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Published by ㅤㅤㅤ ㅤㅤ, 2018-03-12 09:41:13

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Em sua homenagem, até o final da Idade Média, os irlandeses
se reuniam anualmente em assembleia em Telltown, onde uma
vez seu palácio se ergueu.
Wikicommons
WikicommonsOS FILHOS DA DEUSA DANA
Tuan observa Nemed, ilustração Enquanto isso, ao mesmo tempo em que os firbolgs ocupam
de J. C. Leyendecker (1911) e se multiplicam pela Irlanda, as vidas de Partholan como javali
chegaram ao fim, e ele renasceu como uma grande águia, a
geravam. Frente à situação insuportável, Fergus, um líder neme- dominar os céus. Das alturas das nuvens, onde habitava, a águia
diano, liderou uma insurreição do seu povo. Com um exército viu um povo belo e altivo aportar na ilha. Os Tuatha De Danann,
não muito grande, mas faminto de vingança, Fergus tomou a os Filhos da Deusa Dana, ou Bom Povo, isto é, as fadas, elfos,
fortaleza de Conann. Mas a batalha não havia acabado, nem a gnomos e leprecaus. Seres que dominavam a arte da magia e
vitória tinha sido assegurada. Quando os ventos da mudança espalharam seus encantamentos por todo o país, imbuindo-o
pareciam ter virado a favor dos nemedianos, Morc surgiu com com uma aura de mistério. Desde então, a mágica parece pairar
reforços e massacrou todos os nemedianos – todos menos trin- nas brumas que envolvem os bosques e lagos daquelas terras.
ta. Esses trinta sobreviventes deixaram a ilha e ninguém sabe ao
certo qual foi o seu destino. Alguns acreditam que eles perece- A deusa Dana também era chamada de Brigit, uma das mais
ram sem deixar descendentes. Outros, porém, dizem que eles importantes entidades do panteão gaélico. Quando a Irlanda
voltaram à Irlanda como os Filhos da Deusa Dana. se converteu ao cristianismo, no século 6, seus atributos foram
transferidos quase que integralmente à Santa Brígida. Dana era
Enquanto os nemedianos pereciam nas batalhas contra os filha do deus Dagda, “O Bom deus”. Ela tinha três filhos, os
fomorianos, as vidas de Partholan como gamo, também che- quais, por sua vez, haviam gerado um único filho, Ecne, isto
garam ao fim. A decrepitude que novamente passou a ator- é, “Conhecimento”, ou “Poesia”. Contrariamente aos fo-
menta-lo desapareceu, quando ele se viu transformado num morianos, os Tuatha De Danann eram entidades da Luz e do
javali. E durante sua existência como javali, os firbolgs cha- Conhecimento e, entre todas as raças míticas que habitam as
garam à Irlanda, liderados por Semion MacStariat. As antigas histórias irlandesas, eram os únicos que Partholan chamou de
lendas dão conta de que os firbolgs vieram da Grécia, onde deuses. Segundo Partholan, o Povo de Dana chegou à Irlanda
haviam sido oprimidos e escravizados por invasores. Sem pers- vindo do céu, trazendo seus tesouros mágicos. Antes de irem
pectivas de vencerem seus opressores, eles construíram barcos à Irlanda, o Bom Povo habitara quatro cidades: Falias, Gorias,
de couro, os curraghs, usados pelos navegantes celtas, e fugi- Finias e Murias. Lá, eles haviam aprendido as ciências e as ar-
ram para a Irlanda. Os três grupos que chegaram ao país, os tes com os quatro sábios que reinavam em cada uma delas.
fir-bolgs, os fir-domnan e os galioins, aí se estabeleceram pa- De Falias, as fadas trouxeram Lia Fail, a Pedra do Destino, so-
cificamente e não exerceram um papel proeminente na histó- bre a qual os antigos reis da Irlanda eram coroados. Uma an-
ria mítica irlandesa. Entre eles, houve uma importante rainha, tiga profecia rezava que onde Lia Fail estivesse, um rei da raça
Telta, filha do rei da Grande Planície, isto é, a Terra dos Mortos. dos escotos, isto é, a tribo celta irlandesa que emigrou para a
Escócia, reinaria. Assim, a pedra foi levada à Escócia no século
6 d.C. para a coroação de Fergus, o Grande, irmão de Murtagh
MacErc, rei da Irlanda. Em 1297, o rei Eduardo I, da Inglaterra,
transferiu Lia Fail para a abadia de Westminster, onde perma-
nece até hoje como a Pedra da Coroação, sobre a qual todos
os reis e rainhas da Grã-Bretanha foram coroados desde então.

Matres, deusas gaulesas

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Wikicommons esperou o momento certo, e quando surgiu uma oportuni-
dade, arremessou uma pedra nos olhos de Balor, matando-o
instantaneamente. Em seguida, os fomorianos foram expulsos
da ilha. Após a batalha, Lugh se tornou rei do danaans, sedi-
mentando a supremacia do herói solar sobre os poderes da
escuridão e da força bruta representados pelos fomorianos.

Deus tricéfalo celta OS MILESIANOS
Partholan ainda vivia como águia, quando o último povo
O segundo tesouro das fadas, a invencível espada de Lugh, que ajudou a tecer os mitos da Irlanda chegou. Como os ou-
Braço Comprido, veio da cidade de Gorias. De Finias, os Filhos tros colonizadores que os anteciparam, os filhos de Miled, ou
da Deusa Dana trouxeram uma lança mágica, e de Murias, o milesianos, eram descendentes de deuses. No entanto, ao
Caldeirão de Dagda, o qual só cozinhava o alimento de heróis contrário das outras criaturas místicas, demônios e fadas que
e do qual quanto mais se retirava, mais abundante se tornava. haviam ocupado a ilha anteriormente, os filhos de Miled, tam-
bém chamados de filhos de Gael, eram humanos. Miled – um
Os danaans procuraram viver em paz com os firbolgs e pro- nome que aparece numa inscrição celta encontrada na Hungria
puseram um acordo de paz. Mas os firbolgs não aceitaram a – era descendente de Bilé, um dos muitos nomes do deus da
proposta e os combateram na Primeira Batalha de Moytura. Os morte. Partholan conta que eles vieram da Ibéria, enquanto
danaans, com uma tecnologia bélica superior, derrotaram os fir- os reis danaans MacCuill, isto é, Filho da Aveleira, MacCecht,
bolgs, mas não os destruíram. Ofereceram um armistício e conce- Filho do Arado, e MacGrené, ou Filho do Sol, governavam a
deram a eles a província de Connacht, ocupando o resto da ilha. Irlanda. Esses três reis, que dividiam o governo do país entre
si, tinham como esposas Banba, Fohla e Eriu – nomes que, em
Os dananns também combateram as forças maléficas dos diferentes épocas, foram dados à Irlanda.
fomorianos na Segunda Batalha de Moytura. Durante a con-
tenda, a águia em quem o espírito de Partholan habitava vo- Os milesianos foram à Irlanda para vingar a morte de um
ava em círculos sobre o campo de batalha. Do alto, ele teste- dos seus, Ith, que fora assassinado pelo Povo de Dana. Como
munhou os dotados artesãos dos danaans, Goban, o ferreiro, Partholan, eles chegaram à ilha no dia 1 de maio, dia do deus
Credné, o inventor, e Luchta, o carpinteiro, consertando as Beltane – outro dos muitos nomes do deus da morte, o qual
armas dos seus guerreiros com rapidez mágica e curando os concede e demanda a vida das criaturas. Logo depois de aporta-
feridos com uma pele de porco encantada. Balor, o líder dos rem nas praias irlandesas, os milesianos se dirigiram à capital do
fomoriano, cujo olhar matava, causou inúmeras baixas entre reino, Tara, onde os três reis dos danaans estavam à sua espera.
as forças dos danaans. Então, Lugh, filho de Kian, o deus solar Os invasores disseram que eles deveriam ceder a ilha, ou os
celta, cujo nome ainda reverbera em cidades como Lion, na enfrentar em batalha. Os reis danaans pediram três dias para
França, ou Leiden, na Holanda, deu combate a Balor. Lugh tomarem sua decisão. Para garantir que os milesianos não os
atacariam de surpresa antes do final do prazo, os invasores de-
veriam embarcar e manter seus barcos a uma distância de nove
ondas da praia. Os filhos de Miled concordaram. Subiram em
seus barcos e navegaram para além da nona onda. No entanto,
quando mal eles haviam feito o que seus líderes ordenaram, os
druidas danaans começaram a pronunciar poderosos encanta-
mentos que fizeram se erguer uma cortina de névoa ao redor
dos barcos e a soprar uma tempestade de força sobrenatural.

Entre os milesianos, havia um druida, Amergin, cuja podero-
sa poesia era capaz de transformar a realidade. Amergin pediu
a um dos guerreiros, Aranan, que subisse no alto do mastro do
seu barco e descobrisse se a tempestade era natural ou provo-
cada por magia. Com muito custo, Aranan conseguiu chegar
ao alto do mastro e, antes de cair para a sua morte, avisar que
não havia tempestade acima das velas. Amergin, então, reci-
tou um encantamento. No momento em que Amergin acabou
de pronunciar essas palavras, o vento cessou, e a névoa se
dissipou. Os milesianos apontaram, então, as proas dos seus
barcos em direção à praia e conseguiram aportar no estuá-
rio do rio Boyne. Os exércitos dos danaan os esperavam em
Teltown, a cidade da antiga rainha firbolguiana Telta, e uma
batalha encarnada foi travada. Os três reis das fadas e suas
rainhas combateram bravamente, mas foram mortos. Os mile-
sianos conseguiram, assim, assegurar o domínio de toda a ilha.
No entanto, apesar de derrotados, o Povo de Dana não partiu.

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Wikicommons
Wikicommons

A chegada dos filhos de Miled, O Bardo, por
de J. C. Leyendecker (1911) John Martin (1817)

Usando sua mágica, eles lançaram um véu de invisibilidade charnecas, os salmões, que simbolizam a sabedoria, o vento
sobre si mesmos, o qual retiram quando lhes é conveniente que varre as falésias, o canto dos pássaros que habitam as
aparecer para os mortais. Há, portanto, duas Irlandas: uma ruínas das antigas fortalezas, as pedras dos círculos sagrados e
material, habitada pelos milesianos humanos, e outra espiri- as lendas que, mesmo hoje, ainda envolvem nosso imaginário
tual, dominada pelos Tuatha De Danann. E nos lugares onde numa aura de magia e mistério.
os olhos humanos veem apenas ruínas de antigas fortalezas
e colinas cobertas de relva, erguem-se os palácios das fadas, MABINOGION
para onde se retiraram as divindades derrotadas. Lá os dana-
ans vivem eternamente sob o sol, alimentando-se de comida e (texto de Rodrigo Andrade)
bebida mágicas que os mantêm eternamente jovens. Nas épo- O Mabinogion é uma coletânea de 11 contos escritos em
cas de guerra ou de dificuldades, eles se revelam aos humanos
e com eles partilham sua sabedoria. galês medieval, encontrados nos manuscritos “Livro Branco
de Rhydderch” e “Livro Vermelho de Hergest”, que concer-
Quando os milesianos venceram o Povo da Deusa Dana, nem à mitologia das ilhas britânicas. Os autores desta obra são
Partholan deixou de ser águia e se tornou salmão. Um dia, desconhecidos.
ele foi pescado, assado e servido à esposa de Carell, rei de
toda a ilha. E o espírito de Partholan passou para o útero da Basicamente, resume-se a passagens históricas do início da
mulher. Nove meses depois, ele renasceu de novo como ho- Idade Média, mas também retoma as tradições da Idade do
mem. Agora, ele é Tuan Filho de Carell, ou Tuan MacCarell, Ferro.
e conserva em si a memória de Partholan e dos gamos, java-
lis, águias e salmões que seu espírito habitou. Foi ele quem Nos primórdios, este conjunto de contos celtas aplicava-
preservou a saga da conquista da Irlanda e a contou a São -se apenas a quatro, conhecidos como “Quatro Ramos do
Finnen, que a registrou em livro. Mabinogi”. Estes são os contos com maior misticismo e mito-
logia dentro do Mabinogion, enquanto os outros sete contos
A força que o folclore irlandês exerce na imaginação dos ho- têm maior enfoque a heróis guerreiros e estórias de cavalaria,
mens é de tal teor que o espírito de Partholan parece continuar como o caso do ilustre personagem rei Arthur.
vivo, imbuindo de mágica todo o país. Tem-se esta impressão
nos bosques de Kellarney, ao se ver os animais das matas e A grande maioria dos historiadores acredita que os contos
existem muito antes de serem escritos, sendo transmitidos
oralmente entre os celtas insulares.

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WikicommonsPágina do Mabinogion, em pergaminho do século 14 PWYLL, PRÍNCIPE DE DYFED
Wikicommons
TRÍADES GALESAS O primeiro dos contos, Pwyll, Príncipe de Dyfed, tem como
protagonista Pwyll, o senhor de Dyfed. Gira em torno também
As Tríades galesas compõem um conjunto de textos, encon- do casamento com Rhiannon, a Deusa das Aves e dos Cavalos,
trados no Mabinogion, que retratam a mitologia, tradição e além do nascimento e desaparecimento de seu filho Pryderi.
folclore galês. A tríade é uma forma retórica em que fragmen-
ta os respectivos assuntos em trindades, mas sempre sob um Enquanto caçava em Glyn Cuch, o príncipe de Dyfed
título que une os três. deparou-se com um veado morto sendo devorado por uma
matilha de cães. Ordenando que seus próprios cães os ata-
A coleção mais antiga das Tríades galesas encontra-se no cassem, a fim de alimentá-los, causou fúria em Arawn [Deus
livro Peniarth. Outros manuscritos importantes são o livro dos Mortos e senhor das terras do submundo de Annwn], o
Peniarth 45, além do Livro Branco de Rhydderch e Livro qual era dono dos primeiros.
Vermelho de Hergest.
Arawn resolveu punir Pwyll, fazendo com que ele assumis-
QUATRO RAMOS DO MABINOGION se sua forma física em sua casa por um ano, disfarçando-se
Os Quatro Ramos do Mabinogi são: de Senhor de Annwn, enquanto o mesmo ocorreria do outro
lado: Arawn tornando-se príncipe de Dyfed, em seu lugar.

Ao fim deste período, a missão de Pwyll era assassinar Hafgan,
inimigo de Arawn, pois apenas um mortal poderia concluí-la.

Ao ter êxito, não somente retomou sua forma original,
como também pôde dormir com a esposa de Arawn.

Após dado tempo, Pwyll conheceu Rhiannon, ficando maravi-
lhado pela deslumbrante mulher, vestida de ouro e montada so-
bre um cavalo branco, apesar de prometida a seu marido Gwawl.

Exatamente um ano e um dia depois, ganhou a mão da [até
então] mulher casada, concebida por Hefeydd, o ancião, que
era pai dela.

Tiveram um filho, mas a criança misteriosamente desapare-
ceu no dia de nascimento.

Ao desenrolar da trama, descobre-se que a criança foi encon-
trada por Teyrnon e sua esposa. Eram donos de éguas que inex-
plicavelmente tinham suas crias desaparecidas, ao concebê-las.

Certo dia, Teyrnon, intrigado pelo desaparecimento dos filho-
tes, se escondeu durante o parto. Conseguiu salvar um deles
de uma besta, tão sombria quanto enigmática. Nesse instante,
deparou-se com um bebê desamparado, resolvendo adotá-lo.

z “Pwyll, príncipe de Dyfed”;
z “Branwen, filha de Llyr”;
z “Manawyddan, filho de Llyr”;
z “Math, filho de Manthonwy”.

^ĞŐƵŶĚŽŽƉƌŽĨĞƐƐŽƌƌŝĐW͘ Pwyll caçando com seus cães (s/ data)
Hamp, o termo Mabinogi
provém do nome do deus
Maponos, originalmente
se referindo a assuntos
ƉĞƌƟŶĞƚĞƐĂĞƐƚĂĚŝǀŝŶĚĂĚĞ͘
ĂĚŝĕĆŽĚŽƐƵĮdžŽon foi
feita pela tradutora inglesa
ŚĂƌůŽƩĞ'ƵĞƐƚ͕Ğŵϭϴϰϵ͕
erroneamente, acreditando

que isto tornaria o
ƐƵďƐƚĂŶƟǀŽŶŽƉůƵƌĂů

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A criança demorou apenas 7 anos para se tornar um ho- Wikicommons
mem adulto, sendo possível reconhecê-lo como o filho desa-
parecido de Pwyll.

Devolveram-no aos seus pais biológicos, os quais o nomea-
ram de Pryderi, cujo significado literal é “preocupação”.

E assim termina este ramo do Mabinogion.

