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1
I
11
Évora
Cicace de Porfuqa
lllusfrada.
m
Évora illusfrada
Com noHcias anHgas e modernas,
Sagradas e profanas.
Tocamse alguas do reino, necessárias
pera melhor infeligencia
do q se [racfa.
Dedicaa,
A quem a mesma Cidade [oi dedicada
per elrei dom A[[onso Henriques
á Sacraíissima Virgem May de Deos,
MARIA,
Rainha universal do mundo todo
O M.^ Manoel Fialho da Comp." de
JESV.
«A CIDADE D E ÉVORA» 91 I
Primeiro forno
dividido em quafro parles.
Primeira paríe:
descrevese em geral a Provincia do Alemfejo,
e a Cidade de
Évora.
Segunda parfe :
desce ao particular da Cidade,
desde sua [undaçam aíhe a vinda de Chrisío nosso Deos.
Começa no num. marginal 54.
Terceira parfe :
da vinda de Chrisfo Redempfor nosso,
afhe a morte delrei D. Fernando em o áno de 1383.
Começa no num. 362.
Quarta parte:
desde o anno de 1383,
athe o de 1481, e morte
delrei D. A[[onso 5.°.
Começo no num. 916.
Ao Leitor
Ao Leitor
Benévolo ou Malévolo
Leitor, benévolo, como desejo, ou malévolo, se tu o quiseres
ser, pouco importará chamarte amigo, se tu, ainda q sem merecimento
meu, quiseres ser inimigo. Ha génios, q se não Jomesticam, nem com a
industria dos affagos, nem com o penhor dos beneficios. Eu nem tenho
posses p."" te obrigar com beneficios, nem arte p.^ te ganhar com affagos.
Saberás, pois, amigo ou inimigo, q eu nam te dou aqui Historias nem me
vendo por Historiador; só te quero apprezentar aqui juntas alguas noticias,
q desta cidade de Évora achei espalhadas. Se lhe fizeres bom agazalho
offerecerte hei o segundo tomo, q chegue athe os nossos tempos; e o 3.°
q constará só das noticias do Coll.° e Un.^^ da Comp.''' de JESV; e uhi-
mam.*® irá no fim da procissam o 4." tomo, q constará de todas as Igrejas
e Conventos, q ha na Cid.^^ E venho a diser q só sou hum mero
collector. Porem, se me dás licença, direi q faço o q faz a abelha: de
Vários prados e de toda a variedade de flores, tira ella o seu doce mel
p.^ o ajuntar no favo p."" seu domno. Nam te chamo domno e senhor meu,
porq temo q nam queiras servo tam inútil e tam vil escravo. Se gostares
do mel, aqui to offereço; se não gostares, mas antes fizeres delle fel e
veneno, direi q es aranha, q nas mesmas flores do mel achas a peçonha.
Sam os génios de cada hum, como a natureza, q tudo quer converter em
pó, e o converte sedo, ou tarde. Se tens génio de abelha, acharás sempre
mel, se de aranha, já sei q tudo converterás em peçonha. Muda o génio,
e mostrarás q tens bom gosto, e tudo te será suave e doce, como o mel;
e se não queres, ficate como quem es e como quiseres ser.
94 «A C I D A D E D E ÉVORA»
Eu não espero converterte o génio. Já se o teu he daquelles q
em tudo o alheo roem e mordem, sem o poder tragar, porq lhe amarga
sempre mt.° tudo o q de algum modo pode servir á alhea gloria, desespero
totalm.*® de tua conversam. Assim hade acabar, quem assim começou.
Mas advirtote q estes taes p.*^ ham de acabar e p.*° acabam
em si, porq não querem acabar comsigo, contentarse de algíía cousa, q não
seja sua. E por mais q queiram acabar com as alheas, mais as illustram;
porq sendo ellas roidas e mordidas desses taes génios, porisso mesmo
ficam, como a prata ou como o ouro, mais luzidas, porq mais provadas e
examinadas no crizol do fogo da enveja, q sempre dá lustre a tudo, o q
quer deslustrar, abrazar e consomir. Morde e roe quanto quiseres nessa,
q julgas // q julgas pedra, com q te faço tiro; q á mam, creo, nào que-
rerás chegar, porq desse teu génio, se he maligno, creo não quererás
chegar a quem te conheça, porq sabes q bastará ser conhecido, p.^ ficares
corrido. Mas digote q o fallar só em absentia e pellas costas he de covar-
des, q nisso mesmo confessam q não tem partido, p.^ combater ou debater
senão só consigo. Sobre tudo digote q tenho tam pouco medo do teu génio,
qualquer q elle seja, q, p.^ q tenhas mais matéria em q o exercites, te
offereço não só estas noticias, q ahi vam espalhadas, mas também todo o
meu génio, intento e motivos, q tive, p.^ aqui tas offerecer. Tudo representa
o prologo seguinte.
Prologo
l
He tal o meu génio q nunca soube dissimular, ou fingir,
nem ainda esconder os intentos. Aqui quero faser hua confissão
geral, ainda q mt.^^ vezes tenho Visto q a lhaneza deste génio
costuma dar na cabeça. Eu, ordinariam.*^ menos sinto hum
desgosto do q sentirei ser, ou ser tido por dissimulado e fingido.
Pareceme esse génio espécie de mentira, e os q o tem me
parece q aborrecem a luz; e só gui male agit, ordit lucera.
Direi pois, e confessarei aqui ingenuam.t^ ^ §^01 refolho, todo
o meu intento em ajuntar estas noticias.
O meu p.° intento foi dar hum catalogo dos Prelados
desta Cidade de Évora. Sentia o não chegar o illustrissimo Dom
Rodrigo da Cunha a ser Prelado desta S.*^ See, ou não gozar
ella, nem merecer esta tal Prelado. Illustrou elle com seos
eruditíssimos escriptos as Igrejas do Porto, de Braga e de Lis-
boa, porq se gozáram ellas delle; o mesmo faria em Évora se
esta o merecesse; porq o nam mereceo ficou ella sem o lustre,
q elle lhe daria. Antes, ou despois delle, houve já alguns q
intentáram este mesmo assumpto de Évora, mas nàò sei q
saissem com elle a luz. Com estes intentos tive dezejo de o
faser, não porq presuma acompanhar, nem ainda seguir de
longe, os intentos destes últimos, ou a execução do Illustr.°
Cunha; nam tenho capacidade, nem disposição // nem dispo-
siçam, nem meios, nem animo p^ me attrever a tanto; mas tive
p 96 «A CIDADE DE ÉVORA»
a! curiosidade, p."" ajuntar o q achasse espalhado, e attreviame
a o offerecer a quem o quisesse ver, julgando ficaria assim o
assumpto mais fácil a quem se désse por convidado p^ o em-
prender. Com este intento comecei a observar o q podia servir
e sair; mas deseperei de achar as noticias, q eram necessárias
p^ o intento. Muitas vezes me queixo desta falta, pello discurso
dessas noticias, principalm.*® no numero marginal 482, em t]
procuro livrarme da culpa, q de minha negligencia se me podia
imputar nesta falta. Supposta pois esta falta, q eu nào posso
remediar, resolvime a dar juntam.*^ as noticias de tudo o q
achasse pertencente a Évora, ecclesiastico e secular, profano
e sagrado; e assim achará aqui cada estado o q lhe pertence,
do q encontrei, e ficará isto tudo junto, p^ mais facilm.*^ empren-
der o assumpto, quem tiver essa curiosid.®
Muito me impellio a esta resoluçam o andar nas mãos
de m.to5 hum cartapacio com o titulo de Antiguidades de Évora
e Aurora Eborense, no qual gostei e gostam m.*^^ de achar as
fabulas dos poetas, pello empenho com q estam applicadas
quasi todas a esta Cidade. Mas, porq o curioso q assim as
applicou entremeteo alguas historias verdadeiras (a quem as
lee talvez não poderá discernir as verdadeiras das fingidas)
quis eu apartar huas das outras: preciosum a vili: as verda-
deiras, q merecem toda a estimação, das fingidas, q podem
enganar tendose per verdadeiras.
A verdade de tudo o q digo nestas noticias só a posso
provar com a dos Autores de q tirei tudo o q digo; de minha
caza affirmo seriam.*^ q nada accrescentei, e quando, p* ajustar
os sucessos, ou suas circunstancias, porq nem tudo estava ajus-
tado. Quando accrescento algua cousa, logo e sempre o digo,
como conjectura minha, disendo q assim o conjecturo, ou q
parece, ou uzo de alguns semelhantes termos; tudo o mais em
q nam entra algua destas reflexões, he dos Autores.
