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Olhares paralelos sobre a evolução da sociedade e da arquitetura

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Published by carolina.andrade, 2019-10-03 12:32:39

Influências

Olhares paralelos sobre a evolução da sociedade e da arquitetura















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SUma Grande Família de Amigos
e me perguntassem se a construção de 600 prédios ao longo de 60 anos de trabalho significa para mim uma autossatisfação toda especial, eu responderia: em parte, sim, mas o que mais me deixa satisfeito, realizado, é o fato de ter conseguido montar uma equipe
de trabalho muito unida, cônscia de pertencer a um todo empresarial formado por pessoas e não por funcionários burocráticos, anônimos e interessados somente em ganhar bons salários...
Isso pode ser resumido numa frase: a CAL não é simplesmente uma empresa que incorpora e cons- trói, ela é uma família composta de diretores, engenheiros, secretárias e office-boys que almejam sentir-se bem, realizados, amigos entre si, dispostos a trabalhar em harmonia. Já ia me esquecendo... a CAL também tem por objetivo incorporar e construir.
E esse objetivo de não priorizar o lucro, mas o bem viver harmonioso, estende-se ao relacionamento com os moradores que vivem em apartamentos por nós construídos. Sempre foi uma de nossas características tratar cada condômino como se fosse único, com direito ao contato pessoal com os engenheiros, alterar as plantas, indicar os acabamentos de suas unidades. É o que denominamos “acabamento personalizado”, marca registrada da CAL. E mesmo depois de entregues os aparta- mentos a seus proprietários, procuramos manter relacionamento com eles através de uma revista anual que permanece aberta para eventuais anúncios de venda de seus imóveis.
Grupo de trabalho com tônus familiar; acabamento personalizado; inovações tecnológicas; transfor- mação dos compradores em clientes e amigos; esses são os traços descritivos de nossa empresa que está completando 60 anos de vida.
Adolpho Lindenberg




10 1960
Milton de Souza Meireles Dom João V
Princesa Imperial
Fabio Prado
1970
Condomínio Parque dos Cisnes Casa Branca
Casa do Engenho
Imperatriz
Dom Cristóvão
Barão de Capanema
Golden Gate
Paço de Sintra
Dom Eugenio e Rua Cristovão Diniz Town House
Capanema 74
Flat Service Augusta
Dom Luís de Orleans e Bragança Paço de Queluz
1980
90 1990
Paço de Grão Pará
26
Verde Mar
Vicente de Azevedo
Vila América
Rio das Pérolas
Outeiro da Glória e Jardim da Glória Place de L’Etoile
2000
Lindenberg Melo Alves Lindenberg Groenlândia Murano
Adolpho Carlos Lindenberg Lindenberg Gironda Lindenberg Light
Leopoldo 695
Lindenberg Joaquim Macedo Le Grand Art
Lindenberg Panamby
Los Andes
Pátio Villa Lobos Lindenberg Tucumã
Corporativos
Casa Grande Hotel Colégio Santo Américo Quinta Avenida
Banco Real
Eluma
Parque Iguatemi
Wilson Mendes Caldeira Cal Center II
Mario Garnero
Grande São Paulo
Ed. Porto Seguro
Ed. Mauro Paes de Almeida Win Work Pinheiros
L’ Ermitage
66
Campos Elyseos
Paço de Higienópolis, Dona Veridiana e M. Angélica St. Louis e St. Patrick
Quinta da Boa Vista
Studium Vogue
Largo do Boticário
índice
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2014. O mundo está mudado. E muito. O que antes era definitivo deixou de ser certeza; o que era inovador ficou fora de moda; o que era ficção científica passou a ser realidade. Décadas de turbulências e calmarias políticas e econômicas abalaram o País e as estruturas de uma
das mais conceituadas construtoras e incorporadoras do Brasil, mas não lhe roubaram o ânimo para sempre se reinventar, como vem fazendo nas últimas seis décadas.
Parte do grupo LDI, uma full service real estate developer, que atua em quatro áreas de negócios: incorporação, urbanismo, centros comerciais e construção, a Construtora Adolpho Lindenberg é a joia da coroa que a holding soube aproveitar como lastro de referência em qualidade e tradição, em todas as suas marcas – Lindencorp, REP e Lindenhouse.
Constituída em 2004, a então incorporadora Lindencorp alinhou-se à grife Lindenberg, sinônimo de empreendimentos de alto luxo, alto padrão de qualidade e dona de um invejável portfólio com cerca de 700 obras construídas, parceiros e investidores. E teve a sabedoria de respeitar e manter os valores da tradicional Construtora Adolpho Lindenberg (CAL), e valer-se das conquistas e de toda a experiência do fundador, Adolpho Lindenberg, engenheiro e arquiteto, formado pela Universidade Mackenzie que, em 1954, ano das comemorações do IV Centenário de São Paulo, decidiu montar um escritório de engenharia em uma salinha na Rua Quintino Bocaiuva, no Centro de São Paulo, onde mal cabia uma prancheta. E começava a desenhar os primeiros traços de uma história de sucesso.
O engenheiro, então com 30 anos, resolveu investir a herança de seu pai na construção de três casas de estilo colonial, no recém-projetado bairro do Ibirapuera, que circundava o grande parque inaugurado no mesmo ano. Eram residências amplas, de dois andares, sendo que a área social, copa e cozinha ocupavam o andar de baixo, os quartos e um único banheiro o de cima. As dependências dos empregados ficavam no fundo do quintal, geralmente em cima da lavanderia e contavam com dois quartos e um banheiro. A fachada de estilo barroco brasileiro tinha portas e janelas emolduradas com pedra ou pintadas com cores que contrastavam com as paredes e o verde ou azul das portas e janelas. O telhado de duas águas era feito com telhas coloniais e os portões ladeados por pilastras encimadas por um par de pinhas de porcelana vindas de Portugal. Essas casas lembravam o casario das Minas Gerais ou a arquitetura das sedes das fazendas paulistas de café. O sucesso de venda foi imediato. E com o dinheiro arrecadado Adolpho Lindenberg construiu outras casas, e mais outras, que ele mesmo vendia, em plantões nos finais de semana passados no terreno das obras em companhia da esposa Thereza. Seu estilo e seu natural savoir-faire o levaram a conhecer muita gente, fazer muitos amigos, e ser convidado para reformar sedes de fazendas de café na região de Campinas.
Era esse o cenário da segunda metade da década de 1950, anos em que Lindenberg e os companhei- ros Alberto Du Plessis e Plínio Vidigal Xavier da Silveira passaram projetando e construindo centenas de residências de estilo colonial, “por achar que era muito mais adequado ao clima e cultura brasilei- ros do que a Bauhaus, que estava em plena moda naquela época”, relembra Lindenberg.


