo, Lorde Safyre.

Seu impulso de rir desapareceu de repente, irrevogavelmente.
— Eu sei.
—Você é meu tutor.
—Nesta sala, sim.
—Antes que você tenha concordado em ser meu tutor, sabia que meu marido
tinha uma amante?

O corpo de Ramiel ficou rígido. Era impossível que ela soubesse... Ou
não?
—Não freqüento os mesmos círculos que seu marido.
—Mas você terá ouvido os rumores.
—Sempre há - Assentiu de maneira crítica. - De outra maneira você não
estaria aqui.

Elizabeth deu uma olhada em seu pequeno relógio de prata.
—Obrigado por ser tão honesto. —Ela colocou a pluma de ouro sobre a
mesa, ao lado do café sem terminar. - Foi muito instrutivo.

Uma instrução que acabava de começar,
—Capítulo seis, senhora Petre. Achará-o particularmente interessante.

Elizabeth reprimiu sua curiosidade. Colocou rapidamente as notas
dentro da bolsa.
—Regra número quatro.

88

Ela não levantou a cabeça. - Só há uma certa quantidade de roupa que
posso tirar, Lorde Safyre. Estamos em fevereiro. Além disso, os vestidos são
desenhados para usá-los com polisones.

Ele olhou-a com intensidade.
— Como sabia o que eu ia dizer?

Ela segurou com força suas luvas e ficou em pé.
—Você tem uma verdadeira obsessão com a roupa de uma mulher ou a
ausência dela, devo dizer.

Um dia, Oxalá fosse logo, poderiam dar suas aulas sem roupa.
—Muito bem. Quando se retirar para seus aposentos, deite-se sobre seu
ventre e rode sua pélvis contra o colchão.

Elizabeth sentiu que o fôlego ficava preso na garganta.
—O amor é um duro trabalho. — Ele olhou o veludo que cobria com
suavidade seu ventre arredondado, imaginando seu velo, vermelho como seu
cabelo, imaginando seu membro afundando dentro dela. - Você deve
preparar seu corpo.

Ela se voltou sem fazer nenhum comentário e quase tropeçou com a
cadeira.
—Senhora Petre.

Elizabeth se deteve enquanto sustentava o trinco da porta da biblioteca.
Passaram alguns segundos, nos quais ela lutou em silêncio e ele esperou com
paciência.

Até onde chegaria o Sheik Bastardo? Gritou com sua coluna rígida. Até
onde o deixaria chegar uma mulher respeitável, sem deixar de ser
respeitável?

A severidade de seus ombros lhe deu a resposta. Um pouco mais longe,
disseram-lhe.
—MA'A e-salemma, Lorde Safyre.

O sangue quente inchou o membro viril de Ramiel.
—MA'A e-salemma, Taliba.

CAPÍTULO VIII

89

Beijar. Sugar. Lamber. Mordiscar. O intrincado corredor de escassa luz
e paredes gretadas, retumbava com o eco dos altos saltos de Elizabeth.

Há outras maneiras de alcançar o êxtase. Os dedos. As mãos. Os lábios.
Os dedos dos pés. Virtualmente qualquer lugar do corpo de um homem pode
se usar para satisfazer uma mulher. Ao dobrar, escorregou e instintivamente
pôs a mão contra a parede para não perder o equilíbrio. “Sou um homem,
senhora Petre. Embora os ingleses me chamem bastardo e os árabes infiel,
sigo sendo um homem”.

Elizabeth se apoiou na pintura rachada, sentindo que a afligia Sua onda
de dor.
Sua dor. A dor de um Sheik bastardo.

Uma barata correu A toda pressa pelo dorso de sua luva de pelica cinza.
Reprimindo um grito, afastou a mão da parede e a sacudiu várias vezes,
embora a barata já tivesse desaparecido. De repente se deu conta de que
aquele não era o caminho de volta a sala de reuniões. No final do corredor
havia uma porta entreaberta. Elizabeth ficou gelada.
Alguém a estava observando... E não era um inseto.
— Olá! —O eco apagado de sua voz ricocheteou sobre as opacas paredes
cinzas. - Há alguém aí? Aí. Aí. Aí, ouviu em resposta, dos dois lados do
corredor.
Decidida, avançou para frente. Deu com a porta um golpe na parede. Não
pôde conter o grito que escapou de sua garganta.
— O que faz aqui, senhorita? —Um homem alto e calvo, com um nariz
vermelho, bulboso e olhos do mesmo tom estava em pé junto à porta. - Não
acredito que encontre companhia de seu gosto neste edifício.

