151VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse – se as coisas fossem outras. E fui tomando ideia. Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: – “Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa! ...” E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo. Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n’água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto – o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão. Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não para, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro – o rio. ROSA, João Guimarães. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, Civilização Brasileira, Três, 1974, p. 51–56. 5. (Insper) A respeito da reação da mãe, diante da decisão do marido, é correto afirmar que ela: a) revela indignação, uma vez que não compreende o motivo da atitude do marido. b) demonstra apatia, visto que tal atitude não mudou radicalmente a rotina familiar. c) manifesta desespero, pois a canoa construída parecia muito frágil para um rio tão perigoso. d) demonstra desgosto, pois aquilo comprovava a suspeita de que ele enlouquecera. e) mostra-se revoltada, porque o marido usou dos recursos financeiros da família para construir o barco. 6. (Insper) O sentimento de fracasso do narrador revelado no último parágrafo pela expressão “Sou homem, depois desse falimento?” tem como causa o acontecimento relatado em: a) “Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito.” b) “Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?” c) “Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber.” d) “Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos.” e) “Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado” E.O. Complementar 1. Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem – ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! – é o que digo. O senhor aprova? Me declame tudo, franco – é alta mercê que me vejam – é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! O trecho anterior apresenta claras características da linguagem normalmente empregada por ____________ em sua obra. Assinale a alternativa que completa corretamente a lacuna. a) Graciliano Ramos. b) José Lins do Rego. c) Raquel de Queiroz. d) Jorge Amado. e) João Guimarães Rosa. 2. “O período de 1930 a 1945 registrou a estreia de alguns dos nomes mais significativos do romance brasileiro. Assim é que, refletindo o mesmo momento histórico e apresentando as mesmas preocupações dos poetas da década de 30, encontramos autores que produzem uma literatura de caráter mais construtivo, de maturidade, aproveitando as conquistas da geração de 1922 e sua prosa inovadora.” Não pertence ao período acima: a) Clarice Lispector. b) Rachel de Queiroz. c) José Lins do Rego. d) Graciliano Ramos. e) Jorge Amado. 3. ”O jagunço Riobaldo conta sua vida nos campos gerais, onde tem destaque seu amor por Diadorim. A história segue o ritmo dos romances de cavalaria, fugindo aos padrões do realismo. O livro é uma sucessão de frases evocativas de Riobaldo, numa cronologia própria, frases curtas em que as palavras, frequentemente, aparecem em ordem inversa.” O trecho acima refere-se a: a) “São Bernardo”. b) “Fogo Morto”. c) “A Bagaceira”. d) “Grande Sertão: Veredas”. e) “Angústia”. 4. I. Dentre as obras de José Lins do Rego, podemos citar: MENINO DO ENGENHO, O MOLEQUE RICARDO e USINA. II. Erico Verissimo é contemporâneo de Raquel de Queiroz e Graciliano Ramos. III. A poesia concreta, ou Concretismo, impôs-se, a partir de 1956, como uma das expressões mais vivas e atuantes de nossa vanguarda estética.
152VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Quanto às afirmações anteriores, assinale: a) se todas estão corretas. b) se apenas I e II estão corretas. c) se apenas II e III estão corretas. d) se apenas I e III estão corretas. e) se todas estão incorretas. E.O. Dissertativo 1. (UFU) Leia os textos a seguir. TEXTO A “Ela nascera com maus antecedentes e agora parecia uma filha de um não-sei-o-quê com ar de se desculpar por ocupar espaço. No espelho distraidamente examinou de perto as manchas no rosto. Em Alagoas chamavam-se ‘panos’, diziam que vinham do fígado. Disfarçava os panos com grossa camada de pó branco e se ficava meio caiada era melhor que o pardacento. Ela toda era um pouco encardida pois raramente se lavava. De dia usava saia e blusa, de noite dormia de combinação. Uma colega de quarto não sabia como avisar-lhe que seu cheiro era murrinhento. E como não sabia, ficou por isso mesmo, pois tinha medo de ofendê-la. Nada nela era iridescente, embora a pele do rosto entre as manchas tivesse um leve brilho de opala. Mas não importava. Ninguém olhava para ela na rua, ela era café frio. [...] Só eu a amo.” Clarice Lispector. “A hora da estrela”. TEXTO B “Uma nordestina Ela é uma pessoa no mundo nascida. Como toda pessoa é dona da vida. Não importa a roupa de que está vestida. Não importa a alma aberta em ferida. Ela é uma pessoa e nada a fará desistir da vida. Nem o sol de inferno a terra ressequida a falta de amor a falta de comida. É mulher é mãe: rainha da vida. De pés na poeira de trapos vestida é uma rainha e parece mendiga: a pedir esmolas a fome a obriga. Algo está errado nesta nossa vida: ela é uma rainha e não há quem diga.” Ferreira Gullar. “Melhores poemas”. a) Cite dois elementos constitutivos do poema que contribuem para acentuar o seu caráter de apelo “popular”. b) Compare os textos e discorra sobre a descrição da nordestina, considerando: • as perspectivas diferentes do narrador e sujeito lírico. • os aspectos convergentes das opiniões do narrador e sujeito lírico. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: FELIZ ANIVERSÁRIO A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeites de paetês e um drapejado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados – e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas com babados cor--de-rosa e anáguas engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata. Tendo Zilda – a filha com quem a aniversariante morava – disposto cadeiras unidas ao longo das paredes, como numa festa em que se vai dançar, a nora de Olaria, depois de cumprimentar com cara fechada aos de casa, aboletou–se numa das cadeiras e emudeceu, a boca em bico, mantendo sua posição ultrajada. “Vim para não deixar de vir”, dissera ela a Zilda, e em seguida sentara-se ofendida. As duas mocinhas de cor-de-rosa e o menino, amarelos e de cabelo penteado, não sabiam bem que atitude tomar e ficaram de pé ao lado da mãe, impressionados com seu vestido azul-marinho e com os paetês. Depois veio a nora de Ipanema com dois netos e a babá. O marido viria depois. E como Zilda – a única mulher entre os seis irmãos homens e a única que, estava decidido já havia anos, tinha espaço e tempo para alojar a aniversariante –, e como Zilda estava na cozinha a ultimar com a empregada os croquetes e sanduíches, ficaram: a nora de Olaria empertigada com seus filhos de coração inquieto ao lado; a nora de Ipanema na fila oposta das cadeiras fingindo ocupar-se com o bebê para não encarar a concunhada de Olaria; a babá ociosa e uniformizada, com a boca aberta. E à cabeceira da mesa grande a aniversariante que fazia hoje oitenta e nove anos. LISPECTOR, Clarice. Laços de família. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979, pp. 59–60.
153VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 2. (PUC-RJ) Há trinta anos morria uma das mais importantes escritoras brasileiras – Clarice Lispector. Sua obra, composta basicamente de romances e contos, representa uma tentativa de decifrar os mistérios da criação e a densidade das relações humanas. A partir da leitura do fragmento do conto “Feliz aniversário” transcrito anteriormente, responda à seguinte pergunta: que relação pode ser estabelecida entre o título do texto e o comportamento das personagens? 3. (UFU) Leia o trecho a seguir. “– Severino, retirante, o meu amigo é bem moço; sei que a miséria é mar largo, não é como qualquer poço: mas sei que para cruzá-la vale bem qualquer esforço. – Seu José, mestre carpina, e quando é fundo o perau? quando a força que morreu nem tem onde se enterrar, por que ao puxão das águas não é melhor se entregar? – Severino, retirante, o mar de nossa conversa precisa ser combatido, sempre, de qualquer maneira, porque senão ele alaga e devasta a terra inteira. – Seu José, mestre carpina, e em que nos faz diferença que como frieira se alastre, ou como rio na cheia, se acabamos naufragados num braço do mar miséria?” João Cabral de Melo Neto. “Morte e vida severina”. Baseado nos versos anteriores, responda. a) Além de ser escrito em versos, o trecho acima apresenta outros recursos estilísticos que são usados pela literatura. Cite e exemplifique DOIS desses procedimentos, que nos levam a considerar esse trecho como literário. b) Comente UMA crítica social implícita nesses versos. 4. (UFU) A revista “Cadernos de Literatura Brasileira” perguntou a João Cabral de Melo Neto se haveria algum aspecto de sua obra com o qual a crítica não havia trabalhado, ao que o poeta respondeu: “A crítica nunca se preocupa com o humor negro de minha poesia. Leia “Dois parlamentos”, por exemplo. É puro humor negro. Em “Morte e vida severina”, também existe humor negro. Você lembra daquele trecho – Mais sorte tem o defunto, irmãos das almas, pois já não fará na volta a caminhada.”? Trecho da segunda cena da obra, em que Severino encontra dois homens carregando um defunto. Explique, pelo contexto da obra, o “humor negro” desses versos. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. (...) Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma! Porque existe dor. E a vida do homem está presa encantoada – erra rumo, dá em aleijões como esses, dos meninos sem pernas e braços. (...) Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. 5. (UFSCar) Uma das principais características da obra de Guimarães Rosa é sua linguagem artificiosamente inventada, barroca até certo ponto, mas instrumento adequado para sua narração, na qual o sertão acaba universalizado. a) Transcreva um trecho do texto apresentado, onde esse tipo de “invenção” ocorre. b) Transcreva um trecho em que a sintaxe utilizada por Rosa configura uma variação linguística que contraria o registro prescrito pela língua padrão. E.O. Enem 1. (Enem) Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré- -história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou. […] Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré- -pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos — sou eu que escrevo o que estou escrevendo. […] Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes. Como eu irei dizer agora, esta história será o resultado de uma visão gradual — há dois anos e meio venho aos poucos descobrindo os porquês. É visão da iminência de. De quê? Quem sabe se mais tarde saberei. Como que estou escrevendo na hora mesma em que sou lido. Só não inicio pelo fim que justificaria o começo — como a morte parece dizer sobre a vida — porque preciso registrar os fatos antecedentes. LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1988 (fragmento). A elaboração de uma voz narrativa peculiar acompanha a trajetória literária de Clarice Lispector, culminada com a obra A hora da estrela, de 1977, ano da morte da escritora. Nesse fragmento, nota-se essa peculiaridade porque o narrador: a) observa os acontecimentos que narra sob uma óptica distante, sendo indiferente aos fatos e às personagens. b) relata a história sem ter tido a preocupação de investigar os motivos que levaram aos eventos que a compõem.
154VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias c) revela-se um sujeito que reflete sobre questões existenciais e sobre a construção do discurso. d) admite a dificuldade de escrever uma história em razão da complexidade para escolher as palavras exatas. e) propõe-se a discutir questões de natureza filosófica e metafísica, incomuns na narrativa de ficção. 2. (Enem 2016) A PARTIDA DE TREM Marcava seis horas da manhã. Angela Pralini pagou o táxi e pegou sua pequena valise. Dona Maria Rita de Alvarenga Chagas Souza Melo desceu do Opala da filha e encaminharam-se para os trilhos. A velha bem-vestida e com joias. Das rugas que a disfarçavam saía a forma pura de um nariz perdido na idade, e de uma boca que outrora devia ter sido cheia e sensível. Mas que importa? Chega- -se a um certo ponto – e o que foi não importa. Começa uma nova raça. Uma velha não pode comunicar-se. Recebeu o beijo gelado de sua filha que foi embora antes do trem partir. Ajudara-a antes a subir no vagão. Sem que neste houvesse um centro, ela se colocara do lado. Quando a locomotiva se pôs em movimento, surpreendeu-se um pouco: não esperava que o trem seguisse nessa direção e sentara-se de costas para o caminho. Angela Pralini percebeu-lhe o movimento e perguntou: — A senhora deseja trocar de lugar comigo? Dona Maria Rita se espantou com a delicadeza, disse que não, obrigada, para ela dava no mesmo. Mas parecia ter-se perturbado. Passou a mão sobre o camafeu filigranado de ouro, espetado no peito, passou a mão pelo broche. Seca. Ofendida? Perguntou afinal a Angela Pralini: — É por causa de mim que a senhorita deseja trocar de lugar? LISPECTOR, C. Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980 (fragmento). A descoberta de experiências emocionais com base no cotidiano é recorrente na obra de Clarice Lispector. No fragmento, o narrador enfatiza o(a): a) comportamento vaidoso de mulheres de condição social privilegiada. b) anulação das diferenças sociais no espaço público de uma estação. c) incompatibilidade psicológica entre mulheres de gerações diferentes. d) constrangimento da aproximação formal de pessoas desconhecidas. e) sentimento de solidão alimentado pelo processo de envelhecimento. 3. (Enem 2016) PINHÃO sai ao mesmo tempo que BENONA entra. BENONA: Eurico, Eudoro Vicente está lá fora e quer falar com você. EURICÃO: Benona, minha irmã, eu sei que ele está lá fora, mas não quero falar com ele. BENONA: Mas Eurico, nós lhe devemos certas atenções. EURICÃO: Você, que foi noiva dele. Eu, não! BENONA: Isso são coisas passadas. EURICÃO: Passadas para você, mas o prejuízo foi meu. Esperava que Eudoro, com todo aquele dinheiro, se tornasse meu cunhado. Era uma boca a menos e um patrimônio a mais. E o peste me traiu. Agora, parece que ouviu dizer que eu tenho um tesouro. E vem louco atrás dele, sedento, atacado de verdadeira hidrofobia. Vive farejando ouro, como um cachorro da molest’a, como um urubu, atrás do sangue dos outros. Mas ele está enganado. Santo Antônio há de proteger minha pobreza e minha devoção. SUASSUNA, A. O santo e a porca. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013 (fragmento). Nesse texto teatral, o emprego das expressões “o peste” e “cachorro da molest’a” contribui para: a) marcar a classe social das personagens. b) caracterizar usos linguísticos de uma região. c) enfatizar a relação familiar entre as personagens. d) sinalizar a influência do gênero nas escolhas vocabulares. e) demonstrar o tom autoritário da fala de uma das personagens. 4. (Enem 2016) Antiode Poesia, não será esse o sentido em que ainda te escrevo: flor! (Te escrevo: flor! Não uma flor, nem aquela flor-virtude – em disfarçados urinóis). Flor é a palavra flor; verso inscrito no verso, como as manhãs no tempo. Flor é o salto da ave para o voo: o salto fora do sono quando seu tecido se rompe; é uma explosão posta a funcionar, como uma máquina, uma jarra de flores. MELO NETO, J. C. Psicologia da composição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997 (fragmento). A poesia é marcada pela recriação do objeto por meio da linguagem, sem necessariamente explicá-lo. Nesse fragmento de João Cabral de Melo Neto, poeta da geração de 1945, o sujeito lírico propõe a recriação poética de: a) uma palavra, a partir de imagens com as quais ela pode ser comparada, a fim de assumir novos significados. b) um urinol, em referência às artes visuais ligadas às vanguardas do início do século XX. c) uma ave, que compõe, com seus movimentos, uma imagem historicamente ligada à palavra poética. d) uma máquina, levando em consideração a relevância do discurso técnico-científico pós-Revolução Industrial. e) um tecido, visto que sua composição depende de elementos intrínsecos ao eu lírico.
155VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 5. (Enem) Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-o-giro no vago dos gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas. O senhor vê: o Zé-Zim, o melhor meeiro meu aqui, risonho e habilidoso. Pergunto: – Zé-Zim. por que é que você não cria galinhas-d’angola, como todo o mundo faz? — Quero criar nada não... – me deu resposta: — Eu gosto muito de mudar... [...] Belo um dia, ele tora. Ninguém discrepa. Eu, tantas, mesmo digo. Eu dou proteção. [...] Essa não faltou também à minha mãe, quando eu era menino, no sertãozinho de minha terra. [...] Gente melhor do lugar eram todos dessa família Guedes, Jidião Guedes; quando saíram de lá, nos trouxeram junto, minha mãe e eu. Ficamos existindo em território baixio da Sirga, da outra banda, ali onde o de-Janeiro vai no São Francisco, o senhor sabe. ROSA. J. G. Grande Sertão Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio (fragmento). Na passagem citada, Riobaldo expõe uma situação decorrente de uma desigualdade social típica das áreas rurais brasileiras marcadas pela concentração de terras e pela relação de dependência entre agregados e fazendeiros. No texto, destaca-se essa relação porque o personagem-narrador: a) relata a seu interlocutor a história de Zé-Zim, demonstrando sua pouca disposição em ajudar seus agregados, uma vez que superou essa condição graças à sua força de trabalho. b) descreve o processo de transformação de um meeiro — espécie de agregado — em proprietário de terra. c) denuncia a falta de compromisso e a desocupação dos moradores, que pouco se envolvem no trabalho da terra. d) mostra como a condição material da vida do sertanejo é dificultada pela sua dupla condição de homem livre e, ao mesmo tempo, dependente. e) mantém o distanciamento narrativo condizente com sua posição social, de proprietário de terras. 6. (Enem) Texto I O meu nome é Severino, não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria, do finado Zacarias, mas isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como então dizer quem fala ora a Vossas Senhorias? MELO NETO, J. C. Obras completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1994 (fragmento) Texto II João Cabral, que já emprestara sua voz ao rio, transfere- -a, aqui, ao retirante Severino, que, como o Capibaribe, também segue no caminho do Recife. A autoapresentação do personagem, na fala inicial do texto, nos mostra um Severino que, quanto mais se define, menos se individualiza, pois seus traços biográficos são sempre partilhados por outros homens. SECCHIN, A. C. João Cabral: a poesia do menos. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999 (fragmento). Com base no trecho de Morte e Vida Severina (Texto I) e na análise crítica (Texto II), observa-se que a relação entre o texto poético e o contexto social a que ele faz referência aponta para um problema social expresso literariamente pela pergunta “Como então dizer quem fala/ ora a Vossas Senhorias?”. A resposta à pergunta expressa no poema é dada por meio da a) descrição minuciosa dos traços biográficos personagem-narrador. b) construção da figura do retirante nordestino como um homem resignado com a sua situação. c) representação, na figura do personagem-narrador, de outros Severinos que compartilham sua condição. d) apresentação do personagem-narrador como uma projeção do próprio poeta em sua crise existencial. e) descrição de Severino, que, apesar de humilde, orgulha-se de ser descendente do coronel Zacarias. E.O. UERJ Exame Discursivo TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: Texto I – UAI, EU? Se o assunto é meu e seu, lhe digo, lhe conto; que vale enterrar minhocas? De como aqui me vi, sutil assim, por tantas cargas d’água. No engano sem desengano: o de aprender prático o desfeitio da vida. Sorte? A gente vai – nos passos da história que vem. Quem quer viver faz mágica. Ainda mais eu, que sempre fui arrimo de pai bêbado. Só que isso se deu, o que quando, deveras comigo, feliz e prosperado. Ah, que saudades que eu não tenha... Ah, meus bons maus-tempos! Eu trabalhava para um senhor Doutor Mimoso. Sururjão, não; é solorgião. Inteiro na fama – olh’alegre, justo, inteligentudo – de calibre de quilate de caráter. Bom até-onde-que, bom como cobertor, lençol e colcha, bom mesmo quando com dor-de-cabeça: bom, feito mingau adoçado. Versando chefe os solertes preceitos. Ordem, por fora; paciência por dentro. Muito mediante fortes cálculos, imaginado de ladino, só se diga. A fim de comigo ligeiro poder ir ver seus chamados de seus doentes, tinha fechado um piquete no quintal: lá pernoitavam, de diário, à mão, dois animais de sela – prontos para qualquer aurora. Vindo a gente a par, nas ocasiões, ou eu atrás, com a
156VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias maleta dos remédios e petrechos, renquetrenque, estudante andante. Pois ele comigo proseava, me alentando, cabidamente, por norteação – a conversa manuscrita. Aquela conversa me dava muitos arredores. Ô homem! Inteligente como agulha e linha, feito pulga no escuro, como dinheiro não gastado. Atilado todo em sagacidades e finuras - é de “fimplus”! “de tintínibus”... - latim, o senhor sabe, aperfeiçoa... Isso, para ele, era fritada de meio ovo. O que porém bem. (ROSA, João Guimarães. Tutameia: terceiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.) Texto II NO MEIO DO CAMINHO No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra. (ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.) 1. (UERJ) A obra de Guimarães Rosa, citado como grande renovador da expressão literária, é também reconhecida pela contribuição linguística, devido à utilização de termos regionais, palavras novas, não dicionarizadas, o que chamamos NEOLOGISMOS, especialmente para expressar situações ou opiniões de seus personagens. a) Retire do primeiro parágrafo um exemplo de neologismo e explique, em uma frase completa, o seu sentido no texto. b) Compare o adjetivo “inteligentudo” (par. 2) com “barbudo”, “barrigudo”, “sortudo”. Escreva duas formas da língua padrão – a primeira com duas palavras; a segunda com uma palavra – que equivalem semanticamente ao neologismo “inteligentudo”. 2. (UERJ) Depois de aposentar-se, José Maria passa a contemplar a natureza e a percebê-la de duas formas diferentes. Transcreva do texto uma passagem que exemplifique cada uma dessas percepções. Em seguida, explique a diferença entre elas. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: Um certo Miguilim morava com sua mãe, seu pai e seus irmãos, 6 longe, longe daqui, muito depois da Vereda-do- -Frango-d’Água e de outras veredas sem nome ou pouco conhecidas, em ponto remoto, no Mutum. No meio dos Campos Gerais, mas num 1 covoão em trecho de matas, terra preta, pé de serra. Miguilim tinha oito anos. Quando completara sete, havia saído dali, pela primeira vez: o Tio Terêz levou-o a cavalo, à frente da sela, para ser crismado no Sucuriju, por onde o bispo passava. Da viagem, que durou dias, ele guardara aturdidas lembranças, embaraçadas em sua cabecinha. De uma, nunca pôde se esquecer: alguém, que já estivera no Mutum, tinha dito: – “É um lugar bonito, entre 7 morro e morro, com muita pedreira e muito mato, distante de qualquer parte; e lá chove sempre...” Mas sua mãe, que era linda e com cabelos pretos e compridos, se doía de tristeza de ter de viver ali. Queixava-se, principalmente nos demorados meses chuvosos, quando carregava o tempo, tudo tão sozinho, tão escuro, o ar ali era mais escuro; ou, mesmo na estiagem, qualquer dia, de tardinha, na hora do sol entrar. – “Oê, ah, o triste recanto...” – ela exclamava. Mesmo assim, enquanto esteve fora, só com o Tio Terêz, Miguilim padeceu tanta saudade, de todos e de tudo, que às vezes nem conseguia chorar, e ficava sufocado. E foi descobrir, por si, que, umedecendo as ventas com um tico de cuspe, aquela aflição um pouco aliviava. Daí, pedia ao Tio Terêz que molhasse para ele o lenço; 4 e Tio Terêz, quando davam com um riacho, um 2 minadouro ou um poço de grota, sem se apear do cavalo abaixava o copo de chifre, na ponta de uma correntinha, e subia um punhado d’água. Mas quase sempre eram secos os caminhos, nas chapadas, então Tio Terêz tinha uma cabacinha que vinha cheia, essa dava para quatro sedes; uma cabacinha entrelaçada com cipós, que era tão formosa. – “É para beber, Miguilim...” – Tio Terêz dizia, caçoando. Mas Miguilim ria também e preferia não beber a sua parte, deixava-a para empapar o lenço e refrescar o nariz, na hora do arrocho. Gostava do Tio Terêz, irmão de seu pai. 5 Quando voltou para casa, seu maior pensamento era que tinha a boa notícia para dar à mãe: o que o homem tinha falado – que o Mutum era lugar bonito... A mãe, quando ouvisse essa certeza, havia de se alegrar, ficava consolada. Era um presente; e a ideia de poder trazê-lo desse jeito de cor, como uma salvação, deixava-o febril até nas pernas. 3 Tão grave, grande, que nem o quis dizer à mãe na presença dos outros, mas insofria por ter de esperar; e, assim que pôde estar com ela só, abraçou-se a seu pescoço e contou-lhe, estremecido, aquela revelação. GUIMARÃES ROSA Manuelzão e Miguilim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. Vocabulário: 1 covoão – baixada estreita e profunda 2 minadouro – olho d’água, quase sempre nascente de um córrego ou de um ribeirão 3. (UERJ) Guimarães Rosa se caracteriza pela linguagem instigante que encanta e desconcerta, permitindo ao leitor familiarizar-se com o potencial criativo da Língua Portuguesa. Observe o fragmento do texto: “Tão grave, grande, que nem o quis dizer à mãe na presença dos outros, mas insofria por ter de esperar;” (ref. 3) Aponte o significado do prefixo da palavra sublinhada e explicite, em uma frase completa, o sentido dessa palavra.
157VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias E.O. Objetivas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES. O nada que é Um canavial tem a extensão ante a qual todo metro é vão. Tem o escancarado do mar que existe para desafiar que números e seus afins possam prendê-lo nos seus sins. Ante um canavial a medida métrica é de todo esquecida, porque embora todo povoado povoa-o o pleno anonimato que dá esse efeito singular: de um nada prenhe como o mar. João Cabral de Melo Neto. Museu de tudo e depois, 1988. 1. (Unifesp) Ao comparar o canavial ao mar, a imagem construída pelo eu lírico formaliza-se em: a) uma assimetria entre a ideia de nada e a de anonimato. b) uma descontinuidade entre a ideia de mar e a de canavial. c) uma contradição entre a ideia de extensão e a de canavial. d) um paradoxo entre a ideia de nada e a de imensidão. e) um eufemismo entre a ideia de metro e a de medida. 2. (Unifesp) Nos versos iniciais do poema – Um canavial tem a extensão / ante a qual todo metro é vão. –, metro é concebido como: a) forma ineficaz de se medir a extensão de um canavial. b) forma de se medir corretamente um canavial. c) meio de se dizer mais de um canavial do que só sua extensão. d) tradução subjetiva da extensão de um canavial. e) meio de se medir a extensão de um canavial com precisão. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. A sensível Foi então que ela atravessou uma crise que nada parecia ter a ver com sua vida: uma crise de profunda piedade. A cabeça tão limitada, tão bem penteada, mal podia suportar perdoar tanto. Não podia olhar o rosto de um tenor enquanto este cantava alegre – virava para o lado o rosto magoado, insuportável, por piedade, não suportando a glória do cantor. Na rua de repente comprimia o peito com as mãos enluvadas – assaltada de perdão. Sofria sem recompensa, sem mesmo a simpatia por si própria. Essa mesma senhora, que sofreu de sensibilidade como de doença, escolheu um domingo em que o marido viajava para procurar a bordadeira. Era mais um passeio que uma necessidade. Isso ela sempre soubera: passear. Como se ainda fosse a menina que passeia na calçada. Sobretudo passeava muito quando “sentia” que o marido a enganava. Assim foi procurar a bordadeira, no domingo de manhã. Desceu uma rua cheia de lama, de galinhas e de crianças nuas – aonde fora se meter! A bordadeira, na casa cheia de filhos com cara de fome, o marido tuberculoso – a bordadeira recusou-se a bordar a toalha porque não gostava de fazer ponto de cruz! Saiu afrontada e perplexa. “Sentia-se” tão suja pelo calor da manhã, e um de seus prazeres era pensar que sempre, desde pequena, fora muito limpa. Em casa almoçou sozinha, deitou-se no quarto meio escurecido, cheia de sentimentos maduros e sem amargura. Oh pelo menos uma vez não “sentia” nada. Senão talvez a perplexidade diante da liberdade da bordadeira pobre. Senão talvez um sentimento de espera. A liberdade. Clarice Lispector. Os melhores contos de Clarice Lispector, 1996. 3. (Unifesp) O emprego do adjetivo “sensível” como substantivo, no título do texto, revela a intenção de: a) ironizar a ideia de sentimento, então destituído de subjetividades e ambiguidades na expressão da senhora. b) priorizar os aspectos relacionados aos sentimentos, como conteúdo temático do conto e expressão do que vive a senhora. c) explorar a ideia de liberdade em uma narrativa em que o efeito de objetividade limita a expressão dos sentimentos da senhora. d) traduzir a expressão comedida da senhora ante a vida e os sentimentos mais intensos, como na relação com a bordadeira. e) dar relevância aos aspectos subjetivos das relações humanas, pondo em sintonia os pontos de vista da senhora e da bordadeira. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. Ele se aproximou e com voz cantante de nordestino que a emocionou, perguntou–lhe: – E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a passear? – Sim, respondeu atabalhoadamente com pressa antes que ele mudasse de ideia. – E, se me permite, qual é mesmo a sua graça? – Macabéa. Maca – o quê? – Bea, foi ela obrigada a completar. – Me desculpe mas até parece doença, doença de pele. – Eu também acho esquisito mas minha mãe botou ele por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte se eu vingasse, até um ano de idade eu não era chamada porque não tinha nome, eu preferia continuar a nunca ser chamada em vez de ter um nome que ninguém tem mas parece que deu certo – parou um instante retomando o fôlego perdido e acrescentou desanimada e com pudor – pois como o senhor vê eu vinguei... pois é... – Também no sertão da Paraíba promessa é questão de grande dívida de honra.
158VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a chuva grossa e pararam diante da vitrine de uma loja de ferragem onde estavam expostos atrás do vidro canos, latas, parafusos grandes e pregos. E Macabéa, com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao lançado recém–lançado–namorado: – Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor? Da segunda vez em que se encontraram caía uma chuva fininha que ensopava os ossos. Sem nem ao menos se darem as mãos caminhavam na chuva que na cara de Macabéa parecia lágrimas escorrendo. Clarice Lispector, A hora da estrela. 4. (Fuvest) Neste excerto, as falas de Olímpico e Macabéa: a) aproximam–se do cômico, mas, no âmbito do livro, evidenciam a oposição cultural entre a mulher nordestina e o homem do sul do País. b) demonstram a incapacidade de expressão verbal das personagens, reflexo da privação econômica de que são vítimas. c) beiram às vezes o absurdo, mas, no contexto da obra, adquirem um sentido de humor e sátira social. d) registram, com sentimentalismo, o eterno conflito que opõe os princípios antagônicos do Bem e do Mal. e) suprimem, por seu caráter ridículo, a percepção do desamparo social e existencial das personagens. 5. (Fuvest) Devo registrar aqui uma alegria. É que a moça num aflitivo domingo sem farofa teve uma inesperada felicidade que era inexplicável: no cais do porto viu um arco–íris. Experimentando o leve êxtase, ambicionou logo outro: queria ver, como uma vez em Maceió, espocarem mudos fogos de artifício. Ela quis mais porque É MESMO UMA VERDADE QUE QUANDO SE DÁ A MÃO, ESSA GENTINHA QUER TODO O RESTO, O ZÉ-POVINHO SONHA COM FOME DE TUDO. E QUER MAS SEM DIREITO ALGUM, POIS NÃO É? Clarice Lispector, “A hora da estrela”. Considerando-se no contexto da obra o trecho destacado, é correto afirmar que, nele, o narrador: a) assume momentaneamente as convicções elitistas que, no entanto, procura ocultar no restante da narrativa. b) reproduz, em estilo indireto livre, os pensamentos da própria Macabéa diante dos fogos de artifício. c) hesita quanto ao modo correto de interpretar a reação de Macabéa frente ao espetáculo. d) adota uma atitude panfletária, criticando diretamente as injustiças sociais e cobrando sua superação. e) retoma uma frase feita, que expressa preconceito antipopular, desenvolvendo-a na direção da ironia. 6. (Fuvest) Identifique a afirmação correta sobre “A hora da estrela”, de Clarice Lispector: a) A força da temática social, centrada na miséria brasileira, afasta do livro as preocupações com a linguagem, frequentes em outros escritores da mesma geração. b) Se o discurso do narrador critica principalmente a própria literatura, as falas de Macabéa exprimem sobretudo as críticas da personagem às injustiças sociais. c) O narrador retarda bastante o início da narração da história de Macabéa, vinculando esse adiamento a um auto questionamento radical. d) Os sofrimentos da migrante nordestina são realçados, no livro, pelo contraste entre suas desventuras na cidade grande e suas lembranças de uma infância pobre, mas vivida no aconchego familiar. e) O estilo do livro é caracterizado, principalmente, pela oposição de duas variedades linguísticas: linguagem culta, literária, em contraste com um grande número de expressões regionais nordestinas. 7. (Fuvest) Considere as seguintes comparações entre “Vidas secas” e “A hora da estrela”: I. Os narradores de ambos os livros adotam um estilo sóbrio e contido, avesso a expansões emocionais, condizente com o mundo de escassez e privação que retratam. II. Em ambos os livros, a carência de linguagem e as dificuldades de expressão, presentes, por exemplo, em Fabiano e Macabéa, manifestam aspectos da opressão social. III. A personagem Sinhá Vitória (“Vidas secas”), por viver isolada em meio rural, não possui elementos de referência que a façam aspirar por bens que não possui; já Macabéa, por viver em meio urbano, possui sonhos típicos da sociedade de consumo. Está correto apenas o que se afirma em: a) I. b) II. c) III. d) I e II. e) II e III. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: Poetas e tipógrafos Vice-cônsul do Brasil em Barcelona em 1947, o poeta João Cabral de Melo Neto foi a um médico por causa de sua crônica dor de cabeça. Ele lhe receitou exercícios físicos, para “canalizar a tensão”. João Cabral seguiu o conselho. Comprou uma prensa manual e passou a produzir à mão, domesticamente, os próprios livros e os dos amigos. E, com tal “ginástica poética”, como a chamava, tornou-se essa ave rara e fascinante: um editor artesanal. Um livro recém-lançado, “Editores Artesanais Brasileiros”, de Gisela Creni, conta a história de João Cabral e de outros sonhadores que, desde os anos 50, enriqueceram a cultura brasileira a partir de seu quarto dos fundos ou de um galpão no quintal. O editor artesanal dispõe de uma minitipografia e faz tudo: escolhe a tipologia, compõe o texto, diagrama- -o, produz as ilustrações, tira provas, revisa, compra o papel e imprime – em folhas soltas, não costuradas – 100 ou 200 lindos exemplares de um livrinho que, se não fosse por ele, nunca seria publicado. Daí, distribui- -os aos subscritores (amigos que se comprometeram a comprar um exemplar). O resto, dá ao autor. Os livreiros não querem nem saber.
159VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Foi assim que nasceram, em pequenos livros, poemas de – acredite ou não – João Cabral, Manuel Bandeira, Drummond, Cecília Meireles, Joaquim Cardozo, Vinicius de Moraes, Lêdo Ivo, Paulo Mendes Campos, Jorge de Lima e até o conto “Com o Vaqueiro Mariano” (1952), de Guimarães Rosa. E de Donne, Baudelaire, Lautréamont, Rimbaud, Mallarmé, Keats, Rilke, Eliot, Lorca, Cummings e outros, traduzidos por amor. João Cabral não se curou da dor de cabeça, mas valeu. Ruy Castro. Folha de S.Paulo, 17.08.2013. Adaptado. 8. (Unifesp) As informações do texto permitem afirmar que: a) a edição artesanal, como a praticada por João Cabral de Melo Neto, permitiu que a cultura nacional fosse enriquecida com obras de expressivos escritores. b) as edições artesanais, como as de João Cabral de Melo Neto, raramente se destinam à produção de obras literárias para pessoas dos círculos íntimos de convivência dos autores. c) a edição artesanal é uma realidade específica do Brasil, retratando a dificuldade que autores como Vinicius de Moraes e Guimarães Rosa tiveram para publicar suas obras. d) a venda de uma edição artesanal se dá com um grande volume de livros, razão pela qual desperta grande interesse comercial e cultural dos editores no Brasil. e) os livreiros normalmente têm pouco interesse por livros artesanais, como os de Manuel Bandeira e Cecília Meireles, por considerarem-nos uma forma menor de expressão artística. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: A sensível Foi então que ela atravessou uma crise que nada parecia ter a ver com sua vida: uma crise de profunda piedade. A cabeça tão limitada, tão bem penteada, mal podia suportar perdoar tanto. Não podia olhar o rosto de um tenor enquanto este cantava alegre – virava para o lado o rosto magoado, insuportável, por piedade, não suportando a glória do cantor. Na rua de repente comprimia o peito com as mãos enluvadas – assaltada de perdão. Sofria sem recompensa, sem mesmo a simpatia por si própria. Essa mesma senhora, que sofreu de sensibilidade como de doença, escolheu um domingo em que o marido viajava para procurar a bordadeira. Era mais um passeio que uma necessidade. Isso ela sempre soubera: passear. Como se ainda fosse a menina que passeia na calçada. Sobretudo passeava muito quando “sentia” que o marido a enganava. Assim foi procurar a bordadeira, no domingo de manhã. Desceu uma rua cheia de lama, de galinhas e de crianças nuas – aonde fora se meter! A bordadeira, na casa cheia de filhos com cara de fome, o marido tuberculoso – a bordadeira recusou- -se a bordar a toalha porque não gostava de fazer ponto de cruz! Saiu afrontada e perplexa. “Sentia-se” tão suja pelo calor da manhã, e um de seus prazeres era pensar que sempre, desde pequena, fora muito limpa. Em casa almoçou sozinha, deitou-se no quarto meio escurecido, cheia de sentimentos maduros e sem amargura. Oh pelo menos uma vez não “sentia” nada. Senão talvez a perplexidade diante da liberdade da bordadeira pobre. Senão talvez um sentimento de espera. A liberdade. Clarice Lispector. Os melhores contos de Clarice Lispector, 1996. 9. (Unifesp) A narrativa delineia entre as personagens da senhora e da bordadeira uma relação de: a) cumplicidade, entendida como ajuda entre duas mulheres cujas vidas mostram–se tão distintas. b) animosidade, marcada pela recusa afrontosa da segunda em atender ao pedido emergencial da primeira. c) oposição, determinada pela superioridade social e econômica da primeira e a liberdade da segunda. d) sujeição, fortalecida naturalmente pelas condições econômicas da primeira, superiores às da segunda. e) incompreensão, decorrente do desejo da primeira de que a segunda trabalhasse num dia de domingo. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. Essa vida por aqui é coisa familiar; mas diga-me retirante, sabe benditos rezar? sabe cantar excelências, defuntos encomendar? sabe tirar ladainhas, sabe mortos enterrar? João Cabral de Melo Neto, Morte e vida Severina. 10. (Fuvest) Neste contexto, o verso “defuntos encomendar” significa: a) ordenar a morte de alguém. b) lavar e vestir o defunto. c) matar alguém. d) preparar a urna funerária. e) orar pelo defunto. E.O. Dissertativas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) 1. (Unifesp) Leia o texto. Quando chega o dia da casa cair – que, com ou sem terremotos, é um dia de chegada infalível, – o dono pode estar: de dentro, ou de fora. É melhor de fora. E é a só coisa que um qualquer-um está no poder de fazer. Mes-
160VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias mo estando de dentro, mais vale todo vestido e perto da porta da rua. Mas, Nhô Augusto, não: estava deitado na cama – o pior lugar que há para se receber uma surpresa má. E o camarada Quim sabia disso, tanto que foi se encostando de medo que ele entrou. Tinha poeira até na boca. Tossiu. – Levanta e veste a roupa, meu patrão Nhô Augusto, que eu tenho uma novidade meia ruim, pr’a lhe contar. E tremeu mais, porque Nhô Augusto se erguia de um pulo e num átimo se vestia. Só depois de meter na cintura o revólver, foi que interpelou, dente em dente: – Fala tudo! Quim Recadeiro gaguejou suas palavras poucas, e ainda pôde acrescentar: – ... Eu podia ter arresistido, mas era negócio de honra, com sangue só p’ra o dono, e pensei que o senhor podia não gostar... – Fez na regra, e feito! Chama os meus homens! Dali a pouco, porém, tornava o Quim, com nova desolação: os bate-paus não vinham... Não queriam ficar mais com Nhô Augusto... O Major Consilva tinha ajustado, um e mais um, os quatro, para seus capangas, pagando bem. Não vinham, mesmo. O mais merecido, o cabeça, até mandara dizer, faltando ao respeito: – Fala com Nhô Augusto que sol de cima é dinheiro!... P’ra ele pagar o que está nos devendo... E é mandar por portador calado, que nós não podemos escutar prosa de outro, que seu major disse que não quer. – Cachorrada!... Só de pique... Onde é que eles estão? – Indo de mudados, p’ra a chácara do Major... – Major de borra! Só de pique, porque era inimigo do meu pai!... Vou lá! João Guimarães Rosa. A hora e vez de Augusto Matraga. a) No sertão de Guimarães Rosa, frequentemente faz-se referência a aspectos de um código de ética, de caráter tradicional, que rege a vida das personagens. Transcreva as duas falas do diálogo em que se menciona uma situação em que esse código não é quebrado. b) Indique duas palavras ou expressões presentes nos diálogos entre as personagens que não correspondem à norma-padrão da língua. Compare o modo como o autor emprega a língua nos diálogos e no discurso do narrador, explicando as diferenças entre os dois usos. 2. (Unicamp) Leia a seguinte passagem de “A hora e a vez de Augusto Matraga”: “O casal de pretos, que moravam junto com ele, era quem mandava e desmandava na casa, não trabalhando um nada e vivendo no estadão. Mas, ele, tinham-no visto mourejar até dentro da noite de Deus, quando havia luar claro. Nos domingos, tinha o seu gosto de tomar descanso: batendo mato, o dia inteiro, sem sossego, sem espingarda nenhuma e nem nenhuma arma para caçar; e, de tardinha, fazendo parte com as velhas corocas que rezavam o terço ou os meses dos santos. Mas fugia às léguas de viola ou sanfona, ou de qualquer outra qualidade de música que escuma tristezas no coração.” João Guimarães Rosa, “A hora e a vez de Augusto Matraga”, em “Sagarana”. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1984, p.359. a) Identifique o casal que vive junto com o protagonista da narrativa. b) Explique o comportamento do protagonista no trecho citado, confrontando-o com sua trajetória de vida. c) O que há de contraditório no descanso dominical a que o narrador se refere? 3. (Fuvest) Leia este trecho de “A hora da estrela”, de Clarice Lispector, no qual Macabéa, depois de receber o aviso de que seria despedida do emprego, olha–se ao espelho: Depois de receber o aviso foi ao banheiro para ficar sozinha porque estava toda atordoada. Olhou-se maquinalmente ao espelho que encimava a pia imunda e rachada, cheia de cabelos, o que tanto combinava com sua vida. Pareceu-lhe que o espelho baço e escurecido não refletia imagem alguma. Sumira por acaso a sua existência física? Logo depois passou a ilusão e enxergou a cara toda deformada pelo espelho ordinário, o nariz tornado enorme como o de um palhaço de nariz de papelão. Olhou-se e levemente pensou: tão jovem e já com ferrugem. a) Neste trecho, o fato de parecer, a Macabéa, não se ver refletida no espelho liga-se imediatamente ao aviso de que seria despedida. Projetando essa ausência de reflexo no contexto mais geral da obra, como você a interpreta? b) Também no contexto da obra, explique por que o narrador diz que Macabéa pensou “levemente”. 4. (Fuvest) No conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa, o protagonista é um homem rude e cruel, que sofre violenta surra de capangas inimigos e é abandonado como morto, num brejo. Recolhido por um casal de matutos, Matraga passa por um lento e doloroso processo de recuperação, em meio ao qual recebe a visita de um padre, com quem estabelece o seguinte diálogo: – Mas, será que Deus vai ter pena de mim, com tanta ruindade que fiz, e tendo nas costas tanto pecado mortal? – Tem, meu filho. Deus mede a espora pela rédea, e não tira o estribo do pé de arrependido nenhum... (...) Sua vida foi entortada no verde, mas não fique triste, de modo nenhum, porque a tristeza é aboio de chamar demônio, e o Reino do Céu, que é o que vale, ninguém tira de sua algibeira, desde que você esteja com a graça de Deus, que ele não regateia a nenhum coração contrito. a) A linguagem figurada amplamente empregada pelo padre é adequada ao seu interlocutor? Justifique sua resposta. b) Transcreva uma frase do texto que tenha sentido equivalente ao da frase “não regateia a nenhum coração contrito.”
161VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Gabarito E.O. Aprendizagem 1. E 2. E 3. C E.O. Fixação 1. D 2. A 3. A 4. D 5. A 6. E E.O. Complementar 1. E 2. A 3. D 4. A E.O. Dissertativo 1. a) Linguagem simples, repetições, contrastes (apesar de pobre, é rainha da vida). b) Para o narrador (primeiro texto), a nordestina só é vista e amada por ele, não tem valor para a sociedade. É uma pessoa indefesa, fraca. Para o eu lírico (segundo texto), a nordestina, apesar das dificuldades da vida, é forte, valente, dona de sua própria vida. 2. O título é uma ironia, pois há um contraste entre a concepção tradicional de uma festa de aniversário e o comportamento das personagens. As atitudes dos componentes da família demonstravam a hipocrisia que havia entre eles, com exceção da aniversariante. 3. a) uso de conotação e de rimas. Exemplos: Rimas “sempre, de qualquer maneira, porque senão ele alaga e devasta a terra inteira”. Conotação “a miséria é mar largo,” b) Fome, miséria, desigualdade. 4. O humor negro aparece na ironia feita em relação à sorte do defunto, que seria melhor do que a dos irmãos das almas, ou seja, morrer é melhor do que a vida que se leva no sertão. 5. a) “Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra”. b) “...a gente perdidos...” “...é todos contra o acaso”. E.O. Enem 1. C 2. E 3. B 4. A 5. D 6. C E.O. UERJ Exame Discursivo 1. a) Desfeitio Na expressão “o desfeitio da vida”, pode-se ressaltar o sentido de que a vida não tem feição ou configuração certa. b) Uma dentre as formas: § muito inteligente § bastante inteligente § bem inteligente § deveras inteligente § assaz inteligente § inteligentíssimo 2. O título do conto reflete com ironia o contraste entre a concepção tradicional de uma festa de aniversário e o comportamento das personagens. As atitudes e os sentimentos dos membros da família, com exceção da própria aniversariante, indicam um clima de animosidade, hipocrisia e desagregação familiar. 3. Movimento para dentro Uma das possibilidades: § O menino sofria por dentro. § O menino não dava sinais aparentes do seu sofrimento. § O menino não queria demonstrar à mãe seu sofrimento. E.O. Objetivas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) 1. D 2. A 3. B 4. C 5. E 6. C 7. B 8. A 9. C 10. E E.O. Dissertativas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) 1. a) “– ... Eu podia ter arresistido, mas era negócio de honra, com sangue só p’ra o dono, e pensei que o senhor podia não gostar... – Fez na regra, e feito! Chama os meus homens!”. Neste diálogo entre Quim Recadeiro e Matraga percebe–se a existência de um código de conduta do sertão de Minas Gerais onde são ambientadas as narrativas de Guimarães Rosa. As ofensas devem ser castigadas com a morte e a vingança deve ser feita individualmente pela pessoa ultrajada, ou seja, o conflito deve envolver apenas ofendido e ofensor. Assim, a atitude de Quim Recadeiro é aprovada por Matraga, o que confirma a justeza do ato. b) No excerto “novidade meia ruim, pr’a lhe contar”, o advérbio “meia” é usado no feminino o que contraria a norma padrão que considera esta classe invariável. Também o verbo resistir é adaptado à oralidade na transposição da fala em discurso direto (“Eu podia ter arresistido”). Assim, Guimarães Rosa transporta para os
162VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias diálogos a forma de falar do sertanejo, carregada de regionalismos e expressões informais, como “fez na regra”, “cachorrada” e “Só de pique”, ao mesmo tempo que mantém a linguagem padrão no discurso do narrador, em uma alquimia verbal que funde erudito e popular. 2. a) Augusto Matraga, fazendeiro violento e beberrão, boêmio e desrespeitador, depois de ser espancado por capangas, rola despenhadeiro abaixo e é socorrido por um casal de negros, Quitéria e Serapião. b) Após ser salvo pelo casal, Matraga resolve penitenciar-se da vida desregrada que levava, dedicando-se ao trabalho e procurando beneficiar seus salvadores. Esse comportamento abnegado, desinteressado e bondoso contrapõe-se ao que Matraga fora no passado. c) O descanso era viver sem sossego. 3. a) A ausência da reflexão de Macabéa no espelho representa falta de importância existencial e social dessa personagem alheia a tudo e a si mesma. É um ser de “existência rala”, metaforizada nas expressões: “capim”, “feto jogado no lixo”, “café frio”. b) Macabéa, por não ter tido condições de estudar, por ser pobre, ter vindo de um lugar totalmente diferente, não tem consciência da sua condição. Ela não reflete sobre sua miséria, por isso a expressão “levemente pensou”, indicando a fragilidade da sua constatação. 4. a) Sim, pois, penitente, Nhô Augusto se achava dócil diante do estilo do padre, que era marcado pela mistura de erudição e regionalismo. Entretanto, o registro metafórico do padre é compreensível em relação a sua função de orientar os fiéis. Estes, geralmente, apreciam e recebem a linguagem misteriosa da religião. Desse modo, as metáforas do padre, sem se distanciarem do interlocutor, marcam uma distância necessária entre o sagrado e o profano. b) A frase é: “ ...não tira o pé de arrependimento nenhum”.
163VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias E.O. Aprendizagem 1. O texto a seguir é um claro exemplo de: a) poesia-práxis. b) poema concreto. c) metalinguagem. d) poesia social. e) poesia dadaísta. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: 2. (UEG) Para a criação do poema “Lixo”, o autor lança mão de estímulos visuais: a) complexos. b) comutativos. c) concêntricos. d) contraditórios. 3. (PUC-PR) A história da poesia brasileira no século XX pode ser dividida em cinco momentos: I. A coexistência do Parnasianismo e do Simbolismo. II. O Modernismo, iniciado oficialmente com a Semana de Arte Moderna. III. A Geração de 45. IV. O Concretismo. V. A poesia contemporânea. Numere as características abaixo de acordo com essa divisão e assinale a alternativa que contém a sequência encontrada: ( ) Incorporação do espaço gráfico. ( ) Ruptura com o formalismo da estética anterior. ( ) O culto da forma, seja na técnica de composição, seja na expressividade sonora. ( ) Misticismo e retomada da tradição formal. ( ) Metapoética e experimentalismo. a) II, III, IV, I e V. b) IV, V, II, I e III. c) II, III, V, I e IV. d) IV, II, I, III e V. e) V, IV, II, I e III. 4. (UFU) lua à vista brilhavas assim sobre Auschwitz? LEMINSKI, Paulo. Distraídos venceremos. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 78. No Haicai acima: a) o eu lírico evoca um dos mais brutais genocídios do século XX, em que morreram milhares de judeus, ciganos e homossexuais. b) o autor elabora uma curiosa contradição entre a lua e um centro de confinamento militar, relembrando um dos mais famosos campos de concentração estabelecidos na Primeira Guerra Mundial. c) Paulo Leminski apresenta uma das mais criativas antíteses da literatura brasileira, ao estabelecer um contraste surpreendente entre a lua e Auschwitz, famoso campo de concentração do Estado Sérvio. d) o eu poético estabelece uma intrigante contraposição metafórica, evocando tanto a ternura do luar como a crueldade de uma prisão, relembrando um dos mais famosos campos de extermínio, símbolo da Guerra Fria. 5. (UFF) INIMIGO OCULTO dizem que em algum ponto do cosmos (Le silence éternel de ces espaces infinis m’effraie)* um pedaço negro de rocha do tamanho de uma cidade – voa em nossa direção – perdido em meio a muitos milhares de asteroides impelido pelas curvaturas do espaço-tempo extraviado entre órbitas CONCRETISMO, POESIA MARGINAL E TROPICÁLIA (POESIA 60-80) COMPETÊNCIA(s) 5 e 6 HABILIDADE(s) 15, 16 e 17 LC AULAS 43 E 44
164VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias e campos magnéticos voa em nossa direção e quaisquer que sejam os desvios e extravios de seu curso deles resultará matematicamente a inevitável colisão não se sabe se quarta-feira próxima ou no ano quatro bilhões e cinquenta e dois da era cristã Ferreira Gullar *(O silêncio eterno desses espaços infinitos me assusta) Identifique a opção que apresenta a explicação adequada para o efeito de sentido resultante do uso linguístico especificado. a) Nos versos “um pedaço negro de rocha” / “voa em nossa direção” (versos 4-6), o uso do pronome possessivo “nossa” rompe o vínculo entre o eu lírico e os leitores. b) Em “dizem que” (verso 1), a expressão do sujeito gramatical, na terceira pessoa do plural, sem antecedente textual claro, evidencia que o eu lírico se vale de uma outra voz para expressar o fato. c) Nos versos “e quaisquer que sejam os desvios / e extravios / de seu curso” (versos 14-16), o pronome possessivo “seu” se reporta ao verso “em algum ponto do cosmos”. (verso 2) d) O apagamento do objeto direto oracional em “não se sabe se” (verso 20) inviabiliza a referência a “inimigo oculto”. (título) e) A combinação da preposição “de” com o pronome “eles”, empregado como pronome possessivo em “deles resultará” (verso 17), encaminha textualmente as consequências das “curvaturas do espaço-tempo”. (versos 8-9) 6. As aparências revelam Afirma uma Firma que o Brasil confirma: “Vamos substituir o Café pelo Aço”. Vai ser duríssimo descondicionar o paladar Não há na violência que a linguagem imita algo da violência propriamente dita? CACASO. As aparências revelam. In: WEINTRAUB, Fabio (Org). Poesia marginal. São Paulo: Ática, 2004. p. 61. Para gostar de ler 39. Com base na leitura do poema, assinale a(s) proposição(ões) correta(s) acerca da Poesia Marginal. I. Entre as temáticas das quais se ocupou a poesia marginal da década de 1970, havia espaço para painéis sociais, para a memória afetiva e a pesquisa poética e para o registro literário da intimidade. Sem grandes exageros, a única regra era atender aos princípios da norma padrão da língua. II. Os versos “Vai ser duríssimo descondicionar / o paladar” podem ser entendidos metaforicamente como uma referência a sacrifícios impostos à população, obrigada a acomodar-se a uma nova ordem econômica. III. Nos poemas reunidos em Poesia marginal, os autores enfocam a denúncia e a crítica social de uma maneira sisuda, sem apelar para o humor, pois visam conferir credibilidade ao que é dito. IV. A frase “Vamos substituir o Café pelo Aço” pode ser interpretada como uma referência à abertura do país para a exportação de minérios, defendida por empresários e pelo Governo à época da Ditadura Militar. V. No primeiro e segundo versos, no jogo de palavras “Afirma”, “Firma” e “confirma”, repete-se o segmento firma; isso pode ser interpretado como uma referência à influência das grandes empresas nas políticas estatais. VI. Na estrofe final, observa-se como Cacaso procura desvincular a linguagem das práticas sociais, ao propor que não há violência nas palavras em si, mas apenas na realidade a que elas se referem. a) II, IV e V. b) I, III e V. c) II, V e VI. d) I, II e IV. e) Apenas VI. 7. Quanto aos principais representantes da Poesia Marginal brasileira, assinale a alternativa que apresente os principais nomes que fizeram parte do movimento literário em questão: a) Paulo Leminski, João Cabral de Melo Neto, Arnaldo Antunes e Adélia Prado. b) Clarice Lispector, Adélia Prado, Torquato Neto e Paulo Leminski. c) Arnaldo Antunes, Ferreira Gullar, Chacal e Waly Salomão. d) Paulo Leminski, Torquato Neto, Cacaso e Chacal. e) Francisco Alvim, José Agripino de Paula, Ferreira Gullar e Clarice Lispector. 8. Sobre a Poesia Marginal, é incorreto afirmar: a) Poesia Marginal foi uma designação dada à poesia produzida pela chamada “geração mimeógrafo”, incluindo poetas desconhecidos cuja produção literária estava fora do eixo Rio–São Paulo. b) A Poesia Marginal ficou conhecida por esse nome porque seus poetas abandonaram os meios tradicionais de circulação das obras, comercializando seus livros (que eram mimeografados) a baixo custo e vendendo-os de mão e mão, dispensando assim o trabalho das grandes editoras. c) Entre suas principais temáticas estava a preocupação com a forma e com a pesquisa poética. Nota-se um cuidado extremo em atender aos princípios da norma-padrão da língua, produzindo assim uma literatura canonicamente aceita pela Academia. d) A tradição marginal estendeu-se pelos anos de 1980, quando outros recursos foram adotados, tais como a fotocópia e a produção de fanzines. e) Nos Estados Unidos, o termo “poesia marginal” é usado para designar a poesia produzida pelos poetas chamados de beats, como Jack Kerouac e Allen Ginsberg.
165VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 9. POETAS VELHOS Bom dia, poetas velhos. Me deixem na boca o gosto dos versos mais fortes que não farei. Dia vai vir que os saiba tão bem que vos cite como quem tê-los um tanto feito também, acredite. Percebe-se que o poema de Paulo Leminski trava um diálogo temporal com os poetas que o antecederam. A respeito do poema é correto dizer que: a) o diálogo produz uma linguagem que se concentra no plano emotivo, explorando a subjetividade do eu-lírico; b) há uma preocupação do eu lírico sobre seu fazer poético, que deseja superar aqueles que o antecederam; c) em “Dia vai vir que os saiba”, o termo destacado realiza a coesão referencial, retomando o termo “poetas”, na primeira estrofe; d) em “mais fortes que não farei”, a negação revela a desistência do eu írico sobre a realização da poesia; e) Na última estrofe, há uma reverência do eu lírico sobre os versos que o antecederam e a ideia de absorvê-los a ponto de reproduzi-los como seus. 10. LOGIA E MITOLOGIA Meu coração de mil e novecentos e setenta e dois já não palpita fagueiro sabe que há morcegos de pesadas olheiras que há cabras malignas que há cardumes de hienas infiltradas no vão da unha na alma um porco belicoso de radar e que sangra e ri e que sangra e ri a vida anoitece provisória centuriões sentinelas do Oiapoque ao Chuí. CACASO. Lero-lero. Rio de Janeiro: 7Letras; São Paulo: Cosac & Naify, 2002. O título do poema explora a expressividade de termos que representam o conflito do momento histórico vivido pelo poeta na década de 1970. Nesse contexto, é correto afirmar que: a) o poeta utiliza uma série de metáforas zoológicas com significado impreciso. b) “morcegos”, “cabras” e “hienas” metaforizam as vítimas do regime militar vigente. c) o “porco”, animal difícil de domesticar, representa os movimentos de resitência. d) o poeta caracteriza o momento de opressão através de de forte poder de impacto. e) “centuriões” e “sentinelas” simbolizam os agentes que garantem a paz social experimentada. E.O. Fixação TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES: CANÇÃO DO VER Fomos rever o poste. O mesmo poste de quando a gente brincava de pique e de esconder. 1 Agora ele estava tão verdinho! O corpo recoberto de limo e borboletas. Eu quis filmar o abandono do poste. O seu estar parado. O seu não ter voz. O seu não ter sequer mãos para se pronunciar com as mãos. Penso que a natureza o adotara em árvore. Porque eu bem cheguei de ouvir arrulos1 de passarinhos que um dia teriam cantado entre as suas folhas. Tentei transcrever para flauta a ternura dos arrulos. Mas o mato era mudo. Agora o poste se inclina para o chão − como alguém que procurasse o chão para repouso. Tivemos saudades de nós. Manoel de Barros Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010. 1 arrulos − canto ou gemido de rolas e pombas 1. (UERJ) O título Canção do ver reúne duas esferas diferentes dos sentidos humanos: audição e visão. No entanto, no decorrer do poema, a visão predomina sobre a audição. Os dois elementos que confirmam isso são: a) o imobilismo do poste e a saudade dos tempos passados. b) a inclinação do poste e sua adoção pela paisagem natural. c) a aparência do poste e a suposição do arrulo dos passarinhos. d) o silêncio do poste e a impossibilidade de transcrição musical. 2. (UERJ) A memória expressa pelo enunciador do texto não pertence somente a ele. Na construção do poema, essa ideia é reforçada pelo emprego de: a) tempo passado e presente. b) linguagem visual e musical. c) descrição objetiva e subjetiva. d) primeira pessoa do singular e do plural. 3. (UERJ) No poema, o poste é associado à própria vida do eu poético. Nessa associação, a imagem do poste se constrói pelo seguinte recurso da linguagem:
166VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias a) anáfora. b) metáfora. c) sinonímia. d) hipérbole. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO Os textos 1 (manchete de capa da revista Época de 26/08/2013), 2 (manchete de capa da revista Veja de 28/08/2013) e 3 serão analisados em conjunto, na perspectiva da polifonia, do dialogismo e da intertextualidade, isto é, das relações mantidas entre eles. Texto 1 Texto 2 Texto 3 Cair das nuvens (expressão popular) 1. Espantar-se, surpreender-se (com algo que é muito diferente do que se pensava ou se desejava); perceber o próprio equívoco ou engano. 2. Decepcionar-se intensamente; desiludir-se. 3. Chegar de modo imprevisto; aparecer repentinamente; cair do céu. Dicionário Caldas Aulete. http://aulete.uol.com.br/nuvem#ixzz2ggk52qoh 4. (UECE) Assinale com V ou F, conforme seja verdadeiro ou falso o que é dito sobre o texto 3. ( ) O aviãozinho de papel despencando do alto é um recurso para dar mais força de persuasão à manchete, cujos termos estão dispostos um abaixo do outro, o que sugere uma queda. ( ) É correto afirmar que a capa da revista Época emprega um recurso da poesia concreta. ( ) O processo de construção da manchete de capa da revista Época inclui substituição e acréscimo de elementos linguísticos, em relação ao texto fonte. ( ) O criador da manchete de Época fez um jogo com dois sentidos do termo real, jogo que foi possível graças à mudança de gênero desse vocábulo. ( ) Na manchete de Época, apresenta-se apenas uma das funções da linguagem: a função informativa. Está correta, de cima para baixo, a seguinte sequência: a) F – F – V – V – F. b) V – V – V – V – F. c) V – F – F – F – V. d) F – F – F – V – V. 5. (UFU) Leia o poema seguinte e assinale a alternativa correta. “Filhos A meu filho Marcos Daqui escutei quando eles chegaram rindo e correndo entraram na sala e logo invadiram também o escritório (onde eu trabalhava) num alvoroço e rindo e correndo se foram com sua alegria se foram Só então me perguntei por que não lhes dera maior atenção se há tantos e tantos anos não os via crianças já que agora estão os três com mais de trinta anos.” Ferreira Gullar. “Melhores poemas”.
167VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias a) O poeta Ferreira Gullar é um escritor contemporâneo que participou de vários movimentos de restauração da poesia, o que significa renovar sua estrutura, sua linguagem. Neste poema, a linguagem prosaica, os versos livres e a emoção espontânea são conquistas do concretismo. b) Ferreira Gullar passa por várias experiências poéticas, encontrando a razão do poema na comoção lírica. Em acordo com os preceitos da essência lírica, o poema apresenta distanciamento e objetividade do sujeito lírico com os fatos descritos. c) Em entrevista à revista “Língua portuguesa” (São Paulo: Editora Segmento, 2006, nº 5), o poeta declara que esse poema é fruto de uma circunstância, de um impulso, pois sonhou com a situação descrita nele. Desta forma, ao descrever o sonho, pode-se afirmar que o gênero épico prevalece nesse poema. d) O olhar do poeta Ferreira Gullar contempla grandes acontecimentos universais, pequenos fatos do cotidiano, cenas da vida doméstica, não raro, imprimindo sobre esses episódios a consciência da efemeridade da vida. Nesse poema, a lembrança de um passado familiar provoca a reflexão dessa consciência. 6. A literatura muitas vezes entendida como também “espaço da confissão” proporciona ao leitor possibilidades de questionamentos de ideias criadas, veiculadas e perpetuadas nas várias práticas socioculturais. A literatura contemporânea se apropria dessa possibilidade de questionamento e investe contra determinadas práticas sociais às vezes abusivas (inferiorização de sujeitos diante de outros, negação dos diferentes), se compararmos tais práticas aos níveis de diálogos estabelecidos entre as sociedades e seus membros hoje. Um dos grandes temas que percorre a literatura brasileira contemporânea diz respeito às formas como homens e mulheres exercem papéis no corpus social em que se inserem. No poema Samba-Canção, Ana Cristina Cesar constrói um eu lírico que fala a partir do ponto de vista feminino. Ariano Suassuna descreve ao longo de seu auto a imagem da mulher do padeiro. Considerando estes dois textos como produções da literatura brasileira contemporânea (embora haja uma distância temporal em relação aos textos em questão), pode-se dizer que: I. Os dois sujeitos femininos relacionados no enunciado acima mantêm comportamentos culturais distintos no corpus social a que dizem respeito porque estão distantes um do outro quanto ao fator tempo. II. Ariano Suassuna representa em O Auto da Compadecida uma mulher que só é rebelde (sexualmente ela é infiel ao marido) porque ainda presa a regras rígidas que determinam submissão e fidelidade femininas ao homem, valor aparentemente desconsiderado em Samba-Canção, uma vez que a mulher ali falando demonstra uma certa autonomia quanto à forma de se relacionar afetivamente com o outro. III. A linguagem com que se apodera o eu lírico de Samba-Canção demonstra uma liberdade típica das mulheres de hoje, que interpretam de forma igualitária a conquista do outro parceiro, não negando, mas não tornando muito importante o fato de a equação homem-mulher dar-se culturalmente na proporção de o homem conquistar e a mulher ser conquistada. É pertinente afirmar que: a) Estão corretas apenas as afirmativas I e III. b) Estão corretas apenas as afirmativas II e I. c) Estão corretas apenas as afirmativas II e III. d) Estão corretas todas as afirmativas. e) Nenhuma afirmativa está correta. E.O. Complementar TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: Poema obsceno 1 Façam a festa 2 cantem e dancem 3 que eu faço o poema duro 4 o poema-murro 5 sujo 6 como a miséria brasileira 7 Não se detenham: 8 façam a festa 9 Bethânia Martinho 10 Clementina 11 Estação Primeira de Mangueira Salgueiro 12 gente de Vila Isabel e Madureira 13 todos 14 façam 15 a nossa festa 16 enquanto eu soco este pilão 17 este surdo 18 poema 19 que não toca no rádio 20 que o povo não cantará 21 (mas que nasce dele) 22 Não se prestará a análises estruturalistas 23 Não entrará nas antologias oficiais 24 Obsceno 25 como o salário de um trabalhador aposentado 26 o poema 27 terá o destino dos que habitam o lado escuro do país 28 – e espreitam. GULLAR, F. Toda poesia. São Paulo: Círculo do Livro, s. d. p. 338. 1. (UEL) Os poemas de Ferreira Gullar se caracterizam por seu engajamento social. Assim, em relação ao eu lírico, considere as afirmativas a seguir: I. Solidariza com os trabalhadores e os miseráveis. II. Considera o carnaval uma festa popular. III. Defende a revolução subterrânea. IV. Critica os cantores populares.
168VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas II e IV são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas. 2.(UFPR) Leia o texto transcrito abaixo, que pertence ao livro Muitas vozes, de Ferreira Gullar. MEU PAI meu pai foi ao Rio se tratar de um câncer (que o mataria) mas perdeu os óculos na viagem quando lhe levei os óculos novos comprados na Ótica Fluminense ele examinou o estojo com o nome da loja dobrou a nota de compra guardou-a no bolso e falou: quero ver agora qual é o sacana que vai dizer que eu nunca estive no Rio de Janeiro Assinale a alternativa correta. a) Em “Meu pai”, por enfatizar logo na abertura uma doença que terminaria por matar um homem, percebe-se uma crítica velada ao sistema de saúde do Brasil durante o Regime Militar (1964–1985). b) O caráter narrativo do texto faz com que ele não pertença propriamente ao gênero poético, que se caracteriza por ser a expressão do eu. c) Ao tratar de um evento cotidiano, Ferreira Gullar renovou a poesia brasileira, de tendência dominantemente espiritual, introduzindo nela temas antes considerados menos nobres. d) “Meu pai” é uma exceção no livro Muitas vozes, já que nele não surge a forte crítica social que domina o livro. e) Em “Meu pai”, como em outros poemas de Muitas vozes, o poeta lança mão da memória pessoal de fatos cotidianos para construir uma reflexão sobre a fugacidade da vida. 3. (UFMG) Em “Poema sujo”, de Ferreira Gullar, leem-se, sobre a condição do poeta, as seguintes palavras: sozinho na tarde no planeta na história. Associadas ao poema, essas palavras permitem todas as seguintes interpretações, EXCETO: a) São indicativas da associação, central no livro, entre o individual e o coletivo, o cósmico e o histórico. b) São indicativas de um procedimento presente no livro, que consiste em demarcar o tempo pelas partes do dia. c) São indicativas de um sentimento de solidão que perpassa o livro, já que o poema foi escrito no exílio, em Buenos Aires. d) São indicativas do individualismo do poeta, ao revelar sua posição de orgulhoso isolamento das coisas do mundo. E.O. Dissertativo 1. (UFU) Entre as características marcantes de Prosas seguidas de odes mínimas pode-se ressaltar o olhar questionador que vários de seus textos lançam sobre os dilemas da vida urbana contemporânea como é possível verificar no poema Ao shopping center: Pelos teus círculos vagamos sem rumo nós almas penadas do mundo do consumo. Do elevador ao céu pela escada ao inferno: os extremos se tocam no castigo eterno. Cada loja é um novo prego em nossa cruz. Por mais que compremos estamos sempre nus nós que por teus círculos vagamos sem perdão à espera (até quando?) da Grande Liquidação. PAES, José Paulo. Prosas seguidas de odes mínimas. Identifique e explique, no mínimo, três recursos poéticos usados no texto acima para questionar o senso comum que afirma o shopping center como um espaço de prazer nas grandes cidades. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: Desencontrários Mandei a palavra rimar, ela não me obedeceu. Falou em mar, em céu, em rosa, em grego, em silêncio, em prosa. Pareia fora de si, a sílaba silenciosa Mandei a frase sonhar e ela se foi num labirinto Fazer poesia, eu sinto, apenas isso. Dar ordens a um exército para conquistar um império extinto. Paulo Leminski. GOES, F e MARING, A. (orgs.). Melhores poemas de Paulo Leminski. São Paulo: Global, 2001.
169VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Mandei a palavra rimar, ela não me obedeceu. Falou em mar, em céu, em rosa, em grego, em silêncio, em prosa. (v. 1-4) 2. No fragmento acima, o emprego da palavra “prosa” possibilita duas interpretações distintas do verso sublinhado: uma que reafirma o que ele expressa e outra que se opõe a ele. Apresente essas duas possibilidades de interpretação. 3. (UFBA) Textos EMERGÊNCIA Mário Quintana Quem faz um poema abre uma janela. Respira, tu que estás numa cela abafada, esse ar que entra por ela. Por isso é que os poemas têm ritmo — para que possas profundamente respirar. Quem faz um poema salva um afogado. AGOSTO 1964 Ferreira Gullar Entre lojas de flores e de sapatos, bares, mercados, butiques, viajo num ônibus Estrada de Ferro – Leblon. 5 – Volto do trabalho, a noite em meio, fatigado de mentiras. O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud, relógio de lilases, concretismo, neoconcretismo, ficções da juventude, adeus, 10 – que a vida eu a compro à vista aos donos do mundo. Ao peso dos impostos, o verso sufoca, a poesia agora responde a inquérito policial-militar. Digo adeus à ilusão 15 – mas não ao mundo. Mas não à vida, meu reduto e meu reino. Do salário injusto, da punição injusta, da humilhação, da tortura, 20 – do terror, retiramos algo e com ele construímos um artefato um poema uma bandeira In: MORICONI, Italo (Org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 117 e 267. Com base na leitura dos poemas Emergência, de Mário Quintana, e Agosto 1964, de Ferreira Gullar, explique a concepção de poesia de cada sujeito poético e destaque, pelo menos, dois recursos linguísticos que constituem imagens poéticas de cada texto. Justifique sua escolha. TEXTOS PARA AS PRÓXIMAS DUAS QUESTÕES: Texto 1 Epitáfio para um banqueiro negócio ego ócio cio o PAES, José Paulo. In: ARRIGUCCI JR., Davi. (org.). Melhores poemas de José Paulo Paes. São Paulo: Global, 1998, p. 115. Texto 2 Levei vários anos até conquistar o ócio, isso é importante para o poeta, ele não pode ter a cabeça virada só para coisas a resolver. Fiquei muitos anos arrumando minha vida, saldando dívidas, atendendo papagaio. Há oito anos, cheguei aqui pra Mato Grosso, tomei pé aqui. Agora estou vagabundo, tenho direito a isso. Herdei uma fazenda, em campo aberto, terra nua, sou fazendeiro de gado, vaca, não sou “o rei do boi, do gado” mas vivo bem. Este é o meu caso: enquanto estava tomando pé da fazenda não escrevi uma linha. Mas sabemos de outros casos, como o Dostoiévski, que escreveu perseguido por dívidas, ou o Graciliano Ramos, que além das dívidas ainda tinha família pra criar. Barros, Manuel de. Entrevista a André Luís Barros. Jornal do Brasil - Caderno Ideias, 24/08/1996, p. 8. 4. O texto 1, “Epitáfio para um banqueiro”, faz parte de um movimento literário de vanguarda iniciado na década de 1950 e conhecido como concretismo ou poesia concreta. Liderado pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e por Décio Pignatari, o concretismo representou uma reação à literatura feita no Brasil naquele momento histórico. Indique uma característica que comprova a filiação do poema de José Paulo Paes a esse movimento. 5. A partir de uma leitura comparativa dos textos 1 e 2, determine o sentido empregado para o termo “ócio” em ambos os textos. TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES Leia atentamente o poema abaixo, de autoria de Cacaso: Há uma gota de sangue no cartão postal eu sou manhoso eu sou brasileiro finjo que vou mas não vou minha janela é a moldura do luar do sertão a verde mata nos olhos verdes da mulata sou brasileiro e manhoso por isso dentro da noite e de meu quarto fico cismando na beira de um rio na imensa solidão de latidos e araras lívido de medo e de amor Antonio Carlos de Brito (CACASO), Beijo na boca. Rio de Janeiro, 7 Letras, 2000. p. 12.)
170VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 6. Este poema de Cacaso (1944-1987) dialoga com várias vozes que falaram sobre a paisagem e o homem brasileiros. Justifique a referência ao “cartão postal” do título, através de expressões usadas na primeira estrofe. 7. O poema se constrói sobre uma imagem suposta de brasileiro. Qual é essa imagem? 8. Quais as expressões poéticas que desmentem a felicidade obrigatória do eu do poema? E.O. UERJ Exame de Qualificação TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES: BEM NO FUNDO 1 no fundo, no fundo, bem lá no fundo, 2 a gente gostaria de ver 3 nossos problemas resolvidos por decreto a partir desta data, aquela mágoa sem remédio é considerada nula e sobre ela − silêncio perpétuo extinto por lei todo o remorso, maldito seja quem olhar pra trás, lá pra trás não há nada, e nada mais mas problemas não se resolvem, problemas têm família grande, e aos domingos saem todos a passear o problema, sua senhora e outros pequenos probleminhas LEMINSKI, Paulo. Toda poesia. São Paulo: Cia. das Letras, 2013. 1. (UERJ) O poeta emprega dois termos diferentes para se aproximar do leitor: a gente (ref. 2) e nossos (ref. 3). O emprego de tais termos produz, em relação à percepção de mundo, o sentido de: a) idealização. b) explicitação. c) universalização. d) problematização. 2. (UERJ) A última estrofe apresenta imagens relacionadas à família. Em relação ao conjunto do texto, a figuração do casal com seus filhos pequenos remete à ideia de: a) angústia. b) mudança. c) continuidade. d) preocupação. TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES: 1 Escusando-me por repetir 2 truísmo tão martelado, mas movido pelo conhecimento de que 4 os truísmos são parte inseparável da boa retórica narrativa, até porque a maior parte das pessoas não sabe ler e é no fundo muito ignorante, rol no qual incluo arbitrariamente você, repito o que tantos já dizem e vivem repetindo, como quem usa chupetas: a realidade é, sim, muitíssimo mais inacreditável do que qualquer ficção, pois esta requer uma certa arrumação 3 falaciosa, a que a maioria dá o nome de verossimilhança. Mas ocorre precisamente o oposto. Lê-se ficção para fortalecer a noção estúpida de que há sentido, lógica, causa e efeito lineares e outros adereços que integrariam a vida. Lê-se ficção, ou mesmo livros de historiadores ou jornalistas, por insegurança, porque o absurdo da vida é insuportável para a vastidão dos desvalidos que povoa a Terra. João Ubaldo Ribeiro Diário do Farol. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. 1 escusando-me − desculpando-me 2 truísmo − verdade trivial, lugar comum 3 falaciosa − enganosa, ilusória 3. (UERJ) Para justificar a repetição de algo já conhecido, o autor se baseia na relação que mantém com os leitores. Com base no texto, é possível perceber que essa relação se caracteriza genericamente pela: a) insegurança do autor. b) imparcialidade do autor. c) intolerância dos leitores. d) inferioridade dos leitores. 4. (UERJ) os truísmos são parte inseparável da boa retórica narrativa, até porque a maior parte das pessoas não sabe ler (ref. 4) O narrador justifica a necessidade de truísmos pela dificuldade de leitura da maior parte das pessoas. Encontra-se implícita no argumento a noção de que o leitor iniciante lê melhor se: a) estuda autores clássicos. b) conhece técnicas literárias. c) identifica ideias conhecidas. d) procura textos recomendados. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: FUNÇÃO Me deixaram sozinho no meio do circo Ou era apenas um pátio uma janela uma rua uma esquina Pequenino mundo sem rumo Até que descobri que todos os meus gestos Pendiam cada um das estrelas por longos fios invisíveis E havia súbitas e lindas aparições como aquela das longas tranças
171VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias E todas imitavam tão bem a vida Que por um momento se chegava a esquecer a sua cruel inocência de bonecas E eu dizia depois coisas tão lindas E tristes Que não sabia como tinham ido parar na minha boca E o mais triste não era que aquilo fosse apenas um jogo cambiante de reflexos Porque afinal um belo pião dançante Ou zunindo imóvel Vive uma vida mais intensa do que a mão ignorada que o arremessou E eu danço tu danças nós dançamos Sempre dentro de um círculo implacável de luz Sem saber quem nos olha atenta ou distraidamente do escuro... (QUINTANA, Mário. Antologia poética. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1966.) 5. (UERJ) No poema de Mário Quintana, a vida é uma encenação num palco ou picadeiro, e o homem um joguete submetido aos caprichos da sorte. Esta ideia é expressa metaforicamente pelo seguinte trecho: a) “todos os meus gestos / Pendiam (...) das estrelas por longos fios invisíveis” (v. 4 - 5) b) “por um momento se chegava a esquecer a sua cruel inocência de bonecas” (v. 8) c) “Vive uma vida mais intensa do que a mão ignorada que o arremessou” (v. 15) d) “E eu danço tu danças nós dançamos” (v. 16) TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: É MENINA É menina, que coisa mais fofa, parece com o pai, parece com a mãe, parece um joelho, upa, upa, não chora, isso é choro de fome, isso é choro de sono, isso é choro de chata, choro de menina, igualzinha à mãe, achou, sumiu, achou, não faz pirraça, coitada, tem que deixar chorar, vocês fazem tudo o que ela quer, 2 isso vai crescer mimada, eu queria essa vida pra mim, dormir e mamar, aproveita enquanto ela ainda não engatinha, 3 isso daí quando começa a andar é um inferno, daqui a pouco começa a falar, daí não para mais, ela precisa é de um irmão, foi só falar, olha só quem vai ganhar um irmãozinho, tomara que seja menino pra formar um casal, ela tá até mais quieta depois que ele nasceu, parece que ela cuida dele, esses dois vão ser inseparáveis, ela deve morrer de ciúmes, ele já nasceu falante, menino é outra coisa, desde que ele nasceu parece que ela cresceu, já tá uma menina, quando é que vai pra creche, ela não larga dessa boneca por nada, já podia ser mãe, já sabe escrever o nomezinho, quantos dedos têm aqui, qual é a sua princesa da Disney preferida, quem você prefere, o papai ou a mamãe, quem é o seu namoradinho, quem é o seu príncipe da Disney preferido, já se maquia nessa idade, é apaixonada pelo pai, cadê o Ken, daqui a pouco vira mocinha, eu te peguei no colo, só falta ficar mais alta que eu, finalmente largou a boneca, já tava na hora, agora deve tá pensando besteira, soube que virou mocinha, ganhou corpo, tenho uma dieta boa pra você, a dieta do ovo, a dieta do tipo sanguíneo, a dieta da água gelada, essa barriga só resolve com cinta, que corpão, essa menina é um perigo, 1 vai ter que voltar antes de meia-noite, o seu irmão é diferente, menino é outra coisa, vai pela sombra, não sorri pro porteiro, não sorri pro pedreiro, quem é esse menino, se o seu pai descobrir, ele te mata, esse menino é filho de quem, cuidado que homem não presta, não pode dar confiança, não vai pra casa dele, homem gosta é de mulher difícil, tem que se dar valor, homem é tudo igual, segura esse homem, não fuxica, não mexe nas coisas dele, tem coisa que é melhor a gente não saber, não pergunta demais que ele te abandona, o que os olhos não veem o coração não sente, quando é que vão casar, ele tá te enrolando, morar junto é casar, quando é que vão ter filho, ele tá te enrolando, barriga pontuda deve ser menina, é menina. DUVIVIER, Gregorio. Folha de São Paulo, 16/09/2013. 6. (UERJ) A crônica de Gregorio Duvivier é construída em um único parágrafo com uma única frase. Essa frase começa e termina pela mesma expressão: é menina. Em termos denotativos, a menina, referida no final do texto, pode ser compreendida como: a) filha da primeira. b) ideal de pureza. c) mulher na infância. d) sinal de transformação. E.O. UERJ Exame Discursivo TEXTO PARA AS PRÓXIMAS QUESTÕES: Autorretrato falado Venho de um Cuiabá garimpo e de ruelas entortadas. Meu pai teve uma venda de bananas no Beco da Marinha, onde nasci. Me criei no Pantanal de Corumbá, entre bichos do chão, pessoas humildes, aves, árvores e rios. Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar entre pedras e lagartos. Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz. Já publiquei 10 livros de poesia; ao publicá-los me sinto como que desonrado e fujo para o Pantanal onde sou abençoado a garças. Me procurei a vida inteira e não me achei – pelo que fui salvo. Descobri que todos os caminhos levam à ignorância. Não fui para a sarjeta porque herdei uma fazenda de gado. Os bois me recriam. Agora eu sou tão ocaso! Estou na categoria de sofrer do moral, porque só faço coisas inúteis. No meu morrer tem uma dor de árvore. MANOEL DE BARROS. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010.
172VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 1. (UERJ) Já publiquei 10 livros de poesia; ao publicá-los me sinto como que desonrado e fujo para o Pantanal onde sou abençoado a garças. (v. 9-11) A palavra “onde”, sublinhada acima, remete a um termo anteriormente expresso. Transcreva esse termo. Nomeie também a classe gramatical de “onde”, substitua-a por uma expressão equivalente e indique seu valor semântico. 2. (UERJ) Uma obra literária pode combinar diferentes gêneros, embora, de modo geral, um deles se mostre dominante. O poema de Manoel de Barros, predominantemente lírico, apresenta características de um outro gênero. Identifique esse gênero e cite duas de suas características presentes no poema. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: 1 Durante mais de trinta anos, o bondezinho das dez e quinze, que descia do Silvestre, parava como burro ensinado em frente à casinha de José Maria, e ali encontrava, almoçado e pontual, o velho funcionário. Um dia, porém, José Maria faltou. O motorneiro batia a sirene. Os passageiros se impacientavam. Floripes correu aflita a avisar o patrão. Achou-o de pijama, estirado na poltrona, querendo rir. – Seu José Maria, o senhor hoje perdeu a hora! Há muito tempo o motorneiro está a dar sinal. – Diga-lhe que não preciso mais. A velha portuguesa não compreendeu. – Vá, diga que não vou... Que de hoje em diante não irei mais. A criada chegou à janela, gritou o recado. E o bondezinho desceu sem o seu mais antigo passageiro. Floripes voltou ao patrão. Interroga-o com o olhar. – Não sabes que estou aposentado? (...) Interrompera da noite para o dia o hábito de esperar o bondezinho, comprar o jornal da manhã, bebericar o café na Avenida, e instalar-se à mesa do Ministério, sisudo e calado, até às dezessete horas. Que fazer agora? Não mais informar processos, não mais preocupar-se com o nome e a cara do futuro Ministro. Pela primeira vez fartava a vista no cenário de águas e montanhas que a bruma fundia. (...) 4 Floripes serviu-lhe o jantar, deixou tudo arrumado, e retirou-se para dormir no barraco da filha. 2 Mais do que nunca, sentiu José Maria naquela noite a solidão da casa. Não tinha amigos, não tinha mulher nem amante. E já lera todos os jornais. Havia o telefone, é verdade. Mas ninguém chamava. Lembrava-se que certa vez, há uns quinze anos, aquela fria coisa, pendurada e morta, se aquecera à voz de uma mulher desconhecida. A máquina que apenas servia para recados ao armazém e informações do Ministério transformara-se então em instrumento de música: adquirira alma, cantava quase. De repente, sem motivo, a voz emudecera. E o aparelho voltou a ser na parede do corredor a aranha de metal, 3 sempre calada. O sussurro da vida, o sangue de suas paixões passavam longe do telefone de Zé Maria... Como vencer a noite que mal começava? (...) O telefone toca. Quem será? (...) Era engano! Antes não o fosse. A quem estaria destinada aquela voz carregada de ternura? Preferia que dissesse desaforos, que o xingasse. (...) Atirou-se de bruços na cama. E sonhou. Sonhou que conversava ao telefone e era a voz da mulher de há quinze anos... Foi andando para o passado... Abriu-se- -lhe uma cidade de montanha, pontilhada de igrejas. E sempre para trás – tinha então dezesseis anos –, ressurgiu-lhe a cidadezinha onde encontrara Duília. Aí parou. E Duília lhe repetiu calmamente aquele gesto, o mais louco e gratuito, com que uma moça pode iluminar para sempre a vida de um homem tímido. Acordou com raiva de ter acordado, fechou os olhos para dormir de novo e reatar o fio de sonho que trouxe Duília. Mas a imagem esquiva lhe escapou, Duília desapareceu no tempo. (...) Toda vez que pensava nela, o longo e inexpressivo interregno* do Ministério que chegava a confundir-se com a duração definitiva de sua própria vida apagava-se-lhe de repente da memória. O tempo contraía-se. Duília! Reviu-se na cidade natal com apenas dezesseis anos de idade, a acompanhar a procissão que ela seguia cantando. Foi nessa festa da Igreja, num fim de tarde, que tivera a grande revelação. Passou a praticar com mais assiduidade a janela. Quanto mais o fazia, mais as colinas da outra margem lhe recordavam a presença corporal da moça. Às vezes chegava a dormir com a sensação de ter deixado a cabeça pousada no colo dela. As colinas se transformavam em seios de Duília. Espantava-se da metamorfose, mas se comprazia na evocação. (...) Era o afloramento súbito da namorada (...). ANÍBAL MACHADO A morte da porta-estandarte e Tati, a garota e outras histórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. * Interregno: intervalo 3. (UERJ) Depois de aposentar-se, José Maria passa a contemplar a natureza e a percebê-la de duas formas diferentes. Transcreva do texto uma passagem que exemplifique cada uma dessas percepções. Em seguida, explique a diferença entre elas.
173VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Gabarito E.O. Aprendizagem 1. B 2. D 3. D 4. A 5. B 6. A 7. D 8. C 9. E 10. D E.O. Fixação 1. D 2. D 3. B 4. B 5. D 6. C E.O. Complementar 1. A 2. E 3. D E.O. Dissertativo 1. O poema faz uso de várias imagens que associam o shopping ao martírio religioso ou à condenação eterna da alma: “almas penadas”, “castigo eterno”, “prego em nossa cruz”, “vagamos sem perdão” são os mais evidentes núcleos de sentido metafórico presentes no poema que dão ao consumo um caráter doloroso. Também podem-se citar intertextualidades com a bíblia e o inferno de Dante (Divina comédia), remetendo a aspectos apocalípticos. Outros recursos: metonímias, como “almas penadas” para representar os consumidores e “shopping” representando toda a sociedade de consumo. Pode-se também pensar nos recursos fônicos, como rimas, enjambement, as maiúsculas alegorizantes, como em “Grande Liquidação” (sugerindo O FIM), entre outros. 2. O poema “Desencontrários” propõe uma reflexão sobre o fazer poético, sobre o trabalho do poeta com as palavras, que nem sempre obedecem à sua vontade e ao seu comando. Trata-se de um tema recorrente no universo da poesia, e Paulo Leminski, nessa versão para o tema, explora a ambiguidade e a polissemia que as palavras podem conter, quando articuladas umas com as outras. A primeira interpretação, que reafirma o que diz o verso, é a de que a palavra – instrumento com o que o autor constrói o seu poema – não obedece à ordem do poeta, pois o vocábulo prosa significa uma modalidade de texto em que não há rima. A segunda interpretação, que se opõe ao que diz o verso, é a de que a palavra obedece ao poeta, pois o vocábulo prosa rima com os vocábulos rosa e silenciosa , presentes na primeira estrofe. 3. No texto Emergência, o poema é a janela da alma. Através do poema, tanto o sujeito lírico quanto o leitor respiram, libertando-se de um cotidiano opressor. Assim, a poesia é concebida como libertação, daí as imagens da “cela abafada” (sentimentos e fatos da vida que aprisionam o indivíduo) e da “janela” (meio que possibilita a entrada do elemento salvador - “o ar”, ou seja, a poesia). No texto Agosto 1964, defende-se que a poesia deve estar articulada com os problemas do seu tempo, denunciando-os. A poesia não pode ficar alheia à realidade contemporânea do poeta, mundo marcado pela violência social e política. Nesse contexto, a poesia torna-se “arma de combate” pela transformação da realidade. Nesse poema, encontram-se imagens como “a poesia agora responde a inquérito policial-militar” (a arte vítima da censura), “um artefato” — a arte como instrumento de luta — e o poema como “uma bandeira”, como o estandarte que pode liderar, que pode ir à frente, na liderança da luta por uma causa social. 4. Espacialização do poema; Predominância da linguagem geométrica e visual; Valorização do conteúdo sonoro das palavras; Atomização das palavras. 5. O termo ócio é empregado com objetivos diferentes nos dois textos. Em “Epitáfio para um banqueiro”, o termo é utilizado para mostrar criticamente o esvaziamento da vida do banqueiro, a ausência de valores. Na entrevista do poeta Manuel de Barros, a palavra ócio é empregada para ressaltar o valor da ociosidade como condição fundamental para a criação poética. 6. O cartão postal fornece, normalmente, uma visão positiva da realidade retratada e, muitas vezes, reforça visões tradicionais e estereótipos dessa realidade. Cacaso, por um complexo jogo de intertextualidades, retoma, na primeira estrofe, imagens consagradas sobretudo pela música e pela literatura (“luar do sertão“, “a verde mata“, “olhos verdes da mulata”). 7. Trata-se da imagem do homem cheio de manhas, “malandro“ (“finjo que vou mas não vou“), sonhador e avesso ao trabalho (“fico cismando na beira de um rio”) e que, no geral, acredita-se feliz. 8. Expressões como “lívido“ (pálido) e “medo“ opõem-se à imagem de um “eu“ feliz, pois sugerem ao leitor momentos de dor e angústia. Pode-se também interpretar que a antítese entre os versos “(...) cismando na beira de um rio“ (que sugere algo prazeroso) e “na imensa solidão de latidos e araras“ (que sugere um momento que contradiz o anterior) remete para este desmentido. E.O. UERJ Exame de Qualificação 1. C 2. C 3. D 4. C 5. A 6. A E.O. UERJ Exame Discursivo 1. O pronome relativo “onde” remete a “pantanal”, podendo ser substituído por “em que” ou “no qual” para indicar o lugar onde acontece a ação enunciada na oração principal. 2. Na medida em que enumera fatos em sequência temporal, como uma síntese de fatos marcantes do seu trajeto de vida, o eu lírico constrói um poema narrativo em que transparecem as contradições (“Aprecio viver em lugares decadentes”, “Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz.”) e os conflitos existenciais face ao mundo externo (“Estou na categoria de sofrer do moral, porque só faço coisas inúteis”). O uso da próclise no início de orações (“Me criei no Pantanal de Corumbá”, “Me procurei a vida inteira”) e a preferência pelo verbo “ter” em vez de “haver” (“No meu morrer tem uma dor de árvore”) denotam linguagem coloquial, assim como o verso branco reproduz o ritmo natural da fala. 3. José Maria contempla a natureza e percebe-a de duas formas distintas, o que é evidente nas seguintes passagens: “Pela primeira vez fartava a vista no cenário de águas e montanhas que a bruma fundia” e “As colinas se transformavam em seios de Duília”. Enquanto que na primeira a natureza é apresentada no seu aspecto físico ou geográfico, na segunda, a percepção da natureza é influenciada pelo desejo e pelo sonho do personagem.
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