The words you are searching are inside this book. To get more targeted content, please make full-text search by clicking here.

Nesta edição, foram tratadas diferentes questões relacionadas a Viçosa: a infraestrutura do Centro, a segurança nas escolas públicas, os animais de rua e o tratamento do lixo da cidade. Muito se debateu sobre as estradas rurais do município e a necessidade de melhorias dos acessos. Sobre o aspecto da saúde, duas reportagens chamam a atenção: o trabalho educativo dos especialistas junto às famílias na Ludoteca e a polêmica regulamentação da Cannabis para fins medicinais. Na área da assistência social, uma reportagem fala sobre como Viçosa tem lidado com o combate à fome e a outra fala sobre o trabalho de transformação realizado pela Apac, no contexto em que o Brasil aparece como a terceira maior população carcerária do mundo. Também tem matérias sobre economia solidária, agroecologia sustentável e sobre o mascote esquecido e símbolo da cidade, o macaco Aurita. Por fim, duas reportagens sobre Cultura, que falam sobre a vida de músico na cidade e os encontros literários que movimentam Viçosa.

Discover the best professional documents and content resources in AnyFlip Document Base.
Search
Published by Diogo Rodrigues, 2023-10-30 16:26:06

Revista PH Rolfs - Nº 12 - Ano 11 - Outubro 2023

Nesta edição, foram tratadas diferentes questões relacionadas a Viçosa: a infraestrutura do Centro, a segurança nas escolas públicas, os animais de rua e o tratamento do lixo da cidade. Muito se debateu sobre as estradas rurais do município e a necessidade de melhorias dos acessos. Sobre o aspecto da saúde, duas reportagens chamam a atenção: o trabalho educativo dos especialistas junto às famílias na Ludoteca e a polêmica regulamentação da Cannabis para fins medicinais. Na área da assistência social, uma reportagem fala sobre como Viçosa tem lidado com o combate à fome e a outra fala sobre o trabalho de transformação realizado pela Apac, no contexto em que o Brasil aparece como a terceira maior população carcerária do mundo. Também tem matérias sobre economia solidária, agroecologia sustentável e sobre o mascote esquecido e símbolo da cidade, o macaco Aurita. Por fim, duas reportagens sobre Cultura, que falam sobre a vida de músico na cidade e os encontros literários que movimentam Viçosa.

Keywords: UFV,Viçosa,PHRolfs

Nº 12 | Ano 11 | Outubro 2023 Conheça o macaco Aurita, o mascote esquecido de Viçosa A situação do aterro sanitário da cidade Cannabis Medicinal: os estigmas e a valorização da planta em tratamentos médicos


SUMÁRIO 16 32 14 Um problema debaixo do asfalto Segurança nas escolas preocupa os brasileiros Animais de rua: problema de difícil solução O direito de ir e vir na Zona Rural viçosense Aprender a viver começa na infância O mascote esquecido de Viçosa Lixo nosso de cada dia? Fé no combate à fome Liberdade de ser gente Compartilhar para vencer: economia solidária Agroecologia solidária: economia e resistência A difícil arte da música Encontros literários impulsionam cultura em Viçosa Cannabis medicinal: estigmas e importância 4 6 8 10 12 14 16 20 22 24 26 28 30 32


PH Rolfs 3 Coordenação e Edição Geral do Projeto Prof. Ricardo Duarte Gomes (MTB-DRT 3123) Edição e Revisão Geral Ricardo Duarte Gomes Diogo Rodrigues Foto de Capa: Marcella Reis Design Gráfico: Diogo Rodrigues Redatores Ágatha Costa, Alanna Fontes, Alexia Bonifácio, Alícia Molinari, Aline Gomes, Ana Clara Ponté, Ana Júlia Alves, Ana Luisa Rodrigues, Antonia Pires, Beatriz Moraes, Beatriz Schuab, Bianca Brustolini, Brenda Araújo, Caio Freitas, Camila Leão Sabará, Carlos Daniel Borges, Carlos Henrique Rodrigues, Carolina Barreiros, Cecília Ribeiro, Cibelle Ferreira, Davi Venâncio, Denise Oliveira, Eduarda Magalhães, Élice Gomes, Elidia Penedo, Emily Christine, Evelyn Sabino, Gabriel Castro, Gabriel Félix, Gabriella Arges, Gabriella Claro, Giovanna Almeida, Giovana Barbieri, Guido Maroni, Guilherme Alves, Guilherme Soares, Hamilton Silva, Henrique Tempone, Iara Luiza, Inayá Ahau, Isabella Cardoso, Izadora Arruda, João Victor Dias, João Victor Santos, Júlia Curcio, Kamily Nogueira, Kedma Muniz, Lavínia Arruda, Leonardo Amorim, Luara Miranda, Luiz Macedo, Marcela Aguiar, Marcos Geovane, Maria Alice Sarmento, Maria Elisa Penna, Maria Izabela Viana, Maria Paula Faria, Maria Vitoria Gervásio, Matheus Motta, Natália Lana, Stefhany Barreto, Stéfany Peron, Thais Cal, Tiago Bueno e Wallace Dias Chefe da Divisão Gráfica Universitária José Paulo de Freitas Diretor do CCH Prof. Odemir Baêta A edição 2023 da PHRolfs conta com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PEC/UFV), foi produzida no 1º semestre e traz reportagens desenvolvidas pelos estudantes junto à comunidade viçosense. Foram meses de pesquisas, entrevistas, visitas às localidades, conversas com especialistas e pessoas comuns, até a fase de redação, edição e diagramação da revista. O problema público norteou a construção das pautas. Nesta edição, foram tratadas diferentes questões relacionadas à cidade de Viçosa: a infraestrutura do centro, a segurança nas escolas públicas, os animais de rua e o tratamento do lixo da cidade (reportagem, inclusive, em que as estudantes foram visitar o aterro sanitário local). Muito se debateu sobre as estradas rurais do município e a necessidade de melhorias dos acessos. Sobre o aspecto da saúde, duas reportagens chamam a atenção: o trabalho educativo dos especialistas junto às famílias na Ludoteca e a polêmica regulamentação da Cannabis para fins medicinais. Na área da assistência social, uma reportagem fala sobre como Viçosa tem lidado com o combate à fome e a outra fala sobre o trabalho de transformação realizado pela Apac, no contexto em que o Brasil aparece como a terceira maior população carcerária do mundo. Também tem matérias sobre economia solidária, agroecologia sustentável e sobre o mascote esquecido e símbolo da cidade, o macaco Aurita. Por fim, duas reportagens sobre Cultura, que falam sobre a vida de músico na cidade e os encontros literários que movimentam Viçosa. Quase todas as reportagens foram produzidas também no formato radiojornal, contando com o apoio da Fundação de Rádio e Televisão de Viçosa (Fratevi). Foram produzidas 13 edições para um programa de rádio piloto chamado “Giro Em Pauta”, que contou também com a orientação da professora Mariana Procópio, do DCM/UFV. No mais, desejamos uma boa leitura! Ricardo Duarte Gomes Editor da Revista PH Rolfs O público é a pauta EDITORIAL


4 PH Rolfs Uma cidade sofre diversos tipos de transformações ao longo do tempo: às vezes, pelo surgimento de um prédio onde antes havia uma casa antiga e, em outros momentos, pelo seu crescimento acentuado. Desse modo, problemas podem surgir caso esse processo não seja bem planejado. Com o crescimento urbanístico elevado de Viçosa nos últimos 30 anos, ocorrido especialmente por causa do surgimento de novos cursos na UFV, o número de prédios na cidade mais do que dobrou. E de maneira descontrolada, visto que era preciso comportar um grande número de estudantes em um espaço limitado. Algumas construções invadiram os leitos de córregos e ribeirões. A área verde ficou cada vez menor, contribuindo com as diversas complicações que o município passou a enfrentar. Esses precedentes provocaram a impermeabilização de extensas áreas, impedindo a infiltração da água das chuvas no solo. Por isso, o escoamento O crescimento urbano descontrolado de Viçosa gerou problemas estruturais nas ruas do Centro ao longo dos anos e criou receio em moradores e comerciantes. Entre interdições e incertezas, a Praça Mário Del Giudice já passou por duas obras nos últimos nove anos e a Prefeitura ainda estuda uma solução definitiva. Por Bianca Brustolini, Cibelle Ferreira, Kamily Nogueira, Leonardo Amorim e Tiago Bueno passa a ocorrer diretamente para dentro dos córregos que cortam a cidade. O Córrego da Conceição, canalizado em um trecho do Centro, é destino de grande parte da água que escoa no entorno da região do bairro de Fátima. Isso não foi previsto na sua canalização e, em conjunto com o acúmulo de lixo depositado no leito do córrego, o resultado é o risco de rompimento no encanamento. A Praça Mário del Giudice, construída por cima desse córrego, lida com o problema frequentemente. Em setembro de 2014, vários comerciantes da região foram notificados a respeito da interdição, pelo Corpo de Bombeiros, dos locais onde trabalhavam. A medida necessária na época veio após a aparição de rachaduras nas paredes e afundamentos no piso de algumas lojas. Os espaços interditados foram liberados novamente para uso apenas em 2016, após mais de dois anos em obras. Mas aquela não foi a última vez que a área teria alguma avaria. Em 2021, logo depois de uma chuva torrencial, crateras se abriram em frente ao prédio da Drogaria Araujo. Alguns comércios foram interditados novamente e a região entrou em obras por mais de três meses, prejudicando a economia local, o trânsito e os transeuntes. Como explica o gerente de pista do Posto Tiger, Luiz Um problema debaixo do asfalto Cibelle Ferreira