Alguas noticias, ou circunstancias se acharâm contra o
q disem alguns Autores. Não se cuide poristo q eu os contra-
digo de mim, ou q as invento; digoas seguindo a outros Autores,
q me parecem mais ajustados ás matérias, de q se tracta; e não
ha duvida, q alguns modernos descobrem ás Vezes mais, q
alguns antigos. Resoluto estive em ir citando á margem os
Autores de quem ia tirando // tirando cada hua das noticias;
mas deixeime disso por me parecer proluxidade; e ultimam.*^ me
arrependi de o não ter feito, mas foi já tarde; e assentei comigo
«A CIDADE DE ÉVORA» 97
q quem me não quisesse dar credito, também o não quereria
dar aos outros. Todavia, nas matérias de mais consideraçam,
alguns allego. M.t"« ha q, porq fogem da verdade, cuidam q os
outros seguem a mentira: quem falia verdade cuida q todos a
faliam; quem cuida o contrario mostra q no seu fallar o segue;
no crer se ha como no fallar.
Vou geralm.t^ seguindo a ordem dos tempos, mas de
sorte q m.*^s vezes os troco, quando me parece pedillo assim
a integridade ou as circunstancias das noticias, q vou apontando.
Do estillo só digo q elle mesmo se está declarando, sem affecta-
ção algua, fluido, corrente e cham, assim como o deu a pena,
da qual posso diser q he calamus velociter scribentis. Que
affectação podia haver em quem escreveo todas as noticias, q
vam neste tomo tal qual he, buscando e preparando as matérias,
de q só tinha noticias geraes, sem ter sequer os appontamentos
delias, e as tresladou outra vez, tudo em quatro mezes menos
dez dias? E tudo isto sem faltar ás obrigações do estado q
professa, e sendo obrigado a benzerse em publico e sobir ao
púlpito outo vezes, e tornarse a benzer mais quatro vezes de
Cadeira, aqui com practicas, alli com pregações. Perguntado
hum discreto em semelhante causa, como pudéra escrever
tanto ?, respondeo q fallando pouco, escrevendo pouco e dor-
mindo pouco. A esta ultima circunstancia, pudera accrescentar
também: comendo pouco; porq a parcimonia no comer he causa
de pouco dormir; o fallando pouco entendiao elle em as con-
versações escuzadas; o escrevendo pouco explicavao com o
não escrever cartas só por correspondência; e assim o fasia por
approveitar o tempo.
Bem sei q alguns poem a virtude e o fazerem bem o q
fasem, em o fazer devagar, porq os Vagarosos sempre gánham
opiniam de considerados, e porisso alguns Autores se jactam
de q gastáram tantos e tantos annos nas suas obras, e appli-
camse a si o celebre ditto sat Cito si sat bene. A todos estes
he encontrado o meu génio: só segue a volta de sat bene, si
sat cito. Nam pertendo gabarme, nem q me louvem; porisso
digo q escrevi depressa e nâo devagar. Nam vendo, nem avalio
esta obra // esta obra (tal qual he) por boa; doua assim como
ella he e assim como ma deu a pena e o génio. Este meu, natu-
ralm.t^ aborrece os vagares; escudandome com q athe o vender
a Christo nosso Deos, quis o mesmo Senhor q Judas o fizesse
depressa: quodfacis fac citius. Não podendo querer o acto da
w 98 «A CIDADE DE ÉVORA»
ff' Venda, quis a pressa delia. Sinceram.*^ escrevo o q acho. Só tracto
de q se entenda, e dezejo fogir de tudo o q he affectado — nada
a kl do affectado satisfaz ao meu génio. Nào nego q os accidentes
ornam m.t^, mas eu só faço caso da substancia das cousas: esta
busco e dou; aborreço aquelles sempre q os conheço affectados.
Os enfeites só sam necessários a quem conclue q lhe falta o
ser e a boa substancia. Sem roupas quer ser vista e he conhecida
a verdade; assim parece e apparece melhor. Q > mais a vestem
e cobrem, tanto mais a encobrem; q.*^ lhe dam de accidentes,
tanto lhe tiram da substancia, senão quiser alguém diser q nelle
todos os accidentes sam mortais. Quanto mais q eu creo de
mim, q por mais vagar q tivesse no escrever nem porisso faria
melhor letra, porq he o meu génio tam limitado q o pouco q
tem q dar logo o dá todo junto. Achei q me diffinio o génio
diffinindo o seu o doutíssimo Luleta no prologo ao leitor dos
seos eruditíssimos Comentários á Epistola do Apostolo S. Tiago:
Stilus (diz elle) stilus nullo adscititio ornata floret, sed
nativo disserít culta; quiq rem explicet non viliter demissus^
nec affectaté eloqiiens, extemporanee quidem efflaens: genius
enim meus horret meditatissimas istas compositiones: is
enim est, ut quce daturus est, statim det, non daturus meliora,
morosiori relictus pensitationi. Este he o meu génio.
Nos homens sam tam vários, encontrados e ainda con-
traditórios os génios, quanto o sam as caras, trajos e paladares;
porisso não he possível, q saya ou seja tudo ajustado ao modo de
todos, nem ainda ao dos mais. Basta q satisfaça isto ou aquillo a
alguns, com isso me satisfaréi, se la chegar. Dessa mesma diver-
sidade ou adversid.^ misturada com mais nào sei q, nasce de-
saggradaremse os mais de tudo o q he alheo e julgarem errado
tudo o q se apparta ou não ajusta com o seu. Que se poderia
diser de hum homem, q quisesse q as caras todas fossem como a
sua e tivessem as mesmas feições e cores, sejam quais forem?,
q quisesse q todos Vestissem como elle e da mesma peça,
cor e feitio?, q quisesse q ninguém gostasse senão do q elle
gosta, e com o mesmo tempero ou insipidez? Sem duvidar
diriam todos desse tal q só do seu (bem ou mal) se aggradava.
E o certo he q quem menos tem q possa apparecer, esse he o
q mais desfaz nas cousas alheas, porq não appareçam. Porisso
disia S. Clemente Alex. q era impossível q algum escripto
(e eu digo q algua obra ou acção) deixe de ter quem a encontre
e desdenhe. Esse he o génio de alguns q eu lhe não posso
«A CIDADE DE ÉVORA» 99
louvar, porq he de roer e morder, e estes certam.*^ mordem e
roem mais no seu do q no. alheo. Como já disse, a si se faz o enve-
joso mais mal do q aos outros, mas fiquemse esses m.**^ embora,
ou em maa hora, com esse seu génio. Eu, por querer fogir
dessa inclinação, quero mais q me mordam e roam do q roer
e morder; mais quero darlhe q faser do q elles o dem. Resol-
vamse a dallo e Veremos o q sam e o q tem de seu. Ainda
assim digo e creo q nestas noticias se acharâm m.*^^ cousas, q
merecem ser riscadas, ao menos emendadas. M.^^ emendei e
risquei, porq conheci q o mereciam; assim quisera riscar e
emendar todas as semelhantes; façao quem as conhecer, mas
façao só por acodir p.^^ verd.^ e não pJ^ seu génio. Nam tive
a ventura q aggradece Joam Vasco no Cap. 6 dos preâmbulos ás
suas chronicas de achar e ter a quem pudesse consultar, e
também o dirigisse e ajudasse, e ainda lhe buscasse e houvesse
os livros q lhe eram necessários, entrando nesses benfeitores
o mesmo Cardeal Infante e nosso arcebispo o s.^^ D. Henrique.
Desta falta me queixarei por lá m.^^s vezes, e porisso não será
m.*^ q haja m.*° q emendar. Mas também aggradecerei as poucas,
q encontrei essa ventura, nomeando aos benfeitores, q com
algiia diligencia concorrerão p.^ estas noticias. No entretanto digo
q eu só desejo acertar com a verdade; e ainda q Vejo q anda nas
mãos e nas meninas dos olhos o estillo culto, enfeitado, e affectado
de alguns autores, q talvez // q talvez fazem mais caso dos
accidentes, do q da substancia da Verdade, ainda assim entendo
(bem ou mal), e certam.*^ temo q, se com esses accidentes, por
mais vistosos e bem vistos q sejam, com esses pensam.^^^,
affectações, discursos, metáforas e rhetoricas, nam periga a
Verd.^ ou se falta a ella. Ao menos não vay ella tam liza e pura,
como ella mesma pede, quer e manda. Porisso tudo dezejo
seguir o ditto (não posso imitar o estillo) do R."'^ bispo Ozorio,
e ainda de Pomponio, q disiam q mais queriam o credito de
verdadeiros do q o louvor de elegantes. Melhor ainda, porq
positivam.*^ disia S. Hieronimo que melhor lhe pareciam as
verdades toscas, q as mentiras elegantes. Siga cada hum o seu
génio, mas advirta q não poderá obrigar a todos, q lho sigam,
nem o deve querer.
6 Divido este tomo de noticias em partes e em capiíolos,
p.^ melhor disposiçam e comprehensão, e ainda p.^ excitar ou
entreter a curiosid.^ com os títulos dos capitolos; mas tudo vay
debaxo da mesma ordem de números marginais, p.^ melhor uzo
MUNICIPAL «A CIDADE DE ÉVORA»
100
dos índices, q vam no fim, por me escuzar e aos leitores do
enfado de allegar e buscar Parte, Capitulo e Numero, q sempre
enfada mais do q buscar só o numero q vay á margem, e assim
também ficão os Índices menos sogeitos aos erros da impressam.
