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Marxismo e realidade contemporânea

A presente edição nº 35 da Revista da Faculdade de Serviço Social da UERJ – Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea – convida o leitor à reflexão e ao aprofundamento do tema Marxismo e Realidade Contemporânea.

Constituindo-se como uma unidade de diversidades, esta tradição intelectual agrega correntes diferenciadas e um vivo debate interno. Sua unidade é soldada pela crítica do capitalismo: seu modus operandi, seu desenvolvimento e transformações históricas, em que os conflitos dos interesses de classes adensam a política, se refratam no Estado enquanto centro do poder político e na organização dos trabalhadores. A fidelidade à História no seu vir a ser tem como contrapartida metodológica o privilégio da totalidade, das contradições e da negatividade na busca de libertação dos limites materiais impostos à praxis coletiva. Logo, o desafio de se pensar a relação Marxismo e realidade contemporânea é uma tarefa intrínseca dessa razão crítica fundada na práxis e em uma perspectiva de totalidade aberta ao devir histórico.

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Published by REVISTA EM PAUTA, 2015-09-15 19:08:52

REVISTA EM PAUTA Nº35

Marxismo e realidade contemporânea

A presente edição nº 35 da Revista da Faculdade de Serviço Social da UERJ – Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea – convida o leitor à reflexão e ao aprofundamento do tema Marxismo e Realidade Contemporânea.

Constituindo-se como uma unidade de diversidades, esta tradição intelectual agrega correntes diferenciadas e um vivo debate interno. Sua unidade é soldada pela crítica do capitalismo: seu modus operandi, seu desenvolvimento e transformações históricas, em que os conflitos dos interesses de classes adensam a política, se refratam no Estado enquanto centro do poder político e na organização dos trabalhadores. A fidelidade à História no seu vir a ser tem como contrapartida metodológica o privilégio da totalidade, das contradições e da negatividade na busca de libertação dos limites materiais impostos à praxis coletiva. Logo, o desafio de se pensar a relação Marxismo e realidade contemporânea é uma tarefa intrínseca dessa razão crítica fundada na práxis e em uma perspectiva de totalidade aberta ao devir histórico.

Keywords: Serviço Social,Trabajo Social,Social Work,Teoria social,Realidade contemporânea,Marxismo,UERJ,Em Pauta

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lismo real e voltado para a adesão dos trabalhadores. No período de estag-
nação, contudo, diminuindo a margem econômica de manobra do Estado
e das empresas, e com a queda do Muro de Berlim, em 1989, tem-se um
contexto de restrição das liberdades democráticas14. Este permite que se
perceba mais claramente o caráter estruturalmente conservador e antidemo-
crático do Estado burguês.

Segundo Mandel (1990), a recessão de 1974/1975 jogou por terra
as crenças de que as crises do capital estariam sempre sob controle por
meio do intervencionismo keynesiano. O sonho marshalliano15 da combi-
nação entre acumulação, equidade e democracia política parecia estar
chegando ao fim. Na verdade, para Mandel (1982), o avanço do processo
de internacionalização do capital, já nesse momento, era um limitador da
eficácia das medidas anticíclicas dos Estados nacionais.

O que ocorreu em 1974/1975, na verdade, foi uma crise clássica
de superprodução, se observadas as tendências de longo prazo fundadas
na lei do valor. O já presente agravamento do problema do desemprego (não
nas proporções atuais) pela introdução de técnicas capital-intensivas, a alta
dos preços de matérias-primas importantes, a queda do volume do comércio
mundial e, ainda, um poder de barganha razoável dos trabalhadores em-
pregados, advindo do então recente, mas já erodido, período de pleno
emprego; todos estes são elementos que estão na base da queda da demanda
global (de um ponto de vista keynesiano) e da erosão inexorável da taxa
média de lucros, de uma ótica marxista, no início dos anos 1970.

A inflação induzida já não era estimuladora da demanda global.
Ao contrário, desencadeou a busca de valores-refúgio pela via da especu-
lação. A expansão do crédito associada à inflação, por outro lado, acelerou
processos privados e públicos de endividamento. Diante das dificuldades
de conter a espiral da crise, a depender da opção política e social dos go-
vernos (MANDEL, 1990, p. 39), iniciou-se a implementação de programas
de austeridade de natureza deflacionista. Um elemento que ganhou visibi-
lidade nesta crise foi uma sutil perda de hegemonia econômica dos EUA, o
que não significou perda de influência militar e política. Foi decorrente de
um aumento da competitividade por parte do Japão e da Alemanha, como
economias centrais polarizadoras de regiões inteiras, compondo a tríade
de que nos fala Chesnais (1996).

O capitalismo administrou a crise do início dos anos 1970, que
marcou o ponto de inflexão (diga-se: a entrada em um período de estag-

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14 Refiro-me aqui ao sociólogo T. H. Marshall, que supunha uma espécie de fim da história de cariz socialdemocrata,
em sua teoria da cidadania. Sistematiza, então, a instituição dos direitos sociais, em combinação com os direitos po-
líticos e civis, como uma evolução dos últimos 250 anos, compatibilizando cidadania e desigualdade de classe (MAR-
SHALL, 1967).
15 Uma crítica à explicação da crise pelo “elemento externo” da oferta de petróleo, justificando a reconversão do apa-
rato produtivo e a aplicação do receituário neoliberal na sequência, encontra-se em Montes (1996, p. 66-68). Este au-
tor incorpora a ideia de que a crise do petróleo foi um elemento catalisador e as razões profundas da reversão do ciclo
estão na superacumulação.

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nação), por meio de limitadas estratégias de reanimação monetária ainda
de estilo keynesiano, apesar dos discursos em contrário. Assim, mais uma
vez, o Estado atuou como uma almofada amortecedora anticrise.

No entanto, para Mandel (1990), há uma dificuldade crescente
do capitalismo contemporâneo em escapar ao dilema entre recessão profun-
da ou inflação acentuada, tensão que hoje se recoloca no cenário da eco-
nomia-mundo. A retomada, então, foi frágil e hesitante ao longo do período
1976-1979, e já no contexto de inversão do ciclo: sem os índices de produ-
ção industrial de antes e sem absorver o desemprego gerado. Na verdade,
o desemprego passa, a partir daí, a ser crescente, numa dinâmica na qual
em cada recessão ele aumenta, sem ser revertido na retomada, considerando
pequenos ciclos dentro da onda longa depressiva. O fundamental é que os
momentos de retomada, para Mandel (1990), foram marcados por uma
depressão dos fatores de crescimento.

Em 1980/1982, tem-se uma nova crise, desencadeada nos EUA.
As saídas monetaristas apontavam para o prolongamento do quadro recessi-
vo; as alternativas, mesmo moderadas, de cariz keynesiano, depararam-se
com a crise fiscal do Estado e os riscos de inflação galopante. Ao lado dis-
so, os “mercados de substituição” estavam em situação de penúria e endivida-
mento.

Mandel (1990, p. 197) analisa os esforços do capital para uma
retomada das taxas de lucro nos anos 1980, que passaram por: eliminação,
absorção ou redução da atividade de empresas menos rentáveis; introdução
de técnicas de produção mais avançadas; redução da produção com deman-
da em estagnação e aumento daqueles produtos com maior procura; investi-
mentos de racionalização de custos com matérias-primas, energia, força
de trabalho e emprego de capital fixo; crescimento da velocidade de circu-
lação do capital; intensificação dos processos de trabalho, no sentido de
aumentar, de maneira mais durável, a taxa de mais-valia relativa; redis-
tribuição de antigos mercados, dentre outros. Houve, no período, uma
desvalorização maciça de capitais – com falências e aquisições, estas últimas
implicando em maior concentração do capital – em função do estreitamento
do crédito e do estrangulamento da inflação.

Para Mandel (1990), a crise tem a função objetiva de ser o meio
pelo qual a lei do valor se expressa e se impõe. Ela é a consolidação das di-
ficuldades crescentes de realização da mais-valia socialmente produzida,
o que gera superprodução, associada à superacumulação. A própria lógica
interna do crescimento cria empecilhos no momento subsequente: a situa-
ção keynesiana de “pleno emprego” dos fatores de produção, incorporando
grandes contingentes da força de trabalho – diminuindo, em consequência,
o exército industrial de reserva , dificultou a expansão da extração da
mais-valia, com o aumento do poder político dos trabalhadores e maior
resistência à exploração. Além disso, a generalização da revolução tecno-
lógica diminuiu o diferencial de produtividade. Estes processos implicaram

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na queda da taxa de lucros, como tendência que se expressa nas suas
contratendências.

A onda longa de caráter depressivo ou de estagnação – que é
atravessada por breves momentos de recuperação, logo esgotados –, com
início nos anos 1970, foi propiciada, portanto, pelo encontro de: crises
clássicas de superprodução, cujos esforços de limitação por meio do crédito
perderam eficácia, em cada pequeno ciclo; contenção brusca dos rendi-
mentos tecnológicos (poucas ou marginais invenções novas); crise do sistema
imperialista (mesma da dominação indireta dos países coloniais e semi-
industrializados); crise social e política nos países imperialistas, com ascensão
das lutas (a exemplo da greve dos mineiros na Inglaterra, no começo dos
anos 1980), em função do início das políticas de austeridade; e crise de
credibilidade do capitalismo enquanto sistema que possa garantir o pleno
emprego, o nível de vida e as liberdades democráticas (BEHRING, 1998,
p. 159).

Mandel (1990) não vislumbrava uma recuperação do capital, fosse
a partir da constituição de uma nova hegemonia japonesa ou alemã, con-
siderando o peso dos Estados Unidos e apesar do aumento da concorrência
no mercado mundial com perdas iniciais para o “império americano”, fosse
com as políticas neoliberais, em cujo receituário não reconhecia con-
sistência suficiente para conduzir uma retomada do crescimento. Tudo in-
dica que sua hipótese geral permanece válida, qual seja: “Uma retomada
expansiva, profunda e ampla dessa economia nos anos vindouros está total-
mente excluída.” (MANDEL, 1990, p. 329).

Como já foi dito, há um consenso entre analistas qualificados e
críticos acerca da persistência de um período depressivo nesta passagem
de milênio, em que pesem várias características novas, como parte de uma
reação burguesa nos anos 1980 e 1990, incrementada com a crise do cha-
mado socialismo real, e que se reatualizou em 2008/2009, incrementado
pela expansão desenfreada da finança. Por outro lado, seu raciocínio foi
confirmado, em linhas gerais, pela realidade dos anos 1990. Vejamos bre-
vemente outras contribuições mais atuais que partem do núcleo de deter-
minações examinadas por Mandel, complementando-as.

3. Mandel e a crise contemporânea, num breve diálogo com
Harvey e Husson

A análise de David Harvey (1993) parece corroborar a análise
mandeliana, embora os elementos que levem à inflexão do ciclo do capital
não estejam suficientemente explorados no seu texto. Para ele, sob a super-
fície tênue e evanescente da atual economia política – o período da acumu-
lação flexível –, operam três condições necessárias do mundo do capital,
apreendidas por Marx: o capitalismo orienta-se para o crescimento – na

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verdade, segundo Mandel (1982), para os superlucros, que podem ser al-
cançados com baixas taxas de crescimento , condição para a acumulação,
independente de consequências sociais, políticas, ecológicas e outras; este
crescimento, em valores reais, apoia-se na exploração do trabalho vivo,
que tem a capacidade de criar valor, ou seja, o crescimento funda-se na
relação capital/trabalho, que é uma relação de classe, de controle e domi-
nação; o capitalismo é organizacional e tecnicamente dinâmico, já que a
concorrência impele para as inovações em busca da maximização dos lu-
cros, o que repercute nas relações capital/trabalho. Tais condições em ope-
ração geram contradições e fases periódicas de superacumulação, que Har-
vey (1993, p. 170) define como “uma condição em que podem existir ao
mesmo tempo capital ocioso e trabalho ocioso sem nenhum modo aparente
de se unirem para atingir tarefas socialmente úteis”.

A crise que se inicia em 1973, tal como em 1930, para Harvey
(1993), é de superacumulação, um processo ineliminável sob o capitalismo.
Este autor identifica, diante disso, “um lado heróico da vida e política bur-
guesas”, que passa pelas estratégias de fazer frente à superacumulação e as-
segurar a continuidade do sistema, a qualquer custo: a desvalorização con-
trolada de mercadorias, capacidade produtiva e dinheiro; o controle macro-
econômico, do que o fordismo/keynesianismo foi uma possibilidade, mas
que parece ter se esgotado; e a absorção da superacumulação por meio do
deslocamento temporal e espacial. A reação burguesa, desencadeada a
partir dos anos 1980 com a reestruturação produtiva, a mundialização do
capital e a contrarreforma neoliberal do Estado à superacumulação, com-
bina esse conjunto de estratégias.

Outro autor despertou-me especial atenção ao fazer considerações
teórico-históricas para um exame do capitalismo contemporâneo, que en-
riquecem o raciocínio mandeliano e permitem uma compreensão ainda
mais consistente da reação burguesa e seus limites: Michel Husson (1999).
Ele retoma a questão dos ciclos longos em Mandel (1982), ressaltando tam-
bém o caráter excepcional do período 1949-1974, com crescimento de
produção e produtividade em média de 5% ao ano, durante vinte e cinco
anos seguidos.

A chave para explicação da passagem de uma fase com tamanho
crescimento para a onda longa depressiva está na dinâmica da taxa de lu-
cro, como em Mandel (1982). Husson (1999) aponta que a lei da queda
tendencial da taxa de lucro não significa que esta baixe de forma constante
e objetiva, mas que atua a médio e longo prazos, quando as razões da alta
rentabilidade se revelam contraproducentes, desembocando numa depres-
são longa. Mostrando-se, assim, como já foi dito, objetivamente nas contra-
tendências que são desencadeadas para contê-la. Nesse sentido, Husson
(1999) sublinha o caráter tendencial da lei, cuja lógica objetiva é influen-
ciada pelo salário real, pela produtividade do trabalho e pela eficácia do
capital (relação produto-capital, medida em volume).

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A manutenção da taxa de mais-valia relativa é compatível com a
progressão do salário real se esta é acompanhada por um aumento equi-
valente da produtividade do trabalho. Isto, por sua vez, associa-se à com-
posição técnica do capital e sua eficácia por trabalhador. Assim, a tendência
do capitalismo é intensificar incessantemente a produtividade do trabalho,
aumentando a massa de meios de produção, de forma que a produtividade
tem um papel central na determinação da taxa de lucro, mas não exclusiva.