PH Rolfs 5 Fernando: “a principal via do cliente para entrar no posto é onde surgiu o buraco, para quem vem debaixo da Av. Bueno Brandão. O movimento aqui caiu em torno de 50%”. O professor André Faria, do Departamento de Geografia da UFV, explica que, pelo fato de as mudanças climáticas provocarem chuvas cada vez mais fortes, somada à falta de locais para o escoamento da água da chuva na cidade, são os principais fatores que geram os problemas na área. “A natureza pode, em algum momento, gerar as condições para que aquela obra não dê conta do volume de água que cai na bacia do Córrego da Conceição, que vai chegar imediatamente nele, pois a sua margem é uma das áreas mais urbanizadas que temos no município”, destaca o especialista. Além disso, ele reforça que, como grande parte do solo da região está impermeabilizado, a água da chuva vai direto para o córrego e, em seguida, seu espaço de circulação é reduzido nas adutoras localizadas abaixo da Praça. Assim, a pressão exercida pela quantidade de água rompeu a tubulação na ocasião mencionada. O engenheiro civil Douglas Ferreira, atual diretor do Geoprocessamento, Planejamento e Meio Ambiente de Viçosa (Geoplam), nos informou que as obras realizadas em 2022 no local são suficientes para o momento, mas que o problema não foi completamente solucionado. O diretor declarou, ainda, que para a resolução definitiva do problema, uma obra maior deve ser executada pelo município. Devido ao alto custo da operação, a Prefeitura precisa conseguir recursos junto ao Governo Federal. Enquanto o projeto não sai do papel, o que resta aos moradores e comerciantes da região da Praça Mário Del Giudice é torcer para que chuvas maiores não afetem tanto a tubulação novamente e que a estrutura atual dê conta do recado. Obras de reparo realizadas na Praça Mário Del Giudice, em 2021. Elas demoraram cerca de três meses para serem concluídas. Diogo Rodrigues PH Rolfs 5


6 PH Rolfs A falta de investimento em tecnologia e infraestrutura reforçada na segurança fazem com que as escolas públicas brasileiras sofram, historicamente, com arrombamentos, furtos e vandalismos. Diante do cenário assustador de ataques sucessivos às escolas nesses últimos Em menos de 12 meses o Brasil já contabiliza quatro atentados a escolas: em Barreiras-BA; em duas escolas públicas de Aracruz-ES; em São Paulo-SP; e a uma creche em Blumenau-SC. A reportagem da PHRolfs visitou algumas escolas para saber como anda a segurança em Viçosa. Por Davi Venâncio, Élice Gomes, Guido Maroni, Hamilton Silva e Marcos Geovane anos (veja o box) o desafio emergencial principal tem sido a questão da segurança nas escolas. Como demonstrado por um levantamento realizado pela pesquisadora da USP Michele Prado, foram registrados 22 ataques entre 2002 e 2023. A segurança (ou a falta dela) influencia todo o ambiente escolar e causa pânico em toda a sociedade. Foi o que aconteceu em meados de abril de 2023, quando surgiram rumores de possíveis ataques em escolas e universidades de todo o Brasil, após os ataques que vitimaram uma professora no dia 27 de março em São Paulo e quatro crianças no dia 5 de abril, em Santa Catarina. A professora Dilce Oliveira Rodrigues, que é mãe, compartilha dessa preocupação. Segundo ela, “as escolas precisam de medidas para melhorar a segurança, fazendo com que o aluno, depois de estar dentro da escola, tenha proteção, e para que nós professores estejamos seguros. Como mãe, espero que, quando deixar meu filho na escola, ele esteja protegido”. Esse receio é compartilhado por muitos outros pais e servidores das escolas, uma vez que a violência nelas é recorrente. Em Viçosa, de acordo com a sargento Ivone Barbosa, da 10° Companhia Independente da Polícia Militar, as ameaças que rondaram a cidade durante o mês de abril foram investigadas e declaradas falsas. Mesmo assim, todo o efetivo da força policial foi mobilizado para criar uma campanha preventiva. Tal sentimento de insegurança também foi influenciado pelas fakenews. A professora Marilene Vieira, do Departamento de Educação da UFV, ainda afirma que esses ataques são causados pela sociedade que se apresenta de forma violenta, e salienta que uma solução seria aperfeiçoar as leis armamentistas, para que menos pessoas tenham acesso a armas. Sabemos que, apesar das medidas de segurança estarem sendo aplicadas de forma efetiva, as preocupações dos pais continuam, principalmente daqueles que possuem filhos nas escolas públicas. A reportagem da PHRolfs conversou com uma profissional da educação de uma escola pública de Viçosa que pediu para não ser identificada. Ela afirma: “se alguém quiser entrar aqui na escola, é fácil”. Passamos em Segurança nas escolas preocupa os brasileiros


PH Rolfs 7 frente ao Colégio Carmo, escola particular que possui um segurança sempre presente na entrada. Contudo, na Escola Municipal Coronel Antônio da Silva Bernardes (Casb), só uma corrente de plástico demarca a entrada, além de uma porta com câmera. Um de nossos repórteres foi até o Casb e entrou sem dificuldades, apenas tocando a campainha e se identificando já no interior da escola. Não houve nem mesmo a checagem de sua documentação. Algumas soluções têm sido aplicadas em outros países, como o enfoque no bem-estar do aluno e na saúde mental dos estudantes. Ao desenvolver uma relação saudável entre alunos, a comunidade escolar consegue identificar sinais de alerta e combater, na origem, problemas que mais tarde podem levar a uma retaliação violenta. Felizmente as escolas de Viçosa não sofreram com atentados, apesar dos boatos e das fakenews. A Cartilha de Proteção Escolar da Polícia Militar e a ação de patrulhamento pelas escolas de Viçosa tiveram início nessa mesma época. A ação preventiva educativa tranquilizou parte da população viçosense. Mas ainda faltam medidas de segurança mais efetivas para controlar quem entra nas escolas. Isso reflete como receio em algumas famílias e funcionários. De acordo com a sargento Ivone, a patrulha escolar será mantida por tempo indeterminado, a fim de garantir a segurança. Em caso de qualquer indício de ocorrência, a polícia está sempre disponível pelo número de telefone 190. Ação da PMMG em escola pública de Boa Esperança, cidade do sul de Minas Gerais Casb, em Viçosa, foi uma das escolas visitadas pela reportagem da PH Rolfs Reprodução PMMG Reprodução PMV


8 PH Rolfs Não é a primeira vez que a pauta dos cachorros abandonados na cidade e no campus de Viçosa aparece nessa revista. Os cachorros abandonados vaSem abrigo e sem castração, os cachorros abandonados continuam pela cidade e pelo campus Viçosa, um problema que se arrasta há anos. Os animais sofrem maus tratos, passam frio, fome e estão expostos a diversos tipos de doenças. Por Beatriz Schuab, Julia Vargas, Maria Alice Sarmento, Maria Vitoria Gervásio e Wallace Dias gam à espera do abrigo municipal tão anunciado e de algum tipo de parceria entre a Prefeitura e a UFV para a castração desses animais. Já se sabe que a superlotação também acontece porque muitos moradores de cidades vizinhas “visitam” nossa cidade para soltar esses animais. Algumas áreas ficaram até conhecidas por moradores e estudantes pelos ataques de cachorros, principalmente a motos e bicicletas. Exemplos disso seriam a Praça do Rosário, no Centro da cidade, e a Reta da UFV. Inúmeros ataques de cães de rua já foram relatados e, apesar de ser uma questão conhecida, segue sendo um problema sem solução. A viçosense e estudante de graduação Amanda Barbosa relata ter sido vítima de um ataque canino. Ela estava tentando ajudar o animal quando foi surpreendida com duas mordidas: uma na mão e outra no pé, correndo risco de ser contaminada pela doença viral raiva. A questão dos ataques se tornou uma situação comum, pois a perseguição dos animais a pedestres e motociclistas é rotineira, deixando assustadas as pessoas que precisam realizar tarefas no centro da cidade. As matilhas transitam sem controle pelas ruas, correndo risco de serem atropeladas ou causarem algum acidente de trânsito. Esses cães estão expostos a todo tipo de enfermidade e zoonoses - doenças infecciosas transmitidas entre animais e pessoas - além de lesões ocasionadas por brigas e atropelamentos. A morosidade nas ações do Problema de difícil solução 8 PH Rolfs


PH Rolfs 9Fotos: Beatriz Schuab poder público possibilita o aumento de animais nas ruas e o desenvolvimento de doenças nos animais, como tumores de útero, mama e testículo, além de outras infectocontagiosas que poderiam ser evitadas. A reportagem da PH Rolfs esteve na Audiência Pública para tratar do assunto, realizada no mês de maio na Câmara Municipal de Viçosa, quando foram discutidas quais as possíveis políticas públicas que pudessem ser soluções para a questão de cães em situação de rua no município. Uma das soluções discutidas foi a criação do Centro de Zoonoses, local destinado para ações de fiscalização, vigilância e controle de animais que possam transmitir doenças ao ser humano. A chefe do Departamento de Vigilância em Saúde, Lilian Souza, destaca que, no local, não haverá realização de procedimentos clínicos ou cirúrgicos, nem castração ou canil para guarda desses animais. A proposta seria que, após os cuidados dados aos animais, eles sejam enviados para a doação. Caso não encontrem um lar, seriam colocados de volta ao seu lugar de origem. A Secretaria de Saúde Municipal, responsável pelo Centro de Zoonoses, afirmou que não há data definida para o início das operações. A voluntária Giovanna Almeida, que trabalha na OSC Causa Animal, contou um pouco sobre como entrou em contato com a presidente da associação para que pudesse ajudar a ONG no que fosse possível. Ela afirma que não existe muito apoio para as ONGs de proteção animal em Viçosa, destacando a vereadora Marly Coelho como uma das principais ativistas da causa dentro da Câmara. A respeito de possíveis soluções para a problemática, a universitária destaca os projetos de castração voluntária, vacinação e lares temporários como ela mesma oferece. Normalmente, os animais resgatados que precisam de lar temporário estão em situação de extrema vulnerabilidade, doentes ou machucados, o que faz com que muitas pessoas não se disponham a se voluntariar. Ainda assim, as ONGs de Viçosa estão dispostas a prestar apoio a quem se propor a oferecer lar e cuidar temporariamente dos animais necessitados. O contexto apresentado é importante para ressaltar o impacto que os atrasos na criação de obras e leis que impeçam que moradores de cidades vizinhas abandonem seus cães nas ruas de Viçosa. É necessário que haja pressão popular para que o poder público comece a corporificar respostas dos problemas que aparecem. A causa animal é uma questão que preocupa os cidadãos há muito e demanda urgência para que seja resolvida. Após mais um ataque de animais, desta vez em um atleta de maratona que chegava para praticar seu treino nas proximidades do campus da UFV, equipes da UFV, da Prefeitura de Viçosa, do Corpo de Bombeiros Militar, da Sociedade Viçosense de Proteção Animal (Sovipa) e da ONG Causa Animal finalmente resolveram começar a recolher os cães do campus Viçosa. Os cães foram encaminhados para a Unidade de Vigilância em Zoonoses (UVZ) para exames, vacinas e o destino dos animais será a adoção ou a devolução.