Alguns números saíram maiores, ou porq o pedia a matéria, ou
porq foram despois accrescentados, por apparecerem mais tarde
alguas circunstancias. Vay e he o pJ^ indice, dos Autores q
tractam pouco ou m.*° do nosso assumpto; não quero diser q os
vi todos; vi m.*os menos q os menos, mas vi todos os q pude
haver ás mãos. Se Vira mais, mais tivera q escrever e escrevera
mais devagar, ou em mais tempo; a todos nem eu os poderia
haver nem ver.
Supponho q só servirâm estas noticias de borrâm, q de
algum modo possa // possa servir a quem mais de propósito,
com mais vagar e certamente com melhor mam se puser á obra.
No entretanto fico tractando do segundo tomo, q chegará, se lá
chegarmos, a nossos tempos; e por fim de tudo, como coroa,
iram as noticias dos Conventos, Comunidades e Templos Sagra-
dos de toda a Cid.^ no 5.° e 4.° tomo. O Senhor Deos nos dee
a todos sua divina graça, q tudo o mais em seu respeito nada
Val, nada importa. Aquella dezejo p.^ mim, e p.''' todos; e essa
nos bastará, como disia S. Bernardo: de todos todo em o Senhor:
• Manoel Fialho.
r•
1111
nfrod uccam
Pareceome q a melhor introducçam, q podia dar a estas
noticias, era hum elogio, q da Cidade de Evora fez e trás entre
os seus discursos politicos o eruditíssimo antiquário e m.^^
Rjdo Manoel Severim de Faria, dignissimo Chantre desta metro-
politana See, a folhas 289, discurso 8.°. Advirto aos curiosos,
ou incrédulos, q o autor deste elogio apponta lá á marge os
autores de quem tirou o q nelle diz, e lá os podem ver. Eu
contenteime com appontar aqjii á marge os lugares em q tracto
das mesmas noticias. O numero he o marginal. Fica ditto q não
uzo de outro modo de me allegar. Lá p.^^ texto allego alguns
autores, quando o julgo mais necessário.
E L O G I O DE E V O R A
No meio da provincia do Alemtejo está situada a Cidade
de Evora em hum ponto tam eminente, q fica senhoreando os
campos, q a cercam por toda a parte, athe pararem em quatro
serras, com q a natureza em larga distancia a cercou, quasi
como muro: da parte do Oriente a serra de Ossa; do meio dia
a de Portel e Viana; do Norte a de Arrayolos; e do Occidente
a de Montemuro. He este sitio tam aggradavel á Vista, q aos de
Itália lhe pareceo q era Roma, e aos de Castella o seu Madrid
56. e Toledo. Esta he aquella Cidade, q, sendo fundada por Eliza,
primeiro fundador de Hespanha, tem sustentado // sustentado
por tantos annos o mesmo nome e lugar, quando das metrópoles
das maiores monarchias não se sabem já os vestigios donde
57. foram. A fama deste sitio trouxe a si da Gallia aos Celtas, a
quem admittindoos os Eborenses por Cidadãos, os dividiram
despois pellas províncias vezinhas, reconhecendose sempre por
64. colónias suas todos os Celtiberos de Hespanha. Esta he a
Cidade a cuja vista Viriatto levantou os p.*"^'^ trofeos dos desba-
97. ratados exércitos Romanos; e Sertório edificou os muros,
aquaductos e fabricas Corinthias dos despojos daquelle povo, q
«A CIDADE DE ÉVORA;
504, ect. foi vencedor do mundo, adquiridos com os soldados Eborenses,
e q ainda hoje permanecem por testemunhas de tamanha gloria.
Este he o lugar, em cujo nome quis o p.''^ Emperador
de Roma q ficasse eternizada a memoria de sua liberalidade.
Esta foi a Cidade q p.^° ouvio as alegres novas do Evangelho,
e delia, como de sede própria, as recebeo por S. Manços toda
a Lusitânia.
374, 576. Esta foi o propugnaculo dos Reys Godos contra o
império. E naquella grande ruina ultima de Hespanha, posto q
380. se sobmeteo ao poder dos Árabes, ainda despois de rendida se
759. temeram tanto delia, q leváram a principal parte dos seos mora-
dores a Marrocos, cabeça da sua monarchia, onde os Eborenses
394. fundáram outro lugar com o nome da mesma pairia, em q con-
546 a 588. servaram a fee e a liberdade por m.*^^ séculos, alhe q no tempo
delrei D. Joam o p.^° se tornáram a Hespanha. Nenhua força
671. pode recuperar esta inexpugnável fortaleza, e assim só foi
restituída p.^^ industria intrépida de Giraldo illustre Cavalleiro,
q com ella deu aos Reys Portugueses a maior parte da Lusi-
tânia. Esta foi a p.^^ em defender a liberdade de Hespanha
naquela milagrosa batalha do triumpho da Cruz, onde seos
moradores se houveram com tanto valor, q a mesma Cruz ihe
ficou por premio em perpetua memoria de tam glorioso triumpho.
Na conservaçam da liberdade Portuguesa foi ella a p.^^ q sérvio
a elrei D. Joam o p.''^ despois q intentou a defensa do reino.
Aqui foi praça de armas do Condestavel, com cujos
639. moradores alcançou tantas victorias. Aqui permanece a p."
Igreja de Hespanha, illustrada com tantos Sanctos e gravissimos
304, etc. Prelados. Esta foi a pátria // a pátria de tantos varões insignes
Tomo 2.0 e 5.°
vbelijoat-esceaBi- em letras, onde florecem todas as sciencias divinas e humanas.
Esta he aquella, q produzio a real planta da Senhora infanta
I
Dona Catherina, donde refloreceo com maior felicidade a nossa
11
372. monarchia. Esta foi a p.**^ q teve valor p.^ desprezar o poder
11
da monarchia Castelhana, a cujo exemplo deve Catalunha a
conservação dos seos foros e Portugal sua honrosa e amada
708 e 743. liberdade. E finalm.^e Évora he a q com a Restauração do seu
Rey e natural Senhor tem descuberto outro novo mundo a todas
as provindas da Europa.
Athe aqui o eruditissimo Severini de Faria.
Profesfo
Antes q entremos a dar estas noticias protesto q aos q
nelias chamo Sanctos, ou Mártires, ou milagres e a tudo o mais,
não pertendo, nem he minha intençam darlhe mais autoridade
q a q lhe dá a IgJ^ S}^ Romana, ou a fee humana dos Autores,
q escreveram e de q tirei estas noticias. Em tudo e por tudo
me sogeito a todas as Leys e preceitos da S.*^ Ig.^^ Romana, q
só pôde dar autoridade Verdadeira e diffinir o q por fee divina
devemos e podemos crer.
Manoel Piatho.
1
• W\
J1•
I
1
I.
li
Evora i uslrada,
Com noHcias anHgas e modernas,
Sagradas e profanas.
PRIMEIRO T O M O :
Comprehende 3645 annos, pouco mais ou menos,
desde sua fundaçam, ano de 2164 aníes do Redempfor,
aíhe o anno do Senhor de 1481,
e morre delrei D. Affonso 5°
PRIMEIRA PARTE
Descrevese em geral a provincia do Alemfejo
e a Cidade de Evora.
Capifolo primeiro:
Começase a descrever a provincia do Aiemtejo,
seu sitio, demarcação e reli^am.
Ao reino de Portuj^al e suas ex- Tejo; álem do Guadiana estam as villas
cellencias descreveram m.tos. Eu, q só de Olivença, Mouram, Moura, Serpa
pertendo appontar as de q achei noti- e outras terras, sendo hoje de Por-
cias, da Cidade de Evora, só julgo ne- tugal, pertencem por vezinhança á
cessário descrever a provincia do mesma provincia, e sam recompensa
Alemtejo, de q esta Cidade f o i sempre limitada das m.tas q, pertencendo anti-
cabeça, coraçam e alma. E o farei gam.® á nossa Lusitânia, sam hoje
brevissimam.te. do reino de Castella, porq em algum
tempo corria a divisam p.lo Guadiana
Jaz esta provincia, q de todas as assima, e tudo o q se inclue p.^ cá de
do reino he a p.*"» e principal, em 37 hua linha imaginaria lançada desde
pera 39 grãos escassos de altura do Villa nova de Serena. Outros disem
polo Árctico. Chamase, e está entre desde Calatrava a velha, junto hua e
os dous rios Tejo e Guadiana, e mais outra do Guadiana, athe Simancas,
vulgarmente, Alemtejo, a respeito das junto ao Douro, aonde entra neste
outras provincias do reino, e princi- rio o Pisuerga, pouco abaxo de Valla-
palm.te da Cidade de Lisboa, cabeça dolid, pertencia á Lusitânia; e nesta
í[ hoje he de todo o reino. Seos limi- se incluiào as Cidades de Merida,
tes sam, pello Oriente o rio Guadiana, Coria, Ciudad Rodrigo, Placencia
desde quasi sua foz em Mértola, athe Avila, Salamanca e outras m.tas. e
quasi Badajoz; desta Cidade p.* o Nor- ainda Marineo Siculo, L i b . 2. f o i . 10.
te se divide hoje de Castella por numa diz q a Lusitânia se estendia por entre
linha // linha imaginaria, q vá de- os dous rios Guadiana e Douro bem
mandar a Villa de Montalvam, junto ao
«A CIDADE DE ÉVOR.V
athe as suas fontes, com as Cidades // celebrada torre, e aonde Deos
castigou seos altivos pensamentos con-
entrejacentes, de 4 elle nomea as fundindolhe as lingoas, e assim o-
dividio pello mundo todo. Tubal, pois,
mais. e seu sobrinho Eliza (disem alguns
Da parte do Sul he seu termo a Autores q separados hum do outr<>,
outros, e parece mais verisimel,
serra e reino do Algarve, assim como ambos juntos) se embarcáram e guia-
vay dividindo este reino do Campo de dos pella divina Providencia, vieraii'
Ourique. (O q propriam.te se chama a apportar na foz do rio Sado, q nesi.
