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Published by guiganes, 2022-03-23 18:27:07

dicas-de-mestre-2-biblioteca-elfica

dicas-de-mestre-2-biblioteca-elfica

DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Princesa Khan

Protagonista da série Outlanders, a princesa Kham tem sido um
espinho na vida de seu pai, o Imperador Quevas; já tinha idade para se
casar, mas era tão rebelde e teimosa que nenhum nobre na galáxia se-
quer pensaria em tê-la como esposa!

Um dia, entendiada, Kham resolveu acompanhar a expedição puni-
tiva que seria enviada para destruir os invasores do Planeta Sag rado -a
Terra. Desobedecendo ordens, como sempre, ela rumou para o campo
de batalha sozinha e usando apenas sua espada e armadura. Em meio
as ruínas de Tóquio ela se divertia matando soldados - quando encon-
trou Tetsuya Wakatsuki, um fotógrafo atrapalhado.

Naturalmente, Kham tentou matá-lo. Mas Tetsuya teve mais sorte:
não apenas sobreviveu, como também roubou a espada de Kham.
Enfurecida, mas também curiosa, Kham perseguiu e capturou Tetsuya.
No início o manteve como mascote, depois como amigo, e no fim aca-
bou totalmente apaixonada por ele.

Kham não se incomodava nem um pouco com o milhões de vidas
que seriam destruídas pelas naves imperiais - mas, por razões que ela
não conseguia entender, seu amado parecia "estranhamente aborreci-
do" com a destruição de todo o povo da Terra. Então ela resolveu pedir
ao pai para se casar com Tetsuya e assim decretar a paz entre os dois
povos.

Incapaz de aceitar outra maluquice de sua filha, o Imperador recu-
sou o pedido. Acostumada a ter tudo que queria, Kham ficou tão frustra-
da e fu riosa que resolveu iniciar um movimento rebelde contra o Império
Santovasku para proteger a Terra.

E assim, uma vilã é hoje nossa única esperança!

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XXII

Que os céus nos acudam!

Muito bem, agora você tem deuses e regras
para os clérigos de Arton. Mas será que
você sabe jogar com wn clérigo?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 52

Clérigos e sacerdotes. Talvez os personagens mais complexos
e propensos a problemas e discussões em RPGs de fantasia.

Sou RPGista há pelo menos dez anos - muito antes que a pró-
pria palavra "RPGista" fosse inventada! Em te mpos recentes, revi-
rando minhas antigas fichas de personagens de AD&D, descobri que
já joguei com um montão de guerreiros, uma verdadeira guilda de
ladrões e quase um time de futebol de magos. Isso sem mencionar
os personagens multiclasse e subclasses como rangers, paladinos,
bardos...

Mas só achei um clérigo.
Sacerdotes são personagens difíceis, por um motivo bem sim-
ples: falta de modelos. Quem aí consegue citar um herói clérigo da
literatura, cinema ou quadrinhos, em menos de 20 segundos? Para o
leitor desesperado, que não se lembrou de ninguém, um consolo -
l!U ta mbém não consegui . O único que me vem à lembrança é o bom
l! velho Frei Tuck, companheiro de Robin Hood. E mesmo ele não
tinha lá uma grande participação na história...

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DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Mas, afinal, o que é um clérigo? Pelo menos em AD&D e outros
RPGs de fantasia medieval (incluindo GURPS Fantasy, Tagmar e ou-
tros), considera-se que um clérigo ou sacerdote seja um homem san-
to, cuja fé em sua divindade é tamanha que ele chega a ser agraciado
com poderes divinos (bênçãos, melhor dizendo) como recompensa
por sua dedicação. Na prática, eles são um tipo diferente de mago -
com a diferença que recebem suas magias dos deuses, e precisam
retribuir esses poderes cumprindo certos votos. Como suas magias
são menos ofensivas (voltadas para a cura e proteção), clérigos cos-
tumam ter habilidade com armas superiores aos magos. Apenas em
AD&D os clérigos são mais detalhadamente explicados: em GURPS
você vai encontrar alguma coisa sobre magia clerical em GURPS
Magia e na matéria "Panteão", nesta edição.

Sacerdotes são divididos (grosseiramente) em dois tipos: aqueles
que protegem e cuidam da vida espiritual de seus seguidores (NPCs,
na maioria dos casos), permanecendo em pequenas vilas ou cidades;
e aqueles que se aventuram para pregar a fé em sua di vindade ou
cumprir seus votos, que geralmente incluem combater o mal, trazer
socorro aos aflitos, proteger os inocentes e coisas assim. Estes cos-
tumam ser personagens jogadores.

Pena que, no momento do jogo, alguns se esquecem da verda-
deira missão. Na visão limitada de muitos jogadores (e até Mes-
tres!), um clérigo é apenas um guerreiro que faz magias-aquele cari-
nho com poder de cura que todo grupo precisa ter, para renovar os
Pontos de Vida dos outros personagens. O jogador chega, agarra os
poderes clericais com água na boca e imediatamente esquece sua
devoção a um ser superior.

História

Então o personagem resolveu devotar sua vida a uma causa
maior. Certo. Mas por quê? Ele apenas saiu da cama, viu um belo
amanhecer e disse: "serei um clérigo do sol"?

Algo deve ter acontecido ao personagem para que ele acredite
no deus ou poder que escolheu. Talvez ele tenha conhecido um grande

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DICAS DE MESTRE II

paladino ou sacerdote e ficou impressionado. Talvez tenha recebido
uma visão (nem precisa ser uma visão verdadeira, apenas um pe-
queno engano que levou o futuro sacerdote a acreditar que teve uma
experiência sobrenatural). Ou então ele pretende continuar uma tra-
dição de família, tal como seu pai, avô, bisavô...

Nem sempre alguém se torna clérigo por causa de um único
evento ou razão isolados. Pode ser que ele apenas tenha crescido em
contato com um ambiente ou uma verdade que o faz diferente, me-
recedor dos poderes divinos. Se você foi criado por animais em uma
floresta, longe da civilização, tem grande chance de se tornar um
druida ou clérigo da natureza.

Outra idéia interessante seria tornar o personagem um tipo de
"escolhido" - alguém descrito nas profecias da ordem, destinado a
realizar um grande feito. Suas primeiras aventuras seriam testes para
confirmar que ele é "o escolhido", ou treinamentos para sua verda-
deira missão. Neste caso, o Mestre deve ter algo grandioso esperan-
do pelo personagem (e também pelo resto do grupo), algo que traga
grandes conseqüências para o mundo. Para melhor ou para pior...

Motivação

Clérigos de divindades que pregam o bem (ou que, pelo me-
nos, NÃO pregam o mal) normalmente se tomam aventureiros para
combater o mal e a injustiça no mundo. Eles tentam seguir os
ensinamentos e feitos dos grandes heróis de sua religião, como são
descritos nas escrituras sagradas da ordem - ou então eles desejam
SER esses grandes heróis! Outros participam de aventuras para ter
certeza de que os interesses da ordem sejam mantidos ou protegidos
- como os sacerdotes de deuses da natureza, que vagam pelas flo-
restas combatendo aqueles que as destróem. Você vai encontrar
muitas idéias sobre as motivações de um clérigo na matéria
"Panteão".

Um verdadeiro sacerdote, seja bondoso ou maligno, raramente
pensa em si mesmo em primeiro lugar. Ele é dedicado a um poder
superior, um ideal mais importante que seu conforto ou sua própria

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DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

vida. O clérigo serve voluntariamente à sua igreja, seu rebanho e
seu deus. Ele acredita com firmeza nessa forma de vida, acredita ser
o instrumento de um bem (ou mal) maior. Pode até parecer uma vida
severa demais, mas um sacerdote que não atingiu esse grau de devo-
ção simplesmente não recebe poderes divinos. Eis porque nem to-
dos os padres de AD&D têm magias: a maioria deles são apenas per-
sonagens de nível O.

A menos que os ensinamentos de sua divindade sejam especí-
ficos sobre conseguir riqueza (um deus do comércio, por exemplo),
um sacerdote nunca vai acumular bens materiais. Um verdadeiro
clérigo da natureza nunca levantaria sua maça contra lobos ferozes
sem antes tentar uma solução pacífica. E um sacerdote que encontra
uma pessoa ferida pelo caminho nem pensaria em "guardar suas
magias de cura para mais tarde".

Muitos li vros-suplementos importados de AD&D para clérigos
como The Complete Priest's Handbook, Faiths & Avatars e Powers
& Pantheons - têm regras explícitas sobre como os sacerdotes de-
vem se comportar. C laro, muitos jogadores vasculham esses livros e
escolhem este ou aquele deus apenas porque dá poderes melhores:
em Forgotten Realms, os mestres devem ser cautelosos contra os
extremamente apelativos clérigos de Mystra (que também podem
usar magias de mago!) e de Horus-Re, um clérigo com TODOS os
poderes de um paladino e MAIS ALGUNS! Absurdo!

Escolher um clérigo da guerra só porque ele tem as melhores
armas e armaduras tornam o personagem mais vazio, sem graça. Ele
não luta apenas por lutar - ele luta pela glória de seu deus ! Para ele,
guerrear é mais importante que viver. Isso significa que o clérigo da
guerra sempre vai procurar oportunidades de combate, MESMO QUAN-
DO ESTIVER EM DESVANTAGEM! Será que o deus da guerra fica con-
tente quando um de seus clérigos é o primeiro a fugir do dragão que
ataca os aventureiros? Ou quando ele perde tempo revirando os bol-
sos do oponente caído enquanto ainda há inimigos pela frente? Como
se vê, alguns parecem não se lembrar desses detalhes...

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DICAS DE M ESTRE II

Bom Senso

As outras pessoas vêem os sacerdotes como sábios, conhece-
dores de muitas verdades reveladas pelos próprios deuses. Seria bom
que os personagens clérigos confirmassem essa crença- afinal, aque-
la "Sabedoria 18" em sua ficha de personagem não está ali por nada.
Um clérigo deve ser o membro mais sensato, razoável e comedido
do grnpo, aquele que pensa em todas as conseqüências de seus atos.

As pessoas acreditam que os servos dos deuses sabem o que
deve ser feito, o que é certo ou errado. Aos olhos do homem com um,
sacerdotes são li vres (pelo menos em parte) dos defeitos e i111pcrfci
ções possuídos pelos outros, os pecadores. Então é natural que o
povo procure por sua orientação, em busca de esclareci mento e rcs
postas que ele não consegue encontrar.

Magos sabem muito, é verdade, mas geralmente guardam sua
sabedoria para si mesmos. Além disso, o conhecimento arcano cos-
tuma ser compl icado demais para os não-magos. Já o sacerdote sabe
explicar os grandes mistérios da vida com palavras simples, que o
homem comum consegue entender. Na Idade Média real, os sacer-
dotes eram o receptáculo máximo do conhecimento e das tradições.
Eles reproduziam, guardavam e escreviam praticamente todos os
livros que existiam. Não eram apenas bibliotecários, mas autorida-
des no assunto. Quando alguém queria aprender a ler, seria um pa-
dre ou monge aq uele que ia ensinar.

Então, se um personagem jogador esquece seu papel como sá-
bio e educador e só quer saber de espancar monstros... bem, é quase
certo que os de uses vão abandonar esse infeliz a qualquer momento.

Cerimônias e rituais

Em jogos de fantasia, onde clérigos esconjuram mortos-vivos
e curam com rn.agia, os sacerdotes têm outros papéis, muitas vezes
esquecidos. Não importa a que deus pertença, qualquer sacerdote
(até mesmo um clérigo da guerra ou da morte!) tem o conhecimento
e autoridade necessários para realizar cerimônias e rituais simples,

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DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

não-mágicos: casamentos, batizados, graças pela colheita, rituais
fúnebres (para impedir que um morto retome corno morto-vivo) e
outros.