10 PH Rolfs Moradora da zona rural de Viçosa há 50 anos, no bairro Cristais II, Dona Maria afirma que nunca viu uma obra sendo feita na região. “Só cascalho e pó de pedra em ano de eleição” é o que afirma seu filho Wellington quando questionado sobre a intervenção de órgãos públicos em prol de melhorias na estrada. Ano após ano, os moradores precisam por vezes contornar as árvores que caem nas estradas e não são retiradas. Também enfrentam lama em época de chuva, desviando de enormes buracos no percurso. Para o morador Luiz Carlos, a situação custou uma visita da mãe ao hospital, conApesar das áreas rurais de Viçosa representarem mais de 90% da área total do município, seus moradores ainda lutam por direitos básicos de mobilidade. Por Isabella Cardoso, Carolina Barreiros, Beatriz Moraes e Alanna Fontes forme ele afirmou em uma entrevista em fevereiro de 2021. Na época, um caminhão atolou no bairro, impedindo a passagem pelo único caminho disponível, uma vez que o portão que dá acesso ao campus da Universidade Federal de Viçosa estava fechado, impossibilitando o tráfego. De lá para cá o estado das estradas não mudou muito. A localização do bairro explica um pouco da peculiaridade de seus desafios. Dividindo o terreno com a UFV, a impressão dos moradores é de que a responsabilidade pela resolução de problemas da comunidade estaria sendo passada da instituição para os órgãos municipais e vice-versa. A repartição pouco esclarecida do que seria responsabilidade de um ou do outro contribui para a dificuldade de cobrança e resolução dos problemas. Apesar de já terem sido lançados alguns calendários de reformas nas zonas rurais desde o período mais crítico da região, em 2021, quando aconteceu o incidente relatado por Luiz Carlos, o bairro nunca entrou nas listagens. O chefe do Departamento de Agropecuária da Prefeitura, Reginaldo Fialho, afirma que quando uma região não está no cronograma é por estar próxima a bairros maiores. Assim, quando as intervenções chegarem ao bairro rural vizinho, Palmital, as obras tendem a chegar aos Cristais. Ainda de acordo com Reginaldo e relatos de outros funcionários da Secretaria, os maiores obstáculos para a realização desse tipo de obra são: o teto orçamentário, a burocracia envolvida, a extensa área a ser tratada (mais de 300km), o desafio técnico de executar funções típicas da Secretaria de Obras e a necessidade, neste caso, O direito de ir e vir na Zona Rural viçosense Mapa do bairro Cristais II, com rua principal assinalada em vermelho Mapa: Google Maps


PH Rolfs 11 Galhos de árvore que, em maio de 2023, ficaram cerca de 20 dias atrapalhando o tráfego na estrada dos Cristais II. de intervenção dentro da propriedade dos moradores. Para os “velhos de casa”, isso já é comum: a família de Dona Maria afirma já não ter esperanças com a Prefeitura, preferindo se organizar com a comunidade para realizar manutenções e “quebra-galhos” por conta própria. Apesar dessa tentativa de remediar o problema, a estrada atinge estados críticos todos os anos, em parte pela influência da passagem de caminhões para escoamento da produção agrícola. O morador Ademar reconhece a importância do fluxo para a comunidade, mas ressalta a ausência de intervenções efetivas para a eliminar a constante degradação causada pelo transporte. Quando questionado sobre os desafios técnicos e soluções ideais para esse e outros problemas nas estradas, o professor do Departamento de Engenharia Civil da UFV, Willian Amaral, especializado em estradas e transportes, diz: “Para garantir resultados duradouros, o patrolamento não é o suficiente. É preciso uma análise do solo e a instauração de um sistema de drenagem adequado ao regime de chuva e à especificidade do solo. Só então a compactação superficial funciona; sozinha, a medida é apenas paliativa”. O Cristais II é uma região de alto contraste e possui um perfil demográfico bem heterogêneo, como afirma o especialista Robert Lorran, mestrando em Entomologia pela UFV e morador do bairro há um ano: “A gente vê algumas mobilizações, como abaixo-assinados, ocasionalmente. Tem o grupo de WhatsApp, em que a galera conversa, consegue caronas, mas no geral essas diferenças de perfil de morador [...] dificultam uma frente mais unida de mobilização”. Ele também reforça a necessidade de maior diálogo entre os moradores, para conseguirem, ao menos, visibilidade às situações enfrentadas. Apesar das diferenças, os vizinhos têm em comum o desafio das estradas e a necessidade de lutarem pelo direito de ir e vir, preservando a qualidade de vida e a característica “da roça”, como ressaltado pela moradora Ana Caprini: “Escolhemos os Cristais, além do fator financeiro, pela qualidade de vida, tranquilidade e contato com a natureza”. Isabella Cardoso


12 PH Rolfs As meias de Leo (3 anos) correndo na areia da Ludoteca UFV chamam a atenção de quem observa o grande grupo de crianças ao ar livre. Diagnosticado com autismo, ele lida com a sensibilidade sensorial. A a mãe, que escolheu não se identificar, afirma que não conhecia o transtorno, mas viu o valor da recomendação médica de levar o filho à Ludoteca. Ela relatou à reportagem da PHRolfs que o menino enfrenta dificuldades na socialização e que não gosta do contato direto com o chão. Médicos e psicólogos infantis recomendam a Ludoteca UFV no tratamento de transtornos mentais. Nossa reportagem acompanhou o trabalho educativo que tem revertido impactos da tecnologia no desenvolvimento infantil. Por Ana Júlia Alves, Camila Leão Sabará, Gabriella Claro, Giovanna Almeida e Laura Queiroz Portanto, o envolvimento com o ambiente já é uma conquista. Mas a indicação não é isolada a esse caso. A Revista Latino-Americana de Estudos Científicos aponta que o ensino lúdico pode reverter impactos do uso da tecnologia. Embora beneficie o raciocínio lógico e a criatividade, o contexto do uso intenso das tecnologias (que ocorre através dos pais ou para distração e lazer) afeta o psicológico infantil, por conta do excesso de luzes. A dinâmica das telas geram impactos perigosos no desenvolvimento neurológico. Isso leva ao afastamento de uma das atividades mais importantes da infância: o brincar. Uma pesquisa recente na área da psicopedagogia, “O Brincar na Educação Infantil: Jogos, Brinquedos e Brincadeiras”, explica que por meio da ludicidade a criança aprende a se expressar, se ouvir, respeitar e discordar de opiniões, além de exercer sua liderança e autonomia. “Se analisar brincadeira por brincadeira, cada uma exercita algo diferente, tanto na psicomotricidade, quanto nessa questão imaginativa de resolução de problemas. Porque dentro daquela perspectiva surgem situações-problemas, e a criança vai precisar encontrar uma solução para elas. Então, de várias formas, é muito favorável”, comenta a psicóloga infantil Joyce Lopes. A reportagem também conversou com a professora Bárbara Giardini, integrante da equipe coordenadora da Ludoteca UFV. Ela explica como a criança utiliza brincadeiras para se comunicar e estabelecer vínculos afetivos: “nesse faz de conta ela pode transcender um pouco da sua vivência e experienciar várias possibilidades. Com isso, desenvolve coordenação motora e criatividade, possibilitando também o contato com a diversidade. Nos nossos grupos estamos com crianças em diversas situações socioeconômicas. Lidamos com uma pluralidade muito grande”, diz. As ludotecas existem pelo país e são compostas por um conjunto de recursos pedagógicos, como jogos, mesas de pintura e colagem, salas e ambientes sensoriais (a exemplo da areia onde Leo brinca). O ambiente é planejado, pensado sobretudo na dimensão psicossocial. Embora o brincar pareça simples e elementar, é essencial para o bem-estar das crianças. É apontado por especiaFotos: Ana Júlia Alves Aprender a viver começa na infância 12 PH Rolfs


PH Rolfs 13 listas como crucial no tratamento de transtornos como ansiedade, depressão, déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), fobia social, entre outros. Dessa forma, facilita diagnósticos e intervenções. E uma infância saudável reflete na fase da adolescência e na vida adulta. A Ludoteca UFV, na Vila Giannetti, atende de graça, aos domingos, crianças de Viçosa e região, das 15h às 17h, sempre incentivando a participação e o envolvimento de pais e responsáveis. As crianças são recebidas por profissionais e têm liberdade para escolher como e com o quê brincar. Familiares que conversaram com a reportagem afirmaram que, além de ser um momento importante para o desenvolvimento infantil, esse momento funciona como lazer e como tempo de qualidade em família. E fica a certeza de que o trabalho realizado na Ludoteca gera impacto no cotidiano das famílias. Gustavo Lopes, pai de Giovanna (13), Rafael (8) e Theo (6), reforça: “a Ludoteca é muito importante na criação das crianças justamente para demonstrar que existe um mundo para além do celular e da internet. E esse mundo, além de ser muito divertido, é educativo, pela disciplina, prática de esportes e contato com brincadeiras diferentes. É um mundo que permite o viver saudável”. Lopes diz, ainda, que a única parte ruim é a hora de ir embora: ele encerra a entrevista sorrindo ao descrever a relação dos filhos com o brincar. PH Rolfs 13 Criança realiza atividade sensorial com areia na Ludoteca da UFV.


