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A N O 1.
N.» 1
DEZEMBRO
DE
1942
^13otetim lia de Autismo
Qotnissão ^Itunicipal
de Cuora
A CIDADE A N O 1.°
DE N.° 1
ÉVORA 'dezembro
DE 1942
Q)irector: Df. Anfón/0 Barío/omeu Grom/cho
Ctlitor: Tuíio Alberto da Rocha Espanca
: Comissão Municipal de Turismo de Évora
Hetlacção c s^dministração: Câmara Mun/c/pa/ de Évora
• A M A R A M.ypii:S^AAf'£^ju aíí-VUK^
açfto
Dr, António Bartolomeu Gromicho
Pórtico
Dr. Miguel Rodrigues Bastos
Sinfoniq de Abertura
Dr. António Bartolomeu Gromicho
Urbanisação e Turismo
António Cordovil
Pedras da minha Terra —^
Dr. Celestino David
O Convento de Santa Helena do Monte do Calvário
Joaquim Augusto da Camara Manuel
O quinquagéssimo aniversário do Teatro Garcia—
de Rezende
Dr. Cónego Mendeiros
Glórias da Universidade Henriquina
Joaquim Augusto da Camara Manlueeil
Monumentos de Homenagem
Composição da Câmara Municipal d e É v p t ^ ^
Posturas, Editais e R e g u l a m e n t o s ^ — " T n
A c t i v i d a d e Municipal para 1943-----ep|vC7l »
Relatório da proposta para a Municipalização
dos S e r v i ç o s ,de f o r n e c i m e n t o de energia-,.el§.cctrica
à Cidade de É v o r a - — J p * fC&S' ^ ^^
A l t e r a ç õ e s ao Regulamento,Geral de C o n s t r u ç ã o
Urbana para a Cidade de É v o r a - - . j ^ /vCP'^- » j O "
Relação de obras realizadas no ano de 1 9 4 2 - > — j p f
Extractos das SessQCS da C o m i s s ã o M u n i c i p a l <jr
de Turismo ^ff^''^^ //
Movimento de visitantes da Repartição ae Turismo
Padre Manuel Fialho
COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO l Évora Ilustrada
Apresentação e estudo
Imprensa M O D E R N A do Dr. Armando Nobre de Gusmão
Évora
Desenhos de Raul David
W S A D O PELA CENSURA
CAPAs Évora quinhentista —Reprodução do desenho iluminado
do F o r a l Manuelino de É v o r a — 1501 — ,e^eistente na
Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora.
I
S^os ^ o r í i t g i i e s c s ^ininenfes
'^íeconslriiiores
da J^cítria iin/yerccivel
^Declica e consat/rn
a Gomissão ^ICítnicifyal
de i i f i s i n o cie (iuora
general S^niónio Osca/* de f r a g o s o Qarmona
Presidente da República
A CIDADE
DE éVORA
lr4
D f . SÍníónio de Oiiueira Óalazar
Presidente do Conselho de Ministros
A CIDADE
DE ÉVORA
G A M A R A M V K í C X P A L I>fi É V < i « * .
A// CIDADE DE ÉVORA,
VOL I
ÓRGÃO DA; D E XURISIVIO D E ÉIVORA
C O M I S S Ã O IVIUIMIOIRAL-
^4
SttiCO
o BOLETIM da 2\rotaff
^^-(í lidada
N ÃO é original, nem tem essa pretensão, o bo- li
letim que a Comissão Municipal de Turismo
se propôs publicar.
Quando várias outras Câmaras Municipais
teem procurado dar a conhecer todo o seu labor
através de minuciosos e claros relatórios e boletins,
à Câmara Municipal de Évora incumbe mais particu-
larmente criar uma publicação, que, não só seja o
repositório de sua existência como organismo de
administração, mas também encerre doutrina e
encare problemas relativos à sua qualidade de
cidade única no País em riquezas arquitectónicas,
fonte inexgotável de uma bem orientada propa-
ganda turística.
Eporque este segundo aspecto é o mais im-
portante do boletim, mais lógico é também que a
sua publicação e encargos sejam suportados peta
Comissão Municipal de Turismo e não pelo orga-
nismo camarário central.
Por agora criam-se três secções^ a saber :
a) — Secção literária com vista à valoriza-
ção da cidade monumental e à sua propaganda turística.
b) — Secção burocrática, na qual serão In-
cluídos os relatórios dos vários serviços municipais,
estatísticas, planos de obras, etc,
c) — Secção de publicação de obras e do-
cumentos Inéditos de Interêsse citadino.
Para levar a cabo esta voluntária e útil
missão, a Comissão Municipal de Turismo conta
com a colaboração de todas as pessoas, que feliz-
mente vão sendo muitas, que se interessam pelo
engrandecimento de E'vora no campo material,
intelectual e artístico.
O Boletim «A Cidade de Evora^ em obe-
diência ao seu título e ao seu espírito, será um
miradouro de livre acesso a todos que, com elevação
e desinteresse, se proponham contribuir com as suas
produções literárias para maior prestígio e melhor
e maior divulgação dos tesouros que as muralhas
fernandinas encerram e que nós, eborenses, deve-
mos amar e defender com zeloso ardor.
Évora, Outubro de 1942,
o Presidente da Comissão Municipal de turismo
-António J^dttoLomeiu (^^tomicko
«A CIDADE D E ÉVORA»
T u escrevi o meu primeiro artigo sobre E'vora aos meus dezoito anos.
Idade perturbadora dos sonhos, julgados projectos de vida, idade
dourada de quimeras, julgadas no prisma doce do que se vai
fazer, do que Vai ser realidade...
Reli há poucas horas essas páginas com infinita saudade e
nelas, como nào podia deixar de ser — sempre os dezoitos anos!...—
perpassa a insinuante figura duma mulher alentejana, para a qual, com o en-
lêvo do meu coração, ia também o respeito sincero duma admiração profunda.
Quem me diria a mim nesse momento —infelizmente tão distante!
— que ao voltara escrever sobre esta perturbadoramente bela cidade havia
de ser ainda sobre o mesmo tema—falar com carinho e respeito duma outra
dama, senhora da nossa estima e da nossa dedicação — E'vora.
Augusto de Castro na sua prosa quente de esteta, pintor de
paisagens e de almas, escreveu um dos seus livros sobre o tema curioso
de que cada cidade tem presa ao seu encanto, ao seu clima, à sua luz,
aos seus pregões de rua e até aos seus melancólicos silêncios — sempre,
um tipo de mulher—.
Quando deambulo por essas ruas, esquecido do tempo e me
surpreendo na observação dêsses encantadores conjuntos — obras de arte
que o roteiro não indica —fico-me a pensar na justeza do pensamento
do escritor. Na verdade, neste encanto gracioso das cidades, na sua beleza
que grita, canta ou chora ou até naquela outra beleza feita de natureza
morta, há sempre o ar gracioso e leve duma beleza feminina, o encanto
evocador dum lindo sorriso de mulher...
Mais do que escrever duas linhas sobre E'vora eu tenho agora
o encargo de orientar superiormente as grandes linhas da sua vida no
presente e no futuro. Temos que ter sempre deante dos olhos as suas
necessidades na hora que vivemos, ocorrer à sua satisfação com ra-
pidez e oportunidade, mas pensar também no seu futuro, não deixando
que as cousas do seu interesse se desenvolvam sem uma orientação,
sem uma disciplina.
O Boletim que hoje inicia a sua publicação terá —em meu
entender — esta principal missão: orientar a opinião pública, juntando-a
numa comunhão de interesses em relação a todos os problemas da
cidade e do concelho.
São já interessantes os trabalhos feitos neste ano de 1942,
mas torna-se necessário promover o estudo de muitos outros de que a
cidade carece com urgência e pôr ponto final nalguns problemas cuja
solução não se pode nem deve protelar por mais tempo. Para que tal
tarefa encontre o ambiente necessário e o auxílio inteligente e activo de
todos ~ e esta exigência é sempre indispensável para um êxito seguro
e rápido — há que esclarecer a opinião pública, defendendo-a duma pos-
u mi-
«A CIDADE D E ÉVORA»
sível desorientação, por motivo dum imperfeito conhecimento do que se
projecta e das condições em que se trabalha.
Eu entendo que quando se tem responsabilidades em sectores
de administração municipal, uma condição se torna indispensável ter bem
em mente — a de que o município sendo como é uma associação natural,
representa a conjunção de esforços de todos para a solução legal de
certos problemas. Porisso acarinhei desde logo a idéia da publicação
dêste trabalho, com o qual se pretende dar a conhecer a todos, os pro-
jectos dos trabalhos municipais, reservando-se também larga secção para
se recordar as cousas belas que a cidade possui nos seus monumentos,
ainda vivos a nossos olhos, nas suas tradições gratas de recordar.
E' possível que por vezes a opinião pública não goste que se
digam certas verdades, cuja efectivação vai destruir certos sonhos que
foram o encanto e o enlevo da mocidade de nossos pais. E' mesmo pos-
sível que se suscite a velha questão filosófica de se saber da existência
ou não da Verdade — um dos três grandes motivos da actividade humana,
segundo o pensamento de Renan. Não nos embrenharemos em tal polé-
mica. A verdade tem em cada homem um mundo visível — aquilo que se
quere e o motivo porque se quere. Serão — para empregar a frase de
Augusto Cochon, — as verdades contingentes, isto é, aqueles que estão
no domínio da vazão, certos que Verdade só há uma, aquela que é ex-
pressão transcendente da existência do homem e para a qual a toda a hora
caminha pelos esforços da sua inteligência e principalmente da sua vontade.
Julgo que é esta orientação que se impõe, tratando-se dum órgão
de publicidade para o grande público — colaboração, propaganda e verdade.
Há dias, numa destas tardes frias de Outono, em que o Vento
arripia com aspereza as pobres folhas das árvores, já a enrolarem-se, a
partirem-se — atravessei a cidade a caminho de S. Bento.
De longe olhei a silhueta da cidade! Esbelta e elegante na sua
magestade serena, parecia pedir ao caminhante que entrasse as suas
muralhas e ouvisse o canto dolente das suas canções. No equilíbrio do seu
todo, dava às nossas almas uma salutar lição de calma, serenidade e firmeza.
Escreveu um escritor que para manter nas nossas almas o
desejado equilíbrio para a acção é preciso possuir em cada momento uma
constante lucidez de consciência e o amparo gentil duma graça que dando
leveza ao espírito seja, nos nossos corações, o grito constante da bondade
e do carinho.
Não nos faltando Deus com a primeira temos satisfeita a se-
gunda na graça eternamente moça desta linda cidade. E seja —para
dirigentes e dirigidos — sempre o primeiro desejo em face de todos os
grandes problemas a estudar e a resolver —o de manter no raciocínio —
equilíbrio e justiça.
E'Vora, 30-10-942.
o Presidente da C â m a r a
Miguei ^odti^u^ô /^(Zôtoá
fA CIDADE D E ÉVORA»
anLóa.ca.o ecr^utLômo
r V O R A , a mais formosa e rica cidade de Portugal em monumentos,
esteve largos anos adormecida, como a «belle au bois dormant».
Cidade esplendorosa desde os mais remotos tempos, assistiu
durante séculos à passagem de heróis lusitanos, romanos, visigóticos e
mussulmanos. De todas essas vicissitudes há marcas indeléveis e belas
em obras de arte, que se erguem ainda hoje altivas e falantes em vários
pontos do Velho burgo.
Depois da aventura épica de Geraldo, toda a história de Por-
tugal têm em E'vora muitas das suas mais belas páginas. Páginas que são
tradições, páginas que são monumentos. E todo esse cortejo homérico
de figuras de primeiro plano deambulou pelas ruas e ruelas da teia cita-
dina e povoou todos êsses admiráveis e evocativos palácios, que por
toda a parte se erguem a revelarem na sua imponência decadente as
suas grandezas passadas e saudosas.
