101VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias c) do movimento modernista da Antropofagia / do Condoreirismo romântico. d) da vanguarda estética do Naturalismo / do Indianismo romântico. e) do interesse modernista pela arte primitiva / do Regionalismo da década de 30. 6. (Fuvest) MACUMBA DE PAI ZUSÉ Na macumba do Encantado Nego véio pai de santo fez mandinga No palacete de Botafogo Sangue de branca virou água Foram vê estava morta! É correto afirmar que, neste poema de Manuel Bandeira, a) emprega-se a modalidade do poema-piada, típica da década de 20, com o fim de satirizar os costumes populares. b) usam-se os recursos sonoros (ritmo e metro regulares, redondilha menor) para representar a cultura branca, e os recursos visuais (imagens, cores), para caracterizar a religião afro-brasileira. c) mesclam-se duas variedades linguísticas: uma que se aproxima da língua escrita culta e outra que mimetiza uma modalidade da língua oral-popular. d) manifesta-se a contradição entre dois tipos de práticas religiosas, representadas pelas oposições negro x branco, macumba x pai de santo, nego véio x Encantado. e) expressa-se a tendência modernista de encarar a cultura popular como manifestação do atraso nacional, a ser superado pela modernização. 7. (Fuvest) O ÚLTIMO POEMA Assim eu quereria o meu último poema Que fosse terno dizendo as coisas mais simples [e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os [diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem [explicação. (MANUEL BANDEIRA, “Libertinagem”.) Nesse texto, ao indicar as qualidades que deseja para o “último poema”, o poeta retoma dois temas centrais de sua poesia. Um deles é a valorização da simplicidade; o outro é: a) a verificação da inutilidade da poesia diante da morte. b) a coincidência da morte com o máximo de intensidade vital. c) a capacidade, própria da poesia, de eliminar a dor. d) a autodestruição da poesia em um meio hostil à arte. e) a aspiração a uma poesia pura e lapidar, afastada da vida. 8. (Fuvest) “João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no Morro da Babilônia num barracão sem número. Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.” Poema de recorde social marcante, foi entretanto traço quase acidental de seu autor, mais afeito ao tratamento lírico dos sentimentos. Em qual dos movimentos literários a seguir se enquadra o poema? a) Surrealismo. d) Romantismo. b) Pós-Modernismo. e) Pré-Modernismo. c) Modernismo. 9. (Unesp) O quadro não se presta a uma leitura convencional, no sentido de esmiuçar os detalhes da composição em busca de nuances visuais. Na tela, há apenas formas brutas, essenciais, as quais remetem ao estado natural, primitivo. Os contornos inchados das plantas, os pés agigantados das figuras, o seio que atende ao inexorável apelo da gravidade: tudo é raiz. O embasamento que vem do fundo, do passado, daquilo que vegeta no substrato do ser. As cabecinhas, sem faces, servem apenas de contraponto. Estes não são seres pensantes, produtos da cultura e do refinamento. Tampouco são construídos; antes nascem, brotam como plantas, sorvendo a energia vital do sol de limão. À palheta nacionalista de verde planta, amarelo sol e azul e branco céu, a pintora acrescenta o ocre avermelhado de uma pele que mais parece argila. A mensagem é clara: essa é nossa essência brasileira – sol, terra, vegetação. É isto que somos, em cores vivas e sem a intervenção erudita das fórmulas pictóricas tradicionais. (Rafael Cardoso. A arte brasileira em 25 quadros, 2008. Adaptado.) Tal comentário aplica-se à seguinte obra de Tarsila do Amaral (1886-1973): a) b)
102VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias c) d) e) 10. (Unesp) Duas fortes motivações converteram-se em molas de composição desta obra: a) por um lado, o desejo de contar e cantar episódios em torno de uma figura lendária que trazia em si os atributos do herói, entendido no senso mais lato possível de um ser entre humano e mítico, que desempenha certos papéis, vai em busca de um bem essencial, arrosta perigos, sofre mudanças extraordinárias, enfim vence ou malogra...; b) por outro lado, o desejo não menos imperioso de pensar o povo brasileiro, nossa gente, percorrendo as trilhas cruzadas ou superpostas da sua existência selvagem, colonial e moderna, à procura de uma identidade que, de tão plural que é, beira a surpresa e a indeterminação. (Alfredo Bosi. Céu, inferno, 2003. Adaptado.) Tal comentário aplica-se à obra: a) Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida. b) Vidas secas, de Graciliano Ramos. c) Macunaíma, de Mário de Andrade. d) Os sertões, de Euclides da Cunha. e) Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. 11. (Unesp) “Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” “Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.” “Tupi, or not tupi that is the question.” (Fragmento do “Manifesto Antropófago” de Oswald de Andrade) Analisando as ideias contidas nesses fragmentos, assinale a única alternativa que julgar INCORRETA. a) O “Manifesto Antropófago” de Oswald de Andrade articula-se ao movimento antropófago do Modernismo brasileiro, cuja expressão máxima se deu em “Macunaíma” de Mário de Andrade. b) Em “Tupi, or not tupi that is the question”, está implícita a crítica ao espírito de nacionalidade, falseado pelo estrangeirismo exacerbado entre nós, até os adventos do Modernismo. c) Ainda nos fragmentos acima citados, deve-se entender não a aversão à cultura estrangeira, mas a dialética de conjunção das raízes nacionais à cultura europeia. d) A leitura dos três fragmentos acaba por desvendar a crítica à cultura brasileira que não estaria muito distante do primitivismo antropofágico. e) O “Manifesto Antropófago” propõe a mobilidade cultural advinda da mobilidade do pensamento e dos valores do homem em sociedade. 12. (Unesp) Quais desses fragmentos resumem propostas do Modernismo brasileiro. I. “A língua sem arcaísmo, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como somos.” II. “Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Maris.” III. “A pena é um pincel.” Eu limo sonetos engenhosos e frios.” IV. “Nomear um objeto significa suprimir as três quartas partes do gozo de uma poesia, que consiste no prazer de adivinhar pouco a pouco. Sugerir, eis o sonho.” V. “A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.” a) I, III e IV. b) II, III e IV. c) I, II e III. d) I, II e V. e) II, IV e V. 13. (Unifesp) Nesta obra, o observador é atraído por uma ideia poética: a de um objeto que assume a substância do material em que se sente à vontade. (Marcel Paquet. René Magritte: o pensamento tornado visível, 2000. Adaptado.) Tal comentário aplica-se à seguinte obra do pintor belga René Magritte (1898-1967):
103VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias a) b) c) d) e) 14. (Unifesp) Sobre Mário de Andrade e a Semana de 22, afirma-se: I. A Semana desencadeou na cultura brasileira um período que Mário denominou “orgia intelectual”, favorecida pelas mãos da burguesia culta do Rio de Janeiro e de São Paulo, da qual ele era um representante. II. Apesar de estar em contato com as novas tendências das artes, Mário manteve-se fiel àqueles que os modernistas chamaram de “conservadores”, em geral os parnasianos, dos quais sua obra recebe influência decisiva. III.Ao contrário de Oswald, que era irreverente em relação à dominação cultural europeia, Mário não tinha um projeto literário em que houvesse preocupação significativa com a cultura nacional. Está correto apenas o que se afirma em: a) I. d) I e II. b) II. e) II e III. c) III. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO VERSOS DE NATAL Espelho, amigo verdadeiro, Tu refletes as minhas rugas, Os meus cabelos brancos, Os meus olhos míopes e cansados. Espelho, amigo verdadeiro, Mestre do realismo exato e minucioso, Obrigado, obrigado! Mas se fosses mágico, Penetrarias até ao fundo desse homem triste, Descobririas o menino que sustenta esse homem, O menino que não quer morrer, Que não morrerá senão comigo, O menino que todos os anos na véspera do Natal Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta. (Manuel Bandeira) 15. (Unifesp) Sobre Manuel Bandeira, é correto afirmar que: a) a insistência em temas relacionados ao sonho e à fantasia aponta para uma concepção de vida fugidia e distanciada da realidade. Dessa forma, entende-se o poeta na transição entre o Realismo e Modernismo. b) sua obra é muito pouco alinhada ao Modernismo, pois sua expressão exclui por completo a linguagem popular, priorizando a erudição e a contenção criadora. c) o desapego aos temas do cotidiano o aponta como um poeta que, embora inserido no Modernismo, está muito distanciado das causas sociais e da busca de uma identidade nacional, como fizeram seus contemporâneos. d) o movimento modernista teve com seu trabalho e com o de poetas como Oswald e Mário de Andrade a base de sua criação. Bandeira recriou literariamente suas experiências pessoais, com temas como o amor, a morte e a solidão, aos quais conferiu um valor mais universal. e) o poeta trata de temas bastante recorrentes ao Romantismo, como a saudade, a infância e a solidão. Além disso, expressa-se como os românticos, já que tem uma visão idealizada do mundo. Daí seu distanciamento dos demais modernistas da primeira fase.
104VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES Senhor feudal Se Pedro Segundo Vier aqui Com história Eu boto ele na cadeia. (Oswald de Andrade) 16. (Unifesp) De acordo com a norma padrão, o último verso assumiria a seguinte forma: a) Eu boto-lhe na cadeia. b) Boto-no na cadeia. c) Eu o boto na cadeia. d) Eu lhe boto na cadeia. e) Lhe boto na cadeia. 17. (Unifesp) A correlação entre os tempos verbais está correta em: a) Se Pedro Segundo viesse aqui com história, eu botaria ele na cadeia. b) Se Pedro Segundo vem aqui com história, eu botava ele na cadeia. c) Se Pedro Segundo viesse aqui com história, eu boto ele na cadeia. d) Se Pedro Segundo vinha aqui com história, eu botara ele na cadeia. e) Se Pedro Segundo vier aqui com história, eu terei botado ele na cadeia. 18. (Unicamp) Pobre alimária O cavalo e a carroça Estavam atravancados no trilho E como o motorneiro se impacientasse Porque levava os advogados para os escritórios Desatravancaram o veículo E o animal disparou Mas o lesto carroceiro Trepou na boleia E castigou o fugitivo atrelado Com um grandioso chicote (Oswald de Andrade, Pau Brasil. São Paulo: Globo, 2003, p.159.) A imagem e o poema revelam a dinâmica do espaço na cidade de São Paulo na primeira metade do século XX. Qual alternativa abaixo formula corretamente essa dinâmica? a) Trata-se da ascensão de um moderno mundo urbano, onde coexistiam harmonicamente diferentes temporalidades, funções urbanas, sistemas técnicos e formas de trabalho, viabilizando-se, desse modo, a coesão entre o espaço da cidade e o tecido social. b) Trata-se de um espaço agrário e acomodado, num período em que a urbanização não tinha se estabelecido, mas que abrigava em seu interstício alguns vetores da modernização industrial. c) Trata-se de um espaço onde coexistiam distintas temporalidades: uma atrelada ao ritmo lento de um passado agrário e, outra, atrelada ao ritmo acelerado que caracteriza a modernidade urbana. d) Trata-se de uma paisagem urbana e uma divisão do trabalho típicas do período colonial, pois a metropolização é um processo desencadeado a partir da segunda metade do século XX. E.O. Dissertativas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) 1. (Fuvest) POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL “João Gostoso era carregador de feira livre e morava no [morro da Babilônia num barracão sem número. Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu. Cantou. Dançou. Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu [afogado.” Manuel Bandeira, “Libertinagem”. a) Relacione o título do poema à corrente estética da qual o texto participa. b) O poema adota o procedimento de relatar os acontecimentos sem comentá-los ou interpretá-los diretamente. Que atitude esse procedimento pede ao leitor? Explique brevemente. TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES. Leia o poema de Manuel Bandeira (1886-1968) para responder à(s) questão(ões) a seguir. Poema só para Jaime Ovalle¹ Quando hoje acordei, ainda fazia escuro (Embora a manhã já estivesse avançada).
105VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Chovia. Chovia uma triste chuva de resignação Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite. Então me levantei, Bebi o café que eu mesmo preparei, Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando... – Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei. (Estrela da vida inteira, 1993.) ¹ Jaime Ovalle (1894-1955): compositor e instrumentista. Aproximou-se do meio intelectual carioca e se tornou amigo íntimo de Villa-Lobos, Di Cavalcanti, Sérgio Buarque de Hollanda e Manuel Bandeira. Sua música mais famosa é “Azulão”, em parceria com o poeta Manuel Bandeira. (Dicionário Cravo Albin da música popular brasileira) 2. (Unesp) No poema, Bandeira explora uma espécie de contraste entre os tempos verbais “pretérito perfeito” e “pretérito imperfeito”. Dos pontos de vista sintático e semântico, que padrão pode ser percebido no emprego desses dois tempos verbais? 3. (Unesp) O verso inicial do poema (“Quando hoje acordei, ainda fazia escuro”) pode ser visto como uma espécie de abertura narrativa, já que nele se observam dados indicadores de tempo (“quando”) e espaço (“fazia escuro”). Identifique no poema dois outros termos que também indicam circunstância temporal e acabam por reforçar seu caráter narrativo. Justifique sua resposta. 4. (Unesp) Pleonasmo (do grego pleonasmós, superabundância): emprego de palavras redundantes, de igual sentido; redundância. Há o pleonasmo vicioso, decorrente da ignorância da língua e que deve ser evitado, e o pleonasmo estilístico, usado intencionalmente para comunicar à expressão mais vigor ou intensidade. (Domingos Paschoal Cegalla. Dicionário de dificuldades da língua portuguesa, 2009. Adaptado.) Transcreva o verso em que se verifica a ocorrência de um pleonasmo. Justifique sua resposta. Identifique ainda duas características do poema, uma formal e outra temática, que o vinculam ao movimento modernista brasileiro. 5. (Fuvest) a) Referindo-se a suas intenções ao escrever o livro “Macunaíma”, Mário de Andrade afirmou: “Um dos meus interesses foi desrespeitar lendariamente a geografia e a fauna e flora geográficas”. No livro, esse “interesse” é alcançado? Justifique brevemente. b) Sobre a personagem Macunaíma, Mário de Andrade afirmou: “É fácil de provar que estabeleci bem dentro de todo o livro que MACUNAÍMA É UMA CONTRADIÇÃO DE SI MESMO”. A afirmação destacada se justifica? Explique sucintamente. 6. (Fuvest) Leia o seguinte poema de Manuel Bandeira: PORQUINHO-DA-ÍNDIA Quando eu tinha seis anos Ganhei um porquinho-da-índia. Que dor de coração me dava Porque o bichinho só queria estar debaixo do [fogão! Levava ele pra sala Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos Ele não gostava: Queria era estar debaixo do fogão. Não fazia caso nenhum das minhas [ternurinhas ... - O meu porquinho-da-índia foi a minha [primeira namorada. a) Aponte, no poema, dois aspectos de estilo que estejam relacionados ao tema da infância. Explique sucintamente. b) Qual é o elemento comum entre a experiência infantil e a experiência mais adulta presentes no poema? Explique sucintamente. 7. (Fuvest) “- Paciência, manos! não! não vou na Europa não. Sou americano e meu lugar é na América. A civilização europeia decerto esculhamba a inteireza do nosso caráter.” (Mário de Andrade, “Macunaíma”.) a) A opção pela América, afirmada nesta fala de “Macunaíma”, é coerente com a escolha por ele realizada na ocasião em que não se casou com uma das filhas de Vei, a Sol? Justifique resumidamente sua resposta. b) Pelo fato de ser dita por Macunaíma, a frase “A civilização europeia decerto esculhamba a inteireza do nosso caráter” adquire sentido irônico. Por quê? 8. (Fuvest) IRENE NO CÉU Irene preta Irene boa Irene sempre de bom humor. Imagino Irene entrando no céu: - Licença, meu branco! E São Pedro bonachão: - Entra, Irene. Você não precisa pedir licença. (Manuel Bandeira, “Libertinagem”.) Neste poema, aparecem duas características marcantes da poesia de Manuel Bandeira, recorrentes em “Libertinagem”: I) a predileção por certo grupo social e II) um modo peculiar de relacionar-se com o Catolicismo. a) Caracterize sucintamente o grupo social em questão. b) Caracterize, resumidamente, esse modo peculiar de relacionar-se com o Catolicismo.
106VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. TEXTO I No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapamunhas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma. Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar exclamava: - Ai! Que preguiça!... (ANDRADE, Mário de. Macunaíma. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos. São Paulo, Secretaria da Cultura Ciência e Tecnologia, 1978, p.7.) TEXTO II Sobre a alvura diáfana do algodão, a sua pele, cor de cobre, brilhava com reflexos dourados, os cabelos pretos cortados rentes, a tez lisa, os olhos grandes com os cantos exteriores erguidos para a fronte; a pupila negra, móbil, cintilante; a boca forte mas bem modelada e guarnecida de dentes alvos, davam ao rosto pouco oval a beleza inculta da graça, da força e da inteligência. (ALENCAR, José de. “O Guarani”. In: -. Obra completa. 7ª ed. vol. 1, Rio de Janeiro, José Olympio, Brasília, INL, 1977, p.16.) 9. (UFRJ) a) Quais as visões de herói que estão subjacentes a essas representações? b) Em que movimentos literários se inscrevem, respectivamente? Gabarito E.O. Aprendizagem 1. B 2. E 3. E 4. C 5. B E.O. Fixação 1. A 2. D 3. B 4. B 5. C E.O. Complementar 1. C 2. A 3. B 4. C E.O. Dissertativo 1. a) São características típicas do Romantismo: 1. A liberdade de se expressar sem as amarras da versificação. Muitas delas não têm uniformidade nas estrofes(...) 2. Espontaneidade de sentimentos e sensações. (...) foram compostas em épocas diversas – debaixo de céu diverso – e sob a influência de impressões momentâneas(...) 3. Subjetivismo. Escrevi-as para mim, e não para os outros (...) 4. Dualidade entre a razão e sentimento. Casar assim o pensamento com o sentimento (...) b) A poesia aparece como algo que transcende a realidade vulgar e, por sua vez, tenta traduzir nobres sentimentos, por isso a menção: Poesia grande e santa. As propostas estéticas do modernismo, pelo contrário, queriam dessacralizar a poesia, trazendo-a para a vida cotidiana e marcadamente brasileira. 2. Duma feita surrupiaram a máquina-de-escrever do meu mano. Em uma ocasião, roubaram a máquina de escrever de meu irmão. 3. Mostram um fato do cotidiano (o irmão do eu lírico ter tido a sua máquina de escrever roubada e não ter tido dinheiro para comprar outra). O próprio eu lírico afirma que isso também deve entrar na poesia. 4. O poema todo enfatiza a primeira pessoa, tem o foco na subjetividade do eu-lírico, cujo estado de espírito é esclarecido pelo adjetivo aporrinhado, justificando o “desabafo de evasão” para um lugar idealizado pela mente. Bandeira declara que “Vou-me embora pra Pasárgada!” surgiu pela primeira vez como um grito do inconsciente, num momento de fundo desânimo, da mais aguda sensação de tudo o que não tinha feito na sua vida por motivo da doença. Mais tarde, o poema teria sido escrito, com o subtítulo de “Rondó do aporrinhado”, que caracterizava bem o estado de alma do eu lírico. 5. O espaço distante, representado pelo advérbio “lá” – destino da evasão – implica o emprego do verbo no presente com valor de futuro. O espaço próximo, representado pelo advérbio “aqui” – ponto de origem – implica o emprego do verbo no presente com valor de fato atual, permanente. 6. a) “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias (“Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá”). b) Não, pois os versos têm métrica regular, são todos heptassílabos. 7. Conforme Mário de Andrade, “dançar com religião” é dançar de forma espontânea e prazerosa, feliz. 8. a) Tom marcadamente subjetivo e emocional (“Beijei na areia os sinais de teus passos”); sentimentalismo exagerado (“Que suprema delícia, meu Deus, foi para mim a dor que me causavam os meus pulsos magoados pelas tuas mãos!”); exploração de uma temática ligada aos seguintes elementos: sofrimento, dor, ira, indignação, perdão e paixão (“Como abençoei este sofrimento!... Era alguma cousa de ti, um ímpeto de tua alma, a tua cólera e indignação...”). b) O elemento presente no poema de Oswald de Andrade que não mantém ligação alguma com o imaginário romântico é “elevador”. O poeta, de acordo com os postulados defendidos pelo Modernismo de 22, sustenta a ideia de que a poesia está presente em todas as palavras, coisas e lugares, inclusive, “No elevador”.
107VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias E.O. Enem 1. C 2. D 3. A 4 B 5. A 6. D 7. E 8. C 9. E 10. B 11. B 12. B 13. A 14. B 15. A 16. E 17. E 18. E E.O. UERJ Exame Discursivo 1. O trecho em que o autor menciona e se refere a uma definição estrita de literatura é: desde o que chamamos de folclore, lenda, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações. A menção a formas mais complexas e difíceis da produção escrita pressupõe que as que foram mencionadas anteriormente, como o folclore e a lenda, são formas simples ou menos complexas. 2. Dois dos argumentos: • literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. • Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. • assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. • Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas. 3. No primeiro trecho, “sonho” é entendido como fenômeno involuntário da mente; no segundo trecho, como criação consciente. Na associação feita, não se trata mais de “sonho” como fenômeno restrito ao indivíduo, mas algo ligado à expressão de sentimentos, crenças, normas e laços de pertencimento coletivos, sociais. 4. a) “Imaginava” (pretérito imperfeito): associa-se à expectativa negativa; “Ensina” (presente do indicativo): representa o contato com a amada. b) “Eu” é sujeito de imaginar; “Me” é objeto de ensinar. E.O. Objetivas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) 1. E 2. C 3. E 4. D 5. B 6. C 7. B 8. C 9. A 10. C 11. D 12. D 13. D 14. A 15. D 16. C 17. A 18. C E.O. Dissertativas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) 1. a) O que há do Modernismo, estética literária à qual pertence o poema, no título é o assunto do cotidiano na obra literária e a quebra das convenções ao misturar poesia, informação e notícia. b) Ao não comentar os acontecimentos relatados no poema, o eu lírico traz a objetividade própria da notícia ao poema. A percepção da dimensão trágica do cotidiano, assim, fica a cargo da sensibilidade do leitor; é ele quem busca o lirismo escondido nesse fato relatado no jornal e ressignificado no poema, o que lhe permitirá ver a notícia, também, como lugar propício à poesia. 2. O emprego desses dois tempos verbais obedece a uma distinção entre o eu lírico e os aspectos externos. Assim, verbos no pretérito perfeito (como “acordei”, “levantei”, “bebi”, “deitei”, “acendi” e “amei”) se relacionam com o sujeito (“eu”); ao passo que os verbos no pretérito imperfeito (por exemplo, “chovia” e “fazia”) se conectam a fatores do mundo exterior. 3. Os outros dois termos que também indicam circunstância temporal são “manhã” (no segundo verso) e “noite” (no quinto verso). O termo “manhã” assinala o momento em que acontece o que é narrado. Já a palavra “noite”, descrita como de “calor tempestuoso”, indica um contraste por anteceder a manhã chuvosa. 4. Há pleonasmo no quarto verso: “Chovia uma triste chuva de resignação”. Aqui o autor procura enfatizar a ideia de chuva, pois poderia substituir o verbo “chover” pelo verbo “cair” (“Caía uma triste chuva de resignação”). Trata-se, portanto, de um pleonasmo estilístico. No aspecto formal, o poema se vincula ao movimento modernista brasileiro por apresentar versos livres. Quanto à temática, demonstra características modernistas por discorrer sobre o cotidiano. 5. a) Sim. Em “a” , com efeito, Mário de Andrade opera uma “desgeografização” e uma “desregionalização” da fauna, da flora e do folclore nacionais. Peixes, pássaros e mitos amazônicos nadam no Tietê, sobrevoam bairros de São Paulo e se projetam na aventura paulistana de Macunaíma. Lendas gaúchas são invocadas no Uraricoera amazônico. O Wenceslau Pietro de Pietra é a um só tempo o regatão venezuelano, o imigrante italiano e o gigante Piaimã, o devorador de gente das lendas indígenas. A rapsódia constitui-se como um caleidoscópio do Brasil. b) Sim. Macunaíma, o “herói da nossa gente”, “o herói sem nenhum caráter” compõe uma síntese representativa de um presumido modo de ser brasileiro, de um povo mestiço, em formação. 6. a) Podem ser apontados: o uso do diminutivo (“bichinho”, “limpinhos”, “ternurinhas”), a redação primária e certos desvios da norma culta, como “Levava ele pra sala”. b) O amor não correspondido, a desilusão amorosa.
108VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 7. a) No episódio em que Vei, a Sol, propõe a Macunaíma casamento com uma de suas filhas, na condição de ele ser fiel, o “herói de nossa gente” aceita e jura fidelidade, mas trai o juramento ao “brincar” com uma portuguesa enquanto a deusa e suas filhas percorriam o céu do outro lado do mundo. É importante assinalar que a deusa Vei e suas filhas simbolizam o Brasil tropical, traído por Macunaíma quando o herói se deixa seduzir pela portuguesa, que representa a Europa. Daí resulta o ressentimento de Vei, que se vinga de Macunaíma no final da rapsódia. b) A frase de Macunaíma adquire sentido irônico na medida em que ele é um “herói sem nenhum caráter”, como se lê no subtítulo da rapsódia de Mário de Andrade. De fato, Macunaíma não possui um caráter inteiriço, pois ele é uma síntese contraditória de etnias e culturas diversas: a branca europeia, a ameríndia e a afro-brasileira. É interessante observar que, no capítulo “Vei, a Sol”, Macunaíma sucumbe à sedução europeia (a portuguesa), esculhambando a inteireza de seu caráter. A frase tem sentido irônico, também, se cotejada com o fascínio de Macunaíma pela língua portuguesa, tal como se verifica na “Carta pras Icamiabas”. 8. a) Há em Libertinagem uma galeria de personagens características do grupo social dos excluídos. Camelôs, prostitutas, favelados, etc. são dignificados na poesia de Manuel Bandeira, que manifesta nítida simpatia e solidariedade pelos pobres e desvalidos. É o que se pode observar em textos como “Poema tirado de uma notícia de jornal”, “Camelôs”, “Mangue” e outros mais. No caso de “Irene no céu”, o componente social deve ser visto no contexto histórico de um país de passado escravocrata: o comportamento humilde da mulher negra perante os brancos, que se conserva no céu perante São Pedro, é índice da submissão social de pessoas de sua condição. b) A relação de Manuel Bandeira com o Catolicismo não é religiosa, mas cultural e, sobretudo, poética. Como elemento da cultura brasileira, o Catolicismo se apresenta na menção a festas e cerimônias do calendário religioso (como as de São João, no poema “Profundamente”, ou a da comemoração do dia dos mortos, em “Poema de finados”), na referência a figuras do imaginário católico (“O anjo da guarda”, “A Virgem Maria”), na paródia de preces (“Oração no Saco de Mangaratiba”, “Oração a Terezinha do Menino Jesus”) ou citações bíblicas (“Teresa”) e, ainda, em traços da piedade cristã mesclados a formas religiosas afro-brasileiras (“Mangue”). Há sempre uma certa ironia nas relações entre o poeta e a fé católica. É possível reconhecer, também, uma certa relação de semelhança entre o “sermo humilis” do discurso católico medieval e a simplicidade com que Bandeira veicula conteúdos sublimes, conforme estabelecido por Davi Arrigucci Jr., ao chamar de “estilo humilde” o do poeta de Libertinagem. 9. a) No texto I, uma visão crítica, negativa, depreciativa e, no texto II, uma visão idealizada. b) Modernismo e Romantismo.
109VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias E.O. Aprendizagem Texto para a próxima questão. Mãos dadas “Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, A vida presente.” ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião. 6ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. p. 55. 1. O poema “Mãos dadas” reflete um traço constante na obra de Drummond, que pode ser caracterizado por: a) apresentar como tema uma poesia intimista, voltada para o amor físico. b) uma linguagem por intermédio da qual representa constantemente a sensualidade feminina. c) uma visão do mundo na qual não há espaço para ilusões. d) uma tentativa de representar o mundo sem criticar a realidade. e) uma visão onírica do seu mundo e do seu tempo. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO Leia o poema Legado, de Carlos Drummond de Andrade, abaixo. “Que lembrança darei ao país que me deu tudo que lembro e sei, tudo quanto senti? Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu minha incerta medalha, e a meu nome se ri. E mereço esperar mais do que os outros, eu? Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti. Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu, a vagar, taciturno, entre o talvez e o se. Não deixarei de mim nenhum canto radioso, uma voz matinal palpitando na bruma e que arranque de alguém seu mais secreto espinho. De tudo quanto foi meu passo caprichoso na vida, restará, pois o resto se esfuma, uma pedra que havia em meio do caminho.” 2. Considere as seguintes afirmações sobre o poema. I. No primeiro quarteto, o poeta pergunta pelo legado que deixará para o país a que deve tudo o que lhe é caro; no segundo quarteto, há uma invocação um tanto irônica do mundo, não se trata mais apenas do país: há uma ampliação da referência que atravessaria os limites geográficos para lidar com o mundo/realidade. II. A forma soneto e a referência a Orfeu, o mitológico poeta grego capaz de encantar a todos com o som da sua lira, revelam que o modernismo de Drummond agora se associa com o parnasianismo, o que permite ao poeta reivindicar uma posição fixa na tradição, em contraste com Orfeu, perplexo entre o talvez e o se. III. No último terceto, o poeta alega que, da sua trajetória um tanto instável, restará uma pedra que havia em meio do caminho, o que equivale a uma paráfrase, agora em registro formal e sério, dos versos do célebre poema do início de sua carreira modernista: No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho (...). Quais estão corretas? a) Apenas II. b) Apenas III. c) Apenas I e II. d) Apenas I e III. e) I, II e III. TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES A(s) questão(ões) a seguir refere(m)-se ao livro Nova Antologia Poética, de Vinicius de Moraes. 3. (Cefet-MG) POÉTICA (II) “Com as lágrimas do tempo E a cal do meu dia Eu fiz o cimento Da minha poesia E na perspectiva Da vida futura Ergui em carne viva Sua arquitetura. MODERNISMO NO BRASIL: 2ª FASE – POESIA COMPETÊNCIA(s) 5 HABILIDADE(s) 15, 16 e 17 LC AULAS 37 E 38
110VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Não sei bem se é casa Se é torre ou se é templo (Um templo sem Deus.) Mas é grande e clara Pertence ao seu tempo − Entrai, irmãos meus!” Rio, 1960 Nesse poema, Vinicius de Moraes NÃO caracteriza sua poética como: a) tradução da modernidade. b) busca de religiosidade. c) experiência do corpo. d) registro do cotidiano. e) espaço de encontro. 4. (Cefet-MG) SONETO DE SEPARAÇÃO “De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente.” Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot, a caminho da Inglaterra, setembro de 1938. Sobre os recursos de linguagem empregados na construção do poema, afirma-se: I. As semelhanças sonoras entre palavras como “espalmadas” e “espanto”, “branco” e “bruma” exemplificam o uso de aliterações no texto. II. A repetição, ao longo do poema, da expressão “de repente”, acentua a ideia do espanto trazido pela separação. III. O uso de algumas antíteses no texto demonstra o contraste entre os momentos antes e depois da separação. IV. No primeiro verso da segunda estrofe, a palavra “vento” metaforiza a tranquilidade anterior à separação. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e II. d) I, II e III. b) I e IV. e) II, III e IV. c) III e IV. 5. (Cefet-MG) Vinicius de Moraes, ao longo de sua trajetória de poeta, permitiu-se aderir a diferentes tendências estéticas, sejam anteriores ou contemporâneas à sua obra. NÃO apresentam os traços da estética indicada os versos transcritos em: a) “E dentro das estruturas/ Via coisas, objetos/ Produtos, manufaturas./ Via tudo o que fazia/ O lucro do seu patrão/ E em cada coisa que via/ Misteriosamente havia/ A marca de sua mão.” – PARNASIANISMO b) “O teu perfume, amada – em tuas cartas/ Renasce azul...– são tuas mãos sentidas!/ Relembro-as brancas, leves, fenecidas/ Pendendo ao longo de corolas fartas.” – ROMANTISMO c) “Ah, jovens putas das tardes/ O que vos aconteceu/ (...) Em vossas jaulas acesas/ Mostrando o rubro das presas/ Falando coisas do amor/ E às vezes cantais uivando/ Como cadelas à lua/ Que em vossa rua sem nome/ Rola perdida no céu” – NATURALISMO d) “– Era uma vez um poeta/ No morro do Cavalão/ Tantas fez que a dor-de-corno/ Bateu com ele no chão/ Arrastou ele nas pedras/ Espremeu seu coração/ Que pensa usted que saiu?/ Saiu cachaça e limão” – MODERNISMO e) “Tensos/ Pela corda luminosa/ Que pende invisível/ E cujos nós são astros/ Queimando nas mãos/ Subamos à tona/ do grande mar de estrelas/ Onde dorme a noite/ Subamos” – SIMBOLISMO 6. (UFRN)O livro A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1945, é considerado uma das obras mais notáveis de sua produção poética. Nessa obra, Drummond atinge seu mais alto nível literário, inclusive sem descuidar do momento histórico em que está inserido. Os textos abaixo são fragmentos dos poemas “O medo” e “Nosso tempo”, respectivamente: “Em verdade temos medo. Nascemos escuro. As existências são poucas: Carteiro, ditador, soldado. Nosso destino, incompleto. E fomos educados para o medo. Cheiramos flores de medo. Vestimos panos de medo. De medo, vermelhos rios Vadeamos.” (O medo, p. 35) “O poeta Declina de toda responsabilidade Na marcha do mundo capitalista e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas promete ajudar a destruí-lo como uma pedreira, uma floresta, um verme.” (“Nosso tempo”, p. 45) Da leitura dos versos acima, afirma-se que essa obra poética: a) funciona como instrumento de militância sociopolítica, que alerta os homens sobre os riscos do Socialismo. b) reflete sobre os problemas do mundo, manifestando-os numa espécie de ação pelo testemunho.
111VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias c) assume uma função política, orientando os homens a evitar os perigos da vida em sociedade. d) serve como testemunho do pavor gerado no mundo capitalista, que descuida da natureza. E.O. Fixação 1. (UFSM) Observe as seguintes estrofes do poema “Coração numeroso”, de Carlos Drummond de Andrade: “Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas autos abertos correndo caminho do mar voluptuosidade errante do calor mil presentes da vida aos homens indiferentes, que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. O mar batia em meu peito, já não batia no cais. A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu a cidade sou eu sou eu a cidade meu amor.” Nos versos citados, a relação entre o eu lírico e o seu entorno é estreita – o que é confirmado pelas expressões sublinhadas. A partir de tais observações, pode-se afirmar que a aproximação estabelecida entre o sujeito e a cidade conota: a) a comoção do sujeito poético, cuja sensibilidade é despertada pela vitalidade que movimenta a urbe. b) a desumanização do sujeito poético, cujo cotidiano frenético repete o ritmo do espaço urbano. c) a soberba do eu lírico, que se supõe tão grandioso e fascinante quanto a cidade. d) a degradação do sujeito lírico que, assim como a cidade, está “doente” por não receber a atenção das pessoas. e) a apatia do eu lírico que, assim como a cidade, segue o seu rumo, imune ao caos urbano. 2. (PUC-RS) Leia o excerto do poema “Nosso tempo”, de Carlos Drummond de Andrade, publicado na obra A Rosa do Povo, em 1945. “Esse é tempo de partido, tempo de homens partidos. Em vão percorremos volumes, viajamos e nos colorimos. A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua. Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz dormindo acesa na varanda? Miúdas certezas de empréstimo, nenhum beijo sobe ao ombro para contar-me a cidade dos homens completos. Calo-me, espero, decifro. As coisas talvez melhorem. São tão fortes as coisas! Mas eu não sou as coisas e me revolto. Tenho palavras em mim buscando canal, são roucas e duras, irritadas, enérgicas, comprimidas há tanto tempo, perderam o sentido, apenas querem explodir. [...]” Todas as afirmativas estão corretamente associadas ao poema e seu contexto, EXCETO: a) É perceptível, a partir da análise das imagens do poema, a influência de um tempo de guerra. b) A forma fragmentada, com versos livres e esquema irregular de rimas, espelha imagens de um homem igualmente dilacerado, em crise. c) Ainda que viva em um mundo em crise, o eu lírico não se indaga sobre a sua condição neste mundo, o que confere a esse sujeito um caráter de alienação frente ao tempo no qual está inserido. d) O verso Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos traz uma ambiguidade marcante: ao mesmo tempo em que apresenta imagens que residem num plano concreto, do cotidiano, também aponta para o campo metafórico, da batalha. e) A necessidade do levante do eu lírico se materializa, na última estrofe, numa imagem bélica: a explosão. 3. (UPF) Leia as seguintes afirmações sobre Carlos Drummond de Andrade. I. Em seus poemas, há lugar para o lirismo e o sentimentalismo, mas não para o humor e a ironia. II. Na obra Alguma Poesia, há poemas em que as descrições são espelhos da vida cotidiana que, por vezes, assumem a condição de símbolo. III. Desde sua estreia, com Alguma poesia, o escritor se afirmou como poeta moderno por valorizar o prosaico e o irônico. Está CORRETO apenas o que se afirma em: a) I. b) II. c) I e III. d) I e II. e) II e III. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. TEXTO 1 CANÇÃO DO TAMOIO “(...) Porém se a fortuna, Traindo teus passos, Te arroja nos laços Do imigo falaz! Na última hora Teus feitos memora, Tranquilo nos gestos, Impávido, audaz.
112VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias E cai como o tronco Do raio tocado, Partido, rojado Por larga extensão; Assim morre o forte! No passo da morte Triunfa, conquista Mais alto brasão. (...)” (Gonçalves Dias) TEXTO 2 BERIMBAU “Quem é homem de bem não trai O amor que lhe quer seu bem. Quem diz muito que vai não vai E, assim como não vai, não vem. Quem de dentro de si não sai Vai morrer sem amar ninguém, O dinheiro de quem não dá É o trabalho de quem não tem, Capoeira que é bom não cai E, se um dia ele cai, cai bem!” (Vinicius de Moraes e Baden Powell) 4. (Insper) O modo como a morte é figurativizada no fragmento de Gonçalves Dias é semelhante ao seguinte verso da canção de Vinicius e Baden: a) “O amor que lhe quer seu bem”. b) “Vai morrer sem amar ninguém”. c) “O dinheiro de quem não dá”. d) “É o trabalho de quem não tem”. e) “E, se um dia ele cai, cai bem!”. TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES: A FELICIDADE “Tristeza não tem fim felicidade sim. A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar, voa tão leve, mas tem a vida breve precisa que haja vento sem parar. A felicidade do pobre parece a grande ilusão do carnaval a gente trabalha o ano inteiro por um momento de sonho pra fazer a fantasia de rei ou de pirata ou jardineira pra tudo se acabar na quarta-feira. A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor, brilha tranquila depois de leve oscila e cai como uma lágrima de amor. A minha felicidade está sonhando nos olhos da minha namorada É como esta noite, passando, passando em busca da madrugada Fale baixo por favor pra que ela acorde alegre com o dia oferecendo beijos de amor.” MORAES, Vinicius e JOBIM, Tom. As mais belas serestas brasileiras. 9ª ed. Belo Horizonte: Barvalle Indústria Gráfica Ltda, 1989. 5. De acordo com a 3ª estrofe, só NÃO se pode afirmar que: a) o eu lírico possui felicidade no sonho com sua enamorada. b) nessa estrofe, observa-se a presença marcante do tempo. c) a duração da felicidade percorre a noite, a madrugada e alcança o dia. d) para o eu lírico a felicidade é um estado permanente. 6. Nas duas primeiras estrofes, há uma tentativa de se definir a felicidade, para isso o eu lírico vale-se de: a) comparações. b) metáforas. c) metonímias. d) hipérboles. E.O. Complementar TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 5 QUESTÕES. PORTÃO “O portão fica bocejando, aberto para os alunos retardatários. Não há pressa em viver nem nas ladeiras duras de subir, 1 quanto mais para estudar a insípida cartilha. Mas se o pai do menino é da oposição, à ²ilustríssima autoridade municipal, prima por sua vez da ³sacratíssima autoridade nacional, 4 ah, isso não: o vagabundo ficará mofando lá fora e leva no boletim uma galáxia de zeros. A gente aprende muito no portão fechado.” ANDRADE, Carlos Drummond de. In: Carlos Drummond de Andrade: Poesia e Prosa. Editora Nova Aguilar: 1988. p. 506-507. 1. (UECE) Observe a metáfora que inicia o poema – “O portão fica bocejando” – e o que se diz sobre ela. I. Essa metáfora empresta ao portão faculdades humanas, constituindo, também uma prosopopeia ou personificação. Por outro lado, essa expressão aceita, ainda, a seguinte leitura: o portão representa metonimicamente a escola, com seus valores criticáveis e seus preconceitos.
113VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias II. O emprego da locução verbal de gerúndio “fica bocejando”, no lugar da forma simples boceja, dá à ação expressa pelo verbo bocejar um caráter de continuidade, de duração. III. O gerúndio realça a própria semântica do verbo bocejar. Está correto o que se afirma em: a) I, II e III. b) I e III apenas. c) II e III apenas. d) I e II apenas. 2. (UECE) Os dois superlativos (ref. 2 e 3) emprestam ao poema um tom de: a) ironia. b) seriedade. c) respeito. d) espiritualidade. 3. (UECE) Considere as seguintes afirmações sobre os dois versos finais. I. A separação desses dois versos em uma estrofe é um recurso que enfatiza as ideias de exclusão, parcialidade e preconceito presentes no poema. II. Os dois versos constituem um enunciado que expressa uma afirmação de valor individual ou particular. III. Esse enunciado apresenta a estrutura linguística do axioma (máxima, provérbio, anexim): é breve, expressa um conceito sobre a realidade, tem o objetivo de ensinar e emprega o presente do indicativo. Está correto o que se afirma apenas em: a) II. b) I e III. c) II e III. d) I. 4. (UECE) Atente ao que é dito sobre o vocábulo “insípida” (ref. 1). I. Foi empregado na acepção de sem graça, desinteressante, monótono. II. Foi empregado no seu sentido literal, não figurado. III. A mudança da posição desse adjetivo para depois do substantivo não alteraria o significado do substantivo. Está correto o que se afirma somente em: a) I e II. b) III. c) I e III. d) II. 5. (UECE) Atente para o que se afirma sobre os versos “ah, isso não: o vagabundo ficará mofando lá fora/ e leva no boletim uma galáxia de zeros” (ref. 4). I. Eles são construídos sobre duas metáforas hiperbólicas, isto é, metáforas que contêm um exagero. II. O pronome isso em “ah, isso não”, aponta para um referente na cena enunciativa. III. O pronome isso, no poema, aponta para o que é dito nos dois primeiros versos, sintetizando-os. Está correto o que se diz em: a) I e II. b) I, II e III. c) II e III. d) I e III. E.O. Dissertativo 1. (UFES) TEXTO 1 Romance II ou Do ouro incansável “[...] De seu calmo esconderijo, o ouro vem, dócil e ingênuo; torna-se pó, folha, barra, prestígio, poder, engenho... É tão claro! – e turva tudo: honra, amor e pensamento. [...] Mil galerias desabam; mil homens ficam sepultos; mil intrigas, mil enredos prendem culpados e justos; já ninguém dorme tranquilo, que a noite é um mundo de sustos.” (Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles) TEXTO 2 “Que iriam fazer? Retardaram-se, temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos.” (Vidas secas, de Graciliano Ramos) TEXTO 3 “AMBRÓSIO — Senhores, denuncio-vos um criminoso. MEIRINHO — É verdade que tenho aqui uma ordem contra um noviço... MESTRE —... Que já de nada vale. (Prevenção.) TODOS — O Padre-Mestre! MESTRE (para Carlos) — Carlos, o Dom Abade julgou mais prudente que lá não voltásseis. Aqui tens a permissão por ele assinada para saíres do convento. CARLOS (abraçando-o) — Meu bom Padre-Mestre, este ato reconcilia-me com os frades. MESTRE — E vós, senhoras, esperai da justiça dos homens o castigo deste malvado. (Para Carlos e Emília:) E vós, meus filhos, sede felizes, que eu pedirei para todos (ao público:) indulgência!
114VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias AMBRÓSIO — Oh, mulheres, mulheres! (Execução.)” (O noviço, de Martins Pena) Escolha uma das três obras acima: Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles; Vidas Secas, de Graciliano Ramos; O noviço, de Martins Pena, e faça o que se pede: a) Justifique o título da obra que você escolheu. b) Explique a relevância do trecho da obra escolhida, abaixo transcrito, para a compreensão dessa obra. 2. (UFMG) Leia e compare estes trechos: TRECHO 1 “Escrevi muito, não me pejo de confessá-lo. Em Turmalinas, gozei de evidente notoriedade, a que faltou, entretanto, para duração, certo trabalho de jardinagem. É verdade que Turmalinas me compreendia pouco, e eu a compreendia menos. Meus requintes espasmódicos eram um pouco estranhos a uma terra em que a hematita calçava as ruas, dando às almas uma rigidez triste. Entretanto, meu nome em letra de forma comovia a pequena cidade, e dava-lhe esperança de que o meu talento viesse a resgatar o melancólico abandono em que, anos a fio, ela se arrastava, com o progresso a 50 quilômetros de distância e cabritos pastando na rua.” ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos de aprendiz (*). 57. ed. Rio de Janeiro: Record, 2010. p. 149-150. (*) A resposta a esta questão independe da leitura prévia dessa obra. TRECHO 2 “Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas. E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação. A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes. E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança itabirana. De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço: este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval; esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil; este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas; este orgulho, esta cabeça baixa... Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!” ANDRADE, Carlos Drummond de. Confidência do itabirano. Obras completas. Poesia e prosa. 8. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p. 57. Com base na comparação entre os trechos lidos, explique como as características das cidades – no caso, Turmalinas e Itabira – se refletem na personalidade do narrador (Trecho 1) e do poeta (Trecho 2). 3. (UnB) Morte do Leiteiro “Há pouco leite no país, é preciso entregá-lo cedo. Há muita sede no país, é preciso entregá-lo cedo. Há no país uma legenda, que ladrão se mata com tiro. Então o moço que é leiteiro de madrugada com sua lata sai correndo e distribuindo leite bom para gente ruim. Sua lata, suas garrafas e seus sapatos de borracha vão dizendo aos homens no sono que alguém acordou cedinho e veio do último subúrbio trazer o leite mais frio e mais alvo da melhor vaca para todos criarem força na luta brava da cidade. Na mão a garrafa branca não tem tempo de dizer as coisas que lhe atribuo nem o moço leiteiro ignaro. morador na Rua Namur, empregado no entreposto Com 21 anos de idade, sabe lá o que seja impulso de humana compreensão. E já que tem pressa, o corpo vai deixando à beira das casas uma apenas mercadoria. E como a porta dos fundos também escondesse gente que aspira ao pouco de leite disponível em nosso tempo, avancemos por esse beco, peguemos o corredor, depositemos o litro… Sem fazer barulho, é claro, que barulho nada resolve. Meu leiteiro tão sutil de passo maneiro e leve, antes desliza que marcha. É certo que algum rumor sempre se faz: passo errado, vaso de flor no caminho, cão latindo por princípio, ou um gato quizilento. E há sempre um senhor que acorda, resmunga e torna a dormir.
115VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Mas este acordou em pânico (ladrões infestam o bairro), não quis saber de mais nada. O revólver da gaveta saltou para sua mão. Ladrão? se pega com tiro. Os tiros na madrugada liquidaram meu leiteiro. Se era noivo, se era virgem, se era alegre, se era bom, não sei, é tarde para saber. Da garrafa estilhaçada, no ladrilho já sereno escorre uma coisa espessa que é leite, sangue... não sei. Por entre objetos confusos, mal redimidos da noite, duas cores se procuram, suavemente se tocam, amorosamente se enlaçam, formando um terceiro tom a que chamamos aurora.” Carlos Drummond de Andrade Com relação ao poema Morte do Leiteiro, de Carlos Drummond de Andrade, julgue os itens a seguir. a) Nesse poema, foram utilizados recursos literários característicos do primeiro momento modernista, tais como o humor e a paródia. b) Nos seis versos iniciais do poema, a impessoalidade poética é reforçada pelo emprego de orações sem sujeito ou com sujeito indeterminado. Tal impessoalidade contrasta com a aproximação entre narrador e personagem, marcada, textualmente, pelo emprego do pronome “Meu” no verso “Meu leiteiro tão sutil”. c) O autor emprega recursos linguísticos para expressar, de forma impessoal, a voz da ideologia que fundamenta a atitude do senhor que atira no leiteiro sem refletir sobre o real perigo de tal ato. d) O leiteiro é um personagem caracterizado no poema sobretudo em sua dimensão psicológica, o que aproxima a estrutura do poema à de um texto jornalístico. e) O narrador enuncia os fatos de forma a aderir ao ponto de vista do senhor que mata o leiteiro por acidente, como se verifica na forma sutil com que avalia como imprudente a ação do personagem que entrega leite em domicílio. f) Pela maneira como são apresentados sentimentos em um modelo poético sucinto e inspirado na tradição clássica, o poema pode ser considerado um diálogo de Carlos Drummond de Andrade com a poesia do grupo de poetas brasileiros que ficou conhecido como Geração de 45. g) A imagem final do poema extrai sua eficácia estética do atrito entre a beleza de uma imagem comumente associada à esperança (aurora) e a condição trágica da inusitada mistura de cores que resulta do assassinato do leiteiro (leite e sangue). E.O. Enem 1. (Enem) TEXTO I POEMA DE SETE FACES “Mundo mundo vasto mundo, Se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração.” ANDRADE, C. D. Antologia poética. Rio de Janeiro: Record, 2001 (fragmento). TEXTO II CDA (IMITADO) “Ó vida, triste vida! Se eu me chamasse Aparecida dava na mesma.” FONTELA, O. Poesia reunida. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7Letras, 2006. Orides Fontela intitula seu poema “CDA”, sigla de Carlos Drummond de Andrade, e entre parênteses indica “imitado” porque, como nos versos de Drummond: a) apresenta o receio de colocar os dramas pessoais no mundo vasto. b) expõe o egocentrismo de sentir o coração maior que o mundo. c) aponta a insuficiência da poesia para solucionar os problemas da vida. d) adota tom melancólico para evidenciar a desesperança com a vida. e) invoca a tristeza da vida para potencializar a ineficácia da rima. 2. (Enem) Cântico VI Tu tens um medo de Acabar. Não vês que acabas todo o dia. Que morres no amor. Na tristeza. Na dúvida. No desejo. Que te renovas todo dia. No amor. Na tristeza. Na dúvida. No desejo. Que és sempre outro. Que és sempre o mesmo. Que morrerás por idades imensas.
116VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Até não teres medo de morrer. E então serás eterno.MEIRELES, C. Antologia poética, Rio de Janeiro: Record. 1963 (fragmento). A poesia de Cecília Meireles revela concepções sobre o homem em seu aspecto existencial. Em Cântico VI, o eu lírico exorta seu interlocutor a perceber, como inerente à condição humana, a) a sublimação espiritual graças ao poder de se emocionar. b) o desalento irremediável em face do cotidiano repetitivo. c) o questionamento cético sobre o rumo das atitudes humanas. d) a vontade inconsciente de perpetuar-se em estado adolescente. e) um receio ancestral de confrontar a imprevisibilidade das coisas. 3. (Enem) Aquele bêbado — Juro nunca mais beber — e fez o sinal da cruz com os indicadores. Acrescentou: — Álcool. O mais, ele achou que podia beber. Bebia paisagens, músicas de Tom Jobim, versos de Mário Quintana. Tomou um pileque de Segall. Nos fins de semana embebedava-se de Índia Reclinada, de Celso Antônio. — Curou-se 100% de vício — comentavam os amigos. Só ele sabia que andava bêbado que nem um gambá. Morreu de etilismo abstrato, no meio de uma carraspana de pôr do sol no Leblon, e seu féretro ostentava inúmeras coroas de ex-alcoólatras anônimos. ANDRADE, C. D. Contos plausíveis. Rio de Janeiro: Record, 1991. A causa mortis do personagem, expressa no último parágrafo, adquire um efeito irônico no texto porque, ao longo da narrativa, ocorre uma: a) metaforização do sentido literal do verbo “beber”. b) aproximação exagerada da estética abstracionista. c) apresentação gradativa da coloquialidade da linguagem. d) exploração hiperbólica da expressão “inúmeras coroas”. e) citação aleatória de nomes de diferentes artistas. 4. (Enem) TEXTO I Antigamente Antigamente, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais e se um se esquecia de arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro. Não devia também se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir. Nada de bater na cacunda do padrinho, nem de debicar os mais velhos, pois levava tunda. Ainda cedinho, aguava as plantas, ia ao corte e logo voltava aos penates. Não ficava mangando na rua nem escapulia do mestre, mesmo que não entendesse patavina da instrução moral e cívica. O verdadeiro smart calçava botina de botões para comparecer todo liró ao copo d’água, se bem que no convescote apenas lambiscasse, para evitar flatos. Os bilontras é que eram um precipício, jogando com pau de dois bicos, pelo que carecia muita cautela e caldo de galinha. O melhor era pôr as barbas de molho diante de um treteiro de topete, depois de fintar e engambelar os coiós, e antes que se pudesse tudo em pratos limpos, ele abria o arco. ANDRADE, C. D. Poesia e prosa. Rio de janeiro: nova Aguilar, 1983 (fragmento). TEXTO II Palavras do arco da velha Expressão Significado Cair nos braços de Morfeu Dormir Debicar Zombar, ridicularizar Tunda Surra Mangar Escarnecer, caçoar Tugir Murmurar Liró Bem-vestido Copo d’água Lanche oferecido pelos amigos Convescote Piquenique Bilontra Velhaco Treteiro de topete Tratante atrevido Abrir o arco Fugir FIORIN, J. L. As línguas mudam. In: Revista Língua Portuguesa, n. 24, out. 2007 (adaptado). Na leitura do fragmento do texto Antigamente constata-se, pelo emprego de palavras obsoletas, que itens lexicais outrora produtivos não mais o são no português brasileiro atual. Esse fenômeno revela que: a) a língua portuguesa de antigamente carecia de termos para se referir a fatos e coisas do cotidiano. b) o português brasileiro se constitui evitando a ampliação do léxico proveniente do português europeu. c) a heterogeneidade do português leva a uma estabilidade do seu léxico no eixo temporal. d) o português brasileiro apoia-se no léxico inglês para ser reconhecido como língua independente. e) o léxico do português representa uma realidade linguística variável e diversificada. 5. (Enem) Verbo ser QUE VAI SER quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo ou jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É triste? Ser: pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas? Repito: ser, ser, ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Não quero ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser. Esquecer. ANDRADE, C. D. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. A inquietação existencial do autor com a autoimagem corporal e a sua corporeidade se desdobra em questões
117VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias existenciais que têm origem: a) no conflito do padrão corporal imposto contra as convicções de ser autêntico e singular. b) na aceitação das imposições da sociedade seguindo a influência de outros. c) na confiança no futuro, ofuscada pelas tradições e culturas familiares. d) no anseio de divulgar hábitos enraizados, negligenciados por seus antepassados. e) na certeza da exclusão, revelada pela indiferença de seus pares. 6. (Enem) No poema “Procura da poesia”, Carlos Drummond de Andrade expressa a concepção estética de se fazer com palavras o que o escultor Michelangelo fazia com mármore. O fragmento a seguir exemplifica essa afirmação. “(...) Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. (...) Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: trouxeste a chave?” Carlos Drummond de Andrade. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 1997, p. 13-14. Esse fragmento poético ilustra o seguinte tema constante entre autores modernistas: a) a nostalgia do passado colonialista revisitado. b) a preocupação com o engajamento político e social da literatura. c) o trabalho quase artesanal com as palavras, despertando sentidos novos. d) a produção de sentidos herméticos na busca da perfeição poética. e) a contemplação da natureza brasileira na perspectiva ufanista da pátria. 7. (Enem) O mundo é grande O mundo é grande e cabe Nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe Na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe No breve espaço de beijar ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e prosa. Rio de Janeiro. Nova Aguilar 1983. Neste poema, o poeta realizou uma opção estilística: a reiteração de determinadas construções e expressões linguísticas, como o uso da mesma conjunção para estabelecer a relação entre as frases. Essa conjunção estabelece, entre as ideias relacionadas, um sentido de: a) oposição. b) comparação. c) conclusão. d) alternância. e) finalidade. 8. (Enem) SONETO DE FIDELIDADE De tudo ao meu amor serei atento Antes e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou ao seu contentamento. E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama. Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. (MORAES, Vinicius de. ANTOLOGIA POÉTICA. São Paulo: Cia das Letras, 1992) A palavra mesmo pode assumir diferentes significados, de acordo com a sua função na frase. Assinale a alternativa em que o sentido de mesmo equivale ao que se verifica no 30. verso da 1ª estrofe do poema de Vinicius de Moraes. a) “Pai, para onde fores, /irei também trilhando as mesmas ruas...” (augusto dos Anjos) b) “Agora, como outrora, há aqui o mesmo contraste da vida interior, que é modesta, com a exterior, que é ruidosa.” (Machado de Assis) c) “Havia o mal, profundo e persistente, para o qual o remédio não surtiu efeito, mesmo em doses variáveis.” (Raimundo Faoro) d) “Vamos de qualquer maneira, mas vamos mesmo.” (Aurélio) 9. (Enem) Quem não passou pela experiência de estar lendo um texto e defrontar-se com passagens já lidas em outros? Os textos conversam entre si em um diálogo constante. Esse fenômeno tem a denominação de intertextualidade. Leia os seguintes textos: I. Quando nasci, um anjo torto Desses que vivem na sombra Disse: Vai Carlos! Ser “gauche” na vida (ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma Poesia. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964) II. Quando nasci veio um anjo safado O chato dum querubim E decretou que eu tava predestinado A ser errado assim Já de saída a minha estrada entortou Mas vou até o fim. (BUARQUE, Chico. Letra e música. São Paulo: Cia das Letras, 1989)
118VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias III. Quando nasci um anjo esbelto Desses que tocam trombeta, anunciou: Vai carregar bandeira. Carga muito pesada pra mulher Esta espécie ainda envergonhada. (PRADO, Adélia. Bagagem. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986) Adélia Prado e Chico Buarque estabelecem intertextualidade, em relação a Carlos Drummond de Andrade, por: a) reiteração de imagens. b) oposição de ideias. c) falta de criatividade. d) negação dos versos. e) ausência de recursos. 10. (Enem) A discussão sobre gramática na classe está “quente”. Será que os brasileiros sabem gramática? A professora de Português propõe para debate o seguinte texto: PRA MIM BRINCAR Não há nada mais gostoso do que o mim sujeito de verbo no infinito. Pra mim brincar. As cariocas que não sabem gramática falam assim. Todos os brasileiros deviam de querer falar como as cariocas que não sabem gramática. - As palavras mais feias da língua portuguesa são quiçá, alhures e miúde. (BANDEIRA, Manuel. Seleta em prosa e verso. Org: Emanuel de Moraes. 4a ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1986. Pág.19) Com a orientação da professora e após o debate sobre o texto de Manuel Bandeira, os alunos chegaram à seguinte conclusão: a) Uma das propostas mais ousadas do Modernismo foi a busca da identidade do povo brasileiro e o registro, no texto literário, da diversidade das falas brasileiras. b) Apesar de os modernistas registrarem as falas regionais do Brasil, ainda foram preconceituosos em relação às cariocas. c) A tradição dos valores portugueses foi a pauta temática do movimento modernista. d) Manuel Bandeira e os modernistas brasileiros exaltaram em seus textos o primitivismo da nação brasileira. e) Manuel Bandeira considera a diversidade dos falares brasileiros uma agressão à Língua Portuguesa. E.O. UERJ Exame de Qualificação TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES: SEPARAÇÃO Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. 1 No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta 2 sentiu que 14nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. 10Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo1 , 15como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles. (...) Seus olhares 4 fulguraram por um instante um contra o outro, depois se 5 acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. 6 Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar2 aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas 16o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, 11sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce. 17Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos3 de suas vidas, 12não lhe dava forças para desprender-se dela. 8 Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, 9 distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. 18E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele 7 abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou 3 imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias − um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas. 13De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde... MORAIS, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1986. 1. (UERJ) Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. (ref. 8) Neste trecho, existe um contraste que busca acentuar o seguinte traço relativo à mulher amada: a) distância. b) intimidade. c) indiferença. d) singularidade. 2. (UERJ) A hipérbole é uma figura empregada na crônica de Vinícius de Morais para caracterizar o estado de ânimo do personagem.
119VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Essa figura está exemplificada em: a) Ela o olhava com um olhar intenso, (ref. 10) b) sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo (ref. 11) c) não lhe dava forças para desprender-se dela. (ref. 12) d) De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, (ref. 13) 3. (UERJ) Uma metáfora pode ser construída pela combinação entre elementos abstratos e concretos. No texto, um exemplo de metáfora que se constrói por esse tipo de combinação é: a) como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, (ref. 15) b) o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, (ref. 16) c) Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, (ref. 17) d) E no entanto ali estava, a poucos passos, (ref. 18) TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES: Igual-Desigual Eu desconfiava: todas as histórias em quadrinho são iguais. Todos os filmes norte-americanos são iguais. Todos os filmes de todos os países são iguais. Todos os best-sellers são iguais Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são iguais. Todos os partidos políticos são iguais. Todas as mulheres que andam na moda são iguais. Todas as experiências de sexo são iguais. Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais 1 e todos, todos 2 os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais. Todas as guerras do mundo são iguais. Todas as fomes são iguais. 3 Todos os amores, iguais iguais iguais. Iguais todos os rompimentos. A morte é igualíssima. Todas as criações da natureza são iguais. Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais. Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa. Ninguém é igual a ninguém. 4 Todo ser humano é um estranho 5 ímpar. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE Nova reunião: 19 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985. best-sellers – livros mais vendidos gazéis, virelais, sextinas, rondós – tipos de poema 4. (UERJ) Todos os amores, iguais iguais iguais. (ref. 3) A intensificação da repetição do termo iguais no mesmo verso, relacionado a amores, enfatiza determinada crítica que o poeta pretende fazer. A crítica de Drummond se dirige às relações amorosas, no que diz respeito ao seguinte aspecto: a) exagero. b) padronização. c) desvalorização. d) superficialidade. 5. (UERJ) O título do poema anuncia a noção de desigualdade. Pela leitura do conjunto do texto, é possível concluir que a desigualdade entre os homens diz respeito principalmente a: a) traços individuais. b) convicções políticas. c) produções culturais. d) orientações filosóficas. 6. (UERJ) e todos, todos os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais. (ref. 1 e 2) Os versos livres são aqueles que não se submetem a um padrão. Considerando essa definição, identifica-se nos versos acima a figura de linguagem denominada: a) antítese. b) metáfora. c) metonímia. d) eufemismo. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: Astroteologia Aparentemente, foi o filósofo grego Epicuro que sugeriu, já em torno de 270 a.C., que existem inúmeros mundos espalhados pelo cosmo, alguns como o nosso e outros completamente diferentes, muitos deles com criaturas e plantas. 3 Desde então, ideias sobre a pluralidade dos mundos têm ocupado uma fração significativa do debate entre ciência e religião. Em um exemplo dramático, o monge Giordano Bruno foi queimado vivo pela Inquisição Romana em 1600 por pregar, dentre outras coisas, que cada estrela é um Sol e que cada Sol tem seus planetas. Religiões mais conservadoras negam a possibilidade de vida extraterrestre, especialmente se for inteligente. No caso do cristianismo, Deus é o criador e a criação é descrita na Bíblia, e não vemos qualquer menção de outros mundos e gentes. Pelo contrário, os homens
120VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias são as criaturas escolhidas e, portanto, privilegiadas. Todos os animais e plantas terrestres estão aqui para nos servir. 8 Ser inteligente é uma dádiva que nos põe no topo da pirâmide da vida. O que ocorreria se travássemos contato com outra civilização inteligente? Deixando de lado as inúmeras dificuldades de um contato dessa natureza – da raridade da vida aos desafios tecnológicos de viagens interestelares – tudo depende do nível de inteligência dos membros dessa civilização. 1 Se são eles que vêm até aqui, não há dúvida de que são muito mais desenvolvidos do que nós. Não necessariamente mais inteligentes, mas com mais tempo para desenvolver suas tecnologias. Afinal, estamos ainda na infância da era tecnológica: 7 a primeira locomotiva a vapor foi inventada há menos de 200 anos (em 1814). Tal qual a reação dos nativos das Américas quando viram as armas de fogo dos europeus, o que são capazes de fazer nos pareceria mágica. 2 Claro, ao abrirmos a possibilidade de que vida extraterrestre inteligente exista, a probabilidade de que sejam mais inteligentes do que nós é alta. De qualquer forma, mais inteligentes ou mais avançados tecnologicamente, nossa reação ao travar contato com tais seres seria um misto de adoração e terror. Se fossem muito mais avançados do que nós, a ponto de haverem desenvolvido tecnologias que os liberassem de seus corpos, esses seres teriam uma existência apenas espiritual. A essa altura, seria difícil distingui-los de deuses. 4 Por mais de 40 anos, cientistas vasculham os céus com seus radiotelescópios tentando ouvir sinais de civilizações inteligentes. (...) 5 Infelizmente, até agora nada foi encontrado. Muitos cientistas acham essa busca uma imensa perda de tempo e de dinheiro. As chances de que algo significativo venha a ser encontrado são extremamente remotas. Em quais frequências os ETs estariam enviando os seus sinais? E como decifrá-los? Por outro lado, os que defendem a busca afirmam que um resultado positivo mudaria profundamente a nossa civilização. A confirmação da existência de outra forma de vida inteligente no universo provocaria uma revolução. Alguns até afirmam que seria a maior notícia já anunciada de todos os tempos. Eu concordo. 9 Não estaríamos mais sós. Se os ETs fossem mais avançados e pacíficos, poderiam nos ajudar a lidar com nossos problemas sociais, como a fome, o racismo e os confrontos religiosos. Talvez nos ajudassem a resolver desafios científicos. 6 Nesse caso, quão diferentes seriam dos deuses que tantos acreditam existir? Não é à toa que inúmeras seitas modernas dirigem suas preces às estrelas e não aos altares. Marcelo Gleiser. Folha de São Paulo, 01/03/2009 7. (UERJ) Science Fiction O marciano encontrou-me na rua e teve medo de minha impossibilidade humana. Como pode existir, pensou consigo, um ser que no existir põe tamanha anulação de existência? Afastou-se o marciano, e persegui-o. Precisava dele como de um testemunho. Mas, recusando o colóquio, desintegrou-se no ar constelado de problemas. E fiquei só em mim, de mim ausente. Carlos Drummond de Andrade. Nova reunião. São Paulo: José Olympio, 1983. O autor de Astroteologia caracteriza como um misto de adoração e terror a reação dos homens caso encontrem alienígenas. Em Science Fiction, o contato do homem com o alienígena é caracterizado de modo diferente. O verso que melhor expressa tal diferença é: a) O marciano encontrou-me na rua. (v. 1) b) e teve medo de minha impossibilidade humana.(v. 2) c) Precisava dele como de um testemunho. (v. 6) d) Mas, recusando o colóquio, desintegrou-se. (v. 7) E.O. UERJ Exame Discursivo TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES: O sobrevivente Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade. Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia. O último trovador morreu em 1914. Tinha um nome de que ninguém se lembra mais. Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples. Se quer fumar um charuto aperte um botão. Paletós abotoam-se por eletricidade. Amor se faz pelo sem-fio. Não precisa estômago para digestão. Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta muito para atingirmos um nível razoável de cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto. Os homens não melhoraram e matam-se como percevejos. Os percevejos heroicos renascem. Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado. E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio. (Desconfio que escrevi um poema.) CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE Nova reunião: 19 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.
121VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 1. (UERJ) Os dois primeiros versos enfatizam uma ideia que será desconstruída pela leitura integral do poema, caracterizando uma ironia, expressa também no título. Transcreva o verso do texto que, em comparação com os dois primeiros, revela essa ironia. Em seguida, estabeleça a relação entre o verso transcrito e o título. 2. (UERJ) Em um dos versos do poema, observa-se uma aparente contradição entre dois termos. Identifique esse verso e explique por que, de acordo com a leitura do texto, a associação entre os termos não é contraditória. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: Infância Meu pai montava a cavalo, ia para o campo. Minha mãe ficava sentada cosendo. Meu irmão pequeno dormia. Eu sozinho menino entre mangueiras lia a história de Robinson Crusoé, comprida história que não acaba mais. 1 No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu chamava para o café. Café preto que nem a preta velha café gostoso café bom. Minha mãe ficava sentada cosendo olhando para mim: – Psiu... Não acorde o menino. Para o berço onde pousou um mosquito. E dava um suspiro... que fundo! 2 Lá longe meu pai campeava no mato sem fim da fazenda. E eu não sabia que minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. 3. (UERJ) No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu chamava para o café. Café preto que nem a preta velha café gostoso café bom. (ref. 1) Identifique, na estrofe acima, dois traços característicos da estética modernista, um relacionado à linguagem e outro à forma do poema. Cite também um exemplo para cada um desses traços. TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES: ROMANCE II OU DO OURO INCANSÁVEL Mil bateias1 vão rodando sobre córregos escuros; a terra vai sendo aberta por intermináveis sulcos; infinitas galerias penetram morros profundos. De seu calmo esconderijo, o ouro vem, dócil e ingênuo; torna-se pó, folha, barra, prestígio, poder, engenho... É tão claro! – e turva tudo: honra, amor e pensamento. Borda flores nos vestidos, sobe a opulentos altares, traça palácios e pontes, eleva os homens audazes, e acende paixões que alastram sinistras rivalidades. Pelos córregos, definham negros, a rodar bateias. Morre-se de febre e fome sobre a riqueza da terra: uns querem metais luzentes, outros, as redradas2 pedras. Ladrões e contrabandistas estão cercando os caminhos; cada família disputa privilégios mais antigos; os impostos vão crescendo e as cadeias vão subindo. Por ódio, cobiça, inveja, vai sendo o inferno traçado. Os reis querem seus tributos, - mas não se encontram vassalos. Mil bateias vão rodando, mil bateias sem cansaço. Mil galerias desabam; mil homens ficam sepultos; mil intrigas, mil enredos prendem culpados e justos; já ninguém dorme tranquilo, que a noite é um mundo de sustos. Descem fantasmas dos morros, vêm almas dos cemitérios: todos pedem ouro e prata, e estendem punhos severos, mas vão sendo fabricadas muitas algemas de ferro. (MEIRELES, Cecília. Poesias completas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.) 1 peneiras de madeira 2 depuradas, selecionadas
122VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 4. (UERJ) Quando lemos um texto, devemos estar atentos, entre outras coisas, à seleção dos substantivos, verbos, adjetivos e conectivos diversos utilizados na interligação das informações. a) Nas duas primeiras estrofes do texto, a poetisa representa a extração do ouro mediante oito adjetivos, que formam dois grupos semanticamente contrastantes. Aponte os adjetivos componentes de cada um desses grupos. b) “É tão claro! – e turva tudo:” (v. 11) e “já ninguém dorme tranquilo, / que a noite é um mundo de sustos”. (v. 41 - 42) Nos exemplos acima, as respectivas conjunções podem ser substituídas por outras sem que se altere o sentido original do enunciado. Reescreva estes exemplos substituindo convenientemente cada conjunção. 5. (UERJ) O poema de Cecília Meireles apresenta um tom épico e revela afinidades com as propostas que distinguiram a chamada geração de 30 da primeira geração modernista. a) Indique duas características do poema relacionadas ao gênero épico. b) Aponte um aspecto em comum entre a perspectiva da autora sobre o país, revelada nesse texto, e a que predominou na obra de romancistas da geração de 30. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: MULHER AO ESPELHO Hoje, que seja esta ou aquela, pouco me importa. Quero apenas parecer bela, pois, seja qual for, estou morta. Já fui loura, já fui morena, já fui Margarida e Beatriz. Já fui Maria e Madalena. Só não pude ser como quis. Que mal faz, esta cor fingida do meu cabelo, e do meu rosto, se tudo é tinta: o mundo, a vida, o contentamento, o desgosto? Por fora, serei como queira a moda, que me vai matando. Que me levem pele e caveira ao nada, não me importa quando. Mas quem viu, tão dilacerados, olhos, braços e sonhos seus, e morreu pelos seus pecados, falará com Deus. Falará, coberta de luzes, do alto penteado ao rubro artelho. Porque uns expiram sobre cruzes, outros, buscando-se no espelho. (MEIRELES, Cecília. Poesias Completa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973.) 6. (UERJ) O poema de Cecília Meireles revela uma mudança de perspectiva em relação à primeira geração modernista. a) Explique, em uma frase completa, por que a temática deste poema difere da temática dominante na primeira fase do Modernismo. b) Cite duas características formais do poema que acompanham esta mudança de atitude. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: TEXTO I - ARTE DE AMAR Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma. A alma é que estraga o amor. Só em Deus ela pode encontrar satisfação. Não noutra alma. Só em Deus – ou fora do mundo. As almas são incomunicáveis. Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não. (BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira: poesias reunidas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974.) TEXTO II - MINERAÇÃO DO OUTRO Os cabelos ocultam a verdade. Como saber, como gerir um corpo alheio? Os dias consumidos em sua lavra significam o mesmo que estar morto. Não o decifras, não, ao peito oferto, monstruário de fomes enredadas, ávidas de agressão, dormindo em concha. Um toque, e eis que a blandícia1 erra em tormento, e cada abraço tece além do braço a teia de problemas que existir na pele do existente vai gravando. Viver-não, viver-sem, como viver sem conviver, na praça de convites? Onde avanço, me dou, e o que é sugado ao mim de mim, em ecos se desmembra; nem resta mais que indício, pelos ares lavados, do que era amor e dor agora, é vício. O corpo em si, mistério: o nu, cortina de outro corpo, jamais apreendido, assim como a palavra esconde outra voz, prima e vera, ausente de sentido. Amor é compromisso com algo mais terrível do que amor? – pergunta o amante curvo à noite cega, e nada lhe responde, ante a magia: arder a salamandra2 em chama fria. (ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988.)
123VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 1 blandícia - meiguice, brandura; afago, mimo, carícia 2 salamandra - animal anfíbio que, segundo a mitologia, era capaz de viver no fogo sem ser consumido 7. (UERJ) Compare os poemas de Bandeira e Drummond para responder à questão. Indique, em no máximo duas frases completas, a diferença de pontos de vista em relação ao amor carnal. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: TEXTO I SOBRE O TÚMULO DO MARECHAL LABATUT Foi ele neste campo o mestre e o guia De uma raça de heróis em cujas veias Fervia com o sangue o amor da Pátria! Aqui, por sobre as fronteiras inimigas Passando como um raio Que ao mesmo tempo espalha luz e morte, Os servos fulminando, Sua espada de bravo a um bravo povo Aqui viu esse povo (RABELO, Laurindo. POESIAS COMPLETAS. Rio de Janeiro, INL, 1963.) TEXTO II OS SERTÕES Preso o jagunço válido e capaz de aguentar o peso da espingarda, não havia malbaratar-se um segundo em consulta inútil. Degolava-se; estripava-se. Um ou outro comandante se dava o trabalho de um gesto expressivo. Era uma redundância capaz de surpreender. Dispensava-a o soldado atreito à tarefa. Esta era, como vimos, simples. Enlear ao pescoço da vítima uma tira de couro, num cabresto ou numa ponta de chiqueirador; impeli-la por diante, atravessar entre as barracas, sem que ninguém se surpreendesse; e sem temer que se escapasse a presa, porque ao mínimo sinal de resistência ou fuga um puxão para trás faria que o laço se antecipasse à faca e o estrangulamento à degola. Avançar até à primeira covanca profunda, o que era um requinte de formalismo; e, ali chegados, esfaqueá-la. Nesse momento, conforme o humor dos carrascos, surgiam ligeiras variantes. Como se sabia, o supremo pavor dos sertanejos era morrer a ferro frio, não pelo temor da morte senão pelas suas consequências, porque acreditavam que, por tal forma, não se lhes salvaria a alma. 4(...) Pronto. Sobre a tragédia anônima, obscura, desenrolando-se no cenário pobre e tristonho das encostas eriçadas de cactos e pedras, cascalhavam rinchavelhadas lúgubres, e os matadores volviam para o acampamento. Nem lhes inquiriam pelos incidentes da empresa. O fato descambara lastimavelmente à vulgaridade completa. Os próprios jagunços, ao serem prisioneiros, conheciam a sorte que os aguardava. Sabia-se no arraial daquele processo sumaríssimo e isto, em grande parte, contribuiu para a resistência doida que patentearam. Render-se- -iam, certo, atenuando os estragos e o aspecto odioso da campanha, a outros adversários. Diante dos que lá estavam, porém, lutariam até à morte. (CUNHA, Euclides da. OS SERTÕES. Rio de Janeiro, Ediouro, s/d.) VOCABULÁRIO: malbaratar-se = desperdiçar atreito = acostumado rinchavelhadas = gargalhadas TEXTO III CANÇÃO DO SOLDADO Eu sou a guarda da pátria. Sou amado pela pátria. Mas não correspondo não. Tenho um rabicho febril Pela bandeira auriverde. Se as cores desta bandeira Não fossem tão bonitinhas Eu não teria coragem. O meu kaki é bem feitinho; No alto do meu bonet A glória se empoleirou, Não há meio de sair. Eu quero paz e mais paz. Quero acertar na centena, Me espalhar no carnaval. Não quero fazer exercício, Senão o estrangeiro pensa Que a gente está ameaçando, Declara guerra ao Brasil. Quero paz a vida inteira, A guerra produz a dor, Dor de barriga e outras mais. Quero paz e quero amor. Chega dia de parada Já estou caindo de sono No fim de duzentos metros: Fico olhando pras mulatas, Esqueci, saí da linha, Felizmente não faz mal, O major também saiu. Se algum dia a pátria amada Precisar de meus serviços, Trepo lá em cima do morro Carregando os meus valores - A minha boa espingarda E um vidro de parati Ou me escondo na floresta; O estrangeiro não descobre, Desanimou, foi-se embora.
124VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias E a paz reinou outra vez Em nosso gentil Brasil Que Deus tenha sempre em paz. (MENDES, Murilo. POESIA COMPLETA & PROSA. Rio de Janeiro, Nova Aguiar, 1994.) 8. (UERJ) Todos os textos apresentam figuras de soldados. Contudo, o modo de apresentação destas figuras não é o mesmo. a) No texto I, Laurindo Rabelo idealiza a figura do guerreiro, transformando o general Labatut em herói. Aponte o estilo de época a que corresponde esta idealização do poeta. b) No texto III, Murilo Mendes apresenta o soldado como anti-herói – preguiçoso e covarde, sem a menor disposição de lutar pela pátria. Aponte o estilo de época a que corresponde esta apresentação do poeta. E.O. Objetivas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) 1. (Unifesp) Leia os versos de Cecília Meireles, extraídos do poema Epigrama n.º 8. “Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente onda. Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha vida em ti. Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil, fiquei sem poder chorar, quando caí.” O eu lírico reconhece que a pessoa em quem depôs sua vida representável: a) uma relação incerta, por isso os desenganos vividos seriam inevitáveis. b) um sentimento intenso, por isso tinha certeza de que não sofreria. c) um caso de amor passageiro, por isso se sentia enganado. d) uma angústia inevitável, por isso seria melhor aquele amor. e) uma opção equivocada, por isso sempre teve medo de amar. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. RECEITA DE MULHER “As muito feias que me perdoem Mas beleza é fundamental. É preciso Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de [haute couture* Em tudo isso (ou então Que a mulher se socialize elegantemente em azul, [como na República Popular Chinesa). Não há meio-termo possível. É preciso Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas [pousada e que um rosto Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no [terceiro minuto da aurora.” Vinicius de Moraes. * “haute couture”: alta costura. 2. (Fuvest) No conhecido poema “Receita de mulher”, de que se reproduziu aqui um excerto, o tratamento dado ao tema da beleza feminina manifesta a: a) oscilação do poeta entre a angústia do pecador (tendo em vista sua educação jesuítica) e o impudor do libertino. b) conjugação, na sensibilidade do poeta, de interesse sexual e encantamento estético, expresso de modo provocador e bem-humorado. c) idealização da mulher a que chega o poeta quando, na velhice, arrefeceu-lhe o desejo sexual. d) crítica ao caráter frívolo que, por associar-se ao consumo, o amor assume na contemporaneidade. e) síntese, pela via do erotismo, das tendências europeizantes e nacionalistas do autor. 3. (Fuvest) Neste poema: a) a referência a um acontecimento histórico, ao privilegiar a objetividade, suprime o teor lírico do texto. b) parte da força poética do texto provém da associação da imagem tradicionalmente positiva da rosa a atributos negativos, ligados à ideia de destruição. c) o caráter politicamente engajado do texto é responsável pela sua despreocupação com a elaboração formal. d) o paralelismo da construção sintática revela que o texto foi escrito originalmente como letra de canção popular. e) o predomínio das metonímias sobre as metáforas responde, em boa medida, pelo caráter concreto do texto e pelo vigor de sua mensagem. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO Para a próxima questão, considere os versos abaixo dos poemas “Sentimento do mundo” e “Noturno à janela do apartamento”, de Carlos Drummond de Andrade, ambos publicados no livro Sentimento do Mundo. “esse amanhecer mais noite que a noite.” Carlos Drummond de Andrade. Sentimento do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.12. “Silencioso cubo de treva: um salto, e seria a morte. Mas é apenas, sob o vento, a integração na noite. Nenhum pensamento de infância, nem saudade nem vão propósito. Somente a contemplação de um mundo enorme e parado. A soma da vida é nula. Mas a vida tem tal poder: na escuridão absoluta, como líquido, circula. Suicídio, riqueza, ciência... A alma severa se interroga e logo se cala. E não sabe se é noite, mar ou distância.” Triste farol da Ilha Rasa. Idem, p. 71.
125VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 4. (Unicamp) A visão de mundo do eu lírico em Drummond é marcada pela ironia e pela dúvida constante, cujo saldo final é negativo e melancólico (Triste farol da Ilha Rasa). Tal perspectiva assemelha-se à do: a) personagem Leonardo, do romance Memórias de um Sargento de Milícias. b) personagem Carlos, da obra Viagens na minha terra. c) narrador do romance O Cortiço. d) narrador do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: O OPERÁRIO NO MAR “Na rua passa um operário. Como vai firme! Não tem blusa. No conto, no drama, no discurso político, a dor do operário está na sua blusa azul, de pano grosso, nas mãos grossas, nos pés enormes, nos desconfortos enormes. Esse é um homem comum, apenas mais escuro que os outros, e com uma significação estranha no corpo, que carrega desígnios e segredos. Para onde vai ele, pisando assim tão firme? Não sei. A fábrica ficou lá atrás. Adiante é só o campo, com algumas árvores, o grande anúncio de gasolina americana e os fios, os fios, os fios. O operário não lhe sobra tempo de perceber que eles levam e trazem mensagens, que contam da Rússia, do Araguaia, dos Estados Unidos. Não ouve, na Câmara dos Deputados, o líder oposicionista vociferando. Caminha no campo e apenas repara que ali corre água, que mais adiante faz calor. Para onde vai o operário? Teria vergonha de chamá-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca. E me despreza... Ou talvez seja eu próprio que me despreze a seus olhos. Tenho vergonha e vontade de encará-lo: uma fascinação quase me obriga a pular a janela, a cair em frente dele, sustar-lhe a marcha, pelo menos implorar-lhe que suste a marcha. Agora está caminhando no mar. Eu pensava que isso fosse privilégio de alguns santos e de navios. Mas não há nenhuma santidade no operário, e não vejo rodas nem hélices no seu corpo, aparentemente banal. Sinto que o mar se acovardou e deixou-o passar. Onde estão nossos exércitos que não impediram o milagre? Mas agora vejo que o operário está cansado e que se molhou, não muito, mas se molhou, e peixes escorrem de suas mãos. Vejo-o que se volta e me dirige um sorriso úmido. A palidez e confusão do seu rosto são a própria tarde que se decompõe. Daqui a um minuto será noite e estaremos irremediavelmente separados pelas circunstâncias atmosféricas, eu em terra firme, ele no meio do mar. Único e precário agente de ligação entre nós, seu sorriso cada vez mais frio atravessa as grandes massas líquidas, choca-se contra as formações salinas, as fortalezas da costa, as medusas, atravessa tudo e vem beijar-me o rosto, trazer-me uma esperança de compreensão. Sim, quem sabe se um dia o compreenderei?” ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do mundo. 5. (Fuvest) Embora o texto de Drummond e o romance Capitães da Areia, de Jorge Amado, assemelhem-se na sua especial atenção às classes populares, um trecho do texto que NÃO poderia, sem perda de coerência formal e ideológica, ser enunciado pelo narrador do livro de Jorge Amado é, sobretudo, o que está em: a) “Na rua passa um operário. Como vai firme! Não tem blusa.” b) “Esse é um homem comum, apenas mais escuro que os outros (...).” c) “Não ouve, na Câmara dos Deputados, o líder oposicionista vociferando.” d) “Teria vergonha de chamá-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca.” e) “Mas agora vejo que o operário está cansado e que se molhou, não muito, mas se molhou, e peixes escorrem de suas mãos.” Morro da Babilônia TEXTO PARA AS PRÓXIMAS DUAS QUESTÕES Morro da Babilônia À noite, do morro descem vozes que criam o terror (terror urbano, cinquenta por cento de cinema, e o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua geral). Quando houve revolução, os soldados se espalharam no morro, o quartel pegou fogo, eles não voltaram. Alguns, chumbados, morreram. O morro ficou mais encantado. Mas as vozes do morro não são propriamente lúgubres. Há mesmo um cavaquinho bem afinado que domina os ruídos da pedra e da folhagem e desce até nós, modesto e recreativo, como uma gentileza do morro. (Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo) 6. (Fuvest) Leia as seguintes afirmações sobre o poema de Drummond, considerado no contexto do livro a que pertence: I. No conjunto formado pelos poemas do livro, a referência ao Morro da Babilônia — feita no título do texto — mais as menções ao Leblon e ao Méier, a Copacabana, a São Cristóvão e ao Mangue, — presentes em outros poemas —, sendo todas, ao mesmo tempo, espaciais e de classe, constituem uma espécie de discreta topografia social do Rio de Janeiro. II. Nesse poema, assim como ocorre em outros textos do livro, a atenção à vida presente abre-se também para a dimensão do passado, seja ele dado no registro da história ou da memória. III. A menção ao “cavaquinho bem afinado”, ao cabo do poema, revela ter sido nesse livro que o poeta finalmente assumiu as canções da música popular brasileira como o modelo definitivo de sua lírica, superando, assim, seu antigo vínculo com a poesia de matriz culta ou erudita.
126VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Está correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) I e II, apenas. c) III, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 7. (Fuvest) Guardadas as diferenças que separam as obras a seguir comparadas, as tensões a que remete o poema de Drummond derivam de um conflito de: a) caráter racial, assim como sucede em A Cidade e as Serras. b) grupos linguísticos rivais, de modo semelhante ao que ocorre em Viagens na Minha Terra. c) fundo religioso e doutrinário, como o que agita o enredo de Til. d) classes sociais, tal como ocorre em Capitães da Areia. e) interesses entre agregados e proprietários, como o que tensiona as Memórias Póstumas de Brás Cubas. E.O. Dissertativas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) 1. (Unicamp) Os ombros suportam o mundo “Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil. E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco. Em vão as mulheres batem à porta, não abrirás. Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. És todo certeza, já não sabes sofrer. E nada esperas de teus amigos. Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação.” Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.51. a) Na primeira estrofe, o eu lírico afirma categoricamente que “o coração está seco”. Que imagem, nessa primeira estrofe, explica o fato de o coração estar seco? Justifique sua resposta. b) O último verso (“A vida apenas, sem mistificação”) fornece para o leitor o sentido fundamental do poema. Levando-se em conta o conjunto do poema, que sentido é sugerido pela palavra “mistificação”? 2. (Unicamp) Poética I “De manhã, escureço De dia, tardo De tarde anoiteço De noite ardo A oeste a morte Contra quem vivo Do sul cativo O este é meu norte. Outros que contem Passo por passo Eu morro ontem Nasço amanhã Ando onde há espaço. – Meu tempo é quando.” Nova York, 1950 (Vinicius de Moraes, Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.272.) a) A poesia é um lugar privilegiado para constatarmos que a língua é muito mais produtiva do que preveem as normas gramaticais. Isso é particularmente visível no modo como o poema explora os marcadores temporais e espaciais. Comente dois exemplos presentes no poema que confirmem essa afirmação. b) As duas últimas estrofes apresentam uma oposição entre o eu lírico e os outros. Explique o sentido dessa oposição. 3. (Fuvest) Examine o seguinte texto para responder ao que se pede. POÉTICA “De manhã escureço De dia tardo De tarde anoiteço De noite ardo A oeste a morte Contra quem vivo Do sul cativo O este é meu norte. Outros que contem Passo por passo: Eu morro ontem Nasço amanhã Ando onde há espaço - Meu tempo é quando.” Antologia poética, Vinicius de Moraes. a) Do ponto de vista da organização formal dada ao conjunto do poema, o poeta mostra-se vinculado à tradição literária. Essa afirmação tem fundamento? Justifique sua resposta. b) Do ponto de vista da mensagem configurada no poema, o poeta expressa sua oposição até mesmo a coordenadas fundamentais da experiência. Você concorda com essa afirmação? Justifique sua resposta.
127VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 4. (Unicamp) O poeta Vinicius de Moraes, apesar de modernista, explorou formas clássicas como o soneto a seguir, em versos alexandrinos (12 sílabas) rimados: SONETO DA INTIMIDADE “Nas tardes de fazenda há muito azul demais. Eu saio às vezes, sigo pelo pasto, agora Mastigando um capim, o peito nu de fora No pijama irreal de há três anos atrás. Desço o rio no vau dos pequenos canais Para ir beber na fonte a água fria e sonora E se encontro no mato o rubro de uma amora Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais. Fico ali respirando o cheiro bom do estrume Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme E quando por acaso uma mijada ferve Seguida de um olhar não sem malícia e verve Nós todos, animais, sem comoção nenhuma Mijamos em comum numa festa de espuma.” (Vinicius de Moraes, Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 86.) a) Essa forma clássica tradicionalmente exigiu tema e linguagem elevados. O “Soneto da intimidade” atende a essa exigência? Justifique. b) Como os quartetos anunciam a identificação do eu lírico com os animais? Como os tercetos a confirmam? TEXTOS PARA A PRÓXIMA QUESTÃO A seguir, poema do repentista cearense Patativa do Assaré (1909-2002) e uma passagem do livro O discípulo de Emaús de Murilo Mendes (1901-1975): BRASI DE CIMA E BRASI DE BAXO “[...] Inquanto o Brasi de Cima Fala de transformação, Industra, matéra prima, Descobertas e invenção, No Brasi de Baxo isiste O drama penoso e triste Da negra necissidade; É uma cousa sem jeito E o povo não tem dereito Nem de dizê a verdade. No Brasi de Baxo eu vejo Nas ponta das pobre rua O descontente cortejo De criança quage nua. Vai um grupo de garoto Faminto, doente e roto Mode caçá o que comê Onde os carro põe o lixo, Como se eles fosse bicho Sem direito de vivê. Estas pequenas pessoa, Estes fio do abandono, Que veve vagando à toa Como objeto sem dono, De manêra que horroriza, Deitado pela marquiza, Dromindo aqui e aculá No mais penoso relaxo, É deste Brasi de Baxo A crasse dos marginá. Meu Brasi de Baxo, amigo, Pra onde é que você vai? Nesta vida do mendigo Que não tem mãe nem tem pai? Não se afrija, nem se afobe, O que com o tempo sobe, O tempo mesmo derruba; Tarvez ainda aconteça Que o Brasi de Cima desça E o Brasi de Baxo suba. Sofre o povo privação Mas não pode recramá, Ispondo suas razão Nas coluna do jorná. Mas, tudo na vida passa, Antes que a grande desgraça Deste povo que padece Se istenda, cresça e redrobe, O Brasi de Baxo sobe E o Brasi de Cima desce. Brasi de Baxo subindo, Vai havê transformação Para os que veve sintindo Abondono e sujeição. Se acaba a dura sentença E a liberdade de imprensa Vai sê legá e comum, Em vez deste grande apuro, Todos vão tê no futuro Um Brasi de cada um. Brasi de paz e prazê, De riqueza todo cheio, Mas, que o dono do podê Respeite o dereito aleio. Um grande e rico país Munto ditoso e feliz, Um Brasi dos brasilêro, Um Brasi de cada quá, Um Brasi nacioná Sem monopolo istrangêro.” (Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva). Cante lá que eu canto cá. 6.ª Ed. Crato: Vozes/Fundação Pe. Ibiapina/Instituto Cultural do Cariri. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1986.) O DISCÍPULO DE EMAÚS “A harmonia da sociedade somente poderá ser atingida mediante a execução de um código espiritual e moral que
128VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias atenda, não só ao bem coletivo, como ao bem de cada um. A conciliação da liberdade com a autoridade é, no plano político, um dos mais importantes problemas. A extensão das possibilidades de melhoria a todos os membros da sociedade, sem distinção de raças, credos religiosos, opiniões políticas, é um dos imperativos da justiça social, bem como a apropriação pelo Estado dos instrumentos de trabalho coletivo.” (Murilo Mendes. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.) 5. (Unesp) Relendo o primeiro período do fragmento de Murilo, podemos até imaginá-lo como uma resposta à sexta estrofe do poema de Patativa. Compare ambas as passagens e, a seguir, explique o que Murilo sugere para que na sociedade se possa atingir, como diz um texto, Um Brasi de cada um, ou o outro texto, o bem de cada um. 6. (Unifesp) Leia o poema de Murilo Mendes, autor do Modernismo brasileiro, e responda. PRÉ-HISTÓRIA “Mamãe vestida de rendas Tocava piano no caos. Uma noite abriu as asas Cansada de tanto som, Equilibrou-se no azul, De tonta não mais olhou Para mim, para ninguém! Cai no álbum de retratos.” a) Identifique duas características da literatura modernista presentes no poema. b) Transcreva duas passagens do poema nas quais se evidenciam imagens surrealistas. Gabarito E.O. Aprendizagem 1. C 2. D 3. B 4. D 5. A 6. B E.O. Fixação 1. A 2. C 3. E 4. E 5. D 6. A E.O. Complementar 1. A 2. A 3. B 4. C 5. D E.O. Dissertativo 1. A obra de Cecília Meireles possui dezenas de partes, exatamente 85, intituladas “romances”, além de uma “Fala inicial”e “Cenário”, no começo, e de uma “Fala aos Inconfidentes mortos”, no fim. No conjunto, abordam-se muitos fatos e personagens envolvidos na história da Inconfidência Mineira, que muitos historiadores preferem chamar de Conjuração Mineira, pois, em vez de “infidelidade” à Coroa, tratar-se-ia mesmo de “conspiração”. Em forma de verso, aparecem, ao longo dos romances que constituem o Romanceiro, a força econômica do ouro, o trabalho escravo, as ideias contrárias à administração portuguesa, as delações, a prisão dos rebeldes, as punições etc., assim como alguns dos personagens de então, como Chica da Silva, Joaquim Silvério, Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Marília e, com destaque, Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes. A primeira estrofe mostra a imensa força do ouro, que traz “prestígio, poder, engenho” e, dada a cobiça dos homens, provoca a turvação – ou seja, a confusão – de “honra, amor e pensamento”. A segunda estrofe expressa não só a grande quantidade de pessoas mortas no período, conhecido como “ciclo do ouro”, mas também o clima reinante, onde não se distinguem “culpados e justos”; a arbitrariedade impera e as posturas críticas não são suportadas. O título do romance de Graciliano Ramos indica, de imediato, a vida precária dos sertanejos, uma vida “seca”, ou seja, amparada no mínimo de condições materiais e não materiais, com ausência ou escassez de água, comida, educação, moradia, dinheiro etc. Por extensão, pode-se afirmar que tamanha “secura” se estende à própria linguagem, rarefeita, com que os personagens se expressam. A positividade do termo “vida” esbarra na imagem negativa do sentido de “seco”, “secura”. O trecho recortado é exatamente o fim do romance (capítulo “Fuga”), sugerindo uma espécie de ciclo, de eterno retorno, que continuaria a saga da migração iniciada no primeiro capítulo (“Mudança”). A dúvida e a falta de perspectivas concretas (“Que iriam fazer?”) dos personagens ganham uma dimensão coletiva, quando se afirma que “o sertão continuaria a mandar gente para lá”, para a cidade. As “vidas secas” se referem, no romance, aos sertanejos despossuídos, em constante deslocamento, e, em sentido lato, a todos aqueles que de alguma forma lutam pela sobrevivência diária. O Noviço é uma comédia teatral de Martins Pena encenada pela primeira vez em 1845. O título significa aquele que passa um certo tempo no convento preparando-se para professar; no caso, o personagem Carlos. Este, após seis meses, concluindo não ter vocação para o noviciado, foge, não sem antes dar uma cabeçada no Abade. O trecho indicado encerra a peça, recheada de uma série de peripécias típicas de uma comédia de costumes. Importa destacar, no trecho, o final infeliz para Ambrósio, o atrapalhado vilão, que fugiu da esposa Rosa e agora quer enganar a rica viúva Florência, e o final feliz para Carlos, que recebe o perdão do Abade e vê-se livre para continuar seu namoro com Emília, filha de Florência. A última fala de Ambrósio (“Oh, mulheres, mulheres!”) indica o lamento do inescrupuloso personagem, que leva hilariantes “bordoadas” de ambas as mulheres – Florência e Rosa. 2. O passado ressurge na poesia de Drummond, por exemplo, com Itabira, sua cidade natal, ora em tom irônico ora afetuoso, mas nunca com sentimentalismo fantasioso. É com olhos de adulto que o autor relembra as impressões gravadas em sua memória e através das quais justifica características pessoais (“nasci em Itabira./ Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro”). O eu lírico associa sua maneira de ser ao ambiente da cidade e ao estilo com que escreve (“Noventa por cento de ferro nas calçadas./ Oitenta por cento de ferro nas almas./E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação”), por isso a sua poesia é antissentimental, seca, não-porosa… Mas a afetuosidade está presente na confissão de que a necessidade íntima de amar e o hábito de sofrer são heranças de vivências itabiranas, constituindo o paradoxo de alguém que
129VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias se diz orgulhoso e submisso ao mesmo tempo (“este orgulho, esta cabeça baixa...”). Esta identificação não se encontra em “Contos de Aprendiz”, pois em Turmalinas o poeta confessa-se incompreendido (“É verdade que Turmalinas me compreendia pouco, e eu a compreendia menos”), percebendo que as pessoas desculpavam a sua excentricidade, pois acreditavam que o seu talento beneficiaria a cidade que crescia diferente do progresso. 3. a) Incorreto. e) Incorreto. b) Correto. f) Incorreto. c) Correto. g) Correto. d) Incorreto. São incorretas as alíneas [A], [D], [E] e [F]. a) Embora o poema apresente elementos formais característicos do primeiro momento modernista, não expressa humor nem paródia. O autor salienta o cotidiano da vida urbana que envolve as pessoas em um clima de violência e medo. O poema desenvolve uma narrativa em que o personagem-leiteiro é descrito sem grandes detalhes psicológicos, percebe-se apenas que se trata de uma pessoa simples, trabalhador humilde, vítima do medo que se instaurou na cidade e no mundo. d) O texto jornalístico usa predominantemente a linguagem referencial, de caráter informativo, que visa a esclarecer de forma precisa e objetiva. Carlos Drummond de Andrade usa recursos que expressam subjetividade ao lamentar a sorte do personagem de quem se sente próximo. O uso de reticências (“que é leite, sangue... não sei”) e a repetição do pronome possessivo “meu” ao longo do poema (“Meu leiteiro tão sutil/de passo maneiro e leve”, “Os tiros na madrugada/liquidaram meu leiteiro”) demonstram envolvimento afetivo, o que o afasta das características dos textos jornalísticos. e) O autor identifica-se com o leiteiro, lamenta o tempo de medo que o mundo vive, o sobressalto diário das pessoas simples, num cenário político perturbador, onde não pode haver neutralidade possível. f) O poema “Morte do leiteiro” não apresenta influências da estética clássica, está inserido na obra Rosa do Povo escrita entre 1942 e 1945, quando os horrores da 2ª Guerra Mundial angustiavam a humanidade. E.O. Enem 1. C 2. A 3. A 4. E 5. C 6. C 7. A 8. C 9. A 10. A E.O. UERJ Exame de Qualificação 1. D 2. D 3. B 4. B 5. A 6. A 7. B E.O. UERJ Exame Discursivo 1. A ironia está presente no último verso: “(Desconfio que escrevi um poema)”. Esta afirmação colide com o que o eu lírico expressa nos primeiros versos, em que nega a possibilidade de se fazer verdadeira poesia perante os acontecimentos que oprimem o homem. Ao longo do poema, o eu lírico questiona o mundo em que vive e expõe as sensações conflitantes que concebe. O terceiro verso, “O último trovador morreu em 1914”, alude ao início da Primeira Guerra Mundial e ao declínio de um fazer poético que vai ter que ser substituído por outro e cujo padrão estético se adivinha nas estrofes subsequentes. O uso de “percevejos”, de valor negativo, ao lado de “heroicos”, de valor positivo, compõe uma antítese que reforça semanticamente a ironia. 2. O verso “Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado” apresenta, aparentemente, uma contradição. O poeta pretende evidenciar o conflito da humanidade que se desenvolve tecnologicamente, mas vive a opressão de um mundo mecanicista com o qual ele não se identifica (“Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples”). 3. Um dos traços relacionados à linguagem e respectivo exemplo: • ausência de pontuação: Café preto que nem a preta velha café gostoso café bom. • frases nominais: Café preto que nem a preta velha café gostoso café bom. • linguagem coloquial: que nem Um dos traços relacionados à forma do poema e respectivo exemplo: • versos livres / versos sem métrica regular: Café preto que nem a preta velha café gostoso café bom. • aproximação entre a poesia e a prosa: No meio dia branco de luz uma voz que aprendeu a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu chamava para o café. 4. a) 10. grupo: escuros, intermináveis, infinitos e profundos. 20. grupo: calmo, dócil, ingênuo e claro. b) É tão claro! – mas turva tudo: Já ninguém dorme tranquilo, / pois (porque) a noite é um mundo de sustos. 5. a) Algumas das características seriam: • tema tratado com dignidade, sem irreverência; • vocabulário identificado com o uso da língua em situações de formalidade; • abordagem de fatos históricos, encarados sob a perspectiva da coletividade. b) A poetisa aborda criticamente os problemas do Brasil, enfocando as origens da desigualdade social – tema frequente no romance regionalista a partir dos anos 30. 6. a) A temática existencial, com preocupação religiosa, deste poema não era comum na poesia da primeira geração modernista.
130VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias b) Duas dentre as características formais: • versos rimados e metrificados • vocabulário elaborado • predomínio do uso da língua culta no seu registro formal 7. Para Manuel Bandeira, a realização amorosa só é bem sucedida quando se separa o corpo da alma. Drummond, por outro lado, não dissocia o corpo da alma na experiência amorosa, e vê no corpo uma fonte de mistérios ou enigmas. 8. a) Ao Romantismo. b) Ao Modernismo. E.O. Objetivas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) 1. A 2. B 3. B 4. D 5. D 6. B 7. D E.O. Dissertativas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) 1. a) “O coração está seco” retoma um verso anterior: “E os olhos não choram”, explicando-o. O coração está seco, pois não há sensibilidade na vida do ser humano: não há emoções, não há declarações afetivas (“Tempo em que não se diz mais: meu amor”); nada relacionado aos sentimentos foi considerado válido (“Porque o amor resultou inútil”). b) A leitura do poema indica que o sentido de “mistificação” é qualquer situação ilusória. Logo na primeira estrofe, o verso “E as mãos tecem apenas o rude trabalho” ilustra o que é “A vida apenas, sem mistificação”. A vida tornou-se apenas um passar de dias, em que nada mais tem importância, inclusive seus aspectos negativos: “As guerras, as fomes, as discussões dentro dos / edifícios / provam apenas que a vida prossegue”. 2. a) O eu lírico explora contradições ao associar “escureço” a manhã, “tardo” a dia, “anoiteço” a tarde, assim como “ardo” a noite. Assim, as sensações vividas parecem dissociar-se do cotidiano convencional e revelam uma existência marcada pela emotividade. Espacialmente, confessa-se atraído pelo sul, lugar geralmente associado a calor e sensualidade, enquanto que o oeste lhe provoca rejeição pela sensação de morte que sugere em oposição a “este”, local de nascimento e renovação. b) Enquanto que “outros” contabilizam a vida pelos atos passados ou projetos de futuro, o eu lírico prefere a renovação constante (“nasço amanhã”) e a imprevisibilidade dos locais que vai percorrer (“ando onde há espaço”). 3. a) Sim, o poema, apesar de não ser decassílado, é um soneto – formado por dois quartetos e dois tercetos –, é metrificado e possui rimas. Assim, apesar de modernista e de romper com alguns padrões clássicos, possui características da tradição literária. b) Vinicius de Moraes usa de transgressão para com as “coordenadas fundamentais da experiência” ao fazer com que, por meio de paradoxos, ou seja, por meio de ideias contrárias que são colocadas em um mesmo nível no poema, “morro ontem” ao mesmo tempo que “nasço amanhã”, ideias opostas configurem um desvio da experiência regular que o leitor tem das coisas. Este tem de pensar o poema como um desvio do usualmente visto, para assim, reeinterpretar os sentidos que o morrer e o nascer, por exemplo, adquirem no poema a partir dessa transgressão. 4. a) Nem a linguagem, nem o tema são elevados, apenas a forma é clássica. Apesar de o título sugerir uma abordagem reflexiva e solene sobre os sentimentos do eu lírico, a linguagem é prosaica, assim como o tema. Os primeiros versos do primeiro quarteto apresentam um cenário que condiz com a exteriorização dos afetos mais profundos do eu lírico. Mas imediatamente a seguir, gestos grosseiros como “mastigando um capim” e “sigo... peito nu” surpreendem o leitor que se depara com o contraste de um texto de feição clássica e o linguajar rude que dominará todo o poema. O uso de termos chulos (“mijada”), assim como os pleonasmos (“muito azul demais” e “peito nu de fora”) vulgarizam o conteúdo e contrastam com a formalidade do poema, sobretudo por se tratar de um soneto. b) Os quartetos mostram a identificação do eu lírico com os animais (“sigo pelo pasto”, “peito nu de fora”, “mastigando capim”, na primeira estrofe, “desço o rio no vau dos pequenos canais”, na segunda) até se reafirmar nos tercetos, quando as vacas e os bois o olham “sem ciúme”, homem e animais perfeitamente igualados nas suas necessidades fisiológicas (“mijada em comum”). 5. Murilo Mendes tematiza a “conciliação da liberdade com a autoridade”, considerando essa oposição um problema importante a ser resolvido no plano político. Enquanto que Pativa do Assaré focaliza a desigualdade social, se indigna com os abusos do “dono do Podê” e reclama das injustiças cometidas contra o “Brasi de Baxo”, Murilo Mendes aponta para uma solução de caráter mais amplo (“extensão das possibilidades de melhoria a todos os membros da sociedade”). Murilo Mendes propõe “a execução de um código espiritual e moral que atenda, não só ao coletivo, mas ao bem de cada um”, ou seja, atenda a todos e não apenas a alguns. Patativa do Assaré defende não só que os pobres cresçam economicamente (“para os que veve sintindo/Abandono e sujeição.”), mas também reivindica liberdade de imprensa (“E a liberdade de imprensa/Vai sê legá e comum.”), ou seja, liberdade política. 6. a) Duas características da literatura modernista encontradas no poema podem ser vistas pelo modo como o mesmo é construído, como se fosse um relato em prosa, e pela ausência de rimas, já que os escritores dessa época mantinham uma forte crítica ao rigor formal da poesia, manifestando seu interesse por uma poesia mais coloquial, que, muitas vezes, se aproximava mais de uma conversa com o leitor, manifestada, entre outros, pela linguagem simples empregada. b) Dois versos do poema que trazem elementos surrealistas podem ser vistos nos versos “Mamãe vestida de rendas/ Tocava piano no caos “ e “Cansada de tanto som,/ Equilibrou-se no azul”. O surrealismo trazia a suas produções o inconsciente e o sonho, por isso, ao falar de imagens que remetem ao mundo onírico – já que não se encontra algo parecido na realidade –, esses versos acabam por aproximar-se da linguagem surrealista.
131VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias E.O. Aprendizagem TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. Vivia longe dos homens, só se dava bem com os animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. Graciliano Ramos, Vidas secas 1. No texto, a descrição do personagem Fabiano aponta para as seguintes características, EXCETO: a) adaptação do personagem ao meio natural. b) identificação com o animal. c) caráter antissocial. d) comportamento primitivo e espontâneo. e) revolta devido a sua condição familiar. TEXTOS PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. As questões a seguir tomam por base uma passagem do romance regionalista Vidas secas, de Graciliano Ramos (1892–1953). TRECHO I Contas Fabiano recebia na partilha a quarta parte dos bezerros e a terça dos cabritos. Mas como não tinha roça e apenas se limitava a semear na vazante uns punhados de feijão e milho, comia da feira, desfazia–se dos animais, não chegava a ferrar um bezerro ou assinar a orelha de um cabrito. Se pudesse economizar durante alguns meses, levantaria a cabeça. Forjara planos. Tolice, quem é do chão não se trepa. Consumidos os legumes, roídas as espigas de milho, recorria à gaveta do amo, cedia por preço baixo o produto das sortes. Resmungava, rezingava, numa aflição, tentando espichar os recursos minguados, engasgava-se, engolia em seco. Transigindo com outro, não seria roubado tão descaradamente. Mas receava ser expulso da fazenda. E rendia-se. Aceitava o cobre e ouvia conselhos. Era bom pensar no futuro, criar juízo. Ficava de boca aberta, vermelho, o pescoço inchando. De repente estourava: – Conversa. Dinheiro anda num cavalo e ninguém pode viver sem comer. Quem é do chão não se trepa. Pouco a pouco o ferro do proprietário queimava os bichos de Fabiano. E quando não tinha mais nada para vender, o sertanejo endividava-se. Ao chegar a partilha, estava encalacrado, e na hora das contas davam-lhe uma ninharia. Ora, daquela vez, como das outras, Fabiano ajustou o gado, arrependeu-se, enfim deixou a transação meio apalavrada e foi consultar a mulher. Sinhá Vitória mandou os meninos para o barreiro, sentou-se na cozinha, concentrou-se, distribuiu no chão sementes de várias espécies, realizou somas e diminuições. No dia seguinte Fabiano voltou à cidade, mas ao fechar o negócio notou que as operações de Sinhá Vitória, como de costume, diferiam das do patrão. Reclamou e obteve a explicação habitual: a diferença era proveniente de juros. Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se perfeitamente que era bruto, mas a mulher tinha miolo. Com certeza havia um erro no papel do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria! O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom que, o vaqueiro fosse procurar serviço noutra fazenda. Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou. Bem, bem. Não era preciso barulho não. Se havia dito palavra à toa, pedia desculpa. Era bruto, não fora ensinado. Atrevimento não tinha, conhecia o seu lugar. Um cabra. Ia lá puxar questão com gente rica? Bruto, sim senhor, mas sabia respeitar os homens. Devia ser ignorância da mulher, provavelmente devia ser ignorância da mulher. Até estranhara as contas dela. Enfim, como não sabia ler (um bruto, sim senhor), acreditara na sua velha. Mas pedia desculpa e jurava não cair noutra. Graciliano Ramos. Vidas secas. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1974.) TRECHO II Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos — e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera. Pisou com firmeza no chão gretado, puxou a faca de ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou do aió um pedaço de fumo, picou-o, fez um cigarro com palha de milho, acendeu-o ao binga, pôs-se a fumar regalado. — Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta. Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando MODERNISMO NO BRASIL: 2ª FASE – PROSA COMPETÊNCIA(s) 5 e 6 HABILIDADE(s) 15, 16 e 17 LC AULAS 39 E 40
132VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra. Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando: — Você é um bicho, Fabiano. Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades. Chegara naquela situação medonha – e ali estava, forte, até gordo, fumando o seu cigarro de palha. — Um bicho, Fabiano. (Graciliano Ramos, VIDAS SECAS. Rio de Janeiro, Martins Editora, 1960, p. 20-21) 2. (Cesgranrio) Toda época literária mantém um diálogo com fases anteriores, tanto em relação à escolha temática quanto em relação ao aproveitamento de recursos formais. Qual a observação INCORRETA na relação entre os estilos de época? a) A poesia da década de 1930 filia-se à experiência do Parnasianismo. b) O romance de 30 aprofunda a perspectiva do Realismo. c) A poesia concreta valoriza os processos lúdicos do Barroco. d) O Modernismo de 22 redimensiona a preocupação nacionalista do Romantismo. e) A poesia de 45 rompe com a liberdade formal do Modernismo. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO “Além do horizonte, deve ter Algum lugar bonito para viver em paz Onde eu possa encontrar a natureza Alegria e felicidade com certeza. Lá nesse lugar o amanhecer é lindo com flores festejando mais um dia que vem vindo Onde a gente possa se deitar no campo Se amar na selva, escutando o canto dos pássaros.” Roberto e Erasmo Carlos estão falando de um lugar ideal, de um ambiente campestre, calmo. 3. (UFPE) Nos poemas, contos e romances cuja temática é nordestina, a literatura moderna apresenta a NATUREZA quase sempre inóspita, agressiva. Qual dos fragmentos não justifica esta afirmação? a) “Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos como Fabiano, sinhá Vitória e os dois meninos.” (Graciliano Ramos, em “VIDAS SECAS”). b) “Há uma miséria maior do que morrer de fome no deserto: é não ter o que comer na terra de Canaã.” (José Américo de Almeida, em “A BAGACEIRA”) c) “Tirei mandioca de chãs que o vento vive a esfolar e de outras escalavradas pela seca faca solar” (João Cabral de Melo Neto, em “MORTE E VIDA SEVERINA”) d) “Debaixo de um juazeiro grande, todo um bando de retirantes se arranchara (...) Em toda a extensão da vista, nem uma outra árvore surgia. Só aquele velho juazeiro, devastado e espinhento, verdejaria a copa hospitaleira na desolação cor de cinza da paisagem “ (Rachel de Queiroz, em “O QUINZE”) e)“Este açúcar veio de uma usina de açúcar em Pernambuco (...) Este açúcar era cana e veio dos canaviais extensos que não nascem por acaso no regaço do vale.” (Ferreira Gullar em “O AÇÚCAR”) 4. Escrito por Graciliano Ramos em 1938, “Vidas Secas” é uma obra-prima do modernismo e mesmo de toda a literatura brasileira. Trata-se de narrativa pungente, onde o drama do nordestino, tangido de seu lar pela inclemência da seca, é contado de forma árida, seca e bastante realista, numa sintonia bastante eficaz entre forma e conteúdo. O texto a seguir é um excerto de “Vidas Secas”: “Olhou a catinga amarela, que o poente avermelhava. Se a seca chegasse, não ficaria planta verde. Arrepiou- -se. Chegaria, naturalmente. Sempre tinha sido assim, desde que ele se entendera. E antes de se entender, antes de nascer, sucedera o mesmo – anos bons misturados com anos ruins. A desgraça estava em caminho, talvez andasse perto. Nem valia a pena trabalhar. Ele marchando para casa, trepando a ladeira, espalhando seixos com as alpercatas – ela se avizinhando a galope, com vontade de matá-lo.” RAMOS, Graciliano. “Vidas Secas”. São Paulo: Martins. s/d. 28a ed., p. 59. Assinale a afirmativa que indica uma característica do modernismo e do estilo do autor, tomando por base a leitura do texto. a) Há um extremo apuro formal, onde se destacam as metáforas, sobretudo as hipérboles, em absoluta consonância com a prolixidade do texto. b) O estilo direto do texto está sintonizado com a narrativa, que descreve uma cena de grande movimentação e presença de personagens. c) O texto é seco e direto, confrontando um cenário de exuberância natural com um personagem tímido, reservado e de poucas ambições. d) O texto é direto, econômico, interessa mais a angústia interior dos personagens do que seus próprios atos. e) A fatalidade da situação é explorada ao limite máximo, com a natureza pactuando com as angústias do personagem, mas, ao final, subjugando–se.
133VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 5. Ficou conhecido como “Geração de 30”, na prosa modernista, um grupo de escritores que refletiu a problemática político–social do Brasil da época. Não faz parte de tal geração: a) Graciliano Ramos. b) José Lins do Rego. c) Jorge Amado. d) João Guimarães Rosa. e) Rachel de Queiroz. 6. (ITA) Sobre o romance Capitães de areia, de Jorge Amado, é incorreto afirmar que: a) se trata de um livro cuja personagem central é coletiva, um grupo de meninos de rua, e isso o aproxima de O cortiço. b) as principais personagens masculinas são Pedro Bala, Sem Pernas, Volta Seca, Pirulito e Professor, e a figura feminina central é Dora. c) há uma certa herança naturalista, visível na precoce e promíscua vida sexual dos adolescentes. d) os vestígios românticos aparecem em algumas cenas de jogos e brincadeiras infantis e na caracterização de Dora. e) todos os meninos acabam encontrando um bom rumo na vida, apesar das dificuldades. E.O. Fixação 1. (Acafe) Considerando o contexto histórico descrito no texto a seguir, assinale a alternativa CORRETA quanto à produção literária no Brasil. “Na Europa, a segunda Revolução Industrial promovera modificações profundas. Inovações tecnológicas desenvolveram a produção em massa de bens diversos. As cidades cresceram muito (em detrimento do campo), e formou-se um proletariado que logo começou a organizar-se politicamente. E, dentro desse contexto, as artes mudaram: a belle époque assiste a uma sucessão de movimentos artísticos revolucionários.” LAFETÁ, 1982, p. 99 a) Na literatura rompeu–se com a tradição clássica, imposta pelo período árcade, e apresentaram-se novas concepções literárias, dentre as quais podem ser apontadas: a observação das condições do estado de alma, das emoções, da liberdade, desabafos sentimentais, valorização do índio, a manifestação do poder de Deus através da natureza acolhedora ao homem, a temática voltada para o amor, para a saudade, o subjetivismo. b) Os escritores brasileiros abordaram a realidade social do país, destacando a vida nos cortiços, o preconceito, a diferenciação social, entre outros temas. O homem é encarado como produto biológico passando a agir de acordo com seus instintos, chegando a ser comparado com os animais (zoomorfização). c) O romance focou o regionalismo, principalmente o nordestino, onde problemas como a seca, a migração, os problemas do trabalhador rural, a miséria, a ignorância foram ressaltados. Além do regionalismo, destacaram-se também outras temáticas; surgiu o romance urbano e psicológico, o romance poético-metafísico e a narrativa surrealista. d) As características comuns às obras literárias brasileiras desse período são: a ruptura com a linguagem pomposa parnasiana; a exposição da realidade social brasileira; o regionalismo; a marginalidade exposta nas personagens e associação aos fatos políticos, econômicos e sociais. 2. (PUC-RS) A única alternativa que apresenta duas obras de Graciliano Ramos é: a) Menino do engenho – Angústia. b) O quinze – Fogo morto. c) Infância – A bagaceira. d) Memórias do Cárcere – Jubiabá. e) Vidas Secas – Caetés. 3. (UCS) A seca é metáfora recorrente na literatura, especialmente no segundo período modernista. Assinale a alternativa correta em relação às obras que apresentam cenas que caracterizam a brutal realidade dos retirantes nordestinos. a) O Quinze, de Raquel de Queirós; Vidas Secas, de Graciliano Ramos b) Menino de Engenho, de José Lins do Rego; Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. c) A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade; Os Sertões, de Euclides da Cunha. d) Um Lugar ao Sol, de Erico Verissimo; A Legião Estrangeira, de Clarice Lispector. e) Capitães da Areia, de Jorge Amado; Urupês, de Monteiro Lobato. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. Sinhá Vitória Sinhá Vitória tinha amanhecido nos seus azeites. Fora de propósito, dissera ao marido umas inconveniências a respeito da cama de varas. 1 Fabiano, que não esperava semelhante desatino, apenas grunhira: – “Hum! hum!” E amunhecara, porque realmente mulher é bicho difícil de entender, 4 deitara-se na rede e pegara no sono. Sinhá Vitória andara para cima e para baixo, procurando em que desabafar. Como achasse tudo em ordem, queixara-se da vida. 2 E agora vingava-se em Baleia, dando-lhe um pontapé. Avizinhou-se da janela baixa da cozinha, viu os meninos entretidos no barreiro, sujos de lama, fabricando bois de barro, que secavam ao sol, sob o pé-de-turco, e 5 não encontrou motivo para repreendê-los. Pensou de novo na cama de varas e mentalmente xingou Fabiano. Dormiam naquilo, tinha-se acostumado, mas sena mais agradável dormirem numa cama de lastro de couro, como outras pessoas. 7 Fazia mais de um ano que falava nisso ao marido. 3 Fabiano a princípio concordara com ela, mastigara cálculos, tudo errado. Tanto para o couro, tanto para a armação. Bem. Poderiam adquirir o móvel necessário
134VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias economizando na roupa e no querosene. 6 Sinhá Vitória respondera que isso era impossível, porque eles vestiam mal, as crianças andavam nuas, e recolhiam-se todos ao anoitecer. Para bem dizer, não se acendiam candeeiros na casa. RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro; São Paulo: Record; Martins, 1975. p. 42–43. 4. (UFF) A partir do texto acima, identifique a alternativa que contém a característica correta em relação à análise da obra de Graciliano Ramos e à sua inclusão na ficção regionalista dos anos 30. a) Valorização do espaço urbano e das relações de poder. b) Ênfase em aspectos pitorescos da paisagem nordestina. c) Utilização de linguagem predominantemente metafórica. d) Atitude crítica e comprometida frente à realidade social. e) Opção preferencial por personagens pertencentes à classe dominante. 5. Considere os seguintes itens, nos quais, em passagens extraídas do romance Vidas secas, de Graciliano Ramos, identifica–se o procedimento do narrador ao reproduzir as falas dos personagens. I. “Nesse ponto um soldado [...] bateu familiarmente no ombro de Fabiano: – Como é camarada? Vamos jogar um trinta-e-um lá dentro?” (discurso direto). II. “Tinham deixado os caminhos, cheios de espinhos e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.” (discurso indireto). III. “Isso lhe dera uma impressão bastante penosa: sempre que os homens sabidos lhe diziam palavras difíceis, ele saia logrado.” (discurso direto). IV. “Agora [Fabiano] queria entender–se com Sinhá Vitoria a respeito da educação dos pequenos. E eles estavam perguntadores, insuportáveis. Fabiano dava– se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber? Tinha? Não tinha.” (discurso indireto livre). A identificação foi feita corretamente em: a) I e II. b) I e IV. c) II e III. d) III e IV. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. TEXTO I ...encontro-me aqui em São Bernardo, escrevendo. As janelas estão fechadas. Meia-noite. Nenhum rumor na casa deserta. Levanto-me, procuro uma vela, que a luz vai apagar-se. Não tenho sono. Deitar-me, rolar no colchão até a madrugada, é uma tortura. Prefiro ficar sentado, concluindo isto. Amanhã não terei com que me entreter. Ponho a vela no castiçal, risco um fósforo e acendo-a. Sinto um arrepio. A lembrança de Madalena persegue- -me. Diligencio afastá-la e caminho em redor da mesa. Aperto as mãos de tal forma que me firo com as unhas, e quando caio em mim estou mordendo os beiços a ponto de tirar sangue. De longe em longe sento-me fatigado e escrevo uma linha. Digo em voz baixa: — Estraguei a minha vida, estraguei-a estupidamente. A agitação diminui. — Estraguei a minha vida estupidamente. TEXTO II “... vou deitar ao papel as reminiscências que me vierem vindo. Deste modo, viverei o que vivi.” 6. (Fatec) Com relação à linguagem, observamos no texto de Graciliano Ramos que: a) há alternância de períodos breves e longos com predominância da subordinação entre as orações; esse é um recurso de que se vale o autor para expressar as relações de causa e consequência entre os fatos. b) a linguagem próxima da oralidade (e por isso mesmo permeada de incorreções gramaticais) é responsável por um estilo descuidado, característica da obra desse autor. c) o emprego frequente do ponto final tem como resultado a quebra da sequência lógica; fraciona a linguagem da mesma forma que é fracionada a realidade que o autor quer retratar. d) o autor utiliza períodos breves, obtendo o máximo de efeito com o mínimo de recursos; prefere usar substantivos a adjetivos. e) na descrição do espaço e do tempo, o escritor seleciona o máximo de detalhes a fim de retratar fielmente a realidade, aumentando, com esse recurso, a sensação de veracidade. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO Naquele momento a ideia da prisão dava-me quase prazer: via ali um princípio de liberdade. Eximira-me do parecer, do ofício, da estampilha, dos horríveis cumprimentos ao deputado e ao senador; iria escapar a outras maçadas, gotas espessas, amargas, corrosivas. Na verdade suponho que me revelei covarde e egoísta: várias crianças exigiam sustento, a minha obrigação era permanecer junto a elas, arranjar-lhes por qualquer meio o indispensável. Desculpava-me afirmando que isto se havia tornado impossível. Que diabo ia fazer, perseguido, a rolar de um canto para outro, em sustos, mudando o nome, a barba longa, a reduzir-me, a endividar-me? Se a vida comum era ruim, essa que Luccarini me oferecera num sussurro, a tremura e a humilhação constante, dava engulhos. Além disso eu estava curioso de saber a arguição que armariam contra mim. Bebendo aguardente, imaginava a cara de um juiz, entretinha-me num longo diálogo, e saía-me perfeitamente, como sucede em todas as conversas interiores que arquiteto. Uma compensação: nas exteriores sempre me dou mal. Com franqueza, desejei que na acusação houvesse algum fundamento. E não vejam nisso bazófia ou mentiras: na situação em que me achava justifica-se a insensatez. A cadeia era o único lugar que me proporcionaria o mínimo
135VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias de tranquilidade necessária para corrigir o livro. O meu protagonista se enleara nesta obsessão: escrever um romance além das grades úmidas pretas. Convenci-me de que isto seria fácil: enquanto os homens de roupa zebrada compusessem botões de punho e caixinhas de tartaruga, eu ficaria longas horas em silêncio, a consultar dicionários, riscando linhas, metendo entrelinhas nos papéis datilografados por dona Jeni. Deixar-me- -iam ficar até concluir a minha tarefa? Afinal a minha pretensão não era tão absurda como parece. Indivíduos tímidos, preguiçosos, inquietos, de vontade fraca habituam-se ao cárcere. Eu, que não gosto de andar, nunca vejo a paisagem, passo horas fabricando miudezas, embrenhando-me em caraminholas, por que não haveria de acostumar-me também? (Graciliano Ramos, MEMÓRIAS DO CÁRCERE) 7. (Fatec) Considere as seguintes afirmações sobre a obra de Graciliano Ramos: I. Uma das características da ficção do Autor é a construção do herói problemático, cujo traço marcante é a não aceitação do mundo, nem dos outros, nem de si próprio. II. O texto extraído de MEMÓRIAS DO CÁRCERE ilustra a linguagem despojada de Graciliano Ramos, marcada pela sintaxe clássica, de períodos curtos, como se encontra, também, em VIDAS SECAS e em SÃO BERNARDO. III. A relação conflituosa do narrador com o meio familiar e o social é o que distingue MEMÓRIAS DO CÁRCERE (obra autobiográfica e histórica) de SÃO BERNARDO (obra de ficção). IV. O tom regionalista de Graciliano Ramos marca-se especialmente em VIDAS SECAS, romance sobre a opressão, tanto da natureza (que impõe os rigores da seca) quanto dos que detêm o poder. Quanto a essas afirmações, devemos concluir que: a) apenas a I, a II e a IV estão corretas. b) estão corretas a I, a II e a III, somente. c) estão corretas a I e a II, apenas. d) somente a III e a IV estão corretas. e) apenas a II e a III estão corretas. E.O. Enem 1. (Enem) Exmº Sr. Governador: Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928. [...] ADMINISTRAÇÃO Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos que prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha – um telegrama; porque se deitou pedra na rua – um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela – um telegrama. Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929. GRACILlANO RAMOS RAMOS, G. Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins Fontes, 1962. O relatório traz a assinatura de Graciliano Ramos, na época, prefeito de Palmeira dos Índios, e é destinado ao governo do estado de Alagoas. De natureza oficial, o texto chama a atenção por contrariar a norma prevista para esse gênero, pois o autor: a) emprega sinais de pontuação em excesso. b) recorre a termos e expressões em desuso no português. c) apresenta-se na primeira pessoa do singular, para conotar intimidade com o destinatário. d) privilegia o uso de termos técnicos, para demonstrar conhecimento especializado. e) expressa-se em linguagem mais subjetiva, com forte carga emocional. 2. (Enem) A velha Totonha de quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada... Que talento ela possuía para contar as suas histórias, com um jeito admirável de falar em nome de todos os personagens, sem nenhum dente na boca, e com uma voz que dava todos os tons às palavras! Havia sempre rei e rainha, nos seus contos, e forca e adivinhações. E muito da vida, com as suas maldades e as suas grandezas, a gente encontrava naqueles heróis e naqueles intrigantes, que eram sempre castigados com mortes horríveis! O que fazia a velha Totonha mais curiosa era a cor local que ela punha nos seus descritivos. Quando ela queria pintar um reino era como se estivesse falando dum engenho fabuloso. Os rios e florestas por onde andavam os seus personagens se pareciam muito com a Paraíba e a Mata do Rolo. O seu Barba-Azul era um senhor de engenho de Pernambuco. José Lins do Rego. Menino de Engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980, p. 49-51 (com adaptações). Na construção da personagem "velha Totonha", é possível identificar traços que revelam marcas do processo de colonização e de civilização do país. Considerando o texto acima, infere-se que a velha Totonha: a) tira o seu sustento da produção da literatura, apesar de suas condições de vida e de trabalho, que denotam que ela enfrenta situação econômica muito adversa. b) compõe, em suas histórias, narrativas épicas e realistas da história do país colonizado, livres da influência de temas e modelos não representativos da realidade nacional. c) retrata, na constituição do espaço dos contos, a civilização urbana europeia em concomitância com a representação literária de engenhos, rios e florestas do Brasil. d) aproxima-se, ao incluir elementos fabulosos nos contos, do próprio romancista, o qual pretende retratar a realidade brasileira de forma tão grandiosa quanto a europeia. e) imprime marcas da realidade local a suas narrativas, que têm como modelo e origem as fontes da literatura e da cultura europeia universalizada.
136VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 3. (Enem) A velha Totonha de quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada. (..) andava léguas e léguas a pé, de engenho a engenho, como uma edição viva das histórias de Mil e Uma Noites (..) era uma grande artista para dramatizar. Tinha uma memória de prodígio. Recitava contos inteiros em versos, intercalando pedaços de prosa, como notas explicativas. (..) Havia sempre rei e rainha, nos seus contos, e forca e adivinhações. O que fazia a velha Totonha mais curiosa era a cor local que ela punha nos seus descritivos. (..) Os rios e as florestas por onde andavam os seus personagens se pareciam muito com o Paraíba e a Mata do Rolo. O seu Barba-Azul era um senhor de engenho de Pernambuco. (José Lins do Rego. Menino de engenho) A cor local que a personagem velha Totonha colocava em suas histórias é ilustrada, pelo autor, na seguinte passagem: a) "O seu Barba-Azul era um senhor de engenho de Pernambuco". b) "Havia sempre rei e rainha, nos seus contos, e forca e adivinhações". c) "Era uma grande artista para dramatizar. Tinha uma memória de prodigio". d) "Andava léguas e léguas a pé, como uma edição viva das Mil e Uma Noites". e) "Recitava contos inteiros em versos, intercalando pedaços de prosa, como notas explicativas". E.O. UERJ Exame de Qualificação TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES: Memórias do cárcere 1 Resolvo-me a contar, depois de muita hesitação, casos passados há dez anos − e, antes de começar, digo os motivos por que silenciei e por que me decido. Não conservo notas: algumas que tomei foram inutilizadas, e assim, 16com o decorrer do tempo, ia-me parecendo cada vez mais difícil, quase impossível, redigir esta narrativa. Além disso, julgando a matéria superior às minhas forças, esperei que outros mais aptos se ocupassem dela. Não vai aqui falsa modéstia, como adiante se verá. 2 Também me afligiu a ideia de jogar no papel criaturas vivas, sem disfarces, com os nomes que têm no registro civil. Repugnava-me deformá-las, 9 dar-lhes pseudônimo, fazer do livro uma espécie de romance; mas teria eu o direito de 5 utilizá-las em história presumivelmente verdadeira? Que diriam elas se se vissem impressas, realizando atos esquecidos, repetindo palavras contestáveis e obliteradas? (...) O receio de cometer indiscrição exibindo em público pessoas que tiveram comigo convivência forçada já não me apoquenta. Muitos desses antigos companheiros distanciaram-se, apagaram-se. 10Outros permaneceram junto a mim, ou vão reaparecendo ao cabo de longa ausência, alteram-se, completam-se, avivam recordações meio confusas − e não vejo inconveniência em mostrá-los. (...) E aqui chego à última objeção que me impus. 13Não resguardei os apontamentos obtidos em largos dias e meses de observação: num momento de aperto fui obrigado a atirá-los na água. 6 Certamente me irão fazer falta, mas terá sido uma perda irreparável? Quase me inclino a supor que foi bom privar-me desse material. 17Se ele existisse, ver-me-ia propenso a consultá-lo a cada instante, mortificar-me-ia por dizer com rigor a hora exata de uma partida, 11quantas demoradas tristezas se aqueciam ao sol pálido, em manhã de bruma, a cor das folhas que tombavam das árvores, num pátio branco, a forma dos montes verdes, tintos de luz, frases autênticas, gestos, gritos, gemidos. Mas que significa isso? 15Essas coisas verdadeiras podem não ser verossímeis. E se esmoreceram, deixá-las no esquecimento: valiam pouco, pelo menos imagino que valiam pouco. Outras, porém, conservaram-se, cresceram, associaram-se, e é inevitável mencioná-las. 7 Afirmarei que sejam absolutamente exatas? Leviandade. (...)14Nesta reconstituição de fatos velhos, neste esmiuçamento, exponho o que notei, o que julgo ter notado. 3 Outros devem possuir lembranças diversas. Não as contesto, mas espero que não recusem as minhas: 4 conjugam-se, completam-se e me dão hoje impressão de realidade. Formamos um grupo muito complexo, que se desagregou. De repente nos surge a necessidade urgente de recompô-lo. Define-se o ambiente, as figuras se delineiam, vacilantes, ganham relevo, a ação começa. 18Com esforço desesperado arrancamos de cenas confusas alguns fragmentos. Dúvidas terríveis nos assaltam. De que modo reagiram os caracteres em determinadas circunstâncias? O ato que nos ocorre, nítido, irrecusável, terá sido realmente praticado? Não será incongruência? Certo a vida é cheia de incongruências, mas estaremos seguros de não nos havermos enganado? Nessas vacilações dolorosas, 12às vezes necessitamos confirmação, apelamos para reminiscências alheias, convencemo-nos de que a minúcia discrepante não é ilusão. Difícil é sabermos a causa dela, 8 desenterrarmos pacientemente as condições que a determinaram. Como isso variava em excesso, era natural que variássemos também, apresentássemos falhas. Fiz o possível por entender aqueles homens, penetrar-lhes na alma, sentir as suas dores, admirar-lhes a relativa grandeza, enxergar nos seus defeitos a sombra dos meus defeitos. Foram apenas bons propósitos: devo ter-me revelado com frequência egoísta e mesquinho. E esse desabrochar de sentimentos maus era a pior tortura que nos podiam infligir naquele ano terrível. GRACILIANO RAMOS Memórias do cárcere. Rio de Janeiro: Record, 2002. 1. (UERJ) As palavras classificadas como advérbios agregam noções diversas aos termos a que se ligam na frase, demarcando posições, relativizando ou reforçando sentidos, por exemplo.
137VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias O advérbio destacado é empregado para relativizar o sentido da palavra a que se refere em: a) utilizá-las em história presumivelmente verdadeira? (ref.5) b) Certamente me irão fazer falta, (ref.6) c) Afirmarei que sejam absolutamente exatas? (ref.7) d) desenterrarmos pacientemente as condições que a determinaram. (ref.8) 2. (UERJ) Nesta reconstituição de fatos velhos, neste esmiuçamento, exponho o que notei, o que julgo ter notado. (ref.14) O uso do verbo “julgar”, no fragmento acima, promove uma correção do que estava dito imediatamente antes. Essa correção é importante para o sentido geral do texto porque: a) questiona a validade de romancear fatos. b) minimiza o problema de narrar a memória. c) valoriza a necessidade de resgatar a história. d) enfatiza a dificuldade de reproduzir a realidade. 3. (UERJ) Essas coisas verdadeiras podem não ser verossímeis. (ref.15) Com a frase acima, o escritor lembra um princípio básico da literatura: a verossimilhança − isto é, a semelhança com a verdade − é mais importante do que a verdade mesma. A melhor explicação para este princípio é a de que a invenção narrativa se mostra mais convincente se: a) parece contar uma história real. b) quer mostrar seu caráter ficcional. c) busca apoiar-se em fatos conhecidos. d) tenta desvelar as contradições sociais. TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES: 7 De repente voltou-me a ideia de construir o livro. (...) 1 Desde então procuro descascar fatos, aqui sentado à mesa da sala de jantar (...). Às vezes, entro pela noite, passo tempo sem fim acordando lembranças. Outras vezes não me ajeito com esta ocupação nova. Anteontem e ontem, por exemplo, foram dias perdidos. 3 Tentei debalde canalizar para termo razoável esta prosa que se derrama como a chuva da serra, e o que me apareceu foi um grande desgosto. 8 Desgosto e a vaga compreensão de muitas coisas que sinto. 9 Sou um homem arrasado. Doença? Não. Gozo perfeita saúde. (...) Não tenho doença nenhuma. O que estou é velho. Cinquenta anos pelo S. Pedro. 10Cinquenta anos perdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra esta casca espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada. Cinquenta anos! Quantas horas inúteis! Consumir-se uma pessoa a vida inteira sem saber para quê! 2 Comer e dormir como um porco! Como um porco! Levantar-se cedo todas as manhãs e sair correndo, procurando comida! 4 E depois guardar comida para os filhos, para os netos, para muitas gerações. Que estupidez! (...) 5 Coloquei-me acima da minha classe, creio que me elevei bastante. Como lhes disse, 6 fui guia de cego, vendedor de doce e trabalhador alugado. Estou convencido de que nenhum desses ofícios me daria os recursos intelectuais necessários para engendrar esta narrativa. Magra, de acordo, mas em momentos de otimismo suponho que há nela pedaços melhores que a literatura do Gondim. Sou, pois, superior a mestre Caetano e a outros semelhantes. Considerando, porém, que os enfeites do meu espírito se reduzem a farrapos de conhecimentos apanhados sem escolha e mal cosidos, devo confessar que a superioridade que me envaidece é bem mesquinha. (...) Quanto às vantagens restantes – casas, terras, móveis, semoventes, consideração de políticos, etc. – é preciso convir em que tudo está fora de mim. 11Julgo que me desnorteei numa errada. GRACILIANO RAMOS São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 2004. 4. (UERJ) O personagem reclama de uma vida na qual se dedicou a ações que agora vê como negativas. Essas ações estão melhor descritas em: a) Tentei debalde canalizar para termo razoável esta prosa que se derrama como a chuva (ref. 3) b) E depois guardar comida para os filhos, para os netos, para muitas gerações. (ref. 4) c) Coloquei-me acima da minha classe, creio que me elevei bastante. (ref. 5) d) fui guia de cego, vendedor de doce e trabalhador alugado. (ref. 6) 5. (UERJ) Comer e dormir como um porco! Como um porco! (ref. 2) A repetição das palavras, neste contexto, constitui recurso narrativo que revela um traço relativo ao personagem. Esse traço pode ser definido como: a) carência. b) desespero. c) inabilidade. d) intolerância. TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES: NEM A ROSA, NEM O CRAVO As frases perdem seu sentido, as palavras perdem sua significação costumeira, como dizer das árvores e das flores, dos teus olhos e do mar, das canoas e do cais, das borboletas nas árvores, quando as crianças são assassinadas friamente pelos nazistas? Como falar da gratuita beleza dos campos e das cidades, quando as bestas soltas no mundo ainda destroem os campos e as cidades? Já viste um loiro trigal balançando ao vento? É das coisas mais belas do mundo, mas os hitleristas e seus cães danados destruíram os trigais e os povos morrem de
138VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias fome. Como falar, então, da beleza, dessa beleza simples e pura da farinha e do pão, da água da fonte, do céu azul, do teu rosto na tarde? Não posso falar dessas coisas de todos os dias, dessas alegrias de todos os instantes. Porque elas estão perigando, todas elas, os trigais e o pão, a farinha e a água, o céu, o mar e teu rosto. (...) 1 Sobre toda a beleza paira a sombra da escravidão. É como u'a nuvem inesperada num céu azul e límpido. Como então encontrar palavras inocentes, doces palavras cariciosas, versos suaves e tristes? Perdi o sentido destas palavras, destas frases, elas me soam como uma traição neste momento. (...) Mas eu sei todas as palavras de ódio e essas, sim, têm um significado neste momento. 2 Houve um dia em que eu falei do amor e encontrei para ele os mais doces vocábulos, as frases mais trabalhadas. 3 Hoje só o ódio pode fazer com que o amor perdure sobre o mundo. Só o ódio ao fascismo, mas um ódio mortal, um ódio sem perdão, um ódio que venha do coração e que nos tome todo, que se faça dono de todas as nossas palavras, que nos impeça de ver qualquer espetáculo – desde o crepúsculo aos olhos da amada – sem que junto a ele vejamos o perigo que os cerca. 4 Jamais as tardes seriam doces e jamais as madrugadas seriam de esperança. Jamais os livros diriam coisas belas, nunca mais seria escrito um verso de amor. Sobre toda a beleza do mundo, sobre a farinha e o pão, sobre a pura água da fonte e sobre o mar, sobre teus olhos também, se debruçaria a desonra que é o nazifascismo, se eles tivessem conseguido dominar o mundo. Não restaria nenhuma parcela de beleza, a mais mínima. Amanhã saberei de novo palavras doces e frases cariciosas. Hoje só sei palavras de ódio, palavras de morte. Não encontrarás um cravo ou uma rosa, uma flor na minha literatura. Mas encontrarás um punhal ou um fuzil, encontrarás uma arma contra os inimigos da beleza, contra aqueles que amam as trevas e a desgraça, a lama e os esgotos, contra esses restos de podridão que sonharam esmagar a poesia, o amor e a liberdade! (AMADO, Jorge. Folha da Manhã, 22/04/1945.) 6. (UERJ) O enunciador do texto defende, como modo de reação às crueldades referidas, a utilização das mesmas armas dos agressores. O trecho em que essa ideia se apresenta mais claramente é: a) "Sobre toda a beleza paira a sombra da escravidão." (ref. 1) b) "Houve um dia em que eu falei do amor e encontrei para ele os mais doces vocábulos," (ref. 2) c) "Hoje só o ódio pode fazer com que o amor perdure sobre o mundo." (ref. 3) d) "Jamais as tardes seriam doces e jamais as madrugadas seriam de esperança." (ref. 4) 7. (UERJ) O uso das palavras "rosa" e "cravo" é recusado pelo enunciador do texto de Jorge Amado. Essa recusa ocorre, pois essas palavras assumem, no texto, o sentido de: a) ameaça. b) alienação. c) infelicidade. d) cumplicidade. TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES: (...) Não resguardei os apontamentos obtidos em largos dias e meses de observação: num momento de aperto fui obrigado a atirá-los na água. Certamente me irão fazer falta, mas terá sido uma perda irreparável? Quase me inclino a supor que foi bom privar-me desse material. Se ele existisse, ver-me-ia propenso a consultá-lo a cada instante, mortificar-me-ia por dizer com rigor a hora exata de uma partida, quantas demoradas tristezas se aqueciam ao sol pálido, em manhã de bruma, a cor das folhas que tombavam das árvores, num pátio branco, a forma dos montes verdes, tintos de luz, frases autênticas, gestos, gritos, gemidos. Mas que significa isso? Essas coisas verdadeiras podem não ser verossímeis. E se esmoreceram, deixá-las no esquecimento: valiam pouco, pelo menos imagino que valiam pouco. Outras, porém, conservaram-se, cresceram, associaram- -se, e é inevitável mencioná-las. Afirmarei que sejam absolutamente exatas? Leviandade. (...) Nesta reconstituição de fatos velhos, neste esmiuçamento, exponho o que notei, o que julgo ter notado. Outros devem possuir lembranças diversas. Não as contesto, mas espero que não recusem as minhas: conjugam-se, completam-se e me dão hoje impressão de realidade. (...) (RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. Rio, São Paulo: Record, 1984.) 8. (UERJ) O fragmento transcrito expressa uma reflexão do autor-narrador quanto à escrita de seu livro contando a experiência que viveu como preso político, durante o Estado Novo. No que diz respeito às relações entre escrita literária e realidade, é possível depreender, da leitura do texto, a seguinte característica da literatura: a) revela ao leitor vivências humanas concretas e reais. b) representa uma conscientização do artista sobre a realidade. c) dispensa elementos da realidade social exterior à arte literária. d) constitui uma interpretação de dados da realidade conhecida. 9. (UERJ) Por causa da perda das anotações, relatada pelo narrador, o texto é impregnado de dúvidas acerca da exatidão do que será levantado no livro. O trecho que melhor representa um exemplo dessas dúvidas é: a) "Quase me inclino a supor que foi bom privar-me desse material". b) "Outras, porém, conservaram-se, cresceram, associaram-se, e é inevitável mencioná-las". c) "neste esmiuçamento, exponho o que notei, o que julgo ter notado". d) "Não as contesto, mas espero que não recusem as minhas".
139VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias E.O. UERJ Exame Discursivo TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: O chefe da estação me olhou de cara feia, e me deu a passagem e o troco. Bateu com a prata na mesa. Se fosse falsa, estaria perdido. Guardei o cartão com ganância no bolso da calça. A estação se enchera. Um vendedor de bilhete me ofereceu um. Não desconfiava de mim. O chefe foi que me olhou com a cara fechada. Já se ouvia o apito do trem. Cheguei para o lugar onde paravam os carros de passageiros. E o barulho da máquina se aproximando. Estava com medo, com a impressão de que chegasse uma pessoa para me prender. Ninguém saberia. E o trem parado nos meus pés. Tomei o carro num banco do fim, meio escondido. O Padre Fileto me viu. Tirava esmolas para a obra da igreja. – Não foi para a parada? – Não senhor, vou ver o meu avô que está doente. A mesma mentira saída da boca automaticamente. Os meninos passavam vendendo tareco1 . Quis comprar um pacote, mas estava com receio. Qualquer movimento de minha parte me parecia uma denúncia. O homem do bilhete voltou outra vez me oferecendo. Num banco da minha frente estava um sujeito me olhando. Sem dúvida, passageiro do trem. E me olhando com insistência. Levantou-se e veio falar comigo: – Menino, que querem dizer estas letras? – Instituto Nossa Senhora do Carmo. – Pensei que fosse “Isto não se conhece”... Ri-me sem querer. E as outras pessoas acharam graça. Pedi a Deus que o trem partisse. Por que não partira aquele trem? Meu boné me perderia. Podia ter vindo de chapéu. Nisto vi Seu Coelho. Entrei disfarçando para a latrina do trem. E não vi mais nada. Só saí de lá quando vi pelo buraco do aparelho a terra andando. Sentei-me no mesmo lugar. Vi a cadeia, o cemitério.(...) E o Pilar chegando. O Recreio do Coronel Anísio, com a sua casa na beira da linha. E a gente já via a igreja. O trem apitava para o sinal. Passou o poste branco. Saltei do trem como se tivesse perdido o jeito de andar. Escondi-me do moleque do engenho. O trem saía deixando no ar um cheiro de carvão de pedra. Lá se ia Ricardo com os jornais para o meu avô. Faltava-me coragem para bater na porta do engenho como fugitivo. E fui andando à toa pela linha de ferro. Que diria quando chegasse no engenho? Lembrei-me então que pela linha de ferro teria que atravessar a ponte. E desviei- -me para a caatinga. Pegaria mais adiante o mesmo caminho. Estava pisando em terras do meu avô. O engenho de Seu Lula mostrava o seu bueiro pequeno, com um pedaço caído. Que diabo diria no Santa Rosa, quando chegasse? Era preciso inventar uma mentira. Fiquei parado pensando um instante. Achei a mentira com a alegria de quem tivesse encontrado um roteiro certo. Sonhara que meu avô estava doente e não pudera aguentar o aperreio do sonho. E fugira. Achariam graça e tudo se acabaria em alegria. Mas cadê coragem para chegar? Já me distanciava pouco da minha gente. O bueiro do Santa Rosa estava ali perto, com a sua boca em diagonal. Subia fumaça da destilação. Com mais cinco minutos estaria lá. Era só atravessar o rio. Fiquei parado pensando. O rio dava água pelos joelhos. O gado do pastoreador passava para o outro lado. E cadê coragem para agir? E o tempo a se sumir. E a tarde caindo. A casa-grande inteira brigaria comigo. No outro dia José Ludovina tomaria o trem para me levar. E o bolo, e os gritos de Seu Maciel. Vou, não vou, como as cantigas dos sapos na lagoa. Um trem de carga apitou na linha. Tirei os sapatos, arregaçando as calças para a travessia. A porteira do cercado batia forte no mourão2 . E no silêncio da tarde, tudo aumentava de voz. (...) JOSÉ LINS DO RÊGO Doidinho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971. Vocabulário: 1 tareco - biscoito 2 mourão - estaca 1. (UERJ) No texto de José Lins do Rêgo, o narrador recorda um episódio de seu passado, em que foi dominado por um sentimento que o acompanhou durante a viagem de trem e a chegada ao engenho. Identifique esse sentimento e as duas situações que o geraram. E.O. Objetivas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) CONTAS Fabiano recebia na partilha a quarta parte dos bezerros e a terça dos cabritos. Mas como não tinha roça e apenas se limitava a semear na vazante uns punhados de feijão e milho, comia da feira, desfazia-se dos animais, não chegava a ferrar um bezerro ou assinar a orelha de um cabrito. Se pudesse economizar durante alguns meses, levantaria a cabeça. Forjara planos. Tolice, quem é do chão não se trepa. Consumidos os legumes, roídas as espigas de milho, recorria à gaveta do amo, cedia por preço baixo o produto das sortes. Resmungava, rezingava, numa aflição, tentando espichar os recursos minguados, engasgava-se, engolia em seco. Transigindo com outro, não seria roubado tão descaradamente. Mas receava ser expulso da fazenda. E rendia-se. Aceitava o cobre e ouvia conselhos. Era bom pensar no futuro, criar juízo. Ficava de boca aberta, vermelho, o pescoço inchando. De repende estourava: – Conversa. Dinheiro anda num cavalo e ninguém pode viver sem comer. Quem é do chão não se trepa.
140VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Pouco a pouco o ferro do proprietário queimava os bichos de Fabiano. E quando não tinha mais nada para vender, o sertanejo endividava-se. Ao chegar a partilha, estava encalacrado, e na hora das contas davam-lhe uma ninharia. Ora, daquela vez, como das outras, Fabiano ajustou o gado, arrependeu-se, enfim deixou a transação meio apalavrada e foi consultar a mulher. Sinhá Vitória mandou os meninos para o barreiro, sentou-se na cozinha, concentrou-se, distribuiu no chão sementes de várias espécies, realizou somas e diminuições. No dia seguinte Fabiano voltou à cidade, mas ao fechar o negócio notou que as operações de Sinhá Vitória, como de costume, diferiam das do patrão. Reclamou e obteve a explicação habitual: a diferença era proveniente de juros. Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se perfeitamente que era bruto, mas a mulher tinha miolo. Com certeza havia um erro no papel do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria! O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom que, o vaqueiro fosse procurar serviço noutra fazenda. Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou. Bem, bem. Não era preciso barulho não. Se havia dito palavra à toa, pedia desculpa. Era bruto, não fora ensinado. Atrevimento não tinha, conhecia o seu lugar. Um cabra. Ia lá puxar questão com gente rica? Bruto, sim senhor, mas sabia respeitar os homens. Devia ser ignorância da mulher, provavelmente devia ser ignorância da mulher. Até estranhara as contas dela. Enfim, como não sabia ler (um bruto, sim senhor), acreditara na sua velha. Mas pedia desculpa e jurava não cair noutra. Graciliano Ramos. Vidas secas. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1974. 1. (Unesp) Lendo atentamente o fragmento de Vidas secas, percebe-se que o foco principal é o das transações entre Fabiano e o proprietário da fazenda. Aponte a alternativa que não corresponde ao que é efetivamente exposto pelo texto. a) O proprietário era, na verdade, um benfeitor para Fabiano. b) Fabiano declarava–se “um bruto” ao proprietário. c) O proprietário levava sempre vantagem na partilha do gado. d) Fabiano sabia que era enganado nas contas, mas não conseguia provar. e) Fabiano aceitava a situação e se resignava, por medo de ficar sem trabalho. 2. (Unifesp) Observe a figura a seguir: A tela de Portinari – A criança morta – tematiza aspecto marcante da vida no sertão nordestino, frequentemente castigado pelas secas, pela miséria e pela fome. Os escritores que se dedicaram também a esse tema foram: a) Graciliano Ramos e José de Alencar. b) Hilda Hilst e Jorge Amado. c) Rachel de Queiroz e Graciliano Ramos d) José Lins do Rego e Carlos Drummond de Andrade. e) Erico Verissimo e Cecília Meireles. 3. (Fuvest) Um escritor classificou “Vidas secas" como “romance desmontável”, tendo em vista sua composição descontínua, feita de episódios relativamente independentes e sequências parcialmente truncadas. Essas características da composição do livro: a) constituem um traço de estilo típico dos romances de Graciliano Ramos e do Regionalismo nordestino. b) indicam que ele pertence à fase inicial de Graciliano Ramos, quando este ainda seguia os ditames do primeiro momento do Modernismo. c) diminuem o seu alcance expressivo, na medida em que dificultam uma visão adequada da realidade sertaneja. d) revelam, nele, a influência da prosa seca e lacônica de Euclides da Cunha, em “Os sertões”. e) relacionam-se à visão limitada e fragmentária que as próprias personagens têm do mundo. TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES. [Sem-Pernas] queria alegria, uma mão que o acarinhasse, alguém que com muito amor o fizesse esquecer o defeito físico e os muitos anos (talvez tivessem sido apenas meses ou semanas, mas para ele seriam sempre longos anos) que vivera sozinho nas ruas da cidade, hostilizado pelos homens que passavam, empurrado pelos guardas, surrado pelos moleques maiores. Nunca tivera família. Vivera na casa de um padeiro a quem chamava “meu padrinho” e que o surrava. Fugiu logo que pôde compreender que a fuga o libertaria. Sofreu fome, um dia levaram-no preso. Ele quer um carinho, u’a mão que passe sobre os seus olhos e faça com que ele possa se esquecer daquela noite na cadeia, quando os soldados bêbados o fizeram correr com sua perna coxa em volta de uma saleta. Em cada canto estava um com uma borracha comprida. As marcas que ficaram nas suas costas desapareceram. Mas de dentro dele nunca desapareceu a dor daquela hora. Corria na saleta como
141VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias um animal perseguido por outros mais fortes. A perna coxa se recusava a ajudá-lo. E a borracha zunia nas suas costas quando o cansaço o fazia parar. A princípio chorou muito, depois, não sabe como, as lágrimas secaram. Certa hora não resistiu mais, abateu-se no chão. Sangrava. Ainda hoje ouve como os soldados riam e como riu aquele homem de colete cinzento que fumava um charuto. Jorge Amado. Capitães da areia. 4. (Unifesp) Considere as afirmações seguintes. I. O fragmento do romance, ambientado na cidade de Salvador das primeiras décadas do século passado, aborda a vida de uma criança em situação de absoluta exclusão social e violência, o que destoa do projeto literário e ideológico dos escritores brasileiros que compõem a “Geração de 30”. II. Valendo-se das conquistas do Modernismo, o romance apresenta linguagem fluente e acessível ao grande público, utilizando-se de um português coloquial, simples, próximo a um modo natural de falar, com o largo emprego da frase curta e econômica. III. Sem-Pernas é uma personagem que, embora encarne um tipo social claramente delimitado, o do menino “pobre, abandonado, aleijado e discriminado”, adquire alguma profundidade psicológica, à medida que seu passado e suas experiências dolorosas vêm à tona. Conforme o texto, está correto o que se afirma apenas em: a) I. b) II. c) III. d) I e II. e) II e III. 5. (Unifesp) O emprego da figura de linguagem conhecida como “prosopopeia” (ou “personificação”) põe mais em evidência a principal razão pela qual Sem-Pernas é estigmatizado. O trecho que contém essa figura é: a) A perna coxa se recusava a ajudá–lo. b) Em cada canto estava um com uma borracha comprida. c) (...) depois, não sabe como, as lágrimas secaram. d) E a borracha zunia nas suas costas (...) e) Mas de dentro dele nunca desapareceu a dor daquela hora. TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES. As questões a seguir tomam por base uma passagem do romance regionalista Vidas secas, de Graciliano Ramos (1892–1953). Contas Fabiano recebia na partilha a quarta parte dos bezerros e a terça dos cabritos. Mas como não tinha roça e apenas se limitava a semear na vazante uns punhados de feijão e milho, comia da feira, desfazia-se dos animais, não chegava a ferrar um bezerro ou assinar a orelha de um cabrito. Se pudesse economizar durante alguns meses, levantaria a cabeça. Forjara planos. Tolice, quem é do chão não se trepa. Consumidos os legumes, roídas as espigas de milho, recorria à gaveta do amo, cedia por preço baixo o produto das sortes. Resmungava, rezingava, numa aflição, tentando espichar os recursos minguados, engasgava-se, engolia em seco. Transigindo com outro, não seria roubado tão descaradamente. Mas receava ser expulso da fazenda. E rendia-se. Aceitava o cobre e ouvia conselhos. Era bom pensar no futuro, criar juízo. Ficava de boca aberta, vermelho, o pescoço inchando. De repende estourava: – Conversa. Dinheiro anda num cavalo e ninguém pode viver sem comer. Quem é do chão não se trepa. Pouco a pouco o ferro do proprietário queimava os bichos de Fabiano. E quando não tinha mais nada para vender, o sertanejo endividava-se. Ao chegar a partilha, estava encalacrado, e na hora das contas davam-lhe uma ninharia. Ora, daquela vez, como das outras, Fabiano ajustou o gado, arrependeu-se, enfim deixou a transação meio apalavrada e foi consultar a mulher. Sinhá Vitória mandou os meninos para o barreiro, sentou-se na cozinha, concentrou-se, distribuiu no chão sementes de várias espécies, realizou somas e diminuições. No dia seguinte Fabiano voltou à cidade, mas ao fechar o negócio notou que as operações de Sinhá Vitória, como de costume, diferiam das do patrão. Reclamou e obteve a explicação habitual: a diferença era proveniente de juros. Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se perfeitamente que era bruto, mas a mulher tinha miolo. Com certeza havia um erro no papel do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria! O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom que, o vaqueiro fosse procurar serviço noutra fazenda. Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou. Bem, bem. Não era preciso barulho não. Se havia dito palavra à toa, pedia desculpa. Era bruto, não fora ensinado. Atrevimento não tinha, conhecia o seu lugar. Um cabra. Ia lá puxar questão com gente rica? Bruto, sim senhor, mas sabia respeitar os homens. Devia ser ignorância da mulher, provavelmente devia ser ignorância da mulher. Até estranhara as contas dela. Enfim, como não sabia ler (um bruto, sim senhor), acreditara na sua velha. Mas pedia desculpa e jurava não cair noutra. Graciliano Ramos. Vidas secas. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1974. 6. (Unesp) Pouco a pouco o ferro do proprietário queimava os bichos de Fabiano. A forma verbal queimava, no período acima, apresenta o sentido de: a) ignorava. b) assava. c) destruía. d) marcava. e) prejudicava.
142VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 7. (Unesp) Quem é do chão não se trepa. Fabiano emprega duas vezes este provérbio para retratar com certo determinismo sua situação, que ele considera impossível de ser mudada. Há outros que poderiam ser utilizados para retratar essa atitude de desânimo ante algo que parece irreversível. Na relação de provérbios abaixo, aponte aquele que não poderia substituir o empregado por Fabiano, em virtude de não corresponder àquilo que a personagem queria significar. a) Quem nasce na lama morre na bicharia. b) Quem semeia ventos colhe tempestades. c) Quem nasceu pra tostão não chega a milhão. d) Quem nasceu pra ser tatu morre cavando. e) Os paus, uns nasceram para santos, outros para tamancos. 8. (Unesp) Identifique, entre os quatro exemplos extraídos do texto, aqueles que se apresentam em discurso indireto livre: I. Fabiano recebia na partilha a quarta parte dos bezerros e a terça dos cabritos. II. – Conversa. Dinheiro anda num cavalo e ninguém pode viver sem comer. III. Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria! IV. Não era preciso barulho não. a) I e II. b) II e III. c) III e IV. d) I, II e III. e) II, III e IV. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. Na planície avermelhada, os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala. (Graciliano Ramo, Vidas secas) 9. (Fuvest) Tendo em vista a relação, neste texto, entre o vocabulário e os efeitos de sentido, é INCORRETO afirmar que: a) o adjetivo “avermelhada” retrata o rigor do clima. b) “rio seco”, “galhos pelados”, “caatinga rala” caracterizam um espaço hostil aos viajantes. c) as palavras empregadas pelo narrador reproduzem as das personagens. d) os nomes dos viajantes substituem-se por um adjetivo substantivado – “os infelizes”. e) a expressão “o dia inteiro” equivale a “todo o dia”. E.O. Dissertativas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) 1. (Unicamp) Ocupavam-se em descobrir uma enorme quantidade de objetos. Comunicaram baixinho um ao outro as surpresas que os enchiam. Impossível imaginar tantas maravilhas juntas. O menino mais novo teve uma dúvida e apresentou-a timidamente ao irmão. Seria que aquilo tinha sido feito por gente? O menino mais velho hesitou, espiou as lojas, as toldas iluminadas, as moças bem-vestidas. Encolheu os ombros. Talvez aquilo tivesse sido feito por gente. Nova dificuldade chegou-lhe ao espírito, soprou-a no ouvido do irmão. Provavelmente aquelas coisas tinham nomes. O menino mais novo interrogou-o com os olhos. Sim, com certeza as preciosidades que se exibiam nos altares da igreja e nas prateleiras das lojas tinham nomes. Puseram-se a discutir a questão intricada. Como podiam os homens guardar tantas palavras? Era impossível, ninguém conservaria tão grande soma de conhecimentos. Livres dos nomes, as coisas ficavam distantes, misteriosas. Não tinham sido feitas por gente. E os indivíduos que mexiam nelas cometiam imprudência. Vistas de longe, eram bonitas. Admirados e medrosos, falavam baixo para não desencadear as forças estranhas que elas porventura encerrassem. Graciliano Ramos, Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 2012, p.82. Sinhá Vitória precisava falar. Se ficasse calada, seria como um pé de mandacaru, secando, morrendo. Queria enganar-se, gritar, dizer que era forte, e a quentura medonha, as árvores transformadas em garranchos, a imobilidade e o silêncio não valiam nada. Chegou-se a Fabiano, amparou-o e amparou-se, esqueceu os objetos próximos, os espinhos, as arribações, os urubus que farejavam carniça. Falou no passado, confundiu-se com o futuro. Não poderiam voltar a ser o que já tinham sido? Idem, p.120. a) O contraste entre as preciosidades dos altares da igreja e das prateleiras das lojas, no primeiro excerto, e as árvores transformadas em garranchos, no segundo, caracteriza o conflito que perpassa toda a narrativa de Vidas secas. Em que consiste este conflito? b) No primeiro excerto, encontra-se posta uma questão recorrente em Vidas secas: a relação entre linguagem e mundo. Explique em que consiste esta relação na passagem acima. 2. (Unicamp) Leia o seguinte trecho do romance Capitães da Areia, de Jorge Amado: "Agora [Pedro Bala] comanda uma brigada de choque formada pelos Capitães da Areia. O destino deles mudou, tudo agora é diverso. Intervêm em comícios, em greves, em lutas obreiras. O destino deles é outro. A luta mudou seus destinos." Jorge Amado, Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 268. a) Explique a mudança pela qual os Capitães da Areia passaram, e o que a tornou possível. b) Que relação se pode estabelecer entre esse desfecho e a tendência política do romance de Jorge Amado?
143VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 3. (Unicamp) Os trechos a seguir foram extraídos de Memórias de um sargento de milícias e Vidas secas, respectivamente. O som daquela voz que dissera “abra a porta” lançara entre eles, como dissemos, o espanto e o medo. E não foi sem razão; era ela o anúncio de um grande aperto, de que por certo não poderiam escapar. Nesse tempo ainda não estava organizada a polícia da cidade, ou antes estava-o de um modo em harmonia com as tendências e ideias da época. O major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo o que dizia respeito a esse ramo de administração; era o juiz que julgava e distribuía a pena, e ao mesmo tempo o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua imensa alçada não haviam testemunhas, nem provas, nem razões, nem processo; ele resumia tudo em si; a sua justiça era infalível; não havia apelação das sentenças que dava, fazia o que queria, ninguém lhe tomava contas. Exercia enfim uma espécie de inquirição policial. Entretanto, façamos- -lhe justiça, dados os descontos necessários às ideias do tempo, em verdade não abusava ele muito de seu poder, e o empregava em certos casos muito bem empregado. Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um sargento de milícias. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978, p. 21. Nesse ponto um soldado amarelo aproximou-se e bateu familiarmente no ombro de Fabiano: – Como é, camarada? Vamos jogar um trinta-e-um lá dentro? Fabiano atentou na farda com respeito e gaguejou, procurando as palavras de seu Tomás da bolandeira: – Isto é. Vamos e não vamos. Quer dizer. Enfim, contanto, etc. É conforme. Levantou-se e caminhou atrás do amarelo, que era autoridade e mandava. Fabiano sempre havia obedecido. Tinha muque e substância, mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia. Graciliano Ramos, Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 28. a) Que semelhanças e diferenças podem ser apontadas entre o Major Vidigal, de Memórias de um sargento de milícias, e o soldado amarelo, de Vidas secas? b) Como essas semelhanças e diferenças se relacionam com as características de cada uma das obras? 4. (Fuvest) Leia o seguinte excerto de Capitães da areia, de Jorge Amado, e responda ao que se pede. O sertão comove os olhos de Volta Seca. O trem não corre, este vai devagar, cortando as terras do sertão. Aqui tudo é lírico, pobre e belo. Só a miséria dos homens é terrível. Mas estes homens são tão fortes que conseguem criar beleza dentro desta miséria. Que não farão quando Lampião libertar toda a caatinga, implantar a justiça e a liberdade? Compare a visão do sertão que aparece no excerto de Capitães da areia com a que está presente no livro Vidas secas, de Graciliano Ramos, considerando os seguintes aspectos: a) a terra (o meio físico); b) o homem (o sertanejo). Responda, conforme solicitado, considerando cada um desses aspectos nas duas obras citadas. 5. (Unifesp) Fazia um mês que eu chegara ao colégio. Um mês de um duro aprendizado que me custara suores frios. Tinha também ganho o meu apelido: chamavam- -me de Doidinho. O meu nervoso, a minha impaciência mórbida de não parar em um lugar, de fazer tudo às carreiras, os meus recolhimentos, os meus choros inexplicáveis, me batizaram assim pela segunda vez. Só me chamavam de Doidinho. E a verdade é que eu não repelia o apelido. Todos tinham o seu. Havia o Coruja, o Pão-Duro, o Papa-Figo. Este era o pobre do Aurélio, um amarelo inchado não sei de que doença, que dormia junto de mim. Vinha um parente levá-lo e trazê-lo todos os anos. Em S. João não ia para casa, e só voltava no fim do ano porque não havia outro jeito. A família tinha vergonha dele em casa. Nunca vi uma pessoa tão feia, com aquele corpanzil bambo de papangu. Apanhava dos outros somente com o grito: – Vou dizer a Seu Maciel! – Mas não ia, coitado. Nem esta coragem de enredo, ele tinha. Dormia com um ronco de gente morrendo e a boca aberta, babando. Às vezes, quando eu acordava de noite, ficava com medo do pobre do Aurélio. Ouvia falar que era de amarelos assim que saíam os lobisomens. Certas ocasiões não podia se levantar, e dias inteiros ficava na cama, com um lenço amarrado na cabeça. E o seu Maciel não respeitava nem esta enfermidade ambulante: dava no pobre também. José Lins do Rego. Doidinho. a) Doidinho, cuja primeira edição é de 1933, é obra inserida no “Regionalismo de 30”. Transcreva um fragmento do texto que apresente algum aspecto ligado a essa tendência, justificando sua escolha. b) Levante três características da personagem Papa–Figo e, além disso, transcreva um trecho do texto em que fique patente que ela era vítima de intolerância no colégio. 6. (Unicamp) Leia os seguintes trechos de O cortiço e Vidas secas: O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. (...). Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulhavam os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra. Aluísio Azevedo, O cortiço. Ficção completa. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 2005, p. 462. Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos – e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera. (...) – Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta. Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando
144VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra. Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando: – Você é um bicho, Fabiano. Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades. Chegara naquela situação medonha – e ali estava, forte, até gordo, fumando seu cigarro de palha. – Um bicho, Fabiano. (...) Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o tiraria dali. Aparecera como um bicho, entocara-se como um bicho, mas criara raízes, estava plantado. Graciliano Ramos, Vidas secas. Rio de Janeiro: Editora Record, 2007, p.18–19. a) Ambos os trechos são narrados em terceira pessoa. Apesar disso, há uma diferença de pontos de vista na aproximação das personagens com o mundo animal e vegetal. Que diferença é essa? b) Explique como essa diferença se associa à visão de mundo expressa em cada romance. 7. (Unicamp) Leia a passagem seguinte, de Capitães da areia: Pedro Bala olhou mais uma vez os homens que nas docas carregavam fardos para o navio holandês. Nas largas costas negras e mestiças brilhavam gotas de suor. Os pescoços musculosos iam curvados sob os fardos. E os guindastes rodavam ruidosamente. Um dia iria fazer uma greve como seu pai... Lutar pelo direito... Um dia um homem assim como João de Adão poderia contar a outros meninos na porta das docas a sua história, como contavam a de seu pai. Seus olhos tinham um intenso brilho na noite recém-chegada. Jorge Amado, Capitães da areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 88. a) Que consequências a descoberta de sua verdadeira origem tem para a personagem de Pedro Bala? b) Em que medida o trecho acima pode definir o contexto literário em que foi escrito o romance de Jorge Amado? 8. (Unicamp) Leia o trecho a seguir, do capítulo “As luzes do carrossel”, de Capitães da Areia: O sertanejo trepou no carrossel, deu corda na pianola e começou a música de uma valsa antiga. O rosto sombrio de Volta Seca se abria num sorriso. Espiava a pianola, espiava os meninos envoltos em alegria. Escutavam religiosamente aquela música que saía do bojo do carrossel na magia da noite da cidade da Bahia só para os ouvidos aventureiros e pobres dos Capitães da Areia. Todos estavam silenciosos. Um operário que vinha pela rua, vendo a aglomeração de meninos na praça, veio para o lado deles. E ficou também parado, escutando a velha música. Então a luz da lua se estendeu sobre todos, as estrelas brilharam ainda mais no céu, o mar ficou de todo manso (talvez que Iemanjá tivesse vindo também ouvir a música) e a cidade era como que um grande carrossel onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia. Nesse momento de música eles sentiram-se donos da cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram irmãos porque eram todos eles sem carinho e sem conforto e agora tinham o carinho e conforto da música. Volta Seca não pensava com certeza em Lampião nesse momento. Pedro Bala não pensava em ser um dia o chefe de todos os malandros da cidade. O Sem-Pernas em se jogar no mar, onde os sonhos são todos belos. Porque a música saía do bojo do velho carrossel só para eles e para o operário que parara. E era uma valsa velha e triste, já esquecida por todos os homens da cidade. Jorge Amado, Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 68. a) De que modo esse capítulo estabelece um contraste com os demais do romance? Quais são os elementos desse contraste? b) Qual a relação de tal contraste com o tema do livro? 9. (Fuvest) O pequeno sentou-se, acomodou nas pernas a cabeça da cachorra, pôs-se a contar-lhe baixinho uma história. Tinha um vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca. Valia-se, pois, de exclamações e de gestos, e Baleia respondia com o rabo, com a língua, com movimentos fáceis de entender. Graciliano Ramos, Vidas secas. Considere as seguintes afirmações sobre este trecho de Vidas secas, entendido no contexto da obra, e responda ao que se pede. a) No trecho, torna–se claro que a escassez vocabular do menino contribui de modo decisivo para ampliar as diferenças que distinguem homens de animais. Você concorda com essa afirmação? Justifique, com base no trecho, sua resposta. b) Nesse trecho, como em outros do mesmo livro, é por exprimir suas emoções e sentimentos pessoais a respeito da pobreza sertaneja que o narrador obtém o efeito de contagiar o leitor, fazendo com que ele também se emocione. Você concorda com a afirmação? Justifique sua resposta. 10. (Unicamp) O excerto a seguir, de Vidas Secas, trata da personagem Sinhá Vitória: Calçada naquilo, trôpega, mexia-se como um papagaio, era ridícula. Sinha Vitória ofendera-se gravemente com a comparação, e se não fosse o respeito que Fabiano lhe inspirava, teria despropositado. Efetivamente os sapatos apertavam-lhe os dedos, faziam–lhe calos. Equilibrava-se mal, tropeçava, manquejava, trepada nos saltos de meio palmo. Devia ser ridícula, mas a opinião de Fabiano entristecera-a muito. Desfeitas essas nuvens, curtidos os dissabores, a cama de novo lhe aparecera no horizonte acanhado. Agora pensava nela de mau humor. Julgava-a inatingível e misturava-a às obrigações da casa. (...) Um mormaço levan-
145VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias tava se da terra queimada. Estremeceu lembrando-se da seca (...). Diligenciou afastar a recordação, temendo que ela virasse realidade. (...) Agachou-se, atiçou o fogo, apanhou uma brasa com a colher, acendeu o cachimbo, pôs-se a chupar o canudo de taquari cheio de sarro. Jogou longe uma cusparada, que passou por cima da janela e foi cair no terreiro. Preparou-se para cuspir novamente. Por uma extravagante associação, relacionou esse ato com a lembrança da cama. Se o cuspo alcançasse o terreiro, a cama seria comprada antes do fim do ano. Encheu a boca de saliva, inclinou-se – e não conseguiu o que esperava. Fez várias tentativas, inutilmente. (...) Olhou de novo os pés espalmados. Efetivamente não se acostumava a calçar sapatos, mas o remoque de Fabiano molestara-a. Pés de papagaio. Isso mesmo, sem dúvida, matuto anda assim. Para que fazer vergonha à gente? Arreliava–se com a comparação. Pobre do papagaio. Viajara com ela, na gaiola que balançava em cima do baú de folha. Gaguejava: – “Meu louro.” Era o que sabia dizer. Fora isso, aboiava arremedando Fabiano e latia como Baleia. Coitado. Sinhá Vitória nem queria lembrar–se daquilo. Graciliano Ramos, Vidas secas. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2007, p.41–43. a) Por que a comparação feita por Fabiano incomoda tanto sinhá Vitória? Que lembrança evoca? b) Tendo em vista a condição e a trajetória de Sinhá Vitória, justifique a ironia contida no nome da personagem. Que outra personagem referida no excerto acima também revela uma ironia no nome? Gabarito E.O. Aprendizagem 1. E 2. A 3. E 4. D 5. D 6. E E.O. Fixação 1. D 2. E 3. A 4. D 5. B 6. D 7. A E.O. Enem 1. E 2. E 3. A E.O. UERJ Exame de Qualificação 1. A 2. D 3. A 4. B 5. B 6. C 7. B 8. D 9. C E.O. UERJ Exame Discursivo 1. Doidinho, apelido escolar do menino Carlos Melo, relembra as sensações que experimentou durante a viagem de regresso ao engenho do avô. A fuga do colégio suscitava-lhe o medo de ser descoberto e insegurança relativamente à reação dos moradores do engenho. E.O. Objetivas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) 1. A 2. C 3. E 4. E 5. A 6. D 7. B 8. C 9. C E.O. Dissertativas (Unesp, Fuvest, Unicamp e Unifesp) 1. a) Os trechos do enunciado apresentam, entre outros, o caleidoscópio de sentimentos e emoções da família de Fabiano enquanto observam as festividades de Natal na cidade. No primeiro excerto, os meninos maravilham-se com tantas luzes e gente e assustam-se com o ambiente da igreja e das lojas que desconheciam. No segundo, Sinhá Vitória está aflita com a situação de Fabiano que se tinha embriagado e ficara deitado no chão, dormindo pesadamente. Em ambos os excertos, está presente o conflito de quem vive em absoluta situação de precariedade e rudeza e estranha o mundo dos mais afortunados que têm acesso ao “luxo” e à abastança. b) O mundo retratado na obra “Vidas secas” é revelador do sofrimento dos que vivem em condições sub-humanas no sertão nordestino, submetidos aos rigores do clima e ao isolamento social, o que lhes embota o raciocínio e provoca o ressecamento do ser. Assim, num espaço em que impera o silêncio apenas entrecortado pelos gritos dos animais, os personagens adquirem as mesmas características, tornando-se cada vez mais “bichos” e menos “gente”. No excerto 2, Sinhá Vitória procura demarcar–se do meio que a cerca (“Se ficasse calada, seria como um pé de mandacaru, secando, morrendo”), mas a pobreza e a falta de instrução fazem com que a distância que a separa das outras pessoas aumente cada dia mais. Assim, mais do que a seca e a miséria, a linguagem é que se configura como essência do que nos faz humanos: a capacidade de comunicação. 2. a) A mudança tratada é uma modificação pela qual os Capitães da areia passam: de um grupo de marginais, eles passam a ser uma grupo que apoia greves e manifestações populares. Tal alteração é produto da conscientização pela qual o grupo passara, ao ser liderado por Pedro Bala e com intensas conexões com o Partido Comunista. b) Em “Capitães da areia”, Jorge Amado trata de assunto real e desenvolve temas diversos, como a vida dos excluídos e suas lutas, o papel da Igreja, das autoridades
146VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias e da imprensa. Jorge Amado era membro do Partido Comunista, por isso constrói uma obra de denúncia, com um discurso ideológico que reflete as suas convicções políticas: transformação social decorrente da conscientização e da luta organizada contra as injustiças. 3. a) Tanto o Major Vidigal quanto o soldado amarelo representavam a autoridade num círculo social carente de recursos jurídicos que limitassem o seu poder, por isso impunham a ordem de forma arbitrária, segundo os seus próprios juízes de valor. No entanto, o Major Vidigal fazia-o de forma mais moderada e, algumas vezes, justa, enquanto o soldado amarelo infringia o código de boa conduta e abusava do poder para humilhar as pessoas. b) “Memórias de um sargento de milícias” é uma obra descompromissada com crítica social ou denúncia da realidade da época. Trata-se de uma crônica de costumes em que os personagens de classe média baixa tentam driblar as dificuldades do cotidiano com atitudes nem sempre muito éticas ou regidas por princípios morais. Já “Vidas secas” pertence ao neorrealismo da literatura brasileira, uma obra que pretende denunciar a realidade miserável do nordestino brasileiro, oprimido pelo meio inóspito em que vive e pelo sistema político a que está submetido. Assim, o Major Vidigal, terror de todos os malandros e baderneiros da época, age movido pela necessidade de impor a ordem, embora nem sempre os seus atos sejam modelo de boa conduta moral. O soldado amarelo, símbolo de repressão e do autoritarismo pelo qual é comandado (ditadura Vargas), é oportunista e medroso, pois não é forte quando se sabe sozinho, em lugar que não domina ou longe da proteção da ditadura, como quando, perdido no meio da caatinga, se acovarda diante do gesto ameaçador de Fabiano. 4. a) Em ambas as obras, o cenário é de desolação, inóspito e incitador à violência, pois o trabalho nas terras calcinadas pelo calor desumaniza as pessoas que ali têm de lutar pela sua sobrevivência, igualando–as aos animais. No entanto, não se percebe nas descrições de “Vidas secas” instantes de encantamento e beleza que o personagem Volta Seca exprime em “Capitães da areia” ao declarar que ali “tudo é lírico, pobre e belo”, nem do devaneio de que a ação do homem poderia “criar beleza” naquela miséria. b) Em “Capitães de areia”, as crianças abandonadas na orla da praia lutam pela sobrevivência em ambiente urbano, sujeitas à crueldade de um sistema opressor que as marginaliza e impele ao banditismo. Volta Seca remete às suas origens de cangaço e sonha com o retorno a uma ação de luta por justiça e liberdade. Em “Vidas secas”, o sertanejo tem a sua consciência de embotada pela sede, não só de água, mas também de conhecimento e de justiça, numa visão de mundo fragmentada que o obriga a uma constante capitulação perante o poder constituído, incapaz de uma ação violenta. 5. a) O regionalismo de 30 analisa a relação do homem comum com a realidade opressora em que a figura do “herói problemático” luta para vencer a hostilidade do meio ou se recolhe ao próprio mundo interior, para sujeitar–se ao mundo que lhe dificulta a existência. Em “Doidinho”, descreve–se o cotidiano dos alunos do colégio, sujeitos a humilhações e ao abandono da própria família, como acontecia com Aurélio. No terceiro parágrafo do texto, o leitor é permeável ao sentimento de piedade e medo que este personagem incute no narrador, principalmente nos trechos “Apanhava dos outros somente com o grito: – Vou dizer a Seu Maciel! – Mas não ia, coitado” e “Às vezes, quando eu acordava de noite, ficava com medo do pobre do Aurélio. Ouvia falar que era de amarelos assim que saíam os lobisomens”. b) Papa-Figo era a alcunha de Aurélio, um rapaz doente (“um amarelo inchado não sei de que doença”), feio (“Nunca vi uma pessoa tão feia”) e covarde (“Nem esta coragem de enredo, ele tinha”). Além de ser vítima de descriminação da própria família (“A família tinha vergonha dele em casa”) sofria violência física por parte de colegas e do próprio diretor do colégio (“Apanhava dos outros”, “E o seu Maciel não respeitava nem esta enfermidade ambulante: dava no pobre também”). 6. a) Aluísio Azevedo, expoente da vertente naturalista do Realismo brasileiro no final século XIX, usa termos científicos para apresentar os personagens de “O Cortiço” sob uma visão determinista, realçando com objetividade a influência do meio no comportamento do homem (“fermentação sanguínea”, ”na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir”). Graciliano Ramos, inserido no Neorrealismo do 2º Tempo do Modernismo brasileiro, usa recursos como o discurso indireto-livre para retratar o mundo psicológico de Fabiano, o que resulta numa aproximação com o personagem por revelar as suas inquietudes e conflitos. b) Na obra de Graciliano Ramos existe intenção de denúncia ao abordar uma família de retirantes, a sua vida subumana diante de problemas sociais como a seca, a pobreza, e a exploração dos trabalhadores no latifúndio do sertão brasileiro. Enquanto que em “O Cortiço” os personagens se revelam através de um comportamento semelhante ao do animal nas suas atitudes primárias e instintivas, descritas em linguagem objetiva e distante, em “Vidas Secas”, o autor demonstra consciência social ao responsabilizar as condições adversas que se abatem sobre eles, enfatizando, através da transcrição de monólogos, o aspecto da precariedade da comunicação verbal que os isola do mundo ao redor. 7. a) Ao descobrir que o seu pai tinha sido assassinado numa manifestação em defesa dos direitos dos estivadores e que sempre se referiam a ele com admiração e respeito, Pedro Bala começa a adquirir consciência ideológica e manifesta o desejo de seguir as pisadas do pai, ou seja, tornar–se um líder revolucionário que lutaria contra as injustiças sociais. b) “Capitães da Areia” foi publicado em 1937, momento em que o Brasil vivia a ditadura Vargas que reprimia ideias comunistas a que eram associadas as lutas reivindicatórias de diversas classes sociais.
147VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias 8. a) O contraste deste capítulo com os restantes do romance estabelece-se, sobretudo, na descrição das sensações vivenciadas pelos meninos, o que os remete ao clima de uma infância perdida: enlevo e alegria ao andar no carrossel, encanto com a música, proteção emocional ao saberem-se todos irmãos. Essas sensações contrastam com as preocupações pela sobrevivência do cotidiano, com a existência cruel das situações precárias e de alto risco que enfrentavam diariamente. Este capítulo remete as crianças a esse espaço que lhes foi roubado pelas circunstâncias adversas do meio em que nasceram (“O rosto sombrio de Volta Seca se abria num sorriso”, “ escutavam religiosamente aquela música”, “se sentiram irmãos”). b) O romance tematiza a infância abandonada, a marginalização a que é submetida, o descaso e o preconceito que se abatem sobre ela. O contraste evidenciado no capítulo “As luzes do carrossel” põe em evidência as injustas condições a que é submetida a criança, que, mesmo delinquente, não deixa de ser criança, grupo de seres frágeis e carentes, meninos abandonados à sua própria sorte com aspirações e sensações típicas de um universo infantil. Trata-se de uma obra de denúncia social e, como tal, evidencia a tese determinista de que o meio influencia o comportamento e contribui para o destino trágico dessas crianças. 9. a) A afirmação de que o vocabulário do menino o distinguia dos animais é improcedente, pois, conforme o texto, era escasso e a comunicação muito semelhante (“Tinha um vocabulário quase tão minguado como o do papagaio”). Em Vidas Secas, o narrador designa os personagens de “viventes”, homens e animas em luta pela sobrevivência numa terra árida que os iguala, por isso a linguagem quase não os diferencia. No trecho, assiste-se ao processo zoomórfico do menino que assim se assemelha ao papagaio com seu vocabulário reduzido, gesticulando e pronunciando exclamações, para substituir as frases que não conseguia enunciar. Numa inversão de papéis, Baleia é dotada de capacidade de entendimento, num procedimento antropomórfico que permite o diálogo de um animal com um ser humano. b) Não, a linguagem é objetiva, clara e sintética, adequada ao ambiente árido em que se desenvolve a narrativa que reflete a realidade cruel dos retirantes nordestinos. O narrador apresenta os fatos de forma concisa, descreve os cenários sem grandes detalhes, apenas os essenciais para ambientar o personagem e permitir ao leitor a percepção do conflito do homem que, naquelas condições, tem uma visão fragmentada do mundo e não se entende a si mesmo. A capacidade do narrador em expressar o problema da comunicação e a solidão advém sobretudo do uso do discurso indireto-livre para transcrever pensamentos dos personagens, reveladores de emoções e sentimentos comuns a todo o ser humano e com os quais o leitor se solidariza. 10. a) Sinhá Vitória sente-se incomodada com a comparação feita por Fabiano, por este ridicularizar o seu jeito desengonçado de caminhar quando usava sapatos. O fato de ser comparada a um papagaio fere a sua vaidade feminina, mas incomoda–a também a lembrança do sacrifício do animal, a situação extrema a que se tinha obrigada para aliviar a fome da família. b) É irônico o fato de alguém tão sofredor e miserável ter o nome de Vitória. Como Baleia, cachorra magra que vive no sertão, o nome da personagem apresenta características contrárias à realidade em que vivem.
148VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias E.O. Aprendizagem TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. 7 Domingo ela 4 acordava mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada. O pior momento de sua vida era 5 nesse dia ao fim da tarde: caía em 2 meditação inquieta, o vazio do seco domingo. Suspirava. 3 Tinha saudade de quando era pequena – farofa seca – e pensava que fora feliz. Na verdade por pior a infância é sempre encantada, 6 que susto. Nunca se queixava de nada, sabia que as coisas são assim mesmo e – quem organizou a terra dos homens? [...] 1 Juro que não posso fazer nada por ela. Afianço-8 vos que se eu pudesse melhoraria as coisas. Eu bem sei que dizer que a datilógrafa tem o corpo cariado é um dizer de brutalidade pior que qualquer palavrão. Clarice Lispector, A hora da estrela 1. Nas alternativas abaixo, transcrevem-se adaptações de comentários críticos colhidos em bibliografia especializada. Todos se referem à produção de Clarice Lispector, EXCETO: a) A linguagem contém como que uma armadilha: a sua simplicidade enganosa. Nem pela escolha dos vocábulos, nem por sua construção frásica parece ultrapassar um tom de coloquialismo e de narração sem surpresas. b) É essa existência absurda, ameaçadora e estranha, revelando-se nos indivíduos e a despeito deles, o único fundo permanente de encontro ao qual as personagens se destacam e de onde tiram a densidade humana que as caracteriza. c) Em sua ficção, o cotidiano é, a partir de certo momento, completamente desagregado. d) Numa obra literária, para que o jogo da linguagem tenha a propriedade reveladora, é necessário que a linguagem, além de ser instrumento da ficção, seja também, de certo modo, o seu objeto, como de fato ocorre nos textos da autora. e) O mito poético foi a solução romanesca adotada pela autora. Uma obra de tão aguda modernidade que, paradoxalmente, se nutre de velhas tradições, as mesmas que davam à gesta dos cavaleiros feudais a aura do convívio com o sagrado e o demoníaco. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. Paisagem do Capibaribe (I) Aquele rio era como um cão sem plumas. Não sabia da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, da água de copo de água, da água de cântaro, dos peixes de água, da brisa na água. Paisagem do Capibaribe (II) Entre a paisagem (fluía) de homens plantados na lama; de casas de lama plantadas em ilhas coaguladas na lama; paisagem de anfíbios de lama e lama MELO NETO, João Cabral de. “O cão sem plumas”. Barcelona: O Livro Inconsútil, 1950. 2. Da leitura deste poema, podemos destacar: I. a imagem regionalista de denúncia da miséria nordestina. II. a arquitetura do poema. III. uma poesia engajada na temática social. IV. o cão é o rio que carrega os detritos de sobrados e mocambos. Desses destaques conclui-se que: a) são corretos os itens I, III e IV. b) os itens II e III são incorretos. c) somente o item IV é incorreto. d) somente o item II é correto. e) todos os itens são corretos. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO. As questões adiante referem–se ao trecho de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, reproduzido a seguir. Nessa obra, a personagem Diadorim é uma mulher que se faz de homem para entrar no bando de Riobaldo – narrador da história – e vingar a morte de seu pai. Riobaldo só descobre isso depois da morte de Diadorim. Mas Diadorim, conforme diante de mim estava parado, reluzia no rosto, com uma beleza ainda maior, fora de todo comum. Os olhos – vislumbre meu – que cresciam sem beira, dum verde dos outros verdes, como o de nenhum pasto. (...) De que jeito eu podia amar um homem, meu de natureza igual, macho em suas roupas e suas armas, espalhado rústico em suas ações?! Me franzi. Ele tinha a culpa? Eu tinha a culpa? 3. As considerações do narrador mostram-no confuso pelo fato de: a) estar apaixonado sem ser correspondido. b) não conseguir esconder o seu amor por Diadorim. c) perceber que nutria por Diadorim um amor homossexual. MODERNISMO NO BRASIL: 3ª FASE COMPETÊNCIA(s) 4, 5 e 6 HABILIDADE(s) 12, 15, 16 e 17 LC AULAS 41 E 42
149VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias d) sentir crescer o amor de Diadorim por ele. e) ser ignorado por Diadorim, que não sabe de seu amor. E.O.Fixação 1. (UNEB) [...] Vinham vindo, com o trazer de comitiva. Aí, paravam. A filha – a moça – tinha pegado a cantar, levantando os braços, a cantiga não vigorava certa, nem no tom nem no se – dizer das palavras – o nenhum. A moça punha os olhos no alto, que nem os santos e os espantados, vinha enfeitada de disparates, num aspecto de admiração. Assim com panos e papéis, de diversas cores, uma carapuça em cima dos espantados cabelos, e enfunada em tantas roupas ainda de mais misturas, tiras e faixas, dependuradas – virundangas: matéria de maluco. A velha só estava de preto, com um fichu preto, ela batia com a cabeça, nos docementes. Sem tanto que diferentes, elas se assemelhavam. Soroco estava dando o braço a elas, uma de cada lado. Em mentira, parecia entrada em igreja, num casório. Era uma tristeza. Parecia enterro. Todos ficavam de parte, a chusma de gente não querendo afirmar as vistas, por causa daqueles trasmodos e despropósitos, de fazer risos, e por conta de Soroco – para não parecer pouco caso. Ele hoje estava calçado de botinas, e de paletó, com chapéu grande, botara sua roupa melhor, os maltrapos. E estava reportado e atalhado, humildoso. Todos diziam a ele seus respeitos, de dó. Ele espondia: – “Deus vos pague essa despesa...” O que os outros diziam: que Soroco tinha tido muita paciência. Sendo que não ia sentir falta dessas transtornadas pobrezinhas, era até um alívio. [...] Tomara aquilo acabasse. O trem chegando, a máquina manobrando sozinha para vir pegar o carro. O trem apitou, e passou, se foi, o de sempre. [...] Ele se sacudiu, de um jeito arrebentado, desacontecido, e virou, pra ir–s’ embora. Estava voltando para casa, como se estivesse indo para longe, fora de conta. Mas parou. Em tanto que se esquisitou, parecia que ia perder o de si, parar de ser. Assim num excesso de espírito, fora de sentido. E foi o que não se podia prevenir: quem ia fazer siso naquilo? Num rompido — ele começou a cantar, alterando, forte, mas sozinho para si – e era a cantiga, mesma de desatino, que as duas tanto tinham cantado. Cantava continuando. ROSA, João Guimarães. “Soroco sua mãe, sua filha”. Primeiras estórias. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olyimpio, s.d. p. 16–18. Guimarães Rosa, escritor inserido na chamada Geração de 45 — Modernismo Brasileiro —, apresenta uma obra de cunho universalista. O texto comprova isso porque: a) se trata de uma prosa poética. b) revela o pitoresco de uma cidade interiorana. c) é escrito numa linguagem rica em neologismos. d) enfoca um tema de caráter intimista e ligado à condição humana. e) evidencia um problema de ordem social que atinge os mais pobres. 2. (UPF) Só se espiaram realmente quando as malas foram dispostas no trem, depois de trocados os beijos: a cabeça da mãe apareceu na janela. Catarina viu então que sua mãe estava envelhecida e tinha os olhos brilhantes. O trem não partia e ambas esperavam sem ter o que dizer. A mãe tirou o espelho da bolsa e examinou-se no seu chapéu novo, comprado no mesmo chapeleiro da filha. Olhava-se compondo um ar excessivamente severo onde não faltava alguma admiração por si mesma. A filha observava divertida. Ninguém mais pode te amar senão eu, pensou a mulher rindo pelos olhos; e o peso da responsabilidade deu-lhe à boca um gosto de sangue. Como se “mãe e filha” fosse vida e repugnância. Não, não se podia dizer que amava sua mãe. Sua mãe lhe doía, era isso. A velha guardara o espelho na bolsa, e fitava-a sorrindo. O rosto usado e ainda bem esperto parecia esforçar-se por dar aos outros alguma impressão da qual o chapéu faria parte. A campainha da Estação tocou de súbito, houve um movimento geral de ansiedade, várias pessoas correram pensando que o trem já partia: mamãe! disse a mulher. Catarina! disse a velha. Ambas se olhavam espantadas, a mala na cabeça de um carregador interrompeu-lhes a visão e um rapaz correndo segurou de passagem o braço de Catarina, deslocando-lhe a gola do vestido. Quando puderam ver-se de novo, Catarina estava sob a iminência de lhe perguntar se não esquecera de nada... – ...Não esqueci de nada? perguntou a mãe. LISPECTOR, Clarice. Laços de família. No texto acima, a autora: a) emprega palavras comuns, por vezes combinadas de modo inesperado, para desvelar a mentira constituinte de uma relação familiar feita de frases e gestos convencionais. b) escolhe um vocabulário nobre e raro e uma sintaxe complexa e difícil para desvelar a mentira constituinte de uma relação familiar feita de frases e gestos cerimoniosos. c) escolhe um vocabulário nobre e raro e uma sintaxe complexa e difícil para ocultar a mentira constituinte de uma relação familiar feita de frases e gestos convencionais. d) representa a corrente caótica da consciência de uma das personagens, abstendo-se de descrever os comportamentos banais, exteriormente observáveis. e) representa, de modo cinematográfico, os comportamentos convencionais das personagens, abstendo-se de revelar o mal-estar interior que alguma delas possa viver. 3. (AMAN) Leia o trecho abaixo: “Não tenho uma palavra a dizer. Por que não me calo, então? Mas se eu não forçar a palavra a mudez me engolfará para sempre em ondas. A palavra e a forma serão a tábua onde boiarei sobre vagalhões de mudez.”
150VOLUME 5 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias O fragmento, extraído da obra de Clarice Lispector, apresenta: a) uma reflexão sobre o processo de criação literária. b) uma postura racional, antissentimental, triste e recorrente na literatura dessa fase. c) traços visíveis da sensibilidade, característica presente na 2ª fase modernista. d) a visão da autora, sempre preocupada com o valor da mulher na sociedade. e) exemplos de neologismo, característica comum na 3ª fase modernista. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: Leia o trecho abaixo, de “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto. “– Severino retirante, deixa agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia, se não vale mais saltar fora da ponte e da vida; (…) E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica,” 4. (AMAN) Em relação a esse fragmento, pode-se ainda afirmar que: a) trata da impotência do homem frente aos problemas do sertão e da cidade. b) Severino representa todos os homens que são latifundiários. c) reflete sobre as dificuldades que o homem encontra para trabalhar. d) trata da temática que descarta a morte como solução para os problemas. e) é um texto bem simples e poético sobre o significado do amor da época. TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES: A terceira margem do rio Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente – minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa. Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns 20 ou 30 anos. Nossa mãe jurou muito contra a ideia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta. Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: – “Cê vai, ocê fique, você nunca volte!” Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: – “Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?” Ele só retornou a olhar em mim e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo – a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa. Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos se reuniram, tomaram juntamente conselho. [...] A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos. O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele aguentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos – sem fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem capim. [...] Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio – pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice – esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranquilidade. Sou o