} O ESPAÇO COMO PALAVRA-CHAVE - HARVEY, D. }
Se o direito à cidade é um grito e uma exigência, então este grito só
é escutado e esta exigência somente possui força se há um espaço a
partir do qual e no qual este grito é audível e esta exigência, visível.
No espaço público – na esquina das ruas ou nos parques, nas ruas ao
longo dos tumultos e manifestações – as organizações políticas podem
se representar para uma população mais ampla e essa representação
confere aos gritos e demandas alguma força. Ao reivindicar o espaço
público, ao criar espaços públicos, os grupos sociais tornam-se eles
próprios públicos.
O espaço público, como Mitchell (2003, p. 129-35) corretamente
insiste, “é material” e “constitui um lugar de fato, um terreno sobre o qual
e a partir do qual a atividade política emerge”. É apenas quando a rela-
cionalidade se conecta ao espaço e ao tempo absolutos da vida social e
material que a política se torna viva. Negligenciar esta conectividade é
condenar a política à irrelevância.
Compreender um pouco o sentido do que é o espaço e como as
diferentes espacialidades e espaço-temporalidades funcionam é crucial para
a construção de uma imaginação geográfica diferente. Mas o espaço revela-
se uma palavra-chave extraordinariamente complicada. Ele funciona como
uma palavra composta e possui múltiplas determinações, de modo que ne-
nhum de seus significados pode ser propriamente compreendido de forma
isolada. Mas é precisamente o que faz deste termo, em particular quando
associado ao tempo, tão rico em possibilidades.
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro 151
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152 Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
A relação natureza-sociedade
no modo de produção
capitalista
The nature-society relation in the capitalist mode of production
Fabiane Agapito Campos de Souza*
Resumo – Marx empreendeu um profundo estudo sobre a sociedade
capitalista; atualmente, porém, a sua contribuição para o entendimento
desta sociedade tem sido questionada devido, principalmente, à
derrocada do socialismo real. Este artigo sustenta a tese de que o
objetivo da obra marxiana foi entender a sociedade capitalista e seu
funcionamento. Mesmo temas tão atuais como a questão ambiental,
objeto principal deste artigo, podem ser debatidos a partir dos fios
condutores do pensamento crítico-dialético. A natureza tem sido alvo
dos mais variados discursos e a sustentabilidade, discussão fomentada
pela ONU, visa dar um norte aos processos sociais para o combate à
devastação ambiental em curso. Entretanto, este trabalho analisará
esse discurso e ainda lançará desafios amparados no autor
mencionado.
Palavras-chave: marxismo; sustentabilidade; natureza; capital e
trabalho.
Abstract – Marx undertook a thorough study on capitalist society;
however, at present his contribution to understanding this society has
been questioned, mainly due the collapse of real socialism. This article
supports the theory that the objective of Marx’s work was to understand
capitalist society and its functioning. Even current topics such as
environmental issues, the main object of this article, can be debated
through the guidelines of the critical-dialectical thought. Nature has
been a target of the most varied speeches. Sustainability, of which
the discussion is promoted by the UN, aims to guide the social processes
that fight the current environmental devastation. This paper will
examine this argument and propose challenges, supported in the
mentioned author.
Keywords: Marxism; sustainability; nature; capital and labor.
..............................................................................
* Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Assistente
Social na Prefeitura de Resende-RJ. Correspondência: Av. Joaquim Magalhães, Nº180, BL:15 Apto:201 Bairro: Sen.
Vasconcelos. Rio de Janeiro-RJ CEP 23012-120. E-mail: <[email protected]>
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
} A RELAÇÃO NATUREZA-SOCIEDADE NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA - SOUZA, F. A. C. }
Introdução
Nas últimas décadas, o pensamento marxista tem sido posto à
prova em virtude das transformações ocorridas no mundo do trabalho, im-
pondo um desafio àqueles que se utilizam desta teoria para compreender e
transformar o mundo contemporâneo.
As críticas a este modelo de explicação centram-se, principal-
mente, nas alterações ocorridas desde a década de 1970, amparadas no
crescimento do setor de serviços, na flexibilização das relações de trabalho,
nos processos e automatização da produção e na consequente expulsão do
trabalho vivo, dentre outros. Constituindo-se, assim, para alguns pesqui-
sadores, como provas da derrocada do materialismo histórico-dialético en-
quanto teoria explicativa da realidade.
Contribui também para o aumento das críticas ao marxismo o
triunfo do capitalismo frente ao socialismo real, entendido por muitos como
prova cabal da insuficiência da teoria marxiana para explicação do funcio-
namento da sociedade capitalista. Embora esta seja a crítica recorrente, é
necessário destacar que Marx dedicou grande parte de seus estudos visando
à compreensão crítica do funcionamento do modo de produção capitalista
e pouco teorizou sobre o socialismo.
Por último, encontram-se as críticas centradas no objeto de estudo
deste artigo, a questão ambiental. Hoje coloca-se em questão se o capitalismo
encontrará limites através da mobilização da classe operária, como previu
Marx (2011), ou se este, antes disso, será inviabilizado pela finitude dos re-
cursos naturais.
Há alguns anos atrás, ao falar da limitação dos recursos hídricos,
dos combustíveis fósseis, da terra produtiva, dentre outros, imaginava-se
que o homem conseguiria equacionar estes problemas com o desenvolvi-
mento da ciência. Porém, hoje é notório que o planeta não está conseguindo
se recompor com a celeridade com que é destruído, e muito menos os ho-
mens estão conseguindo elaborar tecnologias que venham a poupar e/ou
retardar o esgotamento dos recursos indispensáveis à nossa sobrevivência.
Diante deste dilema, este artigo pretende conectar alguns pontos dessa dis-
cussão com a teoria marxiana e extrair dela algumas repostas para este pro-
blema hodierno.
1. O que é natureza?
Alguns estudiosos afirmam não existir mais uma “natureza na-
tural”, haja vista a apropriação dela pela racionalidade humana. Ou seja,
com o desenvolvimento da sociedade capitalista, até mesmo as reservas
naturais cumprem uma função social dentro desta racionalidade.
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
} A RELAÇÃO NATUREZA-SOCIEDADE NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA - SOUZA, F. A. C. }
Para Lefebvre o espaço natural, a natureza seria aquilo que escapa à
racionalidade e é atingida através do imaginário. Mas o que não es-
capa à racionalidade hoje? Mesmo as áreas mantidas como reserva
de recursos naturais, ‘capital natural’ não deixam de ser objeto da
racionalidade ao se constituírem enquanto tal. (LIMONAD, 2004, p.
1; 2).
Limonad (2004), dialogando com Lefebvre, questiona o que se
entende hoje por espaço natural e chega à conclusão de que cada sociedade
elabora seus próprios espaços, atribuindo significações diferenciadas para
eles. As práticas sociais informam as representações acerca dos espaços so-
ciais, e quando essas práticas sociais mudam ao longo do tempo, as represen-
tações também são alteradas.
Como a sociedade capitalista é uma sociedade dividida por classes
sociais antagônicas, é evidente que os discursos e práticas acerca dos espaços
também acabem por demonstrar essa cisão. As forças hegemônicas tendem
a produzir um discurso pautado na sustentabilidade, ou seja, na preservação
dos recursos naturais, de maneira a não inviabilizar a produção capitalista
no futuro; já as contra-hegemônicas buscam uma possibilidade de apro-
priação da natureza enquanto valor de uso, como um modo de garantir a
reprodução e sobrevivência da humanidade.
Entretanto, a questão do desenvolvimento sustentável não tem
sua eficácia problematizada na medida em que a própria lógica de funciona-
mento do capitalismo impede sua implementação. Pois trata-se de um sis-
tema socioeconômico baseado na exploração intensa dos meios de pro-
dução, tanto da matéria-prima (natureza) quanto do homem (trabalho),
uma vez que o consumo desenfreado é a razão de expansão e manutenção
de crescimento do próprio sistema. Por mais que o ideário de sustentabi-
lidade esteja em voga nos dias atuais, o que se verifica na prática é o aumento
da produção como um todo, bem como da poluição que o acompanha.
2. O modo de produção capitalista
e a articulação entre a sociedade e a natureza
Historicamente, o ser social se articula com a natureza ao satisfazer
as suas necessidades. Mediante este ato, produz a si mesmo através do tra-
balho, enquanto ser humano genérico. Assim, a dimensão ontológica do
ser social interdita qualquer possibilidade de análise da relação sociedade-
natureza de forma dicotômica ou dualista.
A intensa atividade humana sobre a natureza gerou incertezas
acerca do futuro, levando até mesmo os capitalistas a defenderem a “preser-
vação” do meio ambiente por meio da adoção de práticas “sustentáveis”
na produção. Entretanto, faz-se necessário descortinar esse tema sob a pers-
pectiva marxista.
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
} A RELAÇÃO NATUREZA-SOCIEDADE NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA - SOUZA, F. A. C. }
Marx nunca escreveu especificamente sobre a escassez dos re-
cursos naturais. No entanto, em parte de sua obra é possível vislumbrar
essa preocupação, principalmente sobre países europeus e da América do
Norte, que já sofriam, em algumas regiões, com a degradação do solo.
Logo, a crítica da agricultura capitalista forneceu fios condutores que nos
permitem refletir sobre a relação natureza-sociedade na sociedade de pro-
dução de mercadorias. Para ele, é impossível pensar o homem dissociado
da natureza na medida em que ela é parte integrante da história da huma-
nidade. Assim, encontramos em Marx (2010) o sentido da relação do homem
com a natureza.
Praticamente, a universalidade do homem aparece precisamente na
universalidade que faz da natureza inteira o seu corpo inorgânico,
tanto na medida em que ela é 1) um meio de vida imediato, quanto
na medida em que ela é o objeto/matéria e o instrumento de sua
atividade vital. A natureza é o corpo inorgânico do homem, a saber,
a natureza enquanto ela mesma não é corpo humano. O homem vi-
ve[r] da natureza significa: a natureza é o seu corpo, com o qual ele
tem de ficar num processo contínuo para não morrer. Que a vida fí-
sica e mental do homem está interconectada com a natureza não
tem outro sentido senão que a natureza está interconectada consigo
mesma, pois o homem é uma parte da natureza. (MARX, 2010, p. 84
grifo no original).
O homem é parte integrante da natureza e manifesta uma relação
claramente orgânica, dialética e ontológica, que envolve uma simbiose
entre os entes. Esta relação é histórica e parte da produção humana dos
seus meios de vida. É justamente a partir desta relação que Marx (2010)
passa a compreender os desafios da produção no seio da sociedade capi-
talista. Segundo Foster (2005), é possível extrair das críticas de Marx à agri-
cultura capitalista importantes contribuições ao pensamento ecológico.
Na realidade, a questão da natureza só passou a ser um problema
de investigação com o advento da sociedade capitalista e o seu consumo
acelerado de matérias-primas. A partir da celeridade imposta pelo sistema
produtivo, com o uso da máquina, o problema “natureza” começou a se
impor e, nos tempos modernos, passou a ser balizado pelo paradigma da
escassez. A pergunta a ser respondida era se o planeta poderia sustentar um
modo de produção avassalador, como o nosso, ou se enfrentaríamos a es-
cassez de matéria-prima ou dos recursos naturais indispensáveis para a
sobrevivência humana. A questão foi levantada em primeiro lugar por Mal-
thus (apud FOSTER 2005) em relação à população do planeta versus alimen-
tação disponível; tempos depois, a mecanização da agricultura resolveu o
problema. Agora, a pergunta se volta a outros recursos naturais, como a
água e o petróleo, dentre outros.
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
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Para Marx (2011), a relação natureza-sociedade está inscrita na
produção e reprodução da vida humana, ou seja, o trabalho é a categoria
central, uma determinação ontológica fundamental da humanidade.
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem
e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação,
impressiona, regula e controla seu intercâmbio material com a na-
tureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe
em movimento as forças naturais de seu corpo – braços e pernas, ca-
beças e mãos –, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, im-
primindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natu-
reza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria
natureza. (MARX, 2011, p. 211).
O trabalho, portanto, só ocorre sob um duplo aspecto: o homem
trabalha e, enquanto isso, transforma-se a si mesmo; atuando sobre a natu-
reza externa, muda ao mesmo tempo sua própria natureza. Por outro lado,
a natureza também termina por transformar-se em meios, em objetos de
trabalho e em matérias-primas. A atividade produtiva é o mediador da
relação sujeito e objeto, homem e natureza.
O vínculo do homem com a natureza é um vínculo dialético,
pois envolve uma unidade profunda entre eles. Este laço que os une se for-
talece através da invenção técnica, do conhecimento que cada vez mais
domina a natureza em benefício do homem. O mundo humano só é possível
com a junção do homem e da natureza; a partir da atividade do primeiro,
é possível dar forma a objetos, fruto das mãos e do pensamento do ente
criador que necessita de tais coisas para a satisfação de suas necessidades.
O trabalho é uma necessidade, uma vez que o homem não con-
segue desenvolver-se sem a mediação com a natureza. E, neste sentido, as
necessidades alteram-se porque o trabalho vai criando novos produtos en-
quanto novas necessidades são forjadas, levando o homem a uma busca
incessante para satisfazê-las. Por isso, é possível afirmar que o trabalho
“chega a ser ‘contra a natureza’ em dois sentidos: enquanto labor, existe
esforço e disciplina, modifica a natureza em torno do homem e dentro do
homem.” (LEFEBVRE, 1979, p. 32).
O homem modifica a natureza através do processo de trabalho,
constituído por três elementos fundamentais: o ato do trabalho em si, seu
objeto (matéria-prima) e os meios utilizados na modificação deste objeto.
Marx (1996) destaca essa organicidade entre o homem e os elementos da
natureza enquanto objeto e meios de trabalho.
Portanto, é possível estabelecer, a priori, que os objetos de trabalho
encontram-se disponíveis na natureza e somente a partir do trabalho é
possível desconectá-los da terra. É importante salientar que, se um objeto é
filtrado, por assim dizer, através de um trabalho prévio, recebe a deno-
minação de matéria-prima. “Por exemplo, o minério já arrancado que agora
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
} A RELAÇÃO NATUREZA-SOCIEDADE NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA - SOUZA, F. A. C. }
vai ser lavado. Toda matéria-prima é objeto de trabalho, mas nem todo
objeto de trabalho é matéria-prima.” (MARX, 1996, p. 298). Já o meio de
trabalho expressa-se em objetos com propriedades mecânicas, físicas e quí-
micas, que se interpõem entre o homem e a matéria-prima para auxiliar na
atividade de dar uma forma útil a ela, transformando-a em um valor de
uso. Este irá completar determinada necessidade ou se tornará matéria-pri-
ma em outros ramos de atividade. Posto que o objeto e também o meio de
trabalho já são produtos, o trabalho é diferenciado por consumir produtos
(matéria-prima), transformando-os em novos produtos. Desta forma, o pro-
cesso de trabalho passa-se entre o homem e a natureza, que supre as neces-
sidades daquele com os objetos de trabalho, bem como os meios de pro-
dução.
Neste sentido, ao discutir a questão do processo de trabalho, Marx
(1996) busca conectar o homem e a natureza, destacando a relação de
ambos para a construção do próprio homem enquanto ser social. O trabalho
é distinto de outras atividades humanas por ser o metabolismo entre socie-
dade e natureza e por pressupor uma interação na própria sociedade. Foi
através desta interação entre os homens que surgiu um novo tipo de ser, o
ser social.
O conceito de metabolismo em Marx (1996) traz em seu bojo a
contradição da falha metabólica, baseada na cisão entre a cidade e o campo
e entre os seres humanos e a terra. Primeiro através da apropriação do solo
e suas propriedades naturais, por meio de técnicas intensivas na agricultura
e na indústria de larga escala, além da apropriação voraz das matérias-pri-
mas; segundo, a própria divisão entre campo e cidade, onde grande parte
da população terminou por buscar refúgio devido à expulsão do campo.