Esses rituais são muito importantes para as pessoas comuns;
sem eles, suas almas estarão à mercê dos espíritos malignos que
infestam o mundo, suas colheitas não serão satisfatórias, os casa-
mentos não seriam felizes e coisas do gênero. Um sacerdote não
poderia nunca se negar a realizar esses rituais! São oportunidades
únicas para propagar sua crença, para espalhar os ensinamentos de
seu deus.

E esses ensinamentos, aliás, deveriam ser a linha de conduta
do personagem. Lembro-me bem de um amigo cujo personagem
não cessava de citar "A Sabedoria"; apenas frases improvisadas de
acordo com a circunstância, mas que supostamente estariam escri-
tas no livro da ordem como se fossem "moral da história". Essa tal
"Sabedoria" não ajudava em nada, porque o clérigo só as menciona-
va DEPOIS que alguma coisa saía errado. Mesmo isso, assim tornava
o personagem muito mais marcante.

Armas e magias

Clérigos sabem usar algumas armas e costumam usar armadu-
ras e escudos (geralmente limitados por sua divindade), mas isso
serve para refletir a natureza protetora do sacerdote. O "clérigo-
padrão" de AD&o não pode usar armas cortantes ou perfurantes,
por serem mais sangrentas e agressivas (e esmagar a cabeça de al-
gum infeli z com uma maça não é agressivo? Ah, deixa pra lá!).
Claro que há exceções, como o clérigo anão que não di spensa um
bom machado.

Embora saibam lutar melhor que os magos, clérigos-padrão
são protetores acima de tudo. Eles devem sempre tentar resolver
problemas de forma pacífica, sem ferir ninguém. Apenas quando
alguma coisa chega a ameaçar um inocente, ou aqueles que ele con-
sidera parte de seu rebanho, nesse caso o homem vira bicho! E le
prefere não entrar em uma briga, mas raramente foge de urna.

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DICAS DE MESTRE II

As magias divinas também refletem o aspecto protetor dosa-
cerdote. Além de cura, clérigos são especialistas em magias de pro-
teção. Os deuses sabem como seus servos se arriscam para cumprir
suas missões, e por isso protegem seus escolhidos contra tais agru-
ras. Um clérigo com relativo poder é um personagem difícil de ma-
tar, seja com armas, magias, monstros, forças da natureza e coisas
assim . Um jogador astuto, capaz de fazer uso inteligente das magias
divinas, pode tomar seu personagem quase indestrutível, como se
fosse um avatar ou enviado dos deuses.

Bem... de certa forma, ele é.
Mas cuidado! Como já foi dito, um clérigo não deve pensar
apenas em si. Embora muitas magias sejam protetoras, ele não deve
guardar todas mesquinhamente para si próprio. Deve usá-las para
atingir um grande objetivo, que salvará vidas (não necessariamente
a sua) ou resultará em um bem maior. Se o guerreiro do grupo é
aquele com maior chance de derrubar o lorde demônio, então ELE
deve receber aquela última e preciosa magia de Proteção ao Mal que
resta ao clérigo.
Sacerdotes que se entopem com magias de proteção e depois
desafiam oponentes para "uma luta justa, de homem para homem",
certamente não terão muita aprovação de seu deus. Então, não fique
surpreso se suas magias protetoras subitamente sumirem durante o
combate...

Superiores

Em cenários de fantasia, os deuses têm participação muito ati-
va nas tramas que envolvem o mundo e os personagens. Então, quem
melhor que um clérigo para motivar (positivamente ou negativa-
mente) essas participações? Um deus sempre pode aparecer pesso-
almente para castigar ou recompensar um sacerdote, de acordo com
o Mestre.

Mas é claro que os deuses são gente ocupada, têm outros afa-
1.eres além de advertir clérigos de 1° nível. Neste caso, será que um
clérigo pode ser rebelde "enquanto o deus não está olhando"? Ah,

157

DRAGÃO BRASIL ES PECIAL

mas tem um pequeno detalhe que todo mundo esquece; um sacerdo-
te não presta contas APENAS a seu deus - ele deve obediência a ou-
tros superiores aqui mesmo, neste m undo. A maioria dos clérigos
pertence a uma ordem, uma igreja; neste caso existe uma hierarq uia,
e ele deve seguir ordens, mandatos, mensagens e cartas de sacerdo-
tes com nível hierárquico maior. Este é um excelente recurso para
que o Mestre mantenha sob controle um personagem que está sain-
do da linha...

Além disso, toda ordem religiosa tem um superior máximo -
muitas vezes conhecido como o sumo-sacerdote. Ele é o clérigo mais
poderoso daquele deus no mundo. Uma vez que os deuses não são
vistos pessoalmente (pelo menos não o tempo todo!), então o su mo-
sacerdote passa a ser o representante direto dos deuses! Qualquer
clérigo deve lealdade total e completa ao sumo-sacerdote. Trair ou
rejeitar suas ordens é o mesmo que desafiar o próprio deus: um clé-
ri go que faça isso perde imediatamente seus poderes.

Os supe riores de um c lé rigo são excelentes motivadores para
manlcr um jogador fiel à interpretação e evitar que ele use os pode-
res di vi nos de forma errada.

Clérigo é dez!

Muito mais poderia ser dito sobre como jogar bem com um
clérigo . Ou melhor, como se DEVERlAjogar - pois muito RPGista por
aí só consegue ver as vantagens e poderes dos sacerdotes, despre-
zando o verdadeiro sentido do j ogo: representar um papel.

Esse tipo de coisa é deplorável com qualquer personagem, mas
especialmente com clérigos! Com suas crenças e devoções, um sa-
cerdote tem potencial de interpretação formidável. Aqueles que co-
nhecem a saga de Dragonlance (q ue os deuses do RPG tragam essa
série para o Brasil !) sabem do que estou falando: ali temos Goldmoon,
uma sacerdotisa, no time dos heróis - e um dos mais memoráveis
vilões da história é Lord Verminaard, um clérigo. E não vamos es-
quecer que o arqui vilão supremo do mundo de Tormenta é nosso
conhecido Mestre Arsenal, o sumo-sacerdote da guerra !

158

DICAS DE MESTRE II
Dificilmente um guerreiro ou ladrão tem uma personalidade
ou objetivos tão definidos qu anto um clérigo. Sacerdotes têm justi-
ficativas muito boas para se aventurar, para andar em grupo mesmo
quando são poderosos e poderiam dispensar a ajuda de outros. Eles
seguem ordens de sua divindade, e isso basta.
Às vezes, as explicações simples são as melhores. Amém.

Rogério "Katabrok" Saladino
("Aquele-que-!ouva-o-Sen hor-no-cu mc-

d a-m ais-alta- montanha " )

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XXIII

Morte

Nem sempre a morte dos heróis pode ser evitada.
Então, saiba como aproveitá-la!

Artigo publicado na Dragão Brasil# 52

Todos os jogos de RPG, como hoje são conhecidos, não nasce-
ram do nada. Eles evoluíram a partir de um outro gênero de jogo: os
wargames - jogos de estratégia, com exércitos de miniaturas se en-
frentando em tabuleiros gigantescos, simulando terrenos e fortifica-
ções. O objetivo era sempre tomar posições estratégicas, conquistar
territórios e, sobretudo, liquidar o exército inimigo. Nada de inter-
pretar personagens, nada de faz-de-conta; apenas vencer o oponen-
te, corno em qualquer outro jogo.

Quando o RPG surg iu, em 1974, era natural que restassem al-
guns resquícios dos wargames. Agora não havia mais um outro jo-
gador do outro lado da mesa para controlar os "exércitos inimigos".
Havia o Mestre, que representava não só os inimigos, mas todos os
personagens ou criaturas a serem encontrados pelos jogadores. ·oen
tro do raciocínio do wargame - e considerando que as primeira!!
aventuras de RPG eram puramente baseadas em "matar-pilhar-dcs
truir" -, era natural que mestres e jogadores vissem uns aos outmM
como inimigos mortais. O objetivo dos jogadores era superar oM

160

DICAS DE MESTRE II

desafios impostos pelo Mestre - e o objetivo do Mestre era tentar
matar os personagens!

Um exemplo que reflete claramente esse raciocínio é o jogo de
tabuleiro Hero Quest, lançado no Brasil pela Estrela há alguns anos.
Servindo como uma introdução ao RPG, Hero Quest era na verdade
um wargame rudimentar. Um dos jogadores assumia o posto de
Zargon, controlando as armadilhas e monstros da masmorra. O
Zargon pode até ser parecido com um Mestre de verdade, mas seu
objetivo não era apenas conduzir a aventura - ele real mente joga
para vencer, joga para destruir todos os aventureiros!

Hoje os tempos são outros. Com muitas opções além das anti -
gas masmorras, que compunham os únicos cenários disponíveis na
época do nascimento do RPG, jogadores e Mestres têm consciência
de que é preciso trabalhar em conjunto para ter uma boa aventura.
Mais do que oferecer desafios aos jogadores, o objetivo do Mestre é
oferecer diversão.

Mesmo assim, dentro de uma aventura, existe sempre um ou
outro momento crucial em que a vida de um personagem se encon-
tra por um fio. Sua vida está exclusivamente nas mãos de UMA pes-
soa. O Mestre.

O que fazer em um momento desses? Como o Mestre deve
lidar com a vida e a morte dos personagens j ogadores? Como apro-
veitar seu potencial dramático?

Nível de periculosidade
(ou qualquer nome técnico mais interessante)

Antes de decidir sobre matar ou não matar um aventureiro, o
Mestre deve ter uma coisa sempre em mente: o personagem é como
um filho para o jogador.

Construir um personagem consome tempo, esforço e imagina-
t;ão por parte do jogador; invariavelmente, e le acaba se apegando à
sua obra - e ficará ainda mais apegado com o transcorrer das aven-
turas, quando seu personagem coleciona façanhas espertas, heróicas
ou simples golpes de sorte ("Lembra quando cortei uma das cabeças

161

DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

do Demogórgona?"). Quanto mais tempo de campanha o jogador
tiver com o personagem, maior a probabilidade de frustração e re-
volta caso esse personagem morra. O Mestre deve sempre conside-
rar esse fator quando determina o "nível de periculosidade" de sua
aventura.

Medir o nível de perigo da aventura e alertar os jogadores an-
tes de iniciá-la é uma boa maneira de evitar a frustração decorrente
da morte de um personagem querido. Quando uma aventura é muito
perigosa, avise o grupo antes ("Olha aí, uns dois ou três de vocês
podem morrer hoje!"). Assim, prevenidos, os jogadores podem es-
colher participar com personagens de menor importância - ou então
construir personagens novos especificamente para essa aventura. E
se mesmo assim eles resolverem jogar com seus personagens habi-
tuais, o Mestre estará isento de qualquer responsabi lidade.

Uma campanha com alto nível de risco pode exigir que os jo-
gadores tenham uma espécie de "banco de reserva". Caso ocorra
uma morte, o jogador escolhe outro personagem do "banco" e con-
1i11ua na campanha. Este tipo de estratégia era recomendada e utili-
í',adn no caixa básico de Dark Sun, um dos mais mortíferos cenários
para AD&D: s uas regras aconselhavam que cada jogador tivesse pelo
menos quatro fichas de personagens prontos.