Grande centro político, militar, intelectual, artístico e econó-
mico, E'vora, residência de reis, de príncipes, de navegadores e guerreiros,
de eábios, de poetas e de santos. Viu declinar a sua estrêla, especialmente
a partir da segunda metade do século dezoito com a extinção da sua
Universidade (1759).
A urbes buliçosa de cêrca de 2.000 estudantes, erudita e auto-
risada pelos nomes de professores ilustres, como Luiz de Molina, Maffei,
Gouveias, Manuel Alvares, Barradas e tantos outros, viu de repente e
injustamente apagar-se o facho que a iluminava com fulgor e que a
tornava admirada e respeitada de nacionais e estrangeiros.
O éco das festas deslumbrantes da corte já há muito que se
tinha desvanecido de mistura com o desaparecimento das figuras máximas
da época áurea da nossa história.
A cidade, que não podia morrer, caiu, porém, numa espécie
de letargo, apenas entregue ao labor agrícola, que os árabes por cá
tinham aperfeiçoado.
E nesse ambiente de trabalho material, sereno e útil, E'vora
adormeceu nas suas aspirações perdidas, nas suas glórias passadas, qual
princeza encantada à espera do regresso à vida por força do cavaleiro
apaixonado, que a desembrenhe do silvado emmaranhado, que cresceu
à sua Volta e encobre a sua formosura.
O que E'vora sofreu de mutilações na segunda metade do
século XIX, o que E'vora aparentava de sordidez marroquina por todos os
cantos, era confrangedor e ainda está na memória de todos que a co-
nheceram há mais de quarenta anos.
Muito lentamente alguma coisa se começou a fazer a bem da
cidade, especialmente nos últimos 20 anos, com a fundação do Grupo
Pró-E^Vora, que lutou e algo tem conseguido, apezar do obstrucionismo
8 «A CIDADE D E ÉVORAi
de muitos dos seus naturais. As edilidades também se esforçaram uma e
outra vez por encetar obra de renovação, infelizmente de pouca monta
por muitos e variados motivos, que nào Vale a pena aqui escalpelar.
Basta relembrar que as lutas políticas e escassez de erário municipal
constituíram as razões dorsais.
Com o Estado Novo, a política financeira propiciou em todo o
País uma obra de engrandecimento que está patente em todas as cidades
e aldeias e em todos os sectores da vida pública.
Os benefícios gerais que chegaram fulminantemente a muitas
terras portuguesas, teem levado tempo a vencer a distancia^ que, por
tradição tem separado o Alentejo e E'vora, em especial,^^õe^ Lisboa.
Culpa do Govêrno? Não, culpa dos eborenses, qtie sabem
clamar contra tudo e contra todos, que invocam «caveiras de burro» ridí-
culas e não se dispõem facilmente a empregar o único meio para tudo
conseguir: Trabalhar nesse sentido. Não é o trabalho dispersò de um
ou outro apaixonado, não é o zêlo de uma ou outra entidade ou agrupa-
mento, mas sim a força colectiva, que se consegue pela soma de todas
as vontades, que será a alavanca para remover os grandes obstáculos.
O que eu chamo força colectiva nào é uma abstracção utó-
pica, é uma possibilidade real, que resulta do interesse efectivo de todas
as entidades colaborarem na realização dos mesmos planos.
A' Câmara Municipal cabe o maior quinhão dêsse interesse e
dêsse trabalho de propulsão.
O êxito da actuação da Câmara reside, porém, no apoio que
ela tiver em todos os sectores da vida citadina.
Tem a Câmara entre mãos o estudo do plano de urbanisação.
A iniciativa foi do Governo, mas à Câmara cumpre dar realização a êsse
magno problema.
Ainda por indicação do Govêrno foi contractado o arquitecto-
-urbanista Snr. Etienne de Grõer, técnico abalisado e professor da Uni-
versidade de Paris, que já deu as suas provas em Portugal no estudo
de importantes problemas nacionais.
Está, pois, em muito boas mãos o futuro estético da cidade.
O Snr. de Grõer, como se pode avaliar pelos seus relatórios
e ante-projectos, encarou o problema tal qual tem sido focado pelos
maiores amigos de E'vora: a cidade intra-muros é uma acrópole sagrada,
onde pouco há que alterar; basta limpar e conservar. O plano de urba-
nisação visa principalmente a expansão da cidade de extra-muros, como
a sua crescente população vai impondo e muito em particular a sua mo-
derna feição industrial, que vai sendo superior ao que muita gente supõe.
Fóra de muralhas serão previstas as avenidas largas, os arrua-
mentos modernos, a localisação do que convém a um aglomerado popu-
lacional numeroso e naturalmente exigente de requisitos «up-to-date>.
Intra-muros, impõe-se desde já a limpeza higiénica, que vai da
vassoira humilde das ruas até ao íntimo das habitações; a limpeza este-
EVO R. A
^/flAN II) ZONlt
PLANTA DA CIDADE
Ante-projecto do Plano de Urbanização da Cidade de Évora
Auloria do urbanista francês Etienne de Groèr
A CIDADE
DE eVORA
Fachadas norte e poente da Igreja de S. Francisco
A CIDADE
DE ÉVORA
«A CIDADE DE ÉVORA» 9
tíca das praças, largos e jardins até à reposição de quanto se abastardou
durante anos de vandálica obcessào destructiva.
Pensem e reflitam nisto os eborenses:
Se mesmo com aspecto marroquino no áceio das ruas, com
branco sujo nas fachadas, com praças e largos desguarnecidos de ver-
dura e conforto, os turistas nos visitavam cada dia em maior número, até
à eclosão da guerra e falta de transportes, o que será o turismo post-
-guerra se a cidade fizer a sua ctoilette» e a conservar, se valorisar os
seus monumentos restaurados, se souber apresentar a nacionais e estran-
geiros as suas muitas maravilhas?
Pode vir a ser a maior riqueza eborense.
Pode e deve, assim, juntar-se o útil ao agradável.
Évora, 18 de Outubro de 1942.
10 «A CIDADE DE ÉVORA*
tcLó da mLnkcL Lettai
Pedras velhinhas..velhas can/ar/as.
Batidas pelas chuvas, pelos ventos...
Pedras, que sois Egrejas e Conventos
Muralhas, Colunatas, Arcarias...
Ogivas, ou soleiras de um portal:
Pedras que fostes, ou que sois ainda.
Jóias sem par da minha Terra linda
— Museu encantador de Portugal l—.
Pedras da minha Terra — seus Brazões / — ,
Tisnadas pelo Sol de mil verões..,
Pedras de sonho, a despedir lampejos.
Pedras humildes, com seu ar contricto:
Sois versos de um Poema de granito.
Iluminado a Mármore e Azulejos I...
Évora, 1942
«A CIDADE DE ÉVORA» 11 —
o
Santa 4ielena do Monie ^aLvatío
AZUL luminoso, muito nosso, marcadamente alentejano, dom excepcio-
nal, único, desta cidade encantadora e clara. Pressente-se no
silêncio do ambiente, na quietação do lugar, a respiração imper-
ceptível dos carunchos, a imperceptível tecedura das aranhas que labo-
ram nas penumbras, a lenta ascenção das poeiras e dos musgos no
trabalho amoroso de patinar as coisas. O conhecimento da História, o
amor da Arte e da Beleza, os sentidos aptos a receberem o perfume das
lendas e das tradições, tudo alimento constante da fantasia, dào a esta o
sonho e a inspiração do que foi e ê ainda, mercê da inteligência e do
sentimento, o cantinho adorável em que estamos, nesta Évora que
nos prende^ e nos enfeitiça.
É nas proximidades da Porta da Lagoa, uma das dez da cêrca
fernandina, a dois passos da Cartuxa e do Aqueduto de Sertório, perto
do baluarte do Convento de Santo António, quási a pisar o terreno em
que se ergueu até 1663 o primeiro Convento do Carmo, e mesmo em
frente do Convento das Donzelas — o famoso retiro das mulheres bonitas.
É êste, todos o sabem, um dos muitos lugares evocadores da
branca e sempre-bela cidade onde tudo nos atrai e sensibilisa.
A velha porta citadina há muito que desapareceu. O tempo
soterrou-a. A devoção nacionalista de alguns homens tenta ressuscitá-la.
A muralha a que a porta se encostava, conserva na gravidade e nobreza
da torre defensiva, que foi depois o miradouro das freiras, o mesmo
aspecto de antigamente. E quem feche os olhos perante as inovações
sem graça que a ignorância dos homens enxertou aqui e além, reconstitui,
sem esforço, um cenário de formosura e encantamento.
As lições da História e da Arte, os ensinamentos da intuição
e do sentimento, levam a fecompôr o passado, e quem quer adivinha
aqui: a humildade do magnífico D. Teotónio de Bragança que, a pé ou
montado na sua mula, caminhava para o Convento de Santo António
onde jaz e, ainda há pouco, escondido sob uma tela, existia a
«Adoração dos Pastores», um dos mais belos primitivos, porventura do
Mestre do Paraízo, actualmente na posse de Sangreman Proença; imagina
as lutas de 1665 de que resultou o arrasamento do Carmo; recorda a
construção manuelina que foi o palácio-solar dos Sepúlvedas e do qual,
restos de janelas rendilhadas, ainda agora o denunciam no seu brilho
de habitação histórica e artística.
Alongando os olhos até á Cartuxa para admirar a fachada re-
nascença, de ordens sobrepostas, a lembrar Terzi, o arquitecto; passando
a vista sobre a elegância das arcadas do Aqueduto que D. João III man-
dou reconstruir, regressa-se ao Convento das Donzelas que D. Teotónio
fundou em 1592, pensâ-se no estatuto que exigia, das que ali entrassem,
não terem qualquer aleijão, menos de 16 anos e mais de 26, serem Vir-
«A CIDADE DE ÉVORA»
tuosas e gozarem de boa-fama, não lhes sendo consentido sentarem-se
em frente da superiora.
A evocação das senhoras que ah* se recolhiam em virtude da
ausência dos maridos, e das moças a quem no convento se dava estado
matrimonial; a memória da família a que pertenceu Manuel de Sousa
Sepúlveda, Governador de Diu, morto de fome com a mulher e os filhos,
num areal deserto, tal como o referem Camões e Jerónimo Côrte-Real e
as páginas dolorosas da nossa história-trágico-marítima — vêm depois,
como a seguir vem a reconstituição da casa que o destino ordenou que
fosse erguida por uma alma feminina, a infanta D. Maria, filha de D. Manuel,
consagrada pela história como uma das mais belas e cultas que tivemos,
mi fundadora do Convento do Calvário, a mais sedutora das casas religiosas,
embora, de todas, a mais simples e pobresinha, como veremos.
Nêste cantinho de Évora, o convento de Santa Helena do
Monte Calvário, mais vulgarmente conhecido por Convento do Cal-
vário, aparece a prender-nos e a mostrar-se-nos como jóia de destaque na
série gloriosa das residências conventuais, que a cidade possuiu ou ainda
possui em parte, a enchê-la de pitoresco e de graça. Casa adorável, atra-
vessou alguns séculos e conseguiu conservar, para gozo dos que prezam
a beleza, a suavíssima feição que fez dela o mais perfeito modêlo do que
foram no passado êsses acolhedores refúgios de piedade e devoção.
Percorrê-lo da portaria até à cêrca —o motivo principal que
nos trouxe aqui — atravessar-lhe o claustro, as salas Vastas, os corredo-
res estreitos, as celas silenciosas; senti-lo na sua Vida histórica e religiosi-
dade comunicante; sonhar dentro dos seus muros envelhecidos; descansar
nos bancos de carvalho tosco do seu refeitório, que «A Ceia» ilumina;
aspirar o perfume da velha cosinha, olhar a sala capitular ou vêr-lhe,
enlevado, a igreja azulejada e linda, onde o arcebispo Botelho de Lima
quiz repousar — é encher a alma de ternura, é banhar-se o peito de uma
infinita saudade.