Ou seja, o metabolismo entre o homem e a natureza, na sociedade ca-
pitalista, é interrompido, já que grande parte da população permanece ali-
jada do contato com a natureza.
3. O desenvolvimento das forças produtivas
e a escassez dos recursos naturais
O desenvolvimento das forças produtivas permite explorar os re-
cursos naturais em uma região, descobrir novos usos para determinados
recursos e economizar matérias-primas para auferir maiores lucros. Ou
seja, a ciência tem realizado um importante papel para o desenvolvimento
das forças produtivas.
Esse desenvolvimento coloca em cena o grande problema da es-
cassez e até mesmo esgotamento dos recursos naturais, provocando discursos
antagônicos sobre a questão. As forças hegemônicas tendem a produzir
um discurso pautado na sustentabilidade, ou seja, na preservação dos re-
cursos naturais, de maneira a não inviabilizar a produção capitalista no fu-
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turo; já as contra-hegemônicas buscam uma possibilidade de apropriação
da natureza enquanto valor de uso, como um modo de garantir a repro-
dução e sobrevivência de determinados grupos sociais atrelados cultural-
mente a estes espaços. Logo, de forma não subordinada à lógica do valor.
Lefebvre (1973) argumenta que o problema do “meio ambiente”
é um problema que envolve todo o espaço, tanto a sua produção quanto a
sua gestão. Além disso, que o discurso hegemônico tende a ser cindido e
mascara um problema global, o da fragmentação do espaço, uma vez que
o mesmo adentra o circuito da produção enquanto uma mercadoria que
se compra e vende.
[...] A natureza não dota os eco-sistemas duma estabilidade eterna;
eles evoluem, restabelecendo-se após a introdução ou a desaparição
de um ‘factor’. Mas como viver numa destruição perpétua, sem esta-
bilidade relativa? Como viver no laboratório? O problema central é
o do espaço e não do ‘meio ambiente’. Quando destruído, um eco-
sistema não pode ser reconduzido. Basta que um fragmento desa-
pareça para se tornar necessário que todo o pensamento teórico e a
prática social empreendam uma recriação da totalidade e essa recria-
ção não pode ser levada a cabo pouco a pouco; terá, portanto, que
ser produção de um espaço. (LEFEBVRE, 1973, p. 29).
A natureza, ao se tornar ela mesma mercadoria, desencadeia um
problema que atinge todo o espaço, pois este entra na lógica do capital.
Desta forma, a questão do desenvolvimento sustentável não tem sua eficácia
problematizada na medida em que a própria lógica de funcionamento do
capitalismo impede sua implementação. Isto, pois é um sistema
socioeconômico baseado na exploração intensa dos meios de produção,
tanto da matéria-prima (natureza), quanto do próprio homem (trabalho),
uma vez que o consumo produtivo desenfreado é a razão de expansão e
manutenção de crescimento do próprio sistema.
O consumo predatório utilizado para o desenvolvimento desse
sistema engendra o desaparecimento da natureza, restando apenas frag-
mentos desta em locais onde a própria geografia impôs dificuldades para a
exploração produtiva. Porém, mesmo nos lugares onde a proteção à natureza
é pretendida e está regulada, o capital encontra outra forma de capitalizá-
la. Logo, também é importante problematizar a questão da construção de
espaços como parques naturais, que entram na órbita do capital enquanto
espaço de consumo do lazer.
É possível perceber como, nas cidades, o apelo à produção de
“espaços verdes” (LEFEBVRE, 2002) é grande. Ou seja, já que os desmata-
mentos são “inevitáveis”, cada indivíduo é chamado a fazer a sua parte e
contribuir para um mundo melhor. O que está por trás desse mecanismo
de responsabilização do indivíduo pela preservação da natureza é a lógica
liberal, apregoando um consumo de resquícios de “espaço verde” para ca-
muflar a apropriação desses espaços pelo capital. É muito mais propício,
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
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neste tempo, montar uma estratégia de convencimento individual para a
campanha “verde”, que associa à ação virtuosa de indivíduos as ideias de
responsabilidade individual diante do risco e da crise, já que é “inevitável”
a escassez e a destruição iminente.
A natureza é destituída de sua áurea mística dos tempos antigos e
passa a demonstrar uma fragilidade, antes desconhecida, perante as pro-
messas iluministas do homem racional e do progresso. Porém, não se pode
perder de vista que a própria sobrevivência humana está condicionada à
manutenção da natureza em um limite aceitável, que permita ao homem a
continuação da sua existência através da preservação de elementos naturais,
como a terra e a água, dentre outros. Isso leva a questionamentos sobre a
viabilidade da manutenção da vida no planeta, uma vez que os elementos
vitais (água e ar) estão sendo destruídos.
Assim, estabelece-se a problemática da questão “natureza” como
simulacro. Colocada à venda no “balcão” dos negócios capitalistas e dis-
putada por grandes compradores, é despedaçada e exaurida dos com-
ponentes que lhe dão vida. Os seus fragmentos (uma árvore, uma flor, um
animal silvestre, um estilo de vida exótico que resgate elementos bucólicos
na cidade) passam a suprir essa necessidade de contato do homem com
esse outro.
Diante de tudo o que foi exposto até agora, são pertinentes os se-
guintes questionamentos: será possível a promoção de um reencontro entre
o homem e a natureza no interior das relações sociais capitalistas, no sentido
de reintegração da falha metabólica à que alude Marx? Será a susten-
tabilidade um caminho rumo a esse objetivo? No próximo tópico tentaremos
responder a essas indagações.
4. Sustentabilidade: saída para a crise ambiental?
Ficou claro até aqui que a preocupação com a questão da natu-
reza remonta há vários séculos atrás, principalmente com o advento do
modo de produção capitalista e seu consumo expansivo dos recursos na-
turais. Porém, a partir de meados do século XX, a preocupação ambiental
voltou a ocupar um lugar privilegiado nas discussões acadêmicas – devido
a uma grande preocupação teórica com a iminente destruição da natureza
– através da divulgação de pesquisas. Estas mostravam a finitude dos recursos
indispensáveis à sobrevivência humana no planeta e todos os seus efeitos
catastróficos, associados ao aquecimento da Terra, à escassez da água, à
desertificação e a outros fenômenos que indicavam a necessidade de se
repensar o âmbito da produção até aquele momento.
O grande marco das discussões ambientais aconteceu em 1972,
quando a Organização das Nações Unidas (ONU) convocou a Conferência
das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo (Suécia).
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Essa conferência ajudou a fomentar as discussões sobre o tema fora do âm-
bito acadêmico, fornecendo suporte aos movimentos sociais aglutinados
em torno da temática. A partir desta conferência foi criado o Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente.
O conceito de desenvolvimento sustentável passou a fazer parte
do vocabulário da ONU a partir de 1987, através da publicação do relatório
Nosso futuro comum, que trazia as seguintes assertivas:
O desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que encontra
as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras
gerações de atender suas próprias necessidades.
Muitos de nós vivemos além dos recursos ecológicos, por exemplo,
em nossos padrões de consumo de energia... No mínimo, o desen-
volvimento sustentável não deve pôr em risco os sistemas naturais
que sustentam a vida na Terra: a atmosfera, as águas, os solos e os
seres vivos.
Na sua essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de
mudança no qual a exploração dos recursos, o direcionamento dos
investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mu-
dança institucional estão em harmonia e reforçam o atual e futuro
potencial para satisfazer as aspirações e necessidades humanas.
(ONU, 2013).
Em outras palavras, a noção de desenvolvimento sustentável foi
pautada na conjugação de esforços para a manutenção de um nível aceitável
do consumo, com o objetivo de guardar a natureza enquanto um “estoque”
para as gerações futuras, de modo a garantir a longevidade da produção e
dos seres humanos.
Embora, como já foi visto, a questão da natureza já ocupasse um
lugar de destaque no pensamento científico, foi no decorrer dos anos de
degradação ambiental que ganhou força o pensamento da sustentabilidade
enquanto um marco normativo para a conjugação da ordem econômica e
da natural. Sua finalidade era assegurar a sobrevivência humana e o desen-
volvimento econômico.
Já ficou provado que o crescimento econômico engendra o aque-
cimento global do planeta através da produção de gases que propiciam o
efeito estufa, a escassez da água, o aumento da desertificação, do desflores-
tamento, do nível do mar, entre outros processos que indicam a saturação
do planeta com o ritmo produtivo capitalista. A crise ambiental é fruto do
desequilíbrio entre a produção e a natureza. Esta, incapaz de se regenerar
no mesmo ritmo do primeiro, passa a ser alvo de propostas para deter o
avanço desse quadro caótico. Uma saída bem difundida é o ideário da sus-
tentabilidade.
Segundo Leff (2006), o discurso do desenvolvimento sustentável
busca estabelecer um consenso entre as classes capaz de aglutinar em torno
da questão ambiental todos os esforços para salvaguardar o planeta de sua
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
} A RELAÇÃO NATUREZA-SOCIEDADE NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA - SOUZA, F. A. C. }
iminente destruição. Trata-se, assim, de um discurso reformista que acredita
na capacidade reguladora sobre o sistema capitalista, responsável pela con-
sequente mitigação dos impactos negativos decorrentes do seu de-
senvolvimento. Porém, o movimento proposto pela ONU, a princípio, ficou
restrito a uma retórica ambiental e de pouco alcance na vida prática de
empresas e países centrais.
[...] o discurso do desenvolvimento sustentado chegou a afirmar o
propósito de tornar sustentável o crescimento econômico através dos
mecanismos do mercado, atribuindo valores econômicos e direitos
de propriedade aos recursos e serviços ambientais, mas não oferece
uma justificação rigorosa sobre a capacidade do sistema econômico
para incorporar as condições ecológicas e sociais (sustentabilidade,
equidade, justiça, democracia) deste processo de capitalização da
natureza. (LEFF, 2006, p. 137).
O autor ressalta que, mesmo com várias conferências promovidas
pela ONU em torno do tema, faltou unir o discurso à prática. Em vez disso,
a retórica do debate foi ganhando mais espaço, a ponto de ele ser muito
difundido e popular, sendo também incorporado pelos segmentos empre-
sariais na busca pela legitimação de modificações propostas, visando a um
reordenamento espacial. Neste sentido, Assis (2011) reforça a tese de que
atualmente ocorre um reforço na ideia da preocupação ambiental, aliada
à exploração capitalista materializada no discurso do desenvolvimento sus-
tentável e capturada pelas empresas em suas justificativas de intervenção
no âmbito social, cultural e ambiental na localidade de sua atuação.
A crítica de Leff (2006) ao ideário do desenvolvimento sustentável
reside, justamente, no fato de o ambiental estar contido na esfera eco-
nômica, na qual a escassez de bens e serviços ainda justifica os excessos
perpetrados contra a natureza. O dilema imposto aos sujeitos, visando ao
controle racional dos recursos ambientais, não é encampado pelo capital
e, com isso, o discurso não se traduz em práticas concretas.
A retórica do desenvolvimento sustentado reconverteu o sentido crí-
tico do conceito de ambiente em um discurso voluntarista, procla-
mando que as políticas neoliberais hão de nos conduzir para os obje-
tivos do equilíbrio ecológico e da justiça social pela via mais eficaz:
a do crescimento econômico guiado pelo livre mercado. (LEFF, 2006,
p. 141).
Limonad (2004) também acredita que o conceito de desenvol-
vimento sustentável incorpora valores capitalistas, uma vez que este tem
suas raízes na economia. O termo sustentabilidade evoca significados diver-
sos para diferentes pessoas, mas “é muito difícil ser a favor de práticas ‘in-
sustentáveis’ assim o termo cola como um reforço positivo de políticas,
conferindo-lhes a aura de serem ambientalmente sensíveis.” (HARVEY apud
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
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LIMONAD, 2004, p. 5). A autora ainda sustenta que, assim como a natureza,
a ideia de sustentabilidade é socialmente criada e integra o corpo de repre-
sentações hegemônicas do espaço na contemporaneidade. É interessante
notar que a ideia de sustentabilidade usualmente tende a ser acompanhada
pelo discurso da escassez e é por ele legitimada.
Por mais que o ideário da sustentabilidade esteja em voga nos
dias atuais, o que se verifica é o aumento da produção como um todo,
bem como da poluição que o acompanha. E mais, a preocupação ambiental
foi capturada pela lógica capitalista e transformada em créditos que per-
mitem aos seus detentores continuarem a poluição como sempre o fizeram.
Ou seja, os créditos de carbono são adquiridos nas regiões que poluem
menos – via de regra, os países periféricos – e repassados às regiões mais
desenvolvidas e poluidoras. No entanto, as consequências não se mantêm
em determinada região, mas todo o globo terrestre é atingido pelos efeitos
da crescente destruição. Neste sentido, Fontes (2010, p. 184) afirma que
Posteriormente, a institucionalização da sustentabilidade favoreceu
o estabelecimento de padrões de mensuração internacional, cuja
ponta mais visível é a generalização dos créditos de carbono, pelos
quais os grandes poluidores compram das regiões menos poluídas a
capacidade de continuar sua devastação. Embora envolva na
atualidade forte circulação de capitais fictícios, seu ponto de partida
é a expropriação efetiva da capacidade humana de subsistir no pla-
neta, que se torna propriedade de alguns através de tais títulos.
Portanto, Leff (2006), Assis (2011), Limonad (2004) e Fontes (2010)
fazem uma análise correta do movimento ambiental proposto pela ONU,
já que em nenhum momento é proposto pensar a natureza de modo con-
trário à racionalidade vigente. Apenas propõe-se uma moderação aos ata-
ques do capital contra o ecossistema. Essa astúcia discursiva captura o am-
biente e o social, subordinando-os à lógica capitalista, terminando por
legitimar a expropriação e dirimindo os conflitos entre as classes. Essa estra-
tégia é funcional ao capital, que pode continuar degradando e apropriando-
se como bem entender do meio ambiente, transformando os bens naturais
(valores de uso) em valores de troca. A racionalidade do lucro permanece
e se acentua em tempos neoliberais, nos quais a utopia do desenvolvimento
sustentado conserva os pilares econômicos fundamentados na transformação
dos bens comuns em propriedade privada.
É claro que a natureza, sob essa lógica, assume a forma de capital,
ou melhor, capital natural, em que a valorização do ambiente passa apenas
pela questão da “conservação” para a geração futura. Aqueles espaços na-
turais com reconhecida diversidade biológica e cultural são “capitalizados”
e transformados em áreas destinadas ao ecoturismo; com isso, também so-
frem degradação visando à construção de resorts, estradas e toda a infra-
estrutura necessária. A biodiversidade também é capitalizada quando gran-
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des indústrias farmacêuticas utilizam os saberes dos povos tradicionais, bem
como a fauna abundante enquanto matéria-prima, para alimentar este setor
que não para de crescer. Entretanto, grande parte desta população vê o seu
saber e as plantas que tradicionalmente lhe serviram serem patenteados e/
ou contrabandeados para os países-sede dessas empresas.
Esta expropriação da biodiversidade dos países periféricos, trans-
formada em propriedade privada garantidora da lógica do valor, não passa
de uma reatualização1 do saque e da pilhagem realizada pelos países euro-
peus no Novo Continente. Desta forma, continuam então a capitalizar me-
diante a expropriação dos recursos naturais e ecológicos da periferia através
da lógica expansionista.