Para saber qual o nível de perigo de sua aventura, o Mestre
deve "dissecá-la" com cuidado. Estude os monstros e seus poderes:
muitos podem parecer fracos em seus atributos, mas às vezes têm
algum poder especial capaz de matar ou incapacitar um persona-
gem. Um bom exemplo é o cocatriz, uma mistura de galo, lagarto e
morcego, descrito no Livro dos Monstros AD&D: o dono de seu ata-
que é ridículo (apenas ld3), mas o toque de seu bico provoca
petrificação!

Considere também a dificuldade da missão a ser cumprida. In-
vadir um covil de kobolds para resgatar um amuleto é, sem dúvida,
bem menos perigoso que atravessar o exército goblinóide de Thwor
lronfist em busca de informações. É preciso que o Mestre observe
cada ponto-chave de conflito no aventura para só então determinar
seu veredicto.

162

DICAS DE MESTRE II

Evitando a morte

Nem sempre, entretanto, o Mestre pode prever todos os peri-
gos da aventura. É normal esquecer pelo menos um ou dois pontos .
Além disso, os personagens podem tomar rumos inesperados que
levem a caminhos ainda mais arriscados. Nesses casos pode aconte-
cer o que poderíamos chamar de "morte ocasional".

A morte ocasional é quando um personagem morre em alguma
circunstância que poderia ser facilmente evitada. Figuras como um
guerreiro de 7º nível que consegue uma seqüência infeliz ao rolar os
dados contra cinco ores, ou um grande ladrão presenteado com uma
falha crítica ao tentar saltar de um prédio para outro... ambos podem
ser vítimas da morte ocasional.

Embora esse tipo de coisa aconteça em campanhas realistas,
em campanhas herói cas isso deve ser evitado a todo custo. Imagine
o personagem de Bruce Willis morto pela prime ira rajada de balas
em Duro de Matar. Ou então Indiana Jones esmagado pela grande
bola de pedra logo no comecinho de Caçadores da Arca Perdida.
Ora, heróis são pessoas acima da média que se superam a todo mo-
mento e têm, principalmente, a sorte ao seu lado. No caso do RPG, a
sorte é o Mestre.

Se for preciso trapacear para evitar a morte ocasional de um
personagem importante, faça-o! Reduza bruscamente os Pontos de
Vida do monstro, ou troque-o por outro mais fraco. Vale até trans-
formar aquele sucesso decisivo do inimigo em falha crítica.

O mais importante é evitar que os jogadores percebam isso.
Esconda bem suas trapaças atrás do escudo. Proteja-os, mas não
diga nada. Se eles notarem que estão imunes a "mortes vulgares'',
você terá nas mãos um bando de loucos que saltam pelas janelas ou
sobre os prédios sem nenhum motivo!

Morte voluntária ou sacrifício

Em certos mome ntos, a morte pode ser interessante tanto para
o Mestre quanto para os jogadores. Como regra geral, se a morte de

163

DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

um personagem acrescenta algo novo à campanha ou aventura, en-
tão ela é válida. Estas são as mortes heróicas, quando o herói se
sacrifica por um bem maior - e, embora muitos se esqueçam, os
heróis FAZEM esse tipo de coisa!

Qualquer jogador que toma a decisão de sacrificar seu perso-
nage m deve ser recompensado. Se um herói deu a vida para salvar
seus companheiros, ou tombou corajosamente em batalha diante de
um grande vilão que ele não tinha nenhuma chance de vencer, o
Mestre deve dar importância ao sacrifício. Do contrário, o jogador
ficará frustrado - e com razão.

Se a aventura terminar ali e ninguém nunca mais se lembrar de
"Ferrin, o guerreiro que venceu a batalha contra o Deus Serpente no
monte Mordmar", então o jogador terá motivos de sobra para se
chatear. Mas, se o Mestre é atento, o "Lendário Ferrin" nunca mais
será esquecido. A morte e as façanhas de nosso guerreiro poderão
ser cantadas pelos bardos através de gerações e gerações. O próprio
monte onde ocorreu a batalha poderia receber o nome de Ferrin em
honra ao grande herói.

Agindo assim o Mestre estará recompensando o jogador, fa-
zendo com que seu personagem seja parte do cenário e da história
do mundo onde ele joga. Será gratificante para o jogador passar por
aquela montanha outra vez e reconhecer ali o nome de seu maior e
mais precioso herói.

A morte como punição

Sendo direto e pouco polido : às vezes jogadores são estúpidos.
Certos tipos preferem procurar sempre o caminho mais difícil e pe-
rigoso para realizar atos simples. Outros apenas têm certa fixação
por arranjar encrenca.

Geralmente isso ocorre quando o jogador acha seu personagem
invencível, tão poderoso que não pode ser derrubado por nada que
existe no Livro dos Monstros; ou então pensa que, em nome da diver-
são, o Mestre nunca vai matar seu herói por mais que ele se exponha
a riscos estúpidos. Nessas horas a morte pode servir como punição.

164

DICAS DE MESTRE II

Claro que mesmo uma "morte punitiva" não deve ser comple-
tamente arbitrária ou sem lógica ("um raio cai do céu e transforma
você em poeira'', gargalha o Mestre). É preciso uma leve dose de
sutileza. Se um encrenqueiro insiste em procurar briga na taverna,
deixe-o espancar o NPC mais inofensivo. O brigão vai se sentir o
máximo, contando vantagem para seus companheiros... pelo menos
até a chegada do irmão guerreiro de 14° nível daquele NPC! Em
situações semelhantes já presenciei um elfo perder as orelhas ao
arranjar encrenca na rua, e um guerreiro ser crivado de flechas por
insistir em atravessar um território sitiado.

Nestas circunstâncias seja implacável. Não trapaceie nos da-
dos para favorecer o jogador. É preciso que o grupo saiba: atos estú-
pidos resultam em mortes estúpidas.

Ressurreição

Alguns RPGs, principalmente AD&D, apresentam a ressurrei-
ção como alternativa quando acontece a morte de um personagem
impo1tante. Por outro lado, se mal empregada, esta ferramenta aca-
ba vulgarizando a morte e tirando seu potencial dramático.

Justamente por acontecer raramente, a morte deve ter sua im-
portância preservada. Que valor teria o sacrifício do "lendário Ferrin"
se ele pudesse ser facilmente ressuscitado no dia seguinte? Então,
caso você queira usar a morte como ferramenta dramática, é preciso
dosar e limitar a possibilidade de ressurreição.

Tornar a ressurreição algo raro e/ou extremamente dispendioso
são boas alternativas, que podem transformar esta "simples" busca
em uma campanha completa. Talvez os heróis precisem lutar na are-
na para conseguir dinheiro e pagar o clérigo que devolverá à vida
um amigo querido. Ou talvez a ressurreição esteja nas mãos de um
único mago misterioso ("Aaaah, Mister M !"). As alternativas são
inúmeras.

Não elimine completamente a possibilidade de ressurreição.
Mas tente aproveitá-la sem desvalorizar a morte de um persona-
gem. Siga nossos conselhos com moderação e bom senso, adicio-

165

DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

ne suas próprias observações e tenh a muito cuidado. Afinal, a vida
é urna só.

J. M. Trevisan
(esperando Star wars - Episódio!, mesmo
sabendo que no final o Darth Mau! morr...ops !)

166

XXIV

A interpretação do mal - II

Voltamos a um tema polêmico:
o uso de personagens jogadores malignos

Artigo publicado na Dragão Brasil# 54

Aqueles que acompanham esta adorável revista desde seu pri-
meiro ano devem se lembrar de um artigo publicado na edição de
número doze na hoje famosa seção "Dicas de Mestre". Não?

A matéria refletia sobre os aspectos morais e dificUldades de
jogar com personagens nitidamente malignos. A conclusão: só ex-
perimente se estiver REALMENTE preparado para isso. Ou seja, só
jogue com personagens maus se você tiver plena consciência de que
realidade e RPG são coisas completamente diferentes. Se você acha
que assaltar um banco é divertido no RPG e não vê maldade nenhu-
ma em tentar isso de verdade "qualquer dia destes", é melhor parar
por aqui e procurar uma leitura mais saudável e singela - como O
Pequeno Príncipe, por exemplo. Usuários de camisa de força tam-
bém deveriam seguir o mesmo conselho, pois ambos têm muito em
comum...

Pensando nas pessoas normais e sensatas, resolvemos que se-
ri a interessante aprofundarmo-nos mais no tema e fornecermos al-
gumas idéias, ferramentas para que aqueles que pretendem interpre-
tar personagens malignos possam fazê-lo de maneira efic iente.

167

DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Bem e Mal

MANIQUEÍSMO: Doutrina do persa Mani ou Manes (séc. J11)
que serviu de base para a criação de uma seita religiosa que teve
adeptos na Índia, China, África, Itália e sul da Espanha, segundo a
qual o Universo foi criado e é dominado por dois princípios antagô-
nicos e irredutíveis: Deus, ou o bem absoluto, e o Diabo, ou o mal
absoluto. Resumindo, o maniqueísmo d iz que existe apenas o bem e
o mal, sem meio-termo. É o famoso preto no branco, sem tons de
cinza. O que não é bom é mau, e vice-versa. Ponto.

Sabemos que a realidade não é assim. Não é como em quadri-
nhos de super-heróis ou desenhos animados, onde cada um precisa
necessariamente ser herói ou vilão, "do bem" ou "do mal". Não exis-
tem pessoas totalmente boas ou totalmente más - todos temos um
pouco de ambos. Na vida real, mesmo as pessoas mais sacanas têm
algo de bom. Só para citar um exemplo, um dos maiores assassinos
Sl'ii:tis dos Estados Unidos também trabalhava como palhaço, ani-
1111111do crianças cm hospitais.

C'faro que isso é vida real. Na ficção, nem sempre precisamos -
o u qucn;mos - ficar presos à vida real. Em filmes, quadrinhos e
RPG, o maniqueís mo é amplamente utilizado, uma forma fácil e con-
fortável de dividir todas as forças e criaturas em dois times.

Maniqueísmo e RPG

Em jogos mais modernos - como Kult, Trevas, Vampiro e seus
derivados - não percebemos tanto a presença maniqueísta. Claro,
você sabe exatamente quem são seus inimigos (o Sabá, a Wyrm, a
Tecnocracia... Whatever), mas HÁ exceções.

Em Vampiro, por exemplo, existem os membros da Camarilla
(aqueles normalmente destinados a personagens jogadores) e do Sabá
(os inimigos). A Camarilla é vista como sensata e ponderada, bus-
cando a ordem, preservando o que resta de sua humanidade - en-
qu anto os Sabás, totalmente caóticos e desumanos, se opõem a isso.
O que não significa necessariamente que a Camarilla seja "do bem"

168

DICAS DE MESTRE II

e o Sabá "do mal", eles são apenas antagonistas. Um vampiro parti-
cular da Camarilla pode ser dez vezes mais cruel e desumano que
um membro do Sabá, por exemplo. E mesmo membros do Sabá po-
dem ter justificativas plausíveis para seu comportamento tido como
anormal.

Já o jogo AD&D, mais antigo, é basicamente maniqueísta. Seu
tema sempre foi a luta do bem contra o mal - quem conhece
Dragonlance, por exemplo, sabe exatamente do que estamos falan-
do. Para seus jogadores existem apenas personagens "heróicos" como
clérigos, paladinos, magos e outros que lutam pelo bem. Até os la-
drões aventureiros passaram a ser "do bem" . Magos necromantes,
vampiros, demônios, ores e monstros em geral são proibidos para
jogadores: eles serão sempre antagonistas, e apenas o Mestre pode
controlá-los. "Mas eu podia ser um guerreiro humano maligno", al-
guém sugere. Não, porque em AD&D existem também as tendências
(ou alinhamentos): ordeiro, caótico, bom, neutro e mau, em combi-
nações diversas. De modo geral, personagens jogadores costumam
a ser "ordeiros" e/ou "bons"; os " maus" são rejeitados pelo Mestre.

