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Published by sara.acasio, 2017-09-11 12:09:44

O Tutor

O Tutor

com um homem”. Oh, Deus. Como poderia viver dezesseis anos mais com
Edward?

Não importa o que acontecer quero que me prometa algo.
Os cotovelos rígidos de um homem e de uma mulher se cravaram no
ombro de Elizabeth. Com destreza, o Sheik Bastardo a fez girar para um lado.
—Está rangendo, Elizabeth.
— Desculpe?
—Seu espartilho. Como pode respirar prendendo-o tão forte?
Seus lábios se endureceram. Emma, seguindo suas ordens, tinha
apertado o espartilho mais que de costume. Para ocultar seus seios como
úberes e seus quadris flácidos.
— Como pode você dançar tão bem se não vai a nenhum baile?
Uma risada rouca retumbou em seu peito.
—Há bailes, Taliba. Dance.
— Aonde as mulheres dançam com os seios no ar? —Perguntou-lhe mordaz.
—Em alguns. - Replicou ele languidamente.
Parecia como se ele gostasse da idéia de vê-la dançar com os seios
livres, lhe roçando o traje.
Impossível. Edward lhe tinha deixado bem claro que uma mulher com
os seios grandes não era atraente para um homem.
— O que quer que lhe prometa? —Perguntou secamente.
—Quero que me prometa que nunca esquecerá que tem direito a satisfação
sexual.
Elizabeth ficou tensa.
—Não estamos na Arábia, Lorde Safyre.
—Quero que me prometa que nunca esquecerá que um homem treme quando
está excitado... Quão mesmo uma mulher.
Ele tentou que seus corpos mantivessem a distância regular de quarenta
e cinco centímetros que exigiam a decência, para a posição de baile, mas a
multidão o impediu.
—Quero que me prometa que virá, quando a dor de estar sozinha for muito
grande.
Deixou de lutar contra. - Não cometerei adultério, Lorde Safyre.
—O matrimônio é algo mais que um monte de palavras pronunciadas numa
igreja. Não pode cometer adultério se não estar casada de verdade.
—Tenho dois filhos.

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—Seus filhos serão homens em pouco tempo. Quem ficará com você então,
Taliba?

A dor se retorceu em seu peito.
— E a quem tem você, Lorde Safyre? —Replicou-lhe cortante.
—A ninguém. Por isso sei que em algum momento a dor será muito grande
para que a você suporte sozinha.

Já era.
—Você tolera bastante bem.
—Não tenho outro remedio.
—E eu também não.
—Não, não é necessário.
—Então, pretende que eu vá a você como uma cadela no cio?

Elizabeth não acreditou que pudesse voltar a se escandalizar.
Continuamente estava se surpreendendo.
—Não a chamei de cadela.

Elizabeth olhou fixamente os prendedores gêmeos de ouro de sua
camisa.
—Disse que eu estava quente.
—Quentura sexual.

Ela jogou a cabeça para trás e o olhou desafiante.
— Existe diferença?

Seus olhos turquesas estavam imóveis.
- Existe uma diferença.
- Qual? Qual é a diferença?

Ramiel se aproximou ainda mais, seda sobre seda, assumo sobre peito...
E também resultou muito prazenteiro. Uma prova mais de sua natureza
lasciva.
—Uma cadela toma sem dar.

Sua voz era áspera. Tudo o que podia ver de seu rosto era o perfil
recortado de seu queixo, a curva angulosa de sua face e seu nariz. Recordou a
tristeza de seus olhos naquela segunda-feira pela manhã quando lhe tinha
pedido que lhe ensinasse a agradar um homem... E o aroma do perfume de
mulher que trazia aceso no corpo.
—Deduzo que conhece esse tipo de mulher.
—Conheço esse tipo de mulher. - Assentiu secamente.
—Mas um homem e uma mulher... Ambos podem se fundir, não?

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Ela esperou, prendendo a respiração, desejando que ele dissesse alguma
coisa, não, sim, que não se pudesse esperar nada mais do matrimônio, mas
tinha que haver algo mais. De outra maneira, não poderia suportar.
—Acredito que sim.
— Acaso não está seguro?
—Agora, sim. Sim, Taliba. Um homem e uma mulher podem fundir, dois
corpos, convertendo-os num somente.
—Conhece a identidade de sua amante não é assim?

Não era uma pergunta.
De repente, o corpo de Elizabeth se separou dele. Voltavam a ser
unicamente um homem e uma mulher dançando juntos a valsa. Não queria
ver o que ele sabia e estaria escrito em seu rosto. Apertou os olhos com força.
A amante devia ser muito formosa para que o Sheik Bastardo estivesse
tão seguro de que seu marido não se incomodaria em deitar com sua mulher.
Uma puta muito, muito formosa.
Fez girar A Elizabeth levantando uma rajada de ar quente e seda vaporosa.
Seus olhos se abriram de repente.
—Siba, Elizabeth.
Ele sabia... E não o diria.
Não pôde manter a raia a amargura que penetrava em sua voz:
—Não considero honroso ocultar informação que poderia salvar um
matrimônio.
—Algumas coisas só podem acreditar quando se vêem. – Ele respondeu
críticamente, fazendo-a girar uma e outra vez até deixá-la enjoada. - Quando
estiver pronta para a verdade verá por ti mesma quem tem uma aventura com
seu marido.
A música finalizou com um golpe de teclas de piano. O abajur de gás e
a face morena de Ramiel continuavam girando. Segurou-se a ele com força
para sustentar.
Seus lábios se torceram num sorriso que não chegou a seus olhos.
—Estarei esperando, Taliba.
Com suavidade, soltou seus dedos e deu um passo atrás. A multidão de
bailarinos o tragou.
O que tinha querido dizer com aquilo de «estarei esperando»? Sua nota
tinha sido explícita. Não haveria mais aulas. Havia-lhe devolvido o livro. Não
podia haver mais aulas.

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Elizabeth olhou para o lugar aonde o Sheik Bastardo tinha estado só
alguns minutos antes. Sua voz seguia ressonando em sua cabeça. Quando
estiver pronta para a verdade, verá por ti mesma quem tem uma aventura com
seu marido.

Dirigiu o olhar a seu redor freneticamente. Teria seu marido uma
aventura com alguém conhecido, alguém em quem confiava? A multidão se
moveu, indo ao bufê para voltar a se carregar da energia que o baile tinha
esgotado. Edward estava em pé com a cabeça inclinada para uma joven.
Elizabeth estimou que teria uns dezoito anos. Um ano mais que ela quando
ele a havia desposado. A jovem tinha o cabelo loiro e um corpo magro e leve,
rodeado de molestas anquinhas que continuava crescendo tanto em tamanho
como em popularidade.

Preferia Edward o peito plano e os quadris sem forma de uma moça?
Um jovem loiro se uniu a Edward. Possuia um grande parecer físico
com a jovem. Sem dúvida era seu irmão, talvez alguns anos mais velho.
Edward levantou a cabeça e saudou o recém-chegado.
Elizabeth pestanejou ao observar a calidez do sorriso de seu marido.
—Senhora Petre, queríamos lhe agradecer sua ajuda em organizar uma festa
tão maravilhosa. Pode estar segura de que apoiaremos seu pai e seu marido.
Elizabeth afastou a vista de seu marido e se encontrou com um par de
olhos pálidos e saltados. Levou-lhe um segundo para identificar a senhora
alta e velha e o homem rechonchudo e baixinho que estavam a seu lado.
—Senhor e senhora Frederik, muito obrigado por ter vindo. —Elizabeth
sorriu e tomou a mão da mulher entre as suas. - Sua oferta pela figurita de
porcelana foi muito generosa.
—Nós não gostamos da idéia de que mulheres e crianças estejam passando
fome, senhora Petre. - Disse o senhor Frederik. - Sobre tudo quando seus
homens deram sua vida por nosso país.
O sorriso de Elizabeth se murchou.
—Há mulheres e crianças nas ruas que não têm maridos ou pais, senhor
Frederik. Eles também necessitam de nossa ajuda.
Suas expressões de desaprovação não auguraram futuras doações.
Elizabeth afastou seus pensamentos do Sheik Bastardo e das mulheres
desesperadamente pobres e das crianças doentes que sofriam por causa da
ignorância das pessoas.

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—Provou os camarões, senhor Frederik? São bastante bons. Acredito

que estão cozidos em xerez. Senhora Frederik, que formoso vestido. Tem que

me dizer quem é sua costureira.
O senhor Frederik se aplacou com a comida e a senhora Frederik

adorou as adulações de Elizabeth. Ela sentiu-se aliviada quando sua mãe a

separou do grupo.
— O que estava fazendo Lorde Safyre aqui? Quem o convidou? E por que

dançou com ele?
O sorriso no rosto de Elizabeth havia desaparecido.

—Não tenho nem idéia do por que estava aqui. Talvez seja do Partido

Conservador.
—É um liberal. E um bastardo. Não nos relacionamos com gente como ele.

Nem sequer pelas boas causas.

Era a primeira vez que Elizabeth escutava algo assim. Havia vezes em
que acreditava que sua mãe se associaria com mesmo o diabo para favorecer

a campanha.
—Me desculpe, mãe. Não sei o que ele veio fazer. “Vim por ti”.

O sangue quente alagou o rosto de Elizabeth.
— Por que dançaste com ele?

Porque queria saber o que se sente quando dois corpos se fundem em
um só.
—Porque me pediu. - Disse isso em voz baixa.
—Esta é a segunda vez que dança com ele, filha. Inclusive você deve estar a
par de sua reputação.

Elizabeth observou a sua mãe com olhar tranqüilo. – Acha que Lorde

Safyre está tentando me seduzir?
Os olhos verdes esmeralda de Rebecca brilharam.

- Não seja ridícula. Evidentemente, está tentando boicotar nossa causa. É

plenamente consciente de que se a vêem dançar com alguém como ele,
repercutirá de forma negativa sobre seu pai e seu marido. Os liberais querem

um primeiro-ministro conservador.

Elizabeth ignorou a dor que lhe provocava o desprezo de sua mãe:
— É tão inconcebível que um homem possa dançar comigo porque me acha

atraente?
— Parece ele atraente a voce? —A voz de sua mãe era afiada como um
dardo.
—Sim. A ti não?

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Pela primeira vez em sua vida, Elizabeth tinha conseguido escandalizar
sua mãe, lhe tampando a boca.

A surpresa se dissipou rapidamente, substituída pela aversão:
— Está flertando com esse homem, Elizabeth?

Um enorme cansaço foi tomando conta de Elizabeth à medida que se
evaporava a excitação pela perseguição que tinha sido submetida pelo Sheik
Bastardo e o calor que ele havia irradiado enquanto dançavam.
—Não. Como disse. Um homem como ele jamais se interessaria por uma
mulher como eu.

Era uma farsa em estado puro.
O homem que devia atender solicitamente suas necessidades se negava
a tocá-la... Enquanto que podia conseguir de todas as mulheres que quisesse,
escolheria-a por piedade.

CAPÍTULO XIV

A tentação trovejou sobre as cabeças da congregação. As velas que
iluminavam o altar de madeira piscavam. Escuras sombras dançavam sobre a
madeira reluzente.

Elizabeth estava sentada na primeira fila. Usava o chapéu e o véu negro
de todos os domingos. Edward com seu bigode encerado estava sentado a sua
direita, impecável com seu traje cruzado de lã cinza feito à medida. Sua mãe,
também com chapéu e véu negros, estava sentada a esquerda de Elizabeth e
parecia hipnotizada pelas palavras do pastor. Elizabeth não tinha que virar
para ver que seu pai, sentado a esquerda de Rebecca estava igualmente
atento.

Casara-se com o Edward naquela igreja. O Pastor que pregava agora
sobre um capítulo de São Mateus os tinha declarado marido e mulher.

Uma ágape nupcial tinha seguido a cerimônia. A espuma do champanhe
tinha borbulhado alegremente em sua taça. Que desilusão levou ao saber
que não teria lua de mel. Que entusiasmo tinha sentido ante a perspectiva de
ter sua própria casa. E quantas expectativas havia depositado em sua noite de
bodas.

Olhou distraídamente para a Bíblia que descansava aberta sobre sua
saia. Rebecca tinha decorado a casa de Edward e tinha contratado os

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serventes. O único requerimento que tinha tido Elizabeth em sua nova vida
tinha sido Edward. E os únicos momentos que tinha passado com ela tinham
sido aqueles poucos minutos cada noite sob os lençóis.

Tudo para deixá-la grávida com o único fim de obter votos.
O som das folhas da Bíblia encheu a igreja. Junto à Elizabeth, Rebecca
passou a página de seu livro.
Imitou sua mãe instintivamente. Olhou a diminuta letra Através de seu
véu negro. O que acreditava que estava lendo?
Inclinando a cabeça, observou com atenção o texto. As bem-aventuranças, as
parábolas, o assassinato, o divórcio... O divórcio, segundo São Mateus,
estava proibido salvo que se pudesse provar a fornicação. Edward tinha uma
amante. O adultério era fornicação.
“Estarei esperando, Taliba”.
Elizabeth elevou a cabeça bruscamente. Seu coração pulsava com força
contra o espartilho fortemente ajustado. A voz do pastor, forte para poder
chegar aos paroquianos do fundo da igreja, explodia como um canhão dentro
de sua cabeça.
No que estava pensando? As mulheres respeitáveis não pediam o
divórcio.
Concentrou no clérigo, no reflexo do altar de madeira, na cera que
gotejava das velas, no cuidadoso bordado que decorava as vestimentas do
pastor. Coisas respeitáveis nas quais pensavam as mulheres respeitáveis.
—Elizabeth.
Elizabeth olhou para sua mãe, bobamente. O eco vazio de pés que se
arrastavam retumbou dentro da igreja.
O primeiro banco estava esvaziando. Outros esperariam impacientem
para sair... Incluindo seu marido e seus pais.
Com a face ruborizada, levantou-se. Um golpe surdo ressoou acima dos
passos que se afastavam.
Sua Bíblia.
Edward se abaixou rapidamente e a segurou. Uma expressão enigmática
revoou em seu rosto. Elizabeth tirou o livro de sua mão.
—Obrigado.
O sol alagava a nave central, transformando o tapete de cor carmesim
em vermelho sangue. Elizabeth inclinou a cabeça e sorriu aos rostos
conhecidos enquanto passava pelas largas fileiras de bancos. Quando saiu,
tomou uma grande baforada de ar.