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1960
Casas sobrepostas
Enquanto a Lindenberg construía seus primeiros edifícios altos, a cidade de São Paulo transformava-se a passos largos. Era o início da década de 1960, e o dínamo paulistano encontrava-se
em pleno vigor. A população do município passou de pouco mais de 2 mi- lhões em 1950 a 3,5 milhões de habitantes em 1960, um crescimento de 5% ao ano. A Região Metropolitana ampliou ainda mais, cerca de 6% ao ano. Era o dobro do que crescia o Brasil como um todo.
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São Paulo e o mercado imobiliário estavam em plena ebulição, opor- tunidades não faltavam na cidade que começava a se tornar a locomo- tiva de um Brasil que se industrializava. Adolpho Lindenberg, agora em sociedade com Du Plessis e Plínio Vidigal, acreditou que era hora de transformar o pequeno escritório de engenharia na Construtora Adolpho Lindenberg, cabendo a Lindenberg a área comercial e de definição do produto, um prato cheio para um homem que tinha exce- lente intuição para novos negócios e apurado tino comercial. O ano era 1958. A nova empresa tinha uma concha vermelha como logotipo, e seguia construindo casas e, em um ato de ousadia, começou a erguer
prédios de apartamentos, mudando sua meta.
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A famosa curva sinuosa do edifício Copan
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Vários eram os motores daquele desenvolvimento todo. Em primeiro lugar, a industrialização. São Paulo se industrializava em todas as direções: permaneciam as antigas regiões fabris, como o polivalente Brás, o núcleo de confecções do Bom Retiro, que produzia todas as etapas da produção de vestuário, a Lapa, a Barra Funda. Mas não era só lá. Os galpões das fábricas espalhavam-se por toda a cidade, mesmo em regiões que posteriormente foram muito elitizadas: o bairro do Itaim cheirava a chocolate produzido pela Kopenhagen, as vitrolas Invictus eram produzidas na Rua da Consolação. O Lanche Mirabel era fabricado em Pinheiros, a uma quadra da Rua Oscar Freire.
A indústria automobilística operava com vigor cada vez maior no ABC paulista. A Volkswagen ins- talou-se em São Bernardo do Campo, em 1959, para montar Kombis e Fuscas. A Ford instalou-se, em 1967, na mesma cidade, para iniciar a produção de automóveis, pois a sua produção já não cabia mais nas instalações apertadas do bairro do Ipiranga, que produziam apenas caminhões. Em 1968, a GM começava a fazer automóveis na fábrica que já existia em São Caetano.
O governo emitia leis protecionistas que visavam nacionalizar cada vez mais a produção automobi- lística, traumatizada com a escassez de peças importadas, fato que ocorrera durante a Segunda Guerra Mundial, e também visando a criação de empregos e aumento da complexidade do parque industrial. Essas leis produziram um efeito em cascata: centenas de indústrias de autopeças de todos os tamanhos instalaram-se ao redor das grandes montadoras, multiplicando os empregos e construindo naquela região o que podemos chamar de uma “sociedade operária”. Enquanto isso, brotavam novas regiões industriais à beira das rodovias, como Osasco e Guarulhos, os polos petroquímicos de Mauá e São Miguel Paulista...
No espaço urbano não cabiam mais empreendi- mentos horizontais, fossem eles casas ou predi- nhos de dois ou três andares. Migrantes e imi- grantes desembarcavam aos montes na capital cheia de promessas. Gente pobre ou endinhei- rada que precisava de um teto para morar. No- vos bairros se formavam para além dos Campos Elíseos e de Higienópolis, e a cidade começava a se estender para o “lado de lá” da Paulista. A solução era verticalizar a cidade.
A sociedade paulistana era bastante conser-
vadora e ainda provinciana. Com casarões em bairros nobres, em sinal de status social, até então apenas a classe média vivia em edifícios. Como convencer aquela gente grã-fina e rica, por conta do ouro negro, o café, que durante alguns séculos foi a maior riqueza do Brasil, que morar em um apartamento poderia não ser sinal de problemas financeiros? “Construindo casas sobrepostas”, solucionou o engenheiro. Ou seja: levar para os apartamentos o mesmo es- paço, padrão e luxo das mansões.
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Fachada suntuosa e muito verde no edifício Milton de Souza Meirelles


