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Família e Política Sociais


A presente edição 42 da Revista Em Pauta. Teoria Social e Realidade Contemporânea, inaugura a prática de editoria convidada para a organização de dossiês temáticos, dentro do fluxo editorial da revista. Assim, o dossiê temático Família e Políticas Sociais possui editoria das professoras Andréa de Sousa Gama, da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e Regina Célia Tamaso Mioto professora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina, ambas com trajetória acadêmica no referido campo temático de estudo e pesquisa. Esperamos, a partir dessa primeira experiência, aprofundar nosso objetivo editorial de oferecer ao público leitor e autor das áreas de Serviço Social, Ciências Sociais e Humanas um periódico de qualidade acadêmica e científica, incentivador e difusor do pensamento social crítico e com relevância social. A seguir, passamos a apresentação do conteúdo editorial da edição nº42, iniciando pelo dossiê temático Família e Política Social.
As discussões referentes às famílias e à atuação junto a elas remonta aos primórdios da profissão de Serviço Social, no Brasil, acompanhando o caráter conservador que se caracterizava fortemente por um processo normatizador de condutas e comportamentos familiares. Entretanto, apesar do Serviço Social sempre ter atuado junto às famílias, as investigações e a produção de conhecimentos não acompanhou as mudanças de concepção téorico-metodológica e de projeto profissional e o debate sobre as famílias foi durante algum tempo secundarizado e/ou dissonante com as abordagens críticas que conformam a atualidade da profissão. O grande ponto de inflexão que determinou as discussões contemporâneas sobre as famílias foi o impacto do ideário neoliberal nas políticas sociais e o pluralismo de bem-estar que recoloca a família em condição de centralidade na provisão de proteção social. Tais influências provocaram o aprofundamento de um processo de familiarização que incrementou ainda mais as desigualdades entre as classes sociais e a reativação de práticas disciplinadoras, principalmente, em relação às famílias pobres.
O principal objetivo desse número especial foi apresentar o estado da arte das produções contemporâneas sobre as famílias como fonte importante para o trabalho com as mesmas em sua articulação com as políticas sociais. Realizar um balanço crítico dessa produção é também a preocupação da Rede de Pesquisa Família e Política Social (REFAPS), que visa articular a produção do conhecimento entre pesquisadoras(es) e profissionais do Serviço Social e áreas afins no campo da Família e Política Social e na qual as editoras especiais desse número tomam parte. Ademais, adquire extrema relevância a necessidade de aprofundamento dessa temática no contexto da realidade brasileira, particularmente no campo da formação de graduação e pós-graduação em áreas profissionais que atuam diretamente com famílias.
Nesse sentido, o que esta Chamada nos sinalizou em termos das produções contemporâneas sobre Família e Políticas Sociais? Quais dilemas ou lacunas foram enfrentados e quais ainda não foram adequadamente tematizados? Os primeiros artigos versam sobre discussões teóricas sobre a família inserindo-a em uma perspectiva histórica e socialmente determinada, assim como alguns deles incorporam as contribuições dos estudos de gênero. Outro grupo de artigos traz o debate sobre família e política social e joga luz na construção de políticas sociais que tem por base a família e os desafios profissionais colocados. Esses aparecem de maneira comparativa entre países e ganha destaque a seção Entrevista que apresenta a experiência de construção do Sistema Nacional Integrado de Cuidados do Uruguai, modelo que vem crescentemente sendo estudado como uma inovadora experiência de construção de políticas sociais relacionadas às famílias. Os artigos que abordam o trabalho do serviço social com famílias não à toa se concentram no interior da política de assistência social que traz em seu bojo a matricialidade socio familiar como um dos seus eixos estruturantes.
Apesar do rico mosaico que esses trabalhos apresentam, podemos identificar algumas ausências no debate como, o trabalho social com famílias nas demais políticas sociais, como a saúde, a educação e o sistema socio-jurídico que atuam fortemente com as famílias, além da não incorporação do marcador étnico-racial. No entanto, verifica-se uma concentração em determinados grupos sociais, como idosos e adolescentes. Frente à gama de demandas sociais correlatas ao cuidado presentes no trabalho profissional e os desafios para as famílias, chama a atenção a necessidade de ampliar estudos e pesquisas sobre o trabalho do cuidado, seja para os grupos sociais que o recebem, seja para os sujeitos sociais que provêm esse cuidado, de forma remunerada ou não.
Aparentemente tão heterogêneos, todos os textos deste número temático fazem parte da mesma preocupação de fazer caminhar uma agenda de debates sobre Famílias e Políticas Sociais e aprimorar os serviços sociais à população usuária e suas famílias que integram o campo das diferentes políticas sociais. Para isso é fundamental tanto o reconhecimento de que as famílias não são homogêneas em recursos, fases do ciclo de vida, formas culturais e nível de interação com o conjunto da legislação e das políticas sociais, como a superação do caráter familista que transpassa a cultura política da sociedade brasileira.
Na sequência ao dossiê, a revista publica cinco artigos que compõem a seção editorial Tema Livre e que analisam questões históricas e teóricas da realidade social capitalista, da produção marxista e do Serviço Social, com ênfase sobre processos históricos de mobilização e resistência da sociedade civil, os limites e potencialidades do campo dos direitos humanos na sociedade burguesa e na profissão do Serviço Social e sobre relações de gênero na história do Serviço Social.
No ano de 2018, o Brasil completou 130 anos de abolição formal da escravidão. Contudo, o racismo estrutural e institucional que acompanha a história da formação brasileira, e a reprodução de diferentes e reiterados modos de opressão de negros e negras, no Brasil, até o tempo presente, nos alertam e convocam a refletir e a denunciar o racismo como práxis persistente e secular de produção de formas desiguais de dominação. Nesse sentido, as seções Mostra Fotográfica e Homenagem de Vida compõem o conteúdo editorial dedicado ao não apagamento da memória da violência da escravidão em nosso país, à reflexão crítica sobre a persistência do racismo no Brasil, mas também objetiva visibilizar formas culturais, políticas e biográficas de resistência ao racismo, de construção de ações interseccionais entre raça, gênero e direitos humanos, e de preservação da história e da memória africana e afro-brasileira. Assim, o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN), situado no bairro da Gamboa, no Rio de Janeiro, território da Região Portuária da Cidade também conhecido historicamente como “Pequena África”, abre a mostra fotográfica apresentando a história do Cemitério dos Pretos Novos, a partir da qual se entrelaça a história do próprio IPN. Como anunciado no texto inicial da mostra fotográfica,
Os vestígios arqueológicos e históricos deste campo santo são testemunhos da ação violenta e cruel sofrida pelos africanos que não resistiram aos maus tratos da captura e viagem transatlântica. Este relato revelado pela historiografia e trazido à luz pela Arqueologia, repleto de desrespeito e dor, ainda é desconhecido por muitos, pois não é contado em todas as escolas e nem sequer é mencionado nos livros de história que têm a escravidão como tema. Por isto, reafirma-se a importância deste Museu Memorial, no qual o Cemitério dos Pretos Novos se impõe como peça central para este debate.

Dando continuidade ao eixo de reflexão dos 130 anos de abolição da escravidão no Brasil, a revista apresenta Homenagem de Vida à Marielle Franco, mulher, negra, moradora da favela da Maré, militante dos direitos humanos e vereadora da cidade do Rio de Janeiro assassinada em março de 2018, um crime, até hoje, sem solução investigativa e criminal, que segue impune. A professora de Ciências Sociais da UERJ e amiga pessoal de Marielle, Lia de Mattos Rocha, escreve a homenagem de vida à Marielle. Como bem sintetiza suas palavras,
A mudança que queríamos ver na política estava expressa no corpo dela. (...) ela vinha das lutas, dos movimentos sociais, dos coletivos negros das universidades, vinha dos blocos de carnaval, vinha dos grupos de artistas do funk. Ela era porque nós todos éramos uma forma diferente de viver, de circular na cidade, de estar na política, de lutar.

Através da escolha editorial por essa homenagem de vida, no contexto dos 130 anos de abolição formal da escravidão, mas não do racismo, o Comitê Editorial brada: Marielle, presente!
Esta edição conta também com a entrevista Protección social y familia: la experiencia de la construcción del Sistema Nacional Integrado de Cuidados de Uruguay – Entrevista con el profesor Marcelo Castillo que compõe as reflexões do dossiê temático. Marcelo Castillo é cientista político, professor pesquisador da Universidad de la República de Uruguay (UDELAR) e trabalha na área de Planejamento e Monitoramento do Sistema Nacional Integrado de Cuidados do Uruguai, onde é responsável pela gestão de conhecimento, além de integrar a equipe de gerenciamento do Centro de Informação e Estudos do Uruguai (CIESU). Por último, apresentamos as resenhas dos livros Mudanças nas famílias brasileiras (1976-2012): uma perspectiva de classe e gênero, de Nathalie Reis Itaboraí, e Estado, democracia, políticas públicas e direitos LGBT, de Marcio Sales Saraiva.



Editoria Convidada:
Andréa de Sousa Gama
Regina Célia T. Mioto

Comitê Editorial

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Published by REVISTA EM PAUTA, 2019-01-31 12:47:03