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—Elizabeth. Edward e seu pai irão ao clube. Você e eu iremos almoçar não é
assim?

Todos os domingos depois de missa, Edward e seu pai iam para o clube
e todos os domingos sua mãe fazia o mesmo convite. E todos os domingos

Elizabeth o aceitava. Os domingos tinham muitos assuntos a tratar. Os
acontecimentos sociais e políticos da semana seguinte, sincronizar suas
agendas de atividades...
—Não, obrigado, mãe. Tenho correspondência para me ocupar. – Ela mentiu.

Os olhos verdes esmeralda de Rebecca reluziam através do véu negro.
Elizabeth tentou recordar se alguma vez aqueles olhos se iluminaram por riso
ou amor. Não pôde.
—Há certas mudanças em nossas agendas...
—Almoçaremos na terça-feira, mãe. Então poderemos revisar as mudanças.
—Muito bem. Eu também tenho coisas das quais me ocupar esta tarde. Seu
pai dará um discurso na quarta-feira
—Recordo-me.
—Deixarei você em tua casa. Andrew e Edward irão na outra carruagem.

Elizabeth assentiu:
—Obrigado.

Andrew e Edward sempre iam no carro dos Petre.
Uma inundação de risadas lhe chegou procedente das escadas da igreja.
Não tinha que olhar ou ouvir seu pai e Edward para saber que estavam

exercendo seus encantos com a congregação. Isso também ocorria todos os
domingos.

Sabendo de cor qual era seu papel, Elizabeth se voltou e se misturou
com as pessoas que ainda não haviam ido embora. Andrew e Edward não
abandonariam seu público, até que não restasse ninguém.

Mais tarde, na carruagem, Rebecca surpreendeu Elizabeth.
- Foi procurar um médico, Elizabeth?

Ela se voltou para a janela e olhou os edifícios que passavam.
—Não. Por que teria que fazê-lo?

- Está um pouco estranha ultimamente. Talvez necessite de um tônico.
Talvez só precisasse ser amada.

—Por que não teve mais filhos, mãe? — Ela perguntou impulsivamente.
O silêncio foi sua única resposta. Elizabeth afastou a cabeça da janela.
Rebecca apertou a Bíblia com força. —Não pude ter mais filhos.

Elizabeth sentiu remorso.

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—Sinto muito.
—Minha mãe, sua avó, teve também um filho. Você tem muita sorte de ter

dois.
Elizabeth jamais tinha conhecido sua avó. Ela havia morrido anos antes

que ela nascesse.

Estava a ponto de perguntar a sua mãe se acreditava que era afortunada
por ter dois filhos e não um ou porque seus filhos eram varões e não

mulheres. Logo lhe ocorreu que talvez sua avó tivesse preferido um varão.
Por não ter sido amada ela mesma, talvez Rebecca tampouco tinha sido capaz

de querer sua própria filha.
—Sim, sei. - Disse Elizabeth lentamente. A carruagem se deteve em seco. —
A verei na terça-feira, filha. Espero que seja pontual. Elizabeth aplacou

uma faísca de raiva.
—Espero que sim.

Um lacaio, o novo lacaio, observou Elizabeth. – E abriu bruscamente a

porta do carro.
—Que tenha um bom dia, Elizabeth.
—Você também, mãe.

Em pé, com a costa inclinada, ela estendeu a mão para que o lacaio a

ajudasse a descer.
O lacaio se quadrou rigidamente ao lado da carruagem, como se

Elizabeth fora um sargento de artilharia e ele um soldado. Parecia a ponto de

saudá-la.
Com um sorriso nos lábios, tirou um pé fora até que encontrou o

degrau. Logo que esteve sobre a calçada, a porta da carruagem se fechou as

suas costas.
—Obrigado, Johnny.

- É um prazer, senhora.
—Johnny...

O lacaio continuava olhando fixamente para diante.
— Senhora?

Tinha pensado em ensinar a ele qual devia ser a conduta correta de um
lacaio, mas mudou de idéia. O que ele estava fazendo era muito amável,

substituindo seu primo enquanto Freddy cuidava de sua mãe.
— Não trabalhaste antes como lacaio?
—Não, senhora.
—Está-o fazendo muito bem.

159

—Obrigado, senhora.
Elizabeth se voltou e subiu os dois degraus da porta de sua casa.

Suspirando, estirou a mão para abrir ela mesma.
Instantaneamente, uma mão embainhada numa luva branca pousou no

trinco antes que a dela. Sentia em seus ombros o calor do corpo do Johnny.
—Foi muito valente ao levar as rédeas dos cavalos na neblina, senhora. —
Ele inclinou-se para diante e empurrou a porta até abri-la.

De repente, o sol brilhou mais forte.
—Obrigado, Johnny.

Beadles esperava no vestíbulo, retorcendo-as mãos.
— Senhora Petre! Sente-se doente? Deseja que chame o doutor?

O sorriso desvaneceu de seu rosto. Tanta preocupação... Por parte de
todo o mundo menos de seu marido.
—Não, Beadles. Não almoçarei com minha mãe porque tenho
correspondência para me ocupar. Por favor, envie Emma para mim.

Mas uma vez que Elizabeth mudou de roupa... Não encontrou nenhuma
ocupação. Escreveu cartas a seus filhos. Folheou um livro de poesia... Poesia
inglesa. Não havia nenhuma vulva, nem um membro meritório em todo o
livro. Beijos, sim, mas sem língua. Gemidos, mas sem orgasmo. Amor, mas
sem o coito. As pétalas das flores caíam como símbolo de morte, mas
nenhuma delas se rendeu para revelar um casulo escondido. “Uma mulher na
Arábia... Tem direito de pedir o divórcio se seu marido não a satisfaz”. Ela
arrojou o livro contra a parede. Um golpe suave na porta seguiu ao impacto.
—Senhora Petre. —O golpe se repetiu com mais insistência.— Senhora
Petre.

Ela alisou o cabelo e abriu a porta de seu aposento.
— Sim, Beadles?
—Tem uma visita. —Inclinando, Beadles lhe aproximou uma pequena
bandeja de prata.

Sobre ela repousava um cartão. A quina superior direita estava dobrada,
indicando que a pessoa que esperava desejava ser recebida.

Com curiosidade, Elizabeth a levantou. Condessa Devington. Estava
impresso em elegantes caracteres escuros. A mãe do Sheik Bastardo.
Levantou a cabeça bruscamente.
—Hoje não receberei visitas, Beadles.
—Muito bem, madame.

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Elizabeth fechou a porta apoiando-se contra a madeira. Como ela se
atrevia a vir sem convite. Havia abandonado seu filho numa idade que ele
mais necessitava do amor de uma mãe.

Soaram novamente alguns golpes na porta. O coração de Elizabeth

bateu forte. A condessa seria tão descarada...
—Senhora Petre. — Era Beadles.

Com cautela, ela abriu a porta. Beadles se inclinou outra vez. Sua digna
compostura estava opaca pelo som de sua respiração entrecortada ao subir as
escadas duas vezes em tão pouco tempo. Um cartão dobrado descansava
sobre a bandeja de prata.
—A condessa me pediu que lhe desse esta nota, madame.

A letra da condessa era enérgica e sua mensagem clara. “Pode ter o
prazer de minha companhia agora ou o prazer da companhia de meu filho
mais tarde’”.

Os lábios de Elizabeth se fecharam numa apertada linha. Ela sabia.
“Acabou, siba”. Elizabeth acreditava que seria incapaz de voltar A sentir dor
pela traição de um homem. Não era assim.
—Por favor, faça entrar a condessa ao salão, Beadles. Que a cozinheira

prepare uma bandeja.
A condessa Devington estava em frente à lareira de mármore branco,

esquentando-se. Ela vestia um elegante vestido de cor vermelha escura e um
original chapéu de veludo negro colocado graciosamente sobre sua loira

cabeça.
Seus olhos cinzas se encontraram com os de Elizabeth no espelho

situado sobre o suporte da lareira.
—Vejo por sua expressão que já sabe que estou a par de sua relação com meu
filho.

Elizabeth sentiu que tudo o sangue saia de sua cabeça. A condessa era
tão direta como o Sheik Bastardo.
—Sim.

A condessa girou com graça. Seus olhos cinzas se suavizaram

comprensivamente.
—Por favor, não se zangue com Ramiel. Não foi ele quem me disse isso, mas
Muhamed.
—Não havia necessidade desta visita, condessa Devington. O que você
chama minha relação com o Ramiel, já se concluiu. - Disse Elizabeth com

frieza.

161

A condessa inclinou a cabeça para um lado de forma que seu chapéu
ficasse perfeitamente reto.
—Você não entende por que enviei Ramiel a Arábia para que ficasse com seu
pai.

Uma cálida onda de mortificação alagou o rosto de Elizabeth.
—Está claro que isso não é assunto meu.

A condessa tirou as estreitas luvas cor canela.
—Elizabeth, posso te chamar por seu nome? Meus pais enviaram me para um
internato na Itália quando tinha dezesseis anos. Fui raptada num dia em que
me afastei da classe, numa excursão. Meu seqüestrador enviara um navio
aonde viajavam outras moças loiras. As mulheres loiras são muito cotadas na
Arábia, como você bem sabe. Na Turquia nos puseram sobre um soalho num
mercado de escravos e nos despiram para que os homens pudessem nos ver e

inclusive nos examinar, como se faz com um cavalo antes de adquiri-lo.
Fomos vendidas uma a uma. O turco que me comprou violou-me
brutalmente. Mas tive sorte, porque quando se cansou de me violar, me
vendeu a um mercado sírio.

Elizabeth a olhava, sem dizer uma palavra. —O sírio me ensinou a

sobreviver num país aonde as mulheres valem menos que um bom cavalo.
Com o tempo, vendeu-me a um jovem Sheik. Aprendi a amá-lo com todo
meu coração e me consegui o que um árabe valoriza mais, um filho. Quande
Ramiel fez doze anos, não podia privá-los de sua mútua companhia. Não foi

a comodidade a que me impulsionou a enviar meu filho para a Arábia, mas o
amor.
—Mas... Seu pai lhe deu de presente um harém quando fez treze anos. -
Soltou Elizabeth.
—Certamente. Não é uma tradição inglesa, mas lhe asseguro que na corte do

Safyre é o que os pais fazem por seus filhos.
—E, entretanto você o enviou para lá, sabendo o tipo de educação que ia
receber.
—E mesmo assim você procurou deliberadamente meu filho sabendo o tipo

de educação que tinha recebido.
Elizabeth elevou o queixo com força. Sua boca se abriu para contradizê-

la, mas em lugar disso, admitiu a verdade:
—Sim.
—Não posso arrojar pedras contra meu próprio telhado, Elizabeth, porque

não mudaria um só momento do que aconteceu. Meu Sheik por uma virtuosa

162

vida inglesa. Estou muito contente de que Ramiel tenha se liberado da
hipocrisia de chegar ser homem num país que menospreza um dos
verdadeiros prazeres da vida. Agora que tiramos tudo para fora, posso me
sentar, por favor?

Elizabeth deveria ter ficado escandalizada e furiosa. Mas, estava se
perguntando como se sentiria se tivesse sido amada como a condessa tão
claramente tinha manifestado. Aberta e totalmente.

Estava se perguntando como se sentiria aceitando sua própria
sexualidade sem se arrepender.
—Lamento suas desventuras, condessa Devington. - Disse Elizabeth
brandamente. - Por favor, sente-se.

Um sorriso deslumbrante iluminou o rosto da condessa.
Elizabeth piscou.
A condessa era uma mulher formosa, mas de uma beleza amadurecida.
Aquele sorriso parecia lhe devolver de novo aos dezesseis anos, jovem e
inocente. Não pertencia a uma mulher que tinha sido brutalmente violada e
vendida como escrava, nem que por própria vontade se entregou a um
homem fora do matrimônio e dado a luz um filho ilegítimo.
Ela sentou em frente à Elizabeth com um rangido de seda e um
irresistível perfume. Elizabeth jamais tinha cheirado nada semelhante. Era
um aroma similar ao de uma laranja inundada num recipiente de baunilha.
A condessa lhe comentou confidencialmente:
—A Ramiel não gostaria de se inteirar que estou aqui.
—Então... Temo que não compreendo. - Disse Elizabeth com cautela. Não
queria que aquela mulher lhe resultasse agradável, mas tinha que admitir que
era assim. - Você me disse que se não a recebia hoje, seu filho viria mais
tarde me visitar.
—Você ameaçou revogando a cidadania de Ramiel se Muhamed não a
deixasse entrar em sua casa.
—Já disse a seu filho que jamais tive intenção de fazer semelhante coisa. - Se
defendeu Elizabeth bruscamente.
—Tampouco eu tive intenção de ameaçá-la com meu filho.
Os olhos de ambas as mulheres se encontraram.
—Cometi um engano, condessa Devington. Peço-lhe desculpas por isso.
Nunca quis prejudicar seu filho. Não sei o que lhe disse Muhamed, mas lhe
asseguro que nossa relação terminou.
Os olhos cinzas se obscureceram.