Mas por quê? Afinal, se o maniqueísmo não corresponde à vida
real, por que cargas d' água um jogador consciente não pode ter um
personagem maligno?

O mal é encrenca!

Mestres costumam proibir personagens jogadores malignos,
geralmente baseados em conselhos dos livros de AD&D. Mas, além
dos problemas sobre estarem ou não preparados para isso, alguns
não conhecem exatamente a razão. E não se trata apenas de ser bom
ou mau, certo ou errado. Trata-se de prejudicar a aventura - e isso
não vale apenas para AD&D, mas para qualquer outro jogo.

Um dos maiores problemas de um Mestre é manter o grupo
unido em um objetivo comum. Sim, claro que ele tem poder para
isso ("Vocês vÃO seguir naquela direção porque NÃO TEM outro ca-
minho!"), mas se abusar desse poder os jogadores vão se sentir pri-
vados de sua livre escolha- e acaba a diversão. Narradores de Vam-

169

DRAGÃO BRASTL ESPECIAL

piro são especialmente atormentados por esse dilema: Mark
Rein•Hagen incentiva os jogadores a criar personagens únicos, com
sua própria história, personalidade e objetivos pessoais. Ok, fica
bonito, fica legal.. mas agora temos um Toreador que tenta se vingar
do Príncipe, um Nosferatu apaixonado por uma Sabá, um Gangrel
preso a um Tremere por um Laço de Sangue... E haja malabarismo
do Nan-ador para criar uma trama que coloque todos esses caras tão
diferentes indo na mesma direção. Problema dele, né, tio
Rein•Hagen?

Provavelmente vocês já entenderam o recado. Personagens
heróicos trabalham juntos, colaboram entre si, têm objetivos comuns
(destruir monstros, proteger os fracos e inocentes, eliminar o mal...).
Personagens malignos só pensam no próprio bem-estar, só estão in-
teressados em seus próprios objetivos, e danem-se os outros. Então,
obviamente, é muito mais fácil para o Mestre condu zir uma aventu-
ra apenas com personagens do bem.

Dessa forma, o segredo para jogar com um personagem malig-
no é: colabore com o Mestre.

Objetivos iguais

Se um aventureiro é bom ou mau, isso não importa tanto para o
Mestre. Importa, isso sim, se ele tem interesses e objetivos iguais ao
resto do grupo.

Mas como um cara mau poderia querer a mesma coisa que um
bando de caras bons? Por que meu ladrão assassino ninja deveria se
importar em resgatar uma jóia preciosa para os clérigos de Lena, a
Deusa da Vida? Por que meu bárbaro colecionador de orelhas hu-
manas ajudaria a derrubar um governante tirano e libertar um povo
oprimido?

A primeira coisa é esquecer os estereótipos de vilões dos qua-
drinhos e desenhos animados - aqueles que estão sempre tentando
destruir ou atormentar os heróis, sem motivo nenhum, mesmo que
não saiam ganhando nada com isso. Patético! Só porque você é um
cara mau, não quer dizer que PRECISA combater ou destruir os caras

170

DICAS DE MESTRE II

bons (a menos que e les interfiram com seus planos, é claro). Na
verdade, mesmo sendo mau, você ainda pode ser um companheiro
fiel e prestativo.

A chave é dar ao personagem maligno um motivo, uma razão
para andar com os caras bons. Digamos que aquela tal jóia preciosa
seja, na verdade, um poderosíssimo artefato confiado ao templo de
Lena para ser protegido. Bem, talvez seu personagem seja um la-
drão contratado para roubar a jóia; neste caso ele acompanha o gru-
po de aventureiros e, no último instante, rouba o artefato e desapare-
ce. Mas para isso, antes ele teria que acompanhar o grupo e mostrar
lealdade - não apenas para preservar seu disfarce, mas também por-
que é mais vantajoso ter a ajuda de uma equipe.

Um bandido infiltrado faz exatamente o contrário do que se
espera de alguém maligno : tenta ser legal, aj uda sempre que preci-
so, e pode até salvar a vida de seus "companheiros" se a chance
aparecer. Tudo para ganhar a confiança de todos... até o momento
final , quando ele revela seus verdadeiros objetivos. Faça tudo direi-
tinho e você se diverte, o Mestre ganha mais material para trabalhar
a aventura, e os outros jogadores ganham um clímax e uma surpresa
extra naq uela missão que parecia ter sido bem sucedida.

Não tão mau assim...

E já que estamos mesmo fugindo do maniqueísmo, uma outra
idéia seria dar ao seu personagem maligno um "lado bom".

Como fazer isso? Talvez você seja um assassino mercenário
contratado para matar o grupo, mas acabou se apaixonando pela
linda elfa arqueira que acompanha os heróis - ele não ficou bonzi-
nho de repente, mas encontra-se em um dilema e por enquanto vai
colaborar. Ou talvez você seja um cavaleiro honrado, um vilão de
palavra, e teve a vida salva pot um dos heróis; agora existe uma
dívida de honra, e você precisa acompanhar o grupo até ter a chance
de devolver o favor.

Nestes casos, não haveria problemas em ser um cara mau -
basta que não seja totalmente mau. Em AD&D, você poderia esco-

171

DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

lher um personagem de tendência Egoísta (neutro e maligno): você
é egoísta e interesseiro, buscando seu próprio bem estar acima de
qualquer coisa (e tem coisa melhor que andar com clérigos e paladi-
nos capazes de curá-lo?). Ou você pode ser Vil (leal e maligno),
alguém maligno mas preso a um código de honra. Você geralmente
não mente, cumpre suas promessas e salda suas dívidas. Evite ape-
nas a tendência Cruel (caótico e maligno): este personagem é total-
mente mau, vilão até os ossos, e não tem absolutamente NENHUM
motivo para concordar ou colaborar com os heróis. Guarde este ali-
nhamento para os vilões de verdade.

Jogadores e mestres experientes e conscientes não encontram
problemas em usar personagens malignos - especialmente quando
eles acrescentam algo à campanha e não atrapalham o grupo. Tudo
depende da habilidade e boa vontade de todos. Mas uma coisa deve
ficar clara: que ninguém se atreva a esfregar este artigo na cara do
Mestre para que ele autorize personagens malignos. Não importa se
ele o faz por razões morais, pessoais ou práticas: o Mestre sempre
tem a palavra final.

J. M. Trevisan & Paladino

172

DICAS DE MESTRE II

Kilgan: um herói do Mal

Eis aqui uma sugestão para um personagem jogador maligno que
não vai contra os interesses do grupo, não vai trair seus colegas e nem
atrapalhar muito o Mestre...

Kilgantargalogh foi um poderoso dragão verde de Arton, que desde
antes da Grande Guerra espalhava terror sobre Lamnor. Um dia, duran-
te uma caçada rotineira, ele atacou o que parecia ser apenas uma elfa
solitária. Na verdade era Glórienn, a deusa dos elfos, que visitava o
mundo como avatar. Como castigo, ela transformou Kilgan em um hu-
mano comum, sem poderes, guardando apenas lembranças (nenhum
conhecimento útil, somente algumas memórias, suficientes para lembrá-
lo de tudo que perdeu).

Kilgan ainda odeia e despreza todos os humanos e semi-humanos
- mas ele entende que agora é muito mais fraco e vu lnerável. Fazendo-
se passar por um aventureiro comum , ele participa de missões na espe-
rança de encontrar uma forma de voltar ao normal. Por enquanto, ape-
nas por enquanto, ele vai ajudar seus companheiros. Talvez decida poupá-
los quando recuperar sua forma de dragão. Talvez...

173

xxv

Mascotes

Como dar bichos de estimação para seus heróis

Artigo publicado na Dragão Brasil# 55

Ash, Misty, Brok... com toda essa febre Pokémon, está voltan-
do à moda um tipo de herói que andava meio esquecido. O herói que
é um ser humano comum, sem grandes habilidades de combate,
magias ou superpoderes de qualquer tipo... mas que conta com a
amizade de um animal ou criatura fantástica.

Especialmente nas décadas de setenta e oitenta, muitos astros de
filmes, quadrinhos e desenhos animados eram garotos que se torna-
vam amigos de algum bicho estranho. As variantes eram muitas: des-
de o antiqüíssimo Dino Boy (nos intervalos de Space Ghost) até a
clássica parceria com um robô gigante, como em Robô Gigante e
Frankenstein Júnior. Tínhamos também Os Herculóides, sobre uma
família tribal que tinha como bichos de estimação um dragão, um
rinoceronte blindado, um gigante de pedra e duas... hã... amebas bron-
cas ou coisa assim. Ora, urna geração inteira de desenhos se baseava
em grupos de jovens detetives com alguma mascote mais ou menos
estranha, no melhor estilo Scooby-Doo. E como esquecer Gamera, a
tartaruga gigante esp ac ial matadora de monstros e amiga das
criancinhas? (Hmm... pensando bem, ISSO eu gostaria de esquecer...)

174

DICAS DE MESTRE II

Pena que poucos jogadores pensam nesse tipo de coisa ao cons-
truir seus personagens. Um companheiro animal pode tornar um herói
muito mais interessante e marcante (afinal, o que seria de Ash sem
Pikachu?), e também levar a situações memoráveis na mesa de jogo.
E além de um recurso extra para o jogador, uma mascote também
permite ao Mestre ter um controle maior sobre o personagem.

Existem dois tipos básicos de mascote para um personagem
jogador: um companheiro ou ajudante, ou um monstro poderoso.

Mascote menor: Gabrielle, escove o Argo!

No primeiro caso, o personagem jogador ainda é um herói com
suas próprias habilidades de combate- e o animal é apenas um aju-
dante ou companheiro. Em cenários de fantasia medieval, o exem-
plo mais típico são os magos e seus familiares: quem não conhece a
clássica figura do mago ou bruxa sempre acompanhado por um gato
preto, corvo, coruja, serpente ou outro bicho agourento? Em AD&D,
uma das mais básicas magias arcanas (de 1° círculo) chama-se Con-
jurar Familiar, e permite ao mago invocar uma dessas criaturas. Per-
ceba que os familiares são animais pequenos e pouco ofensivos, usa-
dos para tarefas menores como espionagem ou recuperação de obje-
tos. Um mago que usa seu familiar em combates não vai conservá-
lo por muito tempo...

Existem, contudo, companheiros mais combativos. Entre os kils
oferecidos pelo suplemento Livro do Guerreiro está o Domador de
Feras, um guerreiro bárbaro fortemente ligado a um animal. A liga-
ção é tão poderosa que eles podem se comunicar mentalmente, e um
sempre sabe onde o outro está. O tipo exato de animal depende da
aprovação do Mestre, mas será sempre mais perigoso que um sim-
ples familiar: um búfalo, urso, lagaito-gigante, tigre ou até um grifo
ou dragão .

A maioria dos RPGs não tem problemas para lidar com masco-
tes menores. Em GURPS, um capítulo inteiro do Módulo Básico é
dedicado a animais, incluindo formas de possuir bichos treinados.
Em Storyteller, além dos clássicos animais carniçais dos vampiros.

175

DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

o único título com regras claras para companheiros animais é Street
Fighter: o jogo de RPG. Ali existe o Antecedente Mascote, que pode
ir de 1 (um animal comum, manso e bem treinado) até 5 (um animal
único no mundo, ligado misticamente ao dono). E em 3D&T uma
mascote pode ser possuída simplesmente através de Vantagens como
Aliado ou Parceiro.