Algarve he o 4 fica álem da serra, tempo era. sem duvida, mais capaz do
porq a palavra Algarve he o mesmo q q o he hoje, porq está mais incapaci-
terra baixa). Pello Poente he termo o tado com as m.tas á r e a s q a terra lan-
mar oceano Athantico Lusitanico, athe ça ao mar e este outra vez á terra, e
a foz do Tejo. Efinalm.te, pello Norte, também pellas m.tas q os inumerável,
divide a esta província das da Estre- navios, q alli vem a buscar o sal, trasem
madura e Beyra, o Rio Tejo. por lastro, e a lançam na boca do rio
ou esteiro. Querer diser o aonde se
O seu maior comprimento pello
sertam desde Mértola a Montalvam enbarcáram, e porq máres navegaram,
sam 59 Legoas; pellos termos do seria querer adivinhar, o q m.tos d , .
Algarve, 21; pella costa do mar, 28; e zejam, mas não sei' quem neste pan
pello Tejo assima, 55. Com q vem a cular o intentase ou dissesse. Querem
ter de circunferência 125 legoas. alguns q p.ro apportou Tubal na An-
Nestes tam limitados termos contem dalusia, o q não obstante confes->.
(e pudera conter m.to mais) hum A r -
cebispado, dous Bispados, quatro C i - Florian de Ocampo Lib. 1. cap. 4. •]
dades, e mais de 50 villas q tem voto
em Cortes; não fallando nas q não tem os mais e melhores autores tem p>>\'
esse privilegio; porem, m.tas destas certo, q Setuval foi a p.fa povoação
villas por sua grandeza, riqueza e no-
breza, podiam ser Cidades melhor q ordenada na Hespanha.
outras m.tas q em outras províncias Vendose elles com os companlu i-
e reinos o sam; e m.tos dos lugares ros e parentes, q comsigo trasiam.
II podiam m.to bem ser villas. neste porto, levados ou attrahidos, ou
Aqui, nesta província, se deu o p.ro prezos do seu remanse, e da fertili-
principio á povoação de toda a Hes- dade q nas terras vezinhas conhece-
panha; daqui se lhe déram as p.ras ram, e m.to mais do divino instint".
Leys despois do diluvio universal; do desembarcáram e começáram a dar
q houve em Hespanha antes delle principio, e lançar fundam.tos á m
nada se sabe. Tubal, netto de Noe, e hoje he a grande Villa de Setuval,
Eliza bisnetto deste e sobrinho ainda em diverso sitio. O nome cia-
daquelle, porq filho de Javan irmão ram.te está deduzido do nome de Tubal,
de Tubal, foram os p.ros povoadores disendo alguns, q a p.ra sillaba de Se-
de Hespanha. Constam estes paren- túbal he também deduzida do nome
tescos do Cap. 10. do Sagrado Livro Ccetiis, q significa a companhia; outro.-:
do Génesis; e dahi consta também q lhe dam outras ethimologias, q pouco
destes filhos e nettos de Japhet filho nos importam. Desta p.ra povoaçam de
de Noe, se povoáram as ilhas e também Hespanha, multiplicandose as gentes,
quer diser as terras ultramarinas ás da começaram a se espalhar por toda a
Armênia, aonde parou a arca de Noe província, q despois se chamou He^-
despois do diluvio, e ás de Babilónia, panha, e a fundar novas povoações,
em cujos campos os descendentes de com q, pello discurso dos tempos, sf
Noe começaram a sua tam celebrada encheo toda ella, reconhecendo todof-
:A CIDADE DE ÉVORA» 107
a sua p.fa origem, e governandose os inimigos da fee desta militar pro-
pellas Leys, 4 os dous fundadores víncia parecem naturais; aqui tem, ou
déram aos seos pjos companheiros, tiveram, todas as 4 ha no reino, sua
q sem duvida eram as mesmas q Noe cabeça ou assento: A de S. Joam de
deu a todos antes 4 se dividissem. Malta, chamada do Hospital, em a
Foi, porem, a desgraça 4 estas mes- Villa do Crato; a de S. Tiago, pjo em
mas Leys se foram confundindo e Alcacere e agora em Palmella; a de
adulterando com os tempos e com a S. Bento, p.ro em Evora e agora em
malicia humana, athe chegarem ao Avis; só a ordem de Christo, 4 p.i'o
e?<tremo da perdiçam e gentilidade em esteve em Castro Marim, se tresladou
4 Christo nosso Deos achou ao mun- p.^ Thomar, álem do Tejo, mas junto a
do, quando encarnou p.^ o remediar e elle: não se pôde apartar m.to. Da
pôr em caminho de salvaçam. religiam em comum e das religiões
' i . Porem, louvado seja o mesmo em particular, nasceram e se criáram
nesta província tantos sanctos e va-
Senhor, 4 assim como quis 4 esta pro- rões illustres, 4 pudéramos fazer hua
víncia fosse a p.ra de toda a Hespanha grande Ladainha, álem dos 4 a buscá-
na povoaçam, assim quis e dispôz 4 de ram, p.^ a illustrar com seos exemplos
toda a Hespanha fosse a p.ra em ouvir e doutrina, ou p.^ nella serem vene-
e abraçar o seu verdadeiro remédio, rados em suas relíquias; vejao, quem
quero diser a ley de Christo nosso tiver essa devaçam, no Agíologio Lu-
Senhor. Isto se verá adiante no nu • sitano, 4 nelle andam espalhados; e
mero 502, etc. Abraçou esta província ainda 4 só contem os p. os seis mezes
a fee de Christo com tantas veras // do anno, destes se pódem inferir os
veras, 4 nunca niais nella se extinguio, dos últimos seis.
nem ainda em o lamentável tempo em
4 os mouros p.l'^ • peccados da mesma 7. Seria, porem, grande a injuria, 4
Hespanha foram Senhores de quasi contra esta província cometeria, se
toda ella. E despois 4 Portugal teve logo aqui nào fizesse menção expressa
Reys naturaes, e estes com o favor e com p ar veneraçam de tres fundado-
divino expelliram aos mouros, cresceo res de religiões, 4 todo este reino deu á
a piedade christaam com tanto excesso, Igreja, naturais todos desta: o p.ro
'[ faz ventagem a m.tas provindas e foi o B. Amadeu, ao século Dom Joam
reinos da Christandade, o 4 constará da Sylva Menezes: instituio a Religiam,
do 4 diremos adiante. Floreceram ou 4 do seu nome se chama, em Itália, a
florecem aqui quasi todas as sagradas dos Amadeos, e realm.te f o i reforma
religiões 4 ha em Portugal, com toda da Venerável do Seráfico S. Francis-
a observância, e por estas se conser- co; o 2.° f o i Dona Beatrix da Sylva,
vou sempre esta província livre das irmàa do sobreditto, 4 do Paço Ca-
heregias 4 infestam a tantos reinos; tholico saio a ser fundadora da Ordem
mas esta gloria he comíia a todo o de Nossa Snár da Conceição em To-
Portugal, no qual nunca se admittio ledo, e em Castella foi causa e origem
publicam.te heregia algua ou scisma do tribunal da S.ta Inquisíçam, por
contra a verdad.ra Igreja Romana hua revelaçam 4 teve. Ambos estes
(excepto só o tempo de hum rey, 4 S.tos irmãos eram naturais do Alem-
chegou a faser fraca a gente Lusitana; tejo, se o nam eram determinadam.te
lá o veremos, num. 601). Esta conser- desta Cidade de Evora, ainda 4 nas-
vação da fee se deve ás Sagradas Re- cidos em Ceuta; de tudo daremos os
ligiões Mendicantes e Monachais. As fundam.tos quando chegarmos a seu
militares, cujo instituto he servir a tempo. O 3." f o i // O 3." foi S. Joam
Deos e aos provimos militando contra de Deos e por m.tos títulos pudera ser
— 108 «A CIDADE D E ÉVORA»
O p.° e O f o i , natural de Montemor o Bceticam propagavit, ano 1338, Fiz
novo, fundador da Hospitalidade em diligencia por descobrir esta noticia
Granada, espalhada hoje por toda Cas- por outros autores; não os pude achar;
tella e Portugal. Pezame de não ser este o Autor podia ter mais docum.tos.