Nos Anos de Ouro, salário real, eficácia do capital e produtividade
aumentaram na mesma velocidade. Husson (1999, p. 26) chega à seguinte
conclusão:

O que impede no fundo a taxa de mais-valia de subir indefinidamente
é a necessidade de escoamento e, portanto, uma condição que se si-
tua na esfera da circulação, e é de resto por isso que a taxa de lucro
é uma grandeza sintética que exprime não só as modalidades da
produção de mais-valia, mas também de sua realização.

Ele postula que o salário real pode aumentar sem degradar a taxa
de lucro, em relação, é claro, com o comportamento dos outros dois ele-
mentos. A partir desse argumento, Husson (1999) passa a observar a evolução
desses elementos nos períodos longos, em países centrais. Identifica um
paralelo notável entre as taxas de lucro e de crescimento, com uma bifur-
cação a partir do fim dos anos 1980, quando se tem uma taxa de lucro res-
tabelecida e uma taxa de crescimento em queda ou submetida a flutuações
fortes. No início dos anos 1970 há uma queda simultânea das duas taxas,
sendo que a baixa da taxa de lucro precede o choque do petróleo, o que
confirma a análise mandeliana da virada do ciclo já com indícios em fins
dos anos 196016.

As políticas keynesianas de relançamento têm um impacto pífio
– como também sublinhou Mandel (1990). Sobrevém, então, a segunda
recessão generalizada, de 1980-1982, com um recuo das duas taxas, ainda
mais nítida e sincronizada entre os países. Nos anos 1980, entra-se em um
novo período com a ascensão dos conservadores nos EUA e na Inglaterra,
e o desencadeamento de políticas que já não visam sustentar a demanda,
mas exclusivamente restaurar o lucro. Estas atingem seu objetivo nos prin-
cipais países capitalistas, alcançando uma pequena ascensão das taxas de
crescimento, o que gerou um certo triunfalismo no início dos anos 1990,
acentuado pela queda do Muro de Berlim17.

Mandel (1990) termina sua abordagem da Crise do capital com
uma afirmação inquietante, referindo-se à possibilidade de uma retomada
expansiva. Ele dizia, no ano de 1987:

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16 Ver: Chesnais (1996), Montes (1996) e Husson (1999).
17 Esse fato também é registrado no balanço do neoliberalismo realizado por Anderson (1995).

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Seria necessária uma modificação radical da situação, uma derrota
muito grave da classe operária, ou mudanças radicais nos países do
Leste Europeu para que a confiança pudesse voltar, para que o merca-
do pudesse se ampliar, para que os investimentos pudessem ser reto-
mados no ritmo dos anos 50 e 60. Isto está fora de questão no momento.
(MANDEL, 1990, p. 329).

Os autores estudados são unânimes em afirmar que o triunfalismo
não resistiu muito, mesmo com as mudanças no Leste e a reestruturação
produtiva. Contudo, este clima durou pouco. Sobreveio a recessão na pri-
meira metade dos anos 1990, abrindo novo período marcado pela des-
conexão sem precedentes entre taxa de lucro (aumentando) e taxa de cres-
cimento (medíocre)18. Husson (1999) identifica um recuo de 2,9% para
0,8% na produtividade global dos fatores entre os Anos de Ouro e o período
neoliberal. Outro indicador é o crescimento máximo do salário real com-
patível com a manutenção da taxa de lucro. Esta era de 4,1%, antes de
1973, e passou a ser de 1,2%, depois de 1979. O comportamento da taxa
de lucro – para a compreensão da qual reitero a observação de que sua
queda tendencial se expressa nas suas contratendências – mostra nitidamente
os ciclos longos do capital.

A apropriação da lei da queda tendencial da taxa de lucros por
Husson (1999) combina elementos da análise marxista com a regulacionista,
tentando fugir das hipóteses do colapso inelutável do capital, oriundas de
um certo catastrofismo marxista e do que chama de harmonicismo regula-
cionista. O que ele caracteriza como uma versão mitigada da lei, passa,
portanto, pela seguinte afirmação:

As condições de funcionamento do capitalismo podem estar reunidas
durante um período bastante longo, mas os dispositivos que garantem
a sua obtenção não são estáveis ou em todo caso não podem ser re-
produzidos duradouramente. Porque, de certa maneira, isso não está
na sua natureza. E é aí que se encontram os variantes estruturais do
sistema e os dois determinantes fundamentais da baixa tendencial.
A concorrência capitalista impele constantemente para a sobrea-
cumulação, e isso remete para as relações de produção essenciais.
(HUSSON, 1999, p. 38).

A lei, então, manifesta-se pela difícil manutenção entre duas esco-
lhas: “[...] uma partilha desfavorável para os assalariados, mas que já não
assegura saídas endógenas suficientes, ou uma inércia da relação salarial,
que pouco a pouco se vê desligada dos ganhos de produtividade, nomea-
damente pela socialização crescente de uma parte dos salários” (HUSSON,

..............................................................................
18 Lembrar do texto Para a crítica da economia política, escrito por Marx e publicado pela primeira vez por Kautsky,
em 1903, nunca é demais. Estes apontamentos tornaram-se a Introdução dos Grundrisse der Kritik der Politischen
Ökonomien, publicados na íntegra apenas em 1939, em Moscou. Neles, discutem-se os necessários entrelaçamentos
e articulações entre produção e consumo e a perspectiva teórico-metodológica da totalidade (MARX, 1982).

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1999, p. 39). Assim, a crise é de produtividade e das formas institucionais
de que se reveste o capitalismo em cada uma de suas fases. A expressão da
lei da queda da taxa de lucro requer, para Husson (1999), uma articulação
entre produtividade e realização. Isto é o que permite compreender a pas-
sagem de uma fase à outra.

Cada crise combina um problema de saídas de escoamento (super-
produção) com problemas de valorização do capital. Se a inovação tecno-
lógica está associada às ondas longas, sua introdução não pode ser tratada
em separado da dinâmica geral da acumulação, como elemento externo.
Da mesma forma, a luta de classes é interna a essa dinâmica geral e as saí-
das e entradas em crise, em seus tempos, têm a ver com uma radical histo-
ricidade do capitalismo.

Este é o quadro teórico que Husson (1999) traça para analisar as
características do capitalismo contemporâneo, partindo da contribuição
mandeliana em combinação com aportes regulacionistas. Suas conclusões
me parecem próximas às da leitura de Harvey (1993, p. 117), quando este
incorpora a discussão regulacionista sobre as formas institucionais “que
permitem que um sistema capitalista altamente dinâmico e, em conse-
quência, instável adquira suficiente semelhança de ordem para funcionar
de modo coerente ao menos por um dado período de tempo”. Mas Harvey
(1993, p. 175-176) também constata que

os elementos e relações invariantes que Marx definiu como peças
fundamentais de todo modo capitalista de produção ainda estão bem
vivos e, em muitos casos, com uma vivacidade ainda maior do que
a de antes, por entre a agitação e a evanescência superficiais tão
características da acumulação flexível.

Voltando a Husson (1999), este ainda traz outras considerações
importantes para realizar um balanço da miséria (para os trabalhadores)
do capitalismo contemporâneo. Ele dá sequência à abordagem marxista,
que não separa produção de consumo19. Decorre disso que a análise da
tendência de queda da taxa de lucro, de fato, deve considerar o ciclo do
capital como uma totalidade.

A ideia de norma de consumo, valorizada pelos regulacionistas,
merece atenção por colocar em evidência o fato de que a estrutura da pro-
dução deve se adequar ao consumo, do ponto de vista dos valores de uso,
diga-se, das necessidades sociais. Porém, tal adequação só se confirma ex
post. Apesar de incorporar a noção de norma de consumo como enri-
quecimento da teoria marxista, pela Escola da Regulação, e admitindo que
a estrutura do consumo retroage sobre as condições de rentabilidade do

..............................................................................
19 Lembrar do texto Para a crítica da economia política, escrito por Marx e publicado pela primeira vez por Kautsky,
em 1903, nunca é demais. Estes apontamentos tornaram-se a Introdução dos Grundrisse der Kritik der Politischen
Ökonomien, publicados na íntegra apenas em 1939, em Moscou. Neles, discutem-se os necessários entrelaçamentos
e articulações entre produção e consumo e a perspectiva teórico-metodológica da totalidade (MARX, 1982).

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capital, Husson (1999) critica o que chama de um postulado harmonicista
da Escola, resultado da ênfase no consumo. Segundo a crítica de Husson
(1999, p. 57), e que o afasta dessa perspectiva: “há a ideia de que o capita-
lismo contemporâneo se tornou plástico ao ponto de ser capaz de inventar
novos compromissos, novos dispositivos e formas institucionais que per-
mitem firmar novos compromissos sociais”, a exemplo da ideia de neofor-
dismo, em Aglietta (1991).

Dando sequência ao seu raciocínio anterior, portanto, Husson
(1999) afirma que se deve pensar a reprodução do capital considerando a
formação do lucro e o modo de reconhecimento e satisfação das ne-
cessidades sociais. Na onda longa expansiva, a já referida articulação entre
salário real, produtividade do trabalho e eficácia do capital asseguraram,
durante um tempo limitado, a saída, melhor dizendo, a realização do valor.
Na onda longa depressiva, caracterizada por Husson (1999) como acumu-
lação desigual, o salário real permanece constante ou fracamente crescente,
o que significa que os ganhos de produtividade são apropriados como mais-
valia e a parte do salário tende a baixar duradouramente. Assim, os traba-
lhadores produzem mais, com um poder de compra estagnado.

Neste quadro, o problema da realização encontra duas possibili-
dades de solução: um crescimento da acumulação maior que o do produto
social, ou seja, um incremento no setor de meios de produção, que induz
ao crescimento rápido da composição orgânica do capital e remete a uma
baixa da taxa de lucro no prazo longo; ou abrir à produção capitalista
novas saídas de escoamento distintas dos elementos de procura primária –
bens de consumo e de capital, que podem ser a penetração do capital no
campo, a conquista colonial de novos mercados ou o crescimento dos
rendimentos financeiros.

O problema clássico marxista do modo de partilha do valor acres-
centado é um elemento fundamental para compreender a passagem de
uma onda longa a outra. Nos Anos de Ouro, parte dos ganhos de
produtividade transferiram-se ao salário real e até financiaram alguma
redução na duração do trabalho, permitindo a manutenção do pleno
emprego ao lado da rentabilidade do capital. A condição para isso foi a
existência de elevados níveis de produtividade e de realização, assegurando
a continuidade de um contrato social com grande legitimidade.

Hoje, o capitalismo encontra fortes dificuldades para abrir saídas
de massa em escala suficiente. O consumo de bens que foram o suporte do
fordismo – automóvel e eletrodomésticos – chegou a um ponto relativo de
saturação. Husson (1999) mostra a estrutura de consumo das famílias fran-
cesas em 1994, na qual os bens tradicionais (alimentação e vestuário) e
bens fordistas (transporte e equipamentos para casa) representam 48% do
consumo, com tendência de queda. A outra metade (52%) compõe-se do
consumo de bens coletivos e serviços (habitação, iluminação e aquecimento,
saúde, educação, lazer e cultura e outros). Portanto, a seção não industrial

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– especialmente os serviços vem se tornando mais dinâmica, em função
do crescimento da procura, gerando mais empregos, enquanto a indústria
veio destruindo-os.

Há, pois, alguns processos essenciais que caracterizam o capita-
lismo atual: o esgotamento da procura dos bens fordistas, acompanhado
de uma incapacidade de fazer emergir um volume suficiente de procura
de novos bens fordistas; e uma incapacidade para industrializar plenamente
uma procura de serviços em forte progressão.

A acumulação capitalista não depende exclusivamente de sua
capacidade de assegurar condições de reprodução, mas também de orientar-
se para esferas portadoras de altos ganhos de produtividade. As condições
de reprodução ampliadas da acumulação são as seguintes:

a produção de mais-valia deve assegurar a valorização do capital; o
rendimento distribuído deve permitir a realização desse valor em
termos de grandes massas de valor; a estas duas condições clássicas,
é necessário acrescentar uma terceira: a adequação entre o que é
consumido e o que é produzido de maneira rendível deve ser reali-
zada, desta vez, do ponto de vista dos valores de uso. E não basta que
estas condições se reúnam uma vez de tempos a tempos: devem ser re-
produzidas de um ponto de vista dinâmico. (HUSSON, 1999, p. 67).

Portanto, é um fator suplementar de crise a compatibilidade entre
a estrutura das necessidades sociais e as exigências de rentabilidade, o que
é também ressaltado em Mészaros (2002). Há uma probabilidade de moldar
a repartição dos rendimentos conservando uma adequação favorável, sem
optar por “não produzir, em vez de produzir mercadorias que deprimiriam
a taxa de lucro” (HUSSON, 1999, p. 68). No entanto, esta última tendência
é a que se impõe hoje e aprofunda o desemprego em massa.

Há, no mundo do capital – e essa descoberta não é nova –, dois
critérios de alocação do trabalho social, cuja convergência não é garantida:
o da busca do lucro máximo, levando à corrida pela produtividade; e o
dos efeitos sociais úteis, tendo em vista as necessidades sociais. Para Husson
(1999, p. 69),

o período atual do capitalismo se caracteriza por um fosso cada vez
maior entre as duas séries de critérios ou, por outras palavras, por
uma dificuldade crescente em assegurar a correspondência entre o
que as pessoas querem consumir e o que o capitalismo quer produzir.
Ou seja, a evolução da norma de consumo diverge em relação às
exigências da manutenção da rentabilidade. As despesas de consumo
dirigem-se espontaneamente para setores que não são, hoje, portadores
de ganhos de produtividade, como saúde e educação.

O capital não responderia, hoje, a essas necessidades com uma
produção dinâmica de bens industrializados. Concordando-se com a referida

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

} ERNEST MANDEL: IMPRESCINDÍVEL - BEHRING, E. R. }

incompatibilidade entre a norma de consumo e a rentabilidade, pode-se
questionar essa última consideração de Husson (1999), à medida que há o
processo de supercapitalização, categoria central em Mandel (1982), que
se desdobra da superacumulação, mercantilizando a esfera de necessidades
a que ele se refere. Contudo, é verdade que esse processo tem um limite
em função da busca incessante de produtividade. Essa observação, eviden-
temente, não contesta os argumentos precisos e consistentes do pesquisador
francês.