163

—Talvez compreenda melhor a atitude de Muhamed quando lhe disser que

ele também foi vendido a um mercado sírio. Era um moço muito bonito

maltratado por seu antigo dono. Não posso lhe dizer exatamente o que lhe
fizeram, mas será suficiente afirmar que possivelmente Muhamed tem

motivos poderosos para sentir aversão pelas mulheres. Se o mercado sírio e

eu não tivéssemos nos ocupado dele, teria morrido como tantos meninos
europeus vendidos como escravos. Quando recuperei minha liberdade, voltei

para a Inglaterra e Muhamed decidiu ficar. Quando enviei Ramiel a seu pai,
Muhamed o cuidou. Tente imaginar que Ramiel é o filho que Muhamed

nunca teve e possivelmente possa entender melhor sua conduta.

Muhamed, europeu! O Sheik Bastardo tinha deixado que Elizabeth
acreditasse deliberadamente o contrário.
—Os criados de seu filho, condessa Devington, não são assunto meu.

- Você acredita que estou me entrometendo. - A condessa estava cheia de
surpresas.
—Sim.
—Ainda não se deitou com meu filho.

Elizabeth se sentiu mortificada.
—É obvio que não.
—Mas gostaria.
—Condessa Devington, sou uma mulher casada...
—Há rumores em alguns círculos que seu marido tem uma amante porque

você é uma esposa glacial, frígida e mais interessada em respirar sua carreira
que esquentar sua cama.

A terrível injustiça de tal afirmação deixou sem fôlego A Elizabeth. Só

pôde olhar fixamente e esperar que a dor que rasgava seu corpo não se visse
refletido em seu rosto.
— Qual é exatamente o motivo de sua visita, condessa Devington?

A condessa sorriu calidamente: —Os rumores são cruéis.
A dor cedeu À fúria. — Esse rumor carece totalmente de fundamento!

Procurei seu filho para aprender como agradar a meu marido...

Seu sorriso se congelou de repente. Uma emoção que Elizabeth não
pôde definir brilhou nos olhos cinzas da condessa.
— Procurou meu filho para que ele lhe ensinasse como agradar um homem?

Ela não havia se acovardado ante o Sheik Bastardo e tampouco o faria
ante sua mãe.
—Sim

164

— E ele... Ensinou-lhe essa arte?

A desolação embargou a Elizabeth, como uma onda fria e cinza.
—Talvez algumas mulheres não são feitas para agradar um homem. - Disse

sem se alterar. - Talvez se tornem companheiras e mães em lugar de amantes.

A condessa lhe dirigiu um olhar compassivo, como se soubesse que os

ensinos de seu filho haviam fracassado sem conseguir os resultados

desejados. Elizabeth se perguntou se toda Londres estava a par de que

Edward a tinha rechaçado.

O sentido comum se impôs imediatamente.

Segundo a condessa, toda Londres acreditava que ela era uma puta

frígida que preferia fazer campanha até ficar afônica e seus olhos ardessem

por falta de sono, antes que oferecer seu corpo num abraço amoroso.

Um golpe seco interrompeu os pensamentos sombrios de Elizabeth. A

porta da sala se abriu de par em par. Beadles entrou empurrando o carrinho

do chá.
—Obrigado Beadles. Isso é tudo.
—Muito bem, madame.

Elizabeth serviu o chá de maneira decidida.
— Nata, condessa Devington?
—Melhor limão, obrigado.
— Bolachas?
—Por favor.

Elizabeth lhe passou a bandeja cortesmente. Seus brancos e longos

dedos pegaram um doce.

A condessa devia ser uma daquelas mulheres que podiam comer doces

todo o dia e não engordar nem um quilo. Pensou Elizabeth ressentida.
—Ainda não me disse qual é o motivo de sua visita.
—Queria conhecer um pouco mais a mulher que chantageou meu filho.

Elizabeth negou com a cabeça.
—E que logo teve a gentileza de dançar com ele.

Ela sentiu vergonha ao recordar a grosseria de Lorde Inchcape.
—Não foi gentileza, condessa Devington. Foi uma honra.
—Muitos não estariam de acordo com você.
—Será sua opinião.

Levantando o dedo mindinho, a condessa aproximou a xícara de

porcelana floreada de seus lábios e bebeu delicadamente. Logo voltou a

colocar a xícara sobre o pires.

165

—Acredito que você subestima o próprio talento e a capacidade de Ramiel

como professor. Mas isso é assunto de meu filho. Agora, me conte algo sobre

você. Tenho lido tantas coisas nos jornals.

Elizabeth se sentia como Alice, o personagem de um dos contos

favoritos de Phillip. Só que não era o Chapeleiro Louco quem tomava o chá

com ela, mas a mãe do Sheik Bastardo.

Ela não voltou a mencionar o nome de Ramiel. Elizabeth não sabia se

sentia aliviada ou decepcionada. Depois de ter tomado três xícaras de chá e

toda a bandeja de bolachas, teve a sensação de que sempre conhecia a

condessa. Quando a mãe de Ramiel colocou as luvas, Elizabeth lamentou
profundamente que tivesse que partir. De maneira impulsiva, propôs: —Por

favor, venha me visitar outra vez. Gostei muito deste momento, juntas.

A condessa sorriu com aquele cálido e formoso sorriso que abrangia o
bom e o mau, o inocente e o proibido: — Virei. Mas em troca deve me

prometer que deverá tomar o chá comigo.

A realidade irrompeu brutalmente.
—Não posso fazer isso.
—Na vida devemos tomar decisões, Elizabeth. Não podemos nos reger pela

opinião de outros.
—Sou perfeitamente capaz de tomar minhas próprias decisões. - Protestou

Elizabeth com aspereza. - Simplesmente, não acredito que seja prudente

correr o risco de me encontrar com seu filho.

A condessa suspirou, como se a resposta de Elizabeth a tivesse

decepcionado.
—Você é tão jovem, Elizabeth.
—Tenho trinta e três anos, madame.
—Uma mulher na flor da vida.
— Asseguro-lhe que não sou jovem.
—Eu tenho cinqüenta e sete anos e eguro-lhe que para mim você é jovem.

Quantos anos tinha quando se casou?
—Dezessete.
—Então não sabe nada a respeito dos homens.
—Recordo-lhe, condessa, que meu marido, além de ser ministro da

Economia e Fazenda é um homem.

A condessa assentiu com a cabeça.
—Então Muhamed está equivocado. – Ela murmurou.
— Com respeito a que?

166

O sorriso da condessa era cálido.
—Se alguma vez necessitar de alguém, Elizabeth, embora só seja para

conversar, minha porta estará sempre aberta para você.

*****

—Tomei chá com a Elizabeth Petre, Ramiel. i

Ramiel olhou subitamente para a mãe.
— A senhora Petre a convidou?
—Não.
—Então você se convidou. —A voz de Ramiel era impassível e neutra. - Por

que?

A condessa não se sentiu amedrontada por sua brusquidão.
—Você pediu-me que te levasse ao baile do Isabelle e que conseguisse te

apresentar a esposa do ministro da Economia e Fazenda. É obvio, que eu

também sentia curiosidade por conhecê-la. E resultou ser uma decisão

acertada. Elizabeth me disse que veio te pedir que lhe ensinasse agradar a seu

marido.
— L'na!—Insultou Ramiel.

As pontas de suas orelhas ficaram tintas. Não sabia o que lhe provocava

mais vergonha, que sua mãe conhecesse seu papel como tutor de Elizabeth ou

que ainda tivesse capacidade para se envergonhar... Era a segunda vez que

lhe acontecia nos últimos dias.

A condessa levantou as sobrancelhas. Seus olhos cinzas faiscavam com

uma risada travessa.
—Eu gosto de saber que ainda posso te surpreender, Ramiel.

—Então estiveste bem acompanhada. Elizabeth também é cheia de surpresas.

- Disse bruscamente.
—Não sabe.

Ramiel não pretendeu ignorá-la. —Não.
—E não pode dizer-lhe
—Não.
—Ela sofrerá.

Sim, Elizabeth sofreria. Por tantas coisas.
—Ela tentou seduzir seu marido.

167

— Allab akbar, mãe! —Ramiel lutou para dominar o ciúme que lhe produzia

saber que Elizabeth pudesse confiar em sua mãe e não nele.
— Contou-lhe isso tudo enquanto tomavam uma xícara de chá inglês?
—Não. Perguntei-lhe se você tinha tido êxito como tutor. Ela me disse que

talvez algumas mulheres fossem feitas para ser companheiras e mães e não

amantes.

Ramiel observou sombrio, os almofadões de seda vermelhos e

amarelos, aglomerados sobre o divã situado sob as janelas da sala. Um

crepúsculo violáceo se desenhava no céu cinza. Recordou a cintura de

Elizabeth sob sua mão no baile de beneficência, com sua carne cruelmente

constrangida pelo espartilho. Recordou seus mamilos se sobressaindo do

vestido de veludo cinza enquanto sustentava o falo artificial a mão. Recordou
suas palavras: “Ele não me deseja, o qual deve deixá-lo você satisfeito”. —

Está equivocada. - Murmurou, sem dar conta que tinha falado em voz alta.
—Estou de acordo que Elizabeth Petre não nasceu somente para ser

companheira e mãe. Ainda não estou segura com respeito a outras mulheres.
—Não deixarei que a faça sofrer.
—Falou o filho do Sheik.

A cabeça de Ramiel se elevou imediatamente:
—Quer dizer falou o Sheik Bastardo.
—É um homem bom, Ibnee.

Os olhos cinzas da condessa eram muito penetrantes. Ramiel pensava as

vezes que liderava uma batalha perdida, ao protegê-la a da verdade. Era em

momentos como aqueles quando sentia que ela já sabia.
— Como estava, Elizabeth? — Ele saltou agilmente do divã de fofo veludo.

Com o ânimo inquieto, caminhou até a lareira e apoiando-se no suporte olhou
fixamente o fogo em meio a crescente escuridão. – Ela perguntou por mim?
—Tem medo de você.

Ele virou-se, ficando de frente para a condessa. O fogo A suas costas

crepitava com o calor.
—Eu nunca lhe faria mal.

A condessa examinou seu rosto à luz das trêmulas chamas. A satisfação

brilhou em seus olhos:
—Não, não faria. Eu lhe disse que minha porta estaria sempre aberta para ela.

O significado do oferecimento da condessa não passou despercebido a

Ramiel.
— Está lhe oferecendo sua amizade?

168

—Já o tenho feito.
— Aceita-a como uma filha?

Ela arqueou uma sobrancelha habilmente obscurecida.
— Ofereceu-lhe matrimônio?
—Mesmo na Arábia a uma mulher só é permitido ter um marido. - Replicou

Ramiel sarcasticamente.
—Sabia que a mãe dela é filha de um bispo?

A condessa transmitiu esta informação como se tivesse alguma
importância.
—Não, não sabia.
—Assim foi como chegou Andrew Walters ao Parlamento a princípio. Pelas
conexões do pai dela.
— Como sabe tanto sobre a família de Elizabeth?

Uma sombra obscureceu os olhos cinzas da condessa.
—Rebecca Walters tomou como uma afronta pessoal que eu tivesse

sobrevivido ao rapto e a escravidão. E ainda por cima que tivesse a ousadia

de voltar para a Inglaterra.
Com um filho bastardo Nas costas.

Algumas vezes Ramiel esquecia o que sua mãe tivera que suportar. Na

Inglaterra ele tinha sido o menino mimado enquanto que ela lutava contra os
dragões.
—Aprendi muito a respeito dessa mulher. - Acrescentou a condessa com

pesar.
—Mas não pôde te fazer sombra. - Disse Ramiel com suavidade.

A condessa esboçou um sorriso cheio de cinismo, ironia e uma certa

satisfação feroz.
—Não, não pôde. Eu não era respeitável, mas por meu título e meu dinheiro,

era distinguida. Quanto mais me injuriava Rebecca, mais famosa eu me

tornava. Enquanto que lhe acontecia o contrário. Pessoas que vivem em casas
de cristal não deveriam arrojar pedras. Ouvi certos rumores... Que eu também

contribuí a se estender, que sua mãe é uma mulher muito malvada.

Ramiel soltou uma gargalhada. Seu som retumbou na sala.
As mulheres como a condessa, que urdiam enganos, para poder se

deitar com um bastardo árabe eram malvadas. Sua mãe era a pessoa mais

amável e mais inteligente que havia conhecido. Ouvi-la comparar-se com
mulheres que jamais tinham tido um pensamento desinteressado em suas

pequenas e mesquinhas vidas era absurdo.

169

Seus olhos turquesas relampejaram.
—Esperemos que Elizabeth encontre logo sua própria maldade.

A sombra desapareceu dos olhos da condessa.
—Acredito que já fez, Ibnee. E eu a ajudarei.

Uma súbita corrente de emoção brotou dentro de Ramiel.
Quando voltara para a Inglaterra pela primeira vez há nove anos, ela o
tinha abraçado, tinha-lhe preparado uma xícara de chocolate quente e o
mandara para a cama, tal como fazia quando tinha doze anos. Nenhuma só
vez nos anos que seguiram lhe tinha perguntado por que ele voltara da
Arábia.
— Por que? — Perguntou. O calor que antes abrasava a ponta de suas orelhas
agora queimava seus olhos.
—Porque sou sua mãe e porque te amo. Elizabeth é como você em alguns
sentidos. Ela foge de sua paixão e você foge de seu passado. Talvez juntos os
dois possam deixar de fugir.