14 PH Rolfs As capivaras da UFV conquistaram um lugar de destaque como verdadeiros ícones e símbolos representativos da Universidade, imprimindo-se na memória coletiva de quem pensa em Viçosa. Elas marcam presença em camisas, logotipos e nas redes sociais de muitos calouros que chegam à cidade. No entanto, em meio ao destaque do roedor, poucos têm o conhecimento de que um pequeno primata, o macaco aurita (Callithrix Aurita), ou sagui-da-serraescuro, ostenta o título de mascote oficial de Viçosa. Conhecido também como Sagui- -caveirinha, o aurita é uma espécie endêmica da Mata Atlântica brasileira. O biólogo Fabiano de Melo, professor do Departamento de Engenharia Florestal da UFV, descreve as características marcantes do aurita: “possui uma tonalidade escura, com pelos pretos que apresentam delicados tons avermelhados, especialmente no dorso. Porém, suas mãos e pés brilham em um douraCentro de Conservação do Sagui-da-serra-escuro (CCSS) lidera esforços na conscientização e proteção dessa espécie ameaçada de extinção Por Antonia Pires, Brenda Araújo, Caio Freitas, Guilherme Soares e Matheus Motta do, assemelhando-se a uma coroa em sua testa, também adornada por uma região dourada. Sua face é totalmente alva, com uma barbicha branca, que remete, de maneira intrigante, a uma pequena caveirinha”. A redescoberta da espécie no município de Viçosa aconteceu em 2017, feita a partir do trabalho de conclusão de curso do estudante de biologia Orlando Vital. Desde então, foi dada maior atenção à existência do primata e à sua conservação na cidade. Por meio desse trabalho, o sagui-da-serra escuro recebeu o título de mascote oficial da cidade. Foi instaurado em Viçosa, em 2020, o Dia Municipal do Sagui-da-serra-escuro, a ser celebrado em todo 17 de junho. Contudo, apesar da sua escolha como mascote, pouco progresso foi feito em termos de ações concretas para a preservação da espécie. A esfera municipal ainda não implementou efetivamente as atividades propostas em lei para serem realizadas entre o Dia Internacional do Meio Ambiente e o Dia Municipal do Sagui-da-serra- -escuro. Contatamos a Diretoria de Meio Ambiente da Prefeitura de Viçosa em busca de informações sobre as ações planejadas para a aplicação da lei e a preservação da espécie - até o fechamento desta edição, não recebemos nenhuma resposta. Da mesma forma, ao contatar a Secretaria de Cultura, Turismo, Patrimônio Histórico e Esporte, fomos informados de que ainda não foram realizadas ações relacionadas ao Sagui-da-Serra-Escuro. No entanto, o Centro de Conservação dos Saguis-da-Serra (CCSS) da UFV tem trabalhado na conscientização quanto à importância e proteção O mascote esquecido de Viçosa


PH Rolfs 15 desses primatas. Uma das iniciativas é a realização anual da Semana do Aurita, um evento que visa sensibilizar e engajar tanto a comunidade acadêmica quanto a população local. Através de palestras, exposições e atividades educativas, o projeto promove uma conscientização sobre a importância da preservação do macaco aurita e do seu ecossistema. Essas ações têm o intuito de despertar a empatia e o senso de responsaLaiena Luz bilidade ambiental, bem como fomentar uma conexão entre as pessoas e o mascote oficial da cidade. Segundo a médica veterinária Ana Yasha, tratadora-chefe do CCSS, a importância do macaco aurita vai além de sua aparência e da data comemorativa. Ela destaca que “essa espécie possui características únicas e desempenha um papel crucial no equilíbrio dos ecossistemas. Proteger o macaco aurita é essencial para preservar a biodiversidade e garantir a sustentabilidade ambiental”. Diante dos riscos iminentes que ameaçam a sobrevivência do macaco aurita e seu habitat, o trabalho do CCSS assume uma abordagem abrangente, unindo o manejo em cativeiro, a pesquisa, a extensão, a educação ambiental e as atividades junto à comunidade. Você pode acompanhar o trabalho do projeto pelo Instagram (@ccss.ufv) e ter acesso a outros conteúdos, materiais e produtos em: linktr.ee/ccss.ufv. Macaco aurita no criadouro científico do Centro de Conservação do sagui-da-serra


16 PH Rolfs S egundo o Censo IBGE/2022, Viçosa possui 76.430 moradores e uma população flutuante de aproximadamente 15 mil pessoas. Esse cenário gera um impacto direto na arrecadação de resíduos sólidos, sendo necessária uma atenção especial para o setor. A cidade conta com o apoio do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), autarquia municipal responsável pela gestão dos sistemas de coleta e destinação dos resíduos sólidos, permitindo melhor manejo desses despejos. Dados de 2021 do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS) evidenciam que o recolhimento de resíduos urbanos em Viçosa cobre 98% da totalidade territorial e atinge uma coleta diária de 0,54 kg por pessoa. Com isso, o Saae foi responsável, em 2022, por mais de 15 toneladas, em média, de resíduos produzidos na cidade, no qual quase 99% foram destinados ao aterro sanitário. Aterro sanitário é o local de destino dos resíduos sólidos urbanos provenientes da coleta de lixo doméstico Saiba que o lixo que você produz em casa e no trabalho tem início, meio e fim. Conheça o gerenciamento de resíduos sólidos, do descarte ao aterro sanitário. Entenda os desafios da gestão e qual a sua responsabilidade neste processo. Por Ana Clara Ponté, Elidia Penedo, Izadora Arruda, Júlia Curcio e Stefhany Barreto e de alguns resíduos industriais não perigosos, escolhidos de forma a não causar danos à saúde pública e à segurança. De acordo com essa definição do Serviço Geológico do Brasil, isso faz com que os impactos ambientais diminuam. Acompanhada pelo diretor de Limpeza Pública do Saae, Maxmiller Ferreira, a reportagem da PHRolfs visitou o aterro sanitário de Viçosa. O diretor explicou todo o processo do descarte dos resíduos: começa a partir da coleta nas casas, depois o material segue até o local do aterro, onde é pesado e, em seguida, descarregado e empurrado por uma retroescavadeira para um nível abaixo. Nesse nível são formadas camadas que posteriormente serão cobertas por terra para evitar mau-cheiro, insetos e animais. O terreno do aterro precisa de um preparo prévio. O chorume, líquido poluente resultante da decomposição dos resíduos, é captado por canos e direcionado para duas lagoas, que são impermeabilizadas para impedir que o material infiltre no solo e contamine o lençol freático. Parte do chorume evapora e o restante é pulverizado na parte superior do aterro para que ele seja drenado para a lagoa novamente. Além disso, a cada dois meses ocorrem testagens das redes pluviais próximas para checagens de não-contaminação. Segundo Maxmiler, o tratamento do chorume poderia ser feito, mas não acontece devido à necessidade de uma tecnologia específica, ainda muito cara. Além disso, o aterro também conta com captação do biogás: após liberado pelos resíduos em decomposição, os gases são captados e queimados. O local possui canaletas que drenam a água da chuva, preservando o terreno, evitando inundações e contaminações. O aterro sanitário de Viçosa funciona mesmo em face de um Termo de Ajustamento de Conduta, que ocorreu por questões relacionadas às gestões Ana Clara Ponté Lixo nosso de cada dia?


PH Rolfs 17 Descarregamento dos resíduos coletados no aterro sanitário, para dar início ao processo de descarte correto anteriores. Apesar disso, de acordo com o diretor, atualmente o aterro segue todas as normas de gerenciamento necessárias para o seu funcionamento. Ainda de acordo com Maxmiler, o aterro ainda possui um prazo de vida de nove a 10 meses. Após esse período, a única solução seria enviar os descartes para outra cidade. Outra questão da qual o Saae ainda aguarda resposta é a aprovação do espaço para um novo aterro. O pedido de licença foi feito em 2022, após um convênio com a UFV. Foi desenvolvido um extenso documento que serviu para a base da solicitação. Como solução para a sobrecarga do aterro sanitário, o diretor-presidente do Saae, Marcos Nunes, ressalta a importância da coletividade e de uma gestão compartilhada: “Hoje a gente recicla 5% do resíduo do município. Se nós tivéssemos os resíduos na nossa casa, teríamos potencial para universalizar isso. Mas não há essa atitude cultural de se separar o resíduo em


18 PH Rolfs os resíduos inorgânicos são produzidos por materiais não naturais, como o plástico, garrafas pets, vidros, entre outros. Se forem descartados incorretamente, podem poluir o meio ambiente em função do longo tempo estimado para sua decomposição. Coleta seletiva na cidade Desde 2008 a coleta seletiva de resíduos sólidos acontece por meio de duas associações de catadores, a Associação de Usina de Triagem e Reciclagem de Viçosa (Acamare) e a Associação dos Catadores e Materiais Recicláveis de Viçosa (Acat). As duas associações, em parceria com o Saae, recolhem os materiais recicláveis em diferentes rotas nos bairros do município, com o objetivo de promover o reaproveitamento destes materiais inorgânicos em local apropriado. Esta ação é fundamental para a limpeza da cidade. Segundo a presidente da Acat, Eni Brandão, após a coleta dos resíduos sólidos recicláveis nos bairros, os caminhões levam os materiais para a sede, onde passam, a princípio, pela separação (triagem). Após essa etapa, os resíduos são prensados e pesados para serem vendidos e, posteriormente, reutilizados como matéria-prima. Estes produtos são levados para indústrias, que reaproveitam os recicláveis para gerar novos objetos e utensílios. Para a reportagem, Luciano Rezende, comprador dos materiais recicláveis da Acat, nos conta sobre o processo realizado após a compra: “Eu separo os materiais que quero comprar, como papelão, garrafas pets, menos o papel branco. Todos os meses venho aqui e junto sacos de diferentes materiais. Ao todo são cerca de 80 quilos que eu levo para as fábricas da região para a destinação correta”. Visão panorâmica do aterro sanitário de Viçosa-MG Arquivo Saae casa’’. Além disso, de acordo com o especialista Keivison Almeida, mestre em engenharia civil voltada para a área sanitária ambiental, o impacto dessa sobrecarga prejudica principalmente a vida útil do aterro, que acaba sendo reduzida devido à saturação causada por resíduos que poderiam ser descartados de maneira correta. Os resíduos sólidos, conforme a Lei 12305/2010, são materiais orgânicos e inorgânicos. Os resíduos orgânicos são compostos gerados da matéria animal ou vegetal, como resto de comida, por exemplo. Se não descartados corretamente, podem produzir chorume. Mas se descartados da forma correta, podem ser transformados em adubo, por meio do processo de compostagem. Já