Pudemos analisar as características da reação burguesa contem-
porânea à sua crise, no primeiro capítulo de Brasil em contra-reforma.
Estes argumentos não vamos retomar neste artigo, cujo objetivo é mostrar a
atualidade e a potência para o desvendamento do real que nos oferecem
os estudos de crítica da economia política de Ernest Mandel, vinte anos de-
pois de seu falecimento.

Conclusão

Esses são alguns eixos do trabalho de Mandel que foram e são
inspiradores e centrais para meu próprio trabalho como pesquisadora do
campo da política social na sua relação com a crítica da economia política.
A obra de Mandel tem elementos para muitas reflexões: sobre a universidade
e os estudantes; sobre o pensamento de Lenin e Trotsky; sobre o papel do
indivíduo na história; sobre a burocracia e os processos de burocratização
no campo da esquerda; e até sobre romances policiais.

A obra de Mandel, evidentemente como todo clássico, precisa
ser atualizada, enriquecida com os novos processos e determinações em
curso na economia política capitalista, no sentido de examinar criticamente
e atualizar suas reflexões, concretizá-las nos espaços nacionais e alimentar
o movimento revolucionário. Não se pode prestar maior homenagem a
um revolucionário como Mandel.

Essa é a tarefa da minha geração e das que estão chegando e não
se deixam contaminar pelo autismo, individualismo e consumismo con-
temporâneos, nem se intimidar pela face penal do Estado em contexto de
superexploração e precarização do trabalho: os que lutam por um mundo
e uma vida distantes da barbárie. Esse é o espírito de Ernest Mandel, um
militante e intelectual dedicado à humanidade, ao socialismo. Nas palavras
de Löwy (1999, p. 42), o socialismo como um processo histórico de huma-
nização progressiva das relações sociais.

Para finalizar, novamente, com a palavra, Mandel (apud LÖWY,
1999, p. 47):

Os marxistas não combatem a exploração, a opressão, a violência
massiva contra os seres humanos e a injustiça de massa unicamente

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} ERNEST MANDEL: IMPRESCINDÍVEL - BEHRING, E. R. }

porque essa luta promete o desenvolvimento das forças produtivas
ou um progresso histórico estreitamente definido [...]. Ainda menos
combatem esses fenômenos unicamente na medida em que cien-
tificamente seja demonstrado que a luta terá fim com a vitória do so-
cialismo. Eles combatem a exploração, a opressão, a injustiça e a
alienação como condições inumanas, indignas. É um fundamento e
uma razão suficiente. (tradução nossa).

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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Recebido em 15 de junho de 2015
Aprovado para publicação em 20 de junho de 2015.

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64 Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Participação e controle social
no Brasil recente: influência
do pensamento gramsciano

Participation and social control in contemporary Brazil:
influence of Gramsci’s thought

Teresa Cristina Coelho Matos*
Maria D’Álva Macedo Ferreira**

Resumo – Este artigo aborda sobre os momentos históricos em que o
diálogo teórico e intelectual do pensador marxista, Antônio Gramsci,
encontra materialidade no contexto da realidade brasileira recente,
com o olhar voltado para a relação entre Estado e Sociedade focali-
zando o controle do aparato estatal pela participação dos movimentos
sociais. Nessa perspectiva, confere-se centralidade às concepções
gramscianas de Estado, sociedade civil e hegemonia, tendo como
ponto de partida da reflexão a promulgação da Constituição de 1988.
Palavras-chave: participação; controle social; estado; sociedade civil;
Antônio Gramsci.

Abstract – This article discusses the historical moments in which the
theoretical and intellectual thought of Marxist thinker Antonio Gramsci
is actualized in the context of recent Brazilian reality. Special attention
is given to the relationship between state and society, focusing on the
control of the state apparatus through the participation of social mo-
vements. From this perspective, the Gramscian concepts of state, ci-
vil society and hegemony take center stage, taking as the starting point
the promulgation of the 1988 Constitution.
Keywords: participation; social control; state; civil society; Antonio
Gramsci.

..............................................................................
* Assistente Social, Especialista em Gestão de Organizações Públicas e Sociais pela Universidade Estadual do Piauí
- UESPI, Mestra e Doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Correspondência:
Rua Domingos Mourão, 394, Bairro São João, Teresina-PI. CEP 64046-430. E-mail: <[email protected]>
** Assistente Social, Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC e Professora
do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Política Públicas da Universidade Federal
do Piauí – UFPI. Correspondência: Rua Nilo Soares da Silva, 1172, Bairro Ininga, Teresina – PI. CEP 64048570. E-mail:
<[email protected]>

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

} PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL NO BRASIL RECENTE - MATOS, T. C. C.; FERREIRA, M. A. M. }

Introdução

No Brasil, é com o advento da Constituição de 1988 que se abre
caminho para o estabelecimento de nova base de relação entre Estado e
sociedade. Nela, a participação passa a ser um direito garantido constitucio-
nalmente e o controle social das ações estatais tem a possibilidade de se fir-
mar como categoria sociopolítica, na perspectiva dos teóricos críticos de
matriz gramsciana. Por essa linha de pensamento, o controle social pode
ser exercido ora pelo aparato estatal, ora pela sociedade, dependendo da
correlação de forças estabelecidas entre ambos. A influência do pensamento
de Gramsci na análise e interpretação da realidade brasileira se dá a partir
de 1960, numa conjuntura política favorável à difusão do pensamento so-
cialista, sendo barrada com a implantação da Ditadura Militar, em 1964, e
retomada na segunda metade dos anos 1970, com a abertura do processo
de democratização decorrente da luta da sociedade contra a ditadura.

Este artigo aborda os momentos históricos em que o diálogo teórico
e intelectual das ideias de Gramsci encontra materialidade no espaço ope-
rativo do Brasil recente, tendo como ponto de partida a promulgação da
Constituição de 1988, que influenciou no processo de democratização do
país, a participação social e o exercício do controle social.

Com esse propósito, inicia-se por uma apresentação das categorias
teóricas formuladas por Gramsci para analisar a realidade social na qual se
inseria. Segue trazendo-as para refletir sobre a situação brasileira, conferindo
centralidade às concepções de Estado, sociedade civil e hegemonia, an-
coradas nas contribuições de teóricos nacionais de tradição marxista que
se debruçaram na interpretação das ideias de Gramsci, como Carlos Nelson
Coutinho, considerado um de seus principais intérpretes no Brasil. Cabe
ressaltar que os eventos socioeconômicos, políticos e culturais presentes
na dinâmica da sociedade brasileira encontram explicação em outros es-
tudos, fundamentados em variadas matrizes teóricas.

1. O pensamento de Gramsci:
influência na sociedade contemporânea

No âmbito da teoria marxista, o pensamento de Gramsci tem si-
do amplamente interpretado por diversos teóricos. Essas vastas interpretações
favoreceram a formação de um “senso comum” gramsciano, que ajuda na
reflexão e explicação de realidades sociopolíticas em variados contextos
geográficos (BIANCHI, 2008). Na realidade brasileira, a influência do pen-
samento de Gramsci tem sido pauta de estudiosos que se debruçam na
interpretação dessa realidade, conferindo maior relevo, como mostra Simio-
natto (2011), aos trabalhos de Carlos Nelson Coutinho.

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66 Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

} PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL NO BRASIL RECENTE - MATOS, T. C. C.; FERREIRA, M. A. M. }

Uma característica marcante do perfil intelectual de Antônio
Gramsci (1891-1937), admitida por ele próprio, é a de ter uma formação
polêmica em termos de intelectualidade, pois tinha dificuldade “até de
pensar ‘desinteressadamente’”. Dizia ter como estímulo intelectual colocar-
se, do ponto de vista dialógico ou dialético, como um interlocutor ou adver-
sário concreto diante de qualquer ordem de reflexão (GRAMSCI, 2005b,
p. 462).

Gramsci é submetido à prisão política pelo regime fascista italiano
em um cenário marcado por teorias e processos políticos em confronto.
Durante o cárcere, produz um quadro interpretativo de política e sociedade
em relação à transição de uma sociedade capitalista para outra socialista,
por meio de um processo de superação dialética do pensamento marxista.
Como sublinham Coutinho (1992) e Secco (2002), afasta-se, então, do mo-
mento econômico corporativo para dar ênfase ao ético-político. Propõe
uma reforma intelectual e moral a partir da formulação de novas categorias
conceituais de sociedade civil e de Estado, conceitos estes que, mesmo
com a queda do socialismo, tornaram-se válidos para interpretar as realidades
das sociedades capitalistas contemporâneas.

Na teoria desenvolvida por Karl Marx (1818-1883), no contexto
da sociedade capitalista industrial, a concepção do Estado ideal, presente,
principalmente, em Hobbes (1979), Locke (2001) e Rousseau (1978), é
substituída pela concepção do Estado opressor, que atua como instrumento
de dominação de uma classe por outra (MARX; ENGELS, 1999, p. 28). A
sociedade civil é definida enquanto sociedade burguesa e entendida como
estrutura na qual se expressam a produção e a reprodução da vida material,
haja vista que, para Marx (1993, p. 53), “a sociedade civil abrange todo o
intercâmbio material dos indivíduos [...].” Assim, em Marx, sociedade civil
corresponde à estrutura econômica na qual as relações de produção se
estabelecem. Daí deriva o Estado como instrumento de controle dos con-
flitos estruturais em favor da classe economicamente dominante.

Em Gramsci, que não deixou de lado a essência do pensamento
de Marx sobre dialética, filosofia da práxis e humanismo, a concepção de
Estado e de sociedade civil passa por uma revisão teórica de “conservação/
superação” da teoria marxiana, no panorama do capitalismo monopolista
do século XX. Neste, o fenômeno estatal apresenta-se mais complexo pela
emergência e intensificação de processos de socialização e de participação
política não vivenciados nem por Marx nem por seus seguidores clássicos,
Engels e Lenin (COUTINHO, 1992, p. 75).

A perspectiva atribuída ao Estado pelo marxismo clássico – de
garantir a reprodução da ordem capitalista pela coerção é ampliada por
Gramsci, que o concebe atuando tanto pelo uso dos aparatos coercitivos,
para disciplinar e intimidar a ação reivindicatória e lutas sociais, quanto
pela busca do consenso “espontâneo”, quando age perante as massas popu-
lares para controlar o jogo de forças sociais. Direcionando-as, pois, para a

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} PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL NO BRASIL RECENTE - MATOS, T. C. C.; FERREIRA, M. A. M. }

manutenção da ideologia capitalista, valorizando o prestígio adquirido pela
classe dominante em decorrência das posições e funções que ocupa no
mundo da produção (GRAMSCI, 1982, p. 11). Indica, assim, que o conteúdo
e o formato de intervenção estatal dependem da correlação de forças no
seio da sociedade. Gramsci apresenta essa concepção de Estado no seu
programa de estudo e a explicita, sinteticamente, em carta escrita no cárcere,
em setembro de 1931:

Este estudo [...] leva a certas determinações do conceito de Estado
que, habitualmente, é entendido como sociedade política (ou ditadu-
ra, ou aparelho coercitivo, para moldar a massa popular segundo o
tipo de produção e a economia de um dado momento), e não como
um equilíbrio da sociedade política com a sociedade civil (ou hege-
monia de um grupo social sobre toda a sociedade nacional, exercida
através das organizações ditas privadas, como a igreja, os sindicatos,
as escolas, etc.), e é especialmente na sociedade civil que operam
os intelectuais. (GRAMSCI, 2005a, p. 84).

Vê-se que duas das categorias do constructo teórico de Gramsci,
hegemonia e sociedade civil, são centrais na composição da sua concepção
de Estado ampliado. A categoria hegemonia não recebe um conceito explí-
cito nos escritos do pensador, que o vai elaborando no processo de cons-
trução de sua obra, atribuindo-lhe o sentido de supremacia de uma classe
por outra, não apenas por forças coercitivas, mas pelo caminho da direção
intelectual e moral, pelo consenso. Compreende, pois, consenso como a
forma de um grupo social imprimir ao outro seus valores, sua cultura e vi-
sões de mundo (CERRONI, 1982). Sociedade civil, para Gramsci, é o con-
junto de organismos privados, “aos quais se adere voluntariamente”, que
funciona como espaço privilegiado de luta de classe e como base material
para a conquista de hegemonia, ou seja, para a busca de direção política e
consensos (COUTINHO, 1992, p. 74). É tida, assim, como campo de luta
pelo poder e de busca por consensos entre as classes, dependendo da cor-
relação de forças que, pendendo para a sociedade civil, favorece a conquista
de sua hegemonia e viabiliza a garantia de seus interesses perante a inter-
venção do Estado.

Nesse sentido, Gramsci (1982) confere atenção aos intelectuais,
considerando-os sob duas vertentes; a que os vincula às categorias pre-
existentes, como os eclesiais, juristas, filósofos, e outra, concebendo-os como
“intelectuais orgânicos”, que se vinculam a cada grupo social em luta por
hegemonia. Esclarece que, quando conectados com a classe subalterna, os
intelectuais orgânicos exercem o papel de contribuir na formação da homo-
geneidade e consciência dessa classe, para que, sob uma visão ética nova
no campo econômico, social e político, exerça a função de classe dirigente
e conquiste a posição de grupo hegemônico. Do mesmo modo, aqueles li-
gados organicamente à classe dominante do capitalismo imbuem-se da

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função intelectual de difundir a ideologia capitalista para promover um
ambiente favorável à manutenção dos seus interesses e domínio em detri-
mento do conjunto da sociedade.

2. Participação e controle social no Brasil recente,
à luz do pensamento gramsciano

A difusão do pensamento de Gramsci em vários países do mundo
ocidental, incluindo o Brasil, alcança maior amplitude a partir de meados
da década de 1970 (SECCO, 2002; SIMIONATTO, 2011). Essa circulação
foi favorecida pela mobilização de atores sociais coletivos em torno do en-
frentamento de uma conjuntura socioeconômica, marcada por conflitos
decorrentes da queda da “era de ouro do capitalismo”, cujo reflexo é evi-
denciado no Brasil pela “crise do milagre brasileiro” (SINGER, 1989).