Mascote maior: chamem Godzilla!

O outro caminho para o jogador que deseja uma mascote é
muito mais ousado: você escolhe como personagem jogador uma
pessoa sem poderes, totalmente não combativa, mas com um amigo
monstro muito poderoso - a clássica fórmula "garotinho e seu
dinossauro". Veja bem, ele não PRECISA ser um garotinho; isso é
apenas um estereótipo comum. Pode ser qualquer pessoa normal,
sem poderes.

Esse não é um tipo de personagem muito comum em RPG. A
maioria dos jogadores prefere heróis que possuam seus próprios
poderes, em vez de assumir papéis de "heróis fracos" que dependem
de suas mascotes. Isso é uma grande bobagem, uma evidente inse-
gurança e falta de ousadia. Pokémon é a prova de como essa fórmu-
la pode ser atraente.

Infelizmente, poucosjogos têm regras eficientes para lidar com
mascotes MAIS poderosas que os personagens jogadores. Para GURPS,
na antiga revista Só Aventuras #7, apresentamos uma matéria sobre
monstros companheiros: a idéia se baseava em comprar um animal
ou criatura fantástica como Aliado, por um elevado custo em pon-
tos. O custo podia variar desde um diabo-da-tasmânia ou wolverine
(-20 pontos) até um tiranossauro (50 pontos) ou mesmo uma bionave
metaliana (350 pontos). Esse custo básico leva em conta uma par-
ticipação normal em aventuras (resultado menor ou igual a 9); para
um companheiro constante, que esteja sempre por perto, o custo é
triplicado. Havia também uma nova vantagem, a Ligação Natural,
que podia imitar a ligação sobrenatural do Domador de Feras de
AD&D (veja o quadro).

176

DICAS DE MESTRE II

Na maioria dos casos, o melhor mesmo é esquecer as regras.
Em Pokémon para 3D&T, por exemplo, usamos uma pontuação bai-
xa para os personagens jogadores e um único Pokémon inicial, sem
nenhum custo em pontos: a única forma de ganhar mais deles é em
campanha. Você NÃO pode construir seus próprios Pokémon ou
comprá-los com pontos. Acreditem, isso poupa todos de um monte
de problemas.

Em resumo: faça um personagem humano normal, sem pode-
res (qualquer RPG tem regras para isso) e peça ao Mestre para ter um
monstro poderoso. Faça algumas sugestões, mas deixe que ele faça
a escolha final - e não fique surpreso se o Mestre mostrar certa
generosidade inesperada, presenteando ojogador com um dinossauro,
dragão ou gorila gigante!

À primeira vista, pode até parecer apelação quando um jovem
limpador de estábulos ganha um dragão de estimação - mas na verda-
de esse jogador está mostrando um bocado de coragem. Afinal, sua
arma mais poderosa está inteiramente nas mãos do Mestre (acima de
tudo, o dragão ainda é um NPC), e ele nem sempre estará disponível.

Perceba que esse tipo de coisa só vai funcionar direito em gru-
pos experientes, nos quais existe confiança mútua: se o Mestre gos-
ta de "sacanear" seus jogadores e pretende sumir com a mascote no
primeiro minuto da aventura, isso não vai dar muito certo.

Prometo que vou cuidar dele!

O Mestre deve estar atento aos heróis desleixados com suas
mascotes. Note que alguns jogadores usam seus bichos como puro
recurso estratégico, apenas uma arma extra em combates - e não
deveria ser assim. É muito fácil escrever "pantera negra" ansiosa-
mente na ficha de personagem, anotando o dano de suas garras e
presas, mas esquecendo de dar-lhe um nome! Se você só lembra de
sua mascote quando os inimigos aparecem, o Mestre pode puni-lo
com a desobediência, fuga ou mesmo a morte do animal.

Se você quer a lealdade de um bicho de estimação, antes preci-
sa oferecer sua própria lealdade em troca. Não coloque seu animal

177

DRAGÃO B RASIL E SPECIAL

em perigo sem necessidade (afinal, um amigo leal assume os riscos
ele próprio). Insista que seu amigo também deve dormir dentro da
barraca, ou então durma com ele lá fora. Brigue com o taverneiro
que não deixa sua mascote entrar na taverna. E quando não estiver
fazendo nada, comece a escovar o pêlo ou crina do bicho. Mascotes
são excelentes para dar ao personagem um colorido extra, uma cole-
ção de chances para momentos dramáticos (ou engraçados).

E não custa lembrar uma coisa. Não importa quão bem treina-
da seja sua mascote, não importa quantos pontos você gastou para
possuí-la. Uma mascote será SEMPRE um NPC, um personagem do
Mestre. ELE decide os atos da mascote - incluindo sua decisão de
sumir para sempre quando seu dono insiste em lançar um texugo
sozinho contra um bando de trolls...

Paladino

Ligação natural

Esta é uma vantagem para GURPS e 3D&T que serve para imitar a
ligação sobrenatural do Domador de Feras de AD&D.

Você tem uma ligação poderosa e sobrenatu ral com um animal ou
criatura. Os dois foram destinados um ao outro desde que nasceram.
Este animal jamais vai atacá-lo, e será capaz de sacrificar a própria
vida para proteger o companheiro - que, por sua vez, vai retribui r essa
prot eção .

Se estiverem dentro do mesmo campo visual, vocês podem perce-
ber os pensamentos um do outro; são capazes de se com unicar sem
nenhum sinal aparente, e sem a necessidade de treinamento ou ades-
tramento. Fora do campo de visão, vocês podem apenas sentir emo-
ções gerais. Um sempre saberá em que direção e distância pode encon-
trar o outro, não importa quão distantes estejam.

178

XXVI

O peso da honra

Então você pegou -4 pontos em Código da Honra?
Ah, coitado...

Artigo publicado na Dragão Brasil# 55

Assim como em GURPS, um personagem de Defensores de Tó-
quio - 3ª. Edição é feito com pontos. O jogador pode usar esses
pontos para comprar Atributos (Força, Habilidade, Resistência, Ar-
madura e Poder de Fogo) ou uma série de Vantagens especiais, que
mudam dependendo do gênero da aventura. Existem também as
Desvantagens, que - novamente como em GURPS - concedem pon-
tos extras para gastar.

Normalmente é permitido a um jogador possuir até três Des-
vantagens de qualquer valor. Até recentemente, todas elas valiam -1
ponto (aquelas mais "suaves", como Inculto, Má Fama, Monstruo-
so, Maldição...) ou -2 (as mais graves: Assombrado, Devoção, um
Inimigo poderoso...). Existe uma única Desvantagem de -3 pontos,
gravíssima: Vulnerabilidade a Poder de Fogo, que apareceu na re-
cente Dragão Brasil Especial Megaman . Ela faz com que a Arma-
dura de seu portador tenha efeito mínimo contra TODOS os ataques
baseados e m PdF (os m ais freqü e ntes do jogo) . Toda s as
Vulnerabilidades funcionam melhor para NPCs poderosos, como fra-
quezas que os heróis precisam descobrir neles antes de enfrentá-los

179

DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

cara a cara. De fato, até agora não ouvi falar de nenhum personagem
jogador que possua Vulnerabilidade a Poder de Fogo, mesmo para
pegar seus gordos -3 pontos.

Contudo, novamente em DB Especial Megaman, uma antiga
Desvantagem que ninguém queria foi modificada e ampliada: Códi-
go de Honra. Antes existia apenas um Código, no valor de -1 ponto.
Agora há uma lista com muitos códigos valendo -1 ponto cada, que
podem ser coletados e acumulados até um total de -4 pontos, con-
tando como uma única Desvantagem - a mais cara do jogo.

Como resultado, temos visto uma nova geração de persona-
gens entupidos com Códigos de Honra até o limite, unicamente para
agarrar aquele montão de pontos. E alguns mestres protestam: "Puxa,
-4 é muita coisa! O cara pega duas Desvantagens de -2 cada, mais
um Código de -4 e ganha mais 8 pontos para fazer uma máquina de
matar! Como posso manter o controle da aventura com personagens
assim?"

Não, senhores, -4 não é muita coisa. Separadamente, os Códi-
gos de Honra de 3D&T já são bastante severos: um jogador que re-
solve coletar quatro deles é um verdadeiro maluco, pois está ofere-
cendo grandes fraquezas para serem exploradas pelos inimigos - e
também um instrumento poderoso para o Mestre manter controle
sobre esse personagem. O jogador acredita que, com seus pontos
extras, pode turbinar seu poder de combate e assim enfrentar quais-
quer problemas trazidos pelos códigos. Ele está muito, muito e1rn-
do...

Infelizmente, alguns Mestres não sabem explorar os códigos
como se deve. Esquecem deles ou fazem concessões, e acabam
desconsiderando a Desvantagem - o que não é justo para os outros
jogadores, que construíram personagens mais equilibrados. Muitas
vezes o próprio Mestre se sente prejudicado, forçado a lidar com
personagens que ele acha fortes demais, e então põe a culpa nas
regras.

Pois bem. Hoje vamos ajudar esses mestres a entender como
um Código de Honra exagerado pode ser pior que um Inimigo de 40
pontos ...

180

DTCAS DE M ESTRE II

Afinal, o que é?

Um Código de Honra é uma forma de comportamento, uma
coisa que o personagem não pode fazer - ou deixar de fazer. Perce-
ba que não é apenas uma preferência ou tendência ocasional: o per-
sonagem NUNCA pode violar o Código, queira ou não. Isso é impos-
sível para ele, seja porque é um robô e as ordens estão gravadas em
seu cérebro, seja porque foi condicionado a isso por lavagem cere-
bral, seja porque teve uma criação muito rígida... não importam os
motivos. Não há testes ou rolagens de dados para isso. Um Código
de Honra NUNCA pode ser desobedecido. Ponto.

Isso exige, claro, que o Mestre esteja atento. Quando um joga-
dor tenta alguma coisa que vai contra seu Código, basta dizer que
ele simplesmente não consegue. Jogadores que insistem no e1TO, ou
que começam longas discussões com o Mestre sobre estarem ou não
infligindo seus códigos, são sérios candidatos a ter sua Desvanta-
gem confiscada- juntamente com o(s) pontos(s) que ganharam com
ela.

Existe uma única condição que permite a um jogador agir con-
tra seu Código: quando ele o faz por acidente. Afinal, ele não sabia
que estava fazendo algo proibido. Por exemplo, um herói que segue
a 1ª Lei de Asimov poderia destruir um monstro-robô e descobrir,
apenas tarde demais, que havia dentro dele um piloto humano - agora
morto.

Mesmo assim, ignorar a lei não é desculpa para violar a lei.
Um personagem que desobedece seu Código de Honra vai sofrer
algum tipo de trauma grave, a critério do Mestre, desde apenas tom-
bar inconsciente (seus PVs caem para zero) até perder um ponto em
um de seus Atributos básicos, ou mesmo morrer! Além disso, esse
personagem jamais poderia arriscar cometer o mesmo erro outra vez.
Então, nosso atormentado herói que matou o piloto nunca atacaria
outro robô, até ter certeza de que não existe um humano no interior.

181

DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Código de combate

Nunca usar armas superiores às armas do oponente, nem ata-
car oponentes caídos ou em desvantagem numérica.

Este foi o Código de Honra original, que surgiu pela primeira
vez em DB Especial SF03 e sofreu uma ou duas modificações desde
então. Na antiga versão ele proibia o uso de armas - mas, uma vez
que em 3D&T usar armas ou deixar de usar não faz diferença algu-
ma, isso não tinha muito sentido.