Fontes (2010) vai além e demonstra que a expropriação da na-
tureza está diretamente relacionada com a dominação da própria vida hu-
mana, relegando-a a uma posição de menor valor frente aos interesses do
capital. Influenciando, inclusive, o processo saúde-doença que atualmente
encontra-se subjugado à lógica do lucro.
a própria vida biológica humana é expropriada, passando a consti-
tuir propriedade privada. Apresentá-lo como mera ‘mercantilização’
oculta o processo social de expropriação que o constitui. Como se
pode ver a seguir, trata-se de uma transformação veloz e que envolve
retirar da humanidade o domínio de sua própria natureza. [...] Menos
do que enfrentar os grandes problemas de saúde coletiva e pública,
derivados estreitamente da lógica social imposta pelo capital, tais
expropriações seguem a linha já predominante da produção de ‘re-
médios-mercadorias’ para doenças e/ou sofrimentos forjados também
pela dinâmica da vida social imposta pelo capital, enveredando ainda
mais decididamente na hierarquização do acesso a produtos e técnicas
destinados aos segmentos sociais potencialmente capazes de consu-
mi-los, como cosméticos, medicamentos para deter o envelhecimento
ou para doenças que acometem mais frequentemente setores mais
abastados da população. Porém, o precedente envolve elementos
muitos mais dramáticos do que simplesmente o lucro e a desigual-
dade: o controle privado das condições da existência biológica, ex-
propriadas da população, pode reverter na própria produção de novas
e trágicas enfermidades ou necessidades de ‘saúde’, derivadas do
imperativo do lucro ao qual estão submetidos tais controladores de
patentes. (FONTES, 2010, p. 61; 62).
O capital procura uma sustentação ideológica que lhe propor-
cione um contínuo crescimento e dominação sobre a classe trabalhadora,
alijada do direito de ter um território livre de poluição, de continuar a usu-
fruir da biodiversidade de sua região, extraindo dela o seu sustento, suas
ervas medicinais e preservando sua cultura e natureza.
..............................................................................
1 Ver Foster e Clark (2006).
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Com a degradação do ecossistema vem também a degeneração
das condições de vida de grande parte da população, principalmente nos
países periféricos, para onde as grandes indústrias poluidoras têm se voltado.
A leitura de Marx (2010, p. 140) sobre o início do capitalismo parece ser
um retrato do que tem acontecido atualmente:
Até a necessidade de ar puro deixa de ser uma necessidade para o
trabalhador. O homem volta mas uma vez a viver numa caverna,
mas agora a caverna está poluída pelo hálito mefítico e pestilento
da civilização. Além disso, o trabalhador não tem mais que um direito
precário de viver nela, pois ela é para ele um poder estranho que po-
de ser retirado diariamente e de onde, caso deixasse de pagar, ele
poderia ser despejado a qualquer momento. Ele na verdade precisa
pagar por este mortuário. Deixa de existir para o trabalhador uma
habitação na luz, que Prometeu descreve em Ésquilo como um dos
grandes dons pelos quais ele transformou os selvagens em homens.
Luz, ar etc. a simples limpeza animal – deixam de ser uma neces-
sidade para o homem. A sujeira – esta poluição e putrefação do ho-
mem, o esgoto (esta palavra deve ser entendida no seu sentido literal)
da civilização – torna-se um elemento de vida para ele. O descaso
universal não-natural, a natureza putrefata, torna-se um elemento de
vida para ele. (grifo no original).
A alienação da natureza imposta aos trabalhadores está mais ativa
do que nunca. A luz, o ar e a água não fazem mais parte dos seus direitos
básicos; ao contrário, os trabalhadores “precisam” se acostumar ao alto
preço do desenvolvimento de que eles não usufruem, embora seja deles a
conta.
5. O “problema” natureza sob a ótica marxiana
Foster (2005) acredita que a ideia de sustentabilidade possa ser
encontrada em Marx a partir de sua discussão sobre a agricultura capitalista
e as análises sobre a falha metabólica. Para o autor, Marx não acredita em
uma saída pautada na sustentabilidade, no capitalismo. Segundo o autor,
A ênfase de Marx na necessidade de manter a terra em benefício da
‘cadeia de gerações humanas’ (uma idéia que ele havia encontrado
no começo da década de 1840 em O que é propriedade?, de Proud-
hon) captava a verdadeira essência da noção atual de desenvolvi-
mento sustentável, celebremente definida pela Comissão Brundtland
como o ‘desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente
sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as
suas necessidades’. (FOSTER, 2005, p. 230).
Este trecho evidencia a preocupação de Marx com as gerações
vindouras e a necessidade de alterar o relacionamento dos homens com a
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natureza, a partir de uma relação sob outras bases que não a capitalista.
Por isso, Marx acredita que a sustentabilidade só pode ocorrer em uma so-
ciedade cujos produtores sejam associados. Foster (2005) salienta que esta
concepção de “produtores associados” foi pela primeira vez encontrada
nos Manuscritos econômico-filosóficos, uma vez que, ao criticar a pro-
priedade privada da terra, Marx aponta para o comunismo enquanto a
única saída para o problema. A divisão igualitária da terra proporcionaria
a igualdade da mesma forma que a produção associada restauraria “os vín-
culos íntimos do homem com a terra de modo racional, não mais mediados
pela servidão, pela instituição do senhorio [...].” (FOSTER, 2005, p. 115).
Subvertendo, desta forma, a ordem da propriedade privada, a terra deixaria
de ser apenas um bem, passando a ser de acesso livre a todos os tra-
balhadores também livres da exploração. Deste modo, teríamos uma na-
tureza e um homem livres da expropriação de outros homens, e somente
assim ocorreria novamente a relação metabólica entre o homem e a na-
tureza.
A liberdade dos seres e da natureza seria alcançada apenas na
sociedade comunista, na qual a alienação produzida pela propriedade pri-
vada e pela acumulação de riqueza seria, definitivamente, extinta. Só assim
estariam resolvidas as contradições internas da sociedade, que poderia ex-
perienciar uma realidade alterada pela consciência do trabalhador livre,
que teria a preocupação com a preservação da natureza. Esta seria liberta
do tormento da depredação ocasionada pela poluição, da destruição dos
ecossistemas, entre outros males. Só assim se poderia chegar a uma “essência
da unidade aperfeiçoada do homem com a natureza, a verdadeira ressur-
reição da natureza, o naturalismo realizado do homem e o humanismo
realizado da natureza.” (FOSTER, 2005, p. 116).
Considerações finais
Em suma, são várias as transformações em andamento que devem
ser analisadas à luz de uma concepção teórico-metodológica que dê conta
delas, conseguindo ultrapassar aquela visão de mundo imposta por um sis-
tema produtivo alienante.
Marx conseguiu, com seu profundo estudo sobre esta sociedade,
descortinar as transformações processadas em seu tempo, bem como alguns
pesquisadores citados neste artigo que, apoiados nesta concepção, puderam
analisar a temática ambiental sem deixar de lado a emancipação da classe
trabalhadora e a produção de uma nova sociabilidade não apartada da na-
tureza.
É evidente que Marx se deteve no estudo sobre o homem e não
sobre a natureza. Seu objeto de estudo foi a análise deste modo de produção
vigente e os impactos na classe trabalhadora; porém, seu método conseguiu
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ir além do objeto de estudo em si, captando os estragos da produção ca-
pitalista tanto sobre o homem quanto sobre a natureza. O ponto fulcral
dessa análise reside no vínculo do homem com a natureza, sendo este um
vínculo dialético, reforçado através do trabalho. A continuidade da espécie
humana só é possível porque o homem satisfaz-se por meio da criação de
objetos que suprem suas necessidades.
Quando há uma interrupção nessa relação, evidencia-se a falha
metabólica entre o homem e a natureza. Ou seja, quando o homem é
impedido de atuar livremente na natureza através do seu trabalho, devido
à apropriação privada do solo e dos meios de produção, o metabolismo
entre o homem e a natureza fica interrompido, o que é extremamente pre-
judicial aos seres humanos. Quando as relações sociais engendraram a
proletarização de um grande contingente da população, minando a sua
capacidade criadora e relegando-a a uma posição de submissão na produção
e na sociedade, estava assim nascendo a alienação do homem, impossi-
bilitado de encontrar no trabalho seu conteúdo libertador.
Já a natureza torna-se mercantilizada e, consequentemente, ressig-
nificada, nos tempos atuais, passando a fazer parte do discurso empresarial
e do Estado, a partir do desenvolvimento sustentável. Este começa a propagar
a possível junção entre eficiência econômica e ambiental, levada a cabo
pelas grandes corporações capitalistas. Esta noção de desenvolvimento sus-
tentável, pautada na sinergia entre sociedade e produção capitalista, para
salvaguardar o planeta ajuda a escamotear as verdadeiras intenções que se
escondem por trás das grandes corporações. Ficou suficientemente claro,
ao longo deste artigo, o que realmente acontece quando a natureza se tor-
na propriedade privada do capital.
A crítica dos autores estudados permite-nos perceber que a pro-
posta da ONU acerca da sustentabilidade é ineficaz, pois não rompe com
a racionalidade vigente, limitando-se a propostas de moderação na uti-
lização dos recursos da natureza. Isto leva a uma legitimação da expropriação
na medida em que a natureza estará melhor protegida, segundo essa ótica,
se for transferida aos domínios capitalistas, transformando-a em valores de
troca. Torna-se claro, portanto, que a racionalidade do lucro perpassa toda
essa discussão e que é inviável à natureza perpetuar-se sob os auspícios do
capital.
Reafirmo que nenhuma saída que não esteja calcada no prota-
gonismo da classe trabalhadora tem chances reais de alteração da ordem
vigente, haja visto que só em uma sociedade livre, cuja produção não seja
privada, é que poderá surgir um relacionamento dos homens com a natureza
sob outras bases.
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
} A RELAÇÃO NATUREZA-SOCIEDADE NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA - SOUZA, F. A. C. }
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Recebido em 29 de abril de 2015
Aprovado para publicação em 28 de junho de 2015.
168 EM PAUTA, Rio de Janeiro _ 1o Semestre de 2015 - n. 35, v. 13, p. 153 - 168
Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Marxismo, capitalismo
e natureza:
pensando algumas questões
Marxism, capitalism and nature: considering some questions
Luiz Marcos de Lima Jorge*
Resumo – Este artigo apresenta algumas reflexões acerca dos impactos
que o desenvolvimento do capitalismo traz à natureza. Privilegiou-
se uma análise histórica deste desenvolvimento na qual, num primeiro
momento, discutimos a relação do homem com a natureza nas
comunidades naturais ou primitivas. Em seguida, discutimos como a
religião é uma marca importante nesta relação homem e natureza. A
reflexão se desdobra nos elementos que permitem pensar esta natureza
como paisagem, em que o turismo é uma das formas de fazer com
que esta natureza gere valor. O estudo aborda também o conceito de
“sociedade do espetáculo”, no qual a natureza transformada em
paisagem e a paisagem transformada em mercadoria é contemplada
de forma passiva, como espetáculo, por aqueles que podem desfrutar
deste artigo de luxo.
Palavras-chave: capitalismo; natureza; mercadoria; espetáculo;
turismo.
Abstract – This article presents considerations on the impact on nature
of the evolution of capitalism. A historical analysis of this development
was favored, in which we examined the relationship between men
and nature in natural and primitive societies. Next, we discussed how
religion is an important factor in this relation. The reflection includes
elements that allows us to consider nature as landscape, in which
tourism is one of the ways to make it profitable. Also, the study also
approaches the concept of “society of the spectacle”, in which nature
is turned into landscape, and landscape as a commodity is
contemplated passively as a spectacle by those who can savor this
luxury item.
Keywords: capitalism; nature; commodity; spectacle; tourism.
..............................................................................
* Doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Professor Associado da Escola de Serviço
Social da Universidade Federal Fluminense. Correspondência: Rua Fábio Luz, 460/apt 602 – Méier – Rio de Janeiro
– RJ – CEP:20720-350. E-mail: <[email protected]>
EM PAUTA, Rio de Janeiro _ 1o Semestre de 2015 - n. 35, v. 13, p. 169 - 183 169
Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
} MARXISMO, CAPITALISMO E NATUREZA - JORGE, L. M. L. }
Introdução
No início do século XXI, a questão da destruição da natureza e a
necessidade da preservação ambiental aparecem com urgência nos debates.
A escassez dos recursos naturais, a crise hídrica, o aquecimento global, a
produção de transgênicos e as catástrofes “naturais” demonstram, entre
outros aspectos, um esgotamento de uma forma social na qual o que conta
é a produção ilimitada do valor.
O que chama atenção é que há algumas décadas atrás, quando
se debatia sobre os problemas ecológicos, os autores se referiam a eles co-
mo algo muito distante, um futuro longínquo que nos atingiria num período
aproximado de cem anos. Com o tempo, fomos observando que atingir es-
ta marca histórica na configuração do desastre era uma questão muito pró-
xima.
O processo de devastação da natureza, de deterioração do meio
ambiente e de mudanças climáticas se acelerou a tal ponto que não estamos
mais discutindo um futuro a longo prazo. Estamos discutindo, na verdade,
processos que já estão em curso e, diferentemente do que é difundido,
toda esta degradação não é resultado do excesso de população, da falta de
ações educativas para a preservação ambiental. O que observamos é que
estes processos resultam de algo muito concreto: as consequências do pro-
cesso de acumulação do capital, em particular, da sua forma atual, em que
esta acumulação somente pode ocorrer por meio de destruições.
Portanto, do ponto de vista da lógica do capital, que é exatamente
o da globalização competitiva, destruir a natureza torna-se uma forma de
gerar valor. Se nas comunidades primitivas, ou “comunidades naturais”,
como se referia Marx (1983), o trabalho como produtor de valores de uso
aparecia como uma necessidade eterna da humanidade, uma necessidade
insuprimível da vida humana, no capitalismo o que conta é o trabalho abs-
trato.
Este artigo apresenta algumas reflexões sobre esta forma social na
qual até mesmo a natureza se torna algo instrumental, que pode ser mani-
pulada e modificada pelo trabalho humano. Um exemplo desta manipulação
é a transformação da natureza em paisagem e a consequente exploração
desta paisagem através das atividades turísticas. Privilegiamos inicialmente
uma abordagem histórica do trabalho como categoria que dá origem a um
novo tipo de ser, o ser social. Em seguida, analisamos como este trabalho
vai se modificando com o advento da sociedade burguesa até chegarmos
no conceito de “sociedade do espetáculo”: uma sociedade onde tudo tem
que ser espetacular, onde a mercadoria é o totem em torno do qual os
habitantes organizam a sua vida.
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
} MARXISMO, CAPITALISMO E NATUREZA - JORGE, L. M. L. }
1. A contemplação e a perda do “paraíso”.
Alguns elementos da história
Quando Marx (1983, p. 45), no século XIX, afirmou que a riqueza
da sociedade burguesa era uma imensa coleção de mercadorias”, isto não
significava apenas uma constatação empírica, fruto de uma curiosidade in-
telectual; significava que aquela sociedade obedecia a uma dinâmica pró-
pria, diferente de todas as formas sociais anteriores.
O duplo valor da mercadoria dava uma identidade particular a
esta forma de produção: os produtos criados pelo homem tinham um valor
de uso. No entanto, exigia que estes produtos apresentassem um valor de
troca, ou seja, o caráter social do trabalho era realizado de forma privada
e estranhada. Não estávamos mais diante das formas comunais da proprie-
dade da terra, em que o consumo dos produtos retirados da natureza era
destinado à família ou à tribo; frente a uma simples ou inexistente divisão
social do trabalho, a relação entre o homem e a natureza não aparecia
como relação estranhada.
Na sociedade burguesa, a utilidade de um determinado objeto é
uma produção social efetivada para satisfazer a necessidade de outra pessoa.
O objeto deve ser útil imediatamente não para quem o faz, mas para quem
vai consumi-lo após o processo de troca. Nesta forma social em que consu-
mo e produção estão apartados, o homem é o resultado deste processo –
em outras palavras, a existência humana é produto de uma relação de troca.
O trabalho aparece como modus operandi pois, na sociedade
burguesa, ele é um meio de alterar as formas materiais. Mas este trabalho
não é o elemento da efetividade humana, a essência do ser humano criativo.