CAPÍTULO XV

Elizabeth olhou distraídamente o homem de meia idade e de costeletas
largas e rígidas. Sem saber que era observado, ele afastou a cadeira para que
a dama que o acompanhava pudesse se levantar da mesa frente à que
ocupavam Elizabeth e Rebecca.

Uma semana.
Tinha se passado exatamente uma semana desde a primeira classe de
Elizabeth e Ramiel. Parecia que tinha transcorrido um ano, cem anos.
Embora fingisse que nada tinha acontecido, sabia que não podia voltar atrás e
ser a mesma mulher de antes.
—Elizabeth, você não está escutando nada do que te digo. Comentava que
você irá ao baile da marquesa. Embora seja bastante antipática, terá que
considerar que está aparentada com a realeza.
—Me desculpe, mãe. —A desculpa saiu de forma automática. Olhando
Rebecca diretamente nos olhos, Elizabeth levou a xícara aos lábios e tomou
um gole do frio e insípido café. O súbito desejo de tomar um café turco
quente foi quase insuportável.
—Você e Edward jantarão com os Hammonds esta noite.

170

“Não terei o trabalho de ir para a cama contigo de novo somente para
que possa se deitar com um homem”. Uma náusea subiu a garganta de
Elizabeth ao recordar as palavras de Edward, que, apesar de seus vãos
esforços, não podia esquecer. Deixou cuidadosamente a xícara sobre o pires.
—Mãe, eu quero me divorciar.

Ouviu o estrépito da xícara de Rebecca. O pires jazia sobre o tapete de
cor vermelho escura aonde tinha caído, enquanto o líquido e os fragmentos
de porcelana delicadamente grafite se pulverizavam pelo chão.

Fez-se silêncio no restaurante enquanto as pessoas se viravam em seus
assentos para ver o que tinha acontecido. Imediatamente, um garçom se
apressou a recolher as imperfeições. Elizabeth se dava conta perfeitamente do
olhar dos outros. Mas ainda era mais consciente do rosto paralisado de sua
mãe.

De repente, o maitre calvo se inclinou diante de Rebecca enquanto
colocava sobre a mesa outra xícara.
—Este garçom torpe. – Ela disse, como se o homem ajoelhado no chão fosse
responsável pela xícara quebrada.
—Por favor, espero que possa nos desculpar, madame. Não voltará a
acontecer. Deseja tomar algo mais? Sem cargo, é obvio...
—Minha filha e eu não necessitamos de nada mais, obrigado. —Rebecca não
olhou nenhuma só vez ao maitre. Seus olhos cor esmeralda estavam cravados
em Elizabeth. - Pode se retirar.
—Muito bem, madame.

O maitre se inclinou várias vezes. Em sua brilhante calva se refletia a
luz. O garçom reuniu rapidamente a porcelana quebrada e limpou o chá
derramado sobre o chão. Os olhos curiosos, ao comprovarem que nada
interessante havia acontecido, voltaram-se, deixando Elizabeth e Rebecca a
sós novamente.

Com tranqüilidade, Rebecca estirou a mão para pegar a bule de
porcelana e encheu sua xícara.
—Esqueçamos o que disse, Elizabeth.

Elizabeth tentou engolir, apesar do nó que tinha formado na garganta.
—Sou uma mulher, mãe. Não uma menina. Não quero ser ignorada.

Rebecca apertou os lábios, soprando delicadamente sobre seu chá antes
de tomar um pequeno gole.
— Acaso Edward te maltrata, Elizabeth?

171

Os dedos de Elizabeth se aferraram espasmodicamente ao redor de sua
xícara.
—Não, é obvio que não.
—Então não vejo motivos para pedir o divórcio.

Respirou fundo, sofrendo pelo que ia dizer, mas depois não houve
necessidade, porque embora quisesse, já não podia evitar.
—Ele não vem a meu leito há mais de doze anos.

Rebecca voltou a colocar a xícara sobre o pires com um estrépito seco.
O som retumbou uma dúzia de vezes no restaurante. Atrás de Elizabeth, dos
lados e em frente a ela.
—As mulheres decentes dariam graças a Deus a cada manhã e cada noite
pela sorte que tem.

Elizabeth fez uma careta de dor pelas implicações que supunha o não
ser «decente». Elevou o queixo decididamente.
—Mesmo assim, quero o divórcio.
—Arruinará o que seu pai e seu marido se esforçaram tanto por conseguir.

A fúria lutava com o remorso que as palavras de sua mãe lhe causavam.
“E eu minha, mãe? Acaso não mereço nada? Ele se nega a vir para minha
cama, mas ao mesmo tempo tem uma amante. E... Ele não está quase nunca
em casa”.
—Os homens fazem o que têm que fazer. Você tem dois filhos, que mais
pode pedir?

Um homem!
Um homem que a amasse.
Um homem que compartilhasse seu leito com ela e fosse um pai para
seus filhos antes que fossem muito velhos para necessitar ou para que lhes
importasse ter.
—Edward veio a meu leito quando pensou que Richard se estava morrendo.
Elizabeth tentou evitar que o horror e a indignação não penetrassem em
sua voz, mas não o obteve.
- Ele não me deu um filho, mãe... Ou um neto a ti. Deu uma família a seus
eleitores.
Rebecca levantou o guardanapo e a apertou contra sua boca.
—Pouco importa a razão pela qual seu marido tenha te dado filhos, Elizabeth.
O fato é que você tem dois filhos sadios e com todas suas necessidades
cobertas. Como acredita que lhes afetará sua decisão? Eles sofrerão. A

172

sociedade em que tão comodamente vivem ,os rechaçará. Suas vidas ficarão
arruinadas.

Elizabeth recordou o olho arroxeado de Phillip, o aspecto gasto do
Richard e as palavras da condessa. “Não foi à comodidade que me
impulsionou a enviar a meu filho para Arábia, mas o amor”.
—Já estão sofrendo.
—Fazemos o que podemos com o que temos, Elizabeth. É tudo o que uma
mulher pode fazer.

Não, não era tudo o que uma mulher podia fazer. Uma mulher não
merecia que seu corpo e seus desejos fossem ridicularizados.
Uma mulher devia a si mesmo, exigir fidelidade.
—Talvez algumas mulheres. Crê que papai me ajudará? Ou devo procurar
um advogado?
—Comentarei com seu pai quando tiver tempo

Como se as necessidades de Elizabeth fossem insignificantes, frente às
necessidades do país. Toda sua vida tinha ocupado um segundo lugar! Só por
esta vez...

Elizabeth respirou fundo.
—Obrigado, mãe. Não posso pedir mais.
—Realmente devemos ir ver o chapeleiro. —Rebecca deixou cair seu
guardanapo sobre a mesa, junto a sua xícara e moveu a cadeira levemente
para trás. - Quero um chapéu novo para o discurso que seu pai dará nesta
quarta-feira.

O maitre apareceu imediatamente para ajudar A deslocar a cadeira de
Rebecca. Ela colocou as luvas enquanto Elizabeth se levantava com
dificuldade, em lugar de assistida pelo maitre. Elizabeth observou sua mãe
enquanto ela alisava as rugas de suas luvas com calma, como se fosse a coisa
mais importante do mundo. Mais importante que uma filha. Mais importante
que um divórcio.
— Trocaria algo de sua vida, mãe? Alguma vez papai te deu um só momento
de êxtase que não trocaria por todos os dias de sua vida?
Mas Elizabeth conhecia a resposta. A mesma resposta que ela mesma teria
dado se lhe tivessem perguntado.

Rebecca fez uma pausa mínima enquanto se arrumava.
—O passado não pode ser mudado. — Ela levantou as mãos, reajustou
habilmente o ângulo de seu chapéu. - Quando aceitar isso, se conformará.

173

—Então, mãe, talvez seja melhor que as mulheres não se conformem. —A

voz de Elizabeth estava inusitadamente crispada. - De outra forma, não

teríamos alguém como a senhora Butler, que nestes momentos está mudando
a lei.

Rebecca saiu do restaurante. Elizabeth a seguiu, colocando as luvas

enquanto caminhava.
Não voltou A mencionar o divórcio. Nem entre os curtos trajetos entre

as diferentes lojas. Nem durante o trajeto mais longo, para a casa de sua mãe.
A carruagem dobrou uma esquina. Elizabeth se aferrou ao banco. O

rosto de Rebecca na penumbra escura era branco como uma caveira.
— Desejas entrar e tomar o chá, Elizabeth?
—Não. Obrigado, mãe. Tenho que ir para casa e me vestir para o jantar.
—Ted Hammond é um jovem ambicioso. Será muito benéfico para o

Edward.
—Sim.
—Elizabeth.

Os dedos de Elizabeth se endureceram em torno do cabo.
— Sim?
— Sua decisão não terá nada a ver com Lorde Safyre?

Tinha-o?
Estava pedindo um divórcio por causa do Sheik Bastardo... Ou por

causa de Edward? Porque tinha aprendido que uma mulher não era

sexualmente depravada por procurar a satisfação... Ou porque desejava seu
tutor?

Podia sentir os olhos de sua mãe na escuridão... E recordou seu olhar

feroz quando ela havia conversado com o Sheik Bastardo.
—Você disse que um homem como ele não podia estar interessado numa

mulher como eu, mãe.
—Também você disse que o achava atraente.
—E é certo. Mas Edward também é um homem muito atraente. E se seu

arrumado marido não ia para a cama com ela, por que teria que fazê-lo o

Sheik Bastardo?
Elizabeth fez uma careta de desgosto. Especialmente se ele a visse nua.

—Não permitirei que um homem como ele ponha em perigo as carreiras, de

seu pai e de seu marido.
O carro se deteve de repente.

—Lorde Safyre não tem nada a ver com as carreiras de Edward ou de papai.

174

Isso, ao menos, era certo.
A porta da carruagem se abriu. O ar frio e a crescente neblina invadiram
o interior.
—Tenho pacotes no bagageiro, Wilson.
O mordomo, um velho empregado da família, inclinou-se brevemente
antes de oferecer sua mão para ajudar Rebecca.
—Muito bem, madame.
—Boa noite, mãe.
—Elizabeth? —Rebecca fez uma pausa na entrada do carro.
Elizabeth sentiu que seu corpo se esticava.
— Sim?
—Os homens são egoístas. Não colocarão por diante os interesses de uma
criança antes que os seus próprios. Esse é o dever de uma mulher. Um
homem como Lorde Safyre não aceitaria filhos, especialmente os que não são
fruto de suas vísceras, que interferissem em seus prazeres.
Rebecca desceu do carro em meio de uma revoada áspera de lã. A porta
se fechou com força as suas costas, deixando Elizabeth com o eco das
palavras de sua mãe zumbindo em seus ouvidos. Firmando-se para evitar as
sacudidas da carruagem, ela serecostou contra o assento de couro e observou
as ruas. Os faroleiros corriam para acender as luzes para a noite incipiente,
deixando atrás de si um rastro de esteiras douradas.
Sabia que terminaria assim quando solicitou a tutela do Sheik Bastardo?
Teria tido a coragem de buscá-lo se tivesse vislumbrado que seu simples
desejo de aprende a agradar seu marido culminaria num divórcio? Se
realmente o levasse a cabo, ficaria completamente sozinha, sem contar sequer
com a fachada de uma família feliz. Teria força para suportar? “Quero que
me prometa que virá quando a dor de estar sozinha for muito grande”.
Estaria colocando em perigo o futuro de Richard e Phillip porque
desejava um homem que não era seu marido? Um homem que, segundo
Rebecca, não aceitaria seus dois filhos?
Assim que a carruagem se deteve em frente à casa dos Petre, Elizabeth
abriu com força a porta do veículo e saltoupara fora. Beadles estava em pé
sobre o degrau inferior, com a boca aberta ante aquela falta de decoro.
—Por favor, envie Emma a meu quarto, Beadles.
—Muito bem, senhora.

175

Elizabeth elevou suas saias e subiu a escada correndo e ofegando. Seu
espartilho estava muito apertado, deprimiria por falta de oxigênio, o qual era
uma sensação muito mais agradável que a que sentia no estômago.

O tapete vermelho que cobria os degraus parecia mais brilhante. Havia
durado dezesseis anos e provavelmente duraria outros dezesseis mais. Sentia
terror ante a velada vida, sentada a mesa, sorrindo e fingindo. Ou talvez fosse
passar a noite com Edward que lhe provocava pavor.

Ele havia lhe dito que ela tinha seios como úberes quando lhe pediu que
tivessem relações. O que lhe diria quando lhe pedisse o divórcio?

Não é muito tarde, retumbaram os batimentos de seu coração. Tudo o
que devia fazer era descer correndo a escada e chamar sua mãe por telefone e
lhe dizer que é obvio que não queria o divórcio, que tudo tinha sido por causa
do rosbife que tinha comido no meio-dia. Podia dizer que possivelmente
estava em mal estado e que sua decisão tinha sido produto da indigestão.

Encima em seu quarto, rosas escuras cobriam as paredes. Ela deu uma
olhada na pesada cama de cerejeira em que tinha passado a noite de bodas.

As cortinas estavam corridas. Não havia. Não tinha fogo na lareira para
lhe dar boas vindas. As gavetas da cômoda continham sua roupa interior e
suas camisolas e no armário estava toda sua roupa, mas parecia como se
fossem de outra pessoa, como era de outra pessoa o corpo que esperava entre
os lençóis frios e úmidos.
Tinha dado a luz seus a dois filhos nessa cama. Como podia abandoná-la?

Um golpe suave na porta retumbou na estadia. O coração de Elizabeth
subiu à garganta.
—Senhora Petre, posso entrar?