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Com as indústrias e o emprego vinham as pessoas em busca de oportunidades. Após a onda de imigração estrangeira da primeira metade do século 20, o grosso dos que chegavam vinha das partes mais pobres do Brasil. Instalavam-se onde podiam: nos cortiços e pensionatos dos bairros centrais, nas casas de aluguel e vilas operárias dos bairros industriais e (cada vez mais) nas periferias longínquas e desequipadas. Jânio Quadros, grande liderança política da cidade na época, percebeu logo que a po- pulação vulnerável era fonte de votos e iniciou uma prática que se estende até os dias de hoje: a troca de votos por equipamentos e infraestrutura. O Centro da cidade ainda concentrava grande parte das atividades de comércio e serviços, outro dos motores da metrópole paulistana. No Centro Velho e nas imediações do Vale do Anhangabaú estava instalado o setor financeiro: além da Bolsa de Valores, as sedes dos bancos. Os escritórios de advocacia concentravam-se perto da Faculdade de Direito no Largo São Francisco e do Fórum na Praça João Mendes. O comércio elegante no Centro Novo, na Rua Ba- rão de Itapetininga e imediações. O zoneamento da região central era bastante generoso, permitindo a construção de edifícios como o Itália, com 165 metros de altura, inaugurado em 1965, e o Palácio Zarzur e Kogan, finalizado no ano seguinte com 5 metros a mais.
Os edifícios que ostentavam a concha ver- melha da CAL eram de altíssimo padrão, com apartamentos enormes, com, no mínimo, 400 metros quadrados livres, acabamentos nobres, pé-direito de mais de três metros, mármores importados, muitos ambientes, salas e saletas, como mandava a moda, quatro quartos e dois banheiros, sendo um para o casal e o outro para os filhos, copa e cozinha imensas, dois quartos de empregada com um banheiro, área para lavanderia com espaço para a secagem de
roupas, e duas vagas de garagem. O hall de entrada tinha de ser portentoso, com pé-di- reito duplo, mármore no piso, portas e gradis trabalhados, alguns deles provenientes das sedes das embaixadas estrangeiras que estavam se mudando do Rio de Janeiro para Brasília, a nova capital. Tudo comme il faut, para conven- cer a elite de que ir viver em um apartamento com essas características era uma atitude mo- derna e sensata, visto que a falta de segurança
tomava conta da cidade.
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Vários ângulos da fachada do edifício Milton de Souza Meirelles