lugar próprio, p.» descrever largam.te Também aqui na Serra de Ossa tiveram
suas heróicas virtudes; andam estam- seu p.ro domicilio p.ro q em toda a
padas e descriptas por penas m.to Hespanha os monges negros e eremitas
superiores. Fique, porem, logo aqui desde os principios da fee \>M prega-
q o R.do p.e M.« Fr. Antonio da Puri- çam de S. Manços; vejase abaxo num.
ficação, Chronista da ordem do P.® e 315, aonde diremos q esses foráo os
D.or S.to Agostinho dos Eremitas, na p.ros da Christadade. Aqui finalm.te
sua Chronologia Monástica Lusitana, nesta província, e com o nome da Pie-
sendo a ordem de S. Joam de Deos dade, teve o p.ro convento na Piedade
em Portugal no 24.° lugar, diz q o S.to de Villa Viçosa a p.fa reforma da Sera-
lhe deu os p.os principios aqui em Évo- phica Ordem de S. Fr.co, q com tanto
ra; e q despois a dillatou e estendeo exemplo representa a p.ra pobreza
p.la Andalusia, no ano de 1558. dou e exemplar vida de seu S.to fundador.
as suas próprias palavras : ordo 24,us He verdade, q em Castella se ordio
in Lusitânia servientiam infirmis essa tea, mas em Portugal se tesseu e
quem B, Joanes dei prinió orditus aperfeiçoou p." servir a todas as mais
Eborce in Lusitânia; deinde per reformas de exemplo.
Cap. 2.°
Fertilidade do Aíemtejo
8. Da fertilidade e abundância desta álem do q na mesma Lisboa se embar-
provincia direi m.to menos do q ve- ca em farinhas p.* as Conquistas. Ceara
mos, experimentamos e gozamos. houve, que rendeo a mais de moio
Contem ella e produz em si tudo o q por alqueire de semeadura. Eu q isto
he neçess.° p." a vida humana, nào só escrevo contei, e fiz contar a outros,
p.^ o sustento, mas também p.^ o re- em hum só pee de trigo 105 espigas,
gallo; de maneira q, ainda q não t i - (era da Casta, q chamam Barbella); e
vesse tracto algum com algiía outra disendome hum Alemão professor de
provincia do mundo, nada de todo elle Mathematica, admirado de o ver con-
poderia dezejar, senão superfluidades; tar por hum seu Companheiro, q
e ainda essas pudéra ter em si fa- era ainda mais, q o cento por hum do
cilm.te se se resolvesse a procurallas Evangelho, eu lhe repliquei, q este so
com a cultura e industria. O seu trigo entendia de cem grãos, por hum //
a nenhum outro tem enveja em for- por hum, mas q alli se via correspon-
mosura e substancia: nelle, e nos der mais de hum cento de espigas por
fnais fructos do Alemtejo, notam hum só gram de trigo, e estavam todas
alguns, porq os n ã o tem semelhantes gradas. He verdade, q isto succedeo
nas suas terras, o serem m.to substan- no Algarve, mas nem todo elle poderá
ciais; não sam esses amigos de m.ta negar, q o Alemtejo na producção do
substancia, mais o sam dos accidentes. trigo lhe faz m.tas ventagens.
A abundância delia he tanta, q basta 9. O vinho he tanto, q só ha queixa
a sustentar nào só ao Alemtejo, mas á
mesma Lisboa, a maior parte no afio; de se não poder embarcar p.^ fora, o
<1 ha p.lo Sertam; a sua bondade tal,
II
«A CIDADE DE ÉVORA» jam p.° sustentar a maior parte do
ano toda Lisboa, principalm.te de
q todos OS estrangeiros o admiram, porco e carneiro. Dittado he do
experimentando os seos effeitos, ás Alemtejo q a Vaca he nobreza, o
vezes mais do q queriam os naturais. porco thezouro, a ovelha riqueza e a
Os mais celebrados sam os de Alegre- cabra mantença. Das lans, q cria, se
te, Evora e Beja, sendo este ultimo o veste a maior parte da provincia;
mais traidor; como se desconfiara de nella se obram, principalm.te em Por-
sua valentia, a encobre e dissimulla talegre, Estremôs e Redondo. Em
mais; ou o faz, por se fiar mais nella. O Estremôs // em Estremôs se fabri-
p.ro he mais alegre, participa do nome cou já Saragossa, ([ se vendeo a tres
de sua pátria; o do meio he o melhor mil reis o covado; ou f o i m.ta cubiça
e mais seguro p.^ o uzo comum: por do Vendedor, ou m.to appetite, ou ne-
ser natural da Cabeça da provincia, cessidade do comprador, ou, o q he
tem obrigaçam de se accomodar ao mais certo, fineza e excellencia do
uzo dos membros particulares. De pano. Disem, os q tem este tracto, q
Azeite he rara a cidade, ou villa, q se lhe pagarem bem o farâm mais
nam tenha mais do q lhe he necess.*». ino, melhor e de mais dura, q o mes-
Excede a todos o de Elvas e Moura mo Londres. Ainda sobejam m.tas
com tal excellencia, q em cor, cheiro, lans, q se levam, p.* se obrarem, nào
substancia, graça e gosto, em todas as só p.^ a provincia da Beyra, mas p.^ as
partes he estimado e avaliado por partes do Norte; e he lastima, ou des-
melhor, q todos os das outras provin- graça, ou certam.te inércia, q nos levem
cias. Oliveiras ha q dam mais de hua os estrangeiros as lans e as venham
moedura de azeitona, q talvez rende restituir em panos e baetas; e maior
lõ, 16. alqueires de azeite a seu culpa he ainda poremlhe elles o preço
domno. Em Cabeça de Vide ha hiía assim âs nossas lans, como aos seos
oliveira, cujo tronco tem em circunfe- pafíos. Das mesmas ovelhas se congela
rência 64. palmos. O mel, q he geral o queijo, sendo o desta provincia tal,
em toda a provincia, he tal, princi- q, todos os q tem o seu por bom,
palm.te em Portel, q dentro dos potes, avaliam e estimam a este por melhor.
em q se recolhe, se encandilla, de Nam fallo nos queijinhos de cabra, q
sorte q com machados se quebra, ou frescos sam regalito e nata doce; e
se quebram os pótes p.» se approvei- seccos também tem m.ta estimação (o
tar o mel; e entam parece elle feito mesmo sal lhe dá a sua graça). A cassa
pedaços de assucar encandillado. Da de todo o género, principalm.te coe-
abundância do mel se infere a da lhos e perdizes, he tanta, q he todo o
cera, q bem curada e preparada, desenfado dos nobres. Aos mesmos
illustra todas as Igrejas da provincia Reys vemos m.tas vezes passar ao
e as mais da grande Lisboa, durando Alemtejo só a buscar este divertim.to;
mais em arder, q a de outras terras, e alguns, não sem culpa, o tomáram
e m.ta sae de mar em fora p.^ as con- por officio. E ha também m.tos pobres
quistas. Linhos he verdade q os não q nam tem outra agencia senão a da
ha com a abundância da Beyra, e En- cassa, q vendem; e m.tos r e g a t õ e s , q
tredouro, e Minho; mas os q ha nào a levam a vender á Corte todas as
lhe cedem na qualidade; e a haver semanas e em m.tas cargas. De cassa
mais industria, podia havellos em maior houve m.to mais antigam.te; agora,
maior quantidade. Da falta da in- por se cultivarem mais as terras, he
dustria se queixou sempre, e queixará, menos, mas ainda ha algãa em algíías
o terreno desta provincia dos seos charnecas, devezas e tapadas, como
habitadores.
10. Os gados sam tantos, q lhe sobe-
110 «A CIDADE DE ÉVORA»
a de V.^ Viçosa dos Sereníssimos lamprea na enxurrada chamada Pera-
Duques de Bragança; a de Portel dos manca, aqui junto a Evora; entra esta
mesmos Senhores; a do Pomarinho, no Xarrama, e este no Sado, por onde
aqui em Evora, dos Condes do Vimioso, esta desgraçada lamprea sobio acaso;
e outras em outras m.tas partes. buscando vida, achou a morte a san-
11. De sal, quem não sabe 4 he esta gue frio, f o i preza despois de passar
província a melhor provida: digamno a corrente, por quem só buscava par-
as nove legoas 4 ha de rio, ou esteiro, delhas; estas são tantas, 4 não só em
de Alcácer a Setuval; de hua parte e regatos, mas em os regos do arado
outra está cheo de marinhas; e he elle se acham e pescam m.tas vezes m.tas;
tal, 4 tendo Lisboa p.ío Tejo assima e talvez basta p.^ apanhar quantidade
m.taSj os 4 mais se estimam uzam de delias hum cesto posto na corrente.
melhor vontade do sal de Setuval do Em matéria de pescado do mar. Vence
4 do seu natural: os bons naturais e tudo o porto e mar de Setuval; nào
melhor entendidos estimam mais o só o dá p.* todo o Alemtejo em abun-
alheo, quando o merece, do 4 o 4 he dância, ainda p.la quaresma, mas com
seu natural. O Norte todo (excepto ella entra p.la boca do Tejo a susten-
França, se he 4 essa se inclue debaxo tar a imensidade das bocas de Lisboa.