A irritação se sobrepôs ao temor. Primeiro, o mordomo árabe a tinha
confundido com uma mulher da rua e agora aquele homem.
Jogou os ombros para trás.
—Sou a senhora Elizabeth Petre. As mulheres da associação benéfica se
reúnen aqui. Dei um discurso e logo tinha que... —O homem não precisava
saber que tinha deixado a reunião para ir ao banheiro e que depois se perdeu
naquele enorme edifício quando retornava, porque não podia deixar de pensar
num homem no qual não devia estar pensando. - Parece que me equivoquei
com o caminho. Seria tão amável de me dizer por onde se vai a sala de
reuniões?
—A reunião já terminou. Não fica ninguém aqui exceto nós.
—Mas...

90

—E eu sei o que você procura. O que procuram todas as que têm sua pinta.
Se deu conta de que o homem estava completamente bêbado.

—Há gente me está esperando, senhor. Se for tão amável de me dizer como...
Tropeçando, o homem alto e esquálido como uma estaca, deu um passo

adiante.
—Eu sou o guardião deste lugar. Ninguém está esperando-a. Já lhe disse que
não há ninguém aqui. Se estiver procurando um lugar para trazer seus
babosos clientes, pense bem senhorita, porque tenho uma arma e não tenho
medo de matar todos os de sua índole.

O coração de Elizabeth acelerouo. Segurou com força as alças de sua
bolsa. Carregava papel, um lápis, um lenço, um moedeiro, um pente, a chave
de sua casa e um pequeno espelho... Nada que pudesse ajudá-la a se defender.

Se deixar invadir pelo pânico tampouco era uma solução. Respirou
fundo para aquietar os batimentos de seu coração.
—Está bem. —Suas mãos, embainhadas nas luvas de couro, estavam frias e
suarentas. – Obrigado. Encontrarei o caminho, sozinha. Por favor, aceite
minhas desculpas se o importunei. Boa tarde.

Lenta, muito lentamente retrocedeu, esperando que a qualquer momento
ele tirasse o revólver.

Ele cambaleou de um lado a outro, vendo-a retroceder, lhe dirigindo um
olhar ameaçador com os olhos injetados em sangue.

Quando Elizabeth dobrou o corredor, se voltou e não olhou atrás. O
coração martelava em seu peito, no ritmo de seus passos enquanto corria o
que pareciam ser milhas através daqueles intrincados corredores procurando
a sala de reuniões.

Não estava sozinha.
O sentido comum lhe dizia que aquele era um edifício respeitável
ocupado por escritórios comerciais alugados por homens de negócios que,
sem dúvida, já se teriam ido para casa para jantar.
A lógica lhe falhava.
Podia sentir olhos ocultos, olhos hostis e sabia que atrás de alguma
daquelas portas que se alinhavam por ambos os lados daquele longo corredor
e em algum lugar, alguém estava observando-a.
Alguém, talvez, que possuia um revólver. Ou uma faca. O edifício
estava imediatamente contigüo ao Tâmisa. Teria sido muito fácil matá-la, lhe
roubar os objetos de valor e atirar seu corpo nas águas geladas e tenebrosas.

91

Estaria morta e nunca saberia de que maneira os dedos dos pés de um homem
poderiam dar prazer a uma mulher.

Elizabeth respirou aliviada quando vislumbrou a piçarra com o pôster
anunciando o salão designado e a hora em que se reuniria a associação
benéfica. As portas estavam fechadas... Com chave. Como tinha demorado
tanto tempo em encontrar o lavabo e logo em voltar, as mulheres deviam ter
pensado que Elizabeth teria ido para casa e por isso também elas tinham dado
por finalizada a reunião. E o vigilante também se inteirara.