Quando se bate a esta porta enrugada pelo tempo, alguém abre
e nos conduz, logo se sente, vem até nós, ascende da solidão do claustro
quinhentista, evapora-se das flores que sorriem nos peitoris de granito ou
do tronco ressequido da roseira de S. Francisco, um milhar de emoções
que nos perturbam o espírito alvoroçado.
É a sensação doce e triste da sineta plangente que põe as reco-
lhidas em sobressalto. E' a impressão viva de que tudo o que passou vai
ressuscitar, transforma em vultos reais de freiras, as figuras amoráveis
que nos aparecem com a doçura envolvente das suas saudações.
Parece que a nossa presença de profanos perturbou a comuni-
dade e em revista retrospectiva vai passar a porteira e a sacristã, a escrivã
e a abadessa, tôdas as que viveram, sonharam e padeceram aqui, olhos
pisados, rostos macerados, seu véu negro, vestuário cinzento-escuro, tal
como, em outras eras, os seus vultos o animaram.
Uma nos mostra então a habitação carinhosa das antigas damas
que a povoaram; outra nos refere, comovida, a história das que nêle
viveram, sofreram penas ou alcançaram santidade — tôdas, por fim, nos
revelam os seus talentos e habilidades na elaboração dos mimos de doça-
ria e seu revestimento original, como são ,por exemplo, o Pão de Rala, uma
das maravilhas de paladar, e o Papel Picado, expressão artística da mais
7
«A CIDADE DE ÉVORA» 15
bela das nossas indústrias caseiras, de que D. Adelina Sousa é perita
brilhante.
A cidade de arte que é Évora, rescende, toda ela, sentimento
e poesia. Embala com a recordação maravilhosa dos conventos do Paraizo,
de S. Domingos, de Santa Clara e tantos mais. Atinge, porém, no convento
em que estamos, uma espiritualidade de tal maneira enleante e sugestiva
que nenhuma impressão pode vincar-se mais funda, tornar-se mais grata a
poetas e pintores, do que a que, dentro dêle, os surpreende e os envolve.
Ao trazer aqui, há alguns anos, à hora do entardecer, quando no
poente o sol expunha a sua tela modernista de todas as tardes, a escri-
tora francesa Gabriela Reval, recordo que ela sentiu e manifestou a mais
poderosa das emoções. Regista-o o livro «L'enchantement du Portugab
onde diz as mais belas coisas a respeito de Évora que vê «perdida nos
seus sonhos, assentada como uma rainha impassível que rememora a sua
grandeza passada».
A esta amiga e admiradora do nosso país, tudo em Évora a
impressionara, desde o Templo Romano até à igreja de S. Francisco. Toda-
via, na meia luz do Calvário, sentiu a melancolia dos sonhos conventuais,
compreendeu de tal modo o drama da «Sempre-Noiva», que os seus olhos
humedeceram.
O refeitório com seu púlpito de leitura, aquela porta datada de
1682, e a própria cosinha de linhas cenográficas, encheram-na de enter-
necimento e, ao ouvir, no coro da igreja, ajudada para o mover, pela antiga
recolhida D. Carlota Joaquina, o triste soluçar do órgão, que ela mesmo
toca, a sua^ sensibilidade exacerbou-se, a sua emoção transbordou.
É que o Convento do Calvário é um documento precioso, único,
que o tempo conservou em quási toda a sua pureza. Mesmo gasto e enve-
lhecido, arruinado em parte,representa uma das estrofes mais bem ritmadas
do poema de arte que é a cidade por mim chamada «catedral do silêncio»
quando me esqueço de lhe chamar encantadora, branca ou sempre-bela.
Alberto Sousa, o mestre aguarelista, tem por êle uma adoração
sem limites, pôs os seus pincéis ao serviço do registo e documentação de
quantos pormenores de beleza êste Convento possui. E, saibam, não encontra
modo de chegar ao fim na tarefa que o encanta e absorve. Com persis-
tência e carinho inegualáveis, vai desvendando o que o Calvário con-
serva e se receia ver perdido, e dia a dia, as surpresas sucedem-se para
o maravilhar.
Pintor ilustre que é ao mesmo tempo um distinto arqueólogo,
procura reproduzir em cartões valiosos a feição suave desta moradia
de encanto. O grande e devotado defensor de Évora, embalado pelo que
ela tem de pitoresco, fica-se aqui, horas sem conto, num trabalho que é
êxtase, num êxtase que é culto, num culto que ê adoração e fanatismo.
Aconchegado à muralha fernandina, uma das suas torres a fazer
parte daquela, o conjunto do Calvário, esquecido e modesto, recolhido e
grave, marca pela originalidade e pela graça. Á volta do claustro elegante,
de linhas puras, três pavilhões o constituem, acrescentando-se-lhe, além
da torre sineira de tejoleiras mouras, a construção severa e forte da igreja
que enfrenta, com os gigantes salientes, a rua da Lagoa.
Pouco distante do arco da rua que ligava o convento à residência
do capelão, rasga-se um portal para o pátio onde um poço de velha ferra-
14 «A CIDADE DE ÉVORA»
gem e roldana, recebe a sombra de uma árvore copada, por cima da qual,
outrora, se esfarelavam cristalinos os sons dolorosos do sino da fome.
Nada mais belo como arranjo decorativo, cenográfico, arquitec-
tónico. Os alvaneis do tempo, deram e?^ecução a um dos mais formosos
aspectos desta cidade, criando a elegância das torres e dos mirantes ren-
dados. Quem a fantasiou e a pôs de pé, manifestou o maior espírito e o
mais apurado bom gosto.
Quando foi construído, estávamos numa época em que os edi-
fícios, do maior ao mais pequeno, revestiam sempre um cunho de beleza
que ainda agora nos seduzem como relíquias bemditas de um tesouro sem
par. Um mirante, um alpendre, um catavento, qualquer pormenor tinha a
impô-lo um pouco de sonho e de espírito.
Obras de artistas notáveis, resultante do meio criado pela pas-
sagem da corte e pela cultura humanista, espalhavam-se já em toda a
cidade. O convento de Santa Clara que nos faz lembrar da «Excelente
Senhora» e da irmã de Sancho Manuel, ostentava a mais formosa das
torres e o mais pitoresco dos claustros. O Salvador com o prestígio de
haver sido o Palácio de Sertório, depois dos Condes de Sortelha, tinha
com a sua torre romana, uma fisionomia original.
Prestigiosa construção da renascença miguel-angesca, arrojada
na composição e arranjo da frontaria da igreja, a Graça, atribuída a Tor-
ralva, o arquitecto de Tomar, era obra de esplendor. Santa Mónica onde
paira o espírito daquela Isabel da Ascenção a quem as aves de rapina
vinham trazer o pouco alimento que tomava, tinha no seu claustro e na
sua igreja tão singulares e atraentes aspectos, que Viria a ser o cenário
escolhido para os serões musicais de'D. João I V .
No museu arqueológico, no e^^ame e admiração dos túmulos de
D. Álvaro da Costa e D. Afonso de Portugal, nas janelas, portas e colunas
do Paraízo e da Graça, pode evocar-se o mestre Chanterene e quanta
arte e formosura exornavam as construções da época. Nos Lóios, na igreja,
nos túmulos dos Meios, na porta da Casa Capitular, nas campas de bronze,
flamengas, visiona-se o que era o meio eborense no momento em que o
Calvário ia surgir.
Como é fácil reconhecer, o Calvário teve propósitos mais modes-
tos do que êsses conventos que enumerei. Quem o imaginou, teve o intuito,
certamente, de harmonizá-lo com a natureza da clausura, dar-lhe a feição
mais conforme com as aspirações das enclausuradas, pobres creaturinhas
que, sob a ordem de S. Francisco e regra de Santa Clara, iam consagrar-se
a uma vida de humildade, disciplina e sofrimento.
Mas tudo nêsse tempo respirava arte. Ao lado do espírito reli-
gioso, o espírito artístico dominava. Porque as sugestões da beleza anda-
vam no ar, o Calvário, mesmo humilde como pretendia ser, resultou na
obra de nobre traça que hoje nos maravilha, menos rico do que outros monu-
mentos espalhados pela cidade, reveladores da magnificência e elevação
espiritual dos seus edificadores, mas tão valioso como elas, ou mais, se
considerarmos que nenhum o excedeu em delicadeza, perfume e pitoresco.
B » Isto sem falar de lendas e tradições, que nenhuma outra casa
as teve mais belas e variadas, e mesmo sem referir o interesse que merece
aos poetas e pintores, que nenhum outro convento teve também tantos e
tão afamados, a dizer-lhe versos e a consagrar-lhe telas.
T
«A CIDADE DE ÉVORA» 15
No local em que está o Calvário, aí por 1570, existiu a ermida
de Vera-Cruz com umas casas contíguas que serviam de recolhimento e
casa de mendigos. O arcebispo de Évora, D. João de Melo, dôa essas
casas à Infanta D. Maria, filha de D. Manuel, que se dedicava a uma
grande obra de piedade. E em 1574, o Convento do Calvário, obra daquela
infanta, planeado pelo Cardeal D. Henrique, está concluído e habitado.
Mateus Neto foi o mestre da obra; Domingos Roiz, capelão da
infanta, presidiu à construção. Bernardina de Jesus ê a 1.^ instrutora e
mestra. Viera do Convento de Jesus, de Setúbal. E tão votada era à
disciplina que foi mandada regressar e castigada, o que não impediu
tivesse a fama de santa, pois se diz que um religioso cego recuperou a
vista só porque pôz sobre os olhos uma rosa daquelas com que lhe
haviam enfeitado a sepultura.
Eram umas vinte as recolhidas do Calvário. Viviam de esmolas,
não tinham rendimentos, jejuavam todos os dias, com excepção do dia
de Natal e dos Domingos. Traziam os pés nus, usavam camisa de lã e
vestiam hábito de burel. Dormiam sobre um pedaço de cortiça, tinham
por travesseiro umas palhas, e por cobertor uma pequena manta — todas
na mesma camarata extensa. A's vezes, era tal a fraqueza das enclausu-
radas, que o sono as vencia e não podiam fazer às horas devidas
as suas orações.
Recolhiam-se às 9 horas da noite, às 12 levantavam-se para
cantar matinas duas horas e mais, às 6 tornavam a erguer-se e, tendo
uma hora de oração mental, resavam vésperas e completas, e, três vezes
por semana, tinham uma disciplina pública.
Pobreza e oração eram os dois pólos do mundo em que as
piedosas senhoras viviam. A ordem era das mais rigorosas quanto àquela
e esta. Mas, diz a lenda, o trigo cresce no celeiro, o azeite medra nas
talhas, e porque a sacristã não desperta, os anjos descem a tanger a
sineta para os louvores divinos, quando a fraqueza e o sono as invade.
A cidade corre a socorrê-las se a fome entrou no Calvário e
a sineira ainda teve forças para se arrastar ao local que lhe deixa apanhar
a corda do bronze para o tanger alarmada. A voz do sino da fome mais
duma vez se ouvira para êste lado da cêrca fernandina.
E' aqui, nêste lugar estranho, que a clausura conserva, durante
seis anos, D. Isabel Juliana de Sousa Coutinho, a quem chamaram o
«Bicho de Conta», <a que venceu o Marquez de Pombal» e a «Sempre-
-Noiva», com êste último título fazendo lembrar o que fora dado à infanta,
fundadora do Calvário.
D. Isabel Juliana, com 15 anos apenas, recusa-se a completar
o enlace com o noivo que lhe destinaram e não amava, D. José de
Carvalho, filho segundo do Marquez de Pombal. Apaixonada por
D. Alexandre de Sousa Holstein só a êle queria, só com êle havia de
matrimoniar-se e dar origem à família Palmela.^ Expiou, por isso, nas
sombras do Calvário, a sua paixão amorosa, saindo dêste tão somente
quando, no reinado de D. Maria I , o primeiro Ministro de D. José cai
em desagrado e entra no exílio de Pombal.