Os edifícios do Centro estavam tão ocupados em disputar as alturas que não se davam conta de que a ameaça vinha do flanco sul. Em 1958 havia sido inaugurado o Conjunto Nacional, na Avenida Pau- lista, causando uma oferta inédita de espaços comerciais e de serviços fora da região central.
Em uma cidade marcada pelo tempo e pelos espaços do trabalho, não eram muitas as regiões co- biçadas pelas elites. Partindo do Centro Novo, o setor da moradia elegante olhava na direção do Rio Pinheiros. Esses bairros estavam prudentemente distantes da fuligem e do barulho dos bairros indus- triais das várzeas dos rios Tietê e Tamanduateí. Ao contrário dos inúmeros bairros proletários que se espalhavam cada vez mais longe – principalmente nas direções Norte e Leste – esses bairros mais ricos já nasciam regularizados, os loteamentos garantindo larguras mínimas para as ruas e deixando áreas verdes disponíveis para parques e outros equipamentos. É aqui que se situam os bairros de casas que a Companhia City loteava desde a década de 1920: Jardim América, Alto de Pinheiros, Pacaembu, Su- maré, Cidade Jardim, City Butantã, e alguns outros similares feitos por outras companhias inspiradas na City, como o Jardim Europa.
O primeiro edifício construído pela Cons- trutora Adolpho Lindenberg, em 1962, foi o Princesa Imperial, na Rua Piauí, bem perto da Avenida Angélica, onde passava o bonde, no nobre bairro de Higienópolis. Um edifício de linhas neoclássicas e forte influência euro- peia. “Era impossível levar o colonial brasileiro para os prédios de apartamentos. Até tentamos, mas não funcionou. E como nosso público via-
java muito, se identificava com a estética das construções francesas”, explica Adolpho, que lembra que o estilo de decoração colonial brasileiro tão em moda na casa dos endinhei- rados, migrou para os apartamentos. Do alto dos seus 80 e muitos anos, ele relembra o pas- sado com simplicidade e divertimento. “Eram outros tempos, outro modo de vida, outras
necessidades.”
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Fachada e hall de entrada imponentes são marca registrada: edifício D. João V


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Intercalavam-se com esses bairros algumas regiões onde era possível construir prédios: Higienópo- lis, os Jardins, as imediações dos clubes Pinheiros e Hebraica, que ficaram conhecidas como Jardim Paulistano. As fronteiras desses bairros com os bairros de casas, como a Rua Estados Unidos, eram alguns dos poucos lugares de onde se abriam paisagens mais amplas na cidade. Foi nesses lugares que se concentrou uma verticalização de alto padrão na cidade, que buscava atender a um público muito específico. Famílias com muito dinheiro começavam a pensar em morar em apartamentos, por diversas razões. Mas queriam fazer essa transição com muito cuidado. Por um lado, ninguém podia interpre- tar a mudança como queda no padrão de vida. Por outro, desde a construção dos primeiros prédios residenciais, na década de 1930, pairava sobre eles um preconceito: a vida em apartamentos não seria algo saudável, principalmente para as crianças. Por essas razões, muitos não se sentiam atraídos pelos edifícios modernistas e suas fachadas desprovidas de ornamentos. Ao contrário do ideário moderno, que apregoava a simplificação, o despojamento – em suma, viver com o mínimo – essas famílias bus- cavam o máximo: pés-direitos altíssimos, portas e janelas feitas artesanalmente, vários quartos para empregados domésticos, dos quais dependia o bom funcionamento das unidades daqueles edifícios.
Esse estrangeirismo da arquitetura da Lin- denberg foi considerado uma heresia pelos arquitetos modernistas brasileiros de então, o que não roubou um minuto de sono do enge- nheiro que, em seguida lançou o D. João V, na Avenida Higienópolis, um edifício com 21 an- dares, um apartamento por andar, 400 metros quadrados de área privativa nas unidades, 650 metros quadrados na cobertura e duas novi-
dades: uma suíte para o casal – até então, os banheiros ficavam no corredor, já que não era bem aceito que eles ficassem nos dormitórios, por questões de intimidade –, e uma das pri- meiras piscinas construídas em um edifício. A maioria dos clientes Lindenberg era sócia de algum clube, e não fazia sentido instalar uma piscina nos jardins do edifício, mas a ideia agradou aos moradores.
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Entrada do edifício D. João V e detalhes típicos de um Lindenberg, como as colunas da varanda