Voltou-se, levantando sua capa com o impulso. Suas anquinhas
balançavam de um lado a outro como um pêndulo. A entrada estava logo
adiante... Abriu com força a porta de entrada, manchada com pela umidade. E
deu um grito sufocado. A neblina se formava como se fosse um denso muro
de cor amarelada. Elizabeth avançou quase sem poder acreditar... E tropeçou
com a beirada de um degrau de pedra.
— Will! —Deus, que seu chofer estivesse perto. - Will, pode me ouvir?

Era como gritar dentro de uma manta molhada. Cautelosamente,
conseguiu dar os três passos para baixar o degrau.
— Will! Responda-me!

Girou a cabeça a esquerda e a direita e novamente a esquerda. Era
aquele o relincho de um cavalo? Lentamente, deslizou os pés para a calçada.
— Will! É você?
—Sim, senhora Petre, sou eu.

A voz do chofer estava tão perto que poderia ter vindo diretamente de
seu lado. Mas se ouvia tão apagada por causa da neblina que também podia
proceder do outro lado da rua.
— Onde está?

Uma mão se alongou e segurou seu braço direito. —Estou aqui,
madame.

O coração de Elizabeth subiu a garganta. Naquele momento
compreendeu de maneira racional o quão vulnerável se sentiu dentro daquele
edifício, já que Will se via impossibilitado pela neblina. Não havia sentido tal
grau de temor quando caminhava pelas ruas ao amanhecer e intimidava os
criados para entrar na casa do Sheik Bastardo.
—Will. —Cegamente se segurou a mão nodosa do chofer e tranqüilizou-a
sentir sua tibieza e solidez através de suas luvas de pelica. - Deveria ter vindo
me buscar quando a neblina começou a se tornar densa.

92

— Ela se estendeu de repente. Começou como uma ligeira bruma e de

repente, ficou assim. Não podia ver minha mão diante de meus olhos.

Sim, havia momentos em que a névoa de Londres podia ser assim.
Aquele estranho fenômeno acontecia com freqüência em novembro e

algumas vezes em dezembro ou janeiro. Elizabeth jamais tinha visto uma

noite como essa em fevereiro. Tentou olhar adiante, para onde sabia que
estava parado o chofer. Mas ainda não podia vê-lo. A bruma amarela tragara

a cidade e tudo o que havia nela.
Elizabeth lutou por conservar a calma.

— Diga a Tommie que faça avançar os cavalos.
—Não posso fazê-lo. Tommie ficou doente de repente enquanto a senhora
você estava na reunião. Enviei-o a sua casa.

O lógico tivesse sido fazer com que Will atasse os cavalos e que os dois

esperassem que a neblina se levantasse enquanto aguardavam relativamente
cômodos no interior do edifício onde tinha acontecido a reunião da

associação benéfica.

Era suicida tentar mover um cavalariço que fizesse de guia ao chofer e
aos cavalos, cegos pela névoa. Havia pessoas que se perdiam em noites como

aquela e caído no Tâmisa. Mas ela não podia voltar a entrar naquele edifício.

Nem sequer embora tivesse a remota possibilidade de encontrá-lo.
A densa bruma amarela cheirava a água de rio e o lixo que jogavam

nele. Elizabeth sentiu que o estômago se contraía com repugnância. Ela não
podia conduzir uma carruagem, portanto disse: —Eu levarei aos cavalos das
rédeas.

A voz de Will atravessou com claridade a neblina.
— Você, madame?
— Preferiria que levasse a carruagem? — Perguntou-lhe bruscamente.
—Talvez possamos voltar para edifício aonde teve a reunião.

Elizabeth tremeu, recordando o que tinha visto naqueles olhos.
—Ali só fica o vigilante e ele me ameaçou.
— Isso está por ver! Deixe-me pegar minha pistola e veremos quem dispara

em quem!
Seus dedos se apertaram ao redor de sua mão.

—Prefiro correr o risco com o rio, Will.
—Sim, mas se você cair, também irão os cavalos e a carruagem.

Uma risada afogada escapou da garganta de Elizabeth. — Não estará
preocupado por sua própria vida, Will? — Ou a minha? Queria perguntar.