A acolhida e espraiamento das ideias de Gramsci no Brasil acon-
tecem em contextos políticos distintos. Inicia-se na década de 1960, quando
a conjuntura política brasileira estava fortemente influenciada pela ideologia
socialista. No entanto, sofre retração com a instauração da Ditadura Militar
de 1964, cujo principal intento era barrar os ideais socialistas e fortalecer
um capitalismo vinculado ao aparelho de Estado. É retomada, noutro mo-
mento, em meados da década de 1970, num cenário de abertura do pro-
cesso democrático, fruto da luta política da sociedade contra a Ditadura
Militar, capitaneada por intelectuais e acadêmicos de tradição marxista,
por partidos políticos e movimentos sociais de esquerda (COUTINHO, 1992;
SECCO, 2002; SIMIONATTO, 2011).

Focando os momentos históricos em que a categoria gramsciana
de Estado ampliado passa do campo das ideias para o campo operativo na
realidade brasileira, vale conferir atenção aos significados de hegemonia e
democracia, de modo relacional, conforme Gramsci (1984, p. 183) os
expressa:

Entre os muitos significados de democracia, parece-me que o mais
realista e concreto é aquele que se pode deduzir em conexão com o
conceito de ‘hegemonia’. No sistema hegemônico, existe democracia
entre o grupo dirigente e os grupos dirigidos na medida em que o de-
senvolvimento da economia, e, por conseguinte da legislação, que
exprime este desenvolvimento, favorece a passagem (molecular) dos
grupos dirigidos ao grupo dirigente.

No Brasil, essa vinculação entre democracia e hegemonia en-
contra possibilidade de se viabilizar com a promulgação da Constituição
de 1988, que representa o marco da legalização e legitimação do princípio
da participação da sociedade nas ações estatais; relevante vetor para o es-
tabelecimento de novas bases de relação entre Estado e sociedade. Destaque-

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se que a legitimação da participação social é, ao mesmo tempo, base e
consequência do processo de democratização do país, iniciado com a
abertura política no final do governo militar, entre os anos de 1974 e 1979,
numa conjuntura de recessão econômica e de lutas sociais contra o regime.

A abertura política tem íntima relação com a “queda de braço”
travada entre o Estado, predominantemente coercitivo e representado pelo
governo militar, e os aparelhos privados de hegemonia da sociedade civil,
mobilizados para destituí-lo do poder, num momento de agravamento da
crise do modelo econômico que o sustentava. Em razão disso, o regime so-
fre uma “inflexão para baixo” e se vê compelido a desencadear o processo
de abertura política como estratégia de sobrevivência (NETTO, 2010, p.
41). Isto, numa manifesta situação de correlação de força com o protago-
nismo da sociedade civil, que emergia de uma condição de retração política,
imposta pela ditadura, para a de sujeito, na luta política pelo restabeleci-
mento da democracia.

Esse cenário remete para o que Gramsci (1984, p. 149) preceitua
sobre o funcionamento do Estado como unidade orgânica ampliada, pois,
conforme explica: “[...] na noção geral de Estado entram elementos que
também são comuns à noção de sociedade civil (neste sentido, poder-se-ia
dizer que Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia
revertida de coerção).” De acordo com as reflexões de Coutinho (1992, p.
128), o emprego dessa fórmula à realidade brasileira não cabe no momento
histórico da Ditadura Militar, nem no anterior a ela, quando o Brasil apre-
sentava um modelo de Estado com predominância do caráter “oriental”.
Este, definido por Gramsci (1984) como aquele que detém o controle sobre
tudo numa sociedade civil dita “primitiva e gelatinosa”, diferentemente do
modelo de tipo “ocidental” aquele em que se estabelece uma “justa relação
entre Estado e sociedade civil”, na qual essa se apresenta com feição forte
e hodierna.

É só com a evolução do processo democrático que se vislumbra
a formação do caráter ocidental do Estado brasileiro, já que, seguindo o
que Gramsci sustenta, a “ocidentalidade de uma formação social é resultante
de um processo histórico.” (COUTINHO, 1992, p. 129). Assim, o processo
de redemocratização do país representa um momento histórico no qual se
abrem possibilidades para um Estado “ampliado”. Este leva ao forta-
lecimento da estrutura da sociedade civil (movimentos sociais, associações,
partidos políticos, sindicatos etc.), necessário para a construção gradativa
de um ambiente político, econômico, social e cultural favorável ao es-
tabelecimento de um sistema hegemônico que, como diz Gramsci (1984),
só opera em estrutura democrática. Esse ambiente, construído de forma
gradativa, remete ao que o pensador preconiza sobre “guerra de posição”,
traduzida, grosso modo, como a ocupação estratégica e gradual dos espaços
de poder, diferentemente da “guerra de movimento”, cujo pressuposto é
tomar de assalto o poder.

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Contudo, a conformação de um caráter ocidental da sociedade
civil brasileira encontra barreiras no passado, com o regime antiparticipativo
instalado pela Ditadura Militar; no presente, diante da estruturação de um
modelo de sociedade guiada pelo ideário neoliberal, que valoriza espe-
cialmente as liberdades individuais e as regras de mercado, arrefecendo ou
mesmo paralisando as forças políticas da sociedade civil. Nessa trajetória,
entremeada pela abertura democrática, os movimentos sociais recebem
diferentes conceitos e assumem configurações diversas, de acordo com
cada contexto sociopolítico, com muitos deles atuando distantes da órbita
do pensamento gramsciano (DURIGUETTO, 2007).

Como mostram Montaño e Duriguetto (2011), entre os anos de
1964 e 1970, no contexto do governo militar, os movimentos sociais atua-
vam predominantemente na luta política contra a ditadura e, em face do
projeto de redemocratização do país, a partir dos anos de 1980 passam a
participar da luta por direitos políticos e sociais. O Movimento “Diretas Já”
é emblemático na luta por direitos políticos no Brasil. Organizado entre os
anos de 1983 e 1984, mobilizou milhões de brasileiros, de vários segmentos
sociais, para reivindicar a reinstauração das eleições diretas no Brasil, inter-
rompida pela Ditadura Militar. A proposta foi apresentada ao Congresso
Nacional através da Emenda Constitucional do Deputado Federal, pelo
PMDB, Dante de Oliveira, mas prevaleceu a vontade das forças conser-
vadoras do Congresso, que não a aprovou, adiando as eleições diretas para
o ano de 1989. Contudo, teve como saldo positivo o retorno do governo
civil, em 1985, e a promulgação da nova Constituição Federal em 1988
(RODRIGUES, 2003).

Nesse ambiente democrático em construção, embora sem operar
em patamar elevado e diante de um aparato midiático empenhado em in-
fluenciar os eleitores, muitos exercendo pela primeira vez o voto direto, a
população brasileira elege, em 1989, Fernando Collor de Melo para pre-
sidente do Brasil. Era um candidato com histórico político de matriz conser-
vadora, que conseguiu resultado vitorioso por se apresentar com roupagem
e discurso de “justiceiro” diante de um Estado que priorizava as elites eco-
nômicas, que ele intitulava de “marajás”. Com Collor na presidência, o ca-
minho aberto pela luta de partidos e organizações sociais em direção à
construção de um modelo estatal próximo ao ideário gramsciano, de Estado
ampliado, encontra barreiras no seio do próprio Estado. Este, alinhado com
as imposições do capitalismo global operante, adota o modelo neoliberal
de diminuição do Estado e valorização do mercado.

Analisando esse cenário à luz da concepção de sociedade civil
de Gramsci, que a põe como conteúdo ético do Estado e como base material
para a conquista de hegemonia (COUTINHO, 1992), os movimentos sociais
no Brasil dos anos de 1990 não encontram ambiente político favorável
para avançarem nessa direção. É que vivem um contexto de organização e
consolidação do projeto político neoliberal, pelo qual são transferidas res-

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ponsabilidades antes do Estado para a sociedade civil. Isto em contraposição
a um projeto político democratizante para o país, que vislumbra o apro-
fundamento democrático e a construção de novas bases de relação entre
Estado e sociedade. Tendo, como princípio central, a participação ativa da
sociedade, compreendida como atuação direta dos sujeitos políticos nos
processos decisórios, um ingrediente essencial ao aprimoramento do jogo
democrático (DURIGUETTO, 2007).

Mesmo sob hegemonia do projeto político neoliberal, a atitude
de colocar a sociedade civil como conteúdo ético do Estado é nela sentida
quando diversos grupos se mobilizam, em 1992, contra o impeachment
do Presidente Fernando Collor, tendo à frente um movimento de massa li-
derado pelo movimento estudantil, denominado “Caras Pintadas”, por pin-
tarem os rostos com as cores da bandeira brasileira. Isso faz despontar uma
ação política da sociedade civil para a impugnação do Presidente da Re-
pública, principalmente devido às denúncias de corrupção no seu governo
e à implantação de uma política econômica de recessão em atendimento
ao receituário neoliberal. As manifestações públicas, que resultaram no
impeachment de Fernando Collor, foram favorecidas pelo ambiente demo-
crático garantido pela Constituição de 1988, que pôs a democracia como
principal fundamento e estabeleceu o princípio da participação social como
direito1.

Ressalte-se que, dentro dos marcos do neoliberalismo, fortalecidos
no Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2000), os intelectuais or-
gânicos, vinculados a essa corrente ideológica, sublinham a sociedade civil
como homogênea e sem conflitos, figurando apenas no espaço privado. O
Estado, reduzido ao mínimo, apresenta-se neutro e acima das classes sociais
(NOGUEIRA, 2011). Nesse contexto, a relação Estado/sociedade não se
estabelece coincidindo com a concepção de Gramsci, na qual não há se-
paração entre sociedade civil e sociedade política, mas uma relação orgânica
e dialética.

Dadas as condições democráticas asseguradas pela Constituição
Federal, a construção de uma relação de consenso entre Estado e sociedade,
conforme o ideário gramsciano, encontra ambiente favorável na recon-
figuração da esfera pública brasileira. Nesse cenário, ela tem a perspectiva
de tomar a direção, apresentada por Hannah Arendt (1997), de espaço pú-
blico ampliado, de exercício da cidadania e de visibilidade em comum.

É nesse espaço público reconfigurado que se vislumbra a possi-
bilidade de uma ação política dos movimentos sociais vinculada ao projeto
democratizante, enquanto expressões da sociedade civil, que se organizam
não só para reivindicar demandas perante o Estado, mas também para
exercer influência na transformação do sistema socioeconômico hege-

..............................................................................
1 O direito à participação social encontra-se explicitado na Constituição Federal nos seguintes artigos: Art. 1º, parágrafo
único; Art. 14, incisos I, II e II; Art. 27, parágrafo 4º; Art. 29, incisos XII e XIII; Art. 61, parágrafo 2º; Art. 194, parágrafo único,
inciso VII; Art. 204, inciso II; Art. 227, parágrafo 1º (AVRITZER et al., 2008).

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mônico (LOJKINE, 1981, p. 298). Nesse processo de luta por hegemonia,
engendrado pelos movimentos sociais e permitido pela democratização
do espaço público, é dada à sociedade brasileira a possibilidade de expe-
rienciar o exercício do controle social das ações públicas como

possibilidade de o Estado (que não é neutro, embora objetive a igual-
dade jurídico-política e socioeconômica) ser controlado pelos mais
diversos grupos sociais que conflitam na sociedade. Esses grupos,
embora tenham agendas e interesses distintos, podem controlar o Es-
tado – o que implica controlarem-se mutuamente, tendo em vista o
caráter democrático e republicano de suas instituições e dos funda-
mentos que o erigem. (FONSECA; BEUTTENMLLER, 2007, p. 76).

Essa concepção de controle social passa a frequentar o debate
contemporâneo na sociedade brasileira ao longo da década dos anos 2000,
em presença do confronto entre o projeto democratizante para o país com
a perspectiva neoliberal de reforma do Estado, que se põe a serviço do for-
talecimento do capitalismo. No bojo desses dois processos políticos, a rela-
ção entre Estado e sociedade civil assume contornos distintos: um que vislum-
bra uma relação orgânica e de disputa por hegemonia entre Estado e socie-
dade, ligada ao pensamento gramsciano de Estado ampliado; e outra vincu-
lada à perspectiva do neoliberalismo, pela qual sociedade política e so-
ciedade civil são dimensões opostas, com o Estado se sobrepondo às classes
sociais em favor dos interesses da economia global (PEREIRA et al., 1999).

Nesses distintos processos políticos, um de ajuste neoliberal e
outro de aprofundamento democrático, a prática do controle social das
ações do Estado sofre um desvio conceitual visível, especialmente na gestão
de políticas públicas. Nesse campo, mesmo com a criação de espaços de
participação social na gestão das políticas, via conselhos gestores, emanam
interesses diversos que influenciam a prática do controle social direcio-
nando-a para contemplar, principalmente, os ditames dos grupos domi-
nantes e menos os interesses das classes subalternas (DAGNINO, 2004).
Desse modo, a sociedade civil brasileira apresenta-se com a marca social
liberal de neutralidade de classe, embotando a característica que lhe é atri-
buída pela concepção gramsciana de campo de disputa política entre as
classes sociais (SIMIONATTO, 2010).

Retomando a concepção gramsciana de hegemonia, traduzida
por Cerroni (1982) como a capacidade de uma classe, atuando por meio
de consenso, sobrepor seus interesses e valores ao conjunto da sociedade,
é na esfera pública que a sociedade civil, no Brasil atual, encontra maior
espaço para o controle democrático das ações do Estado e para a conquista
de poder hegemônico. Um espaço que vem se ampliando com a evolução
das tecnologias da informação, abrindo caminho para a construção de um
projeto societário que vislumbre a conquista de hegemonia pelas classes
subalternas. Um caminho nada fácil frente às formas de domínio e explo-

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ração do capitalismo contemporâneo, sem deixar de considerar uma esfera
pública onde atuam uma multiplicidade de grupos sociais e indivíduos
distintos com interesses diversos e antagônicos, tanto de caráter coletivo
quanto privado.

3. Participação e controle social na era informacional

Na sociedade contemporânea, fortemente marcada pela revolu-
ção informacional2, assim como na realidade brasileira, a construção de
uma relação dialética entre Estado e sociedade vem sendo favorecida pelo
avanço e pela utilização das tecnologias da informação. Estas possibilitam
o alargamento da ação política dos movimentos sociais pela formação de
redes de articulação entre si, em dimensão local e global. As tecnologias
da informação também favorecem a participação direta da sociedade civil
no controle social das ações estatais, com destaque para a utilização da in-
ternet como ferramenta de publicização de informações aos cidadãos sobre
a gestão pública, a partir da implantação do governo eletrônico, ou e-
governo3.