REVISTA EM PAUTA Nº42

Família e Política Sociais


A presente edição 42 da Revista Em Pauta. Teoria Social e Realidade Contemporânea, inaugura a prática de editoria convidada para a organização de dossiês temáticos, dentro do fluxo editorial da revista. Assim, o dossiê temático Família e Políticas Sociais possui editoria das professoras Andréa de Sousa Gama, da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e Regina Célia Tamaso Mioto professora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina, ambas com trajetória acadêmica no referido campo temático de estudo e pesquisa. Esperamos, a partir dessa primeira experiência, aprofundar nosso objetivo editorial de oferecer ao público leitor e autor das áreas de Serviço Social, Ciências Sociais e Humanas um periódico de qualidade acadêmica e científica, incentivador e difusor do pensamento social crítico e com relevância social. A seguir, passamos a apresentação do conteúdo editorial da edição nº42, iniciando pelo dossiê temático Família e Política Social.
As discussões referentes às famílias e à atuação junto a elas remonta aos primórdios da profissão de Serviço Social, no Brasil, acompanhando o caráter conservador que se caracterizava fortemente por um processo normatizador de condutas e comportamentos familiares. Entretanto, apesar do Serviço Social sempre ter atuado junto às famílias, as investigações e a produção de conhecimentos não acompanhou as mudanças de concepção téorico-metodológica e de projeto profissional e o debate sobre as famílias foi durante algum tempo secundarizado e/ou dissonante com as abordagens críticas que conformam a atualidade da profissão. O grande ponto de inflexão que determinou as discussões contemporâneas sobre as famílias foi o impacto do ideário neoliberal nas políticas sociais e o pluralismo de bem-estar que recoloca a família em condição de centralidade na provisão de proteção social. Tais influências provocaram o aprofundamento de um processo de familiarização que incrementou ainda mais as desigualdades entre as classes sociais e a reativação de práticas disciplinadoras, principalmente, em relação às famílias pobres.
O principal objetivo desse número especial foi apresentar o estado da arte das produções contemporâneas sobre as famílias como fonte importante para o trabalho com as mesmas em sua articulação com as políticas sociais. Realizar um balanço crítico dessa produção é também a preocupação da Rede de Pesquisa Família e Política Social (REFAPS), que visa articular a produção do conhecimento entre pesquisadoras(es) e profissionais do Serviço Social e áreas afins no campo da Família e Política Social e na qual as editoras especiais desse número tomam parte. Ademais, adquire extrema relevância a necessidade de aprofundamento dessa temática no contexto da realidade brasileira, particularmente no campo da formação de graduação e pós-graduação em áreas profissionais que atuam diretamente com famílias.
Nesse sentido, o que esta Chamada nos sinalizou em termos das produções contemporâneas sobre Família e Políticas Sociais? Quais dilemas ou lacunas foram enfrentados e quais ainda não foram adequadamente tematizados? Os primeiros artigos versam sobre discussões teóricas sobre a família inserindo-a em uma perspectiva histórica e socialmente determinada, assim como alguns deles incorporam as contribuições dos estudos de gênero. Outro grupo de artigos traz o debate sobre família e política social e joga luz na construção de políticas sociais que tem por base a família e os desafios profissionais colocados. Esses aparecem de maneira comparativa entre países e ganha destaque a seção Entrevista que apresenta a experiência de construção do Sistema Nacional Integrado de Cuidados do Uruguai, modelo que vem crescentemente sendo estudado como uma inovadora experiência de construção de políticas sociais relacionadas às famílias. Os artigos que abordam o trabalho do serviço social com famílias não à toa se concentram no interior da política de assistência social que traz em seu bojo a matricialidade socio familiar como um dos seus eixos estruturantes.
Apesar do rico mosaico que esses trabalhos apresentam, podemos identificar algumas ausências no debate como, o trabalho social com famílias nas demais políticas sociais, como a saúde, a educação e o sistema socio-jurídico que atuam fortemente com as famílias, além da não incorporação do marcador étnico-racial. No entanto, verifica-se uma concentração em determinados grupos sociais, como idosos e adolescentes. Frente à gama de demandas sociais correlatas ao cuidado presentes no trabalho profissional e os desafios para as famílias, chama a atenção a necessidade de ampliar estudos e pesquisas sobre o trabalho do cuidado, seja para os grupos sociais que o recebem, seja para os sujeitos sociais que provêm esse cuidado, de forma remunerada ou não.
Aparentemente tão heterogêneos, todos os textos deste número temático fazem parte da mesma preocupação de fazer caminhar uma agenda de debates sobre Famílias e Políticas Sociais e aprimorar os serviços sociais à população usuária e suas famílias que integram o campo das diferentes políticas sociais. Para isso é fundamental tanto o reconhecimento de que as famílias não são homogêneas em recursos, fases do ciclo de vida, formas culturais e nível de interação com o conjunto da legislação e das políticas sociais, como a superação do caráter familista que transpassa a cultura política da sociedade brasileira.
Na sequência ao dossiê, a revista publica cinco artigos que compõem a seção editorial Tema Livre e que analisam questões históricas e teóricas da realidade social capitalista, da produção marxista e do Serviço Social, com ênfase sobre processos históricos de mobilização e resistência da sociedade civil, os limites e potencialidades do campo dos direitos humanos na sociedade burguesa e na profissão do Serviço Social e sobre relações de gênero na história do Serviço Social.
No ano de 2018, o Brasil completou 130 anos de abolição formal da escravidão. Contudo, o racismo estrutural e institucional que acompanha a história da formação brasileira, e a reprodução de diferentes e reiterados modos de opressão de negros e negras, no Brasil, até o tempo presente, nos alertam e convocam a refletir e a denunciar o racismo como práxis persistente e secular de produção de formas desiguais de dominação. Nesse sentido, as seções Mostra Fotográfica e Homenagem de Vida compõem o conteúdo editorial dedicado ao não apagamento da memória da violência da escravidão em nosso país, à reflexão crítica sobre a persistência do racismo no Brasil, mas também objetiva visibilizar formas culturais, políticas e biográficas de resistência ao racismo, de construção de ações interseccionais entre raça, gênero e direitos humanos, e de preservação da história e da memória africana e afro-brasileira. Assim, o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN), situado no bairro da Gamboa, no Rio de Janeiro, território da Região Portuária da Cidade também conhecido historicamente como “Pequena África”, abre a mostra fotográfica apresentando a história do Cemitério dos Pretos Novos, a partir da qual se entrelaça a história do próprio IPN. Como anunciado no texto inicial da mostra fotográfica,
Os vestígios arqueológicos e históricos deste campo santo são testemunhos da ação violenta e cruel sofrida pelos africanos que não resistiram aos maus tratos da captura e viagem transatlântica. Este relato revelado pela historiografia e trazido à luz pela Arqueologia, repleto de desrespeito e dor, ainda é desconhecido por muitos, pois não é contado em todas as escolas e nem sequer é mencionado nos livros de história que têm a escravidão como tema. Por isto, reafirma-se a importância deste Museu Memorial, no qual o Cemitério dos Pretos Novos se impõe como peça central para este debate.

Dando continuidade ao eixo de reflexão dos 130 anos de abolição da escravidão no Brasil, a revista apresenta Homenagem de Vida à Marielle Franco, mulher, negra, moradora da favela da Maré, militante dos direitos humanos e vereadora da cidade do Rio de Janeiro assassinada em março de 2018, um crime, até hoje, sem solução investigativa e criminal, que segue impune. A professora de Ciências Sociais da UERJ e amiga pessoal de Marielle, Lia de Mattos Rocha, escreve a homenagem de vida à Marielle. Como bem sintetiza suas palavras,
A mudança que queríamos ver na política estava expressa no corpo dela. (...) ela vinha das lutas, dos movimentos sociais, dos coletivos negros das universidades, vinha dos blocos de carnaval, vinha dos grupos de artistas do funk. Ela era porque nós todos éramos uma forma diferente de viver, de circular na cidade, de estar na política, de lutar.

Através da escolha editorial por essa homenagem de vida, no contexto dos 130 anos de abolição formal da escravidão, mas não do racismo, o Comitê Editorial brada: Marielle, presente!
Esta edição conta também com a entrevista Protección social y familia: la experiencia de la construcción del Sistema Nacional Integrado de Cuidados de Uruguay – Entrevista con el profesor Marcelo Castillo que compõe as reflexões do dossiê temático. Marcelo Castillo é cientista político, professor pesquisador da Universidad de la República de Uruguay (UDELAR) e trabalha na área de Planejamento e Monitoramento do Sistema Nacional Integrado de Cuidados do Uruguai, onde é responsável pela gestão de conhecimento, além de integrar a equipe de gerenciamento do Centro de Informação e Estudos do Uruguai (CIESU). Por último, apresentamos as resenhas dos livros Mudanças nas famílias brasileiras (1976-2012): uma perspectiva de classe e gênero, de Nathalie Reis Itaboraí, e Estado, democracia, políticas públicas e direitos LGBT, de Marcio Sales Saraiva.



Editoria Convidada:
Andréa de Sousa Gama
Regina Célia T. Mioto

Comitê Editorial

Keywords: Serviço Social,Revista,Em Pauta,Teoria Social,Realidade Contemporânea,UERJ,UerjResiste,Família,Políticas Sociais,Marielle Franco,MariellePresente,IPN

} ÉTICA E DIREITOS HUMANOS NO TRABALHO – RAMOS, S. R.; SOUSA, A. M. C.; VASCONCELOS, I; SOUZA, L. J. F. }
DOI: 10.12957/REP.2018.39432

julho de 2017, com aplicação de questionários a 18 assistentes sociais que
trabalham no SUS em Mossoró (RN)1.

Parâmetros de atuação de assistentes sociais na Saúde:
contribuições para o cotidiano de trabalho

Os Parâmetros de atuação de assistentes sociais na Saúde, a nosso
ver, têm profundo enraizamento na realidade, tendo em vista explicitar di-
versos desafios que permeiam o trabalho desses profissionais. Além disso,
também expressam o compromisso da categoria com a efetivação dessa
política, consoante a reforma sanitária e o projeto ético-político do Serviço
Social. Nesse sentido, inicialmente refletiremos sobre a análise que as profis-
sionais fazem sobre o impacto deste documento em seu dia a dia.

Em relação ao conhecimento dos Parâmetros de atuação dos assis-
tentes sociais na Saúde, dentre as profissionais pesquisados, 16 afirmaram
conhecê-lo e duas não responderam. Contudo, mesmo as que não
responderam se manifestaram acerca das demais questões relacionadas a
este documento.

É relevante destacar que o CFESS produziu este documento2 com
vistas a responder a uma demanda da categoria no que tange à definição e
delimitação de suas atribuições profissionais nos serviços de Saúde. Nessa
perspectiva, visa nortear o trabalho dos assistentes sociais, tendo como
horizonte a garantia da qualidade do atendimento prestado à população no
âmbito dos serviços de Saúde em consonância com o projeto ético-político
e com os princípios da Reforma Sanitária.

Os Parâmetros de atuação na Saúde foram sistematizados por um
grupo de trabalho constituído pelo conjunto CFESS-Cress e contemplou um
amplo processo de discussão com a categoria profissional por meio de ofi-
cinas, reuniões e seminários ocorridos nas diversas regiões do país, incluindo
o Estado do Rio Grande do Norte e a cidade de Mossoró. Desse modo, parte
das profissionais (cinco) tomou conhecimento deste documento desde o
processo de sua elaboração, tendo participado de grupo de discussão promo-
vido pelo Cress/seccional de Mossoró. As demais tiveram acesso por meio
de capacitações, leituras, estudos atinentes ao processo de formação profis-
sional em nível de graduação ou pós-graduação lato sensu (especialização,
residência multiprofissional) ou direcionados à preparação para concursos

..............................................................................
1 Todas as participantes da pesquisa são do sexo feminino. Acerca da religião, 14 são católicas e quatro, evan-
gélicas. A maioria (10) atua entre cinco a dez anos na área da Saúde. A maior parte concluiu o curso entre as dé-
cadas de 1990-2000 e apenas três, na década de 1980. Em termos de capacitação, todas possuem especialização
e uma cursa mestrado, expressando o compromisso com o aprimoramento intelectual.
2 O conjunto CFESS/Cress vem construindo documentos desta natureza atinentes às diversas áreas de atuação
profissional, por meio da publicação de uma série: Trabalho e projeto profissional nas políticas sociais. Essa,
além da Saúde, contempla temas sociojurídicos, bem como da assistência social, educação, política urbana e
residência em saúde.

EM PAUTA, Rio de Janeiro _ 2o Semestre de 2018 - n. 42, v. 16, p. 199 - 214 201
Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

} ÉTICA E DIREITOS HUMANOS NO TRABALHO – RAMOS, S. R.; SOUSA, A. M. C.; VASCONCELOS, I; SOUZA, L. J. F. }
DOI: 10.12957/REP.2018.39432

públicos, por meio da internet, com consultas incluindo o site do CFESS ou
diretamente na sede da seccional do Cress 14ª Região. Também foi registrado
que o conhecimento da resolução se deu a partir do diálogo com outros
assistentes sociais, em reuniões/discussões e pelas ações e movimentos da
categoria.

Em relação à repercussão destes parâmetros no cotidiano de tra-
balho, as profissionais são unânimes em afirmar que este documento con-
tribuiu para nortear as ações e delimitar as atribuições e competências pro-
fissionais na área da Saúde, de forma a aprimorar a qualidade do atendimento
prestado à população usuária. Tal ideia pode ser visualizada nas seguintes
respostas das assistentes sociais:

Sim, continua repercutindo significativamente, sendo fonte para dis-
cussão, elaboração e aprovação de documento sobre as atribuições dos
assistentes sociais na Saúde do município pela Secretaria Municipal de
Saúde com pareceres do Cress/seccional e conselho de saúde. (Depoi-
mento de sujeito da pesquisa).

A partir dos parâmetros a equipe do Serviço Social elaborou o pro-
cedimento operacional padrão (POP), que norteia nossa atuação (serviços
e atividades) junto à população usuária do SUS, em unidade de urgência
e emergência. (Depoimento de sujeito da pesquisa).