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Do ponto de vista da planta, os apartamentos de São Paulo tinham configurações específicas que os diferenciavam de outros locais onde foram construídos prédios residenciais de muitos andares. Em primeiro lugar, as dependências de serviços: os vários segmentos da classe média brasileira não abriram mão de seus empregados domésticos e até mesmo apartamentos de um dormitório possuíam quartos de empregada até os anos 1960. Juntando cozinhas, quartos e banheiros de empregados, halls e áreas de serviços, era bastante significativa a parte dos apartamentos que tinham uma configuração de espaço de trabalho bastante intenso.
Os ambientes de estar buscavam a especialização: a sala de estar, onde a família tinha a sua convivên- cia mais íntima; a sala de visitas, mais formal, onde eram pendurados os melhores quadros e colocados os melhores tapetes; o escritório/biblioteca, local que era mais de demonstração de erudição e posição social do dono da casa do que propriamente de trabalho; copas separadas de cozinhas. As salas de al- moço eram os locais de uso cotidiano, enquanto as de jantar eram acionadas em ocasiões especiais, ou por famílias que buscavam um modo de vida verdadeiramente aristocrático, com serviço à francesa.
Nos maiores apartamentos, os dormitórios eram espaços bem reservados, demarcando claramente a divisão da casa entre serviços, estar e área íntima. Na década de 1960, um arranjo comum era que o casal tivesse a sua suíte, e os filhos dividissem um banheiro. Dessa forma, os apartamentos reproduziam o for- mato da família tradicional, com pai, mãe e filhos em uma estrutura doméstica bastante hierarquizada.
Enquanto o Brasil vivia o golpe militar de 1964, a quantidade de trabalho da construtora aumentava e chegava a hora de os três sócios mu- darem da Rua Quintino Bocaiuva para um con- fortável escritório na Rua General Jardim.
O que diferenciava um Lindenberg dos outros edifícios, naquela época e ainda hoje, era a aten- ção, o cuidado e a qualidade que começavam na inteligência do desenho das plantas, seu deta- lhamento, na personalização dos espaços e, prin- cipalmente, nos acabamentos impecáveis feitos por artesãos italianos. “Eram profissionais de primeira ordem, verdadeiros artistas saídos do Lyceo de Artes e Ofíceos que, com a industria-
lização dos anos 1950, tinham perdido sua fun- ção”, relembra Lindenberg, que fazia questão de se cercar por uma equipe que tivesse a mesma qua- lidade de seus produtos. “A pessoa mais importan- te em uma construção é o mestre de obras. É ele que contrata e comanda pedreiros, encanadores, eletricistas e todo um time que precisa estar afi- nado. Um bom mestre de obras é capaz de salvar um projeto ruim, já o inverso não é verdadeiro”, diz o engenheiro que até hoje faz questão de se cercar por mestres de obras e equipes de confian- ça que conhecem o padrão Lindenberg de quali- dade. Daí ter sido chamado de “o inventor do alto luxo” pela revista Veja.
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Mármore branco e preto e portão de ferro trabalhado por artesãos no hall do edifício Pátio Imperial