A internet é, sem dúvida, um espaço aberto, na sociedade do
globalismo informacional, para a transparência pública. Mas, conforme
destaca Lojkine (2002, p. 149), tanto pode gerar “[...] uma verdadeira revo-
lução organizacional, que promova o acesso de todos e todas as informações
e por consequência o autogoverno dos homens”, quanto pode ser utilizada
numa concepção elitista de reserva de informação pelos grupos dirigentes,
em favor de sua hegemonia.

No Brasil, que tem a democracia representativa como forma de
organização da sociedade, na qual o voto prevalece como mecanismo de
participação, a internet é uma ferramenta que contribui para a demo-
cratização da informação e para o alargamento da prática política de sujeitos
sociais, individuais ou coletivos, para o controle democrático das ações do
Estado e seu direcionamento para o alcance dos interesses coletivos.

Um exemplo disso foi a aprovação da Lei da Ficha Limpa (Lei
Complementar nº. 135/2010). Trata-se de uma lei de iniciativa popular, a-
presentada ao Congresso Nacional, com respaldo na Constituição de 1988,
que estabelece regras mais rígidas para que políticos condenados pela justiça
sejam impedidos de concorrer a mandatos eletivos (BRASIL, 2010). Pelos
preceitos constitucionais, a aprovação da lei dependeria da assinatura de

..............................................................................
2 Diz respeito a um conjunto de mutações ocorridas no campo tecnológico e do conhecimento, que produz efeitos
significativos, para o bem e para o mal, no modelo de produção, nas relações de trabalho, nos hábitos culturais e nos
sistemas de valores e percepções humanas (CASTELLS, 1999; LOJKINE, 2002).
3 Pinho (2008) define e-governo como a informatização das atividades internas do governo, de comunicação com
cidadãos, com setores da sociedade e do próprio governo, através de portais governamentais disponíveis na rede
mundial de computadores e que impactam na transparência das ações do Estado.

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1% do eleitorado brasileiro, num universo de 135,8 milhões4 de eleitores.
Para atingir esse percentual, a internet foi um instrumento fundamental:
por ela foram colhidas milhões de assinaturas eletrônicas nas redes sociais
e sítios virtuais, proporcionando o alargamento do espaço público brasileiro
e o estreitamento dos canais de comunicação, de pressão e controle entre
sociedade civil e sociedade política.

Contudo, a funcionalidade da transparência, por meio da internet,
para um controle social efetivo das ações do Estado, tem como grande li-
mitação a exclusão digital. Como afirma Balboni (2007, p. 38), “a exclusão
digital no Brasil acompanha o cenário de exclusão social do país”. A pes-
quisa de Balboni (2007) revela as desigualdades de renda e de educação
como grandes empecilhos para o acesso aos serviços de internet, posto que
a população de baixa renda e baixa escolaridade possui pouca ou nenhuma
familiaridade com o uso da informática e por isso tem acesso limitado à re-
de mundial de computadores.

Apesar da exclusão digital, a sociedade brasileira tem vivenciado
grandes manifestações de massa, como as jornadas de junho de 2013, em
São Paulo. Elas foram mobilizadas pelas redes sociais na internet por jovens
estudantes, reunindo milhares de pessoas contra o aumento das tarifas de
transportes urbanos, sendo disseminadas para a maioria das capitais e cida-
des e incorporando diversas outras demandas, principalmente a precarie-
dade dos serviços públicos e o combate à corrupção5. Nesse cenário, foram
evidenciadas as formulações teóricas de Gramsci (1984) de que o Estado
opera tanto pelo uso de aparatos coercitivos quanto pela busca do consenso.
Tomando como exemplo as jornadas de junho de 2013, os manifestantes
tornaram visíveis, pelo exercício da democracia direta e por meio de divul-
gação no espaço virtual, as insatisfações, contradições e heterogeneidades
da sociedade civil, que levaram o Estado brasileiro a adotar uma conduta
tanto coercitiva quanto de busca por consenso. No primeiro caso, a so-
ciedade política, representada pela Polícia Militar, agiu por meio da vio-
lência e criminalização dos manifestantes; posteriormente, sob pressão po-
pular, pela busca de consenso, com as demandas da sociedade tendo resso-
nância nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que, com legitimidade
abalada, viram-se obrigados a dar resposta imediata a algumas delas.

A ida da população às ruas, promovendo o alargamento do espaço
público e o exercício da democracia direta, indica que o processo de demo-
cratização na sociedade brasileira vem conseguindo alcançar patamar mais
elevado. A ampla mobilização e a publicização das manifestações pelas
redes sociais, no espaço virtual, deram visibilidade à correlação de forças,
presente no constructo teórico gramsciano, que se trava entre os grupos
dominantes e a população que ocupa as ruas. Ficou visível tanto a busca

..............................................................................
4 Dado disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/evolucao-do-eleitorado>.
5 Dados disponíveis em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Manifestações_no_Brasil_em_2013>.

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por consensos quanto a presença de práticas coercitivas que atravessam a
relação entre sociedade civil e sociedade política, com a primeira atuando
para fazer valer seus interesses e criar e garantir direitos perante a sociedade
política. Essa, por sua vez, utilizando-se do seu poder de força, lança mão
de seus aparelhos coercitivos, dentre os quais a violência física e, devido à
pressão do poder de mobilização das ruas, também toma medidas que
levam à socialização da política, ou seja, à aproximação entre a sociedade
civil e o Estado. Uma iniciativa nessa direção foi tomada pelo Poder
Executivo, quando a Presidente da Republica reuniu ministros, gestores
públicos e representantes de movimentos sociais para propor um pacto
com “as vozes que vêm das ruas”, conforme expôs no seu discurso6, para
dar respostas às questões que mobilizaram a população brasileira, em junho
de 2013, com destaque para a realização da reforma política: melhorar a
qualidade do transporte público, da saúde e da educação.

Apesar da assimetria entre os discursos e as práticas do governo
brasileiro, as propostas e iniciativas adotadas na dimensão da sociedade
política, nos momentos históricos de luta e mobilizações protagonizadas
pela sociedade civil, do impeachment do Presidente Fernando Collor aos
protestos de rua atuais, demonstram que, mesmo em condições bem distintas
da realidade vivida por Gramsci, o seu aparato teórico de defesa da vitória
do consenso e da democracia como principal força criadora (COUTINHO,
1998), contribui para reflexão e compreensão da realidade brasileira mais
recente. Além disso, para o quanto ainda se tem que avançar para alcançar
um patamar mais qualitativo de participação social no controle do Estado
em direção à socialização da política. Esta, expressa na dialética gramsciana
como aquele ponto em que se desfaz a dicotomia entre Estado e sociedade
civil, construindo um projeto societário no qual o consenso se sobrepõe à
coerção e os interesses coletivos suplantam os interesses privados da classe
dominante.

Considerações finais

As concepções teóricas de Gramsci firmam-se como referência
de análise e interpretação da realidade contemporânea brasileira com a
abertura do processo de democratização do Brasil, fruto das lutas sociais
contra a Ditadura Militar. A Constituição de 1988, que tem a democracia
como principal fundamento, representa o marco da legitimação e lega-
lização da participação da sociedade no controle das ações do Estado.
Cria, também, um ambiente favorável à construção de um modelo de Estado
que, como Gramsci (2005a) preceitua, funciona como unidade orgânica

..............................................................................
6 Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-
rousseff-durante-reuniao-com-governadores-e-prefeitos-de-capitais>.

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ampliada da qual a sociedade civil é parte integrante, sua dimensão ética e
base material para a luta por hegemonia.

Nesse cenário, a influência do pensamento gramsciano no quadro
analítico de atuação dos movimentos sociais, participando do controle das
ações do Estado, segue por vias interpretativas distintas; uma vinculada ao
projeto político neoliberal e outra, ao projeto político de aprofundamento
democrático, que se contrapõem como ideologias orientadoras do fun-
cionamento da sociedade brasileira. As concepções de sociedade civil e de
Estado, apresentadas por Gramsci (1984; 2005a), sofrem desvios conceituais
no quadro interpretativo dos intelectuais orgânicos que defendem a ideo-
logia neoliberal, hegemônica no Brasil desde os anos 1990. Nessa visão, a
sociedade civil é chamada a atuar com papel complementar à atuação do
Estado mínimo, operando de forma despolitizada, por interesses individuais,
corporativos e setoriais.

No projeto político democratizante, os movimentos sociais com-
põem a dimensão da sociedade civil, concebida como espaço de lutas de-
mocráticas e por direitos, alinhados ao referencial gramsciano. Possuem o
papel político de fortalecer o processo democrático por meio de práticas
políticas que ampliam a participação da sociedade e seu poder de decisão
política, na perspectiva da transformação social, ou seja, da hegemonia do
poder político pelas classes subalternas. Situados no contexto da revolução
das tecnologias da informação, a internet vem se constituindo como fer-
ramenta importante para o alargamento da ação política dos movimentos
sociais, num espaço público de dimensão mundial. Pois, fazendo uso de
redes sociais, sites e navegadores móveis, eles se mobilizam e se articulam
entre si e com o aparato estatal. O espaço público virtual possibilita a pu-
blicização e transparência do Estado brasileiro. Além disso, contribui para
a democratização da informação, facilitando o controle das ações estatais
pela sociedade e vice-versa, embora também seja útil como reserva de
informação e de poder pelas classes dominantes, para preservar sua he-
gemonia, favorecida pela exclusão digital. Esta, no Brasil, se dá na mesma
proporção da exclusão social.

Nas condições históricas do século XXI, nas quais a materialização
das ideias de Gramsci (1984) de Estado ampliado encontram barreiras ideo-
lógicas que dificultam o estabelecimento de uma relação mais justa entre o
aparato estatal e sociedade, as manifestações e lutas políticas dos movimen-
tos sociais, no Brasil, contribuem para avistar, à luz do pensamento grams-
ciano, alternativas contra a alienação da sociedade e a favor da construção
de relações dialéticas entre sociedade política e sociedade civil, tendo o
consenso como base.

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Recebido em 15 de setembro de 2014 79
Aprovado para publicação em 08 de maio de 2015.

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Controversias
sobre el desarrollo

Controvérsias sobre o desenvolvimento
Controversies in development

Claudio Katz*

Resumen – El pos-desarrollismo expone acertadas críticas y participa
en intensas resistencias contra el extractivismo. Pero algunas variantes
objetan el propio concepto de desarrollo, olvidando que el retraso
económico no es un relato sino una dura realidad que distingue a
Latinoamérica de los países centrales. Las propuestas localistas per-
miten iniciativas comunitarias, pero no enmiendan las falencias del
capitalismo. Tampoco doblegan la agenda extractivista que com-
parten gobiernos muy disimiles. Con criterios puramente ambien-
talistas no se puede distinguir a los modelos neoliberales, neo-desarrol-
listas y redistributivos. Los proyectos eco-socialistas concilian protec-
ción ambiental con crecimiento e igualitarismo, evitando el endiosa-
miento de la naturaleza. El rechazo pos-moderno del desarrollo obs-
truye, en cambio, esos objetivos y contradice su aceptación de otras
metas generales. Tampoco clarifica los intereses sociales subyacentes
en los distintos esquemas en disputa. Las rebeliones populares nece-
sitan sustentos teóricos comprometidos con juicios para comprender
la realidad.
Palabras clave: capitalismo; América Latina; extractivismo.

Resumo – O pós-desenvolvimentismo expõe contundentes críticas e
participa em intensas resistências contra o extrativismo. Porém, algu-
mas variantes objetam o próprio conceito de desenvolvimento, esque-
cendo que o atraso econômico não é um relato e sim uma dura rea-
lidade que distingue a América Latina dos países centrais. As propostas
localistas permitem iniciativas comunitárias, mas não corrigem as fa-
lências do capitalismo. Tampouco submetem a agenda extrativista
que governos muito distintos compartilham. Com critérios puramente
ambientalistas não se pode distinguir os modelos neoliberais, neodesen-
volvimentistas e redistributivos. Os projetos ecossocialistas conciliam
proteção ambiental com crescimento e igualitarismo, evitando o en-
deusamento da natureza. A rejeição pós-moderna do desenvolvimento
obstrui, por sua vez, esses objetivos e contradiz sua aceitação de
outras metas gerais. Também não deixa claros os interesses subjacentes
nos distintos esquemas em disputa. As rebeliões populares precisam
de sustentos teóricos comprometidos com reflexões para compreender
a realidade.
Palavras-chave: capitalismo; América Latina; extrativismo.

..............................................................................
* Economista, investigador del Conicet, profesor de la UBA, miembro del EDI. Su página web es: <www.lahaine.org/
katz>. Correspondência: Salguero 2044, 8vo piso - Buenos Aires, Argentina. CP 1425. E-mail:
<[email protected]>

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Abstract – Post-developmentalism make sharp criticisms and partici-
pates in intensive resistance against extractivism. However, some
variants challenge the very concept of development, forgetting the
harsh reality that distinguishes the less developed countries of Latin
America from the core countries. Localist proposals allow for commu-
nity initiatives, but neither correct capitalism’s failures nor counter
the extractivist agenda shared by very distinctly-aligned governments.
With purely environmentalist criteria, it is not possible to distinguish
between neoliberal, neodevelopmentalist, and redistributivist models.
Ecosocialist projects reconcile environment protection with economic
growth and egalitarianism, avoiding the enshrinement of nature. The
postmodern rejection of development, however, hinders these ob-
jectives and contradicts its acceptance of other general goals. It also
does not make clear the underlying interests in the different schemes
in dispute. Popular rebellion needs theoretical support engaged in re-
flections to understand reality.
Keywords: capitalism; Latin America; extractivism.

Introducción

Las intensas críticas a los modelos de crecimiento que deterioran el
medio ambiente han modificado sustancialmente los debates sobre el de-
sarrollismo. Estas polémicas incorporan una dimensión ignorada en el pasado
y toman en cuenta las contundentes objeciones que en América Latina for-
mulan los objetores de la agro-exportación y la minería a cielo abierto1.