Os parâmetros de atuação do assistente social na Saúde se constitui em
um instrumento de consulta e de reflexão para o assistente social em sua
atuação na área da Saúde, e tem contribuído bastante neste sentido.
(Depoimento de sujeito da pesquisa).

O citado documento aponta que a atuação dos assistentes sociais
na Saúde contempla quatro grandes eixos articulados entre si, a saber: atendi-
mento direto aos usuários; mobilização, participação e controle social; inves-
tigação, planejamento e gestão; assessoria, qualificação e formação profis-
sional. Além de explicitar as atribuições profissionais nesta área, contribui
para elucidar aquelas que não competem aos assistentes sociais, a exemplo
da convocação do responsável para comunicar alta e óbito, marcação de
consultas e exames, pesagem e medição de usuários, dentre outras. Tais
atribuições são assim consideradas: “[...] aquelas ações que possuem um
caráter eminentemente técnico-administrativo, como também aquelas que
demandam uma formação técnica específica (de outras profissões da saúde)
não contemplada na formação profissional dos assistentes sociais” (CFESS,
2010, p. 47).

Neste aspecto, foi ressaltado, de forma bastante significativa, que
o referido documento contribuiu para desconstruir ideias equivocadas acerca
das responsabilidades assumidas pelo Serviço Social, o que podemos per-
ceber nas seguintes falas:

202 EM PAUTA, Rio de Janeiro _ 2o Semestre de 2018 - n. 42, v. 16, p. 199 - 214
Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

} ÉTICA E DIREITOS HUMANOS NO TRABALHO – RAMOS, S. R.; SOUSA, A. M. C.; VASCONCELOS, I; SOUZA, L. J. F. }
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O documento nos fortaleceu em nosso cotidiano de trabalho e conse-
guimos algumas vitórias, referentes a deixar vícios (declarações, regu-
lação) que não eram atribuições nossas e sim do profissional médico.
Esse é um exemplo do que desde a publicação do documento deixamos
de fazer. (Depoimento de sujeito da pesquisa).

Sempre contribui para nossa intervenção. Muitas vezes, até os pro-
fissionais que trabalham conosco não têm conhecimento da nossa função
e vez por outra precisamos esclarecer quais são nossas atribuições, o
que compete e o que não compete ao assistente social. (Depoimento de
sujeito da pesquisa).

Serviu como questionamento do nosso fazer profissional, evitando que
nos sejam empurrados serviços que não são atribuições nossas. (De-
poimento de sujeito da pesquisa).

Esta questão se apresenta de forma tão arraigada na área da Saúde
a ponto de as assistentes sociais explicitarem a importância desta publicação
do CFESS para respaldar as posições assumidas no cotidiano de trabalho.

As dificuldades, atinentes à incompreensão acerca das atribuições
dos assistentes sociais da Saúde, expressam dissonâncias na própria orga-
nização e sistematização do trabalho coletivo nessa área, perpassado rela-
ções hierarquizadas e dificuldade de articulação entre as profissões. Sobre
este aspecto, é ilustrativa a análise de Matos (2013, p. 52): “O trabalho nos
serviços de saúde reproduz um atendimento multiprofissional, com pouca
ou nenhuma interdisciplinaridade, onde mesmo os profissionais ‘co-habi-
tando’ o mesmo espaço pouco se falam.

Repercussão das ações do CFESS relacionadas à ética
e aos direitos humanos no trabalho de assistentes sociais
na Saúde em Mossoró (RN)

Analisaremos, nesta parte do artigo, as contribuições das ações
do CFESS no campo da ética e direitos humanos no cotidiano de trabalho
de assistentes sociais no SUS. Tais iniciativas atestam o protagonismo do CFESS
no amadurecimento do debate ético-profissional, ocorrido na década de
1990, e expresso, entre outras questões: no aprofundamento do referencial
marxista nessa área do conhecimento, o que gerou a superação de equívocos
teóricos e normativos, presentes na década anterior; na ampliação das pes-
quisas e grupos de pesquisa neste âmbito; na articulação com outros seg-
mentos sociais na defesa dos direitos humanos e no desenvolvimento de
atividades de capacitação ética para os profissionais (RAMOS, 2006).

Em relação à capacitação ética da categoria, uma importante ativi-
dade, existente há mais de quinze anos, é o projeto Ética em movimento.
Este foi criado na gestão do CFESS Brasil mostra sua cara (1999-2002), e co-

EM PAUTA, Rio de Janeiro _ 2o Semestre de 2018 - n. 42, v. 16, p. 199 - 214 203
Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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meçou a ser executado no ano 2000. O principal propósito foi o de subsidiar
as ações profissionais e garantir a materialização do Código de ética e a
consolidação do projeto ético-político nos diversos espaços de atuação.

Tal projeto surge num momento crucial no debate sobre ética
profissional no Serviço Social, em que, a partir do amadurecimento ético-
político construído historicamente, tornou-se imprescindível a ampliação
das possibilidades de efetivação dos princípios éticos fundamentais da pro-
fissão, frente aos desafios da realidade apresentada na década de 1990. O
projeto Ética em movimento veio responder a uma demanda social e ética
dos tempos neoliberais de barbárie social.

Desse modo, colocou-se como exigência profissional a ultra-
passagem do debate legal e formal, com a ampliação da discussão sobre a
ética no âmbito da atividade profissional. Para tanto, era necessário garantir
seu conteúdo filosófico, político e social e, ao mesmo tempo, assegurar me-
canismos de aprofundamento dos princípios ético-políticos do Serviço Social,
compreendendo que “a ética precisava ‘sair das gavetas’, dinamizando-se
por meio de ações mobilizadoras das consciências e das intervenções coti-
dianas dos conselhos e da categoria, em geral” (CFESS, 2002, p. 15)3. Este
projeto tem formado agentes multiplicadores ao longo dos anos, com a ca-
pacitação de assistentes sociais em todas as regiões do país.

Neste sentido, consideramos importante destacar que oito pro-
fissionais afirmaram conhecer o referido projeto, sendo dois por meio da
participação no curso de capacitação para agentes multiplicadores e os
demais por meio de participação em espaços de debates e eventos pro-
fissionais, como o Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS).

Em relação às repercussões do projeto Ética em movimento na
atuação profissional, as participantes da pesquisa consideram que este tem
contribuído de forma positiva, como podemos verificar nos depoimentos a
seguir:

O projeto Ética em movimento oportunizou/oportuniza a discussão e
socialização sobre o Código de Ética de forma crítica, capacitando os
assistentes sociais à materialização e não apenas à leitura dos artigos
‘empalhados’ no papel. E hoje mais do que nunca precisamos dessa
capacitação continuada. (Depoimento de sujeito da pesquisa).

Nas posições tomadas no enfrentamento das questões de defesa do
acompanhante, independente da orientação sexual; a busca de melhor
qualidade do atendimento. (Depoimento de sujeito da pesquisa).

Outra iniciativa do CFESS consiste na promoção de campanhas
em defesa dos direitos humanos. É relevante destacar que a concepção de
direitos humanos do Conjunto CFESS/Cress tem como principais eixos:

..............................................................................
3 Relatório final da gestão 1999/2002.

204 EM PAUTA, Rio de Janeiro _ 2o Semestre de 2018 - n. 42, v. 16, p. 199 - 214
Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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DOI: 10.12957/REP.2018.39432

1) a compreensão dos DH como algo que não se restringe aos direitos
civis e jurídico-políticos, mas que diz respeito aos direitos econômicos,
sociais e culturais; 2) a superação da visão ‘legalista’ dos direitos, tra-
zendo-os para âmbito da luta de classes e das contradições inerentes à
(re) produção das relações sociais capitalistas. Não se trata apenas de
uma oposição ideológica ao liberalismo (que busca equacionar juridi-
camente a questão das desigualdades sociais), mas, principalmente, de
uma compreensão crítica que desvele a impossibilidade concreta de
objetivação dos direitos para todos os indivíduos sociais. Isso supõe,
evidentemente, uma crítica ao pilar das declarações burguesas de direitos:
a propriedade privada; 3) a compreensão crítica radical dos DH na so-
ciedade contemporânea, que instrumentalize uma atuação realista, des-
mistificando as concepções liberais que naturalizam as desigualdades e
as visões abstratas que tratam o homem ou a ‘dignidade humana’ sem
levar em conta as particularidades históricas em que a humanidade se
(des)constrói; 4) a necessidade de uma articulação com os movimentos
de defesa dos DH, vinculando-a com a ‘questão social’, com as políticas
públicas e com as práticas democrático-populares; 5) a compreensão
das especificidades da luta pelos DH no âmbito das entidades pro-
fissionais como o conjunto CFESS/Cress, articulando-a com os eixos:
fiscalização, capacitação e denúncia. (CFESS, 2002, p. 37).

Uma das campanhas que mais repercutiu no âmbito profissional
foi O amor fala todas as línguas: assistente social na luta contra o preconceito.
O objetivo é sensibilizar a categoria profissional e a sociedade em torno do
debate acerca da livre orientação e expressão sexual como um direito hu-
mano. Quando perguntadas se conheciam esta campanha do CFESS, 12
disseram que sim e seis desconhecem.

Ao responderem como tomaram conhecimento da referida cam-
panha, as entrevistadas ressaltaram o acompanhamento das ações do con-
junto CFESS/Cress, por meio do site das instituições representativas da cate-
goria e pela participação nos espaços promovidos pela seccional do Cress
14ª Região. Quando questionadas se esta campanha vem repercutindo no
cotidiano de trabalho, a maioria das profissionais respondeu que sim. Pode-
mos perceber isso nos seguintes depoimentos:

A campanha repercutiu no sentido de reforçar o não ao preconceito.
Usamos os cartazes e o tema para realizar discussões entre a equipe,
principalmente com os profissionais mais conservadores que havia. (De-
poimento de sujeito da pesquisa).

Na maior visibilidade das pessoas pertencentes à comunidade LGTB no
espaço de trabalho, onde o atendimento à saúde deve ser garantido
independente da orientação sexual. (Depoimento de sujeito da pesquisa).

Analisando esses relatos, observamos como as ações desenvolvidas
pelas entidades representativas da categoria assumem materialidade no coti-
diano de trabalho. Isso porque contribuem para que as profissionais possam

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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DOI: 10.12957/REP.2018.39432

dialogar com a equipe, com vistas a combater as diversas formas de pre-
conceitos, assim como para compreender que todos os usuários devem ter
os seus direitos garantidos, independente da sua orientação sexual.

Ainda sobre as repercussões dessa campanha, outras profissionais
destacaram que a mesma contribuiu para reforçar o posicionamento ético-
político da categoria. Evidenciamos isso nas seguintes falas:

A referida campanha vem para reforçar o que preconiza nosso código
de ética. Sabemos que, enquanto assistentes sociais, vivenciamos dia-
riamente diversas formas de preconceitos, que devem ser combatidos
nos referidos espaços sócio-ocupacionais. (Depoimento de sujeito da
pesquisa).

Procuramos colocar em prática os princípios do código de ética quando
buscamos realizar nosso trabalho sem ser discriminado e nem discriminar,
por nenhuma questão. (Depoimento de sujeito da pesquisa).

Assim, a promoção desta campanha reafirma os princípios do pro-
jeto ético-político da profissão. Desta forma, concordamos com Lúcia Barro-
co (apud CFESS, 2007, p. 5) ao salientar que os assistentes sociais:

Não podem tratar os usuários de forma preconceituosa e discriminatória,
com isso, negando a ética profissional e o respeito à liberdade do outro
em ser diferente, de fazer escolhas e ter direitos. O principal avanço de
nosso projeto ético-político está materializado na busca de ruptura com
o conservadorismo profissional: essa campanha e a nossa contribuição,
realizando-a em nosso cotidiano é mais uma etapa nessa consolidação.