Na outra ponta do mercado existiam as famosas quitinetes, espaços únicos combinando dormitório e estar com pequenos nichos para cozinhas e banheiros, que foram produzidas até os anos 1960 e depois foram proibidas pela legislação. A quitinete era uma solução para muitos problemas: famílias recém- chegadas a São Paulo e com pouco dinheiro, um “pé” das famílias do Interior na Capital, moradia de estudantes, alternativa barata de aluguel para quem queria viver em regiões centrais – e não vamos nos esquecer das garçonnières, que tantos homens das classes médias e elites possuíam para seus encontros furtivos. Objeto de tanto desprezo, as quitinetes na verdade eram uma solução bastante interessante – e, porque não dizer, mais moderna, para o viver metropolitano. Quem diria que elas voltariam à moda dali a meio século?
Se Lindenberg e seus sócios chegaram a duvi- dar que a elite paulistana trocaria seus casarões por suas “casas sobrepostas”, a resposta foi ime- diata: o mercado clamava por apartamentos ainda maiores, cercados por jardins e muita segurança. E foi assim que, em 1966, foi entregue o edifício Fabio Prado, no Jardim Europa, nas bordas da Rua Iguatemi, e bem perto do Rio Pinheiros. Uma lonjura para a elite que vivia do outro lado da Paulista e hesitava em mudar-se para o outro lado da cidade, em uma região de casas acanhadas. O edifício de 750 metros quadrados de área privati- va ficou pronto no mesmo ano em que o Iguatemi, o primeiro shopping center da cidade, abria suas portas. A valorização do bairro veio a galope, e o tempo provou que o faro do engenheiro estava certo e os Jardins e a região da hoje Avenida Fa- ria Lima são algumas das áreas mais nobres de São Paulo. Com apenas 16 andares, três suítes e seis vagas na garagem, o Gaiola de Ouro, como foi apelidado, foi sucesso imediato de vendas e até hoje é um ícone que desperta o desejo dos consu- midores de alto luxo, que sonham com um lugar na fila de espera de potenciais compradores.
Comtodaasinceridade,AdolphoLindenberg afirma que nunca foi um pioneiro, mas não nega que tem o tino para detectar para “onde o ven-
to sopra”, e quais as ruas e bairros que estarão em alta em pouco tempo. Lindenberg procurava e encontrava excelentes terrenos em bairros que estavam sendo formados e ainda tinham grandes áreas à disposição, onde instalava seus produtos diferenciados, tanto o bairro quanto o empreendimento se valorizavam quase que ime- diatamente – o bairro por ter um Lindenberg, o Lindenberg por estar naquele bairro. Depois era só vender, muitas vezes por telefone, para investidores que sabiam que a valorização de um imóvel Lindenberg era mais garantida que as oscilações da moeda e da bolsa de valores. Foi assim com a Rua Cristóvão Diniz, por exemplo, hoje uma das mais valorizadas da cidade, onde Lindenberg teve a ideia de construir uma espé- cie de condomínio para sócios do Clube Athlé- tico Paulistano. Ali, entre o final dos anos 1960 e a década de 1970, ergueu cinco imóveis de estilo neoclássico, alto luxo, sendo o primei- ro deles, de 1967, batizado de Milton de Souza Meirelles, um apartamento de três quartos por andar. Com a construção dos outros quatro edifícios na década seguinte, a pequena rua de um quarteirão, bastante arborizada, ganhou ares europeus, um charme especial e o valor de seu metro quadrado é dos mais altos da cidade.
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Com apartamentos de 700 metros quadrados, a Lindenberg fez seu grand début nos Jardins com o edifício Fabio Prado


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Apelidado de Gaiola de Ouro, o edifício Fabio Prado é o típico exemplo da arquitetura neoclássica europeia


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1970
Mediterrâneos, modernos e outras modas
Em 1971 foi inaugurado o edifício do hotel Hilton, na Rua da Consolação, com toda a pompa e até um show de Roberto Carlos em plena época de Jovem Guarda. O formato redondo do Hilton
chamava a atenção, bem ao estilo dos anos 70, que buscava as formas curvas, procurando uma modernidade mais libertária que já interpretava os protestos dos jovens do final da década de 1960.
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A receita do sucesso da Construtora Adolpho Lindenberg, que espalhava suas conchas e edifícios pela cidade, não estava apenas na estética europeia, como acreditam alguns, mas na qualidade de sua construção, e na reputação de um nome muito bem construído.
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Avenida Paulista, o coração financeiro de São Paulo