Estos cuestionamientos resaltan la existencia de un patrón de acu-
mulación que refuerza la condición dependiente de la región y su inserción
periférica (o semiperiférica) en la división internacional del trabajo. Ese
modelo consolida la desposesión de las mayorías populares, acentúa la de-
socupación y amplifica la precarización del empleo.

La depredación del medio ambiente suscita incontables conflictos
sociales. Los adversarios del desarrollismo participan activamente en la re-
sistencia popular contra el saqueo del subsuelo, la desertificación, la extin-
ción de las selvas y la desaparición de los bosques. Aportan detalladas de-
nuncias de las consecuencias de esa demolición.

Las movilizaciones para preservar los recursos naturales originaron
gran parte de las movilizaciones populares del último quinquenio. Un tercio
de estas acciones estuvieron relacionadas con esa problemática y sólo en
el 2012 se computaron 184 confrontaciones de ese tipo en la región. Cinco
protestas alcanzaron dimensiones transfronterizas (SVAMPA, 2013; BRUCK-
MANN, 2012).

Las críticas al extractivismo han sido planteadas desde enfoques
ideológicos muy variados. Algunos teóricos cuestionan ese atropello con
miradas reformistas promoviendo mayores regulaciones del estado. Otros

..............................................................................
1 Ver: Gudynas, (2009; 2013; 2012), Zibechi, (2012), Svampa (2010), Acosta (2009; 2012).

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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observan el deterioro del medio ambiente desde perspectivas marxistas,
como un efecto de la competencia por beneficios surgidos de la
explotación. Un tercer conglomerado de autores postula ideas pos-
desarrollistas.2

1. Objeciones al desarrollo

El genérico término de pos-desarrollo es utilizado por muchos
participantes de la batalla contra el extractivismo. Identifican ese concepto
con un proyecto alternativo al modelo actual de acumulación a costa de la
naturaleza. Pero desde principios de los años 90 esa noción también presen-
ta otra acepción, como cuestionamiento a todas las nociones de desarrollo.
Arturo Escobar sintetiza esta visión, postulando una influyente caracteri-
zación del escenario latinoamericano. En sus escritos polemiza con los
fundamentos “euro-céntricos” del desarrollo y remarca la atadura de ese
concepto al restrictivo universo de las teorías modernas. Estima que los
desarrollistas no registran la existencia de otras trayectorias de convivencia
humana y propone una “de-construcción del desarrollo”.

Esa labor permitiría sustituir los razonamientos dependientes del
pensamiento occidental por enfoques centrados en la revalorización de las
culturas vernáculas. Resalta la inutilidad de las viejas preguntas sobre el
subdesarrollo de la periferia y promueve indagar las distintas formas en
que Asia, África y América Latina fueron representadas como regiones atra-
sadas.

Escobar alienta ese viraje analítico mediante un rechazo de las
preocupaciones tradicionales por el progreso y el avance de las fuerzas
productivas. Considera más provechoso evaluar los discursos y las repre-
sentaciones que emergen de las resistencias sociales. Convoca a estudiar
esas protestas como prácticas del saber y como actos de subversión de los
conocimientos.

La mirada de Escobar no retoma los cuestionamientos tradi-
cionales a cierto tipo de desarrollo. Objeta la propia idea de desenvol-
vimiento económico y social, a partir de una impugnación de las cosmo-
visiones totalizadoras. Estima que obstruyen la percepción de las diferencias
y la clarificación de los problemas. Para superar estas adversidades considera
necesario abandonar el viejo apego a una sola perspectiva analítica. Aboga
por la multiplicidad de enfoques y polemiza con el desconocimiento mar-
xista de esa variedad. Estima que la simbiosis de esa teoría con la modernidad
le ha quitado capacidad interpretativa y atribuye ese empobrecimiento a
la preeminencia asignada a la búsqueda de cierta verdad (ESCOBAR, 2005,
p. 17-30).

..............................................................................
2 Una detallada descripción de los distintos enfoques en: Seoane, Taddei, Algranati (2013, p. 257-279).

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Otros autores aplican un enfoque semejante a la problemática
de la dependencia. Afirman que esa noción padece ataduras al proyecto
modernista y genera funcionalismo y mecanicismo. Critican el deslum-
bramiento con las creencias modernizadoras y con las expectativas de pro-
greso ancladas en el devenir de ciertas leyes sociales (MUNCK, 1999).

2. La realidad del subdesarrollo

Escobar constata el retraso estructural de América Latina pero
cuestiona la necesidad de su desarrollo. Esta contradicción deriva de su
peculiar caracterización de las carencias socio-económicas de la región. El
autor reconoce la diferencia cualitativa que separa a toda la zona de las
economías avanzadas, pero sustituye la mirada habitual de esa brecha como
una fractura entre el centro y la periferia por un contraste entre dos tipos
de modernidades. Contrapone la variante plena y dominante de ese modelo
en los países centrales, con la forma colonial y subordinada que imperó en
la región (ESCOBAR, 2013). Con ese enfoque, destaca más las desventuras
culturales, políticas e ideológicas de América Latina, que su inserción de-
pendiente en el capitalismo mundial. Relativiza el impacto del subdesarrollo
económico y pierde de vista las consecuencias de la exacción de recursos,
el vaciamiento de riquezas, las transferencias de valor y la especialización
productiva en exportaciones primarias. Esta desposesión determinó una
escala de atraso semejante al padecido por otras zonas periféricas del planeta.

Escobar rechaza las convocatorias usuales al desarrollo de América
Latina. Considera que esos llamados recrean la “invención del subdesar-
rollo” que construyeron los colonialistas y repiten los colonizados (ESCO-
BAR, 2010a). Sin embargo, esa visión conduce a presentar el status objetivo
del atraso latinoamericano como un simple imaginario, difundido por los
poderosos y convalidado por los subordinados. Olvida que el subdesarrollo
no es una creencia, un mito o un discurso, sino una terrible realidad de
hambre, baja escolaridad y pobreza.

Este desconocimiento conduce a evadir el grave problema que
afronta una región relegada. Durante siglos los principales intelectuales
latinoamericanos constataron ese atraso. No priorizaron la temática del
desarrollo por atadura a un relato emanado de Occidente, sino por las du-
ras vivencias experimentadas en todos los países. Escobar elude este dato.
Se limita a evaluar discursos, sin conectar esos enunciados con el drama
rector del subdesarrollo. Por eso divorcia la exposición verbal del problema
de sus manifestaciones materiales directas, omitiendo las falencias específicas
de América Latina.

La región no sólo necesita como todas las sociedades del planeta
encontrar un camino de desenvolvimiento que preserve el medio ambiente.
Debe, además, incrementar la satisfacción general de las necesidades básicas

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y reducir con desarrollo la distancia que la separa de las economías avanza-
das. Frenar el desastre ecológico es una meta de primer orden tanto para
Haití como para Suiza, pero erradicar el atraso no es tarea común a ambos
países.

Escobar denuncia acertadamente las consecuencias destructivas
del capitalismo contemporáneo. Pero esa constatación no alcanza para
evaluar el impacto diferenciado de ese deterioro en el centro y la periferia
del sistema. Tampoco permite deducir los cursos de acción necesarios para
remediar esa demolición.

Al igual que el resto de la periferia, América Latina debe combinar
las protecciones ambientales con la aceleración del crecimiento. Si el subde-
sarrollo es visto como un mero relato de la modernidad, no hay forma de
encontrar propuestas que sinteticen las salvaguardas ecológicas con la supe-
ración del retraso económico.

3. Insuficiencias del localismo

Escobar prioriza las iniciativas locales y comunitarias. Descree
de los proyectos totalizadores y se inclina por trabajos en ámbitos más res-
tringidos. Su rechazo del desarrollo coincide con el disgusto por las pro-
puestas de gran porte que formulan los estados nacionales y los organismos
regionales. Su enfoque pondera las experiencias ensayadas en el terreno
local por los movimientos sociales y las ONGs. Remarca las ventajas que
genera ese plano de intervención, en contraposición a los grandes proyectos
que demandan las distintas clases sociales (ESCOBAR, 2005, p. 17-30). Su
rescate de la acción comunitaria contribuye a rehabilitar los principios de
la solidaridad y la cooperación. Pero los emprendimientos que se encaran
con esos valores, sólo conquistan mayor relevancia cuando logran desbordar
el ámbito inmediato. Si estas iniciativas no se inscriben en proyectos es-
tratégicos de transformación social, pierden fuerza y consistencia.

La acotada perspectiva localista no permite gestar las iniciativas
requeridas para resolver los grandes problemas de la región. Estos temas
involucran acciones en vastos terrenos como la energía, las finanzas o la
industrialización, que no pueden implementarse sólo a escala local.

La visión comunitaria es afín al viejo utopismo cooperativista. En
su formato clásico esa visión promueve la progresiva disolución de las re-
laciones de explotación, al cabo de una prolongada expansión de empresas
auto-gestionadas. Ese tipo de emprendimientos permite efectivamente
prefigurar un futuro igualitario, pero sólo aporta algunas semillas dispersas
de ese porvenir. Un florecimiento significativo de la economía solidaria
exige superar las reglas de la rivalidad y del lucro que rigen bajo el ca-
pitalismo. La experiencia ha demostrado que una sociedad equitativa no
puede construirse en torno a islotes cerrados en los poros del sistema actual.

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Escobar se distancia explícitamente de los planteos neo-ludistas
y cuestiona las actitudes que romantizan la esfera local. Pero su concepción
tiene grandes parentescos con esas utopías. Confirma esa proximidad cuando
defiende la centralidad de las experiencias comunitarias, como principal
camino de transformación social. Destaca que sólo allí se forjan los universos
culturales que permitirían avanzar hacia el empoderamiento político
(ESCOBAR, 2005, p. 17-30). Sin embargo, omite trazar un balance histórico
de esos emprendimientos. Varios siglos de experiencias ilustran la imposibi-
lidad de erradicar el capitalismo a través de una acumulación de ensayos
locales. Ninguna de esas modalidades desafió la continuidad actual del sis-
tema de competencia, beneficio y explotación.

En numerosos países se registraron momentos de gran expansión
de las comunas agrarias, los kibutzim, las cooperativas industriales y las fá-
bricas auto-gestionadas. Pero en ningún caso se verificó la esperada trayec-
toria hacia el cambio de sociedad. Este giro puede ser preparado, forjando
universos culturales alternativos y ampliando la fuerza política de los opri-
midos. Pero requiere una conquista del poder político, que es habitualmente
objetada o rehuida por los teóricos del localismo.

La formulación más conocida de esa concepción convoca ex-
plícitamente a soslayar el manejo de la estructura estatal, para “cambiar el
mundo sin tomar el poder” (HOLLOWAY, 2002, p. 122-143). Considera
que esa captura recrearía las desventuras actuales, sustituyendo a un go-
bernante por otro en la administración del mismo estado. Pero la con-
tinuidad que denuncia obedece a la preservación de los intereses capitalistas
por parte de las elites, que se suceden en el manejo del estado. Si esas
clases y capas privilegiadas son desalojadas del poder y sustituidas por re-
presentantes de los oprimidos es posible construir otro estado y comenzar
la construcción de otra sociedad.

Restringir la acción político-social al plano local eludiendo la
conquista del gobierno y el manejo del estado conduce a perpetuar el ca-
pitalismo. Un camino opuesto de emancipación exige iniciar una larga
transición hacia formas de gestión igualitaristas, que permitirían la paulatina
extinción de las estructuras estatales actuales.

En horizontes temporales previsibles el localismo no puede
reemplazar al estado, como referente de las demandas populares y como
centro de la acción política. Cualquiera sea la multiplicación de con-
trapoderes alternativos resulta imposible desenvolver una lucha social
efectiva ignorando a esa institución. El localismo desconoce ese dato y no
formula estrategias pos-capitalistas adaptadas a las singularidades de América
Latina3.

.............................................................................. 85
3 Nuestra visión en: Katz (2008, p. 129-147).

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4. El barómetro extractivo

La existencia de un amplio abanico de gobiernos progresistas puso
a prueba en la última década la consistencia de las tesis localistas. Se crearon
escenarios transformadores que desbordaron el radio comunitario. Pero la
mayor dificultad se registró con el extractivismo como criterio de evaluación
de esas administraciones. Este último rasgo es compartido por distintos go-
biernos latinoamericanos. Es una característica común de administraciones
derechistas, centro-izquierdistas y radicales. Todos se han amoldado a la
reinserción internacional de la región como abastecedora de insumos bá-
sicos. ¿Corresponde por lo tanto situarlos en un casillero compartido de
extractivismo?

Algunos partidarios del pos-desarrollismo tienden a resaltar esa
uniformidad, en sus cuestionamientos frontales a los presidentes que avalan
el proyecto primarizador (DÁVALOS, 2013). Escobar se inclina por una
postura intermedia. Rechaza la opción desarrollista de todas las adminis-
traciones, pero declara su simpatía con la propuesta del Buen Vivir que
promueve Correa y con las políticas generales que implementan Maduro,
Mujica y Kirchner (ESCOBAR, 2010a; 2013). Esta ambivalencia confirma
la dificultad para elaborar respuestas políticas, a partir de razonamientos
exclusivamente centrados en la problemática del medio ambiente.

Esa dimensión constituye un importante elemento del contexto
regional, pero no determina el perfil adoptado por cada gobierno. Para ca-
racterizar esa fisonomía hay que considerar el sustento social, los intereses
de clase y las alianzas geopolíticas privilegiadas por cada administración.
Esos factores son más influyentes que la orientación seguida en el manejo
de las materias primas. La simple caracterización de los gobiernos en función
de sus afinidades con la agenda extractivista genera múltiples incon-
sistencias. La centralidad común que tienen las exportaciones básicas no
torna equivalentes a los presidentes neoliberales de Perú o México, neo-
desarrollistas de Argentina, radicales de Bolivia o Venezuela y revo-
lucionarios de Cuba.

Los sistemas político-económicos que impusieron los derechistas
Uribe y Santos se ubican en las antípodas del reformismo radical que han
liderado Chávez y Maduro, a pesar de la incidencia semejante que tiene la
extracción de combustible en Colombia y Venezuela. El contrapunto es
mucho más drástico entre Alan García y Ollanta Humala con Fidel y Raúl
Castro, a pesar de la relevancia común de ciertas actividades mineras en
Perú (oro) y Cuba (níquel). Las categorías de neo-liberalismo o neo-desar-
rollismo se refieren a orientaciones económico-políticas mucho más abar-
cadoras que la gravitación alcanzada por el petróleo o los distintos metales
en cada país.