É o trabalho estranhado, no qual o metabolismo com a natureza não faz
deste homem um ser liberto das formas alienadas. Pelo contrário, o que
conta é o trabalho abstrato, pois o homem não se reconhece nele, nos
produtos que este trabalho cria; as expressões objetivas do mesmo trabalho
– que podem ser materializadas em diferentes produtos, ou seja, podem
ser um casaco, uma bolsa, uma cesta artesanal – aparecem como dispêndio
produtivo de cérebros, músculos, nervos, mãos, etc.” (MARX, 1983, p. 51).
Nas comunidades naturais, ou nas formas que precederam o
modo de produção capitalista”, como descreve Marx (2011, p. 389), o es-
paço do consumo era o mesmo lugar da produção; não havia a separação
do trabalho livre das condições objetivas da sua produção. O metabolismo
entre o homem e a natureza não aparecia como forma de produção de ex-
cedentes. O trabalho, como categoria fundante do ser social, transformava
a natureza com o objetivo de criar os bens materiais necessários à existência
humana. É um trabalho concreto e, por isto, fundante da sociabilidade hu-
mana.
As comunidades primitivas apresentavam esta particularidade, ou
seja, o indivíduo produzia para a satisfação das suas necessidades e as de
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
} MARXISMO, CAPITALISMO E NATUREZA - JORGE, L. M. L. }
sua família. Se a produção gerava algum excedente, era para ser partilhado
entre os membros da comunidade. É um contexto onde a esfera da produção
não aparece apartada da esfera do consumo, na qual os indivíduos produzem
para a satisfação das necessidades imediatas. O homem desenvolve uma
relação com a natureza em que o trabalho aparece sem a mediação e sem
o estranhamento do mercado e do dinheiro.
Com o desenvolvimento da produção mercantil, as formas de
mediação entre o homem e a natureza começam a ser modificadas. É um
estágio civilizatório em que se observa que a divisão social do trabalho se
apresenta mais desenvolvida. A regra dominante é, agora, a apropriação
individual – o produtor separa-se do seu produto na troca, que passa não
apenas de mão em mão, mas de mercado para mercado. Engels (1985, p.
197) faz uma observação importante desta fase da civilização, diferente
das formas anteriores, daquilo que o autor chama de “Estado Selvagem e
da Barbárie”:
[...] os produtores já deixaram de ser senhores da produção total das
condições da sua própria vida e tampouco os comerciantes chegaram
a sê-lo. Os produtos e a produção estão entregues ao acaso.
O aprofundamento da divisão do trabalho torna mais complexa
e heterogênea a relação entre os indivíduos, antes subsumidos à comunidade
e à natureza. A diferenciação na divisão social do trabalho permite observar
a contradição entre os interesses individuais e os interesses coletivos, o que
demostra a consolidação de um processo histórico em que a ação do homem
se volta contra ele, como um poder estranho. A atividade humana passa a
ser algo que subjuga o homem, que se apresenta acima dele e que lhe foge
ao controle.1
A sociedade grega é um exemplo significativo neste processo de
transformação na relação entre o homem e a natureza. A introdução do
trabalho escravo em larga escala, no século V a.C., altera a vida econômica
de Atenas, como também proporciona a reestruturação da vida socio-
política. A contradição estrutural de Atenas estava na sua base material, ou
seja, era uma sociedade na qual o comércio despontava como elemento
de dissolução das formas naturais e arcaicas, mas que, ao mesmo tempo,
baseava-se no trabalho escravo. Isto demarcava os limites da sua própria
forma.
A democracia direta acabava sendo dirigida por aqueles que ti-
nham as melhores condições culturais, filhos de famílias ricas, que ter-
minavam por legislar em causa própria. O advento da pólis aparece como
seu inverso: a necessidade de um mercado que garantisse a satisfação das
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1 Na Ideologia Alemã, Marx e Engels (2009) ressaltam que o trabalho dá origem a um novo ser social. No entanto, eles
se referem a um trabalho concreto, livre de qualquer abstração. É uma atividade vital pois, ao se relacionar com a
natureza, o homem retira dela as condições da sua reprodução.
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necessidades dos homens teria que ser suprida pelo trabalho de outras pes-
soas (escravos). A existência de indivíduos livres, independentes e atomizados
não aparece como algo contraditório numa sociedade na qual os interesses
privados e a consolidação do mercado ganham cada vez mais destaque.
A crise que envolve a pólis atinge o núcleo central do pensamento
e da forma de vida, que não está mais voltada para o ethos comunitário; as
preocupações se voltam para os problemas da lei, da política e da conduta
moral.
Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) se depara com esta realidade em
transformação. O metabolismo com a natureza começa a ser mediado por
formas estranhadas, por relações mercantis; neste sentido, Aristóteles (1996,
p. 122) critica essa forma de vida, alicerçada na busca pelo dinheiro:
A vida dedicada a ganhar dinheiro é vivida sob compulsão, e obvia-
mente ela não é um bem que estamos procurando; trata-se de uma
vida apenas proveitosa e com vista a algo mais. Sob este prisma os
objetivos que acabamos de mencionar podem ser tidos como fins,
pois eles podem ser apreciados por si mesmos. É evidente, porém,
que eles não são bens autênticos, mas muitos argumentos foram gastos
para sustentá-los. Deixemos então de lado esse assunto.
Aristóteles defronta-se com uma Atenas onde a mediação da po-
lítica substitui – de forma progressiva, tendo em vista o incremento das ati-
vidades mercantis desencadeadas desde o século VIII a.C. – a relação entre
o homem e a natureza. Como a escravidão ainda é um obstáculo para o
desenvolvimento mercantil, os próprios limites da formação social grega
permitem a Aristóteles realizar a mímesis, ou seja, o homem grego ainda
está misturado à natureza. Neste sentido, a contemplação revela um sen-
timento de pertencimento num mundo onde o que conta é o valor de uso.
Em outras palavras, é uma realidade em que a divisão do trabalho ainda
comporta a mão de obra escrava como um dos seus fundamentos.
Marx (1983) afirma, em O capital, o “incômodo” do estagirita
em relação a esta forma de equivalente. Segundo Marx (1983, p. 62):
As duas peculiaridades da forma equivalente desenvolvidas por último
tornam ainda mais palpáveis quando retornamos ao grande pesqui-
sador que primeiro analisou a forma de valor, assim como muitas for-
mas de pensamento da sociedade e da natureza. Este é Aristóteles.
De início declara Aristóteles claramente que a forma dinheiro da
mercadoria é apenas a figura mais desenvolvida da forma simples
do valor, isto é, da expressão do valor de uma mercadoria em outra
qualquer. [...] ele reconhece, ademais, que a relação de valor, em
que essa expressão de valor está contida, condiciona por seu lado
que a casa é equiparada qualitativamente à almofada e que essas
coisas perceptivelmente diferentes, sem tal igualdade de essências,
não poderiam ser relacionadas entre si, como grandezas comen-
suráveis. A troca, diz ele, ‘não pode existir sem igualdade, nem
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igualdade sem a comensurabilidade’. Mas aqui ele se detém descon-
fiado e renuncia a seguir, analisando a forma valor.
Se o dinheiro é, para Aristóteles um mistério, este modo de equi-
parar coisas completamente diferentes revela formas desenvolvidas de um
sociometabolismo, no qual a natureza vai se tornando algo meramente
instrumental, transformando-se num objeto que pode ser quantificado e
modificado. O homem não interage mais com a natureza para retirar dela
apenas o seu sustento e o da sua família. A mímesis não é mais a mistura,
mas a representação de um processo no qual o homem precisa de critérios
abstratos para pensar esta natureza e representá-la quantitativamente.2
A dissolução da sociedade grega representa, na sua singularidade,
as transformações que marcam uma nova forma de metabolismo do homem
frente à natureza. A noção de mercado, da troca mercantil – na sua forma
mais desenvolvida – só se desenvolve muito tempo depois. Ela não ocorre
abruptamente, exigindo todo um processo de transformações para formas
mais complexas de sociabilidade. Mas é fato que essas formas de mediação
vão se transformando, adquirindo uma complexidade e abrangendo dois
elementos importantes e que estarão presentes no decorrer da Idade Média:
a terra e o comércio.3
Num primeiro momento, a interseção das rotas comerciais mo-
tivava a formação de pequenas praças, onde as pessoas se reuniam para
trocar os produtos. Posteriormente, essas pequenas praças se transformam
em locais onde a movimentação dos indivíduos era intensa; a formação
dos burgos e, depois, o desenvolvimento das cidades acelera um processo
de urbanização e consolida a troca de produtos e um significativo fluxo
comercial.
A Idade Média é o momento histórico no qual o comércio e as
trocas inauguram uma forma de relação do homem com os produtos do
trabalho e com a natureza. Nessa relação, este trabalho e esta natureza são con-
vertidos em objeto para suprir ou cumprir uma necessidade, e nada além
disto. Quando a natureza é um mero objeto, ela tem que estar subordinada
aos interesses universais, ou seja, ela não apresenta apenas valor de uso –
que está presente em todas as mercadorias –, mas tem que apre-sentar um
valor, ou melhor, gerar um valor. Como descreve Menegat (2012, p. 25):
O domínio absoluto do capital, isto é, a transformação de tudo em
mercadorias, realiza-se, na relação dos seres humanos com a natu-
reza, na forma de uma manipulação total desta. A própria natureza
se torna um sistema fabricado pela sociedade por meio de grandes
complexos financeiro-agroindustriais.
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2 Sobre as transformações da sociedade grega e os impactos na arte, na música, no teatro ver: Pierre-Maxime Schull
(2010).
3 Para aprofundar esta processualidade histórica ver: Hilário Franco Junior (2010).
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Outro elemento importante na Idade Média é a ideia do Deus
único. O monoteísmo não apenas substitui o culto a vários deuses, mas
imprime uma marca nas relações e formas sociais nesse período histórico.
Diante de indivíduos atomizados, o Cristianismo vai cumprir esta função
de reunir o que está disperso. O mesmo Deus que cria a natureza é aquele
que cria os homens; é significativo que a elaboração de conceitos universais
justifique formas de exploração da natureza e dos homens entre si, ou seja,
esta suposta universalidade unifica a experiência de atomização. A religião
e o dinheiro cumprem este papel.
Se, na Idade Média, ainda não temos uma sociedade produtora
de mercadorias ou, como afirma Marx (1983), a riqueza da sociedade não
aparece como uma “imensa coleção de mercadorias”, o culto ao Deus
abs-trato é uma forma de ocultamento da realidade. E qual é a realidade a
ser ocultada? A realidade na qual a natureza vai se tornando algo racional,
resultado de um processo histórico de separação e atomização. O que é
racional é a reprodução do dinheiro pelo dinheiro – algo que ganha matu-
ridade com a emergência da sociedade capitalista.
É significativo que, numa sociedade onde a Igreja exerce o poder
através do domínio das terras e onde as relações sociais começam a ser
mediadas pelo dinheiro, a figura histórica de Francisco di Bernardone –
conhecido entre nós como Francisco de Assis – desponte entre os séculos
XII-XIII como personagem que busca uma relação com a natureza para
além dos limites impostos pelo mercado e pelo dinheiro. Num momento
em que a atividade mercantil passa a desempenhar um papel central na
vida do Ocidente, Francisco se contrapõe às formas de mediação nas quais
o dinheiro começava a fazer os seus estragos.
Se inicialmente, na sua juventude, Francisco gostava de aproveitar
o tempo livre para cantar pelos vilarejos de Assis, a busca desse tempo livre
aparecia como protesto contra o comércio, que sujeitava o ser humano e o
levava aos limites estreitos de uma sociedade mercantil. A condenação ao
dinheiro e à propriedade privada indicava a necessidade – posteriormente
marcada em Francisco pelo elemento religioso – de construir uma sociedade
nova e igualitária, construir um caminho que levasse à superação de formas
mediativas que faziam da natureza um mero objeto.4
A recusa de Francisco à propriedade privada e ao dinheiro resgata,
em sua singularidade, a busca de uma forma social próxima àquela vivida
na Grécia: o retorno à mímesis (mistura) como meio para a construção de
uma ordem societária na qual a natureza não seja mero instrumento a ser-
viço dos interesses mercantis. Mas aquela mímesis, em que o que contava
era o valor de uso, estava irremediavelmente perdida.
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4 Para um maior aprofundamento da biografia de Francisco di Bernardone e de seus escritos, ver: Leonardo Boff (1985)
e Celso Mário Teixeira (2008).
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2. A natureza como algo terreno... e estranhado
Em Manuscritos econômicos-filosóficos, de 1844, Marx faz re-
ferência ao trabalho como categoria que dá origem a um novo ser social.
O trabalho aparece como fundamento ontológico, pois é por meio dele
que o homem se objetiva; qualquer forma de sociabilidade teria no trabalho
o tipo de atividade que, modificando a natureza, construiria a base material
da sociedade. Segundo Marx (2010, p. 84):
Pois primeiramente o trabalho, a atividade vital, a vida produtiva
mesma aparece ao homem apenas como um meio para a satisfação
de uma carência, a necessidade de manutenção da existência física.
Avida produtiva é, porém, a vida genérica. A vida produtiva é, porém,
a vida genérica. É vida engendradora de vida.
Num outro momento, em O capital, Marx (1983, p. 149) descreve
que o trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a Natureza,
um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e con-
trola seu metabolismo com a Natureza”. Em ambas as citações, Marx não
se refere ao trabalho concreto, mas a elementos essenciais e universais do
trabalho.
No entanto, no capitalismo, esse trabalho ganha uma parti-
cularidade: é o trabalho alienado que permite ao homem garantir – e nada
mais do que isso – a sua existência material. O produto do trabalho, resul-
tante da relação entre o homem e a natureza, aparece como potência
estranha”, propriedade privada de outra pessoa que não o trabalhador. No
mundo da mercadoria, o que conta é a produção interminável do excedente
e o aprofundamento do trabalho alienado. Na medida em que se que apro-
fundam as relações de produção e a divisão social do trabalho, a essência
humana fica reduzida ao ter, à utilidade da coisa, pois a objetivação do
homem – que se dá na possibilidade de transformar a natureza pelo trabalho
criativo, rico de suas potencialidades – é construída de forma inversa, pela
máxima alienação dos homens.
Marx não se interessa pela natureza como problema abstrato ou
metafísico, mas conectada à história universal, modificada pelo homem
através do trabalho. Se o trabalho poderia se constituir numa atividade
para o homem se realizar existencialmente, isto não acontece no modo de
produção capitalista. A divisão sociotécnica do trabalho e a sua crescente
mecanização geraram no indivíduo uma contínua repulsa a esta forma de
trabalho. O metabolismo com a natureza acontece de forma estranhada,
pois, como o sujeito não se reconhece naquilo que produz, é reduzido à
condição de mera coisa, completamente desumanizado, reforçando aquilo
que Marx (2010, p. 80.) analisa em Manuscritos, onde diz que o “trabalho
se torna mais pobre, quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua pro-
dução aumenta em poder e extensão.”
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Considerando que os meio de trabalho não são apenas medidores
do grau de desenvolvimento das forças produtivas, mas também indicadores
das condições nas quais se trabalha, na sociedade burguesa a natureza –
modificada pelo trabalho humano – tem que se tornar algo abstrato, um
objeto meramente instrumental; tem que gerar valor. Esta natureza – agora
uma propriedade do capitalista – não tem apenas um valor de uso, mas
tem que engendrar um valor, fazer parte do processo de geração ilimitada
de valor.
Neste contexto, a natureza torna-se puro objeto para o homem,
aquilo que Marx (2011, p. 334) descreve como “pura utilidade da coisa”,
rompendo os desenvolvimentos locais; a natureza se submete às necessidades
humanas, seja como objeto de consumo, seja como meio de produção. A
própria produção cria, de fato, novas demandas, uma vez que sempre existe
a possibilidade de empregar mais trabalhadores (que não ficam mais circuns-
critos ao trabalho na indústria), por meio das quais se criam novos ramos
com o objetivo de gerar valor. Um dos ramos que se destacam neste processo
é o turismo.