BRANWEN, FILHA DE LLYR A versão do pintor galês Christopher Williams
Este conto fala, principalmente, do casamento de Branwen, de Branwen (1915)
filha de Llyr, com Mathowch, o rei da Irlanda. Pryderi aparece,
apesar de não ter qualquer destaque. Branwen educou um pássaro e ensinou-lhe a aparência de
seu irmão Bran. Enviou-o com uma carta amarrada em sua
Llyr é o Deus do Mar e da Água e, além de Branwen, é pai asa, descrevendo todo o desprezo que estava sofrendo.
de Manawyddan e Bran, o Abençoado.
Bran entristeceu-se muito com a situação de sua irmã e logo
Certo dia, Bendigeid Bran, rei de Aber Menei (uma das ilhas reuniu tropas à Irlanda.
de Gales) avistava o mar, contemplando as águas salgadas.
Avistou ao fim do horizonte 13 navios, vindo rapidamente do Ao estarem próximos da costa irlandesa, Mathowch e seu
sul da Irlanda. Conselho resolveram retirar-se para além do rio Linon, des-
truindo a ponte que o atravessa.
Receoso, enviou homens armados para averiguar quais
eram suas intenções. Bran, ao chegar lá, disse à sua tropa:
— Não vos preocupeis. Ninguém consegue atravessar este
No instante em que os navios ali desembarcaram, sua voz rio, a não ser um chefe. Eu o serei. Que seja uma ponte o
ecoou pelos mares: homem que é chefe na verdade.
Após atravessar o rio, os irlandeses o saudaram e Mathowch
— O Céu vos faça prosperar, sejam bem-vindos. Há quem deu o reino da Irlanda a Gwern, sobrinho de Bran e filho de
pertencem estes navios? Branwen.
Presentearam Bran com uma casa, afinal, ele sempre morou
— Senhor — disseram-no —, os navios pertencem a em tendas como uma compensação.
Mathowch, o rei da Irlanda, que aqui está e sugere uma alian- Contudo a casa era uma armadilha: ao lado de cada um dos
ça entre a Ilha do Poderoso e a Irlanda. Ele veio pedir a mão cem pilares que a sustentavam, havia um saco de couro com
de sua irmã, Branwen. um homem armado dentro.
Efnissyen — o homem que esquartejou os cavalos — en-
Bran alegrou-se e logo os convidou: trou antes de todos na casa. Colocava as mãos dentro dos
— Por favor, desembarquem, e bem-vindos à Ilha do sacos e perguntavam aos irlandeses que ali estavam de que
Poderoso! conteúdo se tratava.
No outro dia, reuniram-se e Bran concedeu a mão da don- — É comida — disseram-lhe.
zela, considerada a mais bela de todo o mundo. Efnissyen ia de saco em saco repetindo as perguntas.
As festas não tardaram: ambos os povos dançavam, discur- Apertava a cabeça dos impostores disfarçadamente, explodin-
savam e riam por todos os cantos. do o cérebro de todos.
Porém nem todos estavam se contentaram. Efnissyen, irmão
de Branwen por parte de sua mãe, revoltou-se por sequer in-
dagarem sua posição quanto ao pedido de casamento.
Irado, descontou sua fúria nos cavalos irlandeses, esquar-
tejando-os.
Não tardou para que as notícias chegassem aos ouvidos de
Mathowch. O rei da Irlanda jamais fora insultado dessa forma.
Retirando-se, rumo aos navios, foi convencido pelos men-
sageiros de Bran de que não estavam envolvidos na tragédia.
Sugeriram formas de compensarem o insulto, oferecendo-o
um bastão de prata e um prato de ouro.
Obviamente, isto jamais iria compensar, de fato, o trans-
torno de Mathowch, mas este preferiu aceitá-los ao invés de
sofrer ainda mais vergonha.
Ao notar que Mathowch continuava desanimado, resolveu
acrescentar outra compensação à lista: um caldeirão mágico
capaz de reviver mortos, o Caldeirão da Renovação, apesar
de retornarem à vida sem conseguir falar. A partir de então
Mathowch, maravilhado, retornou à Irlanda despreocupado.
Passados dois anos, os rumores do que ocorreu em Aber
Menei com os cavalos irlandeses se estenderam a Branwen.
Sentiam sede de justiça e resolveram puni-la, trabalhando
na cozinha e tendo suas orelhas diariamente golpeadas pelo
açougueiro, a mando dos irmãos de Mathowch.

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Logo após, os galeses retornaram a casa. Certo dia, Heilyn, outro dos sete, resolveu atender sua
Felizes por ter Branwen de volta, agora com seu filho, uma curiosidade e abriu a terceira porta.
tragédia ocorreu.
Efnissyen pegou na mão do garoto Gwern e arremessou-o Eles olharam em direção à Cornualha e viram toda a miséria
ao fogo. Ele não resistiu. que seus amigos sofreram. Lembraram-se de toda a dor e an-
Os irlandeses acenderam um intenso fogo sob o Caldeirão gústia. De todos os sofrimentos.
da Renovação e lançaram os cadáveres que o irmão materno
de Branwen assassinou. Todos ressuscitaram ao mundo dos Não conseguiam sequer dormir — tamanha era a perturba-
vivos, porém incapazes de falar. ção. Partiram dali, rumo a Londres.
Quando Efnissyen reparou que não havia mais mortos,
lamentou-se por ter sido a causa dos irlandeses possuírem o Ao chegarem lá, sepultaram a cabeça de Bran no Monte
caldeirão ao ponto de se atirar em meio aos cadáveres. Branco de Londres.
Os irlandeses, pensando que se tratava de um de seus parcei-
ros, lançaram-no ao caldeirão. Ele se esticou tanto ali dentro que Enquanto a cabeça esteve oculta, nenhuma invasão veio
chegou a quebrá-lo em quatro partes, e também seu coração. sobre o mar, passagem chamada de “a terceira ocultação
Esta não foi a vitória do povo galês, afinal, apenas sete dos agradável”.
homens conseguiram escapar.
Nem mesmo Bran, o Abençoado, conseguira escapar. Foi Ao ser desenterrada, infortúnios, novamente, estavam pres-
acertado com um dardo venenoso e clamou que decepassem tes a acontecer.
sua cabeça.
Branwen fugiu com os sete homens, mas estava tão depri- E assim termina este ramo do Mabinogion.
mida ao ponto de seu grito estourar seu coração.
Sete anos depois, migraram para Penfro. Encontraram ali MANAWYDDAN, FILHO DE LLYR
um salão digno de um rei, que avistava o mar. Manawyddan, filho de Llyr continua a história do segun-
Entraram e viram duas portas abertas e outra fechada, a do conto, Branwen, filha de Llyr, tendo como protagonistas
qual olhava em direção à Cornualha. Manawyddan e Pryderi, nas terras de Dyved.
Manawyddan, um dos sete sobreviventes, alertou para não
abrir a terceira porta. Manawyddan, após ter enterrado a cabeça de seu irmão
Passaram-se quatro vintenas de anos de muita harmonia e Branwen, foi tomado por uma imensa onda de infortúnios
prosperidade. Jamais sentiram tanta alegria como nesse período. e lamentos.

Bran, na interpretação — Senhor — disse Pryderi, em tom de consolação —, não
de Ivor Robert-Jones se preocupe. Teu primo ainda é rei da Ilha da Força. Tu és,
(1984) portanto, o terceiro príncipe deserdado.

Wikicommons Enquanto Manawyddan ainda lamentava pela morte de seu
querido irmão, Pryderi concluiu:

— Há sete Cantrevs (Cantref - plural Cantrevs - concerne à
medida galesa medieval, no caso sendo referida a terras e pro-
priedades) que me pertencem, onde minha viúva mãe Rhiannon
vive. Eu insisto para que usufruas delas e se case com ela.

— Que os Céus lhe recompensem por sua amizade — res-
pondeu Manawyddan. — Irei contigo a Dyved, meu amigo,
procurar Rhiannon e suas posses.

Foi uma longa jornada, e, ao chegar lá, reuniram-se todos
para jantar. Manawyddan e Rhiannon trocaram risadas e lon-
gas conversas, sentindo um mútuo interesse.

Pryderi disse à sua mãe sobre a proposta de casamento.
Antes mesmo do término do banquete, já se tornara esposa
de seu amigo.

Os três mantinham uma forte amizade e sempre estavam
juntos. Ao circundarem Dyved, jamais tinham encontrado ter-
ras com tamanha beleza e abundância de caças, mel e peixes.

Chegando a Gorsedd de Narberth, um intenso barulho de
trovão e uma névoa, densa ao ponto de não conseguirem ver
um ao outro, os assolou. E, logo após a névoa ter desapareci-
do, uma luz os circundou. Notaram que ali não mais estavam
o gado, as casas, os animais, o fogo e a fumaça, além de qual-
quer ser humano. As casas da corte estavam vazias. Restaram
apenas Manawyddan, Rhiannon, Pryderi e sua esposa Kicva.

Intrigados, procuraram incessantemente, mas nada, exceto
animais selvagens, encontraram. Passaram o primeiro ano usu-
fruindo de toda a comida que restara.

Após esse período, foram a Hereford, em busca de susten-
to. Manawyddan tornou-se um mestre na confecção de selas,
esmaltando-as de azul; todos os compradores da cidade iam
até ele, fazendo com que os vendedores locais rumassem à fa-

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lência, decidindo assassiná-lo. Rhiannon, heroína do Wikicommons
Manawyddan sugeriu a Mabinogion, em gravura

Pryderi que deveriam migrar do final do século 19
a outra cidade, ao invés de
matar estes homens rústicos e cresciam e prosperavam, à medida que as estações passavam.
serem presos. Chegando no dia da colheita, Manawyddan percebeu, em

Dedicaram-se à fabricação um dos quintais, que já estavam maduros. Deixou para ceifa-
de escudos, e prosperaram. -los no outro dia.
Os escudos também eram
esmaltados de azul. Os ar- Ao amanhecer, dirigiu-se ao quintal, mas reparou que todos
tesãos locais iam gradativa- os trigos já haviam sido cortados em seus caules, restando ali
mente diminuindo suas ven- apenas palha.
das — pois todos queriam
os escudos azuis de Pryderi e Resolveu ir a outro quintal, e percebeu que também esta-
Manawyddan — e decidiram vam maduros. Deixou para ceifa-los no outro dia.
assasiná-los.
No dia seguinte, reparou que o mesmo ocorreu: só havia
Resolveram migrar para palha.
outra cidade, ao invés de
enfrentarem tais homens e Aflito, resolveu vigiar o terceiro quintal durante a noite, a
entrarem em apuros com os fim de surpreender o ladrão. À meia noite, um tumulto gigan-
demais habitantes de lá. tesco de ratos inundou os trigos, entortando-os e deixando,
apenas, seus caules. Manawyddan ficou furioso e correu em
Chegando ali, decidiram direção a eles, mas como estes eram muito rápidos, não con-
confeccionar sapatos, pois seguia alcançá-los, exceto um único que se demonstrou ser
Manawyddan já sabia costu- mais preguiçoso. Pegou o animal e prendeu-o em uma luva.
rar. Desenvolviam os mais be-
los sapatos, e todos os deseja- — Amanhã enforcarei este impostor — disse à Kicva, em
vam. Não tardou para que os tom de justiça.
sapateiros locais começassem
a se irritar, concordando em No outro dia, Manawyddan armou a forca para o ladrão,
assassiná-los. quando avistou um sábio se aproximando, vestindo roupas esfar-
rapadas. Havia sete anos que não avistava qualquer homem ali.
Novamente evitaram con-
flitos, mas desta vez resolve- — Meu senhor — disse o sábio. —, que os Céus lhe tragam
ram retornar a Dyved, onde se dedicaram à caça. prosperidade.

Certo dia, seus cães de caça avistaram um javali selvagem. — De onde vens, sábio? — perguntou Manawyddan. —
Perseguindo-o, correram até avistar um castelo jamais visto, Pois não vejo homem algum neste lugar há sete anos.
recém-construído. Os cães latiam incessantemente, mas ao
entrarem no misterioso castelo, um silêncio perturbou os dois
homens.

Aflito por seus cães, Pryderi resolveu entrar no castelo, mas
ali não encontrou qualquer resquício de vida animal ou huma-
na. Avistou, contudo, um vaso de ouro. Seduzido, resolveu
segurá-lo, mas suas mãos ficaram presas a este, e não conse-
guia proferir qualquer palavra.

Manawyddan aguardou ali fora até o sol se por. À noite
retornou ao palácio em que moravam e relatou à Rhiannon do
ocorrido. Ela se irritou com a falta de companheirismo de seu
marido, resolvendo ir ao castelo.

Rhiannon não se intimidou e entrou no castelo. Notou que
Pryderi estava segurando um vaso, e dele se aproximou. Suas
mãos também ficaram presas ao vaso, seus pés ao mármore e
seus lábios cessaram de abrir.

Ao anoitecer, trovões ecoaram e uma imensa névoa surgiu,
fazendo com que o castelo desaparecesse, levando Pryderi e
Rhiannon.

Manawyddan e Kicva estavam sós. Por terem perdido seus
cães e temerem falta de comida, o filho de Llyr começou a
pescar e caçar cervos em seu esconderijo.

Preparou o solo e semeou três quintais. Nunca no mundo
um trigo de tamanha qualidade havia brotado. Os três quintais

58

Wikicommons

A costa galesa em quadro do francês Alfred Sisley (1897)

— Venho de Lloegyr. Mas permita-me perguntar: O que O bispo insistiu:
fazes com um rato em suas mãos? — Se não vais libertá-lo de tal maneira, qual o preço que
desejas?
— Flagrei-o roubando, e, pelos Céus, não o libertarei. A — Desejo a liberdade de Rhiannon e Pryderi — o filho de
desgraça trarei a este animal. Llyr suplicou.
— Tal preço terás — respondeu o bispo.
O sábio ofereceu uma moeda para que ele não assassinasse — Porém não o libertarei ainda. Desejo, também, que o fei-
um pobre animal, mas, obviamente, Manawyddan recusou. Foi- tiço e a ilusão sejam removidos dos Cantrevs de Dyved.
se embora, virando as costas para o enforcamento do roedor. — Isso também terás, portanto, liberte o rato.
— Não o libertarei enquanto não souber quem ele é.
Enquanto posicionava a forca, avistou um sacerdote vindo — É minha esposa — respondeu o bispo. — Ela veio até ti
em sua direção, montado em um cavalo coberto de trapos. para despojar de seus bens. Eu sou Llwyd, o filho de Kilcoed, e
fui eu quem lancei o feitiço sobre os sete Cantrevs de Dyved.
— Bom dia, senhor — disse o cavaleiro. O fiz para vingar meu amigo Gwal, o filho de Clud, sobre
— Que os Céus lhe tragam prosperidade — respondeu Pryderi, cujo pai, Pwyll, trapaceou no Jogo do Texugo e lançou
Manawyddan. Gwal à prisão. Quando soubemos que tu virias habitar estas
— O que fazes segurando um rato, senhor? terras, minha própria família pediu-me para que os transfor-
— Estou enforcando este ladrão que me roubava. Confesso massem em ratos e, sendo assim, destruíssem os seus trigos.
aos Céus que não o venderei e, tampouco, o libertarei. Não Agora, por favor, liberte-a.
aceito preço algum por ele. — Apenas a libertarei se não houver mais feitiços nos
E assim o sacerdote se foi. Cantrevs de Dyved e se a vingança não se estender sobre
Quando Manawyddan amarrou o nó no pescoço do animal, mim, Rhiannon, Pryderi ou Kicva.
prestes a matá-lo, avistou um bispo com seus cavalos e criados — Tal desejo terás: tens a minha palavra.
aproximando-se. Manawyddan soltou o rato, e Llwyd tocou-o com seu caja-
— Senhor bispo, tuas bênçãos. do mágico, fazendo com que ela retornasse a forma de uma
— Bênçãos dos Céus para ti. Mas por que razão estás enfor- bela jovem. O filho de Llyr reparou que tudo voltara ao nor-
cando um pobre rato? mal: a terra estava em perfeito estado e repleta de habitações,
— Ele roubou-me — respondeu Manawyddan.
— Ofereço-te vinte e quatro moedas pela liberdade do ani-
mal, além de todos os cavalos nesta planície.
— Pelos Céus, não o libertarei!

59

Wikicommons pessoas e gado. Pryderi e Rhiannon, que estavam presos, fo-
ram libertos.
Trigais, de Vincent Van Gogh (1890)
A paz reinou nos sete Cantrevs de Dyved, e Pryderi tornara-
Wikicommons -se rei.

E assim termina este ramo do Mabinogion.

MATH, FILHO DE MANTHONWY
Math, filho de Mathonwy encerra os Quatro Ramos do
Mabinogion, e tem como destaque os personagens Math e
Gwydion, que conflitam com Pryderi.

Com o passar dos anos, Pryderi tornara-se rei de vinte e
uma Cantrevs do sul, incluindo as sete Cantrevs de Dyved,
sete Cantrevs de Morganwc, quatro Cantrevs de Ceredigiawn
e três de Ystrad Tywi.

Math, filho de Manthonwy, era um mago que, quando não
estava em combates, não poderia ficar sem a presença de
uma virgem. Sua donzela era a magnífica Goewin, filha de
Pebin, que sempre estava junto a ele. Era, também, senhor de
Gwynedd, terra localizada ao noroeste de Gales.

Gilvaethwy se apaixonou por Goewin; era tanto amor que
chegou a ficar pálido pelo fato de ela já estar comprometida a
Math. Seu irmão Gwydion teve uma ideia para afastar Math
de Goewin.