PH Rolfs 19 Além disso, parte do dinheiro arrecadado pelas associações é destinado à compra de Equipamento de Proteção Individual (EPI), pagamento de contas e dos trabalhadores. A presidente da Acamare, Selma de Fátima, conta que “existe um quadro com os preços das embalagens de plásticos, de vidros e papelão. Cada venda que realizamos destes materiais, o dinheiro que conseguimos ao longo do mês é dividido para os trabalhadores daqui”. Para diminuir o número de resíduos diários destinados ao aterro sanitário (cerca de 50 toneladas) e ampliar a reciclagem, é necessário que haja uma gestão compartilhada de gerenciamento dos resíduos sólidos, que depende do empenho dos prestadores de serviço do Saae, da população e das associações que reciclam os materiais. “Não é uma questão de dificuldade, é sobre parar para enxergar como esse problema pode ser solucionado’’, ressalta Renan Costa, responsável pelo gerenciamento da Divisão de Gestão de Resíduos. A parceira principal dessa ação conjunta é a população da cidade, que já pode cuidar da separação do lixo dentro de casa. A coleta seletiva é um direito do cidadão, uma vez que existe uma taxa de remoção e destinação dos resíduos. Entretanto, cabe às famílias em suas casas realizarem a “triagem dos materiais, fazendo a separação do material reciclável do rejeito orgânico, com a possibilidade de realizar, ainda, a compostagem’’, como esclarece a professora Nádia Dutra, professora do Departamento de Ciências Sociais da UFV e responsável pela avaliação do impacto da Política Nacional de Resíduos Sólidos na coleta seletiva em Viçosa. Após este processo, é necessário que o cidadão se informe sobre os horários, dias e pontos de coleta seletiva, uma vez que a triagem só é efetiva quando os materiais são destinados de forma adequada, sendo coletados pelas próprias associações. Caso contrário, todo item separado será descartado no aterro, gerando um desperdício de materiais recicláveis. Sobre isso, o especialista Keivison Almeida alerta sobre os impactos do descarte incorreto para o meio ambiente e para a saúde pública: “Quando você mistura esses resíduos e descarta de forma inadequada, tem uma contaminação e poluição que acaba acarretando, também, à saúde humana’’. Dessa forma, quanto mais famílias se empenharem na prática da coleta seletiva, menos materiais que são fonte de renda dos catadores serão descartados no aterro sanitário, como ressalta o atual diretor de Limpeza Pública da autarquia, Maxmiler Ferreira: “Apesar do Saae coletar os resíduos, a população tem que cooperar respeitando o dia e o horário de coleta seletiva’’. Por fim, para contemplar de forma justa ambas associações e atender uma maior extensão territorial, a coleta seletiva no município de Viçosa foi dividida, atribuindo a cada grupo a responsabilidade de determinados bairros. A lista pode ser acessada em www.saaevicosa.mg.gov.br/servicos/residuos-solidos/coleta-seletiva-horarios. A partir disso, faça sua parte, contribua com o meio ambiente realizando a separação dos resíduos e os destinando corretamente. Reprodução Resíduos Sólidos-AL Ana Clara Ponté


20 PH Rolfs F alar sobre a fome como uma situação real e latente no Brasil pode parecer uma distopia, mas não é. A Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia) define três graus de insegurança alimentar para caracterizar a fome: leve, moderada e grave. A nutricionista Jéssica Almeida explica que o conceito de fome é a privação fisiológica de comida. “A pessoa que está com fome sente dor ou desconforto físico pela falta de alimento. Já a insegurança alimentar considera não só a quantidade de alimentos a que a pessoa tem acesso, mas também a qualidade.” De acordo com um levantamento feito pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (Fao), o Brasil voltou a fazer parte do Mapa Instituições religiosas e nãogovernamentais há anos preenchem o vazio deixado pelo poder público municipal no combate à fome. Por Carlos Daniel Borges, Gabriel Castro, Henrique Tempone, Maria Izabela Viana e Maria Paula Faria da Fome em 2018, com 4,1% da população em situação de insegurança alimentar moderada e grave. No contexto estadual, uma pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) revelou que mais da metade da população mineira possui algum tipo de insegurança alimentar, número equivalente a cerca de 11,1 milhões de pessoas. Esses dados revelam a urgência de iniciativas de combate à fome e a importância da Assistência Social nas cidades mineiras. A Assistência Social é um direito garantido a todo cidadão e dever do poder público. O órgão responsável por reunir os representantes do governo e da sociedade civil a fim de discutir e fiscalizar o setor, na esfera municipal, é o Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS). Conforme previsto na lei n° 12.435/2011, a gestão pública do município é incumbida do dever de prover recursos e estrutura para viabilizar a prestação de serviços socioassistenciais. No entanto, o protagonismo no trabalho de assistência social em Viçosa é, historicamente, assumido pelas Entidades Religiosas e Organizações Não Governamentais (ONGs). A fé e os valores cristãos, somados à pressa de quem tem fome, conduzem igrejas e instituições sem fins lucrativos do município à prestação de serviços de assistência social. A Associação Assistencial e Promocional da Pastoral da Oração de Viçosa (Apov) é uma entidade filantrópica que atua com foco no bairro Nova Viçosa e oferece, por meio dos projetos Escolinha e Caminhar, um ambiente com alimentação de qualidade para crianças em situação de vulnerabilidade socioeconômica e insegurança alimentar. A organização conta com o apoio da Comunidade Católica Pequena Via, Fé no combate à fome Curso de Jovem Aprendiz oferecido pela Apov apov.org.br


PH Rolfs 21 empresas privadas e doações de famílias associadas para a realização de suas atividades e da prestação de auxílio às famílias que precisam de doações. De acordo com o diretor geral da Apov, Renato Luiz Gonçalves, o desenvolvimento das crianças é constantemente avaliado pela equipe. Renato destaca que, ao localizar uma criança em situação de subnutrição, a assistente social da instituição é acionada e mobiliza a doação de cestas básicas para aquela família. “A nossa nutricionista lutou para que as nossas crianças tivessem todo dia proteína, uma alimentação orgânica, arroz, feijão e verdura. As crianças têm uma alimentação rica enquanto estão aqui na Apov. Sempre que necessário, é feito um acompanhamento direto com a família com dieta e uma proposta terapêutica para ajudar na desnutrição”, afirma. Outra instituição que possui destaque na cidade de Viçosa é a Rebusca Ação Social Evangélica. Ligada à Igreja Presbiteriana, a Rebusca realiza um serviço de contraturno para crianças, promove atividades artísticas e multidisciplinares, além de oferecer refeições básicas, como café da manhã, almoço e jantar. Os recursos são fornecidos por pessoas físicas e jurídicas que, voluntariamente, contribuem para viabilizar o projeto. Essas instituições recebem um pequeno incentivo da prefeitura, o qual é distribuído de forma inconstante e não proporcional à necessidade do município. Protagonismo do Terceiro Setor A Assistência Social por parte do poder público em Viçosa acontece, principalmente, na distribuição de cestas básicas. Contudo, essa presença é vista apenas de forma pontual e descontínua, seguindo o que a prefeitura classifica como “demanda espontânea”. A assistente social Vera Saraiva afirma que as famílias em vulnerabilidade são mapeadas pelo Cadastro Único e recebem auxílio mensal da prefeitura: “essa é a forma que encontramos para, pelo menos, minimizar a fome”. Por sua vez, o depoimento de Sara Silva mostra a relevância da assistência social por parte do terceiro setor em Viçosa. Sara é moradora do bairro Nova Viçosa, mãe solo e beneficiada da Apov. Ela relata que o apoio da instituição contribui constantemente para a alimentação e manutenção da saúde de seus filhos. “A minha vida é muito difícil e o maior auxílio que eu tenho é da Apov. Posso deixar os meus meninos lá, sei que estarão bem e alimentados. Aí, então, eu posso ir atrás do meu emprego”, diz. Doação de alimentos da Casa do Empresário às instituições Rebusca e Apov Casa do Empresário


22 PH Rolfs “ A Apac não é uma caixinha mágica, onde o recuperando entra e se transforma. A transformação e a recuperação, aqui, dependem da pessoa”. É com esse depoimento que o recuperando Washington Lopes Vieira define a Associação de Assistência e Proteção aos Condenados. Ser chamado pelo próprio nome, comer com talheres ou desfrutar de uma comida que não esteja estragada são algumas das ações que consideramos tão comuns em nosso dia-a-dia, que às vezes não paramos para pensar que existem pessoas que não vivem tal realidade. É o caso de grande parte dos presidiários no país. No ranking da terceira maior população carcerária do mundo (CNJ), o Brasil possui 44,5% de privados de liberdade no regime preventivo, ainda não condenados pela justiça. Considerando que o regime atual parte de uma premissa punitiva e que enfrenta graves problemas, especialmente quanto O Brasil conta com a terceira maior população carcerária do mundo, cerca de 909.061 presos, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sendo 44,5% deste total composto por aqueles em regime preventivo, ainda não condenados pela justiça. Por Aline Gomes, Alexia Bonifácio, Carlos Henrique Rodrigues e Luiz Macedo à superlotação, essas pessoas perdem não só a liberdade física, mas também a liberdade de ser gente. Como uma alternativa para essa situação, em 1972 o jornalista e advogado Mário Ottoboni idealizou e fundou a primeira Apac, sediada na cidade de São José dos Campos-SP. Inicialmente, a sigla significava “Amando o próximo, amarás a Cristo”. O modelo tem fortes raízes na ideologia cristã, mas, em 1974, a instituição passou a ser dividida em entidade espiritual, que manteve o nome inicial, e entidade jurídica, a Associação de Assistência e Proteção aos Condenados. Em Viçosa, a Apac iniciou seus trabalhos em 2004. Possui, atualmente, 44 vagas para recuperandos do regime fechado e do semiaberto intramuros e extramuros. Visitamos a instituição, que funciona no prédio popularmente conhecido como “antiga cadeia”, e conhecemos as instalações onde são desenvolvidas atividades como laborterapia, padaria, entre outras. É nestas oficinas que se coloca em prática o terceiro dos 12 elementos do método Apac: o trabalho. Segundo o site oficial da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), cada regime possuiria um objetivo, sendo o fechado para a recuperação, o semiaberto para profissionalização e o aberto para a inserção social. Oferecer aos recuperandos a oportunidade de desenvolver habilidades que possam ajudá-los a se inserir no mercado de trabalho após o cumprimento da sentença pode ser essencial para evitar a reincidência. Esta afirmação se traduz em números: de acordo com a FBAC, a taxa de ex-recuperandos do modelo Apac que voltam a cometer crimes é de 13%, enquanto que no modelo convencional de prisões é quase cinco vezes maior. “Apesar de que dentro da Apac estudar é obrigatório, este é um direito deles e às vezes falamos pouco disso. É Liberdade de ser GENTE Alexia Bonifácio