Ela engoliu a saliva e seu coração voltou a se acomodar no peito.
Emma. Era obvio. Tinha pedido a Beadles que a enviasse. Por que pensar que
seu marido iria a ela depois de rechaçar tão firmemente seus intentos?
Certamente estaria ainda no Parlamento e não retornaria até dentro de uma
hora, mais ou menos.
—Entre, Emma.

O rosto redondo de Emma resultou agradavelmente familiar.
— Preparo-lhe o banho, senhora?
—Sim, por favor.

O vapor quente subia em espirais da banheira, Elizabeth se inundou na
água quente, agradecida. O que pensariam os meninos, sobre sua decisão?

Como o divórcio afetaria suas vidas no colégio?

176

Apoiou a cabeça na banheira de cobre. E se perguntou que tipo de
banho teria o Sheik Bastardo. Imediatamente, a imagem do falo artificial
relampejou ante seus olhos. Não era tão largo como as duas larguras de sua
mão.

Elizabeth ficou em pé na banheira em meio a uma cascata de água.
Tentou apagar seus pensamentos esfregando-se energicamente para se secar,
substituindo a dor mental pela dor física. Depois de colocar as meias, os
calções e a regata em solitário, Emma a vestiu silenciosamente, como se
soubesse que Elizabeth precisava de tranqüilidade.

Edward estava esperando-a embaixo, vestido para o jantar. Olhou-a de
cima abaixo, como se ela fosse um cavalo à venda. Ou uma escrava sobre um
tablado de leilões.

Segurou sua capa e cobriu seus ombros enquanto Beadles a observava
solenemente. Na carruagem, a escuridão e uma distância que nada tinha a ver
com o assento de couro que separava seus corpos e sim com as necessidades
que dividiam suas vidas lhes envolveu.
—Hoje falei com minha mãe, Edward.

Afinal. O alívio se misturou com o temor.
—É obvio. É terça-feira.

A súbita aceleração dos batimentos do coração de Elizabeth afogou o
ruído dos cascos dos cavalos, o chiado e o estalo continuo das rodas da
carruagem.
—Eu lhe disse que queria o divórcio.
—E espera que sua mãe influa sobre seu pai em seu nome.

Ele não parecia surpreso. Sua voz era tranqüila, razoável, ligeiramente
pormenorizada. A mesma voz que lhe tinha falado em em seu quarto escuro,
dizendo coisas que preferia não ter ouvido nunca.

Tentou refrear a onda de desespero.
—Você tem uma amante, Edward.
—Eu disse que não é assim.
—Não acredito que os tribunais o admitam.
—Elizabeth, você é incrivelmente ingênua. Se você tivesse um amante, então
certamente eu poderia te pedir o divórcio. O único que pode fazer você, como
mulher, se provar que tive uma amante, é pedir a separação.

Elizabeth estava atônita: —Não te acredito.

177

A Bíblia tinha estabelecido claramente que o adultério era motivo de

divórcio... Se a mulher fosse adúltera. Não havia dito nada sobre a

infidelidade do homem.
—Se pudesse provar que te pego além das discussões cotidianas, talvez os

tribunais o vissem diferente. Mas eu não lhe trato mal, Elizabeth. Tem tudo o

que uma mulher pode desejar. Um lar, filhos, uma vultuosa atribuição. Se
você for a um tribunal e pede o divórcio porque não me deito contigo, não

poderei te proteger.
— A que se refere?
—O tribunal pode te considerar ninfomaníaca, uma mulher alterada que

necessita de ajuda médica. Há muitos manicômios que são especializados no
tratamento de mulheres mentalmente transtornadas. Eu poderia recomendar

que fosse enviada a um deles.

De repente, Elizabeth sentiu seus lábios mais secos que a lenha.
—E você permitiria.
—Não me deixaria outra opção.
—Então pedirei a separação.
—Prefiro vê-la num manicômio. Geraria mais compaixão entre o público.

Estava se tornando cada vez mais difícil manter a calma.
—Edward, você não me ama.
—Não, não te amo.
— Então por que continuar com esta farsa de matrimônio?
—Porque meus eleitores não acreditam que seja uma farsa.

A neblina se esmagava contra a janela e uma tênue luz resultou ser luz

da rua. Horas antes havia sido um globo dourado e agora era um círculo

lúgubre de luz.
Um sussurro de roupa soou na densa escuridão, seguido pelo ranger de

molas. As mãos duras de Elizabeth foram de repente aprisionadas.

Emitindo um grito sufocado, se voltou para Edward. Há uma semana
teria tomado aquele contato inesperado como um bom sinal. Agora tentava

sacudir as mãos em vão, para liberar. Edward era surpreendentemente forte.
—Elizabeth, não entendo o que aconteceu. Há uma semana você estava
satisfeita. Há coisas muito mais importantes que compartilhar o leito com um

homem. Temos dois filhos. Você é de inestimável valor para minha carreira.

É exaustivo, mas tem suas recompensas. É uma das mulheres mais
respeitadas da Inglaterra. Sei que ama a Richard e a Phillip. Deve saber que

uma mulher que pede o divórcio ou a separação não obtém a custódia de seus

178

filhos. O pai é o tutor legal da criança e tem o direito de lhe proteger até que
cumpra os dezoito anos. Se o pai considerar que a mãe está ameaçando o
bem-estar de seu filho, pode colocar atenção em sua influência. Sabe o que
isso significa?

Elizabeth deixou de brigar.
OH, sim. Sabia o que isso significava. Não só perderia seus filhos, se
ele lhe concedesse o divórcio ou a separação. Perderia-os agora se não
continuaria como os últimos dezesseis anos.
—Compreendo, Edward. —Sua voz era oca.
Ele soltou suas mãos e lhe deu alguns tapinhas na face.
—Sabia que você entenderia. — Um novo sussurro de tecido e o rangido das
molas indicaram que ele tinha voltado para outro lado da carruagem.
—Estive pensando. Ultimamente você anda pouco elegante. Embora seus
vestidos sejam de qualidade, não há necessidade de parecer um fantoche. A
esposa de Hammond, em troca, é encantadora. Talvez deva lhe pedir o nome
de sua costureira. E por certo, Elizabeth. Não voltará a admitir nunca mais a
condessa Devington em minha casa.

CAPÍTULO XVI

Elizabeth olhou para as mãos enluvadas do moço e logo para aldaba
esculpida com as palavras CONDESSA DEVINGTON gravadas nitidamente sobre
ela. O som do golpe metálico do bronze atravessou os pálidos e débeis raios
de sol.

Sua residência era o lar de Edward. Acataria suas regras dentro da casa,
mas não se dobraria como uma menina. Iria aonde quisesse... E hoje visitaria
a condessa.

A condessa lhe havia dito que se alguma vez precisasse conversar, sua
porta estaria aberta. Mas aquela visita não tinha nada a ver com seu
oferecimento. Elizabeth não podia discutir com sua mãe e certamente não ia
incomodar a mãe do Sheik Bastardo.

A porta branca se abriu. Um mordomo olhou impassível, primeiro ao
moço e logo a Elizabeth.

Ela lhe deu seu cartão, com a ponta dobrada.
—Queria ver a condessa Devington, por favor.

179

O mordomo se inclinou, mostrando uma cabeça com um negro cabelo
curto e ondulado.
—Verei se sua senhoria está em casa.

Elizabeth indicou ao moço com a cabeça, que se retirasse.
—Tommie, pode esperar na carruagem.

Tommie, o jovem de dezenove anos que tinha adoecido
inesperadamente no dia da espessa neblina cinco noites antes, tirou a boina
de lã.
—Como quiser, madame.

Elizabeth observou os débeis raios de sol jogando sobre a aldaba de
bronze. Pensamentos escuros, furiosos e terríveis assolavam sua mente.

Edward tinha ameaçado lhe tirar os filhos e enviando-a a um
manicômio.

Não poderia viver assim.
Passaram-se poucos minutos antes que voltasse o mordomo. Ele voltou
a se inclinar.
—Se for amável em me seguir, senhora Petre.
Ela caminhou atrás dele. Seus passos foram amortecidos pelo tapete
oriental que cobria o chão de carvalho do corredor. A luz se filtrava através
das janelas, deslizando-se sobre a brilhante madeira. No fim do corredor, o
mordomo abriu uma porta para deixar passo ao oco de uma escada,
iluminado por uma clarabóia.
Desceu sigilosamente, com as costas rígidas... Numa postura que seria
invejada pelo próprio Beadles. De repente se deteve e inclinando-se abriu
outra porta, dando um passo atrás.
Um vapor quente, denso e úmido subiu pelo oco da escada. Elizabeth
entrou com enorme curiosidade. Tinha ouvido falar dos banhos turcos, mas
jamais tinha visto um. E, à medida que seus olhos se acostumavam a tênue
luz, sofreu uma decepção ao ver que tampouco agora estava num deles.
A condessa nadou pausadamente para Elizabeth numa banheira do
tamanho de um lago. E não vestia traje de banho. As pálidas linhas de seu
corpo nu se refletiam sob o vapor e a água.
Elizabeth jamais tinha visto uma mulher nua que não fosse ela mesma.
—Condessa Devington... — Gaguejou. – Desculpe-me, não quis importuná-
la. O mordomo... Virei em outro momento, quando for mais conveniente.
Uma risada suave flutuou da água. Ela era tão desinibida como o Sheik
Bastardo.

180

—Querida Elizabeth, não seja ridícula.
—Mas você... Você está... — Ela inalou o vapor denso e pesado.
—Me banhando. —A condessa carecia por completo da modéstia de
Elizabeth. - Pensei que talvez sentisse curiosidade por conhecer algumas
coisas sobre a vida na Arábia. O banho é muito importante para os árabes,
tanto para os homens como para as mulheres. Eu voltei viciada no banho
turco. Assim, instalei um quando retornei para a Inglaterra.

Ela levantou seus magros braços para fora da água e aplaudiu. Isto
proporcionou a Elizabeth uma perspectiva completa de seus seios. Eram
redondos e firmes, não pareciam pertencer a uma mulher de cinqüenta e sete
anos.

Elizabeth afastou os olhos rapidamente. Aquilo era absurdo. Havia
manipulado um falo artificial. Sem dúvida podia dominar a vergonha de ver o
corpo nu de outra mulher. Mas embora tentasse, não podia olhar para a
condessa.
—Josefa, acompanhe à senhora Petre para trás do biombo e ajude-a a se
despir. Ela não está habituada a nossos costumes.

Uma pequena e enrugada mulher, com um vestido similar a um cilindro
de seda ao redor de seu corpo, avançou decididamente para Elizabeth.

Ela sentiu que seu corpo ficava rígido de temor. Ela era inglesa, não
árabe e não ia exibir seus seios similares a úberes e seus quadris flácidos.
—Realmente não acredito que deva...
—Na Arábia, as mulheres do harém se banham juntas. É um momento para
rir, conversar e relaxar sem a intromissão dos homens.

A voz da condessa tinha um certo tom nostálgico. - Perdoe-Me se isto
te envergonhar. Pensei que talvez podia desfrutar de um dos mais
prazenteiros costumes árabes, mas vejo que me equivoquei...

Elizabeth se sentiu inexplicavelmente dissimulada... E infantil. Soltou a
primeira desculpa que lhe ocorreu.
—Não sei nadar.
—O piso é escalonado. Começa num extremo com um metro de
profundidade e chega a um metro e cinqüenta no outro. É muito mais seguro
banhar aqui que no oceano. Mas se realmente não deseja se banhar comigo,
por favor, não acredite que me vou ofender. Não é um costume europeu e
muitas pessoas inglesas opinam que é repulsivo se banhar diariamente e
muito mais fazê-lo em grupo.

181

Elizabeth não soube se tomava aquilo como um insulto ou não. Ela se
banhava... Diariamente.
—Não acredito que seja repulsivo, condessa Devington, só que... - Respirou
profundamente, quase engasgando com o espesso vapor.
—Jamais em minha vida estive completamente nua diante de ninguém. —
Salvo de seu marido, mas era melhor afastar aquela lembrança. – E sequer
me olhou o médico quando eu dava a luz a meus dois filhos.
—Então tiveste sorte de que o doutor te extraísse um vigoroso bebê e não um
par de amídalas.

O comentário sarcástico da condessa provocou uma gargalhada
repentina em Elizabeth. Uma vez confiante, não estava preparada para se
defender da mão surpreendentemente forte que a segurou e começou a
empurrá-la brandamente para o fundo da estadia.

Elizabeth abriu a boca assombrada, fechou-a e voltou a abri-la. A
diminuta senhora, deduziu que seria uma dama árabe pela cor escura de sua
pele, embora no melhor se equivocasse. Também Muhamed era europeu e ela
tinha pensado que era árabe. - Era como uma formiga implacável que
arrastava o dobro de peso detrás dela.

Uma risada sufocada formou o vapor que procedia da condessa. Com os
lábios apertados, Elizabeth tentou se liberar, logo se deu conta de que brigar
era menos digno que ser arrastada. Um grande biombo laqueado apareceu no
meio da sufocante neblina. Antes que Elizabeth pudesse reagir, a mulher a
empurrou paratrás do biombo e começou a lhe arrancar a bolsa, a capa, o
chapéu e as luvas. Suas mãos estavam em todas partes

Era muito humilhante para descrever. Elizabeth jamais tinha sido
maltratada. De menina, uma palavra de censura tinha sido suficiente para
fazê-la obedecer. Não havia nenhum episódio em sua vida que pudesse
comparar com aquele. De repente, deram-lhe à volta, para que suas costas
ficasse para à mulher árabe. Elizabeth tropeçou e caiu para diante com as
mãos abertas, estrelando-se contra uma úmida parede esmaltada. Umas mãos
pequenas e hábeis se concentraram em suas costas, nos botões de seu vestido.