Gwydion chegou a Math e sugeriu:
— Do sul, aproximam-se animais jamais visto em Gwynedd.
São chamados “porcos”, animais pequenos, cuja carne é mui-
to melhor do que a bovina. Pryderi, filho de Pwyll, é o dono

Paisagem galesa,
Augustus John (1914)

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Bandeira de Gwynedd, cujo rei era Manthonwy

destes. Se consentir, irei acompanhado de onze homens disfar- Gwydion vence Pryderi em combate singular,
çados de bardos, e tomaremos os animais. em ilustração de Edward Wallcousins

Com a permissão de Math, foram a Rhuddlan Teivi, onde Os homens travaram o duelo. Gwydion, devido à força e
o palácio de Pryderi se localizava. Foram bem recebidos por aos feitiços, assassinou Pryderi. Os reféns do sul, que juraram
estarem vestidos como bardos, e Gwydion, que era o melhor paz, foram libertados.
contador de histórias daquele tempo, divertiu a todos os ho-
mens da corte, incluindo o rei Pryderi. Math retornou aos seus aposentos, e Goewin, em tom de
tristeza, alertou:
Após se sentir confortável, Gwydion suplicou ao rei que lhe
concedesse os suínos. Contudo Pryderi recusou, por seguir um — Senhor, tu deves procurar outra para repousar teus pés,
pacto no qual estes animais devessem procriar o dobro de seu pois não sou mais tua donzela. Gilvaethwy e Gwydion a mim
número, até poderem sair de suas terras. desgraçaram; todos na Corte já sabem do fato, o que lhe trou-
xe desonra, ainda mais por tratar-se de seus sobrinhos.
Gwydion percebeu que precisaria de outra forma para con-
seguir os porcos, e iniciou um feitiço, no qual doze cavalos Encolerizado pela fúria, tornou Goewin em sua esposa para
com doze selas de ouro e doze cães negros com doze coleiras, que usufruísse todos os seus bens, e tomou os seus sobrinhos,
também de ouro, surgissem. a fim de puni-los. A punição consistia em transformá-los em
diferentes animais no período de três anos. Com sua varinha
Levou os vinte e quatro animais até Pryderi e sugeriu uma mágica, transformou-os em cervos por um ano, no segundo
troca, visto que ele não podia dar ou vender os suínos. O rei, ano em javalis, e no terceiro em um par de lobos.
após analisar com cautela a proposta, consentiu a troca.
Após os três anos, transformou-os novamente em homens.
Já com posse dos animais, Gwydion sugeriu aos seus ho- Math disse:
mens que viajassem com rapidez a Gwynedd, pois as ilusões
perdurariam por pouco tempo. — Já sofreram o suficiente para pagar tudo o que nos cau-
saram. Porém ainda procuro uma donzela para substituir
Ao chegar lá, rapidamente as notícias chegaram aos seus ou- Goewin, que não é mais virgem.
vidos, dizendo que Pryderi estava reunindo todas as Cantrevs
para atacar Gwynedd. — Senhor — respondeu Gwydion —, procure por Arianrod,
filha de Don.
Math e seus homens partiram para Penardd de Arvon para
a batalha. A moça foi trazida até Math e ele quis verificar se ela real-
mente era uma virgem.
Gilvaethwy tomou o aposento de Math, expulsando todas
as damas, exceto Goewin, obrigando-a contra sua vontade. — Moça — ele disse —, saberei se tu és a donzela se pisares
em minha varinha mágica.
As batalhas foram sangrentas para ambos os lados, mas
Pryderi foi forçado a retirar suas tropas. Enquanto seguia Quando ela pisou na varinha, reprovou no teste de pureza,
até Melenryd, despachou mensageiros a Math, suplicando
para que resolvesse seu conflito com Gwydion, ao invés das
Cantrevs do sul, afinal, era ele a causa de todo este conflito.

Math, ao ouvir a mensagem, concordou que seria mais in-
teligente que apenas Gwydion e Pryderi lutassem, ao invés de
multidões de ambos os lados.

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A pedra de Dylan, em Clynnog Fawr, País de Gales

dando à luz dois garotos de cabelos loiros. Math tomou o pri- Blodeuwedd, por Christopher Williams (1930)
meiro e batizou-o com o nome de Dylan.
O rei Llew Llaw Gyffes, apesar das pragas iniciais, agora
Após o batismo, o garoto foi lançado ao mar. Mas este na- estava encantado com a invulnerabilidade. Poderia ser morto
dou melhor do que qualquer peixe, sendo chamado, por esta apenas por uma lança que tivesse sido construída em uma era
razão, de “Dylan, filho das Ondas”. em que o trabalho era proibido.

O segundo garoto foi amaldiçoado por Arianrod. A mãe Certo dia, Blodeuwedd foi passear e acabou cruzando
odiava o filho por tê-la constrangido. A maldição faria com com Gronw Pebyr, senhor de Penllynn. Conforme foram
que o garoto nunca possuísse um nome, a não ser que fosse conversando, o coração de ambos desabrochou, e estavam
ela que o nomeasse. apaixonados.

Mas certo dia, Gwydion, que adotara o menino, conseguiu A mulher nascida das flores insistiu para que Gronw perma-
enganá-la ao mudar a forma do garoto. Quando o menino, necesse ali por mais uns dias. Sugeriu que a única forma de
aparentemente desconhecido por Arianrod, a impressionou ficarem juntos seria assassinar seu marido, encontrando uma
acertando um pássaro com uma pedra, devido à sua precisão. maneira para conseguir fazê-lo.
Ela batizou o garoto de Llew Llaw Gyffes; e o menino retornou
à sua forma original. A mãe ficou furiosa e lançou outro feitiço Após um tempo, ela descobriu como a lança poderia ser
ao garoto, fazendo com que ele nunca pudesse utilizar armas construída. Perguntou ao seu marido como ele poderia ser
ou armaduras que não fossem dadas por ela. morto, enquanto Gronw permanecia escondido. Llew, sem
sequer desconfiar, revelou o segredo, quando o amante es-
Após um determinado tempo, o pai adotivo de Llew arqui- petou-lhe a lança.
tetou um plano: ambos se disfarçaram de bardos e, desta for-
ma, conseguiram entrar no salão de Arianrod. Banquetearam,
e Gwydion, que era um mestre na arte de contar histórias, os
entreteve, sendo convidados para dormir em um dos quartos.

Antes do raiar do dia, Gwydion invocou magias e encan-
tamentos, ressoando pelo território gritos, trompas e ruídos.
Uma imagem de um sem-número de navios foi projetada no
mar, causando desespero em Arianrod.

— Devemos fechar os portões do castelo e defendê-lo como
pudermos. Por favor, nos tragam armas.

Arianrod imediatamente trouxe os armamentos, e ela mes-
ma vestiu a armadura no jovem, quebrando o feitiço.

Imediatamente os navios desapareceram, e os gritos silen-
ciaram. Arianrod enfureceu-se e lançou ao garoto novamente
outro feitiço, fazendo com que ele não pudesse ter uma espo-
sa de mesma raça.

Quando Llew já havia tornando-se um homem, foram até
Math explicar o ocorrido. O filho de Mathonwy, através de
feitiços e magias, criou uma esposa para o jovem, através das
flores, dando o nome de Blodeuwedd à donzela.

Blodeuwedd tornara-se noiva de Llew. Na cerimônia, Math
deu ao jovem o Cantrev de Dinodig, aonde Llew viria reinar e
ser adorado por todo o povo, junto à sua esposa.

62

Wikicommons A águia descera até o galho mais baixo da árvore, e Gwydion
Wikicommonsnovamente cantou outro Englyn:

“Grandioso e majestoso é teu aspecto!
Não devo dizer,
Que Llew venha para o meu colo?”
A águia pousou e Gwydion tocou-a com sua varinha mági-
ca, retornando-a à forma humana original, apesar de estar ex-
tremamente magricela, ao ponto dos ossos estarem expostos.
Os melhores médicos de Gwynedd tomaram conta de Llew.
Após um longo período de recuperações, suplicou a Math
que punisse sua esposa infiel e seu amante Gronw. Math con-
cordou.
Assassinou Gronw exatamente da mesma forma que este
havia o feito quando o transformou em águia, com mesma
lança e no mesmo local.
Gwydion encontrou Blodeuwedd e disse:
— Não irei matá-la; farei algo pior. Transformar-te-ei em
um pássaro pela vergonha que causaste a Llew Llaw Gyffes.
Nunca mais seu rosto será exposto à luz do dia, por medo dos
outros pássaros que a odiarão e a perseguirão aonde tu for.
Teu nome continuará Blodeuwedd.
E assim termina este ramo do Mabinogion.

Blodeuwedd encontra Gronw, E. Wallcousins (1920)

Llew se transformou em uma águia e voou para cima de Llew voa como uma águia, em ilustração
um carvalho. de edição galesa do Mabinogion de 1877

Gwydion o atraiu para o chão, transformando-o novamente
em humano, ao recitar os seguintes Englyns:

“Carvalho que cresce entre as duas orlas;
Escuro é o céu e a colina!
Não direi eu que pelas feridas,
Se trata de Llew?”
A águia desceu e pousou no centro da árvore. Tornou
Gwydion com outro Englyn:
“Carvalho que cresce no solo alto,
Não é úmido aí?
Não foi alagado
Por nove fortes tempestades?
Carregas em teus galhos
Llew Llaw Gyffes!”

EnglynsƐĆŽƉŽĞŵĂƐƚƌĂĚŝĐŝŽŶĂŝƐŐĂůĞƐĞƐ͘^ĆŽĐƵƌƚŽƐ
ĞƵƟůŝnjĂŵŵĠƚƌŝĐĂƋƵĞĞŶǀŽůǀĞŵĂĐŽŶƚĂŐĞŵĚĞƐşůĂďĂƐ͕

ĂůĠŵĚŽƵƐŽĚĞƌŝŵĂƐ͘ĂĚĂůŝŶŚĂĐŽŶƚĠŵƵŵƉĂĚƌĆŽ
ƌĞƉĞƟƟǀŽĚĞŝŶŇĞdžƁĞƐ͕ĐŚĂŵĂĚĂƐ“cynghanedd”

63

DEUSES,
DEUSAS, HERÓIS

E HEROÍNAS
Apesar de o povo celta continental praticamente não ter deixado registros
escritos, seus deuses são conhecidos devido a muitos dos dominadores

romanos, que preservaram sua religião, chegando até a adorar tais deuses
e divindades. O motivo principal para isso ter ocorrido foi porque muitos

aspectos dos deuses celtas se assemelharem aos dos romanos

Uma infinidade de divindades celtas parecia com deu- Tan Hill (literalmente “Colina de Fogo”) era a divindade do
ses romanos como Mercúrio, Apolo, Marte, Venus, fogo, e uma das reverências a este deus consistia em um ritual
Minerva, Cibele, etc., com notórias semelhanças en- no qual o indivíduo ficava no centro de um triângulo, com-
tre si. O deus celta do trovão Taranis era, por exem- posto por três velas vermelhas. Ao invocar o auxílio do Deus
plo, equiparado a Júpiter, deus romano do dia.
KƐĂŶƟŐŽƐĚƌƵŝĚĂƐĞďĂƌĚŽƐĐĞůƚĂƐ
Os celtas insulares e goidélicos, no entanto, deixaram uma não registraram por escrito sua
rica variedade de cultura, tendo a maior parte de suas lendas ƚƌĂĚŝĕĆŽ͕ƉŽŝƐĂŵĂŶƟŶŚĂŵĞĂ
sido escritas durante a Idade Média, já após a cristianização, ƚƌĂŶƐŵŝƟĂŵŽƌĂůŵĞŶƚĞ͘ƐƐŝŵ͕
supostamente temendo o fim seus legados.
grande parte desse conhecimento
Atualmente se conhece mais de trezentos deuses de toda a acabou se perdendo, inclusive seu
mitologia celta — sobretudo os goidélicos —, mas poucos eram, ƉĂŶƚĞĆŽ͘ŵďŽƌĂŽƐĐƌŽŶŝƐƚĂƐŐƌĞŐŽƐ
de fato, adorados em comum entre os três grupos principais. ĞƌŽŵĂŶŽƐĚĂŶƟŐƵŝĚĂĚĞƚĞŶŚĂŵ
deixado relatos sobre os deuses
DEUSES celtas, eles não conservaram seus
Os deuses celtas representavam uma infinidade inimaginá- ŶŽŵĞƐŽƌŝŐŝŶĂŝƐƐƵďƐƟƚƵŝŶĚŽͲŽƐ
vel de coisas, transcendendo a concepção limitada de que os ƉĞůĂƐƐƵĂƐĐŽŶƚƌĂƉĂƌƟĚĂƐŐƌĞŐĂƐ
deuses antigos apenas simbolizavam fenômenos da natureza.
ĞƌŽŵĂŶĂƐ͘ŽŶŚĞĐĞͲƐĞŵĂŝƐŽƐ
Goibiniu, por exemplo, era o deus fabricante de cerveja. deuses irlandeses, preservados pela
Epona era a deusa dos cavalos, Oengus o deus da inspiração
poética, amor e beleza, Badb a deusa da guerra, Dagda o deus ůŝƚĞƌĂƚƵƌĂŵşƟĐĂĚĂŝůŚĂ͘ůĞƐƐĆŽ͕
da magia e música, Macha a deusa da fertilidade, além de um muitos deles, os Tuatha De Danann,
sem-número de deuses com múltiplas associações.
ou Filhos da Deusa Dana
Os fenômenos naturais, obviamente, também eram associa-
dos: Cailleach é a deusa da terra e das rochas, Fliddais a deusa
da floresta e dos bosques, Dylan o deus do mar, Lleu o deus da
terra e Nechtan o deus do rio.

Os celtas adoravam seus deuses através de rituais, e as ceri-
mônias ocorriam em determinados dias do ano, tais como fe-
riados cristãos da sociedade contemporânea ocidental, como
a páscoa e o natal.

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Wikicommons A Senhora do Lago, do ciclo arturiano, conserva
o mesmo caráter das divindades dos rios e
fontes dos antigos celtas (Miss C. Parsosn como
a Senhora do Lago, por Thomas Sully, 1812)

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Bunworth Banshee, de Thomas Crofton Croker (1825):
a visão ou, por vezes, o ouvir o grito das banshees
anunciavam uma morte iminente

do Fogo, este jogava purpurina nas velas, alimentando suas
chamas, enquanto afirmava:

“Assim como esta chama cresce, tudo que eu fizer tam-
bém crescerá”.

Outro fato curioso é que muitos dos deuses celtas acabavam
por ter características extremamente parecidas entre si, dife-
rindo muitas vezes apenas em nome e figura representativa,
devido às diferenças de localizações dos povos celtas. A seguir,
algumas das principais divindades celtas

ABADINO, ABANDINUS O altar à Diana Abnoba em Badenweiler, Alemanha
Deus ou espírito masculino cultuado em Godmanchester,
em Cambridgeshire, Inglaterra, durante o período de ocupa- ABHEAN
ção romana. A única referência existente sobre essa divindade
é uma inscrição num altar: “Ao deus Abandinus, Vatiacus de- Na mitologia Irlandesa Abhean era o harpista dos Tuatha
dica este [com] suas próprias economias”. Trata-se, provavel- De Danann.
mente, de deus local, possivelmente associado a uma nascente
ou a um riacho. ABNOBA
A deusa das matas e dos rios Abnoba era cultuada na
O nome poderia ser interpretado como uma forma estendida região da Floresta Negra, no Sudoeste da Alemanha, não
de uma raiz composta de elementos proto-celtas e significaria “(o muito distante da fronteira com a França (a antiga Gália).
deus) que canta para (algo/alguém)” ou “(o deus) que amarra Foram descobertas nove inscrições. Em duas delas, um altar
(algo/alguém) a (algo/alguém)”. Entretanto, é possível também encontrado nas termas romanas em Badenweiler e em um
ver o nome como uma forma estendida de uma variante. outro em Mühlenbach, Abnoba é relacionada a Diana, a
deusa romana da caçada que, por sua vez, corresponde à
ABELIO deusa grega Ártemis.
Deus cultuado no vale Garonne na província romana da
Gália Aquitânia, hoje sudoeste da França, provavelmen- Segundo Plínio, o Velho, que escreveu no século 1 a.C.,
te associado às macieiras. Alguns estudiosos propõem que Abnoba é a nascente do rio Danúbio – o que poderia levar
Abelio é, na verdade, Apolo, o deus greco-romano da luz, a crer que Abnoba seria uma divindade dessa nascente, se-
da profecia, da música e das artes. De fato, de acordo com melhante às ninfas gregas. Contudo, alguns pesquisadores
o Dictionary of Greek and Roman Biography and Mythology observam que Plínio poderia ter confundindo o Reno e seus
(Dicionário Biográfico e Mitológico Greco-Romano), em Creta afluentes com o Danúbio.
e em outros locais, Apolo também eram chamado de Abelios.
Tertuliano, que escreveu no final do século2 e início do 3 d.C.,
Abelio seria o mesmo deus que Belenos.

Provavelmente, Abelio deva ter sido uma divindade solar,
como Apolo – o que pode ter levado os romanos a associar
essa divindade ao Apolo de Creta.