Sobre a referida campanha, Matos e Mesquita (2011) ressaltam
que foi importante para o Serviço Social, pois possibilitou o desenvolvimento
de ações políticas e pedagógicas para a desconstrução da heterossexualidade
como única forma de orientação sexual existente. Além disso, também con-
tribuiu para reforçar o posicionamento da profissão em defesa da ampliação
dos direitos da população LGBT, pois possibilitou aos assistentes sociais re-
fletirem sobre suas atitudes com usuários que sofrem opressões por terem
uma orientação sexual diferente dos padrões conservadores impostos na
sociedade.

Ainda sobre o conhecimento das campanhas promovidas pelo
CFESS, quando perguntadas se conheciam a campanha Sem movimento
não há liberdade: no mundo de desigualdade, toda violação de direitos é
violência, cujo objetivo foi sensibilizar a categoria profissional para a vio-
lação dos direitos humanos, identificamos que nove entrevistadas afirmam
conhecer e nove desconhecem. Quando relatam a forma como tomaram
conhecimento, aparecem os mesmos mecanismos expressos na campanha
anterior, com destaque para as ações promovidas pelo CFESS e pela seccional
do Cress 14ª Região.

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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Ao questionarmos se a promoção dessa campanha repercutiu ou
vem repercutindo em seu cotidiano de trabalho, a maioria das assistentes
sociais justificou não ter conseguido visualizar rebatimentos nas instituições
onde atuam. Dentre as que responderam que a resolução repercute no seu
cotidiano de trabalho, destacamos os seguintes relatos:

A temática da violência é algo que devemos trabalhar constantemente
nas referidas instituições. Ter um olhar crítico para múltiplas formas de
violência é primordial, principalmente as violências acometidas contra
crianças e adolescentes e demais que se enquadram dentro do contexto
da violência. Assim, difundir os canais de denúncia é primordial nos
momentos de atuação. (Depoimento de sujeito da pesquisa).

A campanha como uma política orienta, alerta e provoca a categoria e a
sociedade para a defesa dos direitos humanos e combate à violência.
No cotidiano profissional contribui para reforçar o posicionamento ético-
político na defesa da negação dos direitos dos usuários do SUS/serviços
institucionais. (Depoimento de sujeito da pesquisa).

Diante destes relatos, percebemos como a promoção desta campa-
nha se faz necessária, pois as diversas formas de violação e resistência refe-
rentes aos direitos humanos permeiam o cotidiano de trabalho das assistentes
sociais. Assim, ressaltamos que esta campanha reforça o compromisso ético-
político do Serviço Social com a defesa dos direitos humanos.

Outra frente importante de atuação do CFESS consiste na publi-
cação de resoluções que normatizam diversas dimensões da atuação profis-
sional de assistentes sociais, dentre as quais destacaremos aquelas mais
direcionadas ao campo da ética e dos direitos humanos. Quando perguntadas
se conheciam a Resolução CFESS nº 489/2006 (que estabelece normas ve-
dando condutas discriminatórias ou preconceituosas, por orientação e ex-
pressão sexual por pessoas do mesmo sexo, no exercício profissional do
assistente social), onze afirmaram que sim, seis informaram que não e uma
não respondeu.

Ao responderem como tomaram conhecimento da resolução, des-
tacamos a menção ao acompanhamento das ações do Conjunto CFESS-
Cress, por meio de pesquisa das resoluções do CFESS, de participação na
coordenação da seccional Mossoró/Cress 14ª Região, do site do CFESS e de
estudos para concursos públicos. Ressaltamos que uma das profissionais
evidenciou ter tomado conhecimento da resolução por meio da campanha
O amor fala todas as línguas, a partir da qual resolveu se aprofundar na te-
mática.

Ao questionarmos se a publicação desta resolução repercutiu ou
vem repercutindo no seu cotidiano de trabalho, a maioria das respostas foi
afirmativa. Nessa perspectiva, ressaltaram a importância da resolução para
a defesa dos princípios ético-políticos da profissão, conforme atestam os
depoimentos:

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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A resolução é importante para respaldar a atuação profissional, refe-
rendando os princípios trazidos pelo Código de Ética profissional. (De-
poimento de sujeito da pesquisa).

Toda resolução CFESS voltada para o debate e defesa dos princípios de-
fendidos pela profissão tem uma repercussão imediata e continuada no
trabalho. No trabalho de urgência/emergência temos que estar con-
tinuamente atentos para o enfrentamento dessas questões. (Depoimento
de sujeito da pesquisa).

Essas respostas sinalizam que as resoluções do CFESS assumem
materialidade no cotidiano de trabalho de assistentes sociais, na perspectiva
de garantir a direção hegemônica do projeto ético-político profissional. Isso
requer “a adoção de estratégias sociopolíticas e profissionais para somar-se
à luta mais ampla dos trabalhadores em oposição aos ajustes neoliberais e
à barbárie capitalista, que se disponha ao enfrentamento das condições
atuais” (GUERRA, 2007, p. 9).

Ao citarem as diversas formas pelas quais essa repercussão se dá,
há um destaque para sua importância no combate ao preconceito.

Nos atendimentos aos usuários e nas orientações a colegas servidores,
quando nos deparamos com algumas ações ou palavras preconceituosas
no momento do atendimento ou depois. (Depoimento de sujeito da pes-
quisa).

Mais uma forma de tentarmos conscientizar as pessoas sobre essa questão
de enfrentamento ao preconceito. (Depoimento de sujeito da pesquisa).

Repercutem tanto com relação aos funcionários, como também na co-
munidade. Para tanto, entra em cena o assistente social sensibilizando
os mesmos, para a não discriminação e o não preconceito. (Depoimento
de sujeito da pesquisa).

Para Heller (1989, p. 47), os preconceitos são “juízos provisórios
refutados pela ciência e por uma experiência cuidadosamente analisada,
mas que se conservam inabalados contra todos os argumentos da razão”.
Ao refletirem sobre a dimensão do interesse deste tema para o Serviço Social,
Mesquita, Ramos e Santos (2001, p. 67) ressaltam que, a partir do Código
de 1993, “abre-se um campo de possibilidades para o entendimento e desna-
turalização do preconceito [...] fortalecendo, desse modo, tal discussão no
âmbito do Projeto Ético-Político do Serviço Social”.

O preconceito contribui para intensificar o recrudescimento do
conservadorismo nos tempos atuais, que repercute no âmbito profissional.

É, portanto, desastroso e profundamente lamentável, que numa con-
juntura de crise estrutural do capital, que em si já determina novas fun-
cionalidades e restrições no conjunto da vida social, que o conser-

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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vadorismo se reatualize em toda sua capacidade de articular interesses
econômico-políticos e culturais e permaneça atuante no universo profis-
sional. (RAMOS; SANTOS, 2016, p. 231)

Muitos preconceitos, sobretudo os relacionados à dimensão da
orientação sexual, são reproduzidos devido à disseminação de valores cal-
cados em fundamentos religiosos. Daí a importância da discussão sobre o
Estado laico. Em recente manifesto, o CFESS (2016a, p.3) defende que

[...] um Estado laico não pode tomar como referência para legislar sobre
a vida dos indivíduos sociais concepções, convicções e valores fundados
em dogmas religiosos. O ordenamento jurídico da vida social, os prin-
cípios, diretrizes e objetivos das políticas sociais (saúde, educação, assis-
tência social, etc.), devem coadunar com a afirmação de liberdades in-
dividuais, como a de manifestação religiosa, política, de orientação sexual
e de identidade de gênero.

A defesa do Estado laico, bem como o combate à disseminação
do preconceito e do conservadorismo, precisam ser cotidianamente cons-
truídos nos âmbitos profissional e social. “[...] Esse enfrentamento ético-po-
lítico supõe estratégias coletivas de capacitação e organização política, de
discussão nos locais de trabalho, de articulação com outras categorias, en-
tidades e com os movimentos organizados da população usuária” (BARRO-
CO, 2011, p. 213-214).

Algumas situações cotidianas do trabalho na área da Saúde foram
destacadas pelas participantes da pesquisa, tais como a iniciativa da assistente
social no plantão, sempre que possível, em dialogar com a equipe de enfer-
magem, principalmente os técnicos, quanto ao respeito com os usuários na
questão da orientação sexual, e, em particular, na garantia do acom-
panhamento do seu companheiro no pronto-atendimento e orientando a
equipe quando necessário.

Uma resposta que nos chamou particular atenção refere-se à men-
ção à discriminação sofrida pelos profissionais por parte dos usuários.

Na instituição na qual trabalho por vezes aparecem usuários discri-
minando colegas profissionais por sua opção sexual. Assim sendo, requer
muitas vezes um ‘chamamento’ ao referido usuário. (Depoimento de su-
jeito da pesquisa).

Neste sentido, nosso código é claro em um dos seus princípios:
exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar por
questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade,
orientação sexual, idade e condição física. Ressaltamos a “força viva das
práticas discriminatórias, pois estas atitudes são aliadas do conservadorismo
e também responsáveis por naturalizar as diferenças e transformá-las em
desigualdades” (ALMEIDA, M. 2013, p. 138).

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Ainda se referindo às regulamentações do CFESS, ao serem per-
guntadas se conheciam a Resolução CFESS nº 615/2011, que dispõe sobre
a inclusão e o uso do nome social da assistente social travesti e do assistente
social transexual nos documentos de identidade profissional, 11 assistentes
sociais responderam que conhecem, seis disseram que não e uma não se
pronunciou.

Ao falarem sobre como tomaram conhecimento da referida reso-
lução, percebemos as mesmas respostas em relação à resolução ante-
riormente citada, com destaque para a descoberta por meio do site do CFESS
e por estudos para concursos públicos. Ressaltamos também a participação
em discussões, palestras, capacitações e leituras sobre o assunto.

Entretanto, uma forma de contato nos chamou atenção: “Através
de um seminário sobre HIV/AIDS, na fala de um transexual que divulgou tal
resolução”. Essa afirmação revela o quanto a resolução da nossa profissão é
conhecida e divulgada pelas pessoas trans na perspectiva de defesa dos
seus direitos. Assume, assim, uma amplitude para além do Serviço Social,
pois repercute no cotidiano dos sujeitos que sofrem opressões nesta
sociabilidade. Essa é uma dimensão fundante do projeto ético-político pro-
fissional, sua vinculação a um projeto societário sem exploração e opressões.

Ao questionarmos se a publicação desta resolução repercutiu ou
vem repercutindo no cotidiano de trabalho, a maioria respondeu negati-
vamente, justificando a partir da ausência de casos no cotidiano profissional.
Ou seja, as entrevistadas não têm conhecimento de colegas de profissão
que fazem uso do nome social na identidade profissional nem de discussões
acerca desta questão. Ponderamos que esta situação pode ocorrer pelo fato
de as reflexões sobre identidade de gênero ainda serem incipientes no âmbito
profissional.

Como pesquisador desta temática no âmbito do Serviço Social,
G. Almeida (2013, p. 20) ressalta que estas discussões não estão circunscritas
“às instituições em que o processo transexualizador4 é efetivado, precisam
e podem ser feitas em quaisquer das políticas sociais e dos espaços sócio-
ocupacionais nos quais o Serviço Social atua, desde que haja compromisso
ético-político em desenvolvê-las”.

Dentre os depoimentos nos quais afirma-se a repercussão da reso-
lução no cotidiano de trabalho, destacamos os seguintes:

Dessa forma, conseguimos realizar um atendimento mais igualitário, dei-
xando o usuário mais à vontade. (Depoimento de sujeito da pesquisa).

O respeito à escolha do usuário e a aceitação da escolha por parte dos
funcionários. (Depoimento de sujeito da pesquisa).