Evidentemente, o turismo que se desenvolve no início do capi-
talismo industrial é substancialmente diferente do turismo que conhecemos
– que se consolida na segunda metade do século XX (o turismo ligado à
atividade de lazer e descanso). Segundo Hobsbawm (2010, p. 296), no
início do século XIX ocorria o deslocamento de grandes contingentes po-
pulacionais, um “êxodo rural em direção às cidades, a migração entre re-
giões e de cidades, o cruzamento de oceanos e a penetração em zonas de fron-
teiras”, um fluxo de homens e de mulheres em todas as direções.
Num primeiro momento, o que motivava esse deslocamento era
a necessidade de conseguir trabalho, emigrando do campo para a cidade.
A primeira onda migratória da Inglaterra para a América foi essencialmente
a fuga da fome, ou seja, a viagem para o pobre era, essencialmente, a bus-
ca por trabalho.
Ainda de acordo com Hobsbawm (2010), se a forma de viagem
para o pobre era a migração, para a “classe média” e para os ricos as viagens
significavam o turismo como forma de lazer e diversão, algo facilitado
pela estrada de ferro, pelo barco a vapor e pela rapidez das comunicações
postais. Se os homens pobres viajavam por necessidade – raramente con-
jugando trabalho e lazer, algo que vamos observar com outras características
a partir da segunda metade do século XX –, o capitalismo industrial produzia
novas formas de apropriação da natureza, que se materializavam nas via-
gens de lazer, “viagens de verão para a burguesia e pequenas excursões
mecanizadas para as massas”. (HOBSBAWM, 2010, p. 310).
Observa-se que, da mesma forma que a economia burguesa cap-
tura o tempo de trabalho excedente, o tempo livre também é capturado,
mesmo nos momentos em que o indivíduo esteja voltado para atividades
“não produtivas”, como o lazer. Cada momento da existência aparece como
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momento da produção, para a produção de mais valor. Se as relações
sociais de trabalho se caracterizam (no capitalismo) pela desapropriação
dos meios de produção daquele que é o sujeito deste processo – o tra-
balhador, que tem a necessidade de vender a sua força de trabalho para se
reproduzir, uma necessidade que se constituiu histórica e arbitrariamente
–, com o advento da modernidade até mesmo o tempo livre é privatizado;
a necessidade do ócio é enaltecida na (sempre) possível rentabilidade das
atividades vinculadas ao lazer.
Em Grundrisse, Marx (2011), ao falar sobre o capital fixo e o de-
senvolvimento das forças produtivas da sociedade, descreve que, à medida
que a grande indústria se desenvolve, a criação da riqueza passa a depender
menos do tempo de trabalho e do quantum do trabalho empregado.
Marx (2011, p. 588) acreditava que, no desenvolvimento da so-
ciedade burguesa, a indústria ocuparia a “grande coluna de sustentação da
riqueza”. O trabalho, na sua forma imediata, “o dispêndio de força humana
de trabalho”, que faz como que atividades qualitativamente diferentes pos-
sam ser igualadas, deixaria de ser a “grande fonte de riqueza e o tempo de
trabalho não seria mais a sua medida; como consequência, o valor de
troca deixaria de ser a medida do valor de uso”.
Este certo otimismo de Marx se baseava na possibilidade de as
pessoas desenvolverem a livre individualidade, disporem do tempo livre
para se dedicarem a atividades artísticas e culturais. Surge, aqui, a ideia da
disposição deste tempo por parte do ser humano para ser empregado em
atividades criativas e libertadoras.
No entanto, o processo histórico tomou caminhos diferentes
àqueles preconizados por Marx (2011). O alto desenvolvimento das forças
produtivas não possibilitou que a economia do tempo de trabalho se trans-
formasse para além do processo de geração do valor. Pelo contrário, o
capital diminuiu o tempo de trabalho para aumentá-lo, por exemplo, na
forma do supérfluo, no qual o turismo é uma das formas visíveis.
O desenvolvimento da tecnologia capitalista capturou este tempo
livre, e o aprofundamento da divisão do trabalho, com a crescente mecani-
zação, gera no trabalhador uma repulsa por esta atividade maçante e inca-
paz de lhe proporcionar uma satisfação existencial. O trabalho se torna
apenas um meio para que o sujeito obtenha o necessário para a sua repro-
dução; na verdade, uma subvida.
A técnica torna-se a essência de uma produção e de um saber no
qual o que conta é a exploração do trabalho dos outros, ou seja, o que os
homens querem aprender com a natureza não é a contemplação do belo
ou do artístico, mas como empregá-la para dominar completamente a ela
e aos outros homens. Nesta relação, a essência das coisas revela-se sempre
como dominação, mesmo porque a natureza deve ser dominada pelo
trabalho, assim como o tempo livre.
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Num mundo em que o indivíduo é reduzido à condição de merca
coisa, completamente desumanizado, o próprio ócio do homem é utilizado
com o objetivo de mecanizá-lo, de tal modo que, no capitalismo, nas suas
formas mais avançadas, a diversão e o lazer tornam-se um prolongamento
do trabalho. O “tempo livre industrializado”5 demonstra que a necessidade
de gerar valor conquistou tamanho poder sobre os homens que, durante o
tempo livre, eles procuram refazer suas energias para, em seguida, retornar
ao trabalho – e aqui não apenas a natureza transformada em paisagem,
contemplada através do turismo, cumpre esta função, mas todo produto
do lazer e da distração fazem parte desta lógica.
Recorrendo à análise de Adorno e Horkheimer (2006), a ideologia
da “indústria cultural” é o negócio. Ela provém de sua identificação com a
necessidade produzida – e aqui sobressai a ideia de que primeiro a sociedade
burguesa produz a mercadoria e depois, por caminhos que envolvem a
comercialização, imagem, propaganda e marketing, a necessidade do pro-
duto. A promessa do descanso se concilia na exploração do sujeito e da
natureza, em que a diversão cumpre a tarefa fantástica e ilusória de um
sossego material e subjetivamente inexistente.
A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio.
Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho me-
canizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao
mesmo tempo, a mecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoa
em seu lazer e sobre a sua felicidade, ela determina tão profun-
damente a fabricação das mercadorias destinadas à diversão, que
esta pessoa não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que
reproduzem o próprio processo de trabalho. (ADORNO; HORK-
HEIMER, 2006, p. 113).
Como escapar da monotonia supõe – para aqueles que usam o
transporte rodoviário – passar dez, doze horas nos engarrafamentos (o quan-
titativo aqui é o que menos importa), o que conta é que o tempo de ócio e
de lazer destes turistas serve apenas para repor sua capacidade de trabalho.
O suplício do tempo parado no trânsito caótico vale o sacrifício para retornar
revigorado e, cada vez mais, atomizado e solitário. Na verdade, qualquer
deslocamento de pessoas se enquadra nesta perspectiva, mesmo porque o
tempo qualitativo se dilui no fluxo vazio entre os espaços.
Se o acesso ao turismo é tomado como forma de progresso da
civilização, este progresso significa, para o indivíduo, o distanciamento e a
separação da natureza, que precisa ser submetida às condições mercantis
para a satisfação das necessidades humanas.
Neste contexto, a ideia do espetáculo é significativa para a com-
preensão da forma social que envolve as atividades do turismo. Quando a
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5 Esta denominação é utilizada por Renato Nunes Bittencourt (2013) para analisar a captura do tempo livre pelo
capital.
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paisagem é transformada em mercadoria, ela precisa ser divulgada, vendida,
fazer parte da lógica do entretenimento. A “crítica radical” do espetáculo,
formulada por Debord (2009), contribui para o entendimento deste fe-
nômeno, a dominação do homem sobre a natureza, e como esta relação
produz o espetáculo da mercadoria.
O conceito de “sociedade do espetáculo” não está restrito a uma
crítica da televisão ou de outros meios mediáticos. O funcionamento dos
meios de comunicação de massa, por um lado, tem seu conteúdo restrito;
por outro, é expressão da sociedade da qual faz parte. Se, para Marx (1983),
a riqueza da sociedade aparece como uma “imensa coleção de merca-
dorias”, Debord (2009, p. 13) afirma que “toda a vida das sociedades, nas
quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma
imensa coleção de espetáculos”. Na sociedade do espetáculo não existe a
relação direta entre o indivíduo e o seu mundo, apesar deste mundo ser
produzido por ele. A contemplação passiva das imagens, que ademais foram
escolhidas pelos outros, substitui o vivido – trata-se de uma sociedade ba-
seada na contemplação passiva, na qual os indivíduos, em vez de viverem
em primeira pessoa, olham a ação dos outros.
O espetáculo, portanto, não ficaria restrito a um conjunto de
imagens, que teria por objetivo apenas o entretenimento, “mas uma relação
social entre o indivíduo, mediada por imagens”, resultado e projeto de um
modo de produção existente (DEBORD, 2009, p. 14).
Não por acaso, para Debord (2009), a marca desta sociedade é o
fetichismo. A imagem e o espetáculo têm em comum a característica de
reduzir a multiplicidade do real a uma única forma abstrata e equivalente.
Da mesma forma que a mercadoria, o espetáculo seria o estágio supremo
da abstração; como nada escapa à lógica da mercadoria, nada foge à forma
do espetáculo, até mesmo a natureza.
Quando o indivíduo viaja, ele vai, de certa forma, por um deter-
minado período de tempo, deixar o mundo em que vive. Ao buscar o refú-
gio na natureza, a paisagem, transformada em mercadoria, é o espetáculo
da contemplação, não do belo, da arte, mesmo porque esta natureza é
algo instrumental, separado do homem, um mero objeto. Expropriado da
sua condição humana, este indivíduo se vê imobilizado no centro falsificado
do movimento do seu mundo, no qual a contemplação do idílico é a rea-
lidade falseada, vivida ilusoriamente. Como afirma Debord (2009, p. 106)
“a realidade do tempo foi substituída pela publicidade do tempo.”
Como a realidade é uma aparência do real, “o bombardeiro pu-
blicitário” precisa vender algo que não existe, pois, o espetáculo tem que
ser mais poderoso que o real. A preservação da natureza, por exemplo, é
bombardeada pelas campanhas publicitárias, que enfatizam o”desenvol-
vimento sustentável”, “turismo responsável”, produção e sustentabilidade”.
É o “velho” discurso universal, mas que não se aplica a uma classe particular:
os capitalistas. O universal se revela numa mera abstração, pois as ações
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que visam à “preservação ambiental” são dirigidas para os moradores das
áreas turísticas, para os visitantes, que irão repousar as suas consciências,
mas que nunca atingem aqueles que constroem hotéis, resorts, pousadas
etc. Aqui, a exigência primeira do espetáculo é que à paisagem se adequem
as necessidades do capital e que os meios empregados para esta finalidade
não levem em conta qualquer possibilidade de preservação. Pelo contrário,
a “pseudopreservação” só vale para que esta natureza seja consumida.
E, nesta sociedade espetacular, as leis abstratas se tornam um sis-
tema coerente que a tudo penetra; o espetáculo é a ditadura totalitária do
fragmento e, para isto, a presença, não dos trabalhadores, mas dos espe-
cialistas, é fundamental, pois este fragmento da realidade precisa ser ex-
plicado e interiorizado pelo sujeito. Quando Debord (2009, p. 126) afirma
que “a cultura tornada integralmente mercadoria deve tornar a mercadoria
vedete da sociedade espetacular”, o conhecimento deve justificar esta socie-
dade fragmentada e constituir-se como ciência geral da falsa consciência.
O pensamento sobre o real se volta para defender o aparente, uma “sub-
comunicação”, que não se ocupa dos conflitos e contradições de classe –
afinal de contas, isto não aparece como algo espetacular. Toda a sociedade
é submetida ao pensamento abstrato, à opinião do especialista – este detém
o saber absoluto no qual a separação dos saberes é a chave para encobrir a
realidade.
A fragmentação não se restringe apenas à separação de um aparato
técnico de divisão de saberes, mas ao ocultamento de uma realidade que
não pode ser questionada nos seus fundamentos que alicerçam a desi-
gualdade. Se pensarmos na tão propalada “questão ambiental”, talvez o
entusiasmo seja a marca deste “clube dos contentes”.
As previsões vão da total destruição do planeta (o que não deixa
de ser uma realidade de um mundo que precisa ser destruído e recriado
pela mercadoria) até a crença de que a economia verde é algo palpável.
Nas “tragédias ambientais”, os especialistas invadem, com seus conhecimentos
específicos, a vida já resignada. O balcão do saber especializado é um es-
petáculo de variedades: desde os especialistas em gestão de risco até o cui-
dado que os pais devem ter com as crianças em casa, por ocasião das férias
escolares. Neste quadro, a infelicidade humana é o material que compar-
tilham com entusiasmo.6
Se a imagem pode servir ao esclarecimento, é certo que a forma
social que envolve esta imagem não é a forma social que sustenta a mer-
cadoria. A imagem de um mundo onde o princípio dinâmico é o seu
esgotamento não é compatível com o horizonte histórico que tenha como
primado a satisfação das necessidades e a realização das potencialidades
humanas.
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6 Cabe aqui uma observação importante de Robert Kurz (1997, p. 146): “Os intelectuais estetizam a miséria e a
exploram comercialmente; o sofrimento daqueles que passam fome são transformados em publicidade. O
temperamento ditado pela lógica do mercado chegou a criar um culto à maldade”.
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Considerações finais
Toda sociedade organiza de alguma maneira sua produção mate-
rial ou, como chamava Marx (1983), seu “metabolismo com a natureza”.
No entanto, nas sociedades primitivas ou naturais essa organização se dava
de acordo com outros critérios que não eram os da troca entre produtores
formalmente independentes. No capitalismo, o trabalho tem uma dupla
natureza: ele é ao mesmo tempo trabalho concreto e trabalho abstrato.
O que vamos perceber não é apenas a supremacia deste trabalho
abstrato sobre o trabalho concreto. O que cria o laço social no capitalismo
não é a qualidade do trabalho humano, mas o trabalho em sua quantidade,
indiferenciado, sempre igual e submetido ao mecanismo fetichista do seu
crescimento. Nele, a produção é organizada em torno do trabalho abstrato,
a relação entre as pessoas já se constitui de uma maneira alienada, desposa-
da do controle humano – aqui a natureza é apenas algo instrumental, um
ramo da indústria e que deve seguir o seu curso.
Em nome deste crescimento, tudo deve ser ultrapassado: o traba-
lho vivo, as medidas de tempo, a natureza. Como a forma contemporânea
do acúmulo de acréscimo e reposição do capital é incessante, esta forma
social precisar destruir e modificar sob a hegemonia do trabalho abstrato.
Como afirma Matos (apud JAPPE, 2013, p. 11), “abstração não significa
apenas que o trabalho concreto é subsumido pelo abstrato, mas que seus
mecanismos de esvaziamento do sentido da produção são ao mesmo tempo
perda do saber-viver.”
Na sociedade espetacular, podemos até mesmo falar de “cons-
ciência ecológica”, “consumo sustentável” e outras soluções mistificadoras,
mas não há condições de romper este estado de coisas sem centrar forças
contra o fetichismo da mercadoria. As consequências per-versas desta forma
de acumulação apenas reverberam a intensidade e justeza da tese de hobe-
siana de que o homem é o lobo do homem.
Portanto, não se trata de lutar por uma sociedade sustentável.
Por mais que as exigências apareçam como justificáveis, as conciliações
sempre desembocam em realidades mais catastróficas. Uma sociedade “mais
igualitária” apenas muda o tipo de injustiça. Como afirma Jappe (2013, p.