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Embora a etimologia do nome dessa deusa seja incerta, um conta da ascendência divina do conde, muitas famílias do
de seus elementos significariam “água, rio”, o que poderia Munster afirmavam ser descendentes da deusa Ainé.
confirmar que Abnoba era uma deusa relacionada às fontes,
além de seu atributo como caçadora. Embora Ainé não seja muito citada na literatura bárdica, ela
ocupa um lugar de proeminência no folclore local. Até o início
ABRED do século 20 na véspera do solstício de verão, os camponeses
De acordo com a tradição druídica ensinava que a alma hu- homenageavam Ainé com uma procissão de tochas. Depois
mana teria de passar por muitas encarnações em Abred, O da procissão, os participantes se dispersavam pelas plantações,
Círculo da Necessidade. Abred é a Vida Terrena. onde giravam as tochas sobre as plantas para garantir abun-
dancia e boa sorte.
AIN
Na mitologia Irlandesa Ain foi a deusa que, junto com sua AIRMID
irmã, escreveu as antigas Leis da Irlanda que protegiam os di- Airmid era filha de Diancecht, o deus da medicina gaélico.
reitos das mulheres. Uma antiga lenda dá conta de que Airmid colheu 365 talos
que cresciam sobre a tumba de seu irmão Miach e os teceu
AINÉ de forma fazer um manto que curava qualquer doença. No
A deusa Ainé é uma tradição da região do Munster, um dos entanto, Diancecht, tomado de ciúme, misturou os talos, al-
quatro antigos reinos da Irlanda. Ela era filha de Owen, en- terando a ordem do tecido. Não fosse isso, os homens teriam
teado do deus do mar Mananan. Ainé é uma deusa do amor, cura para todas as doenças que afligem a humanidade.
inspirando continuamente os mortais com paixão.
ALISANOS, ALISAUNUS
Certa vez, o rei de Munster, Ailill Olum, se apaixonou por Deus cultuado na atual região de Côte-dOr e em Aix-en-
Ainé e a perseguiu por toda a ilha. Mas tudo o que ele encon- Provence, na França. Há pelo menos duas inscrições dedica-
trou foi a morte, causada pelas artes mágicas da deusa. No tórias a esse deus, escritas na língua gaulesa. São epígrafes
entanto, Ainé, se entregou a um mortal do clã Fitzgerald, um oferecidas em agradecimento ou reconhecimento a graças
dos mais antigos do Munster, com quem teve um filho que se recebidas do deus, semelhantes às que os católicos devotam
tornou um poderoso mago e o Quarto Conde de Desmond. aos seus santos por pedidos atendidos. Numa delas, lê-se,
Uma lenda local afirma que o conde desapareceu misteriosa- “Doiros (filho) de Segomaros dedicou (este) a Alisanos”, en-
mente, em 1398, e que passou a viver sob as águas do Loch quanto a outra registra que “Paullinus cumpriu livre e mereci-
Gur. Ainda hoje ele pode ser visto uma vez a cada sete anos, damente sua promessa ao deus Alisanus em nome de seu filho
cavalgando um garanhão branco nas margens do lago. Por Contedius”. O nome Alisanos indica que esse deus era um
deus da montanha.

Wikicommons

Detalhe do caldeirão de Gundestrup, vaso de prata decorado com divindades celtas (c. século 2 a.C. a 4 d.C.)

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Wikicommons

Mapa das tribos celtas do Norte da França, Oeste da Alemanha e Sul da Inglaterra
que cultuavam os deuses romanizados ou registrados em inscrições galo-romanas

ALOUNOS, ALAUNOS (ALAUNUS), AMBISAGRUS
ALÂUNIOS (ALAUNIUS)
Deus gaulês cultuado na Aquileia na Gália Cisalpina, identi-
Deus gaulês do Sol, de cura e de profecia – o que o rela- ficado com Júpiter, o deus da luz romano, correspondente ao
cionaria ao Apolo greco-romano. No entanto, uma inscrição grego Zeus, em seu caráter de Jupiter Optimus Maximus, isto
encontrada em Mannheim, na Alemanha, Alounos aparece é, sua mais poderosa expressão.
como um epíteto de Mercúrio, o equivalente romano ao deus
grego Hermes, o mensageiro dos deuses, deus do comércio e ANA
dos ladrões, entre outras atribuições. Na mitologia Irlandesa era a Antiga Mãe que alimentava os
deuses e cujos seios enormes eram os dois montes gêmeos de
Entre outras hipóteses, o nome pode significar “melodioso, Munster.
harmonioso”, ou, de acordo com outra corrente, pode ter o
sentido de “rico, opulento, fecundo, etc.”

AMAETHON ANCAMNA
Filho de Don e deus da agricultura. Protegia as colheitas e Deusa cultuada no vale do rio Mosela, na fronteira entre
tornava os animais fecundos. a França e a Alemanha. Era uma das consortes de Lenus ou

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Wikicommons ANGUS

Angus, numa pintura vitoriana (autor desconhecido) Angus Mac Ög, ou Angus, o Jovem, o deus irlandês do
amor, da juventude e da beleza, era filho de Dagda e de
de Esmertulitano, deuses gauleses relacionados ao romano Boanna, a deusa cuja forma física é o rio Boyne. Sempre ha-
Marte, deus da guerra. Na região de Tréveris foram erguidos via quatro pássaros brilhantes voando sobre sua cabeça. Esses
altares em honra a Marte Lenus e Ancamna, sugerindo que pássaros eram seus beijos que tomavam forma e cujo chilreio
essas divindades eram protetoras tribais que tinham cultos or- despertava o amor no coração dos amantes. Possuía uma har-
ganizados. Um achado arqueológico, porém, indica que, ao pa dourada que produzia música de irresistível doçura.
menos em Luxemburgo, a esposa de Lenus aparece como a
deusa Inciona (v.). Contudo, não parece haver qualquer cone- Certa vez, Angus se apaixonou perdidamente por uma jo-
xão entre Inciona e Ancamna. Provavelmente, Ancamna era vem que ele havia visto num sonho. Doente de desejo, ele
uma deusa das fontes e nascentes. revelou a Boanna, sua mãe, a causa da depressão. Boanna,
então, procurou pela moça por toda Irlanda, mas não a en-
ANDRASTA controu. Dagda, pai de Angus, pediu ajuda a Böv, um dos reis
Deusa guerreira. Aparece com a rainha Boudica. dos danaans e mestre dos mistérios e encantamentos. Böv se
pôs a procurar a mulher que tanta paixão causara em Angus e
ANDRASTE depois de um ano de busca, finalmente a encontrou no Lago
Na mitologia Galesa era a deusa da vitória. Boca do Dragão. Angus foi encontrar Böv nesse local, e após
três dias de descanso, os dois se dirigiram à praia do lago,
ANEXTIOMARUS onde passava uma procissão de 150 donzelas caminhando aos
Anextiomarus é um título celta de Apolo. O nome foi descober- pares, cada uma ligada à sua companheira por uma corrente
to numa inscrição romana-britânica de South Shields, Inglaterra, de ouro. Em meio à procissão, havia uma que se distinguia
e é uma variante do epíteto Anextlomarus, “Grande protetor”. pela altura e pelo dourado dos cabelos. Era a mulher do sonho,
que tanto enfeitiçara Angus. Böv contou que ela se chamava
Caer e que era filha de Ethal Anubal, um príncipe dos danaans
de Connacht. Böv também disse que para conquistá-la Angus
deveria buscar a ajuda de Ailell e Maev, rei e rainha mortais de
Connacht. E assim foi feito.

Angus e Dagda vão ao palácio de Ailell, onde são recebidos
com pompa e circunstância numa recepção que dura uma se-
mana inteira. Apenas no final das celebrações eles revelam o
motivo da visita. Ailell responde que não tem qualquer ascen-
dência sobre Ethal Anubal, mas que prontamente iria mandar
uma mensagem a ele, intermediando o pedido de casamento
de Angus a Caer. Mas Ethal recusou. No entanto, a paixão
doentia pode mover o mundo. E Angus, mergulhado nesse
estado emocional, estava disposto a conseguir a mão de Caer
por bem, ou por mal.

Dagda e Ailell formaram, então, uma coalizão militar e sitia-
ram a fortaleza de Ethal Anubal. Mais uma vez, Angus pediu a
mão de Caer. Ethal Anubal, porém, disse que não podia ceder.

— Ela é mais poderosa do que eu – explicou o rei espiritual
de Connacht. – Durante um ano, Caer vive como mulher e
no ano seguinte, como cisne. Logo, você a verá entre os 150
cisnes do lago Boca do Dragão.

Ao ouvir Ethal Anubal, Dagda deu ordens para que o cerco
fosse levantado, e Angus partiu para o lago dos cisnes.

A alvura das aves contrastava com o verde das algas que
coloriam as águas da Boca do Dragão. Ao verem Angus se
aproximando da praia, os cisnes se ergueram numa revoada
tão branca que chegava a se confundir com as nuvens.

— Caer! – chamou ele – venha e fale comigo!
Um dos pássaros mais belos e esguios do bando se aproxi-
mou dele, virando o pescoço para melhor enxergá-lo.
— Quem é você que conhece o meu nome?
Angus, então, explicou sua história. Contou sobre o sonho,
sobre a longa busca de Böv, sobre o cerco que Dagda e Ailell
promoveram para conquistar Caer para o angustiado Angus.
Quando ele acabou sua narrativa, viu-se transformado em cis-

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Morgana é outra personagem arturiana que Wikicommons
conserva as características de deusas celtas,
neste caso de Morrigan (Morgan le Fay,
de Frederick Sandys, 1864)

70

ne. Era aquele o consentimento de Caer. Juntas, as duas aves identificada com deusa Victoria, cultuada na Britânia romana,
voaram em direção ao palácio às margens do rio Boyne, para que, por sua vez, teria atributos semelhantes à deusa grega
celebrar suas núpcias. Enquanto cruzavam o céu, entoavam Nike. Do mesmo modo que a deusa guerreira Artio (v.), seu
um canto de alegria tão encantador que pôs a dormir por três animal era o urso.
dias todas as criaturas que o ouviram. E durante esses três dias
de silêncio, celebraram suas núpcias. ARTIO
Dea Artio, como era chamada entre os fiéis galo-romanos,
ANNAN era uma antiga deusa celta relacionada ao culto do urso, prati-
Na mitologia irlandesa, Annan era a Grande Deusa, mãe de cado em diversas regiões da Europa, da Trácia à Escandinávia,
todos os deuses. desde o período Paleolítico. Com efeito, o urso foi um impor-
tante animal totêmico e, como diversos animais, o deus urso
ANNWN era adorado pelas culturas caçadoras.
Na mitologia britânica, é o “Outro Mundo”.
Há diversas evidências do culto da deusa Artio encontra-
ANU das especialmente em Berna, na Suíça. Uma escultura em
Na mitologia Irlandesa era a Terra Mãe, a maior de todas as bronze de Muri, próximo a essa cidade, mostra um urso
deusas. Era a deusa da abundância, da fertilidade, da prosperi- grande face a face com uma mulher sentada em uma cadei-
dade, do conforto; guardiã do gado e da saúde formando, por ra, com uma pequena árvore atrás do urso. A mulher parece
vezes, uma trindade com Badb e Macha. Eram-lhe acendidas segurar um fruto no colo, talvez alimentando o urso. Na
fogueiras no meio do Verão base da escultura há uma inscrição votiva, onde se lê: “À
Deusa Artio , de Licinia Sabinilla”.
ARDDHU
Na mitologia galesa era o deus dos bosques, uma divindade O nome dessa deusa deriva da palavra gaulesa “artos”, isto
cornuda das árvores e das coisas verdes que crescem na terra. é, “urso”, assim como um dos mais famosos reis celtas do
Equivalente a Cernunos. período romano-britânico: Artur.

Wikicommons

ARVERNUS
Título do Mercúrio, padroeiro dos arvernos, tribo gaulesa da
região noroeste da atual França, famosa por ter lutado con-
tra Júlio César. Havia no território dos arvernos um importan-
te santuário a esse deus, que também era conhecido como
Arvernorix, isto é, “rei dos Arvernos”.

ANCASTA
Deusa cultuada na província romana da Britânia conhecida
de uma única inscrição dedicatória encontrada em Bitterne,
Inglaterra. Como outras inscrições votivas, um fiel a agradece
por uma graça alcançada e dedica uma placa comemorativa à
deusa. Trata-se de uma divindade local, provavelmente rela-
cionada ao rio Itchen que corre nas vizinhanças da cidade. O
nome contém uma raiz relacionada à palavra “ligeiro” – indí-
cio que corrobora sua relação com o rio, tornando-a, possivel-
mente, uma divindade semelhante aos deuses fluviais gregos,
indianos e de outras mitologias.

ANDARTA Réplica de uma estatueta de Aveta,
Deusa da guerra cultuada no Sul da Gália. Foram encontra- ou de uma deusa mãe semelhante
das Inscrições dedicadas a ela em diversas localidades, tan-
to na Suíça como na França, indicando que a difusão de seu
culto abrangia uma região considerável. De acordo com Dião
Cássio, autor romano que escreveu entre o final do século 2 e
o começo do 3 d.C., Andarta se relacionava à deusa Andate,

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Wikicommons estatuetas de Aveta nas quais a deusa é retratada com crianças
no peito, filhotes de cães, ou cestas de frutas – enfatizando seu
caráter maternal. Em Trier havia um templo dedicado à Aveta.

BADB
Na mitologia irlandesa Badb era uma das formas gigantes
de Morrigan. Ela era suficientemente alta para colocar um pé
em cada lado de um rio. Em Gales era conhecida como Cauth
Bodva. Deusa da guerra e esposa de Net, um deus da guerra.
Era irmã de Macha, a Morrigu, e de Anu. Aspecto maternal da
deusa tripla, na Irlanda. Associada ao caldeirão, aos corvos e
às gralhas. Vida, sabedoria, inspiração, iluminação.

BALOR
Na mitologia irlandesa, era um gigante Irlandês de “mau
olho”; tinha as pálpebras caídas sobre os olhos e era necessá-
rio um forcado para as erguer. O seu congénere gaulês cha-
mava-se Yspaddaden.

BALOR
Rei demônio, deus da morte. Ele governava os Fomori, de-
mônios que viviam na impenetrável escuridão das profunde-
zas do mar e em lagos e poços negros. Foi morto pelo seu filho
Lug com um tiro de estilingue.

Gawain, personagem do ciclo arturiano, possui BANBA
atributos de Gualchmay, divindade solar celta (Sir Uma das filhas de Fiachna pertencente ao trio de deusas
Gawain e o Cavaleiro Verde, em iluminura do século 14) que personificam o Espírito da Irlanda, que usava a magia para
repelir os invasores.
ATEPOMARUS

Deus da cura também associado pela população galo-roma- BANSHEE
na a Apolo. Algumas inscrições sobreviventes do período de A banshee, de, ban [bean], “fada”, e e shee [sidhe], “mu-
ocupação da Gália pelos romanos, quando a fusão dos dois lher” é uma fada que segue os velhos clãs gaélicos e cujo
povos deu origem à cultura galo-romana, referem-se a esse choro se faz ouvir da morte de algum membro dessas antigas
deus como Apolo Atepomarus. famílias. Os camponeses dizem que o keen, o compungido
lamento com o qual as carpideiras do interior da Irlanda tra-
Em alguns dos santuários de Atepomarus, onde os fiéis iam dicionalmente enchem os funerais do interior do país, é uma
rezar pela cura de suas doenças, foram encontradas pequenas imitação do choro da banshee. Quando se ouve o lamento de
estatuetas de cavalos, os quais eram associados ao deus. De mais de uma dessas prenunciadoras da morte, é sinal de che-
fato, a raiz “epo” se refere à palavra “cavalo”, como no nome gou a hora de um santo ou de um grande homem.
da deusa Épona (v.). Com efeito, um dos epítetos conhecidos
de Atepomarus é “Grande Cavaleiro”. Às vezes as banshees acompanham a coach-a-bower,
uma enorme carruagem negra, com um caixão no alto, pu-
AUFANIAE xada por cavalos sem cabeça e tendo um dullahan como co-
As Aufaniae eram as deusas mães cultuadas por toda a cheiro. Os dullahans são fantasmas sem cabeça, entidades
Europa celta, do Reno à Irlanda. No entanto, apesar da im- que povoam as lendas e as crônicas da Irlanda. Uma dessas
portância dessas divindades, há pouca informação sobre elas. histórias dá conta de que, em 1807, dois sentinelas estacio-
São conhecidas apenas por inscrições simbólicas encontradas nados nas cercanias do Parque Saint James morreram de pa-
principalmente na região alemã do rio Reno. vor medo, pois o lugar era assombrado por uma dullahan.
Os moradores do local sabiam que toda meia-noite uma
AVETA mulher nua da cintura para cima e sem cabeça passeava
Aveta, chamada pelos romanos de Dea Aveta, era uma deu- pelo parque. O caso parece ter sido levado a sério, pois
sa mãe também associada à primavera. Em Toullon-sur-Allier, as sentinelas passaram a ser colocadas em outro local. Os
na França, e em Trier, na atual Alemanha, foram encontradas dullahans remontam a um antigo costume nórdico, levado,
provavelmente para a Irlanda pelos invasores vikings. Era

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Banshee, por Beleno, porém, não era o único deus dos celtas que os inva-
PhilippeSemeri sores romanos relacionavam a Apolo, sendo incorporados ao
nome desse deus estrangeiro na forma de epítetos. Os princi-

pais deuses galo-romanos ou brito-romanos rela-
cionados a Apolo eram Grano, Brovo, Mapono e Moristago.

Em algumas das imagens descobertas desse deus, Beleno é
representado acompanhado de uma mulher, provavelmente a
deusa Belisama.

Os estudos etimológicos indicam que o festival de Beltane,
celebrado na Escócia, Inglaterra e Irlanda, pode estar conec-
tado a Beleno, uma vez que deriva da mesma raiz celta “bel”,
isto é, “brilhante”.

BELISAMA
Deusa ligada aos lagos e rios, ao fogo, às artes e à luz cul-
tuada na Gália e na Britânia. Os invasores romanos a identi-
ficaram com a sua Minerva, que, por sua vez, corresponde à
Atena grega. Era a consorte de Beleno e está relacionada a
outra importante deusa gaulesa, Brígida. Belisma significaria
“luminosidade do verão”.

Wikicommons BOANN
Na mitologia irlandesa, era deusa da água e da fertilidade.
O seu animal sagrado era a vaca branca. Era a deusa do rio
Boyne, mãe de Angus Mac Og por parte do Dagda.

comum entre os escandinavos decepar a cabeça dos cadá- BRÂN
veres, para enfraquecer seus fantasmas. Além de Mananan, o deus do mar teve dois outros filhos:
Bron ou Brân (Bron é irlandês e Brân, gaulês). Brân era um
BANELAE gigante tão grande que nenhum palácio ou navio tinha capa-
No folclore gaélico, é um espírito feminino cujos lamentos cidade de abrigá-lo; atravessou a vau o mar da Irlanda para
no lado de fora de uma casa prenunciam a morte de um dos combater e destruir um exército de invasores. Numa de suas
seus habitantes. aventuras, deitou-se através de um rio, e seu corpo gigantesco
serviu de ponte para seu exército passar. Um dos atributos de
Brân era um caldeirão mágico com a qual ressuscitava os mor-

BEAN-SIDHE Wikicommons
Na mitologia celta cada deusa era uma Bean-Sidhe, uma
“Mulher do Monte”.