..............................................................................
4 “No Brasil, a exemplo de muitos outros países, desde 2008, o Ministério da Saúde, pressionado pelo movimento
de transexuais e de seus/suas apoiadores/as, regulamentou o processo transexualizador no Sistema Único de
Saúde (SUS). Este é um conjunto de procedimentos assistenciais dirigidos a quem precisa modificar seu corpo,
para atingir determinadas características do gênero que afirma como o seu” (CFESS, 2016b, p. 10).

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Repercute, a partir de então, como norma legal a ser seguida e defendida
no cotidiano profissional, somando-se ao entendimento sobre o direito
do outro de ser respeitado em sua orientação/expressão/identidade sexual.
(Depoimento de sujeito da pesquisa).

Notamos, nestas respostas, referências a princípios do nosso
Código de ética, sobretudo no que se refere ao debate em torno da liberdade
e da autonomia dos sujeitos. Compreendemos que

[...] a concepção de liberdade que o Código incorpora remete
expressamente a indivíduos sociais e, com isto, alteram-se estruturalmente
as condições concretas do exercício da liberdade: os outros não são
limites para a liberdade de cada um, mas a própria possibilidade dela
[...]. Por isso, a liberdade que é, para o Código, ‘valor ético central’,
exige o ‘respeito à diversidade’ e a ‘discussão das diferenças’ [...].
(NETTO, 2013, p. 25).

A concepção de liberdade como valor ético central para o Serviço
Social brasileiro articula-se, portanto, à defesa da diversidade humana. Assim,
é primordial que assistentes sociais respeitem escolhas e vivências dos
sujeitos na vida social, abarcando suas múltiplas dimensões; dentre elas, a
orientação sexual e a identidade de gênero.

Conclusão

Diante das ações do CFESS no campo da ética e dos direitos huma-
nos, percebemos como este conselho se faz atuante no debate dessas temá-
ticas, bem como o modo com que essas ações ganham materialidade no
cotidiano de trabalho dos assistentes sociais. Desta forma, essa pesquisa
evidenciou que uma parte considerável das entrevistadas conseguiu
perceber, no seu exercício profissional, a repercussão das ações do CFESS,
seja por meio dos Parâmetros de atuação na Saúde, do Código de ética, do
projeto Ética em movimento, ou das campanhas e resoluções.

Isso se revela em dados da pesquisa acerca da capacitação pro-
fissional, nos quais verificamos que um número significativo das profissionais
tem investido em sua qualificação profissional, realizando cursos de es-
pecialização e de mestrado, além de participar em eventos e espaços co-
letivos de discussão. Isso expressa o compromisso com o aprimoramento
intelectual e a qualidade dos serviços prestados. Neste sentido, foi possível
identificar que a maioria conhece documentos e iniciativas do CFESS e como
estes vêm repercutindo no cotidiano de trabalho.

Enfim, ratificamos que as ações do CFESS no campo da ética e
dos direitos humanos se fazem presentes no trabalho dos assistentes sociais
da área da Saúde em Mossoró (RN) e ganham materialidade no cotidiano
profissional. Assim, compreendemos como essas ações desenvolvidas pelo

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CFESS reforçam a direção social do projeto ético-político profissional, uma
vez que contribuem para a desconstrução de preconceitos e para a luta por
direitos humanos, que extrapola o âmbito profissional e exige a articulação
com outros sujeitos coletivos comprometidos com o projeto de emancipação
humana.

212 EM PAUTA, Rio de Janeiro _ 2o Semestre de 2018 - n. 42, v. 16, p. 199 - 214
Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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DOI: 10.12957/rep.2018.39432

Recebido em 08 de fevereiro de 2018.
Aprovado para publicação em 24 de abril de 2018.

A Revista Em Pauta: Teoria Social e Realidade Contemporânea está licenciada com uma Licença Creative
Commons Atribuição 4.0 Internacional.

214 EM PAUTA, Rio de Janeiro _ 2o Semestre de 2018 - n. 42, v. 16, p. 199 - 214
Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

O protagonismo
da juventude estudantil
alemã no Maio de 68

The leading role of German students in the events of May 1968

Sandra Oliveira Teixeira*

Resumo – Com o 50o. aniversário do chamado Maio de 68, este ensaio
tem por objetivo sistematizar algumas características acerca da emergência
e dinâmica do movimento estudantil nos anos 1960 na Berlim Ocidental,
cidade palco central da Guerra Fria. Após discorrer sobre o contexto his-
tórico de politização pela esquerda do movimento estudantil alemão e a
dinâmica das manifestações estudantis, destacamos duas conclusões: 1)
insurreições estudantis se opunham tanto à sociabilidade capitalista num
tempo de expansão do capitalismo, à guerra norte-americana no Vietnã,
como também ao silêncio diante do passado nazista, ao autoritarismo e
à universidade não democrática; 2) a ausência de vínculo orgânico entre
movimento estudantil e classe operária é em grande medida determinada
pela adesão do movimento operário ao reformismo social-democrata ale-
mão e ao passado nazista, que também contribui para dizimar lideranças
comunistas e socialistas.
Palavras-chave: Maio 68; movimento estudantil; movimentos políticos;
Berlim.

Abstract – With the 50th anniversary of the events of May 1968, this
essay aims to systematize some characteristics of the emergence and dyna-
mics of the student movement in the 1960s in West Berlin, the central
stage of the Cold War. After discussing the historical context of politici-
zation by the left of the German student movement and the dynamics of
student demonstrations, we highlight two conclusions. First, that student
insurrections were opposed both to capitalist sociability in a time of ex-
pansion of capitalism and the American war in Vietnam, and also to the
silence in face of Germany’s Nazi past, authoritarianism, and undemo-
cratic universities. Second, the absence of an organic link between the
student movement and the working class was largely determined by the
adherence of the workers’ movement to German Social-Democratic refor-
mism and the Nazi past, which also contributed to decimate communist
and socialist leaderships.
Keywords: May 1968; student movement; political movements; Berlin.

..............................................................................
* Doutora co-tutela em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Ciência Política pela Uni-
versidade Paris VIII (2012). Professora no Departamento de Serviço Social da UnB e pesquisadora no Grupo de
Estudos e Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho – GESST. Atualmente realiza pós-doutorado no Centro
Marc Bloch Berlin (CMB). Bolsista do CNPq - Brasil. Correspondência: Departamento de Serviço Social – UnB
Campus Darcy Ribeiro, ICC Norte, sala B1 519, Brasília-DF. CEP: 70910-900 Email: <[email protected]>.

EM PAUTA, Rio de Janeiro _ 2o Semestre de 2018 - n. 42, v. 16, p. 215 - 227 215
Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

} O PROTAGONISMO DA JUVENTUDE ALEMÃ – TEIXEIRA, S. O. }
DOI: 10.12957/REP.2018.39433

Introdução

No ano de 2018, foi comemorado o 50o. aniversário do chamado
Maio de 68. É preciso lembrá-lo, menos pelo sentimento nostálgico e mais
pela possibilidade de se inspirar em resistências e lições históricas, em seus
acertos e erros, para fortalecer e reinventar as lutas contra a exploração da
força de trabalho e contra as diversas formas de opressão na sociabilidade
burguesa. Com esse espírito, este ensaio tem por objetivo sistematizar al-
gumas características do movimento estudantil nos anos 1960 em Berlim
Ocidental, país palco central da Guerra Fria. Trata-se de uma primeira apro-
ximação ao tema e, desse modo, certamente apresentará algumas lacunas
sobre esse tempo histórico.

A onda Maio de 68 manifestou-se para além da temporalidade de
maio e do ano de 1968, bem como das fronteiras de Paris (França). No
mundo, os anos 1960 foram palco do enredo concreto da Guerra Fria, de
ciclos de ascensão e de curtos lapsos de depressão do capitalismo, bem
como de uma diversidade de ondas de protestos contrários às estruturas so-
ciais, políticas, culturais e econômicas. Estas ondas de manifestações, cons-
tituídas de diferentes ingredientes, sacudiram diferentes partes do mundo:
Estados Unidos, Senegal, França, México, Alemanha, Argélia, Brasil, Ar-
gentina, Japão, Itália, Holanda, Espanha e China, entre outros (DREYFUS-
ARMAND, 2008).

Diferentemente da experiência vivenciada na América Latina, na
qual a participação de estudantes na vida política não era um fenômeno
novo, a explosão de Maio “consagrara definitivamente a militância política
como um dos aspectos mais importantes dos movimentos estudantis mo-
dernos” nos países capitalistas centrais, considerando a politização de movi-
mentos estudantis na França, Itália, Alemanha e Estados Unidos (MARINI,
2016).

No caso dos movimentos estudantis latino-americanos, a novidade
foi o surgimento de novas características que os aproximam de elementos
que marcaram movimentos dos países capitalistas centrais, mas que se ex-
pressaram segundo as particularidades em cada país latino-americano. Do
conjunto dessas características, Marini (2016, p. 140) destaca dois pontos:

a crescente mobilização das massas estudantis, rompendo com a ação
das minorias vanguardistas de antigamente e também uma definição
ideológica mais nítida que, em vez de fundar a ação sobre os problemas
sociais em geral, traduzidos em palavras de ordem abstratas e estranhas
à consciência estudantil, dá lugar à militância fundada sobre uma cons-
ciência revolucionaria do papel dos estudantes na luta de classes.

Como bem analisou Marini (2016), a politização do movimento
estudantil na Alemanha foi vivenciada nos anos 1960. Em território alemão,
a partir de 1965, emergiu uma onda de movimentos de estudantes na Re-

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pública Federal da Alemanha (RFA), especialmente na Universidade Livre
de Berlim, sob influência de revoluções e lutas armadas que ocorriam em
Cuba, Congo e Vietnã (DUBOIS, 1998), bem como de ideias marxistas (Karl
Marx, Che Guevara, Herbert Marcurse). Em síntese, as insurreições giravam
em torno de oposições à guerra americana no Vietnã, à ditadura do xá ira-
niano, ao monopólio da imprensa Springer, às estruturas autoritárias, à ordem
estabelecida, à ordem industrial e suas consequências na sociedade, à refor-
ma universitária, à coalizão governamental, à legislação de estado de emer-
gência (Notstandsgesetze) e ao não enfrentamento do passado nazista pela
sociedade alemã. Tais insurreições também se moviam em prol da solida-
riedade ao chamado “Terceiro Mundo”.

Tendo isso em vista, este ensaio está organizado em duas seções,
para além da introdução e considerações finais. A primeira parte sistematiza
brevemente o contexto histórico de eclosão de manifestações estudantis
nos anos 1960 na Alemanha Ocidental. Em seguida, apresenta-se a dinâmica
das manifestações estudantis nesta época em Berlim Ocidental, cidade palco
central da Guerra Fria.

Solo histórico da vaga de manifestações na Alemanha Ocidental

Para apreender as particularidades do Maio de 68 na Alemanha,
é preciso situá-lo no contexto político-econômico-cultural alemão ocidental.
Neste solo histórico, é possível aproximar-se de algumas razões que explicam
a explosão de manifestações estudantis na RFA em 1965.

Até meados dos anos 1960, a Alemanha Ocidental, território divi-
dido em zonas de ocupação pelos Aliados (Estados Unidos, França e Reino
Unido) e pela construção do Muro em Berlim (1961), sob governo do chan-
celer federal Konrad Adenauer e posteriormente de Ludwig Erhard1, vincu-
lados à União Democrata Cristã (CDU), ainda vivia efeitos do “milagre econô-
mico” (Wirtschaftswunder) fundado na ideia de economia social de mercado,
um projeto inspirado no ordoliberalismo. O sucesso deste “milagre econô-
mico”, como analisou Hagemann (2000), contribuiu para o domínio do go-
verno de centro-direita na cena política dos anos da Guerra Fria.