30), “não há como escapar dos constrangimentos estruturais do sistema
democratizando o acesso às suas funções. “
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
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Recebido em 27 de março de 2015. 183
Aprovado para publicação em 15 de julho de 2015
EM PAUTA, Rio de Janeiro _ 1o Semestre de 2015 - n. 35, v. 13, p. 169 - 183
Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
A contribuição do Serviço
Social para a efetivação do
Controle Social no HC-UFU
The contribution of Social Service for the effectiveness
of Social Control in HC-UFU
Priscila Aparecida Martins*
Resumo – O presente estudo refere-se à pesquisa realizada na Resi-
dência Multiprofissional em Saúde do Hospital de Clínicas da Univer-
sidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), na área de Atenção ao Pa-
ciente em Estado Crítico, entre 2012 e 2014 (período em que foi cur-
sada a residência multiprofissional pela pesquisadora). Objetiva discutir
a contribuição que os/as assistentes sociais, empregados(as) nas uni-
dades de Clínica Médica, Unidade de Terapia Intensiva e Pronto-So-
corro, podem oferecer para a efetivação do Controle Social no interior
do HC-UFU, a partir da análise documental, observação empírica e
pesquisa de campo.
Palavras-chave: controle social; participação popular; serviço social;
política de saúde.
Abstract – This study refers to research conducted in a Multidisciplinary
Residency Clinics Hospital of Health of the Federal University of
Uberlândia (HC-UFU) in the area of Attention to Critical Patient State
between 2013-2014 (the time was study comprises the multi-residence
by the researcher). Aims to discuss the contribution that / social workers,
employees / in the Clinical units, Intensive Care Unit and Emergency
Department can offer for the realization of social control, within the
HC-UFU, from the document analysis, observation empirical and
field research.
Keywords: social control; popular participation; social service; health
policy.
Introdução
Este estudo partiu de reflexões que envolvem as ações do Serviço
Social na mobilização popular para a efetivação do Controle Social na
área de Atenção ao Paciente em Estado Crítico (Apec) do Hospital de Clínicas
da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU). Foi realizado por uma
..............................................................................
* Assistente Social graduada pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Residente Multiprofissional em área da
Saúde pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Correspondência: Rua Antônio Mathias, 439, Vila Exposição,
Franca – SP. CEP: 14-407-453. E-mail: <[email protected]>
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
} A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL PARA A EFETIVAÇÃO DO CONTROLE SOCIAL - MARTINS P. A. }
residente de Serviço Social inserida na área de concentração Atenção ao
Paciente em Estado Crítico (Apec) do HC-UFU.
O hospital, conforme a hierarquização do Sistema Único de Saúde
(SUS), está categorizado como referência em média e alta complexidade e
sua abrangência compreende 30 municípios, que compõem as macro e
microrregiões do Triângulo Mineiro Norte. Atualmente, conta com 510
leitos e atende uma população de quase três milhões de usuários de Uber-
lândia e região (UFU, 2010b).
De acordo com informações prestadas pelo Conselho Municipal
de Saúde de Uberlândia (CMSU), a cidade ainda conta com 14 Conselhos
de Saúde, entre locais e distritais, mais o municipal. O CMSU possui com-
posição paritária de seus membros, com 28 membros titulares, sendo 14
representantes do setor governamental, entre prestadores de serviços e traba-
lhadores da saúde, e 14 representantes dos usuários, agregando ainda 28
membros suplentes dos mesmos segmentos.
O recorte deste estudo sobre o Controle Social envolve a con-
tribuição que o/a1 assistente social, inserido(a) nas enfermarias que compõem
a Apec, pode oferecer por meio do trabalho para a sua efetivação no HC-
UFU. Isto, pois o Serviço Social, enquanto profissão que busca a efetivação
dos direitos e atua numa perspectiva socioeducativa2, tem o dever de orientar
os usuários dos serviços de saúde sobre a relevância que a participação po-
pular assume no monitoramento e na avaliação da política de saúde por
meio do Controle Social.
Entretanto, a realização deste trabalho no ambiente hospitalar,
principalmente nas áreas que atendem casos de urgência e emergência,
pode ser considerada um grande desafio devido à crescente demanda e à
“imediaticidade” dos atendimentos, que dificultam a possibilidade de um
trabalho contínuo e de base reflexiva.
Este estudo objetiva contribuir para a reflexão sobre a efetivação
do Controle Social no HC-UFU, envolvendo as ações do Conselho de Inte-
gração HC-UFU- Sociedade3, o Conad4 e a Ouvidoria do HC-UFU.
Com relação à pesquisa de campo, optou-se por fazer a análise
dos dados pela abordagem qualitativa, a qual, conforme Minayo (1999),
tem seu estudo voltado a um campo que não pode ser quantificado, pois
expressa as relações sociais, seus valores, significados etc.
..............................................................................
1 Na construção do texto, foi utilizada a variação de gênero para se referir aos/às profissionais do Serviço Social, con-
forme às alterações estabelecidas no Código de ética profissional do(a) assistente social de 1993 (CFESS, 1993).
2 “[...] as ações socioeducativas e/ou educação em saúde não devem pautar-se pelo fornecimento de informações
e/ou esclarecimentos que levem a simples adesão do usuário, reforçando a perspectiva de subalternização e controle
dos mesmos. Devem ter como intencionalidade a dimensão da libertação na construção de uma nova cultura [...].”
(CFESS, 2009, p. 55).
3 Órgão consultivo que tem como objetivo servir de espaço para a interlocução de vários setores do HC-UFU com
a sociedade (UFU, 2010).
4 Órgão normativo e deliberativo que tem a função de aprovar projetos, programas e planos de ação, estabelecer as
normas gerais para a assistência médico-hospitalar, de pesquisa, de cooperação didática e de prestação de serviços
médicos e hospitalares à comunidade etc. (UFU, 2010).
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} A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL PARA A EFETIVAÇÃO DO CONTROLE SOCIAL - MARTINS P. A. }
1. O Controle Social na política de saúde
A participação popular nas diversas políticas sociais existentes é
identificada como Controle Social e pode ser considerada um dos eixos es-
truturantes da Política Nacional de Saúde, pois respalda as ações dessa
área na Constituição Federal de 1988, na Lei nº 8.142, bem como na Política
Nacional de Promoção da Saúde (BRASIL, 1988).
No presente estudo, optou-se por partir do marco legal vigente
que demarca a obrigatoriedade do exercício do Controle Social, ou seja, a
Lei nº 8.142, de 1990 (SUS) e a Constituição Federal de 1988.
Dentre as instâncias de Controle Social delimitadas pela Lei nº
8.142/90, há os Conselhos de Saúde que, segundo Correia (apud LOU-
RENÇO, 2009), podem ser caracterizados como espaços democráticos de
gestão. Estes, mesmo com suas contradições e fragilidades, possuem sig-
nificativa relevância, especialmente no Brasil, onde a maioria da população
tem enraizada a cultura de submissão devido ao seu desenvolvimento his-
tórico.
Atualmente, a existência e o funcionamento dos Conselhos de
Saúde são um dos pré-requisitos para que os municípios e os estados estejam
vinculados ao SUS e recebam os recursos destinados à saúde (BRASIL,
1990b).
As conferências, por sua vez, são fóruns de debates e participação
objetiva da população usuária e das organizações. Devem ser entendidas
como espaços de discussão pública que reúnem representantes de diversos
segmentos sociais. Ocorrem de quatro em quatro anos em cada esfera do
governo para avaliar as ações em saúde e estabelecer as prioridades de que
a sociedade necessita, sendo atendida com mais agilidade (BRASIL, 2010).
Outro mecanismo oficial que pode atuar no Controle Social é a
Ouvidoria Geral do SUS, que está vinculada ao Departamento de Ouvidoria
Geral do Sistema Único de Saúde (Doges), criado no ano de 2003, e integra
a Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP) do Ministério da
Saúde (MS). O acesso a este mecanismo pode ser realizado pela internet, a
partir do Portal do Ministério da Saúde, pelo telefone do Disque Saúde
(136) ou através dos Correios (BRASIL, 2014).
2. O Serviço Social e o Controle Social na área da saúde
O Serviço Social, enquanto profissão que se propõe a lutar ao la-
do da população em defesa de seus interesses e a buscar a efetivação dos
direitos sociais, conforme o Código de ética profissional (CFESS, 1993),
trabalha para o aprofundamento da democracia e da ampliação da parti-
cipação política. Tem, ainda, o dever de contribuir para que o Controle
Social seja efetivo. No entanto, no ambiente hospitalar, o trabalho do(a)
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} A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL PARA A EFETIVAÇÃO DO CONTROLE SOCIAL - MARTINS P. A. }
assistente social fica preso, diversas vezes, à realização de orientações indi-
vidualizadas com caráter imediatista, fato também enfatizado na pesquisa
de Ana Maria Vasconcelos (2009)5, na cidade do Rio de Janeiro.
Além do mais, conforme o setor em que o profissional do Serviço
Social esteja inserido, não há espaço físico adequado para a criação de
grupos de discussão acerca dos direitos dos usuários, de reflexão sobre as
condições em que se encontram os usuários do serviço, entre outros, nem
tempo disponível para tal. Tampouco há disposição dos familiares ou
pacientes para a realização de trabalhos deste tipo ou de outros tipos, neste
mesmo sentido. Dessa forma, de acordo com Ana Maria Vasconcelos (2009),
muitas vezes as demandas apresentadas pelos usuários são reduzidas a pro-
blemas particulares, inviabilizando a busca pela leitura da totalidade da si-
tuação e o fortalecimento da mobilização popular.
Por isso, é necessário que o profissional do Serviço Social, dentro
das condições objetivas e subjetivas de trabalho, crie estratégias para que,
junto à equipe multiprofissional, possa colaborar na efetivação do Controle
Social. Portanto, conforme os Parâmetros de atuação do assistente social
na área da saúde6, cabe aos profissionais do Serviço Social, dentre outras
atribuições, desenvolverem ações voltadas para a mobilização e parti-
cipação social de usuários, familiares, trabalhadores da saúde etc. (CFESS,
2010). Sendo assim, destaca-se que toda ação profissional do(a) assistente
social deve ser obrigatoriamente permeada pelo trabalho socioeducativo
no sentido de colaborar para a efetividade do Controle Social.
No entanto, sublinha-se que a motivação da comunidade, no
que se refere às ações envolvidas com o Controle Social, é um desafio
ainda maior nas unidades de atendimento de alta complexidade, se com-
paradas às unidades de atendimento de atenção básica. Isto pois, nestas, o
contato com a população usuária é contínuo e, geralmente, as condições
de saúde dessas pessoas estão menos debilitadas, além do fato de que, na
maioria das vezes, elas residem em localidades próximas, ao contrário do
que acontece nas unidades de atendimento de alta complexidade.
3. O Controle Social no HC-UFU e o Serviço Social
Os espaços destinados ao Controle Social, especificamente no HC-
UFU atualmente, estão previstos em três vias diferentes, sendo uma delas o
Conselho de Integração HCU-Sociedade. Funciona como um órgão consult-
ivo e tem como objetivo servir de espaço para a interlocução de vários se-
tores do HC-UFU com a sociedade.
O Regimento Interno do HC-UFU, em vigência desde o ano de
2010, aponta como atribuições do referido conselho o acompanhamento
às políticas assistenciais e de formação de recursos humanos na área da
saúde, bem como o exame das demandas existentes na sociedade. A partir
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da leitura realizada com essas ações, deve sugerir parcerias e atividades a
serem desenvolvidas, na tentativa de sanar as questões de seu âmbito de
atuação.
O Conselho de Administração (Conad), outra instância ligada ao
acompanhamento das ações administrativas do HC-UFU, também é parte
integrante do Controle Social do hospital. É composto por representantes
de vários segmentos e tem função normativa e deliberativa no que se refere
a aprovar projetos, programas e planos de ação, estabelecer as normas
gerais para a assistência médico-hospitalar, a pesquisa, a cooperação didática
e a prestação de serviços médicos e hospitalares à comunidade, disciplinar
a rotina administrativa, atuar como instância de recurso, além de elaborar
e aprovar o regimento interno (UFU, 2010).
Outra via que colabora para o Controle Social dentro HC-UFU é
o serviço de Ouvidoria, que tem a função de dar voz aos usuários dos ser-
viços prestados, funcionando como uma central de atendimento pronta
para receber reclamações, solicitações, elogios, sugestões e denúncias re-
ferentes ao atendimento no interior do hospital. Assim, tomar as medidas
necessárias para o encaminhamento das questões que surgirem, oferecendo
uma devolutiva ao demandante e/ou à comunidade.
Em relação aos/às profissionais de Serviço Social que responderam
à pesquisa, estes se graduaram em uma faculdade privada da cidade de
Uberlândia. Alguns possuem pós-graduação lato sensu e/ou stricto sensu
tanto na área da saúde quanto em outras áreas. Eles possuem de nove a
vinte anos de formação, são funcionários no hospital entre três e oito anos,
não têm outro vínculo empregatício e trabalham 30h semanais.
Durante as entrevistas, percebeu-se que, mesmo com as parti-
cularidades encontradas em cada local (Clínica Médica, UTI e Pronto-So-
corro), a rotina de trabalho tem o mesmo foco, ou seja, a realização de
encaminhamentos diversos, conforme a demanda e a ação socioeducativa:
A rotina de trabalho nas enfermarias consiste em acolhimento dos
pacientes ingressantes, onde a gente faz a coleta de dados, de infor-
mações, de contatos de familiares, informações referentes aos motivos
da internação, informações referentes às condições sociais para tentar
detectar se existe algum problema social ou familiar para poder estar
encaminhando aos profissionais responsáveis, e dou também segmento
aos pacientes que já estão internados aguardando cirurgia ou recupe-
rando de cirurgia, dando apoio, durante esse processo de internação
e recuperação de cirurgia, apoio socioeducativo. (Arnaldo7 assistente
social da Enfermaria).
..............................................................................
5 Estudo realizado pela assistente social Ana Maria Vasconcelos sobre a atuação dos assistentes sociais na rede de
saúde do município do Rio de Janeiro no ano de 2009.
6 Documento que serve como parâmetro para o exercício profissional dos(as) assistentes sociais na área da saúde,
criado em 2010 pelo CFESS.
7 Todos os nomes referidos nos comentários dos entrevistados são fictícios. Além disso, o gênero apresentado não
corresponde necessariamente ao dos participantes. Tal condição foi promovida com o intuito de preservar a identidade
dos sujeitos de pesquisa, conforme orientações da Resolução 466/12 Conep.
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} A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL PARA A EFETIVAÇÃO DO CONTROLE SOCIAL - MARTINS P. A. }
É, na UTI hoje o Serviço Social atua atendendo as famílias dos pacien-
tes internados que na maioria estão impossibilitados de conversar.
Às vezes, eles estão sedados e aí não dá para a gente fazer uma
abordagem com eles. Aí a gente atende as famílias, verifica quais
são as demandas necessárias e quando o paciente tem possibilidade
de conversar... nós também fazemos isso, fazemos o mesmo atendi-
mento com ele para saber a demanda, o que ele precisa, o que acon-
teceu, conhecer a história dele para saber em que a gente pode in-
tervir... é isso na UTI adulto, lá a gente faz discussão de caso também
com a equipe multiprofissional, quando necessário, para atender a
uma demanda específica e a rotina maior da UTI hoje é o óbito. [...].
(Maria assistente social da Enfermaria)
Minha rotina de trabalho? Eu trabalho no setor de urgência e emergên-
cia, no Pronto-Socorro, das 13h às 19h, às vezes eu venho no plantão
noturno ou nos finais de semana. E no setor de urgência e emergência
a gente atende a família dos pacientes acidentados, violência de
crianças, de mulheres, de idosos, todos os tipos de violência e alta,
as altas, apoio às famílias... enfim, são várias atividades. (Antônio
assistente social do Pronto-Atendimento).