do nome do Norte, e quer gastar, o 4 De Setuval se levava (quando Deos
tem em suas minas, e não quer uzar nos castigava) a elrei D . Phelippe
do alheo), o Norte todo, q.^o pode, dentro á Corte de Madrid pexe fres-
despreza o sal do mundo todo e vem co, que "ia mais voando, 4 caminhando,
a Setuval buscar o nosso: alli se ou navegando: por sinal do 4, ouvi
ajuntam a buscallo // a buscallo dizer 4 o p.ro sinal, ou indício, 4 em
armadas de õO. 80. e 100. navios de Madrid houve, de ser acclamado Rey
Olanda, Dinamarca, Suécia etc. Mas, em Portugal o Sereníssimo D. Joam o
4 m.to o busquem, os 4 tem fácil a 4.", foi o faltarlhe o pexe fresco de Se-
navegaçam, quando do Sertam de toda tuval em sesta fr.^ 7 de Dezembro de
Hespanha, sogeita a Castella, o vem 164^. Faltoulhe entam a elrei Phelippe
buscar a Setuval, ou Alcacere, em cá- o maior regallo, porQ lhe fogio de
filas de 200. e 300. bestas de carga, entre as mãos toda a substancia do
ou em quadrilhas de 30, 40. e 50, Reino de Portugal; e por hua e outra
carretas, q.do lho não impedem as falta, como experimentado, podia di-
guerras. Sendo todo o sal graça, a ser o 4 disse, cuido 4 em outra
este desta província acham todos occasiam, 4 só Setuval, em Portugal,
mais graça, ou mais de graça o lhe rendia mais do 4 alguns dos m.tos
acham. reinos, 4 gozava na mais Hespanha:
faltoulhe o doce regallo do pexe e o
12. De pescados, 4 he o 4 se não bom proveito das rendas. Ao proveito
pôde affirmar da abundância e varie- util e regallos dos Reys // dos Reys,
dade desta província? prescindindo ajuntemos 'o adorno e lízonja das
dos sáveis, lampreas, salmões, so- senhoras, p.^ cujos estrados offerece
lhos e mais géneros marítimos, ou o mar e os rios, em suas margens, os
fluviais, 4 em suas margens lhe offere- juncos p.» delles se obrarem as finas
cem o Tejo e Guadiana; prescindindo esteiras, 4 ellas athe a Itália estimam,
também dos barbos, picões, bordallos, talvez mais do 4 alcatifas Pérsicas e
bogas e pardelhas de outros rios e Ormuzianas.
ribeiras; chegandose a tomar algiÃa
«A CIDADE DE ÉVORA» 111
C a p . 3.^
Fructas, hortaliças e minas.
13. De fructas, disem alguns q he sendo ella nesta serra m.to menos q
falto o Alemtejo, mas disemno porq na de Portalegre. A Romáa, q se co-
não chegaram a ver o termo de Mon- roa Rainha dos fructos, he admirável
temor, q todo se pode chamar hum em Elvas, Serpa, Alcacere e Évora.
pomar continuado; não viram as serras 14. Figos // 14. Figos damse em
de Portalegre ou Monchiq da outra toda a terra, nem he necess.® lou-
parte, semeadas de m.tos e grandiosos vallos, sendo q em tudo (p.^ diser
pomares; nào viram os termos e sitios tudo e sem tractos) cedem aos do
do Landroal, V.^ Viçosa, Borba, S.to Algarve, mas por cá excedem as f i -
An.to dos arcos, Estremôs, Orvedal gueiras na grandeza: hua conheci, e
e outros m.tos, m.to semelhantes, em ainda existe parte delia no sitio de
outras partes. Montemor provêe de Villa fria meia legoa desta Cidade p.^
fructa e basta p.** provêr grande parte o sul, q com varias pernadas alporca-
da província, especialm.te de peros de das occupava quasi meia geira de
Rey, q duram athe chegar a fructa terra; hoje occupa m.to menos porq
nova. No mundo todo não ha peras lhe cortaram m.tas; hiia pernada lhe vi
em quantidade e qualidade como as quebrada com hum temporal, q fiz
de Portalegre. Os pej^egos do Orvedal entam conceito q a não abarcariam
igoalam aos de Besteiros, na Beyra. dous homens. Despois q começava a
As ginjas garrafais de Borba ainda dar fructo, se lhe colhia tanto q cada
não acháram parelha; e as comuas em dia enchia cabanejos, q podiam levar
m.tas partes sam como matto : em V.^ mais de dous alqueires. Uvas ha excel-
Viçosa e outros sitios ha Orveiras, lentissimas ao gosto, e de todas as
ou Cereigeiras tam altas, q os poma- castas q.tas se conhecem no reino;
reiros nào podem, nem se attrevem a mas também cedem âs do Algarve,
sobir a ellas, p.* lhe colher o fructo, excedendo a todas as mais de todo o
senão prezos e bem seguros por reino. Por não cançarmos mais, basta
cordas. Larangeiras, ainda as da Chi- diser e consta q se dam nesta pro-
na, em todo o Alemtejo se dam como vincia os fructos todos de toda a Eu-
na sua pátria, sem sentirem as incle- ropa e em m.ta quantidade, conforme
mências, q em outras partes do reino aos terrenos particulares e a indus-
não as deixam lograr, porq esta não tria dos cultores; e a qualidade e
as padece semelhantes. Na Serra bondade de todas estas fructas, não
d'Ossa, no mosteiro de Val de infan- lha podem negar os q disem q he o
tes, p.ro assento da Ordem de S. Paulo Alemtejo terra quente, porq quanto
p.ro hermitam, de muy poucas laran- mais aquenta o sol melhor he e mais
geiras (não achei determinado o gostosa a fructa, porq mais cozida e
numero) se observou passarem de assezoada. Só os verdeais da Beyra
cem mil os pomos; alli mesmo houve se nam querem dar bem nesta terra;
(não sei se existe ainda) híía l i - acham menos as neves e giadas 45a-
meira celebrada por dar 9. Wú limas. trias. Em Portalegre, porem, ha hum
Castanha não tem o campo do Alem- pereiro, q nasceo e se criou bravio;
tejo, mas sobejamlhe as de Portalegre e nào lhe conhecendo o domno a
e Marvam. de híía parte, e as de Mon- casta, despois q lhe vio e gostou o
chiq, da outra: desta se diz q chegou fructo, lhe chamou verdeal de rosa,
a render ao dizimo quarenta moios. p.ia cor, feitio e sabor. Era celebre
112 «A CIDADE DE ÉVORA)
pello pereiro da viuva, porq era de veio no de 1699 a V.^ Viçosa; taes eiti
hua, e sempre dava mais fructa, q grandeza, q sinco ou seis enchiam hua
todas as outras arvores suas vezinhas, canastra de costal; e de tal qualidade,
e m.to consíderavelm.te. Estas sam as q, recolhida á corte, a Sereníssima
terras, q chamam faltas de fructa; Senhora mandou buscar a Évora
mas também o Abbade de Pera, Joam planta daquella casta. Mas se em Lis-
Salgado de Araujo, n.al de Monçam, boa lhe não faltou a terra, q cá as
Arcebispado de Braga e Protonotario produsia, faltoulhe a cultura, ou o
apostólico, f o i . 179, chegou a diser q tempo: não corresponderam as lá
he portento o q se diz de arvores do criadas as de cá. Espinafre houve em
Alemtejo acerca da fertilidade de seos Terena, cujas folhas se venderam por
1) fructos. De tudo o sobreditto e do mais, preço de quatro vinteis, e o tronco
q pudéramos diser, e disem outros, se livre das folhas pesou 27 arráteis; e
pode conhecer e inferir q poderia foi levado por dous homens em hua
haver m.ta mais fructa, se fosse ne- paviola p.las ruas publicas, como em
cessária aos moradores, e elles a procissão de acçam de graças ao
quisessem cultivar e tivessem delia Criador, e de admiraçam ao povo. De
mais appetite, do q tem interesse na tudo se tirou instromento com auto-
•1 abundância do pam; q, quanto sítios ridade publica, p.*^ a memoria: as
e capacidade p.^ a haver, quasi q não cousas raras, porq o sam, se contam.
ha legoa de terra, q não tenha algum E porq não cuidem os cardos, q com
pedaço capaz de a produzir com todas seos espinhos nos metem medo, ou <]
as disposições requisitas p.a o intento. os desprezamos, digamos q os de
15. Concluamos // 15. Concluamos a Elvas (como todas as mais fructas e
fructa com a hortalissa, q fructa hortalissas do seu termo), os de Évora
se pode chamar, e mais necess.a p.^ e Beja sam os melhores, q ha p."