BELENO, BELENUS Vaso votivo dedicado a Beleno exposto no Museu de
Bel (Belenos) era o deus “Brilhante”, deus do sol e do fogo. História de Marselha, França (sem data, período romano)
Era estreitamente ligado aos Druidas. Vê-se o seu nome no
festival de Beltane, o gado passava pelas fogueiras para obter
purificação e fertilidade. Associado à ciência, à cura, às fontes
quentes, ao fogo, ao sucesso, à prosperidade, à purificação, às
colheitas, à vegetação, à fertilidade e ao gado.

Um dos principais deuses celtas, cultuado na Gália, Britânia
e nas regiões célticas da Áustria e Espanha, com templos es-
palhados desde o nordeste da Itália até a Inglaterra. Era um
deus solar, semelhante ao Apolo greco-romano. Embora a eti-
mologia do nome seja obscura, os estudiosos sugerem que
signifique “o único luminoso”.

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tos. Harpista e músico, essa contrapartida celta do grego Orfeu BRÍGIDA, BRIGID OU BRIGIT
o protetor dos bardos. Numa luta para defender seus tesouros
mágicos, Brân foi ferido por uma flecha envenenada. Para evitar Uma das mais populares e conhecidas deusa celtas, divinda-
a dor e a agoniar, ordenou que lhe cortassem a cabeça. No en- de da terra, do fogo e das fontes cultuada em todo o mundo
tanto, sua cabeça decepada continuou a dar conselhos durante céltico, especialmente na Irlanda que ainda conserva informa-
87 anos. A cabeça cortada de Brân, voltada para o sul, prevenia ções importantes a seu respeito. Era, de fato, uma deusa trí-
a ilha de qualquer invasão. O lendário rei Artur lançou mão do plice, que incorporava os aspectos da poetisa, da médica e da
poder da cabeça de Brân. Antes de empreender a conquista ferreira, sendo, portanto, uma deusa civilizatória comparável
da Saxônia, ele mandou exumá-la, o que garantiu seu sucesso. à Atena grega. Era, por conta desses aspectos relacionados ao
fogo, chamada de deusa da Tríplice Chama. Por ser a prove-
BRICTA, BRIXTA dora do “Fogo da Inspiração” e sua conexão com as macieiras
Deusa gaulesa que era uma consorte do deus aquático e carvalhos, Brigid era a padroeira dos Druidas. Com esse atri-
Luxóvio. Para alguns pesquisadores, Bricta pode ser um título buto, era chamada de “Deusa dos Bardos”, correspondendo
atribuído à deusa Sirona. Desse modo, segundo essa corren- às Musas gregas que inspiram os homens.
te, Bricta não seria uma deusa separada, mas um epíteto de
Sirona. Em termos etimológicos, o nome Bricta deriva do gau- O festival dessa deusa ainda é celebrado em ou em torno do
lês “brixtom” ou “brixta”, que quer dizer “mágica”. dia 1 de fevereiro, o meio do inverno no hemisfério Norte. Nessa
época do ano, Brigid personifica uma noiva, aspecto de virgem
ou donzela e é a protetora das mulheres que estão grávidas.

Wikicommons
Wikicommons

Estatueta de deusa celta, provavelmente Brigid, A Santa Brígida cristã é a mesma deusa
caracterizada com os atributos da deusa civilizatória Brigit celta (vital de Santa Brígida
romana Minerva (século1 d.C.) em capela no País de Gales)

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Wikicommons A figura de tipo Cernuno
Wikicommonsno caldeirão Gundestrup

O caldeirão de Gundestrup,
encontrado na Jutlândia,
Dinamarca

Seu nome significa “Luminosa”. É uma Deusa tríplice do BUXENO, BUXENUS
fogo da inspiração, da ferraria, da poesia, da cura e da adi-
vinhação. Ela se confunde com Dana, não só em atributos, Buxenus era um dos epítetos que o deus romano Marte re-
mas nas próprias características. Brigid, como Dana, era filha cebeu na Gália, associando-se, desse modo, a um deus local
de Dagda, o Bom Deus, e seu consorte era Bres, o Senhor da desconhecido. De fato, Buxeno aparece apenas em uma única
Morte. Dessa união nasceu Rúadan, o qual morreu em com- inscrição encontrada na região de Avignon, na atual França.
bate na Segunda Batalha de Moytura. Ao encontrá-lo sem
vida, Brigid lamentou sua morte de uma forma que iniciou CAILLECH
a tradição do keen, preservada até meados do século 20 nas Na mitologia, escocesa era a Grande Mãe no seu aspecto
áreas rurais da Irlanda. O keen é o característicos lamento das destruidor, denominada de “A Velada”. Outro nome é Scota,
carpideiras que homenageiam um membro da família ou da que deriva de Scotland.
comunidade que morreu.
CAMULOS, CAMULOS
Brigid também era uma deusa ligada ao ciclo anual. Ela pre- Outro deus guerreiro celta que os romanos identificaram
sidia o começo da primavera, que, no ciclo dos antigos festi- com Marte. Cultuado na Grã-Bretanha, na Gália e na Hispânia,
vais do fogo, começava na véspera de primeiro de fevereiro, como os romanos chamavam a atual Espanha e Portugal, apa-
Imbolc, ou o Dia de Brigid. A palavra Imbolc significa literal- rece em inscrições da época da ocupação de Roma nessas re-
mente “dentro do ventre”. A semente que foi plantada no giões como Marte-Camulos. Em algumas de suas representa-
Solstício de Inverno está se desenvolvendo. ções era retratado com uma cabeça de carneiro.

Outro aspecto de Brigid é o da decadência. Uma lenda CERNUNO, CERNUNOS
escocesa, relaciona Brigid com Caileach, também chama- Uma das principais divindades celtas, o “deus cornudo”,
da de Carline, ou Mag-Moullach, a deusa que envelhe- associado às florestas e à natureza, tido como “Senhor dos
ceu durante o ciclo anual. Estava ligada às trevas e ao frio Animais” ou o “Senhor das Coisas Selvagens”, deus pacífico
do inverno e assumia a direção no ciclo das estações em da natureza, da virilidade e da fertilidade, também era asso-
Samhaim, a véspera do primeiro de novembro. Ela portava ciado ao bem-estar material. O deus cornudo também remete
o bastão negro do inverno e castigava a terra com frias for- às estações do ano – um ciclo anual da vida – e, desse modo,
ças contrativas que ressecavam a vegetação. Com o fim do também à morte e renascimento.
inverno, Carline passava o bastão do poder para Brigid, em
cujas mãos se tornava branco e promovia a germinação das Os baixos-relevos de Cernunos que foram descobertos no
sementes recém plantadas. mundo celta-romano o associam a diversas divindades de
Roma, Júpiter, Vulcano e Castor e Pólux. Do mesmo modo, é
Além de estar diretamente ligada ao elemento fogo e ao vinculado a outros deuses gauleses, como Esus (v.), Smertrios
ciclo das estações, Brigid associa-se também à água e à cura. (v.), e Tarvos Trigaranus. Entre os celtiberos, as tribos celtas da
Muitas fontes da Irlanda são dedicadas a ela. Ibéria, Cernunos era representado com dois rostos e dois pe-
quenos chifres, símbolos de força, vigor e fecundidade.
Durante a conversão ao cristianismo, Brigid se tornou Santa
Brígida, por volta de meados do século 5. Em algumas histó-
rias, foi o próprio São Patrício, o Apóstolo da Irlanda, que a
batizou. Uma tradição cristã irlandesa sustenta que Brigid foi
parteira de Santa Maria e ama do menino Jesus – certamente
um resquício do seu atributo como deusa protetora do parto.

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Wikicommons

Ceridwen (1910), por
Christopher Williams

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A melhor imagem conhecida aparece no caldeirão Wikicommons
Gundestrup, do século 1 a.C., encontrado na Jutlândia. Como
outros importantes deuses celtas, Cernuno pode ter sido in-
corporado ao cristianismo. Assim, seus atributos foram incor-
porados por São Ciarán de Saighir, um dos Doze Apóstolos da
Irlanda. Ainda hoje, em diversas vertentes do neopaganismo,
o deus cornudo é reverenciado.

CERIDWEN Cordelia inspirou a personagem de mesmo nome de
Deusa da morte e da fertilidade, os ecos mais audíveis so- William Shakespeare em sua obra Rei Lear (Cordelia,
bre Ceridwen vêm do País de Gales, que melhor preservou de William Frederick Yeames, 1888)
suas lendas. Era uma feiticeira, mãe do poeta Taliesin e de
Morfran, um dos cavaleiros do rei Artur, na tradição galesa. COCIDIO, COCIDIUS
De acordo com o mito, Morfran era terrivelmente feio, e, para
compensar, Ceridwen quis torná-lo sábio. Ela tinha um caldei- Divindade cultuada no Sul da província da Britânia relacio-
rão mágico onde preparou uma poção que dava a sabedoria a nado pelos romanos a Marte e a Silvano, deus das florestas,
quem dela tomasse. Contudo, apenas as três primeiras gotas dos arvoredos e dos campos selvagens, chamado pelos gregos
da poção preparada por um ano e um dia davam sabedoria. O de Pan. Além de ser adorado pelas tribos bretãs, tinha grande
resto era um veneno letal. Mas as três primeiras gotas caíram número de fiéis entre os soldados romanos de baixa patente.
nas mãos do menino encarregado de mexer a poção, Gwion,
e, como estavam quentes, o garoto levou a mão à boca para O nome pode estar relacionado à palavra bretã “vermelho”,
aliviar a dor e instantaneamente ficou sábio. mas é mais provável que esta interpretação seja apenas uma ver-
são latina da palavra “bosque” ou “floresta” – o que faz mais
Enfurecida por ter perdido todo o trabalho empregado na sentido, em se tratando de um deus dos bosques como Silvano.
preparação da poção, Ceridwen quis se vingar do menino.
Depois de perseguir Gwion, transformando-se, ele e ela, em Havia um templo dedicado a Fanum Cocidius na Inglaterra
diversos animais para atacar e fugir, com Ceridwen meta- romana. Além disso, são conhecidas diversas inscrições dedi-
morfoseando-se sempre no animal mais agressivo, conseguiu cadas a esse deus. Uma delas se refere a ele como Cocidius
alcança-lo quando ele se transformou num grão de milho e a Vernostonus, isto é, Cocidius do amieiro. De fato, um dos
feiticeira o comeu depois de virar uma galinha. Ceridwen fi- aspectos mais importantes da religião dos celtas se refere ao
cou, então, grávida. Sabendo era Gwion, resolveu que iria ma- culto das árvores.
tar a criança ao nascer. No entanto, quando o menino nasceu,
era tão bonito que ela não conseguiu dar fim a ele. Tampouco No Muro de Adriano, que separava a Inglaterra romana do
ficou com a criança: ela jogou-a no mar dentro de um saco país dos pictos (uma das etnias escocesas de então), há uma
de pele de foca. A criança não morreu e foi resgatada numa das pelo menos nove representações conhecidas de Cocidio,
praia britânica por um príncipe celta chamado Elffin. A criança como cerca de 25 inscrições dedicadas a ele.
conservou o talento de Gwion e, quando adulta, veio a ser o
bardo Taliesin. CONAL CAERNACH
Mítico herói do reino irlandês de Uladh. Filho do poeta
No neopaganismo, Ceridwen e seu caldeirão simbolizam o Amhairghin e da filha do druida Cathbad, o que lhe dava uma
princípio feminino. situação privilegiada na sociedade do reino. Era irmão e tutor
de Cú Chulainn, herói de Ulster.
CICOLUIS
Cicoluis é outro deus cultuado em grande parte do mun-
do celta, da Gália à Irlanda. Em gaulês, seu nome significa
algo como “Grande-com peito”, uma referência à sua força.
Por conta disto, na religião galo-romana, Cicolluis é um dos
epítetos do deus da guerra de Roma Marte. Em algumas ins-
crições votivas, Cicoluis tem como consorte Belona, personi-
ficação romana da guerra.

Com relação à mitologia irlandesa, Cicoluis também pode
ser identificado como Cichol ou Cíocal Gricenchos, o líder
mais primitivo dos Fomorianos. De acordo com o ciclo ir-
landês, Cichol chegou àquela ilha com cinquenta homens e
cinquenta mulheres cem anos depois da grande inundação
– uma possível referência ao dilúvio bíblico. Após se esta-
belecerem na Irlanda e viverem em paz durante seis ou sete
gerações, foram derrotados pelos partolonianos, povo que
deriva seu nome do líder Partholón.

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CONCHOBAR MAC NESSA Depois de acabar a partida, Setanta se pôs a caminho, le-
vando consigo seu taco e sua bola de couro. Mas quando o
Rei do poderoso reino de Uladh (Ulster), no norte da Irlanda. menino finalmente chegou a casa do ferreiro, a festa já ti-
Representa o caráter sagrado da realeza irlandesa e personifi- nha começado. As gaitas de foles tocavam alucinadamente e
cação do reino. as risadas na casa ecoavam por todo o lugar. Ninguém ouviu
Setanta chamar, do lado de fora da cerca. Cansado de espe-
CONDATIS rar e certo de que se dependesse de alguém não entraria na
A divindade aquática Condatis, cujo nome significa “en- festa, o menino resolveu pular o portão, o que fez com faci-
contro de corpos d´água”, era cultuada na Britânia e, em me- lidade. O que ele não esperava é que, do outro lado, estava
nor grau, também na Gália. Esse deus era associado às conflu- o wolfhound, prestes a atacá-lo. O cachorro começou a latir
ências de rios, especialmente a do Tyne com o Tees, no Norte mais alto do que a música e as risadas, atraindo a atenção de
da Inglaterra. Propiciava a cura e, apesar desses aspectos, foi Culann. Quando viu seu dono surgir na porta da casa, o cão
associado pelos romanos com Marte, o qual, por ser o deus da atacou Setanta. Mas o garoto foi mais rápido. Arremessou sua
guerra dos soldados invasores, relacionava-se com a proteção. bola com toda a força na garganta escancarada do cachorro
e, enquanto este tentava se recuperar do golpe, Setanta des-
CORDELIA feriu várias pancadas com seu taco na cabeça do animal. Tudo
Na mitologia galesa, era filha de Llyr. Ela tem dois amantes, aconteceu muito rápido, e quando Culann finalmente chegou
Gwynn e Gwythr, que lutam por ela no dia 1 de maio de cada junto ao menino, seu cão de guarda já estava morto. Conor
ano e que continuarão a lutar até ao dia do juízo, quando um chegou logo atrás, preocupado ao ver seu sobrinho coberto
deles será vitorioso e casará com ela. de sangue. Logo se tranquilizou. Culann também tinha ima-
ginado o pior e, apesar de ter perdido um animal precioso,
CREIDDYLAD estava aliviado porque Setanta havia sobrevivido ao ataque.
Na mitologia galesa era filha do deus do mar Llyr. Ligada a Estava, porém, sem um cão de guarda. O menino se descul-
Beltane e chamada muitas vezes Rainha de Maio. Era deusa pou por ter matado o cachorro e pra compensar a perda, até
das flores estivais e do Amor. que ele conseguisse um novo wolfhound, ele se ofereceu para
ficar o lugar do animal guardando a casa do ferreiro. Conor
Mac Nessa não aprovou a ideia do sobrinho, mas não podia
fazer nada para dissuadi-lo. Afinal, Setanta já havia dado sua

CUCULAIN; CUCHULAIN Wikicommons
Na mitologia irlandesa, apelido de Setanta, o guerreiro fi-
lho de Dechtire e Lugh. Adquiriu este nome quando matou o Cuchulain mata o cão de Culann
cão de guarda do ferreiro Culain e concordou em guardar os
campos de Culain durante um ano enquanto um substituto era
treinado para o trabalho.

As aventuras de Cuchulain são a epopeia central do ci-
clo heroico do Ulster, a região norte da Irlanda, cuja capital
é Belfast. Ele representa o ideal do guerreiro irlandês e é,
na verdade, mais um espelho dessa realidade do que inspi-
ração para os soldados celtas. Os irlandeses sempre foram
tremendamente guerreiros, construindo uma história pontu-
ada de atos de heroísmo. Jamais se entregaram à dominação
estrangeira. Isso foi visto durante o domínio inglês, quando
os irlandeses resistiram sempre até, no século 20, finalmente
conquistar a independência da maior parte da ilha. No Ulster,
que continuou a fazer parte do Reino Unido, os nativos pros-
seguiram resistindo até recentemente.

Setanta recebeu seu apelido por conta de uma famosa aven-
tura. Quando vivia com seu tio, o rei Conor, o rei Culann con-
vidou o rei Conor e Setanta para um banquete em sua casa.
No dia da festa, quando Conor saiu do forte Navan para ir a
casa de Culann, Setanta ainda estava jogando taco com os
outros meninos. Conor o chamou para acompanhá-lo, mas
Setanta protestou. Estavam ganhando o jogo, e se ele saísse,
seu time ficaria em desvantagem. Os outros meninos juntaram
seus protestos aos do sobrinho do rei, e Conor decidiu que
Setanta poderia continuar o jogo. Quando acabasse, ele po-
deria ir sozinho à casa de Culann. E assim foi feito.