Em vez disso, agora o personagem não pode usar recursos ou
certas vantagens que o oponente não possui. Se você tem Poder de
Fogo, e o oponente não, DEVE abrir mão de seus ataques à di stância
e lutar corpo-a-corpo. Se o oponente não tem uma Arma Especial,
você também DEVE guardar a sua. O Mestre pode decidir que qual-
quer outra Vantagem é desigual em combate.

Não atacar oponentes caídos quer dizer exatamente isso. Quando
um personagem chega a O PVs, ele não morre necessariamente -
apenas perde os sentidos. Então, você NÃO pode desferir o ataque
final que mataria o inimigo.

Quanto a não lutar em vantagem numérica, isso quer dizer que
você deve escolher um inimigo e lutar com ele sozinho e NÃO pode
aceitar a ajuda de seus colegas. Não, nada de cruzar os braços e
dizer: "Ok, não posso fazer nada para fazê-los mudar de idéia". Se
eles insistem em ajudar, você DEVE tentar impedir de alguma forma
- seja abandonando a luta, seja atacando-os se não houver outra
opção.

1ª Lei de Asimov

Jamais causar mal a um ser humano ou, por omissão, permitir
que um ser humano sofra qualquer mal.

Quem leu um ou dois contos sobre robôs de Isaac Asimov sabe
como este Código pode ser restritivo. Robôs são mais fortes, inteli-
gentes e resistentes que os seres humanos. Então, para impedir os
robôs de dominar ou destruir os humanos, foram criadas as leis da

182

DICAS DE MESTRE II

Robótica. Elas eram levadas muito a sério, programadas diretamen-
te no cérebro positrônico de TODOS os robôs fabricados no mu ndo.

Em 3D&T, esse Código não precisa ser exclusivo de robôs. Para
um humano ou membro de outra raça, ele poderia representar um
forte pacifismo ou incapacidade total de ferir pessoas. Não parece
muita coisa, levando em conta que a maioria dos inimigos encontra-
dos na aventura são monstros ou tipo assim (na verdade, em cenári-
os onde humanos são raros, o Mestre deveria proibir esta Desvanta-
gem).

Mas preste atenção à segunda parte da lei: "ou, por omissão,
permitir que um ser humano sofra qualquer mal." Ora, isso quer
dizer que você não apenas é proibido de atacar humanos, mas tam-
bém DEVE salvar todos aqueles que estejam em perigo - INCLUINDO
VILÕES!! ! Na verdade, se um vilão humano é atacado por seus cole-
gas, você DEVE imediatamente tentar impedir!

2ª Lei de Asimov

SEMPRE obedecer ordens de seres humanos, exceto quando es-
sas ordens violam qualquer outro Código que você possua.

Se a 1ª Lei já era ruim, esta é pior. Diante das ordens de um
humano - qualquer humano, vilão ou não - você será um au tômato
sem vontade própria. Basta ao vilão dizer "pare" e você fica parali-
sado. Basta ele dizer "ataque seus amigos", e você se torna outro
inimigo a ser derrotado. E basta ele dizer "atire em sua própria cabe-
ça", que é o fim da linha para você.

Perceba que o humano nem precisa estar presente (dar a seus
colegas a chance de atacá-lo? Que tipo de idiota ele seria?). Basta
que você receba ordens dele por rádio, telepatia, ventriloquismo ou
coisa que o valha.

A única salvação para quem tem esse Código são os outros
códigos, porque eles têm supremacia. Se você segue o Código dos
Heróis e um humano ordena que recuse um pedido de ajuda, a or-
dem é ignorada (eis porque Megaman não precisa obedecer ordens
do vilão Dr. Wily). Um jogador pode tentar se apoiar em suas outras

183

DRAGÃO BRASIL EsPECIAL

diretrizes para recusar ordens humanas, mas nada de reinterpretar!
Não vale dizer "Sou um herói, e portanto não posso atacar meus
amigos como você ordena!" Não senhor! O Código dos Heróis não
diz nada sobre lealdade aos amigos ou coisa assim.

Código de Área

Nunca lutar em áreas urbanas ou rurais/ selvagens (escolha uma
das duas).

Sobre esse Código não há muito a dizer. Se estiver na área
proibida, você não pode fazer nenhum tipo de ataque - mesmo que
seja um ataque inofensivo, incapaz de causar dano. Pode apenas se
esconder, fugir... ou apanhar!

Ah, então vem aquele mago ou clérigo apelão e, quando come-
ça uma luta na área proibida, fica lançando magias para curar os
amigos ou aumentar o dano de suas armas. NÃO PODE!!! Você não é
apenas proibido de lutar, mas também de PARTICIPAR de lutas. Não
pode nem mesmo gritar: "Cuidado! Atrás de você!"

Note que este Código não faz muito sentido em cenários que
têm APENAS áreas urbanas (como um mundo cyberpunk) ou rurais/
selvagens (como a pré-história). Se é o caso, o Mestre pode proibir
a Desvantagem.

Código dos Heróis

Sempre cumprir sua palavra, sempre proteger qualquer pessoa
ou criatura mais fraca que você, e jamais recusar um pedido de aju-
da.

Tem muito jogador metido a esperto que agarra este Código
com unhas e dentes, pensando que é fácil ser herói. Graaande erro...

Basta ver alguns desenhos animados antigos (Homem-Pássa-
ro, Space Ghost, Herculóides...) para descobrir como um verdadei-
ro herói se comporta. Vem o vilão, implora por ajuda, jura que vai se
regenerar... e com isso atrai o herói para uma armadilha, coisa que o
espectador no sofá da sala já sabia há muito tempo. Você acha que o

184

ÜICAS DE MESTRE Il

herói foi boboca? Pois se pegou o Código dos Heróis, então para-
béns - você também é um boboca! Um herói NUNCA pode recusar
um pedido de ajuda, mesmo que venha da pessoa mais indigna de
confiança no mundo. E claro que os vilões se aproveitam disso o
tempo todo...

O verdadeiro herói também tem palavra, ou seja, sempre cum-
pre suas promessas. Você prometeu que não ia fazer mal àquela ve-
lhinha assustada? Azar seu, porque era um demônio disfarçado. Pro-
meteu que iria até o local do resgate sozinho e desarmado? A chance
perfeita do vilão para dar fim à sua carreira. Manter a palavra não é
nada fácil...

Quanto a proteger qualquer pessoa ou criatura mais fraca que
você... bem, isso inclui a maioria das pessoas (e animais!) que você
vai encontrar no decorrer da aventura. É bem parecido com a 1ª Lei
da Robótica. A estratégia favorita dos vilões é fazer um refém, ou
colocar algum inocente em perigo (derrubando prédios, incendian-
do carros...) para manter o herói ocupado, enquanto ele gargalha e
foge ... ou ataca!

Se um vilão é mais fraco que você, não quer dizer que deve
protegê-lo ou obedecê-lo. Mesmo assim, matá-lo em vez de levá-lo
às autoridades não seria lá muito heróico...

Código da Honestidade

Nunca roubar, trapacear, mentir ou desobedecer às leis locais,
nem permitir que seus companheiros o façam.

Este é muito parecido com o Código dos Heróis, exceto pelo
fato de que você não precisa ficar salvando todo mundo ou correndo
por aí cada vez que alguém pede socorro. Na verdade, na maioria
dos lugares, as leis locais proíbem que cidadãos comuns (ou seja,
não policiais) tentem impedir crimes. Não seria engraçado? Um
poderoso personagem de 12 pontos chamando a polícia para pren-
der os ladrões de banco que acabam de passar?

Nunca roubar, mentir, trapacear ou violar leis é bem difícil,
mas pior ainda é seguir a segunda porte do Código: "nem permitir

185

DRAGÃO BRASIL ESPEC IAL

que seus companheiros o façam." Seria bem confortável cruzar os
braços e olhar para o outro lado enquanto seus colegas roubam um
carro para a persegu ição, certo? Nã-nã-nã. Caso seu grupo tente
qualquer coisa desonesta, você deve persuadi-los a mudar de idéia.
E se não conseguir, deve cumprir seu dever como cidadão honesto e
denunciá-las às autoridades. Sim, senhor!

Código do Caçador

Nunca matar (combater ou capturar, quando necessário, mas
nunca matar) filhotes ou fêmeas grávidas de qualquer espécie. Nun-
ca abandonar uma caça abatida. Sempre escolher como oponente a
criatura mais perigosa que esteja por perto.

Este apareceu na matéria "Aliens vs. Predator" (DB #52) e em
/lo/y Avenger # 1. À primeira vista parece o mais brando e menos
restritivo dos códigos, e por isso tornou-se logo o favorito dos joga-
dores caça-pontos. Mas, se deseja dar uma lição neles, o Mestre tem
muitos recursos para explorar...

Nunca matar filhotes ou fêmeas grávidas, certo? Nem precisa-
mos ir muito longe: em uma colônia de Aliens, uma Rainha-Mãe
estará SEMPRE grávida, e TODOS os Face-Huggers e Chestbursters
são filhotes. Claro, você pode combatê-los, mas não matá-los - e
perceba que reduzir alguém a O PVs não garante que ele vai ficar
apenas inconsciente. O Mestre decide quando uma vítima com O
PVs morre ou não.

Nunca abandonar uma caça abatida. Ou, na verdade, um opo-
nente derrotado. Se você venceu um inimigo, agora tem a obrigação
de levá-lo à justiça, ou empalhar sua cabeça como troféu, ou seja lá
o que for. Você NÃO pode simplesmente largá-lo ali - e, se o fizer,
deve recuperá-lo mais tarde. Hã? Ele caiu no abismo? Melho r co-
meçar a descer, vai ser uma longa viagem. Foi reduzido a mil peda-
cinhos? Se tiver sorte, talvez você consiga recolher todos antes que
a aventura termine. Foi levado pelos colegas dele? Trate de ir atrás.
(Lembram do trabalhão que o Predador do filme teve para recuperar
sua presa abatida, que havia sido levada pelos outros soldados?)

186

DICAS DE M ESTRE II

Sempre escolher a criatura mais perigosa?! Este é o pior! Sig-
nifica que, entre muitos inimigos, você só vai atacar o maior, mais
poderoso e malvado deles. Enquanto luta contra o hobgoblin, nem
pense em dar um tapinha sequer nos kobolds que estão enfiando
facas em suas costas. Além disso, imagine esta situação: o doutor
Wily sonindo calmamente diante de você, bem tranqüilo, sabendo
que você não pode atacá-lo antes de derrotar o robô de quinze tone-
ladas que está bem ali ao lado...

Código da Derrota

Nunca se permitir ser capturado com vida e nunca aceitar a
derrota. Caso seja reduzido a OPontos de Vida (apenas em situações
de combate honrado, um contra um) ou capturado (em qualquer si-
tuação), você DEVE tirar a própria vida.

Outro Código que nasceu de "Aliens vs. Predator". Devia ser-
vir só para os Predadores ; não pensamos que algum jogador seria
louco o bastante para pegá-lo. Mas alguns foram!

Novamente, este pobre tolo crê que todos os pontos ganhos
podem garantir um personagem poderoso, que nunca será derrotado
- então não faz diferença ter este Código, certo? Ha, ha, ha! Saiba,
senhor suicida, que cedo ou tarde vai aparecer um inimigo NPC mais
poderoso que você (afinal, não custa lembrar, NPCs não precisam
pagar pontos por nada...) e dar-lhe uma sova. Então, em vez de aguar-
dar sua recuperação como as regras de 3D&T permitem tão bondo-
samente... BANG ! Tiro na cabeça.