Ao mesmo tempo, o regime democrático parlamentar, formado
pela coalizão CDU e Partido Liberal Democrata (FDP) no período 1961-
1966 e, posteriormente, pelo CDU e Partido Social Democrata Alemão
(SPD) após 1966, foi marcado pela quase inexistência de uma oposição
parlamentar. Além disso, a direção do governo se guiou pela convocação
de esforços coletivos para a reconstrução da sociedade alemã num contexto

..............................................................................
1 Ludwig Erhard foi nomeado pela CDU como chanceler federal em 1963, após renúncia de Konrad Adenauer,
primeiro chanceler alemão do pós-Segunda Guerra Mundial. Ludwig Erhard integrou os quatro governos do
chanceler Adenauer (1949-1963) e foi uma figura-chave, como ministro da Economia, na implementação do
Plano Marshall de reconstrução da Alemanha e do chamado “milagre econômico” (DW, 2012).

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de despolitização do passado nazista e do processo da Guerra Fria (BO-
ROWSKY, 2005).

Nesse tempo histórico, o governo foi complacente com o histórico
nazista quando permitiu que integrantes deste extinto regime ocupassem
cargos na política da Alemanha Ocidental. Um exemplo foi Hans Globke,
que se tornou um dos conselheiros do governo Adenauer e, anos antes, em
1936, teceu comentários sobre as Leis Raciais de Nuremberg, base jurídico-
legal para o Holocausto (HAUG, 1999; DW, 2016).

O “milagre econômico” do pós-Segunda Guerra Mundial, em
1966, foi tensionado por um enfraquecimento do crescimento econômico.
A tímida queda do crescimento econômico, no início dos anos 1960, foi
mais um dos ingredientes que provocaram pelo menos três efeitos: a for-
mação da grande coalizão CDU e SPD; a formação da Oposição Extra-
parlamentar (APO – Außerparlamentarische Opposition) e a revitalização
de tendências neonazistas, quando teve sucesso temporário o partido ultra-
direitista chamado Partido Nacional Democrático (NPD) (BOROWSKY, 1998).

Essa crise foi amortecida por um programa governamental de esta-
bilidade e crescimento, baseado na diretriz de “direção global” (Globalsteuerung).
Tal programa foi forjado entre concepções ordoliberais, em matéria de estabili-
dade monetária e regras de concorrência, e perspectivas keynesianas, como
um conjunto de medidas reunidas sob o lema “estabilidade e crescimento”.

O programa governamental consistia em medidas anticíclicas, de-
nominadas por “quadrilátero mágico” (magische Viereck): estabilidade de
preços, alto índice de emprego, equilíbrio do comércio exterior e crescimento
econômico. Dessa forma, este programa estava previsto em lei publicada
em maio de 1967, intitulada Lei sobre promoção da estabilidade e do cresci-
mento na economia (Gesetz zur Förderung der Stabilität und des Wachstums
in der Wirtschaft).

Contornados os sinais de enfraquecimento da economia de 1966,
com o novo programa governamental, o período de 1967 a 1970 foi uma
das fases com maiores aumentos de salários na história da Alemanha Oci-
dental (BOROWSKY, 1998). No período de 1967 a 1977, desenvolveu-se a
“Konzertierte Aktion”, um acordo entre Estado, associações empresariais e
sindicatos

dirigida para conseguir uma certa estabilidade dos preços e da dis-
tribuição do rendimentos, com a inclusão de limitações às demandas
salariais por parte dos sindicatos e de uma constante atenção dirigida ao
crescimento econômico. As partes se encontravam e trocavam infor-
mações sobre os processos macroeconômicos, despolitizando o con-
fronto e neutralizando as divergências de interesse. (VATTA, 1998, p.
163).

Cabe destacar que o ingresso do SPD na grande coalizão junto
com a CDU, que desde 1959 afastou-se oficialmente de ideias marxistas,

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contribuiu para ideias keynesianas no governo (HAGEMANN, 2000). Houve,
desde o fim dos anos 1950, uma inflexão histórica no campo da social-de-
mocracia alemã. O SPD deslocou-se do projeto socialista e aderiu ao projeto
de recomposição da hegemonia burguesa, que teve por base a fusão entre
ordoliberalismo e keynesianismo. De um partido classista dos trabalhadores
(Arbeitspartei), o SPD transformou-se em um “partido popular” (Volkspartei)
(MAZIÈRES-VAYSSE, 2010), quando cerca de 80% da população eco-
nomicamente ativa encontrava-se empregada (ABENDROTH, 1965). Esse
deslocamento levou inevitavelmente à saída de segmentos marxistas e anti-
autoritários do SPD. Entretanto, os radicais socialistas que foram expulsos
somente exerceram influência por meio da organização estudantil nas uni-
versidades, como será apresentado mais à frente (ABENDROTH, 1965).

A RFA, então sob o governo de uma grande coalizão, se carac-
terizava pela quase inexistência de uma oposição parlamentar. Diante deste
fato peculiar, em 1966, foi criada a Oposição Extraparlamentar (APO –
Außerparlamentarische Opposition), um dos passos dentro de um movimento
mais ampliado da geração mais jovem, especialmente estudantes. A direção
da APO foi conduzida pela Federação Socialista dos Estudantes Alemães
(SDS – Sozialistischen Deutschen Studentenbundes).

Sobre a origem da APO, é preciso considerar três elementos. Pri-
meiro, sua história tem relação com o movimento antinuclear em 1958,
quando o governo alemão discutia e deliberava sobre o uso de armas atô-
micas pelas Forças Armadas alemãs em plena Guerra Fria. Este movimento
levou às ruas cristãos, pacifistas e socialistas em protestos contra essa proposta
de armas atômicas. A Marcha de Páscoa (Ostermarsch), um movimento
contra o armamento nuclear, em sua primeira saída às ruas, em 1960, com
o lema “Luta contra a morte atômica”, mobilizou cerca de 1000 manifestantes
(BOROWSKY, 1998; HAUG, 2008).

O movimento antinuclear lançou a revista Das Argument no ano
de 1959, considerada a primeira revista de esquerda da Alemanha Ocidental.
Essa revista abordou vários temas, tais como teorias do fascismo, Terceiro
Mundo, sexualidade e meios de comunicação, os quais também compuseram
lutas de estudantes na década seguinte. A tiragem da revista, que existe
ainda hoje, saltou de 700 exemplares, em 1959, para 25 mil em 1969
(HAUG, 2008).

O segundo aspecto remete-se à ruptura entre a SDS e o SPD no
início dos anos 1960. Após o SPD ter abandonado a referência de luta de
classes no seio do programa adotado no Congresso de Bad Godesberg, em
1959, a SDS foi excluída do partido e se tornou uma ex-organização dos
estudantes do SPD (DUBOIS, 1998).

Quanto ao terceiro elemento, que se refere à quase inexistência
sistemática de laços entre movimento estudantil e movimento de tra-
balhadores, é preciso considerar a difícil situação do movimento de trabalha-
dores na Alemanha no pós-Segunda Guerra Mundial, como nos lembra

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Abendroth (1965). Essa situação foi penosa em razão de vários elementos:
apenas parte de lideranças militantes de trabalhadores sobreviveu às prisões
e aos campos de concentração do período nazista, dentre os quais a maioria
se encontrava desgastada fisicamente pelos anos de sofrimento; o retorno
de militantes ao território alemão ocorria gradualmente e, caso optassem
pela atuação política, esta deveria ser consoante as intenções políticas das
distintas potências de ocupação; na zona de ocupação soviética, em 1964,
a fusão entre o SPD e o Partido Comunista da Alemanha (KPD) no Partido
Socialista Unificado (SED) foi considerada, por trabalhadores de outras zonas,
como absorção do SPD em um KPD controlado pela União Soviética, o que
fortaleceu a orientação política do SPD, na Alemanha Ocidental, de en-
durecer a ação contra comunistas; houve um crescimento de desgosto pela
União Soviética e, com isso, contra comunistas, em razão de compor-
tamentos do Exército Vermelho na Alemanha e da expulsão de alemães de
Aliados da União Soviética (Polônia e Tchecoslováquia); a perda de influên-
cia do KPD e sua proibição, em 1956, na RFA. Na época, segundo matéria
do DW (2011), o KPD foi acusado de manter relações com Moscou e Berlim
Oriental, o que, em tempos de Guerra Fria, para o governo alemão ocidental
era uma ameaça à democracia2.

Esse solo histórico estimulou a participação do movimento estu-
dantil alemão na vida política. Apesar disso, diferentemente do que ocorreu
na França3, na RFA, a onda contestatória estudantil não foi marcada pela
relação de apoio recíproco entre o movimento estudantil e o movimento
operário (LANGGUTH, 2013).

Movimento estudantil nos anos 1960 em Berlim

De modo geral, a fermentação política das revoltas estudantis en-
volveu o movimento antinuclear, a reivindicação por reforma democrática
da universidade e a necessidade de processo de “desnazistificação”, azeitada
por aproximações às tendências marxistas, anti-imperialistas e anticoloniais.
Até a sua dissolução em março de 1970, a SDS, como afirma Juchler (2017),
foi fundamental para mobilizar estudantes.

A SDS foi um grupo heterogêneo e composto por diferentes corren-
tes ideológicas e políticas que rivalizavam entre si, mas que tinham bandeiras
de luta em comum e contra a sociedade capitalista, a universidade burguesa,
o autoritarismo no cotidiano da sociedade e a guerra norte-americana no

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2 Outro exemplo refere-se ao impedimento de entrada de Ernest Mandel em território alemão após maio de
1968, considerando as limitações de direitos individuais adotados na RFA contra militantes da extrema esquerda,
o que não o impediu de ofertar curso na Universidade Livre de Berlim no período de 1970-1971 (TOUSSAINT,
2014).
3 Ver entrevista de Daniel Bensaïd (2008) concedida a Mione Sales, que, ao abordar os 40 anos do Maio de 68
na França, aponta aspectos das relações de reciprocidade e tensão entre movimento estudantil e de operários no
contexto de lutas em Paris.

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Vietnã. De modo geral, havia as seguintes tendências: maoísta, trotskista,
marxista ortodoxa e “nova esquerda”, que aglutinou os grupos inspirados
em Hebert Marcuse, “guevarismo” e solidariedade aos povos do “Terceiro
Mundo” (MÜNSTER, 2008).

Uma das bases teóricas da crítica dirigida à sociedade por grupos
de estudantes passou pela redescoberta do marxismo, ligado aos elementos
da psicologia de Freud. Essa conexão foi criada por Herbert Marcuse, uma
das influências do movimento dos estudantes. O livro intitulado Homem
unidimensional, publicado em alemão em 1967, criticava a “sociedade
afluente” e o terror de consumo (BOROWSKY, 1998). Hebert Marcuse4 foi
um dos filósofos descendentes de Marx que marcou a vida político-cultural
dos anos 1960, especialmente na Alemanha. Juntamente com Marx e Mao,
tornou-se o trio MMM, que inspirou protestos (KONDER, 2010).

A seguir, serão apresentadas algumas manifestações realizadas
em Berlim Ocidental durante os anos 1960. De modo geral, convém destacar
que, mesmo antes do enfraquecimento da economia em 1966, brevemente
apresentado no tópico anterior, ocorriam reuniões nas universidades e ma-
nifestações na rua, questionando o autoritarismo, o consumismo, a estrutura
universitária e a ordem societária burguesa. Isso demonstra que, mesmo em
tempos de “milagre econômico” na Alemanha, a sociedade burguesa era
alvo de críticas e protestos estudantis.