a vida humana. Escassam.te se achara vehiculo do mais sustento, por seu
Villa, lugar, ou monte habitado, em q sabor, ternura e grandeza, bastando
não haja a q lhe é necess."; e os q a talvez dous p.^ dous costaes. Isto
não tem sam tidos de seos vezinhos quanto ao q pede cultura e industria,
por incultos, inertes e negligentes, q por mais q os Alemtejões sejam
porq se presume q nam a haver he notados de pouca, tem a q lhe basta
só falta dos cultores e não da terra; e p.^ lograr tudo isto e teriam m.to
he ella em toda a parte, aonde se mais, se mais quisessem.
cultiva, m.to boa. As murcianas de 16. Porem, do q a terra cria esponta-
Alvito, Viana e Beja sam m.to gaba- neam.te e sem cultura tanto se pudera
das, não só p.lo gosto e grandeza, diser, q pareceria incrível a quem o
(sendo talvez necess.® machado p.^ as não visse. Bastará diser q cria em si
partir, ou semelhante instromento, este pedaço de terra, quasi q todo o
sendo despois de cozidas a mesma género de mineral; e todos se desen-
ternura); mas m.to em especial, por terráram já nesta, ou naquella parte da
serem mais cortezes do q os rapolhos prov.^ Ao Campo // Ao Campo de
estimados em outras terras; estes des- Ouriq deu o nome o m.to ouro, <]
pois de comidos se vem outra Vez a delle levavam os Romanos, tanto, q só
meter na boca e na conversaçam, sem elle (se se pudesse fartar a cubiça)
serem chamados, mostrandose desco- lhe poderia satisfazer a sua. Prata
medidos; aquellas, comidas, não dam disem q houve m.ta no território de
mais sinal de si. Alfaces se mandavam Évora e em m.tas outras partes. De
de Évora á Sereníssima Rainha da Estanho não me lembra q o desse,
gram Bretanha, q.^o, poucos afíos ha. mas, descobrindose a prata, perto es-
«A CIDADE DE ÉVORA» 113 —
taria elle. Cobre e ferro, m.to em Tn,i:as brosios e Agostinhos!) Respondeo I
partes. Cristal o ha, e m.to fino, na- assim: Quer o meu dinheiro pellas
quella parte da Serra do Algarve, q suas pedras ? giiardeas lá, q o dinheiro
olha p.* Odemira; direi em seu lugar, só he p.* os meos pobres, q de pedras
q a agoa da fonte do Orvedal se con- se convertem em filhos de Abraham,
verte era pedra, q m,to arreméda ao e representão a Christo Nosso Se-
Cristal. Enxofre e almagre se acha nhor. Pedras de toque podíamos cha-
m.to na Serra de Ossa. Mas q se po- mar a estas. Pedras de afiar ha m.tas
dia diser da pedraria, dos jaspes da em m.tas partes, especialm.te na Serra
Arrábida levados p.^ os mais sumptuo- de Ossa. Que diremos, í[ seja bastante,
sos templos da Corte ? que 1, dos már- dos barros de Estremoz e outros ?
mores de todas as cores de Viana, Conduzemse com m.to cuidado, res-
V.^ Viçosa, Borba, Estremôs e outras guardo e tento athe dentro da mesma
terras conduzidos p.a o mesmo Escu- Itália, e lá estimados sobre a mesma
dai, em q se empenhou o maior mb- prata e ouro, he o mais q se pôde
narcha do seu tempo ? Nestes mar-, encarecer. O gram Duq de Toscana,
mores conhecem os oficiais déstros quando quer ostentar sua grandeza
alguas figuras debuxadas p.la mesma presenteando a algum Português de
natureza, e laurados acham nelles hum respeito, q passa por suas terras,
leam, hum Veado, hum cam, hãa rosa, entre o mais lhe manda hum púcaro
ou qualquer outra flor e animal; de Estremoz. Os barros de Montemor,
(ociosidade, ou curiosidade da natu- por sua curiosid.® e lindeza de suas
reza, quando mais folgada e desen- pedrinhas, sào m.to estimados e mais
fadada). Quantidades destas offereceo p,^ refrescar a agoa de verâm. Muitas
hum ao illustr.® Senhor Dom Diogo outras cousas deixo; enfada já e cán-
de Souza, 2.° de nome e sobrenome, ça o cavar tanto e desenterrar tanta
Arcebispo desta Metropolitana See cousa. Bem se Vee a pressa, q levo,
nos nossos tempos. E q faria o magnâ- e a industria com q fallo e cailo,
nimo, e S.to Prelado? (ô exemplo digno apontando só o q se pudera diser e
dos Gregorios, C r i s ó s t o m o s , Am- publicar. Cap, 4,° //
Cap. 4.
Reposta aos maídisentes :
e p.ra^ da falta de gente.
17. Com todas essas excellencias so- das telhas abaxo, e he deserto e des-
bredittas não pôde o Alentejo acabar povoado; disem q he terra secca, e
de se liurar (mas quem pode ?) de este appelido lhe dam por antonomásia.
alguas lingoas. Duas faltas princi- Quanto ao primeiro, confessa Alem-
palm.te lhe oppoem as outras provín- tejo, nem o poderá negar, q não he tam
cias do Reino. Diremos a verdade; povoado como as outras províncias do
senão satisfizermos, digam q não po- Reyno; mas diz q tem a gente, q lhe
demos, nem he possível, tapar-lhe de he necessária; e ainda q lhe falta, p.*
todo a boca; sabemos q sempre ham de o serviço necess.® á terra, como o de
fallar e diser, e seja o q for, e de pastorear, cavar, cegar e geralm.te
quem quer q seja; tal he o bom, ou o servir; porisso o autor da natureza
mao natural de alguns homens. provêo as outras de mais gente des-
tituída e falta do necess.° p.^ nas suas
Disem p.ro m.to q o Alemtejo he terras se sustentarem; e vem esta
falto de gente, q he a melhor criatura
4cA CIDADE DE ÉVORA»
ti 'i gente ganhallo e buscallo, como gente mais. Mas esta ultima perda não a
de bem e verdadeiros filhos de Adam, sentio Évora tanto, porq com ella e
II// i com o suor do seu rosto, E a não ha- com o q lá obráram, resarciram os
ver cá esta falta de gente e abundân- seos naturais, ao menos, p.* com os
cia de serviço, pereceria com a sua bem entendidos algum senão, q os mal
miséria toda a gente, q cá vem reme- intencionados e pouco advertidos
diarse, e sustentarse e ganhar p / lhe oppuzeram na p.ra perda. Por
levar p,^ sua caza e p.» sustento dos semelhantes causas padecem outras
seos. Examinemos, porem, as causas terras do Alemtejo a mesma falta; e
desta falta, tal qual he, e qual elles isto assim f o i sempre, não só nestas
deviam aggradecer a Deos: comer e guerras ultimas, mas em todas as <]
callar. houve entre Portugal e Castella;
porq, como disse, esta f o i sempre a
18. O Abbade de Pera, Salgado, attri- principal Campanha.
bue esta falta aos ra.tos Portugueses,
q foram a povoar as conquistas; julga 19. Ainda assim a principal e capital
q desta província foram sempre os resam, porq o Alemtejo experimenta
mais, principalm.te naquelles pjos tem- e padece esta falta de gente, persua-
pos em q os Capitães pJ^^, como o dome eu q he a disposição, destri-
grande Dom Vasico da Gama e seu buiçam e modo de cultivar os campos
Irmão, forão Alemtejões. Esta resam, e a falta de artes mechanicas, 4
porem, he certo q he comua a todo o geralm.te ha neste Reino, e m.to mais
Re3;no; e ao menos nestes últimos nesta provincia. Eu me explico. Divi-
tempos sam m.tos mais os q vam á s demse os campos do Alemtejo em
conquistas das outras províncias, do partes, a q chamamos herdades. Des-
q desta. Porisso dou outra, q julgo tas ha algumas, q tem 5, 6, 7, 8, 9 e
a verdad.ra e digo q he a das guerras JO folhas, (afolhar as herdades he
em q sempre esta provincia foi a prin- repartillas em tantas partes quantas
cipal Campanha, e pôz, como disem, sam as folhas) e destas só hua se culti-
as linhas de caza; e nella se fizeram va e semea em cada hum ano; e vemse
sempre e se alistaram mais soldados a semear hua herdade, q tem vg. 5 ou
do q ella podia // podia dar de si, aca- 10 folhas, só de 5 em 5, ou de 10 em
bandose e appagandose assim m.tos JO anos; sendo q m.tas delias, por
fogos, por morrerem huns lá na guerra, serem de terras grossas e pingues, se
e outros cá na paz. S ó aqui em Évora podiam semear todos os anos, se assim
se alistou hum terço inteiro de solda- não andassem afolhadas. Daqui nasce
dos pagos, pouco despois dafelix accla- q, não havendo em q se occupe a gente
maçam do Senhor Rey D. Joam 4. (a conforme ao seu estado e presumção,
seu tempo diremos q f o i o p.ro q nessa cada laurador caza s ó hum filho, ou
occasiam se levantou em todo o Rey- filha, e q.do m.to dous; os mais, se os
tem, faz q ou entrem religiosos, ou
no); e sempre q se fez gente p.^ a se façam soldados, ou vam p." a índia
guerra, se fez nesta Cidade e seu a buscar vida e ventura. E assim ficam
termo leva de nova milicia. Por causa as terras, q.do m.to, só com o numero
da desgraça e bizonharia de Alcara- de habitadores e famílias, q de antes
vissa, (q não callarei a seu tempo) ouvi
diser, se appagáram em Évora m.tos tinhão, e não se accrescentam, mas
fogos. Do sitio de Olivença, e despois antes diminuem. O mesmo succede nas
do de Elvas, ano de 1658 e 59, voltá- cidades, villas e lugares, quanto aos
ram p.* suas cazas só 500 de J500 officios e artes mechanicas, q cada
aujdliares, q desta cidade e sua co- qual professa; porq, como não cresce
marca se acháram lá; e lá ficaram os a gente, não he // não he necess.'*
«A CIDADE DE ÉVORA» sado comigo e me parece o único \\\
remédio, q pôde haver na matéria: he
crescer o numero dos officiais me- emprazaremse as herdades e campos
chanicos; faltando, como na realidade delias em quinhões conforme á sua
falta, a industria de se conduzirem as capacidade em 20, 30, 50, 80 e 100
fazendas fabricadas p.^ fora do Reino, ou mais partes : emprazaremse, digo,
ou da provinciá. por vidas, p.^ se melhorarem; p.^ o
q não julgo possível faltar, quem as
20. O Remédio, q isto podia ter, queira assim tomar em prazos, como
quanto ás cidades, v.*^ e lugares, he o se uza na Be37ra, e Entre Douro e
q já appontou em seos políticos discur- Minho; isto, porem, com condição
sos o zeloso antiquário Manoel Seve- de se não poderem dividir os prazos,
rim de Faria, digníssimo Chantre desta guardandose a ley do S.or Rey D .