78

Wikicommons

Cuchulain em seu carro de guerra, do ilustrador americano Joseph Christian Leyendecker

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palavra – mesmo sendo aparentemente um garotinho, ele era servida num fosso. Dagda devorou o alimento com uma colher
membro do Macra. Conor, porém, não evitou a ironia e ape- grande o bastante para conter um homem e uma mulher.
lidou o sobrinho de Cuchulain, isto é, o Cão de Culann. O
apelido pegou. Nunca mais ninguém chamou Setanta por seu Dagda também é o mestre da música, uma arte vista pe-
antigo nome. Foi como Cuchulain que ele se tornou conhecido los celtas como capaz de invocar magia. Sua harpa voa para
como um dos maiores heróis da Irlanda. ele quando chamada. O “Deus Eficaz”, “Senhor da Ciência
Completa” era capaz de tudo. Onipotente, poderoso mago, te-
CÚ ROI mível guerreiro, hábil artífice, dono do caldeirão do rejuvenes-
Herói mitológico irlandês do Ciclo do Uladh. Habitante do cimento e abundância, o qual só cozinha o alimento do bravo
mundo de além-túmulo, onde possui uma fortaleza acessível e que nunca se esvazia. Entre os atributos de Dagda está o de
só no Samhain e cuja entrada é capaz de ocultar ao resto dos chamar o inverno e o verão, tocando sua harpa encantada.
mortais. É capaz de transformar-se em sombra, monstro ou
peixe. É um juiz de grande prestígio entre os heróis do Uladh. DAMONA
Deusa cultuada na Gália como consorte ora de Apolo Borvo
DAGDA ora de Apolo Moritasgo, dois deuses associados pelos roma-
Dagda, ou Dagda Mor, era o pai e líder do Povo de Dana, se- nos ao deus Apolo e que passaram, por isso, a ser epítetos
nhor da vida e da morte, dispensador de abundância. Durante as dessa divindade. Contudo, apesar das semelhanças, os deuses
duas Batalhas de Moytura, os golpes que desferia abatiam filei- celtas não eram exatamente iguais às suas possíveis contrapar-
ras inteiras do inimigo. Sua grandiosidade e força são retratadas tidas romanas, tendo características particulares que remetem
no episódio da visita que fez aos fomorianos, para lhes oferecer à sua cultura original.
paz. Estes lhe ofereceram uma imensa quantidade de mingau,
Damona é uma deusa da fertilidade e abundância, atributos
associados à vaca. Seu nome poderia, de acordo com alguns
autores, ser interpretado como “Vaca Divina”. Às vezes é re-

Wikicommons

Paisagem irlandesa, por Robert Henri (1913): pouco mudou desde os tempos dos celtas

80

lacionada à deusa irlandesa Boand, à qual possui os mesmos Wikicommons
atributos. Em alguns locais da Gália, Damona era a patrona da
primavera quente.

DANA
Uma antiga lenda conta que Dana nasceu em um Clã de
Dançarinos que viviam ao longo do rio Alu. Seu nome foi
escolhido pela avó, Kaila, Sacerdotisa do Clã. Dana sonhou
com uma barca carregando seu povo por mares e rios até
chegarem em uma ilha, onde deveria construir um Templo,
para que a paz e a abundância fossem asseguradas. Ao des-
pertar, Dana relatou seu sonho ao conselho e a grande via-
gem começou então a ser planejada. Foi assim, após uma
longa viagem, que o Povo da Deusa Dana, os Tuatha De
Danann, chegou à Irlanda.

Dana é a mais importante deusa dos danaans, chamada de
“Mãe dos Deuses Irlandeses”. Era filha de Dagda e, como ele,
associada à fertilidade, prosperidade, abundância e às bênçãos
da vida. Ela se confunde, ou é idêntica, com a deusa Brigid.
Dana era esposa do deus Bile, chamado pelos romanos de Dis
Pater, com quem tinha três filhos, Brian, Iuchar e Iucharba. No
entanto, na maneira caracteristicamente celta de conceber as
divindades como tríades – um elemento também encontrado
no “Pai, Filho e Espírito Santo” do cristianismo – os três irmãos
representavam uma única força, a da vitória. Sua importância
no panteão celta está no fato de as fadas, isto é, os Tuatha De
Danann, serem suas descendentes.

DOMNU DOMNU
Mitologia Galesa: rainha dos Céus, deusa do mar e do ar.
Por vezes chamada de deusa outras vezes de deus.

DON A Elaine arturiana, versão medieval
Era a Deusa Mãe, o equivalente à deusa Irlandesa Danu. da deusa celta, por Arthur Rackham (1917)

DONN ELAINE
Na mitologia irlandesa, Don governava a Terra dos Mortos.
Controlava os elementos e era a deusa da eloquência. Elaine (Lily-Maid) era a deusa virgem da beleza e da Lua.

DRUANTINA EPONA
Na mitologia britânica, Druantina era a deusa druida do Deusa da fertilidade, protetora dos cavalos, burros e mulas.
nascimento, sabedoria, morte e metempsicose. É a mãe do Com efeito, seu nome significa “Grande Égua”. Era represen-
alfabeto irlandês das árvores. tada com cornucópias, um símbolo da abundância, orelhas em
forma de grãos de cereal e cercada de potros. Alguns autores
DWYN acreditam que a deusa e seus cavalos conduziam as almas dos
Na mitologia galesa era a deusa do amor, também conheci- mortais depois da vida terrena. Ao contrário das outras di-
da por Dwynwen. vindades celtas, Epona era a única divindade céltica cultuada
na própria Roma. Nessa cidade, sua festa era celebrada com
DYLAN um banquete em 18 de dezembro e era invocada no culto
Deus da escuridão, um dos filhos gémeos de Gwydion imperial, instituído por Augusto no primeiro século d.C., como
e Arianrhod. Era um deus do mar. O seu símbolo era um Epona Augusta ou Epona Regina.
peixe prateado.
De fato, o culto a essa deusa celta acabou se difundindo
em todo o Império romano, sendo instituído entre diferentes
povos. Uma inscrição dedicada a Epona de Mainz, Alemanha,
identifica o devoto como sírio.

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Wikicommons Alegoria da Cornucópia, semelhante
à de Epona, do gravurista Cesare
Rippa (1555 – 1622)

Wikicommons

Epona e seus cavalos, de Köngen,
Alemanha (c. de 200 a.C.)

Alguns mitólogos associam Epona à deusa grega Deméter, Wikicommons
deusa dos grãos e da terra cultivada, correspondente à Ceres
romana. De fato, no período arcaico, Deméter era venerada
como uma égua.

Os romanos, germânicos, ibéricos e, com menor intensidade,
os gregos, acabaram incluindo Epona em seu panteão. A deusa
era representada sempre a cavalo, montada de lado, como as
amazonas dos séculos 18 e 19; na cabeça traz um diadema;
ao seu lado vê-se uma jumenta ou um potro, que, às vezes, é
alimentado pela deusa. Um antigo calendário encontrado em
Guidizzolo, Itália, indica que sua festa era em 18 de dezembro.

ESUS Esus no Pilar dos Marinheiros, que retrata
O deus gaulês Esus é conhecido apenas por conta duas es- alguns deuses galo-romanos
tátuas é uma única menção feita pelo poeta romano nasci-
do na Hispânia Marco Aneu Lucano (39 – 65 d.C.). Nessas
duas estátuas, Esus aparece cortando ramos de árvores com
seu machado. Numa delas, o Pilar dos Marineiros, é retrata-
do juntamente com deuses romanos Júpiter, Vulcano e Tarvos
Trigaranus – o touro com três grous, uma figura divina que
aparece apenas neste importante baixo-relevo.

Em seu livro Farsália, Lucano menciona os sacrifícios de san-
gue realizados em louvor à tríade de deuses celtas: Tutátis (v.),
Esus e Taranis. As vítimas humanas sacrificadas para Esus eram
amarradas a uma árvore e espancadas até a morte.

Uma citação feita no livro De medicamentis, um compên-
dio farmacológico do médico gaulês Marcellus de Bordeaux
escrito na virada dos séculos 4 e 5 d.C., descreve um talis-
mã mágico usado no processo de cura pelos médicos galo-
-romanos empregado para invocar o auxílio de Esus na cura
de problema de garganta.

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ETHLIN tume era presidido pelas fadas, as quais comemoravam três
grandes festas: a Véspera de Maio, a Véspera do Verão e a
Mitologia irlandesa: filha de Balor. Balor, aterrorizado pela Véspera de Novembro.
profecia de que seria morto pelo neto, trancou Ethlin numa
torre de vidro e colocou guardas a vigiá-la. Contudo, Cian dis- Na Véspera de Maio, elas correm de um lado para ou-
farçado de mulher, entrou na torre e uniu-se a ela. tro em busca das melhores espigas e flores. Na Véspera do
Verão, que depois foi celebrada pelos cristãos como festa de
ETHNIU São João, vez ou outra, o Bom Povo raptava alguns mortais
Na mitologia irlandesa era filha do fomoriano Balor-do- para viver com eles. Na Véspera de Novembro, isto é, o ou-
MauOlhado. Desposou Cian, o filho de Diancecht. tono, esses seres ficam sombrios e dançam com os fantasmas
na noite de Halloween. Quando estão bravos, podem pa-
Evnissyen Evnissyen: Na mitologia Galesa era um gigante ralisar gado e pessoas com seus dardos, mas quando estão
meio irmão de Bran. O seu nome significa “Amante da Luta”. contentes cantam a música mágica que muitos bardos repro-
duzem em sua tradição.
FADAS
O folclore tem as fadas como criaturas sensíveis, que se Normalmente, as fadas vivem em grupo. As lendas falam
ofendem facilmente e que pagam a bondade com bondade e de castelos de fadas, poços e fontes onde elas se reúnem para
a maldade com maldade. São seres caprichosos e nem sempre cantar, dançar e celebrar. O ciclo mítico irlandês coloca o Bom
pequenos, como se costuma imaginá-los. Podem assumir o ta- Povo, o Tuatha De Danann, como uma sociedade vivendo
manho ou a forma que quiserem. Suas principais ocupações numa ilha mágica além do mar, a Oeste da Irlanda, ou mesmo
são dançar, brigar, fazer amor e tocar música. Entre eles, o na própria ilha, mas num plano invisível. Entretanto, há fadas
mais habilidoso é o leprecaun, ou sapateiro. Ele está sempre solitárias, como os leprecaus, cluricauns e far darrigs.
no final do arco-íris com um pote cheio de ouro; quem o en-
contrar terá riqueza e felicidade. O leprecau é o sapateiro, do irlandês leith brog, isto é, “sa-
pateiro de um sapato”, pois ele sempre é visto trabalhando
Os celtas celebravam algumas datas relacionadas aos ciclos em um único sapato. Sua figura é a de um velho vestido de
anuais, principalmente os solstícios de verão e inverno. O cos- verde invariavelmente disposto a pregar uma peça em quem
quer que seja. Trabalhador e sovina acumulou um tesouro que
Shutterstock.com esconde no final do arco-íris.

O cluricaun, representado como um velho ansioso para se di-
vertir por meio de outros, é muito parecido com o leprecau. No
entanto, em lugar de trabalhar, ele prefere se embebedar. Por
isso, dizem os camponeses irlandeses, ele é sempre encontrado
nas adegas das casas. O cluricaun aparece apenas em histórias
do sul da Irlanda e é praticamente desconhecido no Ulster.

O far darrig, isto é, “homem vermelho”, é a versão irlan-
desa do gnomo dos germânicos e escandinavos. Ele tem esse
nome por conta do gorro vermelho que usa. A única ocupação
do far darrig é a diversão, que consegue, principalmente, im-
portunando os humanos.

O fear-gorta, “Homem da Fome”, é uma fada solitária que
percorre os campos na época de escassez, quando a fome
grassava (hoje a Irlanda deixou seu passado de pobreza para
trás) através dos campos e das casas. Nessas ocasiões, o fear-
-gorta costuma andar pelas estradas, personificado num men-
digo, pedindo esmola. Quem se apieda dele e lhe dá alguma
coisa garante boa sorte.

A leanhaun shee, que poderia ser traduzido como mulher-
-encantada, é uma fada solitária que busca o amor dos mor-
tais. Se eles recusam sua oferta, ela se torna escrava deles. Se,
porém, eles cedem à sedução da leanhaun shee, tornam-se
escravos da mulher-encantada e só podem escapar se con-
seguirem algum outro homem que fique no seu lugar. Nem
mesmo a morte permite que os amantes-escravos da leanhaun
shee escapem, pois ela continua a exercer domínio sobre suas
almas. A fada consome suas vidas, exaurindo-os. No entan-
to, os amantes gozam da luxuria que a leanhaun shee lhes
proporciona. Além disso, ela é uma espécie de versão gaélica
das musas, uma vez que inspira aqueles a quem persegue.
Segundo os antigos, os poetas morrem jovens justamente por-
que a ciumenta leanhaun shee não deixa que eles vivam muito
tempo nesse mundo.

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FAGUS Um dia, Finn as letras de oghan, a escrita celta, dentro de
casa quando ouviu um grito. Saiu correndo e viu Egais, muito
Fagus foi um deus celta relacionado, provavelmente, à ve- agitado, puxando um grande peixe que brilhava à luz do sol.
getação. As únicas referências sobre essa divindade são quatro Suas escamas reluziam como gotas de orvalho refletidas pelo
inscrições encontradas nos Pireneus, a cadeia de montanhas sol do amanhecer. Era o salmão do conhecimento.
que separa a Espanha da França. Fagus, em latim, significa
faia. Apesar da pouca informação a respeito desse deus, pode- Naquela tarde o poeta iria receber alguns amigos, por isso
-se relacioná-lo ao culto das árvores, central na religião celta. pediu que Finn assasse o peixe para ele, e deu-lhe instruções
precisas a cerca do preparo: assar o salmão lentamente sobre
FINN MACCOOL as brasas e cuidar que não queimasse. O mais importante era
Profeta, guerreiro e curandeiro, herói irlandês. Aprendeu que não devia experimentar o menor pedaço do peixe.
todas estas habilidades ao ter tocado a carne de Fintan, o
salmão da sabedoria, ou, em outras versões, por ter bebido O menino acendeu o fogo e começou a assar o salmão.
o vinho divino. Porém, por causa do calor das chamas, formou-se uma bo-
lha na pele do peixe e Finn espetou-a com o polegar para
Quando Finn MacCool era jovem, sua mãe mandou-o a desfazê-la. Quando a bolha estourou, um pedaço da pele fi-
casa de Egais a fim de torná-lo seu discípulo. A viagem de- cou grudado no dedo de Finn e queimou-o. O garoto levou
morou muitos dias e Finn teve várias aventuras no caminho. o polegar rapidamente à boca para aliviar a dor e logo sentiu
Quando finalmente chegou à casa do famoso bardo, encon- algo estranho. De repente, ele soube tudo o que iria acontecer.
trou-o pescando na beira do rio.
Mais tarde, quando o velho Egais voltou para casa, notou
O velho contou que, havia anos, estava tentando pescar o que Finn estava estranho. Percebeu logo o que havia ocorrido.
salmão do conhecimento que vive neste rio. A primeira pessoa
que comer sua carne saberá tudo o que se há para saber. O velho bardo ficou desapontado, pois estava tentando cap-
turar esse peixe há tempos, mas mesmo assim não ficou bravo
Finn passou a morar com Egais. Ele estudava todos os dias e com Finn. Entendeu que, se seu aluno obteve todo o conhe-
ajudava a fazer os trabalhos domésticos. Gostava muito do rio cimento que um homem pode ter, é porque faria melhor uso
e das flores e das árvores que cresciam às suas margens, onde dessa dádiva do que ele mesmo. Disse-lhe isso e aconselhou-o
passeava e brincava nas horas vagas. a usar esse poder para ajudar todas as pessoas que precisassem.

Desse dia em diante, sempre que Finn queria saber alguma
coisa, colocava o polegar na boca e obtinha a resposta.

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Uma faia, árvore associada ao deus Fagus

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Finn combate o gigante Aillen, em ilustração de Sir Galahad, de George Frederick Watts (1817–1904)
Beatrice Elvery para o livro Heroes of the Dawn (1914)
FODLA
FINTAN
Uma das filhas de Fiachna pertencente ao trio de deusas que
O salmão da sabedoria. Foi o único Irlandês a sobreviver ao personificam o Espírito da Irlanda.
dilúvio transformando-se num falcão para sobrevoar as águas
e depois num salmão para nelas sobreviver. Por ter comido FOMORI
nozes mágicas recebeu todo o conhecimento, mas ficou preso Demônios que vivem na profundidade do mar e em lagos e
numa rede e foi comido por Finn MacCool que acabou por poços escuros.
adquirir o seu conhecimento e poder.

FIONN FREYR
O nome significa “Branco” ou “Louro” na mitologia celta Equivalente celta ao deus Odin numa outra forma, como
era chefe dos Fionna de Leinster, o herói Fionn ou Fionn mac deus da chuva, do sol e da fruta. Casou com Gredir.
Cumhail. Era tido como o fanfarrão que matava monstros e
como mágico. Vivia de aventuras, era desconfiado e astucioso. GALAHAD
Era filho de Ossian e avô de Oscar; Goll e o irmão Conan são Filho de Lancelot. Graças à sua pureza ele conseguiu con-
seus inimigos. Morreu numa batalha em Ghabra. cluir a Demanda do Santo Gral.