São seis anos os que a voluntariosa dama vive a dentro dêstes
muros seculares, embora o seu divórcio fosse decretado antes, para que
o filho do Marquez podesse contrair novo matrimónio. Ela só sai daqui
f
«A CIDADE DE ÉVORA>
quando o pode fazer livremente e para se entregar, sem estorvos, ao
cumprimento do seu destino histórico.
Estou a ver a inspiradora de alguns trabalhos literários, como
s à o : «As memórias dos Palmeias», de D. Maria Amália Vaz de Carvalho,
uma peça de teatro «A origem dos Palmeias», de António Francisco
Barata, e outra «A Sempre-Noiva», de Marcelino de Mesquita. E após
ter rememorado o que foi aquela prisão de tantos anos, as horas de sofrimento
e inquietação passadas no Calvário, evoco o alvorôço do recolhimento
no dia em que «O Bicho de Conta», por sua vontade, livre, o
abandona.
A nobre senhora, ao sair, deixa às companheiras que procuraram
amenizar-lhe o cativeiro, aquele Menino Jesus que Augusto Gil cantou
em Versos primorosos, e eu espero, como tantos esperam, ver regressar
alguma vez a esta casa, por devoção do seu possuidor^ actual, expon-
taneamente levado a uma renúncia de propriedade que Évora reconhe-
cidamente lhe agradecerá.
Embora apressada e ansiosa, ao separar-se do seu <rmenino»
Isabel Juliana deve-o ter olhado com enternecimento, o mesmo, talvez,
que há-de ter tido ao despedir-se das outras recolhidas no momento da
passagem pelo Cristo que se anichava ao centro da camarata e se diz
ter falado três vezes a uma das monjas, a quem afirmara: «Emquanto
aqui estiver protegerei a cidade.. .>.
Escrevi algures: «Os dramas a dentro dêstes refúgios su-
cediam-se. De simples abrigo, o Convento transíormava-se às vezes em
casa de correcção. Daí cenas emocionantes que iam da cerimónia simples
do noviciado à solenidade espectaculosa da profissão. E os sinos tudo
nos contavam.
Depois de rezada a tercia, para o qual os sinos dobravam, a
noviça entrava com grande cerimonial e ia bater à portaria do convento
para que lhe abrissem. A prelada, com a comunidade, vinha recebê-la.
Passavam o claustro. J á se iluminava a igreja. Um interrogatório. Em
seguida a leitura da regra. A noviça cobre-se com o hábito que a abadessa
lhe vai deitando, e ao longo da nave reboa o Veni creator spiritus.
A profissão era sempre ruidosa. A noviça andava alvoroçada
com os sinos ti intantes. Começava com o toque para a missa. Adivinha-
vam-se então as plangencias dos órgãos, os quadros que se desdobravam,
um dos mais impressionantes sendo aquele em que a profissionante
aparecia, como se morta fôsse, deitada num tapête negro, aos cantos do
qual luziam as chamas Vivas dos brandões acesos. Viam-na depois,
envolta na cogula que substituía o hábito branco, a distribuir o beijo da paz.
Os sinos anunciavam isso. A's 9 e meia tercia. Finda a missa
se:ita e nôa. A's três da tarde vésperas e às sete completas. A's duas
da madrugada rezavam-se matinas, seguiam-se laudes e às 6 prima. Em
reza decorriam os dias no côro. E a cidade recompunha em imaginação
e pelo tanger dos sinos, o que se passava no silêncio dos conventos.
Na aridez do tempo presente, na sua imaginação, agora, a
cidade não escuta mais essas vozes. Mas eu sinto-as, ouço-as na minha
recordação como a voz longínqua do mar no coração de um búzio. No
silêncio das ruas, um bronze que desperta, é uma voz que me fala. E
essa voz infiltra no meu coração o incenso maravilhoso da saíidade: a
Um pálio pitoresco do Convento do Calvário
A CIDADE
DE ÉVORA
Claustro do Convento do Calvário
A CIDADE
DE ÉVORA
i
«A CIDADE D E ÉVORAi 17
musa inspiradora da minha alma ao percorrer as ruas da cidade onde
paira como em reza o silêncio da velhice extenuada».
Assim escrevi e aqui o reproduzo, para acreocentar que no
Calvário, desde o seu início no séc. XVI até que morre a última freira,
D. Maria José, em 1889, é uma série de acontecimentos os que a história
refere como praticados aqui dentro, saíndo-se do repouso para a agitação,
da tranquilidade monótona para a vida movimentada: coisas desaparecidas
•de que resta esta casa, enrugado cortiço de ilusões.
Depois da última freira ainda aqui ficaram algumas recolhidas,
e estas, das coisas belas do passado conventual, conservaram, entre outras,
a tradição gloriosa do Pão de Rala, e dos Papeis Picados. Mas essas
mesmas recolhidas iam a desaparecer com a ruína do Convento abando-
nado às injúrias dos homens e do tempo, aqueles e êste, alheios à sua
beleza inconfundível de casa modelar.
Ao tempo, expúnhamos na imprensa, a propósito de uma «Esta-
lagem Alentejana», como poderia substituir a falta de um hotel capaz, a
existência em Évora de uma casa onde o visitante culto: o artista
sobretudo, encontrasse o conforto e o carinho da sempre notada hospita-
lidade da região. Sonhávamos ver de pé uma pousada onde se respirasse
socêgo e a beleza que lhe imprimissem os próprios artistas que a Viessem
habitar. Apregoámos a ideia de uma «estalagem> que os jornalistas, os
críticos de arte, os pintores e os arquitectos saudaram com entus asmo,
acolheram com prazer.
A simpatia que um tal sonho mereceu, levou-nos ao empenho
decidido de o realizar. E o Calvário veio a ser o lugar de escolha onde
a casa dos artistas era possível, dada a falta de recursos para uma cons-
trução nova como essas que hoje em dia está levantando o S. P. N. O
nosso intento levava à conservação do Calvário, e as poucas recolhidas
que ainda existiam não abandonariam o cantinho a que eram afeiçoadas.
Com trabalho e entusiasmo, obteve-se do Parlamento — O Dr.
Santos Garcia à frente —que acolhesse um projecto de cedência ao grupo
Pro-Évora. Mas êsse projecto, na sua aprovação, foi de tal modo modi-
ficado — cedia-se, não para pousada, mas para exposições regionais, —
que a primeira ideia teve^de ser posta de lado.
O grupo Pro-Évora, em face do sucedido, ainda pretendeu
conformar-se com as exigências da disposição legal que lhe cedera o
Calvário, quis adaptá-lo ao fim desejado, criando aqui um museu de arte
rústica e um. centro de doçaria regional com finalidades turísticas, e foram
mesmo, por parte do presidente do mesmo grupo a Ex.'"^ Sr."" D. Leonor
Caldeira, e a expensas suas, realizadas algumas obras no valor de alguns
contos de reis.
Mas essas obras não continuaram. A adaptação do Calvário a
museu etnográfico e à conservação da formosa indústria da doçaria con-
ventual, não se fez. O Convento, por determinação governamental, passou
do grupo Pro-Évora para a Associação de Nossa Senhora do Rosário ou
Casa de Trabalho, a quem agora pertence.
As exposições de doçaria alentejana realizadas em Évora não
há muito ainda, e a exposição de arte rústica também efectuada com brilho
há alguns anos, demonstraram como seria interessante a aplicação que
daríamos ao convento. A arte rústica alentejana marca pela originalidade.
/
18 «A CIDADE D E ÉVORAi
E em matéria de bolos e doces, embora eu não seja um epicurista,
posso garantir que nenhuma província leva as lampas ao Alentejo, à
cidade de Évora poucas a igualam e, dos conventos citadinos, o Calvário
é dos que conservam as melhores tradições.
Que lindo local, portanto, seria êste para a ressurreição da
famosa indústria que há anos vimos a proclamar! Que linda casa seria o
Calvário no dia em que o arrancassem ao perigo da ruína e o conservassem,
sem o alterar, em todo o encanto da sua beleza inconfundível!
Para mim, ê ponto de fé que no Calvário ou noutro lugar, a
pousada dos artistas e o renascimento da doçaria eborense, hão-de ser
motivo de estudo para o S. P. N . Interessante seria, porém, que as
senhoras eborenses, quanto a esta última ideia, tomassem para si a
empresa de arte e lucro que ela representa.
O Convento do Calvário sintetisa na sua beleza adorável, a
arte, a tradição, o pitoresco da cidade de maravilha que é Évora. É o
ponto culminante de uma peregrinação através da terra que nos deslum-
bra e nos enamora. Aqui se respira o perfume espiritual que irradia com
os seus monumentos, as suas perspectivas e linhas singulares, o seu
silêncio aliciante dos sentimentais.
O que sonhámos, não vem para contrariar qualquer obra que
se projecte levar ao fim. A assistência merece toda a nossa simpatia.
Obra de assistência, e bem interessante, contudo, seria a da conservação
e amparo de algumas senhoras que o necessitassem, nêste socegado retiro,
dando-se-lh€S auxílio moral e algum dinheiro, para a continiiidade de
5^ uma indústria caseira notável, como é a dos bolos e doces e a do seu
complemento : a dos Papeis Recortados, que a tradição consagrou.
Auxílio para a mesma obra de assistência, seria ainda a orga-
nisação em algumas celas do Calvário do museu de arte rústica onde
poderiam ser Vendidos ao turista os objectos duplicados e adquiridos para o
efeito. Como seria, afirmo, obra de caridade pelos monumentos e revelação
superior do espírito mais louvável, o respeito e o carinho por estas ruínas
preciosas de convento que no país não tem similar.
Recordando uma coisa e outra, se não aspiro a que tudo se faça,
desejo ao menos que o Calvário se conserve, pelo que imploro aos ebo-
renses, e em especial às senhoras desta cidade, que o não deixem morrer.
^Évofa estará protegida enquanto o Cristo da camarata ali estiver...»
dizia-me, algum tempo antes de abalar dêste mnndo, uma das últimas
recolhidas, a nonagenária Maria Teresa, ao implorar-me o meu desva-
lioso auxílio a favor da conservação do Convento que, à porta da casa
capitular, como em segrêdo ela me revelou, conserva os restos mortais da
santa religiosa a quem, por milagre, fora dado ouvir a voz do Crucificado.
Pedir o que peço, parece-me, não é exigir muito. É fazer votos
pela vida de uma cidade que tem nas suas obras de arte os seus melhores
pergaminhos. É empenhar-me, uma vez mais, pelos encantos da terra que
considero minha porque nela nasceram meus filhos e nela tenho afeiçoado
a alma de contemplativo. É, finalmente, cumprir a promessa que fiz à
pobre Maria Teresa, a quem quis deixar morrer com a doce ilusão de que
alguém ficaria de guarda vigilante à linda casa que ela tanto amou.
Com as minhas palavras, recordado do tempo em que, ao som
da sineta do claustro, ela me aparecia vagarosa e grave, desfolho sobre
«A C I D A D E D E ÉVORA» 19
a sua memória e a campa rasa da sua freira milagrosa, as tristezas que
ambas me inspiram; desempenho, gostosamente, uma suave missão. Sem
Valimento algum. Venho rezar pelo amor a esta casa sem igual, que eu,
como a doce velhinha, sonho ver conservada tal como está, visto que a
sua morte representaria e sinceramente creio, uma perda irreparável para
a Beleza espiritual e artística da cidade encantadora.
E oxalá que ao menos por ela, por essa Maria Teresa, cuja voz
representa a aspiração de todas as almas enamoradas do passado, alguém
me ouça, promova e leve ao fim, com enternecida devoção, a obra bem-
dita e bela a que aludi ao memorar a formosura do Convento do Calvário
que nenhum outro iguala em poder evocador e encanto comunicativo.
(Palavras lidas ao II Curso de Cicerones do
Qriipo PrO'Évora, no dia 31 de Maio de 1942,)
III III
Évora é uma grande catedral onde as suas
ruas são naves e o céu é abóbada magnífica.