As ações mais intensas da SDS começaram nas faculdades. Sob a
bandeira de “democratização da universidade”, a SDS e a Associação de
Estudantes Alemães (VDS –Verband Deutscher Studentenschaften) reivin-
dicavam: a supressão da antiga forma de autogestão acadêmica, centrada
no poder decisório de docentes permanentes, e a adoção de paridade entre
professores, assistentes e estudantes em instâncias deliberativas das fa-
culdades; o direito de representantes de estudantes envolverem-se em temas
amplos da política e não apenas com assuntos sobre a universidade; a reforma
geral das disciplinas e regras de avaliação (BOROWSKY, 1998, 2005).

Para mobilizar o público em seu favor, grupos estudantis alemães
inspiraram-se em formas de manifestações tais como go in; sit in5; teach in6,
adotadas por estudantes nos EUA nos anos 1960. A eclosão dessas mani-
festações nos EUA ocorreu quando estudantes negros, vítimas de segregação,
lideraram “revoltas do campus” em 1960 em Greensboro, na Carolina do
Norte (DREYFUS-ARMAND, 2008). Em Berlim, ocupavam tanto seminários
e reuniões de instâncias deliberativas na universidade e transformavam estes
espaços em reuniões de protesto, como também instalavam-se em locais

..............................................................................
4 Trata-se de um autor polêmico que, apesar das divergências que possam existir, teve inegável contribuição
para o pensamento crítico contemporâneo.
5 Consiste na ação pacífica de sentar-se em massa em via pública para desafiar a opinião (DREYFUS-ARMAND,

2008).
6 Consistem em atividades universitárias e extrauniversitárias organizadas pelos estudantes, tais como debates
(DUBOIS, 1998).

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fora das faculdades, a exemplo de bloqueio em ruas, como ocorreu em se-
tembro de 1967, devido à condenação do ativista Fritz Teufel.

Desde 1965, as revoltas dos estudantes exigiam não apenas re-
forma da universidade, como também transformação da sociedade. Por
exemplo, no ano de 1965, uma manifestação em forma de revolta social foi
desencadeada pela visita recebida pelo governo alemão de Moïse Kapenda
Tshombé, político do Congo e assassino de Patrice Lumumba, o primeiro-
ministro da República Democrática do Congo independente (HAUG, 2008).

Essa geração, grosso modo, questionava o não enfrentamento do
passado nazista e o foco direcionado exclusivamente para a recuperação
da Alemanha no pós-Segunda Guerra Mundial. A APO criticava que o resul-
tado dessa ignorância quanto ao passado foi um componente que contribuiu
para sedimentar uma sociedade consumista, complacente, dominada por
interesses do capital e de seus colaboradores, como a mídia. Questionava
também a implementação incompleta das normas democráticas segundo a
Constituição alemã e cobravam uma democratização de todas as áreas da
sociedade (BOROWSKY, 1998, 2005).

Sob liderança da APO, outro questionamento se deu acerca da
legislação sobre estado de emergência (Notstandsgesetze), proposta pela
coalizão governamental CDU e SPD. Apesar da aliança de interesses entre
estudantes e sindicatos contra a lei de emergência, as manifestações não
foram realizadas conjuntamente. A própria direção da Confederação Alemã
de Sindicatos (DGB – Der Deutsche Gewerkschaftsbund), em que pese a
discordância com essa legislação, não deflagrou greve geral.

Favoráveis à transformação da sociedade, conduziram várias ma-
nifestações pela Alemanha, especialmente em Berlim Ocidental, com cunho
anti-imperialista e anticolonial. O ano de 1966 teve as primeiras grandes
manifestações em Berlim. Na primavera deste ano, sob o chamado da SDS,
manifestantes protestaram contra a guerra do Vietnã e acusaram o governo
alemão de cumplicidade.

Em junho de 1967, um dos protestos foi contra a visita do xá ira-
niano, aliado dos EUA. Nessa manifestação, a escalada da repressão policial
resultou no assassinato do estudante Benno Ohnesorg, o que foi combustível
para radicalização do movimento estudantil.

A criação do projeto de Universidade Crítica em Berlim, em 1967,
constituiu-se em espaço de liberdade e discussão e, com isso, um ponto de
referência da oposição europeia à guerra norte-americana no Vietnã (DREY-
FUS-ARMAND, 2008). A Universidade Crítica lembrava que a legitimidade
do conhecimento não residia em si mesmo, mas em suas funções sociais, e
que o próprio trabalho científico era inconcebível se desvinculado da re-
flexão sobre as condições políticas deste trabalho e sem uma perspectiva
crítica da condição da universidade na sociedade (BENSAÏD, 2009).

Em Berlim Ocidental, capital de efervescência política, nos dias
17 e 18 de fevereiro de 1968, a SDS realizou o Congresso Internacional

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sobre o Vietnã na Universidade Técnica de Berlim. Este congresso atraiu
cerca de 5 mil estudantes e ativistas de dezenas de países, como Dale Smith,
representante negro do Comitê de Coordenação Estudantil Não Violento
(SNCC) nos EUA, e estudantes franceses, que posteriormente adotariam
alguns dos métodos de manifestações em Paris, inspirados pela onda de
protestos em Berlim Ocidental. Convém ressaltar que esse encontro, no
qual estudantes apresentaram identidade revolucionária (JUCHLER, 2017),
foi realizado na cidade palco da Guerra Fria mundial.

No segundo dia do evento, ocorreu uma manifestação na
Kurfürstendamm, que reuniu cerca de 15 mil pessoas, especialmente jovens,
que empunhavam bandeiras vermelhas, cartazes com rosto de Rosa Lu-
xemburgo, Ho Chi Minh e Che Guevara, entre outros revolucionários (ALI,
1988), temperadas por frases que portavam bom-humor: “Nós somos uma
minoria radical” (BENSAÏD, 2004). Esse protesto, planejado para seguir até
o setor de ocupação americana, havia sido proibido pela administração so-
cial-democrata Schultz-Neubauer, sob a justificativa de ameaça à ordem
pública e declaração de que a polícia “limparia as ruas com uma vassoura
de aço”. A social-democracia adotou, como solução para a “defesa da liber-
dade e da democracia”, a evocação da repressão policial, expressa, por
exemplo, na seguinte declaração de um chefe da polícia: “os atingiria tão
duramente que eles iriam correr todo o caminho até Moscou” (ALI, 1988).

Menos de dois meses após o congresso, em abril de 1968, foi rea-
lizada mais uma manifestação em Berlim. Rudi Dutschke foi vítima de um
atentado neste protesto, após forte campanha do grupo Springer, que o acu-
sara de inimigo número 1 da ordem pública. O seu algoz alegou que o
atentado contra uma das lideranças da SDS foi motivado por notícias veicu-
ladas pela mídia impressa do grupo Springer (BOROWSKY, 1998). Rudi
Dutschke, após recuperar-se do estado grave em decorrência de um tiro na
cabeça, “exilou-se” na Grã-Bretanha, de onde foi expulso, e depois na Di-
namarca7. A SDS convocou protestos em toda a Alemanha, além de ter
informado a várias lideranças estudantis no exterior sobre o atentado.

Tendo em vista a campanha de difamação contra estudantes e a
esquerda em geral, bem como o falseamento no relato dos protestos estu-
dantis, promovidos pelo grupo Springer, que editava jornais e revistas no
campo conservador e de ampla circulação, manifestações estudantis inten-
sificaram suas críticas e ações em oposição a esse forte grupo de mídia
impressa, incluindo a reivindicação de desapropriação do grupo Springer.

A partir do atentado contra Rudi Dutschke, protestos nas ruas foram
ampliados por milhares de estudantes, com destaque para o Maio de 68,
quando o parlamento entrou na fase final de decisão sobre a lei de emer-
gência (Notstandsgesetze). Um dos objetivos da política da APO consistia

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7 Rudi faleceu em 1979, em decorrência de sequelas do grave atentado sofrido em 1968. Ele aderiu à SDS em
1965, após sair da República Democrática Alemã (RDA/Alemanha Oriental), antes da construção do Muro de
Berlim, e se tornou um dos principais líderes desta organização estudantil socialista alemã.

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na abolição dessa proposta de lei de emergência, o que foi apoiado por al-
guns membros de sindicatos, luteranos, intelectuais, docentes. Entretanto,
os sindicatos alemães não aceitaram as demandas da APO para entrar em
greve e fortalecer o movimento (BOROWSKY, 1998).

Como a história mostrou, a existência de condições revolucionárias
não significa a chegada de uma revolução. A partir de 1968, especialmente
após a dissolução da SDS em 1970, várias tendências do movimento es-
tudantil se fragmentavam em pequenos grupos: maoístas, trotskistas, leni-
nistas, grupos cívicos, feministas (BOROWSKY, 1998). Uma parcela de estu-
dantes optou pela violência radical, ainda que sem vínculo orgânico com
as massas e capacidade para organizá-las, num contexto no qual o movi-
mento operário estava rendido ao reformismo social-democrata. Essa alter-
nativa de ação por um projeto revolucionário teve, como uma das organiza-
ções mais conhecidas, a Fração do Exército Vermelho da Alemanha, também
denominada por Grupo Baader-Meinhof.

Outros desdobramentos desse período de politização do mo-
vimento estudantil foram: o envolvimento de militantes em projetos partidá-
rios de cunho reformista, como a criação do Partido Verde e composição
de tendências mais à esquerda no âmbito do SPD; o debate da política para
além dos espaços do partido político e o ingresso em carreiras do Estado
(BOROWSKY, 1998). Diante das lutas dos estudantes e, em menor medida,
de trabalhadores, em maio de 1968 foi realizada a reconstituição do Partido
Comunista Alemão, sob a sigla DKP (Deutsche Kommunistische Partei), tendo
em vista a extinção do KPD na RFA (KÖBELE, 2017).

Conclusão

A onda de protestos no Maio de 68 em Berlim Ocidental, palco
central da Guerra Fria, foi marcada pelas seguintes características: 1) pro-
tagonismo da juventude estudantil alemã nas mobilizações, bem como sua
articulação com grupos estudantis no exterior; 2) insurreições estudantis
em oposição à sociabilidade burguesa, num tempo de expansão do ca-
pitalismo e de pequenas fases de enfraquecimento econômico, oposição à
guerra norte-americana no Vietnã, ao autoritarismo, à universidade não
democrática e ao silêncio diante do passado nazista; 3) ausência de vínculo
orgânico entre movimento estudantil e classe operária, em grande medida
determinada pela adesão do movimento operário ao reformismo social-de-
mocrata alemão e ao passado nazista, que também contribui para dizimar
lideranças comunistas e socialistas.

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Recebido em 27 de abril de 2018.
Aprovado para publicação em 30 de julho de 2018.

A Revista Em Pauta: Teoria Social e Realidade Contemporânea está licenciada com uma Licença Creative
Commons Atribuição 4.0 Internacional.

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História do Serviço Social –
resgatando uma história
de mulheres

History of Social Work – Recuperating a history of women

Rita Freitas*
Nivia Barros**
Adriana Mesquita***
Iris da Silva****

Resumo – Este texto tem como objetivo resgatar a participação feminina
na constituição da história do Serviço Social, dando visibilidade aos cami-
nhos percorridos e aos papéis desempenhados por algumas mulheres.
Para isso, analisamos o caso das pioneiras da Escola de Serviço Social de
Niterói, da Universidade Federal Fluminense (ESSN/UFF). O resgate de
suas falas, através da história oral, foi o caminho metodologicamente tra-
çado. Iniciamos o texto revisitando a história profissional para, em seguida,
discutirmos acerca da necessidade de retirar da invisibilidade o prota-
gonismo dessas mulheres ao construir uma profissão. Aprofundar essa
dimensão aponta para a importância de pensarmos algumas questões,
como a história das mulheres, o uso da dimensão do gênero e os femi-
nismos na pesquisa acadêmica, o que compreendemos como um grande
desafio que se coloca para a profissão.
Palavras-chave: história do Serviço Social; feminismo; gênero e história
das mulheres.