FLIDAIS GAWAIN
Deusa das florestas, dos bosques e das criaturas selvagens. Filho do rei Lot Orkney ou do deus Sol Lug. Gawain foi um
Viajava numa carruagem puxada por veados. Esta deusa tina dos mais leais e nobres seguidores do rei Artur.
a capacidade de mudar de forma.

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GEBRÍNIO Terra Devastada era por meio do Gral. O Cálice Sagrado, como
também é chamado, tem o poder de regenerar o que foi destru-
Deus celta associado ao Mercúrio romano. Um altar en- ído. Ele representa a força restauradora do feminino – a energia
contrado em Bonn, na Alemanha, é dedicado a “Mercúrio da água e o formato do útero que contém e nutre a nova vida.
Gebrínio”. Como em outros casos, alguma semelhança da di- E é aqui que a velha tradição pagã se mescla ao cristianismo.
vindade local que espelha atributos de Mercúrio passa a servir
de epíteto ao deus romano, transmitindo alguma indicação Nas histórias primitivas do rei Artur, originárias do País de
sobre os poderes da deidade que empresta seu nome. Gales, ele teve de empreender uma viagem em busca de um
caldeirão restaurador. Esse caldeirão produz comida abundan-
GRAAL temente, e quem provar dela se rejuvenescerá imediatamen-
Conhecido como “Santo Gral” é o lendário cálice que se diz te. Quer símbolo do feminino (nutrição, abundância, alegria,
ter sido usado por Jesus na Última Ceia. A demanda do Santo prazer) mais forte do que este? Mas as velhas lendas galesas
Gral é um elemento importante na saga Arturiana. De fato, as foram reescritas por volta do século 12 por poetas cristãos das
lendas do rei Artur preservam a tradição do simbolismo do graal cortes franceses – o mais influente é Chrétian de Troyes. Foram
e ao mesmo tempo a renovam numa linguagem que, embora esses poetas que puseram o Santo Graal na história.
antiga, está mais próxima de nós do que suas origens pagãs. Na
história, o rei Artur, ocupado com suas guerras e conquistas, ne- Segundo a tradição cristã, o graal é o vaso que José de
gligencia a rainha Guinevere, que acaba cedendo à sua paixão Arimateia usou para recolher o sangue do Cristo, quando o cen-
por Lancelot, o melhor cavaleiro da Távola Redonda. Os pagãos turião Longino o feriu mortalmente com uma lança. Seu nome
consideravam a rainha como a própria terra, da qual depen- se origina do fato de ser o recipiente que armazenou o Sangue
diam. Cabia ao rei fertilizá-la, garantindo bons frutos e colhei- Real, ou, em francês, Sang Royal, termo que se corrompeu
tas. Artur não deu a devida atenção à rainha-terra e a perdeu. em Saint Graal. Depois, José de Arimateia acompanhou Maria
Madalena para a Gália, onde a santa levou o Evangelho, e José
Traído, Artur mandou Guinevere para um convento, e prosseguiu até a Inglaterra, levando consigo o graal.
Lancelot se tornou um eremita. O rei e a rainha – o masculino
e o feminino – estavam separados; os princípios que colocam o O cálice – lapidado da grande esmeralda que caíra da coroa
universo em movimento tinham se desligado. O resultado foi a de Lúcifer quando ele sofreu a Queda por ter traído Deus –
“Terra Devastada”: todo o país se tornou infértil e improdutivo. acabou se perdendo na Inglaterra. E só ele poderia trazer a
O reino ficou arruinado. A única forma de trazer a cura para a recuperação da terra devastada. Por isso, Artur ordenou que
seus cavaleiros o resgatassem. A procura simboliza o processo
humano na busca da evolução da consciência – o casamento
sagrado entre o ego e a alma dentro da pessoa.

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Sir Galahad, Sir Bors e Sir Percival com o graal, aquarela de Dante Gabriel Rossetti (1864)

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Lancelot e Guinevere, por Herbert James Draper (c.1890)

O graal só podia ser recuperado quando um cavaleiro perfeito Jesus, a quem ele mais amava – o que causou ciúme nos ou-
encontrasse o castelo do Rei Ferido – ou de acordo com outras tros discípulos, principalmente Pedro, e gerou rumores de que
tradições, como na ópera Parzival, de Wagner, o Rei Pescador, ela teria sido esposa de Jesus. Nos textos gnósticos Maria
o guardião do graal e ao mesmo tempo o próprio Artur ferido, Madalena é comparada à Sofia – a profunda sabedoria que
símbolo do ser humano machucado pela separação entre o ego permeia todo o universo, outro aspecto do feminino. De fato,
e o Eu. Depois de encontrar o castelo, o cavaleiro deveria fazer Maria Madalena, na iconografia medieval, é quase sempre re-
a pergunta correta: “a quem serve o graal?”. tratada segurando um cálice, ou graal, pelo que ela, às vezes é
chamada de A Dama do Vaso de Alabastro.
De acordo com Thomas Malory, em Morte de Artur, quem
acabou encontrado o graal foi Sir Percival. Da primeira vez GRANO
que encontrou o castelo, Percival não fez a pergunta. Só mui- Como muitos deuses celtas, Grano era associado às fon-
to depois, quando já estava maduro ele foi capaz de fazer a tes, nascentes, especialmente às termais. Por conta das águas
pergunta e recuperar o Gral. Apenas Percival tinha a pureza e quentes sobre as quais exercia seu poder, Grano também era
a humildade necessárias para achar o castelo do Rei Ferido e tido como uma divindade solar e, como tal, identificado com
fazer a pergunta que curou a Terra Devastada. Apolo. De fato, um dos epítetos do deus greco-romano no
Norte da Gália, um de seus centros de culto, era Apolo Grano.
Ao reescrever as histórias de Artur incorporando elemen- Também aparece como título de Marte.
tos cristãos, os trovadores medievais transformaram o cálice
de José de Arimateia num velho símbolo pagão do femini- Seu culto se estendia desde o Reno até a Escócia e da
no. O que não é uma ideia nem um pouco estranha para o Suécia à Espanha. Havia um famoso santuário ao deus cha-
Cristianismo primitivo. Na verdade, esses trovadores fran- mado Águas de Grano, onde hoje fica a cidade de Aachen,
ceses foram muito influenciados pelos cátaros, uma seita na Alemanha. Na verdade, o próprio nome da cidade é um
cristã da Provença, que cultivava práticas religiosas do cris- resquício desse centro de culto, uma vez que Aachen significa
tianismo oriental, os quais remetem à união dos princípios “água” e ainda hoje as nascentes quentes do povoado, com
masculino e feminino. temperaturas entre 45 °C e 75 °C, podem ser visitadas.

De acordo com os Evangelhos Gnósticos, o feminino foi
exemplificado por Maria Madalena, a discípula preferida de

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Placa votiva dedicada a Inciona

Uma inscrição latina do primeiro século a.C. encontrada em Na primeira delas, Inciona é invocada junto com o deus
Limoges, na Gália, menciona um festival de dez noites reali- Veraudunus – outra divindade celta pouco conhecido – e em
zado em honra a Grano. Trata-se de uma inscrição votiva, na honra da família imperial no cumprimento de um voto feito
qual se lê: “Vergobretus Postumus, filho de Dumnorix, deu por Alpinia Lucana, mãe de Marcus Pl(autius?) Restitutus.
de seu próprio dinheiro às Águas de Março para [patrocinar] o
festival de dez noites de Grano”. A segunda inscrição, feita sobre uma placa bronze, também
invoca essa deusa juntamente com Lenus Marte Veraudunus.

IALONUS CONTREBIS INTARABO
Não se sabe ao certo se Ialonus Contrebis era um único deus Deus do panteão da tribo gaulesa dos tréveros, habitantes
ou dois deuses relacionados. Seus principais centros de culto do nordeste da França, e de alguns povos vizinhos. Evidências
eram na região do atual condado de Lancashire, na Inglaterra, de seu culto foram descobertas na Bélgica, Luxemburgo,
e na Provença, na França. Numa inscrição votiva descoberta Alemanha e França.
em Lancaster, é referido como o ”deus mais sagrado Ialonus
Contre[bis]”); em outra, em Overborough, como Deo San As inscrições galo-romanas referentes a esse deus de-
Gontrebi (“ao sagrado deus Gontrebis”). monstram, na maioria dos casos, que Intarabo era invocado
sozinho e, portanto, sem qualquer referência às divindades
O nome Contrebis pode, possivelmente, conter uma raiz re- romanas. Numa estatueta de bronze, Intarabo é represen-
lacionada à palavra proto-celta ”casa”, enquanto Ialonus pode tando sem barba, cabelos longos, vestindo uma túnica e
ser relacionado à ”clareira” – local sagrado na religião celta. envolto numa pele de lobo.

(DEA) ICAUNIS Embora o nome Intarabo seja etimologicamente obscuro,
Deusa do rio Yonne na Gália, conhecida por uma única ins- ao menos um etimólogo, Xavier Delamarre, propõe que esse
crição, encontrada em Auxerre, na Borgonha, França. nome signifique “Entre Rios”.

ICOVELAUNA IOUGA
Icovelauna era cultuada na Gália, especialmente num tem- Iouga é o nome provável de uma deusa cultuada na pro-
plo octogonal construído sobre uma nascente, onde havia víncia romana da Britânia, conhecida de uma única inscrição
uma escada em espiral que descia até o nível d´água, permi- fragmentada feita sobre uma pedra de altar em York. O nome
tindo aos devotos deixar oferendas ou recolher a água sagra- aparece como Ioug[...] or Iou[...] na pedra danificada. O texto
da. Era, portanto, uma deusa das águas, especialmente das provável é o seguinte:
termas (“ico” em gaulês é “água”), como a Iemanjá brasileira.
Para a numina do(s) Imperadore(s) e à deusa Iou[..], [..]sius
INCIONA (construída/restaurada) uma (meia?) parte de um templo.
Outra deusa celta obscura conhecida da região treverana,
Inciona é conhecida apenas devido a duas inscrições votivas A placa votiva caracteriza bem o sincretismo celto-romano,
encontradas em Luxemburgo. uma vez que combina elementos da religião celta com en-
tidades romanas. Isso fica claro por conta da referência aos
numina (singular numen), entidades ou forças sobrenaturais
que viviam na natureza ou que estavam ligadas às atividades
humanas, semelhante, grosso modo, aos daimons gregos.

Lendo o nome fragmentário como Ioug[...], o etimólogo

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WikicommonsEstatueta de Canadá, Edith Wightman, afirma que Lenus nos dá “um dos
Wikicommonsbronze de Intarabomelhores exemplos de um Teutates, ou deus do povo, iguala-
de Foy-Noville, do a Marte—protetor da tribo na batalha, mas também [...]
concessor de saúde e de boa fortuna geral”.

Wightman, que foi encontrada assassinada por sufo-
camento em seu escritório na universidade em 1983, afir-
mava também que o santuário de Leno, chamado Am
Irminenwingert, em Trier tinha um grande templo, banhos,
capelas e até um teatro. A arqueóloga descreve outro com-
plexo, em Martberg, que, além de uma grande “variedade
de prédios”, provavelmente incluía cômodos para peregrinos
procurando saúde para estadia.

A despeito de suas associações com a cura, Lenus Marte é
representado como um guerreiro de capacete coríntio em uma
estatueta de bronze de Martberg.

Seu nome aparece mais frequentemente nas inscrições
como “Lenus Marte” ou “Marte Lenus”. No santuário de Trier,
Lenus Marte aparece associado às deusas Ancamna, Vitória
e Xulsigiae. Em outra inscrição encontrada em Luxemburgo,
Lenus Marte é invocado junto à deusa céltica Inciona.

Lenus, porém, não era o único deus céltico identificado à
Marte em seus atributos de proteção na guerra, saúde e pros-
peridade pelos tréveros. Iovantucarus , Intarabus, Camulos, e
Loucetios também foram identificados com Marte pelos roma-
nos e, por extensão, com Lenus.

LERO
Lero é mais deus gaulês obscuro, invocado lado a lado da
deusa Lerina como o espírito que empresta seu nome às ilhas
Lérins, na Provença. Nada mais se sabe sobre este deus além
das dedicatórias votivas em sua homenagem.

Roger Wright propôs a forma reconstruída Iouga, que sig-
nificando “jugo”. Outra pesquisadora, Theresia Pantzer, en-
tendeu, porém, que o que Wright tinha percebido como ves-
tígios de uma letra “g” foi meramente o desgaste da pedra
sobre a qual a inscrição foi feita.

IOVANTUCARUS
Embora associado ao deus da guerra romano Marte, ou, em
alguns casos a Mercúrio, Iovantucarus era um deus celta da
cura que possuía um santuário em Tréveris, cidade histórica
alemã. De acordo com descobertas arqueológicas, o templo
era visitado por peregrinos que levavam ao local imagens de
criança, retratadas frequentemente segurando, tanto pássa-
ros de estimação, quanto oferendas ao deus. Aparentemente,
Iovantucarus era um protetor da infância e da juventude.

LENO, LENUS Estátua de Leno Marte num templo
Lenus era um deus de cura cultuado principalmente na Gália reconstituído, em Martberg
oriental, onde era quase sempre identificado com Marte. Foi
uma divindade importante dos tréveros, com grandes templos
erguidos em nascentes de rios.

Em seu livro Roman Trier and the Treveri, a arqueóloga es-
cocesa e professora da MacMaster University, em Ontario,

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Marte, divindade romana à qual diversos deuses O lendário rei Llyr e suas filhas,
celtas foram associados, aqui na concepção em ilustração de cerca de 1250;
do espanhol Diego Velazquez (1640) O personagem de Shakespeare rei
Lear se baseou em sua lenda
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LIR E MANANAN

Lir aparece nos mitos irlandeses sob duas formas diferentes,
como uma entidade invisível que habita o condado de Armagh
e como a personificação do oceano. Normalmente, porém, seu
filho Mananan é quem assumia os atributos do deus dos mares
entre os antigos celtas irlandeses. Mananan Mac Lir era um
feiticeiro terrível. Usava um capacete flamejante, uma cou-
raça invulnerável e tinha, também, um manto de invisibilida-
de que assumia qualquer cor que seu dono desejasse – como
o próprio mar, cheio de diferentes cores e tons. Seu cavalo,
Aonbarr, podia correr sobre as águas e sua espada, chamada
de A Replicante, abatia o inimigo com apenas um golpe.

Além do mar, estava a Terra dos Jovens, ou Ilha dos Mortos.
Era Mananan Mac Lir quem conduzia os mortos no seu cur-
ragh, a embarcação de couro usada pelos antigos marinheiros
celtas, até sua morada final. O leme do seu barco, chamado
de Corta-mares, era o próprio pensamento de Mananan, e
singrava as águas sem precisar de velas ou remos.

LITAVIS, LITAUIA, LITAUI, LITAUIS
Deusa cultuada na Gália, invocada, segundo inscrições des-
cobertas contendo seu nome, era invocada junto com o deus
Marte Cicolluis. Os pesquisadores acreditam que Litavis era
consorte desse deus.

Os etimólogos entendem que o nome “Letavia” ou
“Letauia” pode significar “Vasto” e a comparam a uma deu-
sa telúrica védica. Desse modo, os estudiosos sugerem que
Litavis é uma deusa mãe ou terrestre.

LOUCETIOS
Outro deus gaulês identificado com o Marte romano. Foram
encontradas cerca de 12 inscrições em sua honra, principal-
mente da Gália oriental, em particular entre os vangiones,
uma tribo celta da região do rio Reno, e também na Inglaterra.
Nas placas votivas que o homenageiam, Marte Loucetios é
quase sempre invocado junto a deusa Nemetona.

O nome Loucetios pode ser derivado da palavra leuk- (“bri-
lho”). Isso levou alguns pesquisadores a traduzir o nome
Loucetius como “aquele que traz a luz”, um epíteto de Júpiter.

LUGH Wikicommons

Lugh é a principal divindade solar dos celtas, cultuado não
só nas ilhas britânicas, mas em todo o continente. A cidade
de Lion, na França, foi assim batizada em sua homenagem,
bem como Leiden, na Holanda. Os druidas diziam que o sol
era o brilho do seu rosto – uma irradiação tão forte que ne-
nhum mortal conseguia olhar sua face diretamente. Ferreiro,
carpinteiro, poeta, harpista, médico, historiador e feiticeiro
era o senhor de todas as artes, tanto as pacíficas como as
guerreiras. Lugh possuía uma lança mágica que, quando ar-
remessada, ia por si mesma ferir o inimigo; seu arco era o
arco-íris. Lugh era, também, pai de Cuchulain um dos maio-
res heróis do ciclo mítico irlandês.

LUXÓVIO, LUXOVIOS
Deus das águas, divindade local da cidade de Luxovio, atu-
al Luxeuil-les-Bains, no Nordeste da França. O deus Luxóvio
era consorte de Bricta. O santuário de Luxóvio era construído
sobre uma nascente termal. Lá foram encontradas evidências
de culto a outras divindades, inclusive o cavaleiro-do-céu
que carrega uma roda solar, e Sirona, outra deusa associada
às fontes termais.

O nome Luxovios pode indicar que essa divindade é um
deus é uma deidade tanto da luz como das águas termais usa-
das nos processos de cura – dois elementos inexoravelmente
ligados na cosmologia celta.

MATRES
O nome dessas divindades femininas veneradas no
Noroeste da Europa é claramente latino, embora sua origem
seja céltica. Foram encontradas mais de mil placas votivas
dedicas às deusas. Seu culto também se estendia até à pro-
víncia da Germânia, onde eram relacionadas às divindades
do destino Dísir, como as Valquírias, e às Nornes – contrapar-
tida nórdica das Moiras gregas.