Celestino David
20 «A C I D A D E D E ÉVORA»
o
do
Discurso lido na récita realisatfa,
em 7 de Juniio de 1942, no Teatro
Garcia de Rezende sob o patrocínio
da Câmara IVIunicIpal de Évora.
" T E V E O EX.""" Senhor Presidente da Câmara Municipal a amabilidade de
convidar o Grupo Pró-Evora a colaborar no espectáculo comemo-
rativo do L aniversário do Teatro Garcia de Rezende, nomeando
um dos seus directores para dizer algumas palavras sobre a história desta
casa de espectáculos.
Tendo sido o indicado para tal fim, antes de entrar na exposição
pedida, cumpro o dever de a Sua Ex.^ apresentar os protestos de reconhe-
cimento do Grupo de cuja direcção tenho a honra de fazer parte.
O teatro em Évora data da criação do teatro português.
O fundador aqui viveu; aqui representou muitos de seus afa-
mados autos —alguns em estreia — tendo até, segundo alguns investiga-
dores, aqui falecido, repousando seus ossos na magestosa nave da igreja
de São Francisco, o que se me afigura, porém, carecer de fundamento.
O teatro português, nasceu na residência Real irradiando depois
para os palácios da mais alta nobreza. Assim em Évora sabe-se que Gil
Vicente representou nos Paços de a —par São Francisco e no palácio dos
Marqueses de Ferreira.
No século XVII ficaram notáveis os autos representados pelos
escolares universitários no cenário maravilhoso do seu cla:ustro, tendo por
encantador pano de fundo a grandiosa fachada da Sala dos Actos.
E' natural que em Évora tenham existido «Pátios de Comedias»,
como nas principais terras do País, e certo é que no século XVIII o teatro
eborense se tenha encontrado em periodo de crise.
Procurando obedecer aos moldes que o século passado consa-
grou para espectáculos teatrais, foram adaptadas, na segunda metade do
mesmo, umas casas existentes entre a rua Vasco da Gama e a travessa das
Casas Pintadas, possivelmente ainda parte do solar que o Ínclito almirante
teve nesta cidade.
Funcionou durante alguns anos o teatrinho das Casas Pintadas,
tendo pelo seu palco passado algumas das figuras gradas da cêna portu-
guesa de então.
MJ • •-
cA C I D A D E D E ÉVORA: 21
O atávico gosto dos eborenses pela arte cénica não podia con-
formar-se com a exiguidade e todas as outras deficiências dessa humilde
casa. Desejava-se um teatro feito de raiz, uma casa no género daquelas
que existiam na capital.
Porém em desejos se ia consumindo o tempo, a tal se limitando.
Nos fins de 1879, princípios de 1880, a lavoura local encontrou-se
colocada numa situação embaraçosa; não havia trabalho para dar, faltou
de comer aos trabalhadores e suas famílias.
Um eborense, homem simples, alma grandiosa, José Maria
Ramalho Diniz Perdigão, digno filho da terra que foi bêrço de beneméritos
como João Mendes Cicioso, era então o grande protector dos rurais quando
a falta de trabalho, com todo o seu triste cortejo, lhes batia á porta.
Em conversa com alguns amigos, e desejoso de arranjar que
fazer para os desempregados, sugeriu a constituição duma sociedade des-
tinada a fazer construir um grande hotel.
Se uns concordaram, outros, a maioria, manifestaram-se antes
favoráveis á edificação dum teatro absolutamente digno da cidade e das
suas tradições.
Foi este o ponto de vista que vingou, tendo Ramalho convidado
o engenheiro Adriano Augusto da Silva Monteiro para apresentar o pro-
jecto da obra.
Só em Março de 1881 êsse projecto foi dado por concluído, pelo
que em 13 dêsse mês, sob a presidência do Visconde de Guedes—mais
tarde Conde da Costa — reuniram, no «Circulo Eborense», os adeptos
dessa empresa.
Já estava escolhido o local para o teatro, já tinha merecido
unanime assentimento o alvitre feito para que o mesmo perpetuásse o nome
glorioso do literato eborense que foi moço de escrevaninha de D.João I I .
Em 1 de Abril, compareceu no «Circulo> o tabelião Joaquim
Pinto que lavrou a escritura da constituição de sociedade da «Companhia
Eborense Fundadora do Teatro Garcia de Rezende^^.
Estando o capital calculado necessário realisado — 20 contos—
foram iniciadas as obras.
Ern 31 de Outubro dêsse mesmo ano de 1881, procedeu-se á
cerimónia da colocação, no interior de um dos cunhais, dum documento
com a história da fundação.
Dessa solenidade foi lavrado o auto seguinte:
— No ano do Nascimento de Cristo de 1881, reinando em Por-
tugal El-Rei D. Luiz /.^ organisou-se nesta cidade d^Evora uma com-
panhia para fundação doeste teatro, ao qual se chamou Garcia de
Rezende, em homenagem á memoria do distinto eborense do mesmo nome.
O plano da obra foi elaborado por uma comissão composta
dos senhores Adriano Augusto da Silva Monteiro, engenheiro civil,
Joaquim Sebastião Limpo Esquivel, Manuel José Carreta, dr. Fran-
cisco Inácio de Calça e Pina e Simão da Fonseca Lemos Monteiro, os
22 «A C I D A D E D E ÉVORA»
primeiros quatro naturais desta cidade e todos nela residentes - e a
construção foi dirigida pelo mestre constructor Manuel de Oliveira e
•Silva, natural da vila e concelho de Olivais, districto de Lisboa.
11 ^ At. ^'^"l^Ç.'^^^"^ os primeiros trabalhos para a edificação no dia
18' 11 de Abril e foi este cofre aqui depositado hoje, 31 de Outubro deste
11 J.r. r . ^^°^> quadragésimo terceiro aniversario natalício de
El-Rei D. Luiz.
De frizar, pelo seu alto significado bairrista, o cuidado tido em
registar que dos cinco componentes da comissão que elaborou o projecto
da obra, apenas um não nascera em Évora.
No final dêsse ano, e por estar quási esgotada a verba reali-
sada, foi resolvido ampliar o capital inicial para 40 contos, fazendo-se
nova emissão de acções.
Em 29 de Janeiro de 1884 faleceu José Maria Ramalho Perdigão
e pouco depois, dispendido aquele reforço, paralisaram as obras do teatro.
Em 16 de Maio de 1886, realisou-se uma Assembleia Geral da
«Companhia Fundadora», a qual reuniu no salão nobre deste edifício.
As conclusões tiradas foram nulas, pelo que novamente se
reuniu em 6 do mês imediato. Aí foi lida uma carta, na qual a Ex."'"" Sr.^
D. Inácia Angélica Fernandes Ramalho — viuva de José Ramalho — pro-
metia a sua coadjuvação para o fim almejado; sendo deliberado aumentar
novamente o capital social com a importância de 20 contos.
Mais uma vez as obras recomeçaram para, mais uma vez, para-
rem. Em volta de uma iniciativa que só louvores devia provocar, come-
çaram a levantar-se inimisades pessoais, questões políticas.
Em virtude de tais atrictos o desânimo assenhoreou-se de
alguns, tornando-se quasi uma fantasia o albergar a esperança de que um
dia a sala de espectáculos da travessa das Casas Pintadas seria substi-
tuída por outra à altura do prestígio citadino.
Era êste o estado em que se encontrava a construção do teatro
quando, por ter casado em 16 de Maio de 1887 com a Ex.""^ Sr.* D. Inácia
Fernandes Ramalho, veiu fixar residência em Évora o dr. Francisco
Eduardo Barahona Fragoso, natural da Vila de Cuba, que, pouco mais de
um ano decorrido, se prontificou a concluir à sua custa as obras do teatro,
desde que o mesmo fosse, pela Companhia, doado ao Município.
Em Assembléia Geral expressamente convocada para tal fim,
os accionistas resolveram, em 5 de Agosto de 1888, apresentar à edilidade
as condições do dr. Barahona:
— conservar o teatro sempre pronto para o uso a que é
destinado;
— empregar todos os esforços para que se dêem pelo menos
seis récitas por ano;
— a sala do norte ser destinada para a música;
acrescentando, porém, que haveria a obrigatoriedade de um
camarote de 1.* ordem ser reservado para o benemérito.
A Câmara aprovou tais condições, agradeceu a oferta, mas
«A CIDADE D E ÉVORAi 23
novamente o vírus político se infiltrou na questão do Teatro, levando a
comissão executiva da Junta Geral a negar o seu concordo.
Não era, felizmente, o dr. Barahona homem que retrocedesse
nos seus propósitos e assim resolveu comprar as acções da
Companhia, embora esta continuasse na sua qualidade de socie-
dade anónima de responsabilidade limitada.
E imediatamente assinou contracto para as decorações com dois
notáveis artistas do Grupo do Leão, os pintores Antonio Ramalho e João Vaz.
Para as obras da caixa mandou vir João Henriques, mestre do
teatro de São Carlos e para pintar os principais cenários o artista ita-
liano Manini.
Entretanto, numa reunião da Comissão Distrital da Junta Geral,
foi reprovado o famoso acórdão que negava autorização á Camara para
aceitar a oferta.
Depois de muitas dificuldades, da questão ter sido discutida
pela Câmara dos Deputados e pela dos Pares, saiu o decreto régio autori-
zando o govêrno a aceitar, em nome da administração geral do estado, a
cessão feita pelos fundadores do Teatro Garcia de Rezende, á cidade de
Évora, do edifício do mesmo teatro com'todos os seus pertences.
Aos 4 de Abril de 1892foi finalmente lavrado o auto de pósse, pas-
sando a famosa e formosa casa de espectáculos para o património municipal.
A inauguração, acontecimento de que muitos tinham chegado a
descrêr, efectuou-se em 1 de Junho — fez na segunda feira 50 anos.
Presidiu á mesma o Infante D. Afonso, irmão do Rei D. Carlos.
E' impossível dar uma pálida ideia do brilho dessa inauguração.
Pela leitura dos jornais da época, pelo relato de quem teve a ventura de
a ela assistir, creio não haver exagerado o redactor do Diário do Alen-
tejo que escreveu: «desde immcmoriavcis tempos, em que nesta cidade
a corte fazia as suas festas, até hoje, não houvera ocasião para exibi-
rem as damas eborenses as suas galas; e se a houvera recinto é que,
de certo, não haveria, que comportasse tudo o que ha de mais distincto
na velha cidade de Sertório.
O presidente da Câmara, José Antonio Soares Pinheiro, proferiu
um curto discurso, salientando o quanto a cidade ficava devendo á magna-
nimidade dos esposos Barahona, a quem ergueu um Viva.
O programa constou da peça em 3 actos de Eduardo Schwalbach
O Intimo e da tradução da comedia francesa em 1 acto O Sub-Perfeito,
sendo representadas pela célebre Companhia do Teatro D. Maria^ de
Lisboa, da qual faziam parte Augusto e João Rosa, Taborda, Eduardo
Brazão, Ferreira da Silva, Cézar de Lima, Carlos Posser, Fernando Maia,
Carios Rocha, Carolina Falco, Rosa Damasceno, Lucinda do Carmo,
Emilia dos Anjos, Emília Cândida, etc.
O ciclo das récitas inaugurais prolongou-se pelas noites de
2, 3, 4, 5 e 6, respectivamente com as peças Marquez de Villemer, Amigo
Fritz, D. Cezar de Bazan, A Madrugada e Leonor Teles.
Em 7, faz hoje precisamente cinquenta anos, a Companhia do
D. Maria, desejando retribuir as atenções recebidas dos eborenses em
geral e do Dr. Barahona, em especial, ofereceu á Ex."'^ Sr."" Dona Inácia
Fernandes de Barahona uma récita extraordinária em benefício das casas
de caridade que entendesse.
24 «A CIDADE D E ÉVORAi
O entusiasmo com que esta decorreu em nada foi inferior ao
da noite de 1.