No que se refere ao Controle Social, os/as assistentes sociais enfa-
tizam a participação da comunidade nas tomadas de decisões como forma
de qualificar e fiscalizar os serviços de saúde. Sua efetivação foi apontada
como um canal de comunicação entre os usuários e os gestores, a fim de
que seus direitos sejam de fato respeitados.
O Controle Social seria a participação da sociedade, da comunidade,
dentro das ações dos equipamentos sociais e dos serviços oferecidos,
eu entendo isso. É a sociedade interagindo para fiscalizar, participar
e opinar. (Arnaldo – assistente social da Enfermaria).
No entanto, na prática eles(as) acreditam que este Controle Social
ainda está bem distante de ser efetivo, pois falta informação, formação,
motivação dos representantes políticos em capacitar a população nesse
aspecto, bem como iniciativa dos equipamentos prestadores de serviço,
como o HC, na mobilização dos funcionários em defesa desta causa.
O Controle Social eu acho que é muito falho porque a população
não participa efetivamente como deveria participar. Aqui na UFU,
por exemplo, a gente não participa de nenhuma. O Serviço Social
não tem participado de nada do Controle Social. Enquanto eu estava
na prefeitura até que a gente participava, mas aqui, realmente...
desde que eu entrei vai fazer nove anos e eu nunca participei de na-
da. (Antônio – assistente social do Pronto-Atendimento).
Os profissionais acreditam que a falta de formação, de divulgação
e de mobilização a respeito do Controle Social são pontos de extrema re-
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} A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL PARA A EFETIVAÇÃO DO CONTROLE SOCIAL - MARTINS P. A. }
levância a serem superados, pois funcionam como uma espécie de entrave
na efetivação do Controle Social. Um(a) dos(as) assistentes sociais também
ressalta que são poucos os participantes destes espaços e muitos o fazem
com objetivo de satisfazer interesses pessoais:
Eu acho que falta divulgação para que as pessoas se interessem e eu
vejo muito esses Conselhos também como um cabide pra pessoa ga-
nhar visibilidade, porque geralmente são líderes de bairro ou represen-
tantes de bairro. E esses representantes de bairro, eles vislumbram
conseguir se tornarem vereadores. Então, em minha opinião, eu vejo
como um cabide para eles conseguirem se tornar vereadores. Isso...
e como deveria ser, deveria ser efetivo na luta pela melhoria da qua-
lidade da saúde, principalmente do sistema SUS, o que não acontece.
(Arnaldo – assistente social da Enfermaria).
Um aspecto de extrema relevância destacado por um(a) dos(as)
assistentes sociais entrevistados(as) é a não participação da comunidade no
Controle Social devido ao receio de represálias, fato que se faz perceptível
no cotidiano de trabalho desses profissionais:
Assim, eu percebo que aqui, com relação ao Controle Social, a popu-
lação, ela não tem muita abertura porque, por mais que ele vai re-
clamar, ele nunca tem o direito dele atendido e ele acaba se omi-
tindo. Por mais que o Serviço Social instrua, entre na Promotoria,
procure a Defensoria Pública, a população tem medo de depois não
ser recebida novamente, então ele prefere se omitir. Eu acho que
aqui não tem esse fortalecimento por parte de toda a equipe pra que
o usuário entenda que é um direito dele e que se reclama, se ele
luta, aqui dentro do hospital, fora, no município de Uberlândia ou
nos outros municípios, ele não vai ser punido por isso. Eles têm muito
medo da punição, de depois não ser atendido, então eles não en-
tendem, eles têm desconhecimento e mesmo quando a gente explica
eles preferem se omitir. (Arnaldo assistente social da Enfermaria).
Diante dessa situação, indagou-se a respeito de alguma ação no
trabalho que esses(as) assistentes sociais realizam. O intuito era estimular o
Controle Social no interior e/ou exterior do HC, e as respostas obtidas seguem
a perspectiva apresentada pela assistente social Maria:
Eu acho que nós, enquanto assistentes sociais, na rotina de trabalho,
influenciamos para que isso aconteça, mas como rotina de trabalho,
até porque a gente tem uma ética a seguir, um comprometimento
com o usuário; a gente tem um comprometimento com o hospital
também, e como o hospital não trabalha, pelo menos não é visto
hoje dentro da política dele um incentivo para que a gente faça o
Controle Social, eu não vejo que fora da rotina do Serviço Social,
das orientações que o assistente social já tem que fazer, que tenha
isso dentro do hospital, não percebo não, não vejo. Acho que nós
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} A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL PARA A EFETIVAÇÃO DO CONTROLE SOCIAL - MARTINS P. A. }
fazemos pelo simples fato de atuar, né?! [...], mas que o hospital dá
caminhos para que a gente oriente a todos trabalharem nessa política
acho que não, posso estar enganada, mas eu acho que não. Para o
Serviço Social é mecânico, faz parte da nossa função, mas não o
hospital. Acho que não. (Maria – assistente social da Enfermaria).
Dessa forma, fica claro que para esses(as) funcionários(as) não há
incentivo por parte do HC no sentido de estimular o Controle Social8. Porém,
duas assistentes pontuaram que esse Controle Social é intrínseco ao trabalho
profissional por meio das ações socioeducativas, uma vez que, se o trabalho
do(a) assistente social é buscar a efetivação de direitos, procurando inclusive
o “empoderamento” dos sujeitos, naturalmente perpassa pelo campo da
mobilização popular na efetivação do Controle Social.
Ainda sobre esse assunto, questionou-se acerca da articulação
com outros profissionais no sentido de fortalecer a participação dos traba-
lhadores da saúde nos espaços de Controle Social. As respostas relatam que
não; no interior do hospital cada profissional trabalha de maneira individual
e são separados por categorias. Mesmo no atendimento multiprofissional
não há muito envolvimento nesse sentido. Conforme um(a) dos(as)
entrevistados(as), de acordo com a demanda do usuário pode até haver
contato com outros profissionais, mesmo fora do hospital, mas de maneira
muito imediata e sem muita perspectiva de colaborar com essa questão.
Poderia ser, mas hoje não é uma realidade, não vejo, não vejo essa
articulação, aí quando você fala ‘outros profissionais’ a gente entende
também que não só do Serviço Social, né?! E hoje, aqui dentro do
hospital, é muito em bloco as profissões, cada um está trabalhando
no seu direcionamento, a enfermagem no seu, a equipe médica no
seu, a psicologia, o Serviço Social, apesar de a gente atender casos
específicos em equipe multiprofissional, mas no geral para articular
essas ações eu acho que não. Até porque não tem nenhuma política
dentro do hospital que incentive isso, para que a gente trabalhe nesse
sentido para atender melhor o paciente, não é incentivado isso. (Maria
– assistente social da Enfermaria).
Com o objetivo de compreender qual a percepção imediata que
os usuários das enfermarias de Clínica Médica, UTI e Pronto-Socorro têm
sobre o Controle Social, foi entrevistado, aleatoriamente, um paciente inter-
nado para cada espaço que compõe a Apec. A realização das entrevistas
veio ao encontro das afirmações realizadas pelos(as) profissionais do Serviço
Social, demonstrando bastante desconhecimento por parte dos usuários
do serviço sobre este tema: “Sei, Controle Social é mexer com o povo, o so-
cial, não é?!” (Anderson – Enfermaria).
..............................................................................
8 De acordo com a Portaria Interministerial n. 2.400, de 02 de outubro de 2007, são previstos espaços de participação
de docentes, discentes, de funcionários e de usuários para a efetivação do Controle Social nos Hospitais de Ensino
(BRASIL, 2007).
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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
} A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL PARA A EFETIVAÇÃO DO CONTROLE SOCIAL - MARTINS P. A. }
Sendo assim, apenas uma usuária fez considerações sobre a pos-
sibilidade de o/a assistente social contribuir na efetivação do Controle Social;
os outros dois, apesar de imaginarem que exista alguma relação, não con-
seguiram elaborar argumentações a este respeito:
Às vezes eu acho que sim, acho que pode através de conversa, né?!
De estar conversando, né?! Incentivando a população a estar par-
ticipando, para poder ver o que está acontecendo, né?! (Rosa – Pronto-
Atendimento).
Por outro lado, com o intuito de conhecer as instâncias de Contro-
le Social presentes no HC e sua dinâmica de funcionamento, confrontando
com a realidade apresentada, foram entrevistados um representante da Ou-
vidoria do HC e um membro do Conad, bem como um membro do extinto
Conselho de Integração UFU-Sociedade. Eles pontuaram o que entendem
por Controle Social:
Controle Social, vamos ver o que eu compreendo por Controle Social?
A ação da Secretaria de Saúde em dar autonomia para o hospital pa-
ra resolver aqui imediatamente, por quê? É como houve uma relação
falando que a partir do momento em que a Secretaria de Saúde tomou
posse de todos os agendamentos não tem Controle Social por quê? O
povo vem de fora, procura assistência aqui e não pode, tem que vol-
tar para cidade dele para poder conseguir as coisas e nós precisávamos
ter o hospital como uma pactuação do SUS, que devia ter autonomia
para resolver o caso das pessoas, eu entendo isso. E da saúde eu
acho que tem que haver uma grande melhoria, mudar tudo. (Oscar
ICS19).
Na verdade é algo sublime porque é a representação da sociedade
no controle de tudo que é gasto com dinheiro público, principalmente
nesse caso, na saúde, né?! Então, o Controle Social é os olhos de
tudo que acontece de fato sem nenhuma venda. (Isaías – ICS2).
O que eu compreendo por Controle Social é isso, é a participação de
cada ente nessa ação, de fazer, poder opinar, poder levar a sugestão,
dar a contribuição, não só ficar esperando a melhoria, eu sou membro,
eu sou partícipe, eu preciso emitir a minha opinião, minha sugestão,
para dar uma contribuição. Qual que vai ser a melhoria? Tem ‘a me-
lhoria poderia ser isso’, então dar sugestões concretas, ‘olha essa
ação’, eu entendo esse um papel do Controle Social, essa ação mesmo
que envolve todos sem uma responsabilidade, sem falar assim, ‘olha,
aqui tem um assento garantido para x, y’, não, aberta que às vezes
..............................................................................
9 Nos depoimentos prestados pelos membros do Conselho de Integração UFU-Sociedade, Conad e Ouvidoria do HC-
UFU, a pesquisadora utilizou as legendas ICS1, ICS2 e ICS3, ou seja, Instâncias de Controle Social 1, 2 e 3, não apre-
sentadas necessariamente nesta ordem, com o objetivo de preservar a identidade dos participantes, conforme orien-
tações da Resolução 466/12 Conep.
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você tem uma sugestão, uma pessoa que você imagina que é a menor,
a que tem um menor índice de qualificação, às vezes, uma sugestão
é que vai ser a cereja do bolo. (Madalena – ICS3).
Desta forma, infere-se que alguns dos entrevistados atribuem ao
Controle Social a tarefa já elucidada pelos(as) profissionais de Serviço Social
e pelas explanações apresentadas. No entanto, um deles permanece limitado
às questões burocráticas que, ainda que sejam relevantes, não podem ser
identificadas como as únicas ações que compõem o conceito de Controle
Social.
Por outro lado, solicitou-se que os entrevistados participantes das
instâncias de Controle Social do HC explicassem um pouco sobre a fi-
nalidade e o funcionamento dos espaços a que pertencem:
A ICS1 tem como objetivo a humanização do trabalho oferecido pe-
lo hospital e o pessoal vem nos procurar justamente no momento de
necessidade, de agonia, para resolver o problema, só que a ICS1 não
tem função resolutiva. Nós somos ouvidores, acatamos as ma-
nifestações das pessoas e as encaminhamos às pessoas que têm poder
pra resolver. (Oscar ICS1).
São feitas reuniões esporádicas, porém não é enviado material prévio,
nem entregue material posteriormente, nem feito leitura da ata. (Isaías
– ICS2).
A ICS3, essa ICS3 aqui no hospital funciona de forma paritária onde
tem membros de iguais instâncias, então tem um número da sociedade
e um número de trabalhadores do hospital, e ele é constituído para o
efeito do Controle Social de partes iguais. Então tem 50% da co-
munidade e 50% de trabalhadores do hospital. (Madalena – ICS3).
Partindo destas considerações, os referidos representantes foram
questionados se entendem os espaços em que atuam como Instâncias de
Controle Social.
Ela teria que ter força para isso, mas não tem poder resolutivo. (Oscar
ICS1).
Não, ele ainda precisa mudar muito para que realmente seja um
Controle Social de fato, porque ele é mais informativo e comunicativo
do que está acontecendo do que fiscalizador, resolutivo. Então eu
não vi lá dentro, pela minha experiência de Controle Social, eu não
vi lá dentro nada que assemelhe a um Controle Social, muito pelo
contrário. (Isaías – ICS2).
Sim, ele exerce essa forma de Controle Social justamente por isso,
porque ele tinha uma percepção de que é importante, fazer esse elo
entre a comunidade e a universidade. Essa comunidade, ela era tanto
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acadêmica como comunidade, porque muitas vezes é entendia que
precisava de mostrar para a comunidade o que que acontecia dentro
do hospital porque, muitas vezes, a comunidade só passa a saber das
dificuldades, dos problemas do que acontece quando aparece no jor-
nal ou quando aparece num noticiário, ‘olha aconteceu isso na Medi-
cina’, ‘olha, aconteceu isso’, então a proposta da ICS3 era fazer essa
integralização e socialização das ações [...]. (Madalena – ICS3).
Estas falas trazem a ideia de que os locais citados são reconhecidos
como espaços de Controle Social, no entanto, não conseguem atingir tal
objetivo, como destacaram Oscar e Isaías. Para eles, a realidade ainda está
muito distante desta condição. Já Madalena defende que o espaço do qual
faz parte exerce o Controle Social, e ilustra seu ponto de vista com um re-
lato de manifestação realizada no seu interior.
Seguindo com as interrogações, a próxima questão levou Isaías a
revelar se participa de outros espaços destinados ao Controle Social:
Sim, participo de Conselhos locais de saúde nas periferias, Conselhos
distritais, mais especificamente do setor oeste, que é onde eu sou
presidente do Conselho, participo no Conselho Municipal de Saúde
e das comissões de saúde. Eu estou hoje na de urgência e emergência
e dos assuntos jurídicos, e ontem eu entrei também para de vigilância
sanitária, que é sobre os animais. (Isaías – ICS2).
No decorrer da entrevista, novas inquietações emergiram à me-
dida que a fala dos entrevistados apresentou novos pontos importantes para
este debate. Por conseguinte, segue uma contribuição da experiência de
fragilidade do Controle Social verificada no discurso dos entrevistados em
outros espaços de participação popular:
Então, lá realmente, principalmente os Conselhos locais e distritais
e até mesmo do municipal, é o Controle Social, porque a gente apre-
senta todas as demandas que as pessoas estão precisando, igual no
meu caso, eu represento o usuário e a gente discute essas demandas,
a gente faz fiscalização, se há denúncias, por exemplo, de erros em
atendimentos nas unidades, a gente vai atrás. A gente é que faz re-
comendação para a gestão para que acerte esses erros porque nós
temos a possibilidade de ir na esfera maior, que no caso é o Ministério
Público ou até mesmo o Ministério da Saúde, né?! E porque o que o
Conselho recomenda é como se fosse uma lei, porque na verdade é
o Controle Social falando, e sem o Controle Social na verdade não
vem verba para o município da forma que vem hoje diretamente.
Então o Controle Social nas cidades de grande porte é obrigatório.
Por exemplo, nós não temos que estar ali como se estivesse fazendo
favor para ninguém, nós somos eleitos pra estar ocupando esse espaço,
é eleito por representantes dos usuários pra representá-los durante
uma gestão, que é de dois anos, né [...]. (Isaías – ICS2).