E tem mais. Você não precisa apenas ser denotado - pode ser
apenas capturado! Basta urna j aula suspensa, alçapão, laço, rede ou
raio paralisante para obrigar seu superpersonagem a desistir da vida.
Que vexame!

Alguns jogadores gostam de combinar este Código com a Van-
tagem Imortal (DB Especial MK4). Nenhum Mestre com um pingo
de bom senso deveria permitir isso.

187

ÜRAGÃO BRASIL E SPECIAL

A honra é tudo!

E aqui está. Uma série de estratégias para o Mestre que deseja
contra-atacar jogadores atolados em Códigos de Honra. Basta lem-
brar o mandamento máximo dos vilões: se um herói é poderoso de-
mais para ser derrotado pela força, use contra ele sua nobreza.

Depois disto tudo, temos certeza de que muitos jogadores vão
fugir dos códigos feito vampiro da cruz. Mas seria uma pena se to-
dos fizessem isso. Interpretar um herói honrado é muito mais diver-
tido e desafiador que ter um superpersonagem sem fraquezas. As-
sim é o paladino de Ao&o, que recebe grandes poderes divinos em
troca de um comportamento nobre.

Então, senhores, daqui em diante moderem seu apetite por có-
digos de honra. Caso contrário, como diz a Equipe Rocket, "prepa-
rem-se para encrenca..."

Paladino

188

XXVII

Como é bom ser looouco!

Como explorar melhor os personagens insanos

Artigo publicado na Dragão Brasil # 56

Não sem motivo, a loucura é tema constante em jogos de RPG. E
antes que os fanáticos e paranóicos de plantão se levantem em hordas
furiosas atrás de nosso escalpo (nota do Trevisan: o que não deixa de
ser uma piada particular, para quem me conhece...), não estamos que-
rendo dizer que todo RPGista é invariavelmente louco (só alguns).
Dizemos apenas que a loucura, na maioria dos casos, fornece material
interessantíssimo para campanhas, personagens e aventuras.

Basta verificar como a insanidade se mostra presente em RPGs
diversos. No Brasil, o que temos de mais conhecido são os membros
do Clã Malkavian, de Vampiro: a Máscara. Como se a própria mal-
dição dos mortos-vivos não fosse suficiente, os vampiros deste Clã
também são insanos. Eles possuem uma ou várias Perturbações, um
tipo de enfermidade mental: quanto mais delas você tem, mais lou-
co você é. Perturbações não são exclusivas dos Malkavian - qual-
quer vampiro ou mortal pode acabar ganhando uma delas após um

trauma ou coisa assim.
Também conhecido no Brasil - embora ainda inexistente em

português - é o jogo Call of Cthulhu. Baseado na literatura de hor-

189

DRAGÃO BRASJ L ESPECIAL

ror de H. P. Lovecraft, este RPG clássico coloca investigadores do
oculto contra monstros cósmicos ancestrais que a humanidade não
deveria conhecer; tanto que, quando os personagens jogadores pre-
senciam cenas assustadoras demais, devem fazer testes para evitar a
perda de Pontos de Sanidade. Isso garante a maior peculiaridade de
Cal/ of Cthulhu: é o único RPG em que os personagens não ficam
mais poderosos, apenas ficam mais loucos !

Até recente mente, pelo menos no Brasil, o j ogo de fantasia
heróica AD&D não tinha lugar para personagens loucos. Fica até es-
tranho que um guerreiro novato, recém-saído de uma pacata aldeia
de camponeses, possa encarar zumbis e esqueletos sem sofrer ne-
nhum dano mental. Isso mudou com a chegada de Ravenloft - Do-
mínios do Medo, que trouxe consigo os Testes de Medo, de Horror e
de Loucura.

Não podemos esquecer também as Verificações de Pânico de
GURPS, capazes de reduzir qualquer personagem a uma ruína insana;
os c ientistas loucos de D ead Lands, um premiado RPG de faroeste
fantástico; ou até a singela Insanidade de 3D&T, pouco mais que um
efeito especial. Em quase todos os jogos existem horrores que a mente
não pode tolerar, e cedo ou tarde, um personagem jogador deve se
confrontar com eles.

Mas, quando isso acontecer, nada de lamentar! Interpretar um per-
sonagem louco pode ser a coisa mais divertida que você já fez na mesa
de jogo. Basta ver o sucesso que eles fazem quando aparecem em fil-
mes, TV e quadrinhos, desde a memorável atuação de Brad Pitt em Os
Doze Macacos até um certo Jamanta que andou circulando pelas nove-
las das oito (e até hoje, teimosamente, se recusa a mon-er.. .).

Louco, sim; idiota, não!

Vamos tomar um exemplo clássico de personagem maluco: o
Coringa, arquivilão do Batman e alter-ego de Rogério Saladino, nosso
parceiro no ramo da "assistência editorial" (isso existe?).

O comportamento daquele que é provavelmente o mais mortí-
fero vilão do rol de inimigos do Homem-Morcego já mudou algu-

190

DICAS DE MESTRE II

mas vezes - graças às mudanças de roteiristas, tão comuns no ramo
dos quadrinhos. Podemos, entretanto, destacar duas abordagens bá-
sicas: o Coringa interpretado por César Romero, no seriado dos anos
60, e o Coringa escrito por Alan Moore na célebre graphic novel A
Piada Mortal, editada e reeditada no Brasil pela Abril Jovem (se
você não conhece, corra até uma banca de revistas usadas e tente
encontrar algum exemplar; é imperdível!). Agora vejamos: qual a
diferença básica entre as duas abordagens?

É mais simples do que parece. No seriado de TV, César Romero
e os roteiristas levavam ao pé da letra a alcunha pela qual o Coringa
foi sempre conhecido: "o Palhaço do Crime". Ali o personagem de-
monstrava uma loucura exagerada, quase cômica (aliás, como o se-
riado inteiro). Era como uma caricatura ambulante, saltitando por
Gotham City e pregando peças praticamente inofensivas, mais do
que cometendo atos vis.

Já em A Piada Mortal, Alan Moore nos mostra um Coringa
sarcástico, irônico e com períodos de lucidez assustadora. É um au-
têntico psicopata, um louco assassino, o lado negro que se esconde
no fundo de qualquer ser humano. Muito mais assustador.

Então, pelo menos sob o ponto de vista ficcional, temos dois
"tipos" de louco: o palhaço inofensivo e o psicopata perigoso. lnfe-
1izmente, ao jogar com personagens loucos, quase todo mundo es-
colhe o primeiro tipo - tanto que, em Vampiro - 3° Edição, os auto-
res fazem questão de fri sar que os Malkavian não têm nada de "en-
graçadinhos'', como todo mundo costumava encarar este Clã. Os
loucos inofensivos, estilo Freakzoid, podem até ser divertidos - mas
raramente conseguem fazer com que os outros jogadores levem sua
loucura a sério. No final das contas ele acaba se tornando o bobo da
corte do grupo, sempre em segundo plano, ou aquele chato que todo
mundo quer matar na primeira oportunidade.

A segunda abordagem, o louco psicopata, pode ser muito mais
interessante. Não apenas o Coringa, mas quase toda a galeria de
vilões do Batman - Duas-Caras, Charada, Chapeleiro Louco... - é
composta por insanos, e nenhum deles do "tipo engraçadinho". São
todos loucos, mas não idiotas; são espertos o bastante para cometer

191

DRAGÃO BRASrL ESPEClAL

todo tipo de crime e ameaçar populações inteiras. Especialmente em
jogos de horror, um personagem louco pode ser muito mais assusta-
dor que qualquer outro. O Livro do Clã Malkavian é especialmente
precioso como orientação sobre isso.

Seu personagem pode ser louco, mas não necessariamente idi-
ota. Loucura e bobeira são diferentes. Lembre-se disso.

Louco? Eu? Euzinho?

Talvez a loucura mais assustadora seja aquela que não chama a
atenção. Nem todos que são loucos PARECEM loucos - a maioria,
inclusive, nem mesmo admite a própria loucura. Estes infelizes en-
xergam o mundo de forma diferente e distorcida, mas você rara-
mente vai convencê-los de que estão errados: conseguir esse tipo de
coisa exige tratamento psiquiátrico.

Apenas loucos exagerados como o Coringa aceitam ser cha-
mados disso. Todos os outros preferem dizer algo como "eu sou
normal; os loucos são eles!" Na verdade, no mundo real, muitas
vezes chega a ser difícil provar que alguém é mesmo louco - apenas
médicos devidamente autorizados podem fazê-lo. Ninguém pode ser
oficialmente tachado como louco apenas por ter um ponto de vista
diferente (se fosse assim, a vida seria ainda mais difícil para nós,
RPGistas...). Da mesma forma, muitas vezes uma pessoa absoluta-
mente sã pode ser julgada louca e ter grandes dificuldades para pro-
var o contrário - como Sarah Connor em Exterminador do Futuro 2.

Então, se você é um Malkaviano acreditando ser uma criança
de cinco anos, nunca diga "sou louco" e sim "quero sorvete!".

Insano progressivo

Também vale lembrar que, mesmo em RPG, poucos ficam lou-
cos de uma só vez. A loucura é progressiva, começa aos poucos e
vai piorando.

Você pode imitar esse comportamento adotando uma mania
inofensiva qualquer que se torna cada vez mais importante, freqüente

192

DICAS DE MESTRE II

ou intensa, até virar loucura real. Algo simples como rasgar papel o
tempo inteiro - não em fúria, mas caaalmamente. Em longas tiras,
da mesma espessura, me-ti-cul-lo-sa-men-te. Assim fazia o Sr.
Toomy, personagem da novela de Stephen King, Os Langoliers
(publicada aqui na coletânea Depois da Meia-Noite), que acabou
virando mini-série na TV americana e fita de vídeo no Brasil. Este
foi o modo que encontrou para controlar sua insanidade, mesmo que
não admitisse isso.

Correndo o risco de puxar ainda mais o saco do escritor predi-
leto do Trevisan, há um outro "insano progressivo" nas criações de
Stephen King que vale a pena ser comentado: Jack Torrance, o zela-
dor do Overlook Hotel de O Iluminado, interpretado por Jack Ni-
cholson no cinema. Ele começa a história como um pai de fanúlia
perfeitamente são. No entanto, quando ele começa a ser presenteado
com visões do tenebroso passado daquele hotel, vai afundando na
loucura- de forma lenta, gradual e quase imperceptível. A esposa e
o filho de Torrance só percebem o que está acontecendo com Jack
quando já é tarde demais.

A grande vantagem de esconder a loucura e tomá-la pouco per-
ceptível é pegar a todos de surpresa. Confiar em um personagem
jogador e de repente descobrir que ele é um psicopata pode ser o
maior susto que o grupo de jogo já experimentou.

J. M. Trevisan & Paladino

193

XXVIII

Apelões!

Saiba como lidar com estas pestes!

Artigo publicado na Dragão Brasil# 56

O amante do RPG e leitor costumeiro da Dragão Brasil prova-
velmente já conhece os tipos básicos de jogadores, não é mesmo?
Não? Então vamos recordar...

Existe o RolePlayer, aquele que gosta de interpretar. Adora o
lado teatral do RPG, e não liga a mínima para poderes, armas mági-
cas, Pontos de Experiência e outras "recompensas" próprias para
turbinar o personagem. Ele daria um braço para ter aquele Nosferatu
de 15ª Geração que ninguém mais quer, porque enxergou nele um
enorme potencial dramático - ou apenas porque o achou divertido.