S.ta See; e Luis 14.°, christianissimo Joam 4 sobre esta matéria, e as mais
Rey de França, tem introduzido no seu condições q se julgarem necessárias.
Reino sem ter tanta necessidade, mas Os senhorios certam.te íam a ganhar,
só p.° glória, riqueza e autoridade de porq m.to mais lhe ham de render
seos senhorios. Alvitre e exemplo, q assim as fazendas. E ainda seria maior
todos os Reys, q se prézam de o ser expediente e motivo // e motivo de
e ser pays da pátria, deviam seguir; melhoras, dar elrey aos q assim deram
e he q se procure com toda a arte da as suas fazendas em prazos, privilé-
industria, e ainda força do poder, gios de senhorios de terras e outros
introduzir no Re^^no, nos lugares, v.^^ taes, q parecerem convenientes, com-
e cidades as artes mechanicas, q con- tanto q os não gozem, senão despois
forme ás disposições das terras, for de terem huns tantos moradores; e
possível introduzirse; e a rezam, álem também faria m.to ao cazo dar elrey a
de experiência, está clara, porq só esses taes moradores alguns privilé-
com estas artes se fomenta e aumenta gios, vg. liurallos de tributos, destes ou
o contracto, conduzindose as fazen- daquelles, por alguns anos; assim,
das de huas terras p.^ outras; e só consta das nossas chronicas, o faziam
quem tem tratto e contracto se pôde os Reys Portugueses, q antigam.te
sustentar honradam.te e deixar ricos mereceram o titulo de povoadores e
e honrados a seos filhos. Agora novis- pays da pátria. Emprazadas assim as
simamente chegou nova de q elrei terras e herdades, crescerâm sem
de França mandára, ou declarára, q o duvida as povoações em numero e em
contractar-não obstava á nobreza, ou tudo o mais; porq álem dos q assim
fidalguia; de Itália se sabe q os maio- tomassem as terras em prazos, neces-
res senhores sam os maiores contrac- sariam.te se lhe hamde ajuntar os
tadores; e o certo he q só assim se officiais comuns de alfaiates, çapatei-
pódem aumentar e crescer os povos ros, ferreiros, carpinteiros, etc.% e
em numero de gente, em riquezas e crescerâm as gentes e as rendas dos
ainda em nobreza e fidalguia; pois C[ senhorios, e pello tempo adiante os
não ha, nem se pôde esta conservar tributos p.^ os Reys. O numero da
sem aquellas, nem aquellas sem con- gente accrescenta os tributos e estes
tractos. Prescindo agora dos morga- sam o nervo dos Reinos; e ainda,
dos, títulos e dignidades q se gánham prescindindo de tudo o mais, aos La-
á ponta da lança, ou pello trabalhp dos vradores só de por si chamava elrei
estudos e das letras, gloriosam.te, ou Dom Dinis, nervo das Republicas e
sem gloria se se herdam dos maiores; sustento dos Reinos. Assim se va,;
isto quanto aos povos, cid.es, v.as e actualm.te aumentando hãa boa aldeã
lugares.
21. Quanto aos campos do Alemtejo,
direi agora o q, m.to ha, tenho discur-
....
116 «A CIDADE D E ÉVORA»
I na freguesia de S. Manços, termo desta bem, como o fazem em outras partes,
Cidade, como dirá o num. 526, e outra se restituíram a suas forças. E no en-
m^^M ^'li q já tem alguns 80 vezinhos, na f r e - tretanto as outras suppriram esta sua
guesia de Nossa Snar de Machede; falta.
e em S. Miguel de Machede vay outra
seguindo as p.^^ 23. Quem não vee Q todos os lugares,
22. Bem sei q não p ô d e deixar de villas e cidades tem seos farregiais, q
haver quem contradiga e impugne todos os anos se semeam e dam fructo;
este arbítrio; e p.^ ser impugnado lhe e ainda q algum anno se mostrem can-
bastará o ser alheo a quem o ouvir; çados, nem porisso seos domnos dei-
mas a tudo respondeo já doutissi- xam de os semear, mas antes entam
mam.te o louvado Chantre de Evora, lhe acódem mais com o adubo, ou
Severim. E porq ha annos q o li e da- adubio, e este os soccorre e allivia
quelles seos discursos só vi hum exem- do trabalho e cançasso e anima sua
plar, quero responder ás objecções, q fraqueza. A 3.^ objecçam he q nem em
agora me ocorrem e se podem oppôr. todas as partes ha a agoa necessária
Primeira, q emprazadas assim as terras, p.^ povoações. Respondo q aonde a
virá tempo em q o Alemtejo padeça não houver, não se façam povoações;
as misérias e pobrezas, q experimen- porq por falta de agoa, senão despo-
tam os do povo da Beyra, e Entre- voem ao despois, como diz, o R.do
douro e Minho, etc.^ Respondo q a Ant.° Carvalho da Costa na sua coro-
isso acodio já o Sr.°^ Rey D. Joam 4.° grafia foi. 8, q succedeo á p.ra Guima-
com a ley já apontada; alem da qual rães, pátria do nosso p.ro rei D. Affon-
se pódem excogitar e ordenar outros so Henriques e a outros lugares. Mas
meios, q p.^ o obviar poderâm ser se se fundarem aonde ha agoa eu lhe
necessários e conducentes; p.^ tudo fico q se façam m.tas mil. Ficará isto
o q não he a morte, ha remédio. Se- mais claro e certo quando responder
gunda, q faltará pam p.^ sustento de á 2." falta geral de agoa, q se attribue
tanta gente, quanta assim crescerá. Já ao Alemtejo, chamandolhe terra secca.
esta mesma objecçam conhece o bom Finalmente por 4.^ objecçam quererá
effeito e efficacia do arbitrio; já se alguém diser q, povoadas assim as
teme do bem; isto lhe bastava por terras, faltaram pastagens p.« os ^a-
reposta; mas digo q antes assim cres- dos; como se por ser o Entre Douro
cerá o pam, porq este nào o dá a e Minho, tam povoado, falte aonde
terra só por si, mas cultivada. E a m.ta criar as boyadas, q cada anno, ou cada
gente, disem lá, q faz a guerra. Cres- dia vem a Lisboa.
cendo a gente, se accrescentará a cul-
tura, e esta multiplica o pam: porq O certo he q nunca faltarám char-
assim se cultivará a terra ou todos os necas e q as terras lauradias darâm
anos ou de dous em dous, sendo capaz melhores e mais pastagens do q dam
da tal cultura, q p.^ o intento esta boa as totalm.te incultas. Não tomemos as
se deve escolher. E palpavelm.te se dores tanto de antes : eu antes quisera
Vee, q vay m.to de se cultivar a terra essa falta, q a da gente; em havendo
de sinco // de sinco em sinco, ou de esta, ella remediará todas as mais faltas
10 em IO anos, a cultivarse todos os com suas industrias.
anos, ou de dous em dous, e íj m.to 24. Por conclusam de resposta a esta
mais pam darâm as terras do Alemtejo p.ra falta de gente, digo q não he
p.° si e p.* os outros. E se algíías menos tanta, q nos não offereça o Abbade
pi ligues, cançarem, darselhe ha o seu de Pera huma valente pagina, q só
necessário descanço, e adubandose contem p.lo Abcedario cs appelidos
da m.ta gente do Alemtejo, e só falia
nos da nobreza. E se se fiser diligen-