En nuestras caracterizaciones de los gobiernos derechistas, centro-
izquierdistas y radicales hemos asignando primacía analítica a las relaciones

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con las clases dominantes, el imperialismo y las masas populares. Este criterio
permite entender por qué razón Chávez y Evo han sido mandatarios con-
trapuestos a Piñera y Uribe, a pesar de ejecutar orientaciones parcialmente
semejantes en el manejo del petróleo o la minería (KATZ, 2008, p. 39-64).
El barómetro extractivo dificulta ese esclarecimiento. No brinda elementos
para distinguir las posturas de derecha, centro e izquierda o las conductas
de elitismo, populismo y movilización antiimperialista. Nuestro enfoque
se apoya en fundamentos marxistas para interpretar las tendencias de cada
gobierno. Con esa mirada evaluamos no sólo la preeminencia de métodos
extractivistas para la explotación de los recursos naturales, sino también el
destino asignado al excedente obtenido en esas actividades.

5. Variedad de gobiernos

El generalizado extractivismo que impera en América Latina a-
punta en cada país propósitos específicos. Las administraciones neoliberales
convalidan la tajada obtenida por los bancos, las empresas transnacionales
y los capitalistas locales de la agro-minería. Los mandatarios neo-de-
sarrollistas equilibran ese destino con subvenciones a la burguesía industrial
e inversiones en el mercado interno. Los gobiernos nacionalistas radicales
restringen esos beneficios, para intentar mejoras sociales con políticas de
redistribución del ingreso. Entre los neoliberales la explotación de los recur-
sos naturales está plenamente amoldada al libre-comercio, la desregulación
financiera y las privatizaciones. Cualquier resistencia popular a la depredación
del medio ambiente es respondida con brutalidad policíaco-militar.

Perú ofrece el retrato más contundente de esa reacción. El mega-
proyecto minero de Conga en Cajamarca genera desde 1993 una gran des-
trucción de la naturaleza, que enriquece a los concesionarios del empren-
dimiento aurífero más grande de Sudamérica. Los campesinos se han mo-
vilizado contra una explotación a cielo abierto que destruye la provisión
de agua. Libran una encarnizada batalla contra el proyecto de ampliar la
mina. Esa extensión aniquilaría cuatro lagunas y dejaría un pálido reservorio
artificial, manejado por empresas que obtendrían 15 mil millones de dólares
de utilidades. Al cabo de veinte años de saqueo del subsuelo la explotación
de Conga no ha generado ningún beneficio social. El 53 % de los habitantes
de la región subsiste en condiciones de pobreza. La lucha contra ese atro-
pello ya dejó varios muertos. El líder de la resistencia se encuentra actual-
mente apresado, a pesar del enorme caudal de votos que recibió en su
presentación para cargos electivos (NORIEGA, 2014; GUDYNAS, 2012a).

En el modelo neo-desarrollista ensayado en Argentina, el extra-
ctivismo se concentra en la soja. La expansión de ese cultivo se consuma
podando bosques, fumigando superficies, desplazando la ganadería y des-
truyendo la agricultura diversificada.

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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El intento oficial de incrementar la apropiación estatal de la renta
sojera – mediante mayores impuestos – provocó un gran conflicto con el
agro-negocio en 2008. El gobierno perdió esa batalla y también la fuente
de recursos para su intento de reindustrialización. Por esta razón, una vez
agotada la recuperación pos-2001, se apagaron los motores del desarrollo.

Ese fracaso coincidió, además, con el afianzamiento de políticas
destructivas del medio ambiente en el terreno de la minería y el petróleo.
Pero es importante registrar la fallida pretensión industrial-neo-desarrollista
del modelo argentino, para comprender sus significativas diferencias con
el esquema neoliberal peruano (KATZ, 2014).

Esta misma distinción podría extenderse a Ecuador, que imple-
menta un curso más parecido a la Argentina que a Perú. Su versión neo-
desarrollista no apunta a recrear el peso de la industria, pero sí a estabilizar
un proceso de acumulación capitalista. A diferencia de Argentina la proble-
mática del medio ambiente ha sido central bajo el gobierno de Correa. Un
gran conflicto persiste con los movimientos sociales en torno al manejo de
los recursos naturales. Esa confrontación se ha dirimido a partir de la decisión
oficial de extraer el petróleo del Parque Nacional de Yasuní, que concentra
un ambiente de extraordinaria biodiversidad. La intención inicial de preser-
var esa riqueza bajo tierra con proyectos internacionales de protección
ambiental quedó atrás. El gobierno confronta con todos los opositores a la
extracción del crudo, combinando lenguaje autoritario con argumentos
conservadores4..

La severidad de estos mensajes retrata la decisión oficial de utilizar
los recursos petroleros para reforzar la estabilización del modelo capitalista.
Intenta consolidar ese esquema con mayor eficiencia estatal y asistencia
social. La reducción de la pobreza, las mejoras en la infraestructura, el per-
feccionamiento del sistema impositivo pretenden cimentar un modelo, que
incluye acuerdos de libre-comercio con la Unión Europea y financiamiento
internacional con monitoreo del FMI (BORJA, 2014).

Frente al esquema neoliberal y su contraparte neo-desarrollista,
existe una tercera orientación más redistributiva. Venezuela implementa
ese esquema utilizando el petróleo para financiar las misiones, incrementar
el consumo y reducir la desigualdad social. El contraste de estas políticas
con los gobiernos precedentes (copeyanos y adecos) es mayúsculo, a pesar
de la continuidad que se verifica en la preeminencia de la petroeconomía.
El chavismo también ha realizado un intento diversificación productiva
que no prosperó por la respuesta desinversora de los capitalistas y por los
límites del gobierno para confrontar con ese rechazo.

Un modelo semejante de recuperación estatal prioritaria de la
renta de los hidrocarburos para solventar mejoras sociales se ha imple-

..............................................................................
4 Ver: Sousa Santos (2014), Acosta (2012), Cuvi (2013), Stefanoni (2014).

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mentado en Bolivia. En este caso el esquema se estabilizó, sin remover la
estructura improductiva y el elevado subdesarrollo del país.

El predominio de inversiones en sectores primarios en el Altiplano
es tan visible como los compromisos suscriptos con grandes empresas trans-
nacionales. Pero el criterio de evaluación puramente extractivista no escla-
rece por qué razón el esquema político, económico y social de Bolivia y
Venezuela difiere del curso imperante en otros países.

6. Industrialización y eco-socialismo

La evaluación del escenario regional con parámetros exclusiva-
mente centrados en el medio ambiente impide registrar las prioridades de
industrialización. Este objetivo exige ante todo descartar las estrategias de
protección de la naturaleza basadas en la reducción del crecimiento. Todos
los países necesitan con urgencia intensificar el ritmo de su expansión pro-
ductiva. Esa aceleración requiere utilizar parte de los recursos naturales en
proyectos de exportación que permitan financiar ese desenvolvimiento. La
discusión con el neo-desarrollismo debe girar en torno a los protagonistas
y sistemas sociales que permitirían alcanzar ese objetivo.

Muchos autores pos-desarrollistas olvidan esa prioridad en sus
críticas a la “ideología productivista de la izquierda”. Esos cuestionamientos
deberían ser planteados con mayor cuidado.

Ciertamente existió una tradición soviética de industrialismo taylo-
rista que desconocía los efectos contaminantes del crecimiento intensivo.
Pero ese modelo fue anterior al actual reconocimiento del deterioro am-
biental y no estuvo motivado por el apetito de la ganancia o la presión
competitiva. Esta diferencia cualitativa con el modelo capitalista no es un
dato menor. Tampoco es secundario el antecedente que ofrece esa ex-
periencia para los procesos acelerados de industrialización que podrían
implementar los países periféricos.

América Latina necesita gestar un modelo productivo para superar
sus carencias económico-sociales. Reconoce esta urgencia industrial no
implica avalar el extractivismo. Sólo induce a conciliar las políticas de sus-
tentabilidad ambiental con las estrategias de desarrollo. Se debe com-
patibilizar la protección de la naturaleza con la creación de empleo y con
la generación de las divisas requeridas para sostener un modelo de creci-
miento. Para implementar ese esquema hay que establecer distinciones en
las formas de procesar los recursos naturales. En este terreno son escla-
recedoras las investigaciones de varios autores que han establecido dife-
rencias entre la minería y el extractivismo. Demuestran que dinamitar mon-
tañas a cielo abierto o contaminar las napas con cianuro, no es la única
forma de obtener minerales (GUDYNAS, 2013).

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Las principales controversias aparecen frente a las concepciones
más extremas que ignoran la imperiosa necesidad de la industrialización.
Partiendo de ese desconocimiento se limitan a promover iniciativas de
economía comunitaria y cuestionan las políticas de desarrollo centralizado
y protagonismo de empresas estatizadas. Estas visiones suelen recaer en
imaginarios “Eldoradistas” de endiosamiento de la naturaleza y mistificación
del mundo rural. Exaltan la agricultura tradicional y olvidan que cualquier
práctica económica necesariamente afecta al medio ambiente.

Estos enfoques ignoran, además, la existencia de alternativas pro-
gresistas de crecimiento selectivo, basadas en jerarquizar la producción de
los bienes sociales en desmedro de las mercancías prescindibles. Una dis-
criminación de ese tipo permitiría, por ejemplo, sustituir paulatinamente
los combustibles no renovables por la energía solar. Ese viraje podría comen-
zar reduciendo la fabricación de los productos dañinos y acotando el dispen-
dioso consumismo privado. El puntapié de ese giro podría ser el progresivo
reemplazo del automóvil individual por formas de transporte colectivo.
Las referidas propuestas se inscriben en los enfoques que ha elaborado el
eco-socialismo. Varios autores marxistas promueven esa visión, en contra-
posición a la destrucción capitalista de la naturaleza y a las ingenuas res-
puestas localistas a esa demolición.

El eco-socialismo ha demostrado cómo podría conciliarse la pro-
tección ambiental con el desarrollo, redefiniendo el significado de los bie-
nes, diferenciando los productos necesarios de los superfluos y creando
sistemas de información que reemplacen a la publicidad.

Tales iniciativas se enmarcan en una perspectiva de control social
de los recursos y selección popular de alternativas de producción y consu-
mo. Suponen avanzar en el establecimiento de formas de planificación de-
mocrática a escala global, a medida que madura un horizonte socialista
(LOWY, 2009a, 2009b; TANURO, 2014). Con esta visión anticapitalista
resulta posible superar la estéril oposición entre extractivismo y pacha-
mamismo. El eco-socialismo permite resolver esa tensión, combinando pro-
puestas pos-capitalistas de expansión productiva, igualdad social y Buen
Vivir (BORON, 2013, p. 9-14).

7. El parentesco posmoderno

Las tesis localistas y naturalistas que cuestionan la idea de de-
sarrollo, no postulan el reemplazo de esa noción por algún principio equi-
valente. Como descreen de las totalidades, las comparaciones y los pro-
pósitos históricos rechazan la utilidad de los conceptos rectores.

Pero prescindiendo de nociones orientadoras resulta imposible
esclarecer los problemas en debate. Esos fundamentos permiten ordenar el
análisis y superar la espontánea percepción de la realidad circundante como

EM PAUTA, Rio de Janeiro _ 1o Semestre de 2015- n. 35, v. 13, p. 80 - 98

90 Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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un caos incomprensible. Para definir los significados, implicancias y conse-
cuencias del extractivismo hay que adoptar algún patrón analítico y ex-
plicitar algún objetivo general. Lo mismo ocurre con la objetada com-
paración. Si se declara la inutilidad de ese instrumento para clarificar las
controversias, no se entiende cómo podría avanzar la comprensión de los
problemas. Su explicación está muy ligada al contraste con procesos se-
mejantes o contrapuestos.

En todas las discusiones del pensamiento social latinoamericano
siempre se ha reconocido la gravitación de ciertas metas (como el desarrollo)
y la existencia de ciertos impedimentos para alcanzarlas (como la depen-
dencia). Al desconocer estos parámetros, no hay forma de saber cuáles son
los obstáculos para alcanzar los objetivos en debate. Escobar cuestiona es-
tos principios pero curiosamente los utiliza en sus propias reflexiones, cuan-
do incluye nítidas metas de protección del medio ambiente y lucha contra
el extractivismo. ¿Estos objetivos no constituyen propósitos, insertos en tota-
lidades con pretensiones históricas? ¿El equilibrio ecológico no implica
cierta finalidad? Es evidente que en la defensa de esos proyectos se esgrimen
argumentos en base a comparaciones. Escobar no puede sustraerse al uso
de los instrumentos que objeta y en los hechos rechaza ciertas metas (como
el desarrollo), pero acepta otras (como el equilibrio ambiental). Por esa ra-
zón su crítica conjunta al liberalismo y al marxismo es inconsistente. Señala
que ambas corrientes propugnan ciertos propósitos de largo plazo, cuando
todas las escuelas de pensamiento (incluyendo la suya) aceptan esas fina-
lidades. Lo importante no es el reconocimiento común de ciertos proyectos
generales, sino la visión que cada escuela tiene de esos programas. Liberales
y marxistas hablan del desarrollo, pero desde ópticas y propuestas diame-
tralmente opuestas.

Tampoco es cierta la objetada coincidencia de ambas escuelas
en torno al mismo ideal moderno de progreso. Polemizan entre sí porque
reconocen la existencia del objeto en disputa, pero una teoría postula la
defensa acérrima del capitalismo y la otra cuestiona con la misma intensidad
a ese sistema. Escobar intenta colocarse por encima de esas controversias y
resalta la inutilidad de ese debate, suponiendo que ofrece otros parámetros
para abordarla. Pero no logra sostener esa prescindencia y en los hechos
reflexiona en torno al mismo problema. En sus trabajos cuestiona el apego
de liberales y marxistas a nociones totalizadoras y centrales. Pero ignora
que el uso de ciertos criterios no está determinado por ataduras a un pensa-
miento esencialista, sino por la simple definición de prioridades.