MERLIN Morgana, a Morrigan arturiana,
As velhas tradições galesas afirmam que Merlin era um por John R. Spencer Stanhope (1880)
homem selvagem dos bosques com capacidades proféti-
cas. Dizia-se que tinha aprendido toda a sua magia com
a Grande Mãe sob os seus muitos nomes de Morgana,
Viviana, Nimue, Fada Rainha e Senhora do Lago. Um dos
principais conselheiros do Rei Artur.

MORRIGAN tomava parte por puro prazer. Durante as batalhas, assumia
A entidade irlandesa que incorporava a morte e a destrui- diferentes formas, principalmente a de corvo, refestelando-se
ção se apresentava por meio do aspecto feminino. Morrigan, nos cadáveres dos guerreiros caídos.
como todos os danaans, está associada às forças da Natureza,
ao poder da terra, o Grande Útero de onde toda a vida nasce e Antes das batalhas ela aparecia aos soldados que iriam mor-
para onde volta depois de morrer. Dessa forma, a fecundidade rer sob a forma de banshee, uma esquálida figura feminina,
e a criação da terra podem se renovar. coberta de andrajos ensanguentados. Foi assim que Dagda
a encontrou, na véspera da Segunda Batalha de Moytura.
Além de deusa da morte, Morrigan, a Rainha dos Fantasmas, Morrigan estava no vau do rio Unshin, lavando as armas
era igualmente deusa da guerra. Ela derivava seu maior pra- ensanguentadas e os cadáveres dos que viriam a tombar no
zer dos combates, os quais ela mesma provocava e nos quais dia seguinte. A deusa, então, deu a Dagda informações vitais
sobre o combate, revelando seus dons proféticos. Morrigan

91

A vigília da valquíria, do pré-rafaelita Wikicommons
Edward Robert Hughes:
as Dísir nórdicas, como as Valquírias,
assemelhavam-se às Matres celtas

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afirmou, também, que ela mesma iria arrancar o coração do NASTRAND
seu inimigo fomoriano, Balor. Em pagamento, Dagda saciou o
apetite de Morrigan por sexo, unindo-se a ela ali mesmo, em A pior região do Inferno. Os telhados e as portas estavam
meio aos cadáveres que viriam a morrer – uma alusão à íntima cobertos de cobras venenosas e era nesta área que os assassi-
ligação entre a vida e a morte. nos eram forçados a vaguear como castigo.

Durante a Idade Média, as banshees se tornaram as Wikicommons
Lavadeiras do Vau do Rio, dos romances arturianos. Quando
um combatente a via no rio lavando o sangue de uma mor-
talha na noite que precedia a luta, ele sabia que iria perecer
no campo de batalha.

MORITASGO, MORITASGUS
Título de um deus celta da cura encontrado em quatro inscri-
ções votivas na Alésia, um ópido – como os romanos chamavam
a principal povoação de uma região – da confederação de tri-
bos gaulesas dos mandúbios, que habitavam a região da atual
Borgonha. Em duas dessas inscrições aparece relacionado ao
deus greco-romano Apolo. Sua consorte era a deusa Damona.

Uma dedicatória ao deus refere-se a um grande santuário,
um complexo com banhos e um templo, erigido sobre uma nas-
cente tida como sagrada, onde peregrinos doentes iam banhar-
-se numa piscina construída para este fim. Sob os pórticos, os
doentes dormiam para receberem visões e curas divinas.

Nesse santuário, foram encontrados diversos ex-votos,
como os que os católicos deixam em suas igrejas – outro
indício de que, com o advento do cristianismo, muitas práti-
cas e divindades da religião galo-romana foram incorporadas
aos ritos e práticas da nova crença. Os ex-votos descobertos
eram modelos das partes doentes dos corpos, como mem-
bros, órgãos internos, genitais e olhos, bem como figurinos
dos próprios peregrinos. No santuário, também foram en-
contrados instrumentos cirúrgicos, o que sugere que os sa-
cerdotes eram também médicos.

De acordo com Xavier Delamarre, autor do Dictionnaire
de la langue gauloise, Moritasgo provavelmente significa
“Texugo Grande” ou “Texugo do Mar”, uma possível referên-
cia a uma secreção produzida por esse animal que era usada
pelos gauleses para produzir medicamentos.

MULLO
Outro deus gaulês associado ao deus Marte com o epíte-
to Marte Mullo. A palavra mullo pode indicar uma relação
com cavalos ou mulas. O templo circular dedicado a Marte
Mullo era situado próximo a uma confluência de dois rios. Em
Nantes, na região Oeste da França, havia outro importante
centro de culto, onde um culto público oficial era realizado.
A julgar pelos ex-votos encontrados nesses locais, Mullo era
invocado para aliviar, principalmente, problemas oculares.

NARIA Naria, numa das estatuetas romanas do grupo Muri,
De acordo com as descobertas arqueológicas, a deusa encontradas em Berna, Suiça, em 1832
Naria era venerada apenas no que agora é a parte ocidental
da Suíça. Embora tenham sido encontrada uma estatueta
que representa Naria, há apenas duas inscrições referente
a essa deusa. Desse modo, sua natureza e seus atributos
permanecem obscuros.

93

NEMAUSO onde agora é a Alemanha. Ritona tinha templos dedicados a ela
nas atuais cidades de Pachten e em Trie. Seu nome sugere que
O deus gaulês Nemauso, padroeiro da cidade de mesmo foi uma deusa das vaus dos rios. Uma estátua dessa deusa indi-
nome, atual Nîmes, na França, parece não ter sido cultuado ca, porém, que Ritona deve ter sido também uma deusa-mãe.
apenas nesse local, onde havia um bosque sagrado no qual
a tribo dos volcas arecômicos realizava suas assembleias. Na ROBOR OU ROBORIS
cidade de Neumaso havia um importante santuário de prima- Deus invocado junto ao genius loci, o “espírito do lugar”, numa
vera e de cura. As deusas da cura e fertilidade Matres (v.), única inscrição encontrada na comuna francesa de Angoulême.
chamadas nessa cidade de Matres Nemausicae, também eram
cultuadas nesse santuário. RUDIANOS
Rudianos era um deus da guerra cultuado na Gália, compa-
NEMETONA rado a Marte. O nome “Rudianos” significa vermelho, refle-
Deusa venerada na Gália oriental, provavelmente padroeira tindo a natureza guerreira do deus. Uma estátua de Rudianos
da tribo galo-germânica dos nemetes, e também na Britânia. datada do século 6 a.C. atesta a antiguidade de seu culto.
De acordo com inscrições sobreviventes, na religião galo-ro-
mana, Nemetona era associada a Marte. SCATHACH; SCOTA
“A Sombria”, “Aquela que combate o medo”. Era deusa do
NICNEVEN submundo da Terra de Scath, deusa no seu aspecto destruidor. Foi
Feiticeira-deusa de Samhain. Na Escócia diz-se que caval- também uma lendária guerreira e profetisa que viveu em Albion,
gava durante a noite com os seus seguidores no Samhain. Escócia, que ensinava artes marciais que treinou Cu Chulainn.
Na Idade Média era conhecida por Senhora de Habonde,
Abundia, Satia, Bensonzie, Zombiana e Herodiana. SEGOMO
Segomo, cujo nome significa “vitorioso, único poderoso”,
NIDHOGG era um deus da guerra gaulês associado pela população de
Dragão que devorava os corpos dos humanos maléficos. origem romana a Marte e a Hércules. Seus animais eram a
águia ou o falcão.
NIMUE
Metamorfa que amou Merlin. Após uma disputa mágica, ela SMERTRIOS, SMERTRIUS
capturou-o numa gota de âmbar e engoliu-o. Outro deus da guerra gaulês, cultuado também na província
romana de Nórica, correspondente hoje a áreas da Áustria e
OSSIAN da Bavária (Alemanha). É um dos deuses gauleses retratados
Filho de Finn, personagem mais importante do ciclo fenia- no importante Pilar dos Marinheiros, descoberto em Paris,
no ou de Oissian. Aquando da derrota de Gabhra, escapou onde aparece como homem barbudo confrontando uma co-
graças à deusa - fada Niamh, que conduziu a sua barca de bra que se ergue à sua frente com uma clava. A semelhança
vidro para Tir - Nan - Og, o paraíso Celta. Passou lá 300 anos da figura ao semideus Hércules dos romanos levou alguns a
de juventude, enquanto o tempo e os reis passavam na Terra. associarem Smertrios a esse herói.
Ao fim desse tempo quis retornar à face da Terra. Niamh
confia-lhe o seu cavalo mágico recomendando-lhe que não Wikicommons
pusesse o pé em terra. Oissian, entretanto, caiu do cavalo e
bateu no solo terrestre e quando tentou erguer-se era um
velho muito fraco e cego.

RICAGAMBEDA
Deusa cultuada na Britânia romana, onde foi encontrada a
única inscrição que a ela se refere. De acordo com a inscri-
ção, o altar foi erguido por soldados celtas da tropa auxiliar
dos tungrianos, tribo belga que serviu na atual Inglaterra, em
agradecimento a uma graça concedida pela deusa.

RITONA Smertrius, no Pilar dos Marinheiros
Essa deusa celta, também chamada de Pritona, era venerada
principalmente na terra dos Tréveros, que viviam numa região

94

O Sonho de Ossian, por Jean Wikicommons
Auguste Dominique Ingres (1813)

95

SEQUANA SOUCONNA

Deusa do rio Sena, especialmente de suas nascentes, e da Outra deusa fluvial gaulesa, divindade do rio Saône, na
tribo gaulesa dos sequanos, que dela tiraram seu nome. Entre comuna francesa de Chalon-sur-Saône, onde se encontrou
os séculos 2 e 3 a.C. foi construído um santuário de cura nas uma invocação epigráfica a essa deusa. Nada mais se conhe-
nascentes do Sena, dedicado à Sequana. A julgar pelos ex- ce a seu respeito.
-votos encontrados no local, Sequana presidia principalmente
a cura de doenças respiratórias e oculares. SUCELLOS
Na mitologia galesa era o deus da abundância,
Wikicommons do sucesso, da força, da autoridade, da proteção,
da regeneração, dos cães, das árvores e dos cor-
vos; era associado a cães e transportava um maço
ou um martelo. Seu nome significa “O deus do
Maço” ou “Bom Lutador”.

SULÉVIA, SULÉVIAS
Cultuada na Gália, na Britânia e em grande par-
te do mundo celta, algumas vezes citada no plu-
ral, Sulévia pode ter sido, como as Matres, com
as quais são relacionadas em pelo menos uma
inscrição, uma entidade coletiva. Seu nome pode
significar “aquelas que governam bem”. William
van Andringa afirma em seu livro La religion en
Gaule romaine : Piété et politique que as Sulévias
eram, provavelmente, divindades “domésticas
nativas honradas em todos os níveis sociais”.

TALIESIN
Um bardo cujo nome significa “Cume
Brilhante”. Patrono dos druidas, bardos e menes-
tréis. Deus da escrita, da poesia, da sabedoria,
dos feiticeiros, dos bardos, da música, dos conhe-
cimentos e da magia.

O Bardo, por Benjamin West (1778) TARANIS, TANARUS,
TARANUCNO, TARANUO,
TARAINO

Deus do trovão cultuado principalmente na
Gália, nas Ilhas Britânicas, na Renânia (região
fronteiriça entre a Alemanha e a Bélgica) e no
Danúbio. Taranis é citado pelo poeta romano
Lucano junto a Esus (v.) e Toutatis (v.), com
quem compõe uma tríade sagrada. De acordo
com Lucano, vítimas humanas eram oferecidas
a Taranis em sacrifício. Por conta de seus atribu-
tos, no período romano, esse deus foi sincretiza-
do com Júpiter.

Variantes de seu nome levaram os pesquisado-
res a relacionar Tranis a Thor, o deus do trovão
nórdico, e a Donar, divindade germânica que de-
tém os mesmos atributos. O nome Taranis signifi-
ca, de fato, “trovão”.

Um dos símbolos de Taranis é a roda, especial-
mente a roda da biga com oito raios, associada ao

96

Wikicommonsdeus-céu -sol ou -trovão, uma vez que, entre os celtas, a roda
Wikicommonsrepresentava o Sol.

A roda de oito raios remetia às oito maiores divisões do
ano celta. O dia mais longo do ano, o mais curto e os dois
equinócios são chamados, no calendário celta, de Albans. Os
outros quatro são os festivais de Samhain, Brigantia, Beltane
e Lugnassadh, chamados de Festivais de Fogo. Essa divisão é
representada pelos oito raios da roda celeste.

TELO
Divindade masculina de uma nascente próxima à cidade
francesa de Toulon, ao redor da qual o assentamento se for-
mou. Em algumas dedicatórias a Telo, ele é invocado junto à
deusa Stanna, provavelmente sua consorte.

TEUTATES, TEUTATES,
TOUTATIS OU TUTATIS

Deus celta cultuado na Gália e na Britânia como protetor das
tribos locais. Esse deus, juntamente com Beleno, ficou famo-
so entre os leitores das histórias em quadrinhos de Asterix, o
Gaulês, da dupla René Goscinny e Albert Uderzo, que usava
como um de seus bordões a expressão “Por Toutatis!”

Taranis com a roda celeste e o raio Relevo representando Teutates,
exposto no Museu de Saint-Remi, França

O nome do deus foi interpretado como “pai da tribo”.
Os invasores romanos o identificavam ora com Marte, ora
com Mercúrio.

Teutates também é citado pelo poeta romano Lucano como
um dos três deuses a quem eram oferecidas sacrifícios hu-
manos. As vítimas dedicadas Teutates eram mortas ao serem
mergulhadas de cabeça para baixo em um tonel cheio de um
determinado líquido, provavelmente cerveja.

Contudo, os atributos dos deuses romanos eram diferentes
na Gália. Mercúrio podia ser um deus da guerra, enquanto o
Marte gaulês era um deus de proteção ou cura.

TIR - NAN - OG
A Terra dos Jovens, o paraíso celta. Local onde as almas
descansavam após a morte antes de reencarnar. É conhecido
também por Terra das Fadas, Avalon e Ilhas abençoadas. Por
vezes é descrita como uma terra para além do mar ocidental,
para onde se retiraram alguns dos Tuatha De Danann. Diz a
lenda que aí existe uma fonte que produz a Água da Vida, que
torna os velhos de novo jovens.

97

Wikicommons VINDONNUS

O nome deste deus, “Luz clara”, é um epí-
teto do deus solar romano Apolo e do gau-
lês Belenos. Nas ruínas do seu templo, na
comuna francesa de Essarois, na Borgonha,
foram encontrados objetos votivos feitos de
carvalho – árvore sagrada para os celtas – e
de pedra, representando oferendas ou partes
do corpo dos fiéis que estavam doentes para
as quais a cura era buscada.

VIROTUTIS
Virotutis é outro epíteto celta de Apolo e
significa “benfeitor da humanidade”. Apolo
Virotutis foi cultuado em diversas localidades
da Gália romana.

VISÚCIO
Visúcio, identificado na religião galo-romana
com Mercúrio, era cultuado no leste da Gália,
e na região do Reno. O nome foi interpretado
com o significando de “dos corvos”. Segundo
algumas inscrições que trazem o nome desse
deus, a consorte de Visúcio era Sancta Visucia.

VIVIANE
Segundo a lenda arturiana, Viviane era a
Senhora do Lago (também conhecida como
Nimue ou Niniane)

Eire, a personificação mítica da Irlanda, VOSEGUS, VOSAGUS,
por Thomas Buchanan Read (1867) VOSACIUS

TREFUILINGID FRE-EOCHAIR Deus celta de caça e da profecia, represen-
tado com um arco e escudo, acompanhado de
Na mitologia irlandesa era o deus do trevo e consorte da um cão. Era patrono dos Vosges, uma cadeia
Deusa Tripla. O tridente era o símbolo de qualquer deus a ela de montanhas na Europa centro-ocidental.
associado. Os Irlandeses adoravam o trevo como símbolo das
suas divindades triplas, muito antes de S. Patrício. XULSIGIAE
Deusas tríplices cultuadas no templo de primavera e de
cura em Augusta dos Tréveros, na província romana da
Germânia Inferior, atualmente Tréveris. Eram, provavel-
mente, ninfas locais da primavera. As Xulsigiae tinham um
santuário dedicado a elas, próximo ao templo monumental
Lenus Marte.

VERAUDUNUS WEYLAND
Só se conhece o deus Veraudunus por duas inscrições Deus ferreiro e consorte da Deusa Tripla. O nome Smith
votivas encontradas em Luxemburgo. Uma destas inscri- (ferreiro) referia-se antigamente a uma casta sacerdotal de
ções sugere que “Veraudunus” pode ter sido um epíteto de Druidas trabalhadores de metal. Uma tradição Inglesa afirma
Lenus Marte. Em ambas inscrições, Veraudunus é invocado que Weyland continua a existir no interior de um monte de
junto com Inciona. Berkshire, assinalado pelo Cavalo Branco de Uffington.

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DO HALOWEEN ÀS HISTÓRIAS DE BRUXAS, DOS CAVALEIROS DO
GRAAL ÀS FADAS, A CULTURA OCIDENTAL TAMBÉM É INFLUENCIADA

PELO FOLCLORE CELTA. OS MITOS E LENDAS SÃO EXEMPLOS DO
IMAGINÁRIO MÍSTICO DOS ANTIGOS POVOS EUROPEUS, E FAZEM
PARTE DO NOSSO MUNDO, INSPIRANDO FILMES, LIVROS, MÚSICAS

E A ARTE CONTEMPORÂNEA. ESTE GUIA LEVA VOCÊ POR UM
PASSEIO ATRAVÉS DO FASCINANTE MUNDO CELTA.


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