Abstract – This text aims to recuperate the participation of women in the
constitution of the history of social work, giving visibility to the paths co-
vered and the roles played by women. In order to do this, we analyze the
case of the pioneers of the Universidade Federal Fluminense’s Niterói
School of Social Service (ESSN/UFF). The recuperation of their speeches,
through oral history, was the methodological route. We begin the text re-

..............................................................................
*Assistente Social. Professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense. Doutora em Ser-
viço Social pela UFRJ, Pós-Doutora pelo Centro de Estudos Sociais CES-UC. Correspondência: UFF – Campus do
Gragoatá, Bloco E, sala 418, São Domingos, Niterói – RJ. CEP: 24210-201. Email:<[email protected]>.
** Assistente Social. Professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense. Doutora em
Psicologia Social pela PUC-RJ. Pós-Doutora pelo Centro de Estudos Sociais CES-UC. Correspondência: UFF -
Campus do Gragoatá, Bloco E, sala 418, São Domingos, Niterói – RJ. CEP: 24210-201. Email: <barros.nivia@
gmail.com>.
*** Assistente Social. Professora da Escola de Serviço Social da Universidade Veiga de Almeida. Doutora em Po-
líticas Públicas pela UFRJ. Correspondência: UFF – Campus do Gragoatá, Bloco E, sala 418, São Domingos,
Niterói – RJ. CEP: 24210-201. Email: <[email protected]>.
**** Assistente Social, Graduada pela Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense. Corres-
pondência: UFF – Campus do Gragoatá, Bloco E, sala 418, São Domingos, Niterói – RJ. CEP: 24210-201. Email:
<[email protected]>.

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visiting the professional history and then discuss the need to remove from
invisibility the protagonism of these women when building a profession.
Deepening this dimension points to the importance of thinking about
some issues, such as the history of women, the use of the gender dimension
and feminisms in academic research, which we understand as a great
challenge for the profession.
Keywords: history of social work; feminism; gender and women’s history.

Introdução1

O Serviço Social é uma profissão inserida na divisão social e téc-
nica do trabalho, que emerge e se gesta entre os anos de 1930 e 1940, no
contexto de aprofundamento do capitalismo monopolista brasileiro e do re-
conhecimento da questão social. Recentemente, comemoramos 80 anos de
uma profissão legitimada e reconhecida na sociedade brasileira, que contou
com a presença e atuação de muitas mulheres para que isso acontecesse.
Todavia, isso parece não ter visibilidade e reconhecimento no meio pro-
fissional.

Acreditamos ser importante, quando estudamos a história do Ser-
viço Social, aprofundar os estudos e pesquisas sobre a presença e o papel
dos diferentes atores políticos que participaram ativamente da efetivação e
continuidade do Serviço Social. Estamos afirmando que poucos estudos
dão notoriedade aos caminhos percorridos por essas mulheres e às estratégias
(políticas, econômicas, etc.) usadas, ao longo dos anos, para a institucio-
nalização da profissão. Nesse sentido, revisitar e resgatar a trajetória histórica
da profissão se torna importante diante da particularidade que o Serviço
Social tem de ser uma profissão majoritariamente feminina e construída por
mulheres2.

Assim, temos como objetivo resgatar a participação feminina nessa
história, dando visibilidade aos caminhos percorridos e papéis desempe-
nhados por algumas mulheres. Para isso, analisamos o caso das pioneiras
da Escola de Serviço Social de Niterói, da Universidade Federal Fluminense
(ESSN/UFF3). Nosso argumento parte da compreensão de que a história não
pode ser apenas dos “grandes acontecimentos”, dos grandes eventos, mas
também dos processos cotidianos, dos espaços micros, do dia a dia dos
diferentes sujeitos sociais. Afinal, como afirmou Walter Benjamim (1994)
nada do que aconteceu um dia pode ser considerado perdido para a hu-
manidade4.

..............................................................................
1 Uma versão inicial e resumida desse texto foi encaminhada para o XV Enpess, em 2016, por suas autoras.
2 As reflexões apresentadas foram produzidas no âmbito do núcleo de pesquisa do qual fazemos parte, o Núcleo
de Pesquisa Histórica sobre Proteção Social/Centro de Referências Documentais (NPHPS/CRD), pertencente à
Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense.
3 Essa pesquisa contou com o apoio do CNPq e foi concluída em 2012. Para seu desenvolvimento, foram ouvidas
as professoras pioneiras da ESSN/UFF.
4 Ver, neste sentido, Chartier (1990) e Sharp (1992) que refletem acerca da história “vista de baixo”.

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Dessa forma, o foco da análise está no surgimento da profissão do
Serviço Social e no papel desempenhado pelas mulheres que a pratogo-
nizaram, tendo como ponto de partida uma epistemologia feminista5. Tal
epistemologia, além da preocupação em resgatar as mulheres como sujeitos
históricos, tem como pressuposto a negação das noções de neutralidade,
objetividade, racionalidade e universalidade da ciência – pressupostos
também partilhados por boa parte da literatura atual do Serviço Social. Par-
timos do entendimento de que a história do Serviço Social é, também, uma
história de mulheres que construíram e ainda constroem essa profissão6.

A história oral7 foi a metodologia utilizada nessa pesquisa por
possibilitar o resgate da fala desses sujeitos – habitualmente esquecidos na
“história oficial”8. Uma vez que as mulheres e os homens fazem a sua história
a partir de condições concretas, não podemos esquecer que estas são
atravessadas pelas dimensões de gênero, raça, classe social, cultura, geração,
entre outras. Dentre elas, neste texto, enfatizaremos a dimensão de gênero.

Sobre essa metodologia, uma observação é importante de ser feita.
Os estudos do cotidiano ajudam no reconhecimento do caráter público do
mundo privado, o que até a década de 1960 não era discutido pela histo-
riografia. Como afirmam Freitas e Braga (2012, p. 14),

esses estudos junto com as produções intelectuais históricas – concen-
trada na micro-história – ressaltaram a conexão inseparável entre as es-
feras privada e pública. Para Costa (2003) o que realmente mudou foi a
perspectiva – já não interessa mais narrar apenas os ‘grandes feitos’ dos
‘grandes homens’. Como afirma essa autora, os estudos biográficos, as
histórias de vida, que se referem à diversidade das pessoas e a sua plura-
lidade muitas vezes esquecida, representam uma dupla mudança nas
abordagens no campo da história: do homem incomum para o comum;
do sujeito único para o múltiplo. Um dos maiores desafios está na cons-
tatação de que homens e mulheres comuns ou incomuns vivem ex-
periências diversas em relação aos processos sociais.

Dessa forma, dividimos o texto em três partes. Na primeira seção,
revisitamos a história profissional, dando ênfase às análises atualmente he-
gemônicas que estudam o momento de criação do Serviço Social. Em
seguida, buscamos resgatar o papel das mulheres enquanto sujeitos nesse
processo, através da pesquisa realizada sobre a história das pioneiras da

..............................................................................
5 Ver: Narvaz e Koller (2006), Neves e Nogueira (2005) e, também, as reflexões de Santos (2006, 2012) acerca do
ativismo na Academia como estratégia política para a construção de uma “Academia sem armários”. Nesse sen-
tido, esta autora trabalha com a noção de uma “Sociologia Pública” e comprometida.
6 Para uma aproximação maior à história das mulheres, ver Perrot (1988), Scott (1992), Farge (1991) ou Soihet e
Pedro (2007), entre outras.
7 Acerca da história oral, ver: Ferreira e Amado (1996), Alberti (2005) ou Portelli (1996).
8 Nesse sentido, é necessário fazer um comentário em relação à chamada “nova história”, já que esta busca ou-
vir várias vozes, propondo inclusive um diálogo com o marxismo. Trata-se, nas palavras de Peter Burke (1992),
de uma perspectiva histórica que se interessa por toda a atividade humana, intentando um diálogo com outras
abordagens.

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ESSN/UFF. Por fim, concluímos com algumas considerações acerca dos de-
safios a serem enfrentados na construção da história do Serviço Social, em
que as mulheres sejam reconhecidas e façam parte desse processo.

Revisitando a história profissional

Nos últimos anos, tem havido uma extensa produção bibliográfica
sobre a história do Serviço Social no Brasil9. O livro de Iamamoto e Carvalho
(1996) é fundamental para compreender o significado histórico da profissão
no processo de reprodução das relações sociais na sociedade capitalista
brasileira e sua inserção na divisão social e técnica do trabalho, mediante o
uso de categorias fundamentais da análise marxista. Como afirmam os au-
tores, “a apreensão do significado histórico da profissão só é desvendada
em sua inserção na sociedade capitalista, pois ela se afirma como instituição
peculiar na e a partir da divisão social do trabalho” (IAMAMOTO; CAR-
VALHO, 1996, p. 16). Esse tipo de análise permitiu apreender as implicações
políticas, históricas e sociais do exercício profissional, como também as
dimensões objetivas e subjetivas que permeiam o trabalho do assistente so-
cial.

No Brasil, com o avanço do chamado Movimento de Reconceitua-
ção do Serviço Social10, a vertente crítico-dialética (NETTO, 2011), pau-
latinamente, consegue hegemonia na direção da categoria profissional
através de um amplo movimento de revisão global, em diferentes níveis:
teórico, metodológico, operativo e político. Isso marcou a aproximação cada
vez maior com a teoria de Marx como forma de entender a realidade e o
Serviço Social, ocasionando a construção das Diretrizes Gerais para o Curso
de Serviço Social de 1996, na efetivação do novo Código de Ética Profissional
de 1993 e na revisão da Lei de Regulamentação da Profissão, de 1996.

Para Iamamoto e Carvalho (1996), durante o período de surgimento
do Serviço Social brasileiro, o país vivia um momento de intensa agitação
política, econômica e social. O contexto era de generalização do trabalho
livre, do aumento da imigração, do desenvolvimento urbano, do processo
de industrialização e de organização da classe trabalhadora. O surgimento
de uma classe trabalhadora mais consciente de sua situação de exploração
e organizada fez com que se desse notoriedade à situação de pobreza e mi-
séria que se vivia, ou seja, à questão social. Conforme Iamamoto e Carvalho
(1996, p. 77),

..............................................................................
9 Ver: Iamamoto e Carvalho (1996), Netto (2011), Backx (1994), Yazbek (2009), Oliveira e Chaves (2017) entre
outros.
10 Um marco foi o chamado “Congresso da Virada”, de 1979. O Movimento de Reconceituação se inicia na

América Latina na década de 1960, fazendo uma crítica ao Serviço Social tradicional e propondo uma perspectiva
crítica de compreensão da realidade. No Brasil, tem início uma ditadura militar que durou 20 anos. Dessa forma,
foi no final dos anos 1970 que se inicia a aproximação com a perspectiva crítica marxiana.

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a questão social não é senão as expressões do processo de formação e
desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político
da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do
empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social,
da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir
outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão.

Tais apontamentos deixam clara a efervescência e tensão social
presentes no momento de emergência do Serviço Social. Isso levou a uma
ação conjunta entre Estado, empresariado e Igreja, ainda que com interesses
divergentes, com objetivo de formar uma aliança de cariz moralizador e
disciplinador frente à sociedade e suas demandas postas. Desse modo, o
Estado assumiu a regulação das tensões entre capital e trabalho através da
efetivação de um conjunto de iniciativas (como