O programa foi elaborado pela seguinte forma:
A peça O Gendarme;
No intervalo do 1.° para o 2.° acto o entre-acto O Bravo do
Mindelo, pelo actor Taborda;
No intervalo seguinte o monólogo O melro, por Augusto Rosa.
A Academia do Liceu e o corpo activo da Associação Humani-
tária dos Bombeiros Voluntários colocaram-se, desde o princípio do Largo
de São Domingos até ao teatro, empunhando archotes.
Quando os doadores do teatro chegaram àquele local, foram
convidados a descer da sua carruagem, passando por entre as alas abertas.
A banda da Casa Pia tocou uma Marcha Triunfal escrita propositada-
mente pelo maestro Sá e Lima.
Ouviram-se vivas ao dr. Francisco Barahona e esposa; esturgi-
ram palmas. O entusiasmo popular atingiu as raias do delírio.
No átrio, na escada para o salão nobre, no corredor para o
camarote Barahona, alas de senhoras e homens, trajados a rigor, repeti-
ram a manifestação prestada na praça pública.
Quando o velho e consagrado actor Taborda terminou o anun-
ciado entre-acto, uma comissão de artistas foi oferecer á Sr."" D. Inácia
de Barahona um ramo de flores artificiais mandadas fazer na capital.
Dum camarote de o estudante Adolfo Alvares da Silva leu
uma poesia intitulada: «Homenagem da Academia á e?^.'"^ sr."" D. Inácia
Angélica Fernandes de Barahona e a seu esposo o ex."'° sr. dr. Francisco
de Barahona Fragoso».
Este acto deu ensejo a nova manifestação do mais elevado
apreço pelos ilustres ofertantes.
No final do 2." acto, foi toda a companhia chamada ao palco,
onde também compareceu o dr. Barahona e o pintor Antonio Ramalho,
auctor felicíssimo desse lindo tecto.
Ao terminar o espectáculo, os esposos Barahona ouviram mais
uma calorosa apoteose, atapetando-lhes os estudantes, com as suas capas,
o caminho até á porta.
* *^
Após essa afamada companhia, o mais notável conjunto artístico
que, porventura existiu na arte cénica portuguesa, têm pisado este palco
os principais artistas destas cinco décadas.
Da mesma fórma por aqui têm passado numerosos amadores
eborenses, alguns possuidores de notáveis recursos.
A buliçosa alegria dos estudantes do Liceu todos os anos aqui
se tem afirmado, realisando um espectáculo integrado nas comemorações
do L° de Dezembro.
Sessões solénes, conferências, tem sido pronunciadas neste
teatro, cuja edificação tendo sido iniciada com um fim de benemerência
material —dar trabalho, dar pão aos desempregados — resultou um altís-
simo serviço para a cultura eborense.
THEATRO !
GARCIA DEREZENDE
ÉVORA
Seis recitas de inaiipração
% THEATRO DE D, MARIA 2 ; ^.
Quarta feira 1 do Junho do I80ft
1/ RECITA
An: 1 nfrtwtxM l i a M i l A a a c a 1 km. ««M «t b.** h. SCHWALBACH
O INTIMO
PERSONAGENS
CMrl>-M« •.\-ll'-> M.T«u^J.a \:r...!.. V
MU NA4IIIiM«.UIO«S4*<Xm
<i o/N^i iinirii Nti%« l i o 1tRi1^1a3fUNBN1s"rrAjL**><»
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Bit«* A* a.-«
Stis» im a.- a ii ddaamn a«(iOoCa Oo .. i TTarajiJlM O R A S
PRIN CIPIA Á S 8 V. H
Programo das 6 Récitas de mauguração d o Teatro Garcia d e Rezende
Reprodução do exemplar pertencente
BO snr. Joaquim Augusto Pereira do Carmo da Camara Manoel
A CIDADE
DE ÉVORA
Templo Romano e Torre do Cruzeiro da Sé
A CIDADE
DE ÉVORA
«A CIDADE D E ÉVORA» 25
A cinquenta anos de distancia da sua inauguração, melhor se
pode avaliar a grandiosidade do gésto do dr. Barahona, completando e
oferecendo o teatro á cidade de Évora.
Bem andou a ilustre Câmara Municipal em patrocinar e dedicar
este espectáculo á comemoração de tal festa. E, além da coincidência do
mesmo, se efectuar precisamente 50 anos depois daquele em que a cidade
publicamente agradeceu a importante dádiva, acresce a felicidade do pro-
grama do mesmo; programa êsse que é outro título de orgulho para todos
os eborenses.
Vamos ouvir música da célebre Escola que nos séculos XVI e
XVII impôs a nossa terra como o mais alto centro musical do país.
Vão reviver algumas dessas peças belas dos ilustres composi-
tores da Sé de Évora: Padres Manuel Mendes, Duarte Lobo, Filipe de
Magalhães, Diogo Dias Melgaz, Francisco Martins, Cónego Estevão Lopes
Morago, Frei Manuel Cardoso.
E, para maior gloria do nome da nossa terra, dois desses mes-
tres foram seus naturais — Manuel Mendes e Francisco Martins; sendo
ainda alentejanos Duarte Lobo — de Alcáçovas — e Manuel Cardoso —
de Fronteira.
A propósito do valor atingido por essa Escola, em tão boa hora
iniciada por Cosme Delgado, no reinado de D. João I I I , disse ha dias o
ilustre artista Mário de Sampaio Ribeiro— cantor-mór da Polifonia:
<>Foi á sombra dos muros de granito da vetusta Sé Eborense
que viveu durante século e meio a mais florescente de quantas escolas
de musica Portugal tem tidoif.
A história do Teatro Garcia de Rezende, â evocação da Escola
de Évora, devem ficar gravadas em todos os espíritos como elos dos pode-
rosos motivos que nos obrigam a sermos fervorosos admiradores da nossa
terra, defensores acérrimos do seu nome.
Grande, enorme terra esta, onde tanto de belo se encontra, não
só na pureza das suas preciosidades artísticas, como, a par e passo,
quando nos debruçamos sobre o seu Passado, quando folheamos a sua
História!
^oa^uim -Qu^uòto (^âmata. Jínnoel
i «A CIDADE D E ÉVORAi
26
'1 Mapa da tecetta e Jeâpeáa efectuada com aá óel te
DATAS DESIGNAÇÃO mporlancifl
Ano Mês Dia
RECÉITÁ
i.1892 Junho
1 Producto da Venda de bilhetes do primeiro espectáculo 562$100
6 Dito, idem do segundo até sexto espectáculo • 2.691$500
6 Dito de senhas suplementares vendidas nas seis noutes
7 Dito da renda do botequim de Teatro — 7 noutes a 10$700
18500 reis
10$500
imtmRs. . . .
3.274$800
Saldo negativo para a Câmara Municipal d'Evora
f
• 5.208S824
Évora, 13 de Junho de 1892.
«A CIDADE DÉ ÉVORA» 27
técítaò da Inau^utacão doUeatto (fatela da Kejende
DATAS DESIGNAÇÃO Importâncias
Ano Mês
Dio
DESPESA
1892 Maio 12 Pago conforme documento junto n ' 1 182$835
)5 13 Idem 2 148$176
» Idem 11 3 112S770
Idem 11 4
>J Idem 1» 5 5$1U0
J> 14 Idem II 6 960
J> 16 Idem 11 7
I) 22 Idem 11 8 5S550
25 Idem 11 9 2S560
11 10 1$720
Idem 11 11 3S420
Idem 11 12 2$640
2i>6 Idem 11 13 29$140
>> Idem 11 14 3$260
»> 2» 8i Idem 11 15
»» Idem 11 16 160
J> Idem 281720
26$500
n
1$205
Junho 29 Idem í1 17 4$910
51 Idem 11 18 7S840
5 Idem 11 19
6 Idem >i 20 160
Idem 21 109$302
Idem 11 22 15$680
Idem 11 23 24$140
Idem /» 24 22$640
6085041
» Idem 11 25 74$340
Idem 11 26 21$570
)) 8 Idem 11 27 55$250
n Idem 11 28 1$500
>» Idem 29 155$280
9 Idem 11 50 68S100
)> 11 111$150
») 1205000
n Idem 11 31 99$720
» >» Idem 11 32
j> Idem 11 33 4$500
n 10 Idem 1* 34 12$800
1» Idem i> 35 7S515
)» Idem I I 36 6$900
J> 11 Idem 11 57 31$200
>> Idem 11 38 35S030
Idem 39 56$540
11 Idem II 40
Idem à Companhia II Teatro D Maria 2.^ — 6 récitas
II
IdI o
13
a 500$000 reis. 5.000$QQQ
5.208$824
O Presidente da Comissão Inauguradora,
(a) ^ulio l/ictot M(Lclia.(lo
28 «A CIDADE D E ÉVORA>
(flótt&á da
Uníiretáldadte -f/entii^uina
A/o 11/ ^entenãtio do
do 'Poutot Seíãótião /3attadaò
SOBRE a porta interior da reitoria do Liceu Nacional «André de Gou-
veia», outrora famosa Universidade eborense, ainda hoje se pode
admirar uma tela seiscentista retratando um venerável sacerdote,
cabeça nimbada de cans, estatura alta e aprumada, atitude calma e digna, todo
absorto em escrever num in-fólio. Por sobre a secretária, tão religiosa-
mente pobre como o banco de pinho da direita, livros e papéis. Ao
fundo, uma pequena estante rareada de livros. Ao lado, a clássica ampu-
lheta cronométrica. Em baixo, a legenda: P. Sebastianus Barradas
egregiae sanctitatis vir scripsit 5 tomos. Obiit 14 Aprilis
anno 1615.
Talvez por equilíbrio estético, que afinal o é também inte-
lectual, avulta ao lado, em tela coeva, de cenário idêntico, outra gloriosa
figura, enroupada na mesma roupeta inaciana: afogueado no seu belicoso
temperamento de puro castelhano o Padre Luís de Molina ocupa-se em
trasladar do seu Comentário á I Parte da Summa 7heologica deS.Tomàs
a audaciosa Concórdia, por estranha ironia o maior pomo de discórdia
que desde há quatrocentos anos surgiu no mundo cultural (0.
Estão ali lado a lado os lentes máximos da Universidade de
Évora, na qual se doutoraram, o primeiro a 7 de Janeiro de 1582, o segundo
em 22 de Abril de 1571, defendendo as conclusões magnas no doutoramento
de Molina precisamente Sebastião Barradas (2), únicos mestres eborenses
cujas feições e amor à ciência a paleta nos legou a par dos régios funda-
dores do Colégio e Universidade do Espírito Santo — Gregório XIII, Car-
dial D. Henrique, D. João I I I e D. Sebastião —e dos ínclitos Doutores —
Santo Agostinho, Santo Ambrósio, S. Gregório Magno e S. Tomás de
1) Concórdia íiberi arbitrii cum gratlae donis, divina praescientia,
providentia, praedestinatione, et reprobatione, ad nonniiUos primae partis S.
Thomae artículos, Doctore Ludovico Molina primário quondam in Eborensi
Academia Theologiae professore e Socíetate Jesn auctore, Olyssipone, 1578.
2) Fr. Stegmueller, Zar Literargeschichte der Philosophie und Theologie
an den Universitaeten Évora und Coimbra in XVI. Jahrundert, in Qesammelte
Aufsaetze zur Kulturgeschlchte Spaníens, 1, 5, pág. 408; José Mendeiros, A neces-
sidade da Incarnação e da Redenção em Luis de Molina, in Lúmen, 4 (1940), pág. 91.
«A C I D A D E D E ÉVORA» 29 —
Aquino — que ainda exornam a secretaria e a reitoria do Liceu fazendo t
a guarda de honra ao Mestre e Mártir do Qólgota.
Aguarde porém Molina ocasião mais oportuna, porque importa,
neste ano que Vai findar, rememorar o IV Centenário do nascimento de
Sebastião Barradas, iuma das grandes luzes com que Deus enriqueceu a
Companhia e com que muito ilustrou a Província de Portugal (^), o Doutor
português mais universalmente conhecido e citado em interpretação bíblica,
e no entanto desconhecido como a maior parte dos restantes!»