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—Eu nado como um peixe. Tão bem para nos salvar, mas não poderia fazer
nada pelos cavalos.

Elizabeth se absteve de dizer que o chofer não poderia salvá-la de
afogar se não pudesse encontrá-la. Além disso, a indumentária de uma
mulher não estavaera desenhada para esportes aquáticos... Iria diretamente
para o fundo. E tampouco ele poderia salvá-la se não pudesse ver a margem
do rio.

Imaginou a água glacial e o lixo fedido lhe tampando o nariz, enchendo
seus pulmões. Recordou a barata, o guarda e os olhos que a observavam,
esperando. —Não voltarei para esse edifício.
—Está bem.

Dedos mornos a roçaram e Elizabeth soltou Will contra vontade.
Imediatamente, ele guiou sua mão direita para a cabeça do animal. O cavalo
se sobressaltou ante o contato. Estava tão pouco acostumado a seres humanos
como Elizabeth estava com os animais. Will lhe enroscou seus dedos ao
redor do rígido couro.
—Fique aqui, ao lado da velha Bess madame, para que ela não a pise. -se
perto da calçada... Quando terminar, significa que há uma rua. Podemos
contar o número de ruas e calcular onde dobrar.

O calor reconfortante do corpo de Will desapareceu na escuridão total.
—Mantenha a mão esquerda fora, madame... Para não tropeçar com as luzes
e cair de bruços.

Elizabeth devia ter respondido ao chofer ante aquela rabugice.
Provavelmente uma semana antes o tivesse feito. Fechou os olhos com força.
Uma semana antes não teria perguntado um homem se lhe provocava rechaço
uma mulher que desejava se deitar como um animal.

A bata da madeira e o metal a devolveram de novo a realidade enquanto
Will subia pelo lateral do carro. O cavalo a seu lado, deu um suave relincho e
um passo. Os cascos do animal caíram pesadamente perto do pé de Elizabeth.

Seus olhos se abriram rapidamente.
—Recorda seu posto, velha Bess e tentarei fazer o mesmo. – Ela sussurrou ao
nervoso cavalo.

Levantou o braço para cima com força. O arnês tilintou furiosamente
enquanto Elizabeth lutava para manter a cabeça do pangaré baixada.
— Está preparada, senhora Petre?

Ela inalou a fumaça sulfurosa do carvão, o componente daquela
amarelada neblina londrina que lhe queimava a garganta.

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—Estou preparada, Will.
Um estalo ressoou acima de sua cabeça, imediatamente o cavalo

avançou, arrastando A Elizabeth consigo. Era como caminhar dentro de uma
nuvem mal cheirosa, de sabor acre. Seu único vínculo com a realidade era o
extremo da rédea de couro, o calor animal do corpo do cavalo, a neblina fria
e úmida que dava voltas a seu redor como algo vivo e sua própria voz, que
anunciava o que ela imaginava que eram ruas e não becos sem saída.

Elizabeth estava muito ocupada protegendo os pés e a cabeça para se
dar conta do terrível de sua situação. Depois de receber dois pisões e golpear
contra uma luz, se deu conta de que quanto, mas se afastavam do rio, menos
densa era a neblina.
— Pare!

Deteve-se bruscamente, como se ela e o cavalo fossem um só ser. Uma
bola de fogo amarelo resplandecia do outro lado da carruagem... Um farol,
agora visível. Outra bola amarela estava suspensa sobre sua cabeça... Uma
luz.
—Pode subir ao carro, senhora Petre. A velha Bess, Gertrude e eu nos
arrumaremos sozinhos agora.

O júbilo lhe fez esquecer a profunda dor que sentia no pé e o galo da
testa. Tinha-o obtido. Ela que jamais tinha feito nada mais arriscado que dar
discursos, tomar o chá e oferecer condolências, tirara-os do perigo.
—Obrigado, Will.