Temos o Estrategista, aquele que examina as coisas de forma
racional e matemática, tentando prever as ações do Mestre e reagin-
do de maneira adequada. Este é o tipo de RPGista mais antigo, "des-
cendente" dos adeptos de jogos de estratégia. Gosta de realismo,
sistemas eficientes, cálculos claros, regras que cobrem todas as situ-
ações. Para ele, as 250 páginas tamanho-gigante do GURPS Módulo
Básico são verdadeiras escrituras sagradas.

Já o Historiador não liga para teatro e nem para as regras - RPU
é um jogo de contar histórias, e é justamente isso que ele prefere.

194

DICAS DE MESTRE TI

Em vez de se preocupar apenas com seu próprio personagem joga-
dor, ele gosta mais de explorar o mundo fantástico onde vive, interagir
com esse mundo. Cenários cheios de elementos como o Mundo das
Trevas e Dragonlance são o paraíso para ele.

E, é claro, temos o fam igerado Advogado de Regras. É um
pouco como o Estrategista, um verdadeiro fuçador de livros; lê o
Livro do Jogador, do Mestre, dos Monstros, das Armas, dos Artefa-
tos, dos Guerreiros, dos Elfos... todos ! Mas ao contrário do Estrate-
gista, que realmente aprecia o balé dos números e a música das re-
gras (hummm... ficou meio gay, isso...), o Advogado quer apenas
colecionar argumentos para poder usá-los contra o Mestre na mesa
do jogo.

Embora muita gente ache o Advogado uma ameaça, não é bem
assim. Muitas vezes ele pode ser valioso, ajudando o próprio Mestre
quando esse tem alguma dúvida. O verdadeiro perigo aparece quan-
do surge sua "forma evoluída" (já que Pokémon tá na moda), igual-
mente temida por principiantes e veteranos: o Apelão.

O jogador Apelão (ou Overpower, Big Bill, Bandalha... entre
outros) não só desenterra regras obscuras a fim de conseguir os mais
diversos benefícios, como também faz questão de ignorar as des-
vantagens trazidas pela regra escolhida. Seu objetivo é puramente
mostrar-se poderoso e invencível aos olhos do Mestre e dos outros
jogadores, custe o que custar.

Muitos mestres novatos - especialmente uma recente geração
de mestres de 3D&T - nos escrevem em busca de orientação para
lidar com estes tipinhos. Então vamos lá...

Corte pela raiz

Uma abordagem muito simples - mas eficiente - é cortar o mal
logo pela raiz. Se o Apelão usa como arma as regras obscuras, então
trate de desarmar logo o suje ito.

Todo RPG tem certa quantidade de regras, vantagens, desvanta-
gens, poderes... Alguns têm pequenas listas, outros exibem vastas co-
leções. É comum que um Mestre iniciante, ainda desconhecendo seu

195

DRAGÃO BRAS IL ESPECIAL

verdadeiro poder, acredite que TODAS essas opções podem ou devem
ser usadas. Isso é errado: não importa o que ilizem os manuais, um
Mestre sempre pode proibir ou permitir toda e qualquer regra.

Em 3D&T, por exemplo, certas combinações de Vantagens e
Desvantagens permitem criar personagens poderosos demais. Con-
tudo, isso só acontece quando você as coleta de cenários diferentes
(Street Zero 3, MK4, Darkstalkers, Megaman, Aliens vs. Predator,
Matrix, regras de magia...). Esse problema pode ser facilmente re-
solvido agrupando os personagens em "classes" (Street Fighters,
Kombatentes, Darkstalkers...) e permitindo para cada uma apenas
certas Vantagens e Desvantagens. Caso não exista na campanha ne-
nhuma classe ou coisa assim, apenas faça uma lista dos itens permi-
tidos e ponto.

Perceba que é melhor fazer isso quando os jogadores ainda
estão criando seus personagens; depois será tarde, e então o único
jeito será proibir aquele personagem apelão que o jogador teve tanto
trabalho para turbinar (oh, bem... até que seria um castigo mereci-
do). Então, em vez de liberar todas as regras, benefícios, vantagens
e tudo o mais, você pode limitá-los quando eles ainda estão sendo
criados.

Durante as raras vezes em que jogamos Marvel Super Heroes
entre o pessoal da redação, certos heróis são vetados logo de cara:
todos já perdemos as esperanças de jogar com o Hulk, Thor, Surfista
Prateado... Isso é feito simplesmente para não desequilibrar o jogo.
Personagens como esses são tão poderosos que podem resolver tudo
sozinhos, coisa um tanto frustrante para o resto do grupo - enquanto
o Thor desce o martelo na moringa do Superskrull, o Demolidor fica
ali jogando baralho com o Justiceiro e o Capitão América...

Em Vampiro: a Máscara, da mesma forma, a restrição mais
comum é limitar o número de pontos gastos no Antecedente Gera-
ção (o mais imperativo). Isso é mais ou menos o que se costuma
fazer em AD&D, onde o Mestre determina o mesmo Nível de Expe-
riência para todos os personagens jogadores. Logicamente este tipo
de medida depende da sua campanha; quanto maior a dificuldade da
aventura, maior deve ser o poder dos personagens.

196

DICAS DE M ESTRE II

Quando mestramos Vampiro, implantamos uma regra que (as-
sim acreditamos) não aparece no livro básico. Em vez de permitir a
distribuição normal de pontos em Habilidades, ficou estabelecido
que apenas UMA Habilidade poderia ter cinco pontos . A explicação
(ou a desculpa, se você preferir) é que pouca gente consegue ser
especialista em mais de uma coisa durante sua vida toda; Pelé foi o
maior jogador de futebol de todos os tempos, mas dificilmente seria
tão bom pilotando carros ou domando leões, por exemplo. Isso evita
aqueles detestáveis personagens "porrada pura", com Briga 5, Ar-
mas de Fogo 5 e Armas Brancas 5.

Embora seja das mais eficientes, esta tática deve ser emprega-
da com cuidado. Nunca é uma boa tolher demais as escolhas dos
jogadores, pois pode causar frustrações - e depois você fica aí se
perguntando por que ninguém mais quer jogar com você. Estude
bem seus jogadores, a aventura, o RPG que você está utilizando, e
proíba apenas o que achar realmente necessário para evitar futuras
apelações.

O juiz

Se existe um Advogado, então você - como Mestre - tem o
dever de atuar como juiz.

Em um tribunal, o juiz é sempre a autoridade máxima. Tudo que
um advogado faz é tentar convencer o juiz, citando argumentos, evi-
dências e leis; o advogado realmente talentoso é aquele que encontra
leis obscuras, esquecidas ou que permitem várias interpretações. Ape-
sar de sua autoridade, um juiz não pode tomar decisões violando a Lei
- pelo menos não o tempo todo, ou terá uma carreira curta.

Em RPG, o jogador Advogado faz algo parecido, lançando na
cara do Mestre apenas as regras que o favorecem naquele momento;
isso pode fazer o Mestre se sentir intimidado ou inseguro sobre vio
lar a Lei (neste caso, as regras do RPG em questão), perm itindo ns
sim as ações do Advogado.

Ora, se o Advogado de Regras conhece os livnis 11 fumlo, ~nlAn
faça o mesmo ! A grande arma doApelão é conlwt't'I ll'lll ll!I oh11t:11rn11

197

DRAGÃO BRASlL ESPECIAL

de que ninguém mais se lembra, e usá-las a seu favor. Além disso,
ele tem o estranho e útil superpoder de alterar regras desconhecidas
e torná-las mais, digamos... favoráveis a si próprio. Em nosso grupo
temos um jogador (ao qual vamos nos referir através do pseudôni-
mo "Chen", para poupá-lo de chacotas e galhofas posteriores) capaz
de criar um personagem de AD&D multiclasse guerreiro/mago/cléri-
go/ranger com "trocentos" poderes, e mostrar ao Mestre todas as
regras que lhe permitiram construir esta criatura esdrúxula e fora de
propósito.

O Mestre deve ter em mente que, conhecendo bem os livros
básicos (e uma dose generosa de suplementos também!) , sabendo
cada minúcia das regras, então difi cilmente será apanhado de sur-
presa. Lembre-se de que na m aioria dos RPGs existe uma preocu-
pação em manter o equilíbrio: boa parte das regras que propõem
benefícios ao personagem também trazem algum inconveniente ou
desvantagem - coisas que o Advogado costuma ignorar ou "es-
quecer".

Como quase tudo na vida, esta abordagem tem seus inconveni-
entes: além de dar ao Mestre o trabalho extra de ler e decorar as
regras de qualquer RPG, as aventuras tendem a ser tornar verdadei-
ras batalhas judiciais - nas quais jogador e Mestre desenterram li-
vros e livros para provar seus pontos de vista em uma discussão
infindável, que mergulha os outros jogadores em um pegajoso pân-
tano de tédio.

Oh, bem. Mesmo que não dê certo quando estiver mestrando,
você ainda pode usar o conhecimento adquirido para se tornar
Advogado de Regras na aventura de OUTRO Mestre. (Brincadei-
rinha!)

Porque EU QUERO!!!!

Quando tentamos explicar o RPG para alguém não familiariza-
do com o j go e precisamos dizer exatamente qual a função do Mes-
tre, costumamos dizer simplesmente que, na mesa de jogo, "o Mes-
tre é Deus". O que de certa forma é verdade.

198

D ICAS DE MESTRE H

Se o juiz é a autoridade máxima em um tribunal e precisa obe-
decer à Lei, Deus não precisa. Ele é autoridade máxima no universo
inteiro, e pode fazer o que bem entender tendo apenas seu próprio
bom senso como fator limitante. Este talvez seja o meio mais fácil
de lidar com Apelões; quando recebe uma regra obscura arremessa-
da na cara, o Mestre simplesmente liga seu campo-de-força e faz o
insidioso projétil ricochetear de volta, dizendo: "NÃO!"

Aqui o Mestre pode fazer o que quiser e ignorar os livros de
regras quando achar necessário. O Livro do Jogador AD&D diz
que a perícia Cavalgar é baseada em Sabedoria - coisa um tanto
estranha; então clérigos e druidas sabem cavalgar melhor que os
outros? Se um Apelão resolve se aproveitar disso apenas para criar
um sacerdote expert em montaria, o Mestre pode simplesmente
mudar a regra (baseando a perícia em Destreza, o que seria bem
mais lógico).

O Mestre NÃO precisa aceitar que elfos de três pernas ganham
acerto e dano máximo com rifles laser só porque algum livro diz
assim. Se ele achar que tal fato vai deseq uilibrar a campanha, causar
algum prejuízo em sua história ou dar munição aos Apelões, ele tem
todo o direito de ignorar a regra ou substituí-la por outra mais ade-
quada. Uma regra existe para auxi liar o Mest re a gerenciar a mesa
de jogo. Se você a julga desnecessária, ou se algum jogador a l'SIÍI
utilizando para obter vantagens sobre-huma nas, jogue-a 110 lixo .

Fazer isso pode parecer simples, mas não é. Nas mãos de Mes-
tres com menos experiência ou escrúpulos, o prejuízo pode ser in-
calculável. O Mestre despreparado pode cair no autoritarismo e tor-
nar-se uma espécie de "Mestre Apelão", um verdadeiro tirano, fa-
zendo-se parte do problema que estamos tentando solucionar. Basta
ter bom senso, comedimento e responsabilidade. Lembre-se de que
as liberdades tomadas pelo mestre têm dois objetivos básicos: equi-
librar o jogo neutrali zando personagens overpower e aumentar adi-
versão.

E quando tudo mais falhar, sempre existe aquele truque infalí-
vel contra personagens turbinados: examine sua ficha e depois pre-
senteie esse aventureiro com um inimigo NPC especial - um gêmeo

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