Nasceu o Doutor Sebastião Barradas em Lisboa, n à o se sabe
em que dia de 1542. Colegial de Santo Antão, afamado Colégio dirigido
pelos jesuítas, veste a roupeta da Companhia aos 15 anos e ensina muito
novo Retórica e Filosofia em Coimbra no Colégio das Artes (^). Á margem
do catálogo dos professores de Filosofia deste Colégio aparece em 1575
esta observação: «Sebastião Barradas até o segundo ano em que lançou
muito sangue. Foi insigne em composição sobre Escritura e san-
tidade» (5).
Compreende-se esta debilidade corporal à luz da ascética
cristã, em que o nosso Doutor foi exímio. O Padre António Franco,
acreditado cronista setecentista da Companhia, porfia com Jorge Cardoso
em desfiar-lhe o rosário de suas penitências. Ouçamos o último, que não
pode ser suspeito pois não é jesuita: «Inclemente se mostrou sempre
com seu corpo, tomava na noite duas ou três disciplinas, interposta uma
hora de oração entre cada uma delas, dizendo de si enquanto se Verbe-
^) António Franco, Imagem da Virtude em o Nooiciado da Companhia
de Jesus na corte de Lisboa, Coimbra, 1719, pág. 255; Diogo Barbosa Machado, Biblio-
theca Lusitana Histórica, Critica e Cronológica, III, Lisboa, 1752, pág. 680; Steg-
mueller, o. c , pág. 408; José Mendeiros, Vultos insignes da Universidade de Éoora,
in Lúmen, 1 (1957), pág. 477; *** Dr, Sebastião Barradas, in Brotéria, 55 (1942),
pág. 177-186.
Fundado em 1547 pelo grande benemérito da instrução que foi D. Joào III
à imagem do Colégio de Santa Bárbara em Paris, onde El-Rei por sugestão de seu
Principal Diogo de Gouveia instituirá cincoenta bolsas para estudantes portugueses, o
Colégio das Artes teve como primeiro reitor André de Gouveia, futuro patrono do
Liceu de Évora, mestre de Montaigne em Bordéus e considerado pelo grande moralista
francês csem comparação o maior Principal de França». Falecido repentinamente a 9
de Junho de 1548 o ilustre Principal, os mestres portugueses e estrangeiros que trouxera
de França, devido a fundadas suspeitas de mau comportamento moral, foram substituídos
em 1555 pelos jesuítas, pouco antes chegados a Portugal, sendo alguns dos primeiros
jesuítas, como Santo Inácio de Loiola, S. Francisco Xavier, Simão Rodrigues de Aze-
vedo e Pedro Le Fevre (Fabro), antigos discípulos de Diogo de Gouveia. Cf. Lusol
(Amadeu de Vasconcelos — Mariotte), Paris, Invencível cidadela do espirito, Lisboa,
1941, pág. 68 seg.
Stegmueller, o. c , pág. 411.
30 «A C I D A D E D E ÉVORA»
rava as três mil leis, para deslustrar o aplauso que no púlpito conseguia.
E talvez para maior penalidade, semeava o leito de ortigas, para que
nem ali tivesse o corpo refrigério. Era êste servo de Deus tam parco no
sustento como mortificado no apetite, sempre comia o peor, ou tam
quente que lhe empolasse a língua ou tam frio que o achasse desabrido
e menos saboroso ( 6 ) .
Por êstes rigores ascéticos podem-se avaliar os triunfos de sua
apostólica eloquência. Desejou ir missionar na índia; os superiores,
porém, não querendo perder tamanho lustre nos Colégios da metrópole,
não lho consentiram. Então o Padre Barradas, de bordão na mão e alforge
ao ombro, missiona o País, grangeando dos povos os honrosos epítetos de
«apóstolo», «santo apóstolo» e cS. Paulo> (J). Orador tão popular como
académico, foi incumbido da oração fúnebre do Cardial Rei nas exéquias
promovidas pela Universidade de Évora em 12 de Março de 1580. Todavia
de tão retumbante oratória apenas chegaram até nós os ecos, pois os ser-
mões perderam-se todos.
Mas a alma desta eloquência persuasiva felizmente não se per-
i deu : a ciência bíblica que esmeradamente cultivou, mormente no sentido
parenético e moral, e que fez dêle o mais rútilo astro da constelação aca-
démica eborense formada por Brás Viegas (^), Francisco de Mendonça {^)
e Bento Fernandes (^o), exegetas tão ilustres que Franco poude asseve-
rar: «apenas haverá Universidade que os tivesse nesta faculdade mais
eminentes» (^^).
Os tomos que Sebastião Barradas deixou impressos são o espê-
Iho de suas magistrais lições na Universidade eborense, onde aparece já
em 1569 — com 27 anos — como lente substituto, ocupando a cadeira de
Sagrada Escritura de 1581 a 1589 {^^), na mesma altura em que Luis de
Molina atraía de Portugal e de Espanha à sua cátedra de Prima multidões
^) Jorge Cardoso, Agíologio Lusitano, 11, Lisboa, 1657, pág. 56.
7) Franco, o. c, pàg. 264; Dr. Sebastião Barradas, in Brotèria, a. c,
pág. 180-181.
^) Natural de Évora e aluno do Colégio Romano — hoje Pontifícia Univer-
sidade Gregoriana — é reputado o mais ilustre comentador do misterioso Apocalipse.
Sua obra atingiu orne edições em 16 anos, sendo traduzida em etíope. Barbosa Machado
chama-lhe: «Orador elegante, Poeta insigne. Pregador excelente e Escripturista famosoi.
Cf. Bihllotheca Lusitana, I, pág. 549; José Mendeiros, Vultos insignes,
pág. 477.
^) Considerado como <viVo Oráculo da Sagrada Escritura» e cCrisóstomo
da Companhia» por Barbosa Machado, «grande prègador, grande escritor, grande supe-
rior e grande santo» pelo Geral da Companhia Vitteleschi e honrado pelo Padre António
Vieira como seu mestre de oratória. Cf. José Mendeiros /. c.
Êste apreciado comentador do Génesis nasceu em Borba e teve como
irmãos outros dois jesuítas célebres: Bento Fernandes Japão, mártir da Fé no país do
Sol Nascente, e Bento Pereira, celebrado autor da Prosódia. Cf. António Francoí
Imagem da Virtude em o Noviciado da Companhia de Jesus do Real Coílegio do
Espirito Santo de Évora, Lisboa, 1714, pág. 496-497; 856.
11) Franco, Imagem da Virtude.. .Évora, pà^. 281.
12) Stegmueller, o. c , pág. 408.
«A CIDADE D E ÉVORA» 51
de jovens que não perderiam o ensejo de aproveitar as doutas lições de
Barradas (^^).
eóctitot
As obras impressas do Padre Sebastião Barradas s ã o :
Comentaiii in Concordiam et Historiam quatuor Evangelis-
tarum e Itinerarium filio rum Israel ex Aegipto in terram repromissionis,
obras tão apreciadas que a primeira foi reeditada dez Vezes no espaço de
23 anosj contando-se 34 edições de 1599 a 1742: Lião, 8; Antuérpia, 5;
Mogúncia, 5; Coimbra, 4, Bréscia, 3; Colónia, 3; Veneza, 3; Lisboa, Paris,
Augsburgo, cada uma 1 edição; e a segunda. M e d i ç õ e s : Antuérpia; 5;
Colónia, 3;^Lião, 2; Augsburgo, Mogúncia e Veneza, 1 cada.
Êxito tão surpreendente só pode maravilhar quem desconhecer
os rasgados elogios que autorizadas vozes lhe fizeram, entre elas
a do Padre António Vieira que, no sermão da Ressurreição, o canonizou
«doutíssimo comentador da Concórdia Evangélica o Venerável Padre Bar-
radas>. E o insigne exegeta Cornélio a Lapide, citando muitas vezes os
Comentários, não duvida afirmar: *f^Barradius excellit in Moralibus
quae meditationi aeque ac concioni subserviunt» (^^). Do Itinerarium
poude outro notável exegeta estranjeiro, Calmet, escrever que era «um
elegante e luminoso Comentário a todo o Êxodo e na sua opinião a obra
mais perfeita de Barradas* {^^).
Além do manuscrito da Concórdia Evangélica, que se encon-
tra no Fundo Geral da Biblioteca Nacional de Lisboa, n.° 2852, com a
anotação de ter sido escrita em Évora e a data de 1 de Fevereiro de
1588 Ò^), há quatro escritos de Barradas, que a Biblioteca Municipal do
Porto vai publicar, segundo lemos na excelente revista Brotéria i}^). São
as seguintes: Yida do Padre Sebastião Dias (13 pág.); Sentimentos Espi-
rituais do Padre Sebastião Barradas (5 pág.); Oratio habita in Collegio
D. Antonii, anno 1564, cum primarium Rethorices Magisterium age-
ret; Epigrammata latina habita ad Cardinalen Alexandrinum in Aca-
demia Eborensi, anno 1571.
13) Luis de Molina, a-pesar-de ser espanhol, pois nasceu em Cuenca, foi
português por educação, tendo entrado aos 17 anos para o Colégio da Companhia em
Coimbra. De 1565 a 1567 ensinou filosofia no Colégio das Artes, onde a aprendera quando
aí leccionava o célebre Pedro da Fonseca, o «Aristóteles português», e de 1568 a 1584
professou teologia na Universidade de Évora, onde desenvolveu a doutrina da ciência
média — celebérrima explicação do conhecimento que Deus tem dos futuríveis e que
tanta celeuma levantou I Cf.lUosé Mendeiros, A necessidade da Incarnação e da Reden-
ção em Luis de Molina, in Lúmen 4 (1940), pág. 25-36; 86-98.
1^) Cornélius a Lapide, Comentaria in quatuor Evangelia, Lugduni,
1759, pág. 9.
15) Cf. Francisco Rodrigues, A formação inteíectual do jesuita, Porto,
1917, pág. 259.
i«) Stegmueller, o. c, pág. 408; 420.
17) Dr. Sebastião Barradas, 55 (1942), pág. 185 nota 1.
— 52 «A C I D A D E D E ÉVORA»
Sebastião Barradas passou em Coimbra os últimos momentos
de sua operosa vida no agradável convívio com o célebre Francisco Suarez
Granatense, que em 1597 se Viera formar na Universidade de Évora para
poder ensinar Teologia na de Coimbra, o qual, pela muita veneração e
estima que tributava ao grande exegeta, lhe chamava sempre «Velho santo».
Franco, que nos relata como o Doutor Exímio admirava «a rara virtude e
a muita ciência» do Padre Barradas, nota também que «vinham ao Colégio
de Coimbra muitos homens assim naturais do reino como estranjeiros,
para o verem e conhecerem, de vista, como o conheciam de fama» (^s).
Na Lusa Atenas o encontrou a morte aos 73 anos de idade.
Morreu com fama de santo. Seu entêrro foi uma apoteose, nele se incor-
porando o Bispo da cidade. Lentes e estudantes da Universidade, e imensa
multidão que lhe arrancava o cabelo e esfarrapava as vestes para as
conservar como relíquias venerandas. Foi sepultado na igreja do Colégio
das Artes aquele que em vida no mesmo colégio e na Universidade de
Évora reverberara sôbre Portugal e a Companhia de Jesus as mais claras
centelhas do saber e da virtude.
Dezembro de 1942.
(2ónc^o Mendeitoá
Retrato do Padre Dr. Sebastião Barradas
Tela antiga existente na vice-reitoria do Liceu de Évora
A CIDADE
DE ÉVORA
ií
Esláfua levantada em homenagem a Luiz Camões
pelo tricentenário da sua morte—liiiiU
Praça de Giraldo de Évora
A CIDADE
DE ÉVORA
«A CIDADE D E ÉVORA» 33 —
Aionumentoô de -í-lomencL^em
OS eborenses de hoje, ao tomarem conhecimento da gloria dos seus
antepassados e dos feitos brilhantes na nossa terra ocorridos,
admiram-se, muito naturalmente, da ingratidão de tantas gera-
ções que não perpetuaram em monumentos a memoria desses varões ou
a importância desses factos.