PH Rolfs 23 Fachada das instalações da Apac, a Associação de Assistência e Proteção aos Condenados em Viçosa direito deles de conhecer e de se profissionalizar, porque lá fora é isso que é cobrado”, destaca a supervisora de oficinas da Apac Viçosa, Carla Helena. Na Apac é oferecida a oportunidade se concluir os estudos básicos ou de se cursar uma graduação. Desde 2014, a entidade possui, dentro do seu centro de reintegração, a Escola Cid Batista, que conta com o ensino fundamental e ensino médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA). Já os cursos superiores são ofertados pela Universidade Cruzeiro do Sul, na modalidade a distância. No ano passado, ocorreu a primeira formatura de 3° grau da entidade, quando dois recuperandos se graduaram em gastronomia e pedagogia. Ambos já finalizaram seu tempo na instituição e atuam em áreas correlacionadas às suas formações. Para Washington, recuperando e presidente do Conselho de Solidariedade e Sinceridade, responsável por representar as necessidades e direitos dos internos, a possibilidade de estudar foi um dos maiores benefícios ao chegar na instituição. “Quando eu cheguei aqui as coisas melhoraram, mas quando eu vi os meninos na faculdade, eu falei, opa, eu vivo, eu tenho tanto tempo ainda de pena para pagar, então eu quero fazer faculdade também. Hoje eu tô empenhado, tô acabando o terceiro ano do ensino médio e correndo atrás para fazer faculdade”. Ao conhecer a estrutura da Associação é possível perceber que o método vai além das questões sociais, reconhecendo que está lidando diretamente com pessoas que, apesar dos crimes que cometeram e pelos quais merecem ser responsabilizados, ainda possuem desejos e sentimentos próprios. Estar ciente de que atender às necessidades básicas também faz parte da ressocialização de um condenado é um passo importante. É através dele que a Apac faz jus à sua criação como alternativa ao sistema prisional tradicional. O Professor do Departamento de Direito da UFV Fernando Laércio Alves destaca as diferenças entre os dois métodos: “se você vai a uma instituição tradicional, na área do banheiro, você tem um cano de água gelada, uma pia e um tubo, que é onde ele faz as necessidades. Na Apac, não. O banheiro é um banheiro normal de uma casa. Normal, simples, humilde, sim, mas tem estrutura mínima, garantindo à pessoa, realmente, o mínimo de consideração que é necessário. Então, a gente vê que, quando você trata o ser humano como ser humano, ele devolve o tratamento do ser humano. Isso vai rompendo estigmas, traumas, carências e vai dando a ele, de fato, essa possibilidade de ver um futuro”. Foi devido a esta perspectiva de futuro e a vontade de se reintegrar novamente à sociedade que o ex-recuperando Thiago Lúcio Silva se tornou, após o final de seu período na instituição, Inspetor de Segurança da Apac. Ele ocupa o cargo há dois anos. Antes de se conhecer a Apac é inegável que ainda haja pré-julgamentos enraizados em nosso modo de pensar sobre a instituição e seu trabalho. No entanto, quando nos permitimos aprofundar em sua metodologia e seus ensinamentos, entendemos que a Apac é feita por pessoas que acreditam na necessidade de ressocialização. Não é sobre negar os erros, mas sim entender que eles aconteceram e que os recuperandos já estão sendo responsabilizados por isso ao serem privados de sua liberdade. “A maioria das oportunidades peguei quando estava como recuperando. Antigamente não tinha essa visão, mas hoje penso que isso me ajuda e tem me ajudado demais. Então voltei para a Apac, o motivo eu acredito que aos poucos eu estou descobrindo. Quero poder retribuir, de alguma forma, o que a Apac fez por mim”, finaliza Thiago. A entidade oferece as ferramentas para a mudança, mas acima de tudo oferece, para quem precisa de uma segunda chance, a liberdade de ser gente.


24 PH Rolfs O contexto econômico do Brasil provocou um aumento nos números de pobreza nacionais. Segundo matéria do G1, entre 2020 e 2021 houve um crescimento aproximado de 50% no número das pessoas que vivem em situação de miséria no país: três em cada dez pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. No estado de Minas Gerais, a taxa de extrema pobreza é de 9,93% para o mesmo período, segundo o Estadão. Em Viçosa, quase 3 mil famílias vivem em Recentemente, muitos brasileiros têm buscado diferentes formas de lidar com situações financeiras desfavoráveis. Deste modo, em um cenário precário, a solidariedade comunitária oferece apoio social e econômico para viçosenses. Por Ana Luisa Rodrigues, Evelyn Sabino, Denise Oliveira, João Victor Santos e Gabriel Félix extrema pobreza na cidade, de acordo com dados extraídos do CadÚnico, em 2021, divulgados pelo jornal Folha da Mata. No entanto, iniciativas de apoio aos cidadãos de Viçosa têm contribuído para oferecer uma nova fonte de renda. A economia solidária vem se mostrando uma alternativa vantajosa para muitas pessoas. De acordo com a professora Bianca Lima, do Departamento de Economia Rural da UFV, a economia solidária pode ser definida como um conjunto de iniciativas econômicas administradas pelos próprios funcionários, que se baseiam em princípios democráticos. A professora explica, ainda, que esse contexto de solidariedade é capaz de gerar renda e inclusão, tornando a economia “mais humana”. Tal visão corrobora com a do Doutor em Economia Sandro Silva, que, na monografia “Trabalho Coletivo e Geração de renda em Empreendimentos de Economia Solidária” de 2006, destaca que a economia solidária “visa promover os valores humanos”. Além de professora da UFV, Bianca também é coordenadora da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP), um programa que mobiliza e acompanha grupos populares seguindo os princípios da economia solidária. A feira chamada “Quintal Solidário” é uma das principais atuações do ITCP neste âmbito, promovendo a comercialização de produtos artesanais, hortaliças e legumes de pequenos produtores. Neste cenário, a artesã Josemeire Dourado, presidente da Associação de Artesãos de Viçosa (Adav) e representante da Organização no Quintal Solidário, conta que as oportunidades de participação em feiras e eventos fazem com que o dinheiro circule na cidade, pois muitas artesãs compram o material de trabalho, pagam seus aluguéis, suas contas, e movimentam a economia local. A artesã Tatiana Maciel, uma das colaboradoras da Adav, comenta: “O Quintal é tudo na minha vida. O espaço fez com que isso se tornasse maravilhoso, porque nós fizemos do projeto uma família. Todo mundo se conhece e se ajuda. O Quintal ficou muito além de uma feira para nós”, diz. Ela participa há mais de seis anos e é uma das principais responsáveis por melhorar a venda dos artesanatos na feira. Os Compartilhar para vencer: Economia Solidária


PH Rolfs 25 Feira Quintal Solidário movimenta a economia dos produtores rurais e artesenais de Viçosa artesãos, como Josemeire e Tatiana, representam 17,9% dos empreendimentos de economia solidária, segundo os sociólogos Luiz Gaiger e Patrícia Kuyven, autores do artigo “Dimensões e tendências da economia solidária no Brasil”, de 2018. No mesmo sentido, a Prefeitura de Viçosa tende a ser uma das principais apoiadoras de projetos pautados em economia solidária. A Secretária de Desenvolvimento Econômico, Rita Fialho, contou algumas das atuações do município nessa área. Atualmente, dentre os principais projetos, estão: a valorização da bacia leiteira; o marketing para o comércio local; a feira de artesanato na praça Silviano Brandão; os cursos de artesanato com recicláveis e os de corte e costura gratuitos para a população no geral e também para pessoas que cumprem penas criminais. Rita conta que pretende criar mais feiras como o Quintal Solidário, levando a prática para mais regiões da cidade. Ainda assim, os projetos de economia solidária podem alcançar mais pessoas. Deste modo, a professora Bianca ressalta as possíveis vias para o crescimento deste modo de empreendimento: “para a economia solidária alcançar mais pessoas são necessárias mais políticas públicas de incentivo à qualificação, acesso a crédito e giro de capital, para assim todos conseguirem iniciar um empreendimento coletivo”.


26 PH Rolfs A pouco menos de 10km de distância do centro urbano de Viçosa localiza-se a Comunidade Quilombola do Buieié. Os quilombolas são grupos que resistiram à brutalidade do regime escravocrata, rebelando-se contra os mantenedores desse sistema. Até os dias de hoje, eles permanecem como unidades remanescentes de seus antepassados, mantendo tradições culturais e transmitindo-as através das gerações. Muitos quilombos, como o do Buieié, estão próximos O cultivo familiar sustenta, física e culturalmente, as comunidades quilombolas da região de Viçosa há centenas de anos. Por Emily Christine, Giovana Barbieri, Luara Miranda, Marcela Aguiar e Thais Cal ou até mesmo inseridos nos centros urbanos, ainda que muitas vezes estejam deslocados culturalmente do restante da população. De acordo com o artigo 2º do Decreto nº 4.887, de 20/11/2003, que garante o direito à manutenção territorial dos povos quilombolas, são considerados “remanescentes das comunidades dos quilombos” os grupos étnico- -raciais, de acordo com critérios de autoatribuição, que possuam trajetória histórica, relações territoriais específicas, com “presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”. A partir do Decreto, todas as comunidades quilombolas possuem o direito às suas terras, garantido pela Constituição Federal através do Art. 216. Isso permite a preservação cultural e histórica desses povos, ainda que muitos deles não sejam oficialmente reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares (FCP). Como redutos de resistência e sobrevivência, muitos dos quilombos brasileiros têm suas práticas ligadas às raízes e aos conhecimentos históricos. De acordo com o artigo “A Economia dos Quilombos”, do escritor Márcio Ferrari, o hábito peculiar dos senhores de terra, ao cederem uma pequena parte de seus terrenos para que sua população escravizada mantivesse uma plantação de subsistência, fez com que o domínio da agricultura e do comércio de excedentes fosse responsável pelo sustento de muitas dessas pessoas. Agroecologia Solidária: economia e resistência Luara Miranda 26 PH Rolfs