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O arguto Tom Zé descreveu a tensão entre os projetos modernizadores da década de 1960 e de 1970 na letra bem-humorada da música “A Briga do Edifício Itália e do Hilton Hotel”, em que os dois edifí- cios ganhavam vida e competiam pela proeminência no Centro Novo. A chegada do Hilton ameaçava o lugar do Edifício Itália, que até então “era o rei da Avenida Ipiranga: alto, majestoso e belo”. O Itália começou difamando o Hilton, dizendo que ele, para ficar todo branquinho tomava chá de pó-de-arroz. Ao que o Hilton respondeu que o Itália tinha “corpo de aço e alma de robô”, e daí para baixo. O Itália sapateou de raiva e disse que o Hilton abusava das curvas para chamar a atenção, “parecia uma menina louca, ou até a Torre de Pisa vestida de noiva”.
O neoclássico era um estilo intemporal, que jamais ficaria ultrapassado – verdade que o tempo prova. Principalmente em sua concepção construtiva. A entrada de um edifício, o andar térreo, é a base e uma das partes mais importan- tes de um projeto. A imponência de um hall de pé-direito alto não é apenas um símbolo de sta- tus, mas é fundamental para toda a estrutura de um edifício. Nos apartamentos, as paredes mais grossas e o pé-direito mais alto são feitos para garantir conforto térmico, assim como o
uso de menos áreas envidraçadas e mais janelas queseabrem,mesmoquesejaparasacadasfalsas, garantem a circulação do ar, enquanto que o espaço vazio deixado entre as lajes ou as paredes entre os apartamentos em edifícios com duas unidades por andar, não é desperdício e sim a certeza de proteção acústica para que um vizi- nho não incomode o outro. Esses cuidados não são apenas aplicados aos edifícios de alto luxo, mas foram adaptados aos prédios de menor me- tragem mas igual qualidade construtiva.
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Nítida influência da arquitetura grega, aposta da Lindenberg para o clima brasileiro: Parque dos Cisnes


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Enquanto corria a disputa no Centro Novo, as torres da Paulista olhavam lá de cima, reluzentes e triunfantes: elas tinham vencido a batalha sem nem precisar brigar. Nos anos 1970, uma a uma as mansões da Paulista eram substituídas por torres modernas, algumas delas com comportadas fachadas de vidro e outras com formas mais arriscadas, como a pirâmide da Fiesp e o edifício do Sumitomo, que remetia levemente aos pontiagudos templos budistas orientais. Em 1973, a Avenida Paulista ganhou mais um toque de modernidade com o projeto de identidade visual da Cauduro e Martino, comple- tando uma paisagem de alta qualidade em comparação com um urbanismo bastante pobre que predo- minava em São Paulo: fiação subterrânea, totens verticais escuros com a sinalização e a semaforização, calçadas em mosaico português, abrigos de ônibus futuristas em fibra de vidro.
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Outro diferencial dos edifícios de alto luxo da Construtora Lindenberg, na época e ainda hoje, era a personalização dos apartamentos. Cada proprietário poderia ter sua moradia com as características que desejasse: número de
quartos, salas, banheiros, tamanho da cozinha, acabamentos... Essa alta-costura imobiliária era custosa e demandava tempo, mas os compradores não se importavam (e ainda não se importam), em gastar mais: queriam exclusividade.


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Terraço, varandas de vidro e uma linguagem mais praiana para o Villa d’Este, no Rio de Janeiro


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A proposta do Villa d’Este era seguir a leveza dos edifícios da orla carioca e valer-se do vidro para deixar a natureza entrar


Quem acha que a Lindenberg construiu apenas neoclássicos vai surpreender-se em saber que alguns dos edifícios mais modernos da cidade foram também obra da construtora, como o Quinta Avenida, na Paulista, e o Parque Iguatemi, na Faria Lima. As elites paulistanas abraçavam, assim, a moderni- dade de maneira bastante particular: no trabalho, buscavam uma imagem profissional e corporativa moderna, que apontava para o futuro, o dinamismo. Já para a moradia, muitos preferiram remeter ao passado, à tradição.
A década de 1970 foi também um momento de transformação das formas dos edifícios da cidade. Em 1972 foi aprovada a famosa lei do zoneamento, que definia os usos e as metragens que podiam ser cons- truídas em cada terreno na cidade. A lei de zoneamento, que obrigava todos os edifícios a terem recuos frontais e laterais, significou um desafio para a Lindenberg, que buscava trazer uma aparência europeia à moradia vertical das elites paulistanas. Afinal, na Paris oitocentista, o grande modelo, os edifícios correm diretamente no alinhamento das ruas, construindo as quadras fechadas tão agradáveis de se passear.
Mesmo que o neoclássico reinasse absoluto sob a égide da concha, Adolpho gostava de testar novos formatos. E lançava modas, embo- ra dissesse que não, que hoje, do alto de seus 80 e alguns anos, repensa como pontuais e pas- sageiras. Encantado com a simplicidade da ar- quitetura grega, casinhas brancas de paredes irregulares e excelente ventilação natural, ele voltou de uma viagem para a Grécia acre- ditando que o estilo mediterrâneo combina- ria perfeitamente com o clima brasileiro, pelo frescor de sua construção. E projetou uma série de edifícios com essa estética jovem e moderna, feita sob medida para aqueles que procuravam novas opções de moradia, mas não dispensavam a qualidade das plantas e da construção de um Lindenberg. Os apartamentos mediterrâneos tinham cantos curvos, janelas arredondadas,
alvenarias, desníveis entre os ambientes, piso de tábua corrida, balaústres e grades internas de influência do colonial brasileiro que fizeram imenso sucesso com jovens casais. Entre os lan- çamentos estava o Parque dos Cisnes, em Santo Amaro, cinco torres cercadas por 25 mil metros quadrados de belos jardins, um prenúncio dos garden-buildings de hoje, que na época preco- nizava, em seu fôlder de vendas: “Pela primeira vez a obra humana interveio na obra da natu- reza sem desfigurá-la”, e cuja propaganda ven- dia “um empreendimento inspirado na mais hu- mana forma de arquitetura redescoberta pela Lindenberg: o estilo mediterrâneo”, o Golden Gate e seus mais de 700 metros quadrados de área privativa, ou o Tanger e o Agadir, dois edi- fícios com a privilegiada, e eterna, vista para os clubes Pinheiros e Hebraica.
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Os terraços projetados para frente criam volumetria para a fachada neoclássica do edifício Casa de Engenho