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Percebe-se que, para Isaías, a participação em outros espaços de
Controle Social possibilita uma avaliação mais ampla em relação à temática,
pois ele cita diversos exemplos do que acredita ser a participação ativa da
comunidade na política de saúde, ao contrário do que observa no órgão
em que participa.
Questionado se há contato com a diretoria do HC-UFU, a fim de
discutir a respeito das manifestações de usuários, o representante da ICS1
pontua que tal fato ocorre com pouca frequência. Declara, ainda, desco-
nhecer o motivo, mostrando, de certa forma, que esta situação dificulta o
trabalho:
Olha, esse contato é feito quando há necessidade de reuniões com a
direção para que a gente peça a intervenção deles, a intercessão de-
les junto a gerencias para que nos ajude a dar resposta no tempo há-
bil, porém isso não tem acontecido. Eu não sei se é acúmulo de ser-
viço ou se é falta de vontade. (Oscar – ICS1).
O representante da ICS1 relata que a maior dificuldade enfrentada
está relacionada à devolutiva das manifestações dos usuários, pois elas não
chegam de acordo com o prazo estabelecido:
[...] Dificuldade? Justamente na solução, na confiança que o pessoal
deposita na ICS1, procurando a solução de seus problemas, e a maior
dificuldade está nas respostas que nos são devolvidas no prazo in-
devido. Nós temos até dez dias úteis para responder para o usuário
que nos busca, e essas respostas não estão vindo a contento. (Oscar
– ICS1).
Ressalta, inclusive, que a busca por soluções imediatas é a maior
solicitação das pessoas que se manifestam. Além disso, que esta não é a
função deste espaço, fato que causa significativa descrença nos usuários do
serviço.
Muitas vezes nós escutamos aqui falas assim: ‘há, então a ICS1 não
resolve nada’. Eles têm que ter consciência que a ICS1 não tem
poder para resolver, nós somos o canal de comunicação entre o usuário
e as autoridades competentes. (Oscar – ICS1).
Diante destas dificuldades, indagou-se acerca da existência ou
não de apoio da Diretoria Geral do HC-UFU para a ICS1. Caso a resposta
fosse positiva, foi perguntado como o representa o classifica, de que maneira
ele acontece:
Excelente, apesar de que eles também estão nos relegando em segun-
do plano porque eles não fazem uma reunião semanal como era
feita antigamente para saber a situação, mas nós mandamos mensal-
mente o relatório com a estatística do movimento da ICS1. Só reúne
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quando tem uma demanda grande ou para resolver alguma situação
de emergência. (Oscar – ICS1).
Acerca desta fala percebe-se que, apesar de o representante da
ICS1 classificar a relação entre esse espaço de participação e a Diretoria
Geral do HC-UFU como excelente, ele pontua que não há diálogo. Embora
o setor repasse relatório mensal para a Diretoria, somente é reservado espaço
para reunião entre as partes em situações consideradas de emergência.
No que tange à outra ICS, o relato de Madalena deixa claro que
este espaço não está ativo, pois não são realizadas reuniões há quatro anos.
Entretanto, não esclarece o motivo desta inatividade, fato que pode ser in-
terpretado como receio de alguma represália ou mesmo desconhecimento
sobre esta questão; ela apenas explica que existe a proposta de a ICS3
voltar à ativa com uma reestruturação:
O Conselho hoje está desarticulado e ele está desestruturado, ele e-
xiste de fato no papel, de acordo com o último. Então, assim, não te-
ve reunião nos últimos quatro anos, então agora que ele volta nessa
reestruturação. (Madalena – ICS3).
Esta reestruturação é definida como uma reorganização deter-
minada pelo Ministério da Saúde, na qual o novo espaço de participação
deve seguir a mesma estrutura do anterior, agregando comunidade, tra-
balhadores etc.:
Hoje a reestruturação, ela está passando assim diferente, ela está se-
guindo uma determinação até do Ministério da Saúde, que tem uma
portaria que é a de certificação do hospital. Então, quando o hospital
é certificado para prestar os serviços para a Secretaria Municipal de
Saúde, esse serviço de alta e média complexidade, existe uma por-
taria do Ministério da Saúde e o hospital cumpre essa portaria. Hoje,
se eu não tiver enganado, são próximo de 70 itens que o hospital tem
que cumprir. Ele assina um acordo e cumpre uma das determinações,
agora é reestabelecer o Conselho, só que o Conselho não está nessa
nova readequação, ele não vai ser esse Conselho, não é o Conselho,
ele vai ser um Conselho de saúde local com a mesma estrutura [...].
Nós fizemos uma reunião onde foi feita uma convocação de toda a
comunidade, o convite, é comunidade universitária, trabalhadores,
comunidade externa, compareceram umas 50 pessoas, e ali tirou
uma comissão, e essa comissão ficou responsável para estudar e ela-
borar um regimento interno para poder fazer uma adequação. Então
essa é a estrutura, é o Conselho, ele volta a tomar corpo de volta, a
funcionar. (Madalena – ICS3).
Esta determinação, prescrita pela Portaria Interministerial nº 2.400,
de 02 de outubro de 2007, prevê espaços de participação de docentes, dis-
centes, funcionários e usuários para a efetivação do Controle Social nos
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Hospitais de Ensino: “Art. VII, b) XVI garantir mecanismos de participação
e Controle Social no hospital, possibilitando representação docente, dis-
cente, de funcionários e de usuários.” (BRASIL, 2007).
Em relação à articulação entre as Instâncias de Controle Social
encontradas no HC-UFU, destaca-se que apenas um dos entrevistados con-
siderou a sua existência atual:
Não, nunca nem foi citado, durante a as reuniões que a gente teve,
nem foi citado sobre a Ouvidoria. (Isaías - ICS2).
Conselho... não, antigamente teve, agora não tem mais. A gente
reunia, a gente tinha reuniões, agora... O que é Conad? Mais ou me-
nos, quando alguém nos procura para alguma informação, muito raro...
só quando existe alguma coisa que o hospital tem o interesse em
saber que nos procura. Muito pouco. (Oscar – ICS1).
Olha, esse Conselho tem porque uma das ações é solicitar a par-
ticipação da Ouvidoria. Como até membro do Conselho tinha um
membro da Ouvidoria sim, porque o membro da Ouvidoria acaba re-
cebendo muita informação do pessoal, seja ela por escrito. Tem pes-
soas que chega, escreve e fala, então acaba que tem muito isso. En-
tão, assim, a participação da Ouvidoria é fundamental nessa ação.
[...] Eles iam, participavam das reuniões, davam muitas sugestões,
olha, traziam, gostavam muito de apresentar o fluxo das demandas,
olha, nós tivemos uma distribuição de tantos questionários, tantos
setores, então eles eram, eles são muito atuantes. (Madalena – ICS3).
A análise destas falas mostra certa contradição entre os relatos
que representam as Instâncias de Controle Social no HC-UFU, demostrada
pela alegação do entrevistado de que não conhece nenhuma das instâncias
citadas. Isto ratifica o desconhecimento destes espaços pelos próprios traba-
lhadores do HC-UFU.
Percebe-se que esta desarticulação das Instâncias de Controle So-
cial se reflete na prática dos(as) profissionais do Serviço Social entrevista-
dos(as) pois, uma vez questionados(as) sobre sua participação em algum
espaço destinado a esse fim no interior do HC-UFU e/ou no município,
eles(as) responderam:
No hospital não, quando eu estava no município sim, eu já participei
de várias reuniões e foi na época muito proveitoso, mas aqui no hos-
pital não. Reunião com os representantes da comunidade para discutir
as questões relacionadas à saúde, depois a gente foi para uma reunião
maior que foi na prefeitura, que foi no bairro, depois foi na prefeitura,
depois ia para Belo Horizonte, enfim, a comissão, e até chegar na
instância maior, mas eu participei só aqui no município. (Antônio
assistente social do Pronto-Atendimento).
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Os/as profissionais do Serviço Social entrevistados no HC-UFU
acreditam contribuir para a participação popular na política de saúde,
mesmo que de maneira indireta, por meio de orientações sobre os direitos
sociais. Acerca da relação estabelecida entre a ICS1 e o Serviço Social, Os-
car enfatiza que isto existe, contudo, de maneira insuficiente.
Tem muito pouco, tem toda vez que nós precisamos de chamar porque
eu acho que o usuário precisa ter um atendimento aqui no saguão do
hospital de assistente social. Muitas vezes o usuário perdeu um pa-
ciente, está em crise, aí a gente chama, muito raramente aparece.
Quando tem uma demanda, e olhe lá, muito pouco. Eu acho que
precisava ter uma sala aqui no saguão do hospital do Serviço Social
para dar essa assistência ao usuário. (Oscar – ICS1).
Em sua colocação, o representante da ICS1 também se confunde
a respeito das atribuições referentes a estes(as) profissionais, enfatizando a
necessidade de atendimentos que não condizem com os objetivos do Serviço
Social. Tal fato fica expresso no trecho em que ele fala sobre a relevância
dos(as) assistentes sociais em momentos de crise emocional como, por exem-
plo, na perda de familiares.
Os/as profissionais do Serviço Social explicam que seu contato
com a ICS1 é demasiadamente pontual, sendo que alguns destacam que há
comunicação com a ICS1 somente quando são solicitados(as). Além disso,
todos(as) sublinham que fazem encaminhamentos dos usuários do HC-UFU,
mas sem contato direto com o referido espaço.
Não, meu único contato... até hoje meu único contato é de encami-
nhamento para os usuários quando eles precisam, quando eles têm
algumas queixas que a gente não consegue sanar no momento, que
ele não se dá por satisfeito também com a minha orientação, aí eu
oriento procurar o setor no sentido de melhorar as ações no hospital
para que isso chegue na direção e isso possa melhorar. Mas eu ter
contato com o setor, não, eu só faço encaminhamento para lá. Nunca
fui procurada, não sei de trabalho lá, desconheço se tem um trabalho
diferente além de captar as informações. (Maria – assistente social
da Enfermaria).
Os usuários do HC-UFU alegaram desconhecer os serviços da
ISC1; nenhum dos entrevistados disse ter realizado qualquer tipo de mani-
festação neste espaço. Quando indagado, um deles até mesmo definiu a
ICS1 como uma espécie de direção:
Tenho medo de responder e depois sair errado, né?! É tipo, como é
que fala? Esqueci, gente, é tipo de uma direção, um diretor mais ou
menos, num é?! (Anderson - Enfermaria).
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Neste sentido, os representantes das ICS foram questionados
acerca de quais elementos acreditam estar ausentes, no cenário atual, para
que a comunidade participe mais dos espaços destinados ao Controle Social.
Seria mesmo uma divulgação tanto impressa como continuar colo-
cando nas unidades, mas também a mídia está divulgando isso, né?!
Porque tem que haver um envolvimento maior, porque as pessoas
estão desacreditadas das ICS no geral porque eles têm uma visão
que isso é só para questão política. Eles não têm essa visão que, por
exemplo, o Conselho é soberano, é deliberativo, por exemplo, o
municipal, então eles acham assim, ‘ah, não adianta nada participar
disso’, né?! Então existe uma descrença da sociedade em relação, só
que os que participam e vê a atuação, eles acabam gostando. Então
muitos vão para pôr algum problema pessoal que está acontecendo
com ele, para sabe de fato como que é ou até mesmo para fazer de-
núncia, e depois acabam ficando. (Isaías – ICS2).
O representante defende a necessidade de mais divulgação, fato
que considera imprescindível, pois, como ilustrado anteriormente por meio
das declarações dos usuários entrevistados, há demasiado desconhecimento
sobre o Controle Social e suas instâncias representativas. Isaías também
destaca certa desmotivação das pessoas em participar devido à crença de
que estes espaços não são resolutivos. Apesar disso, afirma que os par-
ticipantes conseguem perceber a sua relevância.
Acerca da contribuição que o Serviço Social pode oferecer para
a efetivação do Controle Social, na percepção dos pacientes internados e
dos representantes das Instâncias de Controle Social entrevistados, ressalta-
se que todos acreditam na sua existência. Contudo, os primeiros(as) alegam
não saber como ela ocorre; os segundos enfatizam a integração da política
da assistência social como elemento essencial para a sua realização:
Tem, eu acredito que sim, porque hoje a gente precisa aproximar
mais as políticas sociais de tudo, porque o social, ele está muito li-
gado com a mudança das pessoas também porque, por exemplo,
hoje em Uberlândia quantas pessoas não sabem o que é de direito na
área social, tem gente que desconhece a Loas, por exemplo, e passa
fome, sendo que tem o direito a recorrer, né?! A Loas, por exemplo,
tem uma série de benefícios, tem gente... bolsa família sabe porque
passa na televisão, mas ainda tem pessoas que não sabem sobre bol-
sa família, sobre um desconto, por exemplo, dependendo a renda,
em um talão de energia, em um talão de água, né?! [...]. (Isaías – ICS2).
Considerações finais
A participação popular, inerente ao Controle Social, compõe-se
principalmente dos Conselhos e Conferências, em âmbito externo ao am-
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biente hospitalar, sendo auxiliados pelo setor de Ouvidoria Geral do SUS.
Estas instâncias são elaboradas com o intuito de possibilitar à população
um espaço democrático para discussão, reflexão e deliberação das ações
em saúde. É a partir delas que o Controle Social deve ser exercido priori-
tariamente, embora nos espaços de atenção da rede sua presença se faça
concreta, apesar das inúmeras dificuldades para sua objetivação.
Nos documentos responsáveis por estruturar a Política de Saúde no Bra-
sil, a ênfase na participação popular também segue o mesmo direcionamento.
Em vista disso, considera-se o Controle Social como um dos seus eixos fun-
dantes, o qual funciona como instrumento político na contribuição para a cons-
trução de uma legislação em sintonia com as reais necessidades da população.
Em meio à proposta de exercício do Controle Social e aos percal-
ços encontrados para a sua efetivação, o/a assistente social, subsidiado(a)
no Código de Ética e no Projeto Ético Político da categoria, propõe a luta
conjunta com os usuários pelas políticas sociais na busca de legitimidade
para a concretização da democracia. Sendo assim, o/a assistente social de-
ve contribuir para a realização do Controle Social, apesar de as suas condi-
ções objetivas de trabalho nem sempre serem favoráveis. Portanto, a prática
do(a) assistente social exige ações socioeducativas que mobilizem a comu-
nidade, objetivando seu reconhecimento como sujeito coletivo em busca
da efetivação dos seus direitos.
Na área hospitalar, todavia, este(a) profissional enfrenta limitações
diversificadas para a execução de tal prerrogativa e, com frequência, res-
tringe-se à execução de atividades individualizadas com caráter imediatista,
o que pode ser considerado uma barreira no direcionamento e na con-
cretização objetivada da sua proposta de trabalho. Esta situação também é
confirmada na pesquisa de Vasconcelos (2009), o que reflete uma reiteração
do fenômeno observado no HC-UFU. Ou seja, é uma lógica inerente ao
pouco amadurecimento da Política Pública de Saúde e do distanciamento
do ideário da Reforma Sanitária Brasileira.
Tendo em vista o comprometimento da categoria com a mobi-
lização popular na luta pela garantia de direitos, o documento Parâmetros
de atuação do assistente social na área da saúde recomenda aos/às assistentes
sociais o desempenho de atividades que estimulem a organização popular,
auxiliando no seu reconhecimento como sujeito coletivo com o dever e o
direito de exercer o Controle Social.
A rotina de atuação dos(as) assistentes sociais que trabalham nas
unidades de atendimento à urgência e emergência nos hospitais apresenta
condições muito peculiares à especificidade da demanda, pois atendem
um público deveras rotativo. Este, além de enfrentar diversos entraves na
efetivação de seus direitos, na maioria das vezes está extremamente fragi-
lizado com os danos causados pela doença (tanto físicos quanto emocionais);
assim, não tem disposição ou desejo de buscar novos caminhos para a
transformação da realidade que o cerca.
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