Uma vez dentro da carruagem, o terror se apoderou dela. Fechou a boca
com força para conter onda de náuseas. E sentiu o desejo totalmente ridículo
de ordenar ao chofer que a levasse junto ao Sheik Bastardo, A uma casa
aonde podia dizer o que quisesse. Mal pararam em frente à casa dos Petre, a
porta da carruagem se abriu com força. A cara sorridente de Beadles
apareceu de repente, ante uma surpreendida Elizabeth.
— Bem-vinda a casa, madame! Bem-vinda a casa!

Elizabeth estava assombrada. O mordomo parecia realmente contente
em vê-la. Deixou que lhe ajudasse a descer.
—Obrigado, Beadles.
—Cuide a cabeça, senhora Petre. —A voz áspera que lhe chegava da boléia
da carruagem era amável. - Me parece que tem um bom galo. Pude ouvir
daqui de cima como se golpeou contra aquela luz.

O rosto de Elizabeth avermelhou. Acreditava que o chofer não se dera
conta de seu tropeção.

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—Obrigado, Will. Estou segura de que não é nada.

Beadles a seguiu pelos degraus.
—O senhor Petre está no salão, madame. Chamou o delegado. Tinha medo
de que algo tivesse lhe acontecido.

Elizabeth se tocou sob seu chapéu e brandamente apalpou a cabeça...

Havia sim, um galo ali. Tinha o tamanho do olho de uma pomba.
— Quem tinha medo de que algo me tivesse acontecido, Beadles... Meu

marido ou o delegado?
Beadles jogou os ombros para trás.

—O senhor Petre, madame. Chamo o médico?

Elizabeth se surpreendeu ante sua própria resposta.
— O que opina, Beadles?

Os ombros rígidos do mordomo se relaxaram numa postura natural.
—Eu lhe recomendaria que colocasse uma bolsa de gelo, madame.
—Então, isso é o que farei.
—Elizabeth, chegou tarde. —Edward estava em pé do outro lado da porta da

sala. Seu cabelo reluzia como azeite negro contra sua pálida tez. - Deveria ter
chegado há horas. Deixou-me muito preocupado.

Ela sentiu uma profunda sensação de gratidão ante sua inquietação.

Seguiu-lhe um vago sentimento de culpa. Ele tinha retornado para casa, para
estar com ela durante o tempo livre que tinham no Parlamento, para sair para

jantar... E ela não estava ali.
—Me perdoe, Edward. A reunião se prolongou e depois ficamos presos na
neblina.

Edward jogou uma olhada em Beadles, que estava firme cortesmente ao

lado de Elizabeth.
—Beadles, diga a Emma que prepare um banho para a senhora Petre. Ela

subirá imediatamente.

Elizabeth olhou Edward com assombro. Ela não tinha era tão solícito
com ela de que... Não podia recordá-lembrar.
—Obrigado, Edward, mas não há necessidade de mandar Beadles. —Ela

cheirava a neblinae a cabeça e o pé lhe palpitava pela dor. - Subo agora
mesmo.
—Leve-as coisas da senhora Petre, Beadles e depois faça o que lhe ordenei.

O mordomo inclinou a cabeça e fez o que lhe tinham pedido em
silêncio. Elizabeth soltou com inapetência a bolsa, logo tirou as luvas e a

colocou naquela mão aberta embainhada com luvas brancas que cobriam as

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sardas com distinção. Suspirando, tirou o chapéu, que também foi retirado
das mãos. Fazendo uma nova reverência mais, Beadles partiu para as escadas.
Edward ofereceu A Elizabeth seu braço.
—O delegado está aqui. Vamos tranqüilizá-lo lhe dizendo que chegaste bem.

Elizabeth queria um banho quente, uma compressa fria e dez horas de
sonho. Não queria brincar de ser anfitriã. Além disso, a galanteria de Edward
depois da atitude desatenta dos últimos tempos era... Desconcertante. Ao
aceitá-la, sentia que estava cometendo uma pequena traição, como se
estivesse prejudicando seu marido... Ou ao Sheik Bastardo.
— Por que chamaste o delegado, Edward?
—Já lhe disse. Era tarde e eu estava preocupado.
—Não havia nenhuma necessidade de lhe importunar.
—Você não é o tipo de mulher que molesta seu marido por um pouco de
neblina, Elizabeth. Naturalmente, imaginei o pior. Agora ee tome uma xícara
de chá enquanto Emma te prepara o banho.