PH Rolfs 27 Ainda que, claro, essa não seja a principal economia gerada em todos os quilombos, é muito comum que os cultivos e artesanatos produzidos dentro dessas comunidades extrapolem seus limites territoriais e façam parte também do consumo de outras populações em seu entorno. É o caso da Comunidade Quilombola do Buieié. Muitos de seus moradores trabalham na área urbana de Viçosa, mas também produzem produtos agrícolas e artesanais que são comercializados na Feira do Buieié, que ocorre mensalmente desde 2019. Segundo o pesquisador de direitos de povos e comunidades tradicionais, quilombola e assessor técnico do Buieié, Julius Keniata, existe uma concepção generalizada de que todos os quilombos devem manter cultivos próprios, o que muitas vezes não acontece. Por serem redutos culturais inseridos em sociedades urbanas, os quilombos sofrem, com o tempo, as influências das regras socioeconômicas praticadas por tais sociedades. A Feira foi criada a partir de uma iniciativa de estudantes da UFV e moradoras do quilombo. Hoje, tem como objetivo não apenas fomentar a produção e a economia na comunidade, mas também promover a participação dos moradores e do público externo em debates sobre cultura, raça, tradição e ancestralidade. Entre os temas debatidos, diversos abrangem a importância da preservação histórica dos povos quilombolas e o reconhecimento de seus direitos perante a lei, mostrando como a atividade do cultivo praticada por eles é uma forma de manutenção de tradições. Ainda que o termo “economia” possa significar “trocas comerciais em que há venda e geração de lucro”, dentro das comunidades esse conceito muda de sentido. A chamada economia familiar e/ou solidária é praticada entre os moradores em um comércio que se baseia não apenas na compra e venda de insumos, mas também na troca. Dessa forma, produtos cultivados por um morador podem ser trocados por outros produzidos por diferentes famílias da comunidade, garantindo, então, a alimentação saudável e de qualidade a toda a população quilombola. Por muito tempo, entre os quilombos de Viçosa, o cultivo e as trocas comerciais não eram vistos como economia. Praticada em sua maioria pelas mulheres quilombolas, as trocas dos alimentos cultivados eram consideradas sem importância e sem caráter monetário, por aparentemente não gerar dinheiro. Para provar a relevância econômica dessa cultura, foi criada a Caderneta Agroecológica, uma iniciativa do Centro de Tecnologias Ativas da Zona da Mata (CTA) para formalizar a economia realizada pelas mulheres quilombolas e agricultoras do espaço rural da cidade. Na caderneta, as mulheres anotam à mão tudo aquilo que foi produzido, o que foi vendido e o que foi trocado com vizinhas, amigas e familiares. Realizando este levantamento, elas perceberam que contribuem para a manutenção da casa e da família mais do que imaginavam. Enxergar a importância da economia familiar e solidária é essencial para encorajá-la e desenvolvê-la nas comunidades, mostrando que seus hábitos culturais continuam dotados de resistência e sobrevivência. Segundo a vereadora Jamille Freitas, membra ativa do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Comsea), são produções da agricultura familiar como a realizada no Quilombo do Buieié que garantem a segurança alimentar de grande parte das famílias de baixa renda da região. Ainda que muitas vezes estes produtos não alcancem as populações urbanas em sua maioria, o trabalho realizado por Comsea e Consea (mesmo conselho, porém de atuação nacional), ensina produtores e produtoras de pequenas comunidades a documentar suas trocas e considerá-las não apenas como uma simples prática de vizinhança, mas como uma forma de economia e subsistência. É importante saber o papel do cultivo e da produção na manutenção e sobrevivência cultural desses povos, que utilizam de seus conhecimentos tradicionais como forma de subsistência. A agroecologia solidária é alimento - não apenas para os povos, mas para a cultura, para a tradição e, principalmente, para a resistência. Thais Cal


28 PH Rolfs Mateus Mulatto e Guther Mumu: músicos da cena independente de Viçosa A 9ª edição do Festival de Música de Barzinho aconteceu em agosto, aberto ao público, em uma das praças mais movimentadas da cidade, a Silviano Brandão. Foram dez candidatos e os três primeiros colocados receberam prêmios de 1 a 2 mil reais. As apresentações foram abertas ao público, que também pode acompanhar ao vivo pelo YouTube da Secretaria de Cultura, Turismo e Esportes da Prefeitura de Viçosa. Entretanto, a euforia do evento esconde o que pensam os músicos sobre trabalhar tocando nos bares da noite. Um deles é o cantor Mateus Mulatto. Mulatto foi o vencedor do 9º Festival desse ano, mas já frequentou o podium do Festival duas vezes: 3º lugar em 2021 e 2º lugar em 2022. Ele afirma: “minha relação com a música é mais como uma cura terapêutica. Essa é a minha vivência. É terapia, acalma”. Mulatto sempre gostou de música: brincava com seu pai de sanfona, mas começou tocando na Igreja. “A música muda o ambiente”. O músico nos conta que precisa dar aulas para complementar sua renda, conciliando os horários com seus shows noturnos. Para ter alguma visibilidade na carreira musical, Mulatto participou das edições do Festival de Música de Barzinho e observa que os festivais promovidos pelo poder público poderiam Não só de reconhecimento vivem os músicos vencedores de festivais. Trabalhar no ramo da música também é lutar por uma profissão para além de um hobbie artístico. Por Natália Lana, Inayá Ahau, Ágatha Costa, Gabriella Arges e Iara Luiza ter a participação de mais músicos. A reportagem procurou representantes do Conselho Municipal de Políticas Culturais. O professor Jaelson Farias é membro do Conselho e fez parte do Comitê do Juri desse ano. Ele também ensina música e se apresenta nos bares da cidade. O espaço conquistado no Conselho foi importante, pois permite a união da classe dos músicos e a expressão de suas opiniões e anseios. “Desde que eu cheguei, sempre vi que essa gestão investe bastante na música. Tanto é que todos os festivais que a prefeitura faz de outras áreas, eles sempre colocam atrações musicais. E abrem editais para a gente poder fazer parte e ser atração musical dos eventos”. Mulatto diz que o Festival consegue promover os artistas da cidade que estão sempre tocando nos bares e restaurantes. E o cantor Guther Mumu, membro do Grupo Sobrenatural, endossa: ganhar o Festival é ter seu nome consagrado. Guther foi vencedor da 8ª edição do Festival com a Banda Bia Dias. A difícil arte da música


PH Rolfs 29 Renda incerta e aulas Apesar do reconhecimento trazido pelo Festival, os músicos locais enfrentam dificuldades para se manter na profissão. A renda deles acaba sendo incerta, sempre dependendo do número de shows e do público. A principal fonte de renda é o couvert artístico. Seu valor é definido pelos contratantes, mas muitos músicos reclamam do repasse do dinheiro. E em alguns estabelecimentos, o preço do couvert não ajuda a chamar o público, pois não está de acordo com o poder aquisitivo do consumidor. Apesar dos problemas com os donos dos estabelecimentos, o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Denis Lourenço, afirma que hoje o couvert já tem uma aceitação maior da parte dos consumidores. “Eles gostam que o preço esteja definido e visível em um local onde o cliente veja que vai ser cobrado. Normalmente, a maioria dos restaurantes que têm colocado música ao vivo, colocam também na entrada do restaurante: couvert artístico, valor x”. O músico e professor de Economia da UFV, Jader Cirino, diz que essa relação entre músico e proprietários seria autorregulada por acordos previamente estabelecidos. Guther diz que a pandemia foi a época mais difícil na sua carreira, pois não podia fazer shows. Dessa forma, precisou se reinventar na profissão, para que pudesse continuar tendo uma renda, sem que saísse do ramo, foi dessa maneira que começou a dar aulas. A Lei Aldir Blanc, sancionada em 2020, garantiu um pequeno auxílio financeiro à classe artística brasileira. No cenário municipal, a Prefeitura de Viçosa criou, em 2021, um decreto permitindo que bares e restaurantes fiquem abertos até as 23h, liberando música ao vivo (somente voz e violão). Isso possibilitou que músicos mantivessem sua fonte de renda. Ainda que os artistas tivessem algum apoio, muitos acabaram recorrendo ao ensino para se manterem na profissão, mesmo que não enxergassem a área como opção. Guther explica que, para ele, entrar nesse ramo foi inusitado mas, mesmo assim, gratificante. “Eu nem pensava que fosse profesor de música um dia. Pelo medo de ser autodidata, pelo medo de ensinar de maneira errada... mas ‘se você não tem cão, caça com gato.’ É bom passar os princípios que você teve pra chegar até aqui à pessoa que está aprendendo”, finaliza. Ágatha Costa Arquivo Pessoal PH Rolfs 29


30 PH Rolfs O encontro de autores com crianças e jovens dentro do ambiente escolar tem um efeito positivo duplo: é um caminho de incentivo à leitura para aqueles que estão iniciando seu contato com a literatura, e uma forma de impactar os escritores com uma experiência calorosa. Em Viçosa, o cenário literário tem se tornado cada vez mais rico, com novos nomes surgindo, além daqueles que lutam para divulgar seu trabalho há bastante tempo. Tal iniciativa é uma alternativa às dificuldades de se publicar livros no Escritores independentes apostam na Feira do Livro e no contato com os estudantes nas escolas para divulgar suas obras Por Stéfany Peron, Kedma Muniz e Guilherme Alves Brasil, em especial para o público infantojuvenil. Nesse cenário, em que vender livros é uma tarefa difícil e cada vez mais custosa, as feiras de literatura se tornam peças fundamentais para a divulgação de trabalho. Júlia Viana, ex- -estudante do Colégio do Carmo, que promove regularmente sua própria Feira do Livro, ressalta a importância que o contato constante com o universo da leitura teve para aguçar seu gosto pelos livros: “Na minha época iam alguns autores. E eu me lembro da autora de um livro que tenho até hoje e a experiência foi muito boa. Todas as cores, a animação toda... era o paraíso”, diz. Justamente por isso, o secretário de Cultura de Viçosa, Thomas Medeiros, ressalta que é fundamental incentivar a leitura nas escolas da cidade. Existe, atualmente, uma proposta para que cada escritor viçosense que tenha algum tipo de vínculo ou contato com a Secretaria cumpra calendário nas Escolas Municipais. A ideia, segundo o secretário, é não apenas mostrar obras, mas produzir oficinas que chamem a Encontros literários impulsionam cultura em Viçosa