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A moldura arredondada das janelas do edifício Casa de Engenho empresta acento mediterrâneo ao neoclássico


Para responder a esse desafio, buscaram-se referências mais antigas, nos portões e jardins dos “hô- tels” aristocráticos do século 18, que isolavam os edifícios das elites parisienses das ruas, reforçando sua exclusividade. Os portões serviam também para prover segurança aos moradores, cada vez mais temerosos de uma cidade que se descobria violenta. A ideologia moderna, que defendia a acessibilidade irrestrita, os térreos livres e os prédios sobre pilotis, tinha menos respostas a essa situação do que as soluções tradicionais.
Na década de 1970, Lindenberg trouxe ao mercado imobiliário uma outra solução de estilo: o me- diterrâneo. Em 1979, a propaganda do conjunto Parque dos Cisnes anunciava três edifícios em meio a um grande terreno verde, distribuídos de forma orgânica no espaço, fugindo da ortogonalidade que caracterizava tanto a arquitetura modernista quanto os edifícios neoclássicos de fachada disciplina- damente paralela à rua. O mediterrâneo propunha cantos curvos, portas em arco, janelas redondas, terraços também arredondados. Os edifícios eram brancos e se contrapunham a tudo o que o mercado oferecia: os revestimentos industrializados como as pastilhas, o concreto aparente, o austero ocre dos edifícios neoclássicos.
Na parte de dentro dos apartamentos a estrutura não se transformava na essência. Tanto os aparta- mentos neoclássicos como os mediterrâneos tinham grandes partes da casa reservadas às dependências de serviços. Os maiores apartamentos contavam com copas separadas das cozinhas, salas de jantar afas- tadas das salas de almoço e assim por diante. Se até a década de 1960 eram mais comuns os banheiros compartilhados, a década de 1970 foi a da generalização da suíte nos maiores apartamentos: cada quarto com o seu banheiro, e um banheiro só para a ala social, o lavabo. A racionalização das plantas permitiu a redução de alguns ambientes quando necessário, principalmente cozinhas, áreas de serviço e banheiros.
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Mas não foram apenas os edifícios de estilo mediterrâneo as estrelas da construtora na dé- cada de 1970. Outras experiências foram feitas. Pouca gente diria que aquele edifício de fachada moderna, na Rua Oscar Freire, o Edifício Villa Belfiori, uma combinação de tijolo e concreto aparente como acabamento, 22 apartamentos dúplex com mais de 300 metros quadrados e qua-
tro quartos, levava a assinatura Lindenberg. Do mesmo modo que os terraços desencontrados do edifício Capanema, projetado por Gian Carlo Gasperini especialmente para a Lindenberg, não denunciam quem está por trás de seu projeto, e nem aquele prédio de estilo colonial americano, na Alameda Casa Branca, com fachada de tijolo aparente, também é da CAL.


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Simetria e solidez são marcas registradas da Lindenberg, como no edifício Imperatriz Leopoldina


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O estilo da arquitetura americana clássica foi aplicado no edifício Casa Branca


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O calçamento de paralelepípedos arremata o estilo neoclássico do edifício D. Cristóvão Diniz, que teve a forma das colunas da fachada levemente modificadas, sem perder suas principais características


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