Incomodar seu marido? Por um poucode neblina? Não se podia dizer
que a neblina era «pouca e por que teria que incomodar Edward durante seu
jantar, quando nem sequer sabia que ele ia para jantar com ela?

Elizabeth pousou seus dedos sobre a manga de sua jaqueta. Os
músculos de sob ela eram firmes mais que musculosos, relaxados mais que
tensos. Um homem corpulento, com grosas costeletas cinzas, levantou-se do
divã floreado da sala.
—Senhora Petre, alegra-me saber que está bem.

Elizabeth tratou de esquecer a dor da cabeça e fingiu sorrir. Estendeu
sua mão. Tremia apenas ligeiramente.
—Delegado, Stone. Como eu dizia a meu marido, não havia nenhuma
necessidade de preocupar ninguém. Todo mundo chega tarde numa noite
como esta.

A palma da mão do delegado estava quente e suarenta. Ela retirou sua
mão tão rápido como permitia a boa educação.
—Por favor, sente-se.

Seguiu em pé até que ela se sentou frente a ele. —Seu marido diz que
tem você um compromisso importante esta noite, por isso partirei em
seguida.

Sua preocupação era compreensível. O jantar dos Hansons. Edward
tinha estaestava preocupado... Porque ela ia chegar tarde num jantar. Não

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tinha ordenado que lhe preparassem o banho por cavalheirismo, mas para que
se apressasse.

O vigilante do edifício a tinha tomado por uma prostituta e a ameaçado.
Podia tê-la violado, roubado ou matado, mas seu marido tinha chamado o
delegado porque ela tinha alterado seus planos.
—Sinto havê-lo importunado, delegado Stone. —Sentia que sua voz estava
separada de seu corpo, como se não lhe pertencesse. - A neblina desceu
enquanto assistia uma reunião da associação. Quando finalizou, Will, nosso
chofer e eu nos apressamos para chegar em casa o mais breve possível. Sem
dúvida, minha inexperiência nos fez nos atrasar ainda mais.
— Como?

O cabelo na nuca lhe produziu ardência. O delegado Stone atuava como
se ela fosse culpado de um crime muito pior que faltar a um jantar.
—Tive que levar das rédeas dos cavalos para evitar que caíssemos no
Tâmisa.

O delegado estava surpreso. Edward franziu o cenho.
—Para isso temos um cavalariço.
—Tommie não estava. Ficou doente enquanto me esperava, por isso Will o
enviou para casa.
— Em onde foi essa reunião, senhora Petre?

Elizabeth respondeu ao fornido delegado, que a olhou com
desaprovação.
— Está-me dizendo que esteve nesse distrito acompanhada só por um chofer?
— Digo repetidamente a Elizabeth que contrate uma secretária. Assim teria
uma acompanhante que pudesse ir com ela a este tipo de evento. —Edward
levantou sua xícara de chá e dirigiu um sorriso condescendente ao delegado. -
Mas você sabe como são as mulheres. Nunca pensam em sua segurança até
que é muito tarde.

Elizabeth sentiu que a frieza invadia seu corpo e não tinha nada a ver
com a neblina invernal entre a qual havia caminhado. Edward não tinha
nenhum motivo para avisar o delegado, mas que soubesse de antemão que no
edifício estava o vigilante bêbado. Uma pessoa que podia lhe fazer mal
sabendo perfeitamente que ela não era uma prostituta... Levantou
imediatamente.
—Se me desculparem, delegado Stone, Edward, eu gostaria de me retirar a
meus aposentos. Foi uma tarde exaustiva.

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Edward e o delegado ficaram em pé ao mesmo tempo. E o delegado

falou. - É obvio, senhora Petre. Eu mesmo encontrarei a porta de saída.

A porta do salão se fechou com um suave clique. Edward e Elizabeth se

olharam por cima do carrinho de chá.