PH Rolfs 31 atenção das crianças e as incentive a tomar a iniciativa de ler. Por outro lado, a escritora Roseane Freitas começou a se dedicar à literatura quando ainda morava em Juiz de Fora-MG. Ela afirma que, apesar das maiores dificuldades de deslocamento para participar de eventos, o público em cidades menores é muito mais acolhedor e receptivo com o escritor local. Ela conta que a Prefeitura e a Secretaria de Cultura de Viçosa têm trabalhado em conjunto com os mais de 60 escritores cadastrados, e que algumas dessas ações ainda não são perceptíveis para a população em geral, mas que logo outros resultados dessas medidas, como a Feliv, chegarão até o público. Apesar disso, as dificuldades que ela e outros autores independentes têm para chegar a seu público alvo são várias. Além da publicação por conta própria ou em editoras menores, eles precisam gerenciar o processo de divulgação e venda. A literatura ainda é uma fonte de renda secundária para a maioria dos escritores, portanto é preciso conciliar os eventos com a rotina do dia-a-dia. “Tem que ser aos finais de semana, porque durante a semana eu trabalho. Às vezes consigo sair para participar, e tento conciliar. Em outras, peço licença do trabalho durante a semana”. O escritor José Vechi é membro da Academia de Letras de Viçosa e afirma que, no momento, há uma movimentação entre os autores com o objetivo de criar uma editora, que atenderá às demandas de publicação e distribuição do município e de outras cidades da região, além de auxiliar no processo de publicação dos livros. O autor comentou que o processo de criação de uma empresa é longo e burocrático, mas se mostrou esperançoso de que isso se realize em um curto prazo. Além disso, há outros problemas que os escritores enfrentam, principalmente por ter um público interiorano que, por muitas das vezes, não recebeu o devido incentivo à leitura. É neste cenário que a Secretaria de Cultura, Patrimônio Histórico e Esportes de Viçosa entra com suas ações e eventos para facilitar o contato entre autor e leitor, além da realização de portfólio para possíveis oportunidades futuras. Eventos como a Feliv são muito importantes para promover esse contato do autor com o público e incentivar o interesse pela leitura nos cidadãos. De acordo com o secretário da Pasta, Thomas Medeiros, o concurso literário realizado na 3ª edição do evento recebeu mais de 900 inscrições de todo o país, além do público das oficinas gratuitas e de quem passou pela Estação Cultural Hervé Cordovil. Uma outra novidade neste ano também foi a presença de um escritor de fora de Viçosa, o que possibilitou o contato dos profissionais viçosenses com outra experiência de vida. Outra ação que promete melhorar ainda mais o cenário cultural é a inauguração da Biblioteca Municipal, que vai reunir mais obras de aspecto cultural do que técnico, facilitando assim o acesso da população à literatura regional. Com tantas ações, a Secretaria espera que o cenário da literatura em Viçosa continue avançando da maneira como foi nos últimos anos, buscando sempre atender às demandas dos autores e, claro, dos leitores. “A nossa parte é construir políticas públicas e a dos autores é de se organizar, vender, criar coletivos. Espero que avance mais e que os livros dos autores de Viçosa estejam dentro da bibliotecas escolares e da Biblioteca Municipal. A literatura é um pilar para a sociedade”, finaliza Thomas.


32 PH Rolfs De acordo com a Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal, os primeiros registros do uso da cannabis para fins medicinais datam do ano de 2737 a.C. e são atribuídos ao imperador chinês ShenNeng, que utilizava o chá de maconha para tratamento de diferentes enfermidades, como a gota e o reumatismo. A cannabis chegou ao Brasil por volta de 1808, trazida por escravos africanos, espalhando-se entre os indígenas e até mesmo chegando à coroa portuguesa. Porém, no início do século XX, a maconha, consumida principalmente pelos povos árabes, chineses e afrodescendentes - ou seja, minorias discriminadas na época - passou a ser vista de maneira preconceituosa por grande parte da sociedade, estigma que permanece até os dias atuais. Apesar disso, a cannabis para fins medicinais tem efeito satisfatório na melhora da qualidade de vida Segundo dados do Poder Data, 61% dos brasileiros apoiam a liberação da cannabis para fins medicinais. Tema ainda é pouco discutido no país. Por Alícia Molinari, Cecília Ribeiro, Eduarda Magalhães, João Victor Dias, Lavínia Arruda e Maria Elisa Penna de milhares de pessoas, sendo utilizada em diversos casos, mesmo com a comercialização da planta sendo proibida no Brasil. O uso da cannabis apresenta uma grande problemática, não apenas na área social, mas também na área jurídica. A legalização e a regularização do uso da cannabis para fins medicinais ainda são temas muito discutidos no Brasil. Diante desse cenário, o objetivo desta reportagem é tratar sobre a eficácia dos fins medicinais da maconha, os estudos em torno dos tratamentos com base na cannabis e desmistificar grande parte das falas negativas em relação à planta, a fim de reduzir o preconceito ainda existente. Segundo a vereadora Jamile Gomes, a proibição do uso da cannabis para fins medicinais afeta de maneira mais grave grupos marginalizados: “Os debates, as perspectivas são importantes em todos os sentidos, já que o proibicionismo prejudica não apenas a saúde das pessoas que não têm acesso ao medicamento, mas também as pessoas pobres e, majoritariamente, pretas, que são mortas e presas todos os dias por terem alguns gramas no bolso, enquanto a elite continua a fazer o que Cannabis João Victor Ribeiro medicinal: estigmas e importância


PH Rolfs 33 bem entende sem consequência”. Primeiramente, é importante ressaltar que a cannabis medicinal é indicada para o tratamento de diferentes doenças, como epilepsia, dores crônicas e a rigidez muscular provocada por AVCs. Além disso, a cannabis é muito utilizada em casos de ansiedade, depressão, insônia e estresse. Vale lembrar que quando falamos “cannabis medicinal”, isso se refere aos compostos da planta que são utilizados na fabricação de óleos, cápsulas ou até mesmo jujubas para consumo oral. A cannabis medicinal também é benéfica para outras doenças e condições, além das mencionadas acima, trazendo resultados positivos em milhares de tratamentos. Dentre os compostos presentes nesses produtos, estão o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC). Existem medicamentos apenas com CBD, apenas com THC ou com proporções diferentes dos dois. O médico Márcio Alves explica: “O THC e o CBD são 80% da planta e causam os principais efeitos terapêuticos e psicoativos. Nos anos 1990, a ciência descobriu o sistema endocanabinóide no corpo humano, ou seja, nós sintetizamos uma substância igual à maconha. Então ninguém está isento a esse efeito, porque ele já é uma substância natural Com autorização judicial, plantação de cannabis se desenvolve em campo de experimento da UFV, ajudando nas pesquisas científicas de melhoramento genético da planta. As pesquisas visam, sobretudo, identificar cientificamente o potencial terapêutico da planta e desenvolver variedades com características específicas para diferentes tratamentos médicos


34 PH Rolfs do próprio organismo. O tetrahidrocanabinol tem efeito predominantemente no sistema nervoso e o CBD atua no corpo inteiro, em todas as células, desde o sistema imunológico, regulando as funções metabólicas. É uma infinidade de efeitos que serão importantes no tratamento de muitas doenças, desde aquelas imunológicas (artrite, lúpus, alergias, etc) até questões de saúde mental, como autismo, ansiedade, depressão, entre outras”. O óleo de cannabis tem mudado a vida de muitas pessoas. Fernanda Gomes, mãe de Miguel, de 9 anos, conta um pouco sobre a melhora no quadro de seu filho, que se beneficia do uso da cannabis medicinal: “Ele é portador de epilepsia e agora recebi o laudo de autismo, porque ele possui características como atraso motor e deficiência intelectual. Antes da cannabis, o Miguel tomava quatro tipos de medicamentos, mas nenhum deles estava conseguindo controlar as crises de pequena ausência. E nesse desespero, conversamos com o médico sobre o uso da cannabis. Ele começou a tomar em novembro de 2018. E foi muito grandioso, porque, nas primeiras semanas tomando as gotas, conseguiu subir a escada sozinho, subir na bicicleta, dançar, cantar... a partir disso, consegui tirar três medicamentos dele”. Dentro da UFV há projetos que trabalham com a produção de tecnologias e o cultivo da cannabis, auxiliando na produção do óleo para fins medicinais, por meio da comercialização das tecnologias criadas. É o caso da Adwa Cannabis, empresa incubada na UFV, que produz tecnologias voltadas para toda a cadeia produtiva. O diretor do projeto, Sérgio Rocha, explica: “Aqui, realizamos vários tipos de pesquisa com diversos focos. Temos a parte de melhoramento genético, onde nosso objetivo é desenvolver plantas para o Brasil, diminuindo o custo de produção e o uso de fertilizantes. Uma planta mais adaptada produz mais. Existem muitos outros tipos de pesquisas, como nutrição de plantas com fertilizantes, testando diferentes doses e composições para encontrar aquela com a qual a planta responde melhor.” Apesar da grande produção, os trâmites jurídicos impedem a produção do óleo de cannabis pela Adwa. Extrato de CDB: o professor R.D.G. tinha crises de ansiedade e resolveu usar CDB e deixar os ansiolíticos que tomava. Após uso só do extrato, ele disse que voltou a dormir 6 horas por dia. Hoje, sem as crises de ansiedade, não faz mais uso de ansiolíticos e nem mesmo do CDB. Fonte: Poder 360 João Victor Ribeiro


www.com.ufv.br comufv Divisão Gráfica Universitária


Click to View FlipBook Version