Ese tipo de orden es establecido por todos los analistas para definir
la importancia de los temas que abordan. Todos recurren a ciertas pro-
piedades, principios o puntos de vista para indagar algún fenómeno, puesto
que el desconocimiento de esos pilares impide esa comprensión. Nadie le
atribuye a esos fundamentos un don mágico de clarificación, ni supone
que todos los interrogantes pueden ser respondidos con referencias al de-

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sarrollo, el progreso o la modernidad. Solamente se acepta la necesidad de
puntos de partida, metas y categorías centrales para dilucidar el contenido
de los temas en discusión.

Resaltar la importancia del desarrollo no implica adoptar posturas
teleológicas, imaginar objetivos inexorables, promover metas extem-
poráneas o soñar con faros que guíen el desenvolvimiento histórico. El
problema es más sencillo y se reduce a dirimir si existen ciertos propósitos
(como el desarrollo) que tienen validez y merecen ser alcanzados. Si la res-
puesta es positiva también debe clarificarse cuáles son las condiciones his-
tóricas que favorecen u obstruyen la obtención de esas metas5.

Sin este abordaje resulta muy difícil entender cuál es la lógica de
los acontecimientos. Los escenarios sujetos a explicaciones quedan sus-
tituidos por algún universo de fuerzas inmanejables y derivaciones azarosas.

En ese contexto no se sabe cómo podrían los individuos y las cla-
ses sociales imprimir cierta dirección al devenir de la vida humana. No ha-
bría forma de actuar, ni posibilidades de alcanzar las metas de preservación
del medio ambiente que ambiciona el pos-desarrollismo. Estas deficiencias
son muy corrientes en todas las visiones posmodernas. Escobar recae en
una modalidad de esa perspectiva. Con su enfoque se pueden ensayar des-
cripciones, pero no valoraciones del controvertido problema del desarrollo.
Abre un campo para detallados retratos de esos procesos, pero no brinda
pistas para desentrañar la dinámica de esos cursos. Su mirada impide evaluar
si los modelos en discusión son mejores, peores, viables, imposibles, igua-
litarios o elitistas. Ese enfoque elude, además, una caracterización precisa
del capitalismo, que es la principal noción en juego para comprender los
problemas del desarrollo. Cuando este concepto es situado en un plano se-
mejante a la modernidad, las críticas al neo-desarrollismo y las defensas
del medio ambiente pierden consistencia.

8. La exorbitancia del discurso

Escobar fundamenta su visión en una crítica metodológica al sus-
tento materialista de los abordajes marxistas. Cuestiona la pretensión de in-
dagar el subdesarrollo latinoamericano, cuando sólo correspondería estudiar
cómo fueron concebidos los discursos del desenvolvimiento de esa región.
En sus escritos subraya la importancia de analizar esas retóricas, en contra-
posición a los estudios centrados en modos de producción y estructuras so-
ciales. Considera que esta última mirada afronta las mismas adversidades
epistemológicas que el paradigma liberal-positivista, focalizado en evaluar
mercados y comportamientos individuales (ESCOBAR, 2005, p. 17-30).
Pero el enfoque que propone conduce a una restrictiva evaluación de dis-

..............................................................................
5 Ver: Eagleton (1997, p. 141-193) e Harvey (1998, p. 359-389).

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cursos afines a las distintas teorías en disputa. No permite indagar los pro-
cesos que subyacen en esas contraposiciones. Como supone que ese análisis
es imposible o inútil se limita a investigar las formas que presentan las
distintas exposiciones sobre el desarrollo.

Con esa mirada todos los cuestionamientos al neoliberalismo o
al neo-desarrollismo se reducen a objetar la formulación que adopta una u
otra ideología. Se registran divergencias retóricas sin evaluar el contenido
social de los programas en conflicto. Escobar ignora que los problemas del
desarrollo involucran algo más que relatos. Esas presentaciones constituyen
sólo una dimensión de procesos objetivos impulsados, cuestionados o
resistidos por distintas clases sociales, en función de intereses materiales
divergentes.

Los sujetos que intervienen colectivamente en estos procesos no
adoptan puntos de vista comunes por simple afinidad de discursos. Se
agrupan para defender intereses compartidos. Estas coincidencias
determinan visiones conservadoras, progresistas o revolucionarias del
desarrollo.

El marxismo busca clarificar de qué forma esos enfoques
benefician o perjudican a las distintas clases sociales. Evalúa las teorías en
debate observando esas ventajas e inconveniencias. Indaga, por ejemplo,
cuáles son los nexos de cada visión neoliberal o neo-desarrollista con el
agro-negocio, los financistas o los industriales.

También extiende ese enfoque a caracterizaciones de la
dependencia, observando la primacía de intereses exportadores, bancarios
o fabriles. Con ese criterio el análisis de los textos no se limita al relato en
sí mismo, sino que estudia las relaciones sociales predominantes en cada
contexto. De esa forma evita oscurecer la comprensión de los fenómenos
con simples juegos de lenguaje.

En oposición a este abordaje Escobar postula una visión pos-
estructuralista, centrada en el análisis de los sentidos y la significación.
Considera conveniente situar todo el estudio del desarrollo en este plano
de representaciones y discursos (ESCOBAR, 2005, p. 17-30). Pero con esa
mirada le asigna al lenguaje funciones que desbordan su esfera de acción.
Extiende los principios de esa disciplina a todos los campos del saber,
colocando a esos parámetros en un lugar ordenador del análisis social. Por
ese camino recae en la exorbitancia del lenguaje y en la extrapolación de
conceptos de la lingüística a esferas ajenas a su ámbito. Olvida que el
lenguaje no es un modelo apropiado para estudiar otras variedades de
prácticas humanas. Presenta un bajo coeficiente de movilidad histórica,
no está sujeto a restricciones materiales y se desenvuelve con ilimitadas
posibilidades de inventiva6.

.............................................................................. 93
6 Ver: Anderson (1983).

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El enfoque de Escobar recrea las dificultades del textualismo que
evalúa los relatos por sí mismos, sin registrar las pautas que ofrece para
comprender la realidad. Al suponer que el discurso pavimenta su propio
terreno de interpretación en función de otros significados, trasforma a múl-
tiples disciplinas (economía, política, sociología, historia) en sub-géneros
de la literatura.

Las concepciones que instalan el imperio del discurso suponiendo
que nada existe fuera del texto, adoptan una modalidad contemporánea
de idealismo. Imaginan al mundo como una construcción retórica. Las es-
tructuras económicas o políticas que condicionan el devenir de la sociedad
son ignoradas y desaparece la posibilidad de interpretar los procesos sociales.
Las explicaciones se diluyen en una concatenación de significantes surgidos
de la absolutización del lenguaje (CALLINICOS, 1999; CINATTI, 2003).

9. Rebeldías y conocimientos

Las miradas que observan todo el desarrollo como una lectura
tienden a eludir los juicios sobre esos procesos. La evaluación de los aciertos
y los desaciertos queda suspendida y ya no interesa dilucidar cuales son los
comportamientos apropiados y las decisiones correctas para los intereses
en disputa. Esta postura es coherente con el rechazo a la búsqueda de la
verdad.

Escobar cuestiona ese objetivo remarcando la inutilidad de pro-
veer una caracterización más precisa de lo real. Resalta la ingenuidad de
ese propósito y su dependencia de miradas euro-céntricas, empeñadas en
descubrir verdades lógicas como único árbitro del conocimiento. Propone,
en cambio, trabajar en las preguntas y las hipótesis, para evitar los conceptos
únicos y la subjetividad jerarquizante de la izquierda (ESCOBAR, 2005, p.
17-30; 2010b). Pero con ese enfoque atenúa la centralidad de la verdad y
la gravitación de la racionalidad para comprender los fenómenos. Desco-
noce las premisas requeridas para entender la dinámica del desarrollo.
Omitiendo la distinción entre lo falso y lo verdadero no hay forma de en-
carar esa indagación.

La objetada búsqueda de la verdad es un impulso insustituible,
para clarificar los procesos históricos que conducen al desarrollo (o su o-
puesto de subdesarrollo) y a la dependencia (o su contraparte de autonomía).
Al desechar ese objetivo se abandona el estudio de las causas, los deter-
minantes y los resultados de los procesos sociales. La secuencia de acon-
tecimientos que condujo al atraso latinoamericano queda convertida una
sucesión de accidentes fortuitos. El análisis de los hechos se diluye en el
reino de la contingencia y el azar sustituye al registro de las condiciones,
límites y posibilidades del desenvolvimiento histórico (WOOD, 1986).

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Este abandono pos-estructuralista de la clarificación histórica ex-
plica la gravitación asignada a la clasificación en desmedro de la inter-
pretación. La aversión a la indagación racional también suscita una creciente
tentación a equiparar la comprensión provista por la ciencia con las intui-
ciones aportadas por cualquier modalidad del saber.

El enfoque de Escobar incurre en estos problemas conceptuales.
Estos desaciertos no anulan el aporte de su trabajo. Es un crítico del capi-
talismo que actúa junto a los movimientos sociales y las comunidades. Sus
escritos incluyen acertadas denuncias de la exclusión, la represión y la
crueldad que impone la opresión imperial del Tercer Mundo. Ese posi-
cionamiento lo ubica en el campo de los rebeldes que bregan por la igualdad
social. Para alcanzar ese objetivo es necesario afinar las caracterizaciones,
las teorías y las propuestas.

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Recebido em 03 de junho de 2015
Aprovado para publicação em 20 de junho de 2015.

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98 Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Crise do capital,
neoconservadorismo e
Serviço Social no Brasil:
apontamentos para o debate

The crisis of capitalism, neoconservatism and social work in
Brazil: notes for debate

José Fernando Siqueira da Silva*

Resumo – O artigo apresentado oferece apontamentos críticos para o
debate sobre as expressões do neoconservadorismo no Serviço Social
brasileiro no atual estágio de acumulação do capital. O texto, inspirado
no ponto de vista da totalidade, radicalmente histórico e vinculado
às condições impostas por determinada historicidade (Marx-Lukács),
indica tendências teórico-práticas atuais no campo particular do Servi-
ço Social. Faz isto certamente sem qualquer traço endógeno e abstra-
to, ressaltando a reconstrução mental de uma dinâmica contida no
movimento da própria realidade. Analisar como essa profissão e os
assistentes sociais estão se inserindo nessa complexidade material-
mente posta, historicamente vinculada à sua gênese como profissão,
é condição básica para reafirmar sua inserção crítico-propositiva
nessa realidade.
Palavras-chave: serviço social; neoconservadorismo; projeto ético-
político profissional.

Abstract – This article presents critical notes for discussion on ex-
pressions of neoconservatism in Brazilian social work in the present
state of capital accumulation. It is, as a whole, radically historical
and bound to conditions imposed by a given historicity (Marx-Lukács),
and indicates current theoretical practical tendencies in the field of
social work. The approach is not endogenous-abstract, emphasizing
the mental reconstruction of the dynamics of reality itself. Our con-
clusions indicate that it is imperative for social workers to analyze
their own profession, for their constructive critical insertion on the
existing material complexity – which is historically bound to the ge-
nesis of the profession.
Keywords: social work; neoconservatism; professional ethical-political
project.

..............................................................................
*Assistente Social. Doutor em Serviço Social pela PUC e livre-docente em Serviço Social pela UNESP. Professor co-

laborador da proposta APCN-2015 apresentada pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) à área de Serviço
Social da CAPES (curso: Política Social e Serviço Social). Correspondência: Rua Rio Japurá, 1377, Franca, SP. CEP
14406-034. E-mail: < [email protected]>

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

} CRISE DO CAPITAL, NEOCONSERVADORISMO E SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL - SILVA, J. F. S. }

1. Observações iniciais: situando o debate

Debater a inserção profissional dos assistentes sociais nos espaços
sócio-ocupacionais propiciados pelo capitalismo na sua fase madura é de
grande relevância à área de Serviço Social. Mais do que simplesmente des-
crever ou destacar experiências pontuais vivenciadas por assistentes sociais
em tempos “neoliberais”, trata-se de perquirir a trama que constitui o trabalho
profissional1 no campo particular do Serviço Social, tecida em uma fase
determinada do capitalismo monopolista, inspirada no padrão toyotista de
organização/racionalização da força de trabalho, potencializada pela intensa
financeirização (HARVEY, 2011; CHESNAIS, 1996; IAMAMOTO, 2007).
No caso brasileiro e latino-americano, é preciso considerar o traço hiper-
tardio e dependente que marcou todos os países que objetivaram suas revo-
luções burguesas – certamente com particularidades nada desprezíveis – já
sob as condições do século XX (FERNANDES, 1987; 2009). Sem essas impor-
tantes observações, o termo “neoliberal” se perde na abstração, como um
“jargão que responde a tudo” (ou quase tudo), e se mostra incapaz de des-
tacar as particularidades do capitalismo de monopólios nas últimas três dé-
cadas do século XX.

Impensável sem o capitalismo a partir de sua fase monopólica e
fundado no campo contraditório de lutas entre capital e trabalho, o Serviço
Social tem sua gênese como profissão atrelada às múltiplas estratégias ma-
terialmente tecidas para a gestão do pauperismo. Foi a partir desse contexto
que esta profissão nasceu, institucionalizou-se, consolidou-se no mercado
de trabalho e vem se reatualizando, teórica e praticamente, seja para mo-
dernizar o legado conservador ou, ao contrário, com todos os limites obje-
tivamente dados, questioná-lo. As lutas travadas durante o processo de recon-
ceituação latino-americano (1965-1975 – não exatamente), de renovação
do Serviço Social brasileiro (especialmente no que foi denominado por
Netto – 1991 como “intenção de ruptura”), as duas últimas revisões do Có-
digo de Ética Profissional realizadas nos anos 1980 e 1990, as inúmeras
lutas sociais a que se vincularam os assistentes sociais nas últimas décadas
e as discussões sobre o que vem sendo denominado Projeto Ético-Político
Profissional (como direção social estratégica) reafirmaram o legado crítico
no âmbito particular do Serviço Social brasileiro.

Há, todavia, nos dias atuais, a necessidade de clarear o sentido
dessa direção social construída no debate profissional, perspectiva esta certa-
mente comprometida com níveis crescentes de emancipação social. Ao
contrário de desqualificar tal orientação, reconhecer a necessidade de ex-
plicá-la nas condições atuais tem o exato sentido de trazer à tona problemas
materiais-concretos para afirmá-la como direção social possível e válida
nos dias atuais. Essas tensões são inseridas e inseparáveis da crise estrutural

..............................................................................
1 Ver: Iamamoto (2007) e Silva (2013a; 2013b).

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro


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