Elizabeth tentou girar.
- Por favor, não faça isso. Não quero... Detenha-se, por favor... —Mas
Apesar de seus protestos, os botões se liberaram e o pesado vestido de lã saiu
por cima de seus ombros.

Ela se esqueceu do decoro e de que as damas inglesas não levantam a
voz.

182

— Condessa Devington!
—Josefa não compreende o inglês quando não lhe convém, gritou a condessa

com voz extranhamente engasgada. Não está com o período, está?
A humilhação abrasou a pele de Elizabeth. Havia algumas coisas que

uma mulher não mencionava jamais. Sequer de mulher a mulher. Virou-se,

liberando-se daquelas mãos hostis e segurou com força o sutiã de seu vestido.
— Eu disse basta!

Soprando, a mulher deu um passo atrás com as mãos nos quadris,
emitindo uma série de palavras completamente incompreensíveis.

Elizabeth supôs que ela falava árabe. Mas não soava nem remotamente

como o que tinha ouvido do Sheik Bastardo. Nele parecia erótico e sensual.
Naquela mulher tinha um tom... Maligno.
— Já basta, Josefa! —A ordem da condessa atravessou o vapor.

Em silêncio, a mulher árabe lançou um olhar iracundo A Elizabeth que
apertou ainda mais o vestido contra o peito. — O que... O que disse?
—Não há necessidade de traduzir. —A voz da condessa se aproximou... Ela

havia nadado a parte mais profunda da piscina que se encontrava perto do
biombo.
—Por favor. —Elizabeth fez um gesto desafiante para a velha. - Eu gostaria

de sabê-lo.
—Disse que as damas inglesas são todas iguais. Desprezam seu país e

insultam sua ama.
— Isso é mentira! —Gritou Elizabeth, com indignação. - Sinto um profundo
respeito pela cultura árabe. Inclusive conheço algumas frases nesse idioma! E

se tivesse sido minha intenção insultar a sua senhora, não viria a sua casa

para fazê-lo!
Da boca da mulher árabe escaparam ainda mais palavrões e olhos

assombrosamente brilhantes se dirigiram a Elizabeth.
— O que ela disse agora? —Gritou Elizabeth ainda, mas beligerante.
- Diz que não acredita que saiba nada de árabe. Que as mulheres inglesas

mentem porque não sabem como dizer a verdade.

Elizabeth endireitou suas costas, incapaz de deixar acontecer o desafio.
—MA'e e-salemma. - Disse com claridade, o bastante forte para que a

condessa a ouvisse. Taliba, não, aquilo era entre ela e o Sheik Bastardo. -
Sabah o kheer. E depois, só para os ouvidos da mulher árabe—: O besiss
mostahi. O descarado e indecente.— Esperava que as frases um tanto

abruptas não fossem usadas simplesmente num contexto sexual.

183

A velha senhora assinalou com o dedo para Elizabeth e descarregou
uma fileira de impropérios árabes.

A condessa não esperou que lhe pedissem que traduzisse.
—Josefa diz que você fala sua língua com a delicadeza de um camelo e
mesmo assim burla de sua cultura e insulta a sua senhora ao não compartilhar
o banho. Mas te perdoa porque você é inglesa e as mulheres inglesas são
débeis e covardes.

O vapor espesso e sufocante subiu diretamente a cabeça de Elizabeth.
Passou o pesado sutiã de lã por seus braços e o deixou escorregar por seus
quadris.
—Não sou uma covarde. - Disse apertando os dentes, enquanto tirava as
anquinhas da cintura. O golpe seco, produto da queda, foi absorvido pelo
vapor.

Elizabeth cravou o olhar na mulher idosa, precisando demonstrar a si
mesmo que podia chegar mais longe ao desabotoar a cinta da primeira
anágua. “Havia pedido ao Sheik Bastardo que lhe ensinasse a agradar um
homem”.

Elizabeth soltou a cinta de sua segunda anágua, que caiu como um
amontoado de algodão úmido. “Havia pedido a seu marido o divórcio e ele a
tinha ameaçado lhe tirar os filhos”.
—Eu... Não sou... Uma covarde. - Insistiu, em pé com seu espartilho, regata e
calções, desafiando-a a repetir a ofensa.

Josefa fez um gesto circular com sua mão direita para que Elizabeth se
voltasse enquanto seus olhos brilhantes a desafiavam a fazê-lo.

Elizabeth se lembrou do cruel exame de seu marido e soube que fosse
ou não real, a anciã árabe a respeitaria mais por sua coragem, que por sua
beleza. Voltou-se.

A umidade se acumulava entre seus seios e começava a descer como
um fio para seu abdômen. Tirar o espartilho foi um prazer. Mas até ali
chegaria... Por agora.

Cruzando os braços, Elizabeth se colocou em frente à velha e fez um
gesto com a cabeça para o biombo... Logo suspirou aliviada quando a viu
partir. Murmúrios apagados flutuaram entre o vapor. Elizabeth decidiu que
não queria saber os comentários que Josefa estaria fazendo sobre seu corpo.

Sem o desafio imediato que representava a velha, Elizabeth sentiu que a
coragem lhe abandonava. Simplesmente não podia. Não podia banhar nua
com a condessa...

184

Sim, podia.
Quando se viu tirado os sapatos e despojado de seus calções e meias, a
velha senhora apareceu do outro lado do biombo. Ela reprimiu um grito
sufocado, muito surpreendida para cobrir alguma parte de seu corpo. Mas não
durou muito. A anciã lhe estendeu uma toalha grande e grossa, que Elizabeth
aceitou agradecida. A enroscou em volta do corpo e caminhou descalça para
o outro lado de biombo, com a mulher seguindo-a de perto. Deu alguns
pequenos saltos. O piso de madeira estava quente.
Quando chegou ao beirada da piscina, a velha segurou o extremo da
toalha e a tirou dela. Elizabeth saltou na água.
Foi... Incrível.
Abaixando-se para que seus seios estivessem inundados, estendeu os
braços para manter o equilíbrio. A água acariciava cada centímetro de sua
pele, seus seios, seus quadris e suas coxas. Elizabeth jamais havia se sentido
tão... Liberada.
— Está bem?
Elizabeth se virou.
—Isto é... Extracomum.
A condessa sorriu. Mechas de seu cabelo loiro se espalhavam pelo
rosto.
—Me alegro tanto de que você goste. Se fosse um banho turco de verdade,
haveria três piscinas. Uma quente, outra temperada e a terceira fria. Acho que
a quente é a que melhor se assenta ao clima inglês.
Cachos de cabelo se deslizavam fora do coque de Elizabeth, aderindo-
se em seu pescoço e costas molhadas.
—Lorde Safyre... Tem um banho turco?
—Sim. Ramiel conservou muitos costumes árabes.
Elizabeth queria pedir à condessa que as enumerasse, mas logo desistiu.
Talvez ele mantesse um harém completo em algum lugar de sua casa.
Mas por que teria que chegar as primeiras horas da madrugada exalando
perfume de mulher, se tivesse seu próprio harém?
Um tremor frio percorreu suas costas.
—Minha carruagem... Está lá fora. Nunca pensei... Quero dizer minha
intenção era uma breve visita...Para desafiar meu marido.
— Josefa! —A voz da condessa correu brandamente pela água. A velha árabe
se aproximou do beirada da piscina. Josefa. —A condessa se voltou para a

185

Elizabeth—: —Quer que a carruagem retorne para te buscar ou prefere voltar
para sua casa num dos meus?
—Eu... Que retorne, por favor.
—Josefa. Diga a Anthony que relate ao chofer da senhora Petre que tem que
vir recolhê-la dentro de três horas.

Três horas!
Josefa desapareceu antes que Elizabeth tivesse algo que objetar ao que a
condessa tinha ordenado.
A condessa sorriu A Elizabeth.
—Assim teremos tempo para conversar.
Elizabeth se internou com desconfiança nas águas mais profundas.
Imaginou belas concubinas congregadas nas beiradas da piscina, conversando
e rindo felizes na casa do Sheik Bastardo.
— Como são as mulheres do harém? —Perguntou impulsivamente.— São...
Formosas?
—OH, sim. —A condessa girou os braços brandamente na água, criando
pequenos. - De outra forma não teriam sido compradas.
Elizabeth sentiu uma pontada de inveja... Não de ser vendida como
escrava, é óbvio. Mas sim de se sentir tão desejada por um homem para que
este oferecesse por ela uma grande soma.
—Lorde Safyre disse que estão mais preocupadas em agradar um homem,
que por procurar seu próprio prazer.
—Ah... —A condessa deixou de fazer movimentos preguiçosos. – é claro que
é verdade, em geral, mas nunca perguntei... Os homens árabes são muito
discretos quando se trata de falar de mulheres.
—Siba. - Murmurou Elizabeth, lacônica.
A condessa sorriu com entusiasmo.
—É um prazer falar com uma mulher que conhece estas coisas.
Elizabeth se internou mais profundamente na piscina, até que a água
chegou ao queixo.
—Como eu gostaria de saber nadar.
—Ramiel é um excelente nadador. Teve sua primeira aula aqui, nesta piscina.
Elizabeth tentou reprimir sua curiosidade, mas não pôde. Havia
imaginado Ramiel experimentando muitos tipos de amor, mas nunca o
existente entre uma mãe e seu filho.
— Quantos anos tinha?

186

—Três. Escapou dos braços de Josefa e saltou à água, justo ali. —A condessa
assinalou a parte mais profunda da piscina, onde media um metro e meio. -
Quando o tirei, cuspiu um jorro de água e sorriu.

Um sorriso nostálgico dobrou os cantos dos lábios de Elizabeth.
—Quando Phillip tinha três anos descobriu que o corrimão da escada podia
ser um grande tobogã. Apanhei-o justo quando saiu voando pelo outro
extremo. Ele riu e me abraçou, perguntando se eu podia levá-lo de novo até
encima para escorregar outra vez.

A condessa riu de novo. — Quantos anos ele tem agora?
—Onze... Quase doze. Ingressou em Eton no outono passado. Richard, meu
filho mais velho fará seus exames para entrar em Oxford dentro de seis
meses. —Na voz de Elizabeth se adivinhava seu orgulho de mãe. - Só tem
quinze anos.
—Parecem dois meninos encantadores.
—Oh, eles são. — O tom de Elizabeth foi emocionado. - Não saberia o que
fazer sem eles. Não deixaria que Edward os tirasse.

A água começou a fluir e a jogar espuma. A corrente resultante elevou
os seios de Elizabeth. Seu irônico comentário a respeito de que os seios
grandes de uma mulher poderiam servir como bóias era mais acertado que
nunca, pensou mordaz. Recordou-se no ato, da instrução do Sheik Bastardo.
Pode colocar seu membro entre seus seios e apertá-los... Como se fossem
uma vulva.

Enquanto tentava afastar aqueles pensamentos com rapidez, Elizabeth
viu que a condessa estava flutuando sobre suas costas.
Seus olhos se abriram horrorizados. A condessa não tinha pêlo púbico. De
fato, não tinha absolutamente nada de pêlo em todo seu corpo.

Girando, usou seus braços para se deslocar mais rapidamente Através
da água para a beirada da piscina. Inclinou-se para frente sobre o azulejo e
fechou os olhos para rebater as imagens proibidas que alagavam sua
imaginação.

Ramiel. Nu. A coluna dura de um membro coberto de veias elevando-se
num púbis sem pêlo.

A água se formava a suas costas. Elizabeth podia sentir a condessa,
sólida em lugar de líquida. Sua pergunta saiu sem que o planejasse.
— Trouxe para a Inglaterra seu filho, para que não o tirassem?

Uma suave palmada da água acariciou os azulejos. Elizabeth pensou
que a condessa não responderia. Mas...

187

—Não. Trouxe meu filho para a Inglaterra porque não pude suportar deixá-lo
para trás.
— Arrepende... De haver ido?

Uma mão delicada ajustou um fio de cabelo no coque úmido de
Elizabeth.

Elizabeth ficou tensa. Aquele gesto era maternal, algo que ela faria a
um de seus filhos. Não pôde recordar quando sua própria mãe a havia tocado
assim.
—Sim. Mas se tivesse que fazê-lo de novo, não duvidaria.
— Não acredita que devia a seu filho, que permanecesse com seu pai?

A pergunta saiu antes que Elizabeth pudesse censurá-la. Esperou a
resposta com os ombros tensos e o olhar fixo sobre o assoalho de madeira
coberto de vapor.
—Sim. Não. Não é uma pergunta fácil de responder. Acredito que Ramiel
haveria se sentido feliz se tivéssemos ficado na Arábia. Mas eu não estava
feliz e minha tristeza o teria afetado muito mais que o prejuízo que lhe causei
ao trazê-lo para a Inglaterra. Era feliz aqui, rodeado de amigos e pessoas que
o amava. Mas quando fez doze anos, já não podia protegê-lo daqueles que
poderiam difamá-lo por sua origem. Os árabes têm uma atitude diferente dos
ingleses com respeito aos filhos ilegítimos. Foi então quando o enviei a seu
pai. E chorei. E me preocupei. E confiei em que o amor que eu lhe tinha dado
fosse o bastante forte para acompanhá-lo em sua idade adulta.