Elizabeth se preparou mentalmente.
—É muito tarde para ir ao jantar, Edward.
—Seu pai espera que vamos em seu lugar, Elizabeth. Então iremos.
—Não, Edward. Eu não irei. —Notava uma dor surda na têmpora. Palpitava

ao ritmo de seu coração. - Esta noite, não.
—Muito bem. – Ele a surpreendeu com sua resposta. - O importante é que

está a salvo. Deve ter passado por um autêntico calvário.
—Sim. — Por que não podia contar seu encontro com o vigilante e sua
ameaça em matá-la? – Dei a cabeça contra uma luz.
— Quer que chame o médico?
—Não, obrigado, Edward. Já tem feifezto muito.
—Boa noite, Elizabeth. Cuide da cabeça.

Elizabeth mordeu o lábio. Tinha frio, sentia dor, estava ainda

atemorizada e não sabia por que. O incidente com o vigilante tinha sido má

sorte. Estava segura em seu lar.
— Você vai?
—Esperam-nos na casa dos Hansons.

E o tinha defraudado.
— Chegará a tempo para... — Não. Não podia perguntar aquilo, se ele

passaria a noite com sua amante depois da reunião parlamentaria ou se

voltaria para casa. - A sessão da câmara?
—Não importa se chegar alguns minutos tarde. Melhor será que se apresse.

Seu banho se esfriará.

De maneira perversa, Elizabeth queria acompanhar Edward. Ele se

voltou e caminhou para a porta. Inclinando, sustentou-a aberta para que ela

passasse.
—Boa noite, Elizabeth.

Elizabeth tentou recordar a sensação de seu corpo em cima do dele,

dentro do dele. Ele havia sido tão frio e controlado como agora?

Tinha mudade Edward... Ou tinha sido ela?
—Boa noite, Edward.

Com sua costumeira calma e eficiência, Emma se ocupou rapidamente

de que Elizabeth tomasse seu banho e se metesse na cama com uma bolsa de

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gelo sobre a cabeça. Elizabeth estava muito cansada para pensar. Além disso,
só lhe ocorriam tolices, produto do frio, da dor e do cansaço. Mas seus
pensamentos não cessavam. “Digo repetidamente para Elizabeth que contrate
uma secretária. Assim teria uma acompanhante que pudesseir com ela s este
tipo de evento. Uma mulher na Arábia tem certos direitos sobre seu marido.
Entre eles está seu direito a união sexual. Não é o tipo de mulher que molesta
seu marido por um pouco de neblina, Elizabeth. Olhe seu marido. Quando vir
o que é e não o que você quer que seja, então obterá a verdade”.

A que verdade se estava referindo o Sheik Bastardo? Tinha-lhe
mentido? Sabia quem era a amante de Edward e acreditava que Elizabeth não
tinha possibilidade de obter o favor de seu marido, tivesse a aprendizagem
erótica que tivesse? “Senhora Petre, há certas coisas que um homem pode
fazer com uma mulher de seios grandes que não pode fazer com uma de
proporções menos generosas”.

Com as mãos, Elizabeth cavou seus seios através da camisola de
algodão. Estenderam-se sobre seus dedos grandes, sim, mas ainda firmes.
Que figura teria a amante de Edward? “Você ama a seus filhos, mas não sabe
nada a respeito de seu marido... Nem sobre você mesma”.

Seus mamilos endureceram sob seus dedos. Afastou as mãos
bruscamente. Sem dúvida, a amante de Edward tinha o busto plano e os
quadris pequenos. Tudo o que Elizabeth não tinha. A bolsa de gelo deslizou e
tinha conseguido intumescer sua orelha enquanto a cabeça lhe seguia
pulsando. Voltando-se, girou a chama no abajur de gás ao lado de sua cama.

CAPÍTULO VIII

Ainda devia ler sua lição do ” O Jardim Perfumado”. O livro estava
onde o tinha escondido, encerrado na gaveta de sua escrivaninha. Tirou papel
e pluma e começou a tomar notas enquanto lia «A respeito de tudo o que
favorece o ato do coito».
A dor de cabeça e os ligeiros tremores de suas mãos se transladaram mais
abaixo, entre suas coxas, até que deixou de escrever por completo e só leu.
As maneiras de fazer uma mulher são numerosas e variadas. E agora é o
momento de mostrar quais são as diferentes posições mais usuais.

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