Apenas dois monumentos — dois bustos — existem hoje em
Évora: ao dr. Francisco Barahona e a José Cinatti.
Um monumento erguido numa praça ou num jardim, além de
representar um acto de justiça, é sempre uma abonação das qualidades
de patriotismo ou gratidão da localidade em que se encontra.
Muito teria a escrever sobre tal assunto, como muito já tenho
escrito, se neste artigo não desejasse, apenas, dar notícia dos actuais bustos e
de duas estátuas que desapareceram. Duas estátuas, ambas de efémera dura-
ção, prova cabal da verdade do velho princípio que: os extremos tocamse.
£òtâtua. V, -f^^onòo 1/
Quando em 1471 D. Afonso V se encontrou no cêrco de Arzila,
como as coisas nào lhe corressem muito á feição, fez a Nossa Senhora do
Espinheiro uma promessa, a cumprir no caso da Victoria lhe sorrir.
Assim aconteceu, e então o terceiro rei da dinastia de Aviz,
mandou executar, por artista de nomeada, a sua estátua em práta, a qual
foi oferecida ao mosteiro que, treze anos antes, fora edificado pelo bispo
D. Vasco Perdigão, nos subúrbios da cidade.
Essa oferta consta que era: — estátua de prata a cavalo lavrada
com exquezito primor, e artifício.
Anos depois, reinando D. João I I , em 1490, um Prior do Con-
vento, necessitando dinheiro para obras, vendeu a estátua por bom
preço, transformando seus primores e artifícios em corredor espaçoso e
bem arejado.
^átâtucL de (2a.môei6
Em 1880, pelo trí-centenário da morte de Camões, os eborenses
pensaram em homenagear duma forma extraordinária a memória do auctor
dos «Lusíadas».
Curiosa ^geração essa, que viu derrubar algumas das melhores
preciosidades de Évora sem um gesto de repulsa e tratou de levantar ao
poeta um monumento... em papelão!
Ao centro do taboleiro da praça de Geraldo, sobre uma alta
coluna, foi colocada a estátua que devia ser uma reprodução da inaugu-
rada em Lisboa.
— 54 «A CIDADE D E ÉVORA»
Não se lembraram, porém, os conspícuos homenageantes do
vate, da irregularidade do tempo nesta região, pelo que uma inesperada
I noite de chuva encurtou a fixada duração á estátua que, consternados,
viram transformada em informe massa.
/Suáto de (2in(ítti
Em 1863 veio para Évora o arquitecto e pintor italiano José
Cinatti, encarregado de dirigir a construção do palácio que o lavrador
José Ramalho Diniz Perdigão queria edificar ao fim da Rua do Paço.
A instâncias dêsse benquisto eborense, o artista italiano pronti-
ficou-se a fazer o projecto para a criação de um grande Jardim Público,
mesmo em frente ao palácio referido. Aceitou a Câmara tão valiosa oferta
e Cinatti entusiasmou-se por tal obra, a pontos de tomar a sua direcção
sem quaisquer encargos para o município.
Do muito carinho com que Cinatti se devotou ao Jardim Público,
dá mostra eloqíiente a seguinte passagem, extraída do livro de actas da
Câmara Municipal, referente ao ano de 1867:
— «Que a Câmara dê ao ilustre artista José Cinatti uma prova
í bem pública da consideração e estima em que o tem pelos relevantes ser-
viços prestados ao Município de Évora
Que se lhe ofereça em nome do povo uma medalha de oiro,
com as armas da Câmara e a legenda:
Ao artista José Cinatti a cidade d'Evora reconhecida — des-
tinada a perpetuar a memória de reconhecimento do povo eborense>.
Da entrega dessa medalha se encarregou o sr. visconde da Espe-
rança, em nome do município.
Évora ainda ficou devendo ao carinho do notável artista dois
outros assinalados serviços: a consoh'dação da formosa galilé da igreja de
São Francisco e o aspecto actual do Templo Romano.
Durante anos trabalhou o devotado amigo desta cidade Dr.
Augusto Filipe Simões no sentido de que se derrubasse tudo quanto de
adventício ofuscava a pureza do romano. Várias foram as entidades
consultadas, diversos os pareceres emitidos ácêrca dêsse problema de arte.
Foi decisiva a intervenção de Cinatti, que dirigiu as obras da
limpeza do templo, cuja fundação se perde nos primeiros séculos da
era cristã.
A construção do busto de Cinatti deve-se a uma comissão com-
posta pelo médico João Baptista Rollo e por António Pereira da Silva,
Joaquim Limpo Esquivel e Augusto César Franco.
A cerimónia inaugural realizou-se pela 1 hora da tarde do dia
4 de Maio de 1884, com a assistência das autoridades civis, eclesiásticas
e militares, e muito povo.
Da família do homenageado, que já falecera, deslocaram-se a
Évora diversas pessoas, entre as quais o genro Alfredo Keill — que anos
mais tarde compôs a música de A Portuguesa.
Antes do descerramento do busto — obra de Simões de Almeida
«A CIDADE D E ÉVORA» 35
— proferiu um entusiástico discurso o advogado eborense dr. Manuel da
Rocha Viana que, sendo presidente da Câmara no biénio de 1870-71,
foi quem permitiu a limpeza do Templo Romano.
No seu palácio nesta cidade faleceu ás 8 horas e 20 minutos i
do dia 25 de Janeiro de 1905, o dr. Francisco Eduardo de Barahona Fra-
goso, a propósito de quem foi dito, no dia seguinte, no Noticias d'Évora: i
«Com o desaparecimento do dr. Barahona muito perderão os
artistas e os operários, pois que nêle tinham um protector e um amigo, que
lhes facilitava os meios de subsistência, facultando-lhes trabalho quotidiano.
A cidade perdeu um filho benemérito, pois que ele, ao passo
que dava trabalho, com as suas edificações aformoseava a cidade e aumen-
tava os cómodos para os seus moradores.
A pobresa envergonhada encontrou sempre nêle um protector,
que não só lhe en?^ugava as lágrimas, como concorria para a educação
dos seus filhos...
Para testemunharmos o que dissêmos, basta lembrar o que êle
fez para assegurar a conservação do templo de São Francisco, os prédios
que êle fez surgir dos escombros do seu extinto convento; o edifício com
que dotou o Asilo da Infância Desvalida; o número de rapazes que subsi-
diava para a obtenção de uma honrada profissão; os trabalhos esculturais
e de ourivesaria que se admiram no seu palácio; o número de desgraçados
que sob a sua protecção recebiam sustento e abrigo..
Extraordináriamente reuniu a Vereação da Câmara Municipal —
de que o ilustre finado era presidente — que, por unanimidade, aprovou
uma moção apresentada pelo vice-presidente. Augusto Cândido de Cam-
pos Ennes, da qual, entre outras, constava a seguinte proposta:
— Que em ocasião mais oportuna se nomeie uma grande
comissão para angariar os meios para se erigir um monumento ao
grande benemérito desta terra.
Novamente em sessão extraordinária, reuniu a vereação em 8
de Julho, deliberando que a comissão fosse composta pelos presidentes
de todas as corporações, institutos de caridade e beneficência, imprensa
e associações existentes nesta cidade, tendo a faculdade de agregar a si
todos os demais indivíduos que entendesse e nomeasse fóra do concelho
as sub-comissões ou delegados de que carecesse.
A 16 efectuou-se essa grande reunião, em que, por alvitre do
Visconde da Esperança, foi nomeado presidente da Comissão o sr. Cam-
pos Ennes, com faculdade de escolha de colaboradores, sendo a Câmara
a entidade responsável pela execução do monumento.
Porém, passaram-se alguns meses sem o mínimo sintoma de
trabalho pró-monumento.
Nêsse mutismo se chegou ao dia do 1.° aniversário do faleci-
mento do dr. Barahona, dia em que se realizou uma imponente manifes-
tação junto ao seu jazigo.
Não só os comerciantes encerraram as portas dos seus estabe-
lecimentos, como as repartições públicas estiveram fechadas em virtude
•
— 36 «A CIDADE D E ÉVORA»
de determinação dos ministros do reino e das obras públicas. No cemi-
tério fizeram uso da palavra vários oradores, entre os quais se destacou
o dr. Evaristo Cutileiro, que afirmou:
«Basta, basta e basta. Concedo-lhes um breve praso; se se nào
i apressarem em cumprir esse dever aqueles a quem ele compete, irei eu,
de tugúrio em tugúrio, pedir o óbulo do operário para o monumento que
o povo quer que se levante ao dr. Francisco Eduardo de Barahona».
^ Noticias á'Evora rematou da seguinte fórma a reportagem
dessa manifestação:
Foi comovente a nota final. Um sacerdote muito respeitável
pela sua ilustração e virtudeSy o venerando padre Inácio Branco, abra-
çou o dr. Cutileiro, louvou-lhe a nobre iniciativay e disse que ele fora
fiel intérprete do sentir de todo o povo eborense.
Talvez como consequência destas palavras, em 21 de Fevereiro
de 1906, houve uma concorridíssima reunião numa das salas do «Teatro
Garcia de Rezende». Presidiu o então Arcebispo de Évora, D. Augus o
Eduardo Nunes, sendo eleita uma grande comissão composta por: Presi-
dente da Câmara, Cónego Alfredo César d'01iveira — director áo Noticias
d'Evora, que fundára com o dr. Barahona —dr. Evaristo José Cutileiro,
Ambrósio Vaz Coelho, D. Ricardo Vilardebó, Francisco Dâmaso da Fon-
seca Varela, Francisco José Alves da Silva, Luís Nunes Varela, Eduardo
Vidal Ribeiro, Manuel dos Santos índias, Sebastião José Anes, Olimpio de
Mira Coelho, Bernardino José Barbosa, António Simões Paquete, Romão
do Patrocínio Ramalho, Joaquim Francisco da Silva, José Roma Pereira e
Augusto do Nascimento Salgado, estes dois últimos, respectivamente, com
os cargos de tesoureiro e secretário.
Foi também nomeada uma comissão delegada, ou executiva,
constituída por: Presidente da Câmara, Cónego Alfredo César d'01iveira,
dr. Evaristo José Cutileiro, Ambrósio Vaz Coelho, Romão do Patrocínio
Ramalho, D. Ricardo Vilardebó, António Simões Paquete e Luís Nunes
Varela. Para secretário e para tesoureiro foram escolhidos os últimos.
Começaram, então, de Verdade, os trabalhos pró-monumento.
Foram profusamente espalhadas as listas de subscrição, sendo
esta aberta pela Câmara Municipal que se inscreveu com 500$00.
Milhares de pessoas contribuíram para o monumento, desde o
rei D. Carlos —100$00 — até aos mais humildes habitantes de Evora que
deram vinténs. Foi, igualmente, avultado o número de operários da cons-
\I • trução civil que se inscreveram com dias de trabalho.
Atingida a verba de 4.000$00, foi aberto concurso, em Lisboa,
para apresentação de projectos para o monumento.
A primeira classificação dêsse concurso coube ao projecto apre-
sentado, sob a divisa Liberalitas Julia, da autoria do escultor Simões de
Almeida, Sobrinho e do arquiteto Alfredo Costa Campos.
Os trabalhos de arquitectura foram executados, debaixo da
direcção dêste artista, nas oficinas de J. Moreira Rato & Filhos; os de esta-
tuária foram feitos por Simões de Almeida e António Ribeiro, nas oficinas
de Caetano N unes. A fundição do busto foi feita por Rodrigues Venâncio.
A primeira pedra do monumento foi lançada em 2 de Dezem-
bro de 1907.
Como a chuva caísse torrencialmente, os convidados reiiniram-se
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