Uma esteira de vapor quente e úmido se deslizou pela face de Elizabeth.
Outras palavras, palavras masculinas, retumbavam dentro de seus
ouvidos. “Seus filhos logo serão homens. Quem ficará então, Taliba?”
Elizabeth se perguntou o que diria a condessa, se lhe contasse que tinha
pedido o divórcio a Edward. Perguntou-se também o que diria Ramiel ela lhe
dissesse que Edward tinha respondido ameaçando-a de tirar seus filhos.
Respirando fundo, Elizabeth olhou de frente à condessa, tremendo.
—Obrigado por compartilhar seu banho comigo. É uma experiência que
guardarei como um tesouro.
Elizabeth estremeceu ante o contato da pálida e magra mão que se
aproximou para lhe limpar a umidade da face. A condessa contemplou sua
obra, estirou a mão e secou a outra face de Elizabeth.
—Pode vir se banhar aqui quando desejar. Deixarei instruções a meus criados
para que possa ter livre acesso a minha casa. Só te peço que não se banhe

188

sozinha. Josefa deve te acompanhar sempre. Se te acontecer algo enquanto
está na água, ela te salvará.

Certamente Josefa tinha oitenta anos e pesava a metade que Elizabeth.
— E quem salvará Josefa? — Perguntou asperamente.

Uma cálida risada encrespou o vapor.
—Não julgue as pessoas por seu tamanho. Os pequenos freqüentemente são
fortes. E agora devemos sair da água ou ambas nos enrugaremos por
completo. —Josefa!

Josefa apareceu magicamente com duas toalhas. Elizabeth se
surpreendeu. Não a tinha ouvido voltar depois do encargo que a condessa lhe
tinha encomendado.
—Mostrarei a você outro passatempo favorito do harém. E logo tomaremos
café.

Umas pequenas escadas permitiam sair da piscina. Elizabeth afastou o
olhar enquanto a condessa se secava desinibidamente. Ela escolheu o refúgio
do biombo laqueado.

Sua roupa havia desaparecido! Em seu lugar havia uma bata de seda
verde.

Rapidamente Elizabeth se secou e a colocou. Ficava bastante larga e
muito apertada no peito.

A condessa, com uma bata de seda azul escuro e uma toalha como
turbante ao redor de sua cabeça, compreendeu a expressão de Elizabeth
quando saiu do biombo.
—Há muita umidade aqui embaixo. Josefa levou sua roupa para cima e a
colocou junto ao fogo para que se seque.

Como não tinha escolha, Elizabeth levantou a barra de sua bata e
descalça seguiu a condessa pelas escadas. Passaram o segundo patamar até
chegar ao terceiro. Esperando que nenhum criado estivesse espiando, a seda
se pegava a seu corpo como pele molhada, chegaram a um vestíbulo coberto
com um tapete rosa claro.

A sala da condessa estava decorada em rosa pálido e verde, com um
tapete de lã oriental combinada em vários tons das mesmas cores. Era inglesa
com um original toque árabe. Uma versão feminina da casa de Ramiel.
—Vêem, sente.

A condessa deu um tapinha sobre o sofá que havia a seu lado. Estirou a
mão e segurou um objeto estranho com forma de Botelho de uma mesa de

189

teca. Um longo e magro tubo se sobressaía do estreito pescoço de latão. Na
ponta tinha uma boquilha também de latão.

Com o objeto entre seus lábios, a condessa acendeu um fósforo e o
colocou em cima da terrina da exótica peça. Uma magra coluna de fumaça
saiu para cima, como se saísse de uma pipa. Outra coluna de fumaça
semelhante saiu dos lábios da condessa.

Ela ofereceu o tubo flexível a Elizabeth.
—Não há nada como fumar depois do banho.

O Sheik Bastardo havia lhe convidado a fumar. Ela havia rechaçado
porque uma mulher respeitável não devia fazê-lo. Teria ele pensado ela
estava desprezando sua cultura?
— Como se chama isto... Em árabe?
—Chama-se bookah. Tem água dentro e a fumaça se aspira através da água
para desencardi-lo.

Como se fosse uma serpente a ponto de atacá-la, Elizabeth aceitou o
tubo e aproximou a boquilha de latão de seus lábios.
— O que devo fazer?

A condessa se inclinou para diante. Seus olhos cinzas brilhavam com
cumplicidade. De repente, Elizabeth se sentiu como a moça que nunca tinha
sido, fazendo traquinagem com uma companheira do colégio.
—Chupe-a... Brandamente... Tome a fumaça em sua boca, mas que não
chegue a...

Um fogo brutal estalou em seus pulmões. Ela engasgou e tossiu para
acabar gargalhando com a condessa, enquanto tentava manter aquela fumaça
em sua boca em lugar de deixá-lo descer para seus pulmões.
—Ummee, você não é muito boa professora.

Elizabeth aspirou mais fumaça, um pequeno fogo em lugar de um
incêndio abrasador. A condessa lhe aplaudiu brandamente as costas,
enquanto um par de olhos turquesas a deslumbravam do outro extremo da
sala.

De forma brusca, desesperadamente consciente da bata de seda úmida
que se pegava a seu corpo nu e a grinalda de fumaça que formava um halo
sobre sua cabeça, ela empurrou o tubo de borracha para a condessa.
—Tenho que ir...

Movendo-se como um relâmpago, o Sheik Bastardo deu um passo
adiante, como se pudesse evitar que ela se levantasse do sofá. Ao mesmo
tempo, a condessa elevou uma mão autoritária.

190

—Se a presença de meu filho te incomoda tanto, Elizabeth, então ele terá que
se retirar.

Os formosos olhos turquesas... Estavam devastados pela dor.
Elizabeth tomou uma baforada de ar carregado de fumaça e o retevna seus
pulmões até que lhe doeram. Se ela o rechaçasse naquele momento, ante sua
mãe, não o veria jamais. Não dançaria com ele nunca mais. E tampouco
voltaria a ouvir o tom íntimo de sua voz quando a chamava Taliba.

Sua respiração escapou como um suspiro.
—Não há necessidade disso.

Num abrir e fechar de olhos apareceu Josefa na frente dela, com uma
grande bandeja de bronze. Uma pálpebra enrugada lhe deu uma piscadela.

Elizabeth a olhou fixamente.
Ramiel liberou-a da pesada bandeja de café e a deixou sobre a mesa
junto à condessa. Josefa lançou uma fileira de palavras árabes. Com o olhar
turquesa pousando sobre os seios de Elizabeth, ele respondeu em sua língua
nativa.
—Em inglês, por favor. - Repreendeu a condessa. - Ramiel, pode se sentar.
Lorde Safyre se situou sobre o tapete, a seus pés, com as pernas
cruzadas flexivelmente... Um Sheik com calça de lã marrom e uma jaqueta de
tweed. Elizabeth ajustou a bata, quase a ponto de escorregar do sofá sobre o
colo dele. A seda sobre seda era mais escorregadia que um menino de dois
anos.
Josefa levou o bookah enquanto a condessa servia o café. O aroma
daquela bebida forte e açucarada se misturou com o acre incenso do tabaco.
Elizabeth soltou a pergunta que a intrigava desde que tinha conhecido a
condessa pela primeira vez.
— Você tem os olhos de seu pai?
Naqueles dois rostos diferentes, um tão escuro e outro tão pálido,
aflorou um idêntico sorriso, retumbando numa gargalhada compartilhada. O
timbre de sua risada era igual, mas um suavizado pela feminilidade, o outro
agravado pela masculinidade.
Elizabeth ficou rígida. Não gostava de ser objeto de uma brincadeira,
embora o som da risada daquelas pessoas fosse encantador.
—Por favor, desculpe minha curiosidade...
—Por favor, desculpe nossa falta de cortesia. —A condessa ofereceu A
Elizabeth uma pequena e delicada xícara com o beirada de ouro. - Ainda não
pudemos determinar de que parte da família Ramiel tirou seus olhos.

191

Certamente não foi pelo meu, mas por outro lado, tampouco há ninguém do
lado de seu pai que tenha essa cor tão particular. São os olhos de Ramiel e de
ninguém mais.

Sim, Elizabeth tinha pensado aquilo a primeira vez que o tinha visto.
Ramiel estendeu um prato de melosos pasteizinhos a Elizabeth.
—É baklava, uma massa feita com nozes empapada em mel. Josefa faz a
melhor de todo o Oriente e Ocidente.
—São os preferidos de Ramiel. - Adicionou a condessa brandamente.
Teriaa condessa mandado chamar seu filho enquanto estavam se
estavam? E a idéia a enfurecia... Ou lhe agradava?
Recordou a desaprovação de sua mãe e a lembrança foi substituída pela
honestidade da condessa. “Não posso arrojar pedras contra meu próprio
telhado Elizabeth, porque não trocaria nem um só momento dos que passeu
com meu Sheik, por uma virtuosa vida inglesa”.
Elizabeth escolheu com solenidade um pequeno doce dourado salpicado
de amêndoas.
Logo Ramiel aproximou o prato da condessa. Também ela tomou
cerimoniosamente um pedaço de baklava. E por último ele fez o mesmo.
Como se estivessem sincronizados, morderam as delicadas massas.
Elizabeth se sentiu como se acabassem de fazer um voto solene. Como
se, inexplicavelmente, convertesse numa família. Edward era órfão. Ela
jamais tinha tido uma sogra. Ela jamais tinha tido um marido.
Engoliu.
—São deliciosas. De que outras comidas gostam os árabes?
—Cordeiro. —A condessa lambeu delicadamente seus dedos para lhes tirar o
mel. — Arroz pilaf.
Ramiel sustentou o olhar de Elizabeth.
—O coração de pomba preparado em vinho e especiarias.
—Os árabes devem ter um amplo sortimento de pombas. - Replicou
rapidamente, Elizabeth. - Ou pouco apetite.
Os olhos de Ramiel cintilavam com um fogo turquesa. Olhou-a como se
fosse um homem faminto e ela uma mulher muito saborosa.
—Os árabes são famosos por seu apetite. E por seus méritos também.
Elizabeth não pôde evitar... Sorriu. E se deu conta de que não voltaria a
pensar nele como o Sheik Bastardo. Ele era, simplesmente, um homem.

192

CAPÍTULO XVII

Elizabeth se sentia embriagada pelo tabaco, o café e o doce carinho que
lhe tinham manifestado uma condessa de má reputação e seu marginalizado
filho bastardo. Dirigiu a Beadles um de seus pouco freqüentes sorrisos livre
de artifício e fingimento.
—Por favor, envie Emma a meu quarto.
—O senhor Petre está em seu estudio, senhora Petre. —Beadles olhou
fixamente por cima de sua cabeça. - Pediu-me que fosse vê-lo tão logo que
chegasse em casa.

A fria realidade substituiu o calor que ainda perdurava depois do banho
quente. Elizabeth permitiu que Beadles pegasse sua capa, seu chapéu e suas
luvas. Cheiravam a vapor.

Embora já sabia que era ridículo, de repente sentiu um medo terrível.
Segurou a bolsa com força entre seus dedos.
—Não sou uma covarde. - Disse brandamente, a defensiva.
—Desculpe-me?
—Obrigado, Beadles. Diga a Emma que subirei para me vestir em seguida.
Preciso que ela engome meu vestido de festa vermelho para esta noite.
—Como quiser, madame.

Johnny estava em pé junto às portas do estudio Seu rosto
despreocupado carecia de expressão. Parecia maior... E não tinha o aspecto
de um lacaio Inclinando-se, abriu a porta para que ela entrasse.

Aquele gesto deveria tê-la agradado. Era evidente que suas habilidades
como lacaio estavam melhorando. Mas sentiu um temor glacial e ilógico.

Entrou no estudo... E a surpresa a deixou paralisada
Seu pai estava sentado ante a larga mesa de nogueira que Edward usava
quando alguns membros do Parlamento deviam conversar entre si. Seu
marido e sua mãe se situavam de outro lado. A expressão de seus rostos era
idêntica. A porta se fechou as suas costas, irrevogavelmente.
Uma escura nuvem parecia envolver o estudio. Talvez fosse o
crepúsculo próximo que não conseguia se mitigar com a luz artificial. Ou
possivelmente fosse o revestimento de nogueira que absorvia os últimos raios
de sol. Só uma imensa força de vontade evitou que Elizabeth se voltasse e
saísse correndo.
—Sente, Elizabeth. - Ordenou secamente, Andrew Walters.

193

Preparando mentalmente, Elizabeth cruzou o tapete de cor vermelha
escura e se sentou frente a seu pai.
—Olá, pai. Edward. Mãe.

Uma xícara de porcelana decorada com rosas estava colocada diante de
cada um deles. Automaticamente Elizabeth procurou o carrinho de chá no
estudo. A prata reluzia em meio a tênue luz. Estava claro. Sua mãe teria se
encarregado de servir, por isso o carrinho estaria lógicamente a seu lado.

E Rebecca não ofereceu chá a Elizabeth.
—Pai, hoje deve dar seu discurso. Acontece algo errado? —Perguntou,
sabendo o que era o que estava errado e com o temor aninhando em seu
estômago. Por favor, que aquela reunião não tratasse sobre o que temia.

Os olhos de seu pai refletiam fúria.
Elizabeth tinha visto desagrado em seu rosto, também condescendência,
mas jamais o havia visto contraído pela ira.
—Você dançou duas vezes com um homem que é uma vergonha para a
sociedade. Recebeste a mãe do bastardo em sua casa e agora zombra das
ordens de seu marido e passa o dia com a pior rameira da Inglaterra. Acaso
não tem o mínimo respeito a seu marido?
—Edward não me proibiu que visitasse a condessa Devington. - Replicou
Elizabeth com calma. Sob a tampa da mesa, suas mãos segiravam tão forte à
bolsa, que uma unha transpassou o forro de seda. Seu pai jamais tinha sido
tão grosseiro. - Tudo o que me disse foi que eu não devia recebê-la aqui, em
sua casa.
—Não dançará com esse bastardo nem falará com essa rameira nunca mais.
—A voz de seu pai ricocheteou nos escuros painéis de nogueira. - Fui o
bastante claro?
Elizabeth observou com atenção os olhos cor avelã de seu pai, tão
parecidos com os seus, embora não pôde descobrir nada dela, nele.
—Tenho trinta e três anos, pai. Vocês não me tratarão como se tivesse
dezessete. Não fiz nada errado.
Ela concentrou-se nos olhos castanhos de seu marido e não pôde
apreciar ali nada dos dezesseis anos que tinham passado juntos.
—Você tem uma amante, Edward. Quantas noites por semana ou por mês
deita-se com ela? Por que não conta a meu pai? Como se atreve se sentar aí,
quando se comporta de uma maneira muito mais desonrosa do que eu jamais
me comportei!
—Eu disse que não tenho uma amante.

194

O olhar de Elizabeth, depreciativa por direito próprio, dirigiu-se aos
três.
—E eu lhes digo que não fiz nada errado. Mas não organizaste esta reunião
só por isso, não é assim, pai?
— Elizabeth! —Advertiu sua mãe lhe intimidante.

Elizabeth ignorou sua mãe, que durante tanto tempo tinha feito o
mesmo com ela.
—Mamãe te disse que eu queria o divórcio. Disso se trata, pai?

Andrew estava sentado como se fosse uma pálida estátua de cabelos
cinzas e mogno. Só seus olhos estavam vivos. Cintilavam como brasas
sinistras.
—O prestígio de um homem vem avalizado por sua família. Se não for capaz
de mantê-la unida, ninguém confiará nele para que possa conservar seu país
unido.

A ira temerária se sobrepôs ao sentido comum.
— Significa isso que não usará sua influência como primeiro-ministro para
interceder por mim?

Andrew se inclinou para a Elizabeth com suas mandíbulas duras pela
força de sua agitação.
— Acaso é surda, mulher? —Cada palavra foi cuidadosa e perfeitamente
pronunciada, algo ainda mais terrível agora que ele não gritava. - Edward
será o próximo primeiro-ministro da Inglaterra. Se não puder se controlar,
todo nosso trabalho terá sido em vão. Ele será expulso do Parlamento. Minha
carreira desaparecerá. Prefiro vê-la morta antes de permitir que destrua
nossas vidas.

Fumaça de hookah. Pensou Elizabeth incongruentemente, não carreiras
políticas. Imaginou a condessa, sentada comodamente com uma toalha
envolta em sua cabeça enquanto Ramiel lhe oferecia baklava. E agora aqui
estava a família de Elizabeth... “Prefiro vê-la morta”. Ressoou dentro de sua
cabeça.

O coração de Elizabeth se deteve um instante. Uma dor cega e aguda a
dobrou.

Era impossível que ele houvesse dito aquilo. Era impossível que um pai
ameaçasse mataar sua filha.

Andrew se inclinou para trás em sua cadeira e novamente pareceu o
homem afável e aristocrático que apoiava causas para ajudar viúvas e
crianças órfãs por causa da guerra.

195

— Responde isso sua pergunta, filha?

*****

Ramiel se deu conta do instante preciso em que Elizabeth entrou no
salão do baile. Seu corpo inteiro se carregou de eletricidade. Girou, com seus
olhos observando, procurando...

Lá estava ela somente a três metros dele, parada ante a porta, com um
vestido de festa de cetim vermelho. A seu lado, Edward Petre inclinava a
cabeça a um conhecido ou fazia uma pequena reverência em direção a outro.

Com os sentidos aguçados, seu olhar se cravou no braço de Petre. A
pequena mão enluvada de Elizabeth estava colocada na curva de seu
cotovelo. Os dedos de Petre a sujeitavam com firmeza. Como um gesto de
afeto amoroso... Ou para retê-la fisicamente.

O olhar de Ramiel se deteve bruscamentna em seu rosto. Sua pele
estava tão branca como o giz.

Quando a encontrara somente a algumas horas após seu marido ter
rechaçado seus intentos por seduzi-lo e ela estava pálida, mas agora... Parecia
de gelo. A cadela gélida que lhe tinha parecido a princípio.

Ramiel recordou sua risada na sala da condessa. Sua face se haviam
rosado e seus olhos cheio de vida enquanto provava o hookah e o baklava. A
mulher que contemplava agora estava morta.

O que lhe tinha feito aquele cretino?
O sentido comum lhe disse que esperasse que Petre se separasse de seu
lado... Não tinha sentido um enfrentamento cara a cara num salão de baile
repleto de gente. Mas o instinto de posse masculino lhe ditou outra coisa...
Elizabeth era sua mulher. Não toleraria que outro homem a tocasse, que lhe
fizesse mal.
Cortou a distância que os separava e se plantou com firmeza frente a
eles.
—Senhora Petre.
O rosto de Elizabeth não registrou nenhuma emoção ou cordialidade,
nem surpresa, como se ele não fosse ninguém. Sua voz, quando falou, era fria
e educada. Sem vida.
—Lorde Safyre.

196

Os dedos de Petre apertaram convulsivamente a mão que ainda retinha
cativa, como se a estivesse ameaçando. Sabia que Ramiel a desejava... Do
mesmo modo que Ramiel sabia que Petre não a desejava.

Ramiel era um par de centímetros mais baixo e quatro anos mais novo
que Petre, mas observou friamente o homem mais velho, conhecendo suas
debilidades, sopesando suas forças.
—Não tive o gosto de ser apresentado a seu marido.

Petre lhe devolveu o olhar, com uma careta de desdém.
—Não nos relacionamos com os de sua índole. De agora em diante,
mantenha-se afastado de minha esposa.

Durante um eterno segundo Ramiel sentiu como se tivesse escapado de
seu corpo. Podia ver os três juntos em pé como se estivessem dialogando
intimamente. Elizabeth com seu cabelo cor mogno e sua pele branca, Edward
com seu cabelo negro e bigode caído e ele mesmo, com cabelos dourados e
pele morena. No interior do salão de baile, os casais giravam numa mistura
de trajes de gala negros e vestidos de cores brilhantes, enquanto que a seu
redor, homens e mulheres passeavam ou se agrupavam para conversar. Um
risinho se elevou sobre o som dos violinos, que foi engolido por uma grossa
gargalhada do outro lado do salão. De repente, voltou súbitamente a seu
corpo e soube exatamente o que devia fazer.

Os limites haviam sido estabelecidos, as posições tomadas. Já não havia
volta atrás.
—Por certo, isso é algo que corresponde decidir a senhora Petre. – Ele
murmurou lenta e provocadoramente.
—Eu sou seu marido. Ela fará o que lhe ordenar. - Replicou Petre, severo e
triunfal.

O pulso de Ramiel se acelerou. A esperança correu por suas veias.
Durante um instante lamentou que Elizabeth estivesse presa entre o fogo
cruzado. Mas logo, só sentiu a necessidade de expulsar Edward Petre de sua
vida.
— É assim? —Um sorriso animal curvou seus lábios. - Você pertence a uma
irmandade que se denominam os Uranianos, não é Petre? Pergunto-me,
conhece sua esposa seu interesse pela poesia?

Uma incredulidade atônita brilhou nos olhos castanhos de Edward e a
isso, seguiu uma intensa ira. Ambas ratificaram sua culpa.
—Deixe-a partir. - Disse Ramiel, brandamente.

197

Fingindo que tinha entendido errado, Petre soltou a mão de Elizabeth.
Um sorriso sarcástico contraiu seu rosto.
—Diga a Safyre que não deseja sua companhia, Elizabeth.

O olhar de Ramiel se tornou rapidamente para Elizabeth.
Seus claros olhos cor avelã estavam frios e sem expressão. Não
pertenciam a mulher que tinha nadado num banheiro turco e fumado um
hookah. Não pertenciam a mulher que havia sustenido um falo artificial entre
suas mãos e lhe havia dito que tinha tentado olhar sob uma folha de pedra de
uma estátua masculina, quando tinha dezessete anos e estava grávida porque
queria saber como tinha chegado esse a estado.
Uma dor aguda atravessou o peito de Ramiel, lhe roubando o fôlego.
Naquele dia a condessa lhe havia dito que se fosse, mas ela queria que ele
ficasse. Haviam compartilhado a baklava. E agora ela ia negar o tudo.
Seus lábios exangues e pálidos tremeram, endureceram.
—Rogo-lhe que desculpe a descortesia de meu marido, Lorde Safyre.
— Elizabeth! —Cuspiu Edward.
—Basta, Edward. Não permitirei que me digam o que devo fazer. —Ela
olhou fixamente a gravata de Ramiel. – Conversarei e dançarei com quem me
agrade.
O júbilo acendeu o corpo de Ramiel como conhaque quente. Ela havia
escolhido. Desse conta ou não, finalmente havia tomado uma decisão.
Estendeu sua mão, tão perto que sua respiração fazia mover seu cabelo.
—Baile comigo.
Mostre-me que não tem medo de um Sheik bastardo.
—Lamentará se o fizer, Elizabeth.
Um calafrio percorreu a coluna de Ramiel. A ameaça na voz de Petre
era evidente.
— Como ela lamentará, Petre? —Lentamente, ele baixou sua mão e afastou a
cabeça de Elizabeth. Os olhos turquesas se encontraram com os castanhos. -
Lamentará tanto como você? Lamentará tanto como sua amante?
Agora comprovaria de que massa parecia Edward Petre. Desafiaria
Ramiel? Fingiria não saber do que ele estava falando? Sacrificaria Elizabeth
para salvar sua carreira?
— O que decide, Petre? — Ramiel arrastou as palavras perigosamente. Sua
mensagem era clara. Guardarei seus segredos se entregar sua esposa.
Edward se afastou.
Ramiel sorriu tristemente.

198

— Por fez isso? —O rosto de Elizabeth estava ainda mais pálido que quando
tinha entrado no salão.
— Você se arrependerá por dançar comigo, Elizabeth?
—Sim.
—Mas dançará. —A satisfação tingiu sua voz.
—Só se me dizer o significado das palavras de Josefa quando lhe entregou a
bandeja.

Os cílios de Ramiel velaram seus olhos.
—Disse que você tem seios magníficos, dignos de serem sugados pelos
filhos... E por um marido.

O rosado escuro coloriu sua face.
—Meu marido jamais me sugou os seios.
—Há uma diferença entre engendrar filhos e ser um marido, Taliba. – Ele

informou brandamente.
— “ O Jardim Perfumado” diz?
—Sim.

Elizabeth lhe ofereceu sua mão enluvada.
— Dançamos?

A emoção lhe contraiu o peito. O alívio, a nostalgia e o triunfo.
Ofereceu-lhe seu braço, uma concessão tardia ao decoro, querendo reparar os
rumores que já surgiam sobre a confrontação entre o ministro da Economia e
Fazenda e o Sheik Bastardo. Podia sentir os olhares e ouvir os murmúrios.

Se Petre fosse um bom político, tivesse acessado gentilmente e salvo a
si mesmo e sua esposa da vergonha pública. Mas, abandonara-a as más
línguas sem piedade.

Provavelmente era melhor que fosse se acostumando a aceitar a
notoriedade a partir de agora. Não importa o que Ramiel fizesse ou deixasse

de fazer, todos falariam. Sobre sua condição de bastardo, sua herança árabe
ou seus bem conhecidos apetites sexuais.

Sobre sua mulher.
A margem da pista de dança, ele tomou a mão direita de Elizabeth e

rodeou sua cintura. Seu espartilho não estava tão apertado como no dia do
baile da beneficência. Ela levantou a mão esquerda e a pousou sobre seus
ombros. Mentalmente contou um, dois, três e a introduziu na valsa com um
giro.

Olhou para o interior de seu vestido, onde pele branca lutava por sair. E

recordou as curvas suaves e transbordantes e os mamilos grandes e duros que

199

a bata de seda úmida tinha deixado trasparecer tão amorosamente quando ela

se sentou na sala da condessa.
—É certo que tem seios magníficos.

O tremor de seus lábios contradisse sua indiferença.
— O que é um Uraniano, Lorde Safyre e por que meu marido se alterou tanto

quando você o mencionou?
Ramiel podia lhe contar... E ela seria livre. Mas, não queria fazê-lo por

temor que preferisse a ele, porque um bastardo seria mais aceitável que um
homem como Edward Petre.
—Como te disse, é uma irmandade de Menores.
— Menores... No sentido de... Juvenis?

L'na, maldita seja. Ela era inteligente. Mas não era de meninos jovens

que gostava Edward.
—Menores também significa de pouca importância.

Ela baixou a cabeça de modo que ele pôde observar seu cabelo e não

seus olhos. Algumas sombras obscureciam sua face.
—Sua mãe o enviou para fora do país quando você tinha doze anos.

Ramiel se inclinou mais para ouvi-la. Sua face roçou sua cabeça, numa

morna carícia sedosa.
—Sim.
— Sentia falta de... Inglaterra?

Ramiel se deu conta de que ela estava imaginando o que aconteceria se

enviasse seus próprios filhos a um país longínquo. Não. Ela não se dava
conta de que sua dor seria maior que a deles.
—Durante pouco mais de um mês. – Disse, lacônico.

Ela levantou as pálpebras súbitamente e o olhou com evidente
incredulidade.
— Tão pouco tempo?
—Você tem dois filhos. Sabe como são os jovens. Quando meu pai me deu
de presente um cavalo, pude comprovar que o sol e a areia podem ser

bastante atraentes.
—Tremo só em pensar o que é o que comprovou quando ele lhe deu de
presente seu próprio harém. - Disse ácidamente com sua sensibilidade de mãe

ofendida ante o amor volúvel de um menino.

Ramiel riu brandamente, atraindo-a mais perto para que ao fazê-la girar,
a colocasse entre suas pernas. O corpo de Elizabeth roçava seu sexo, o suave

raso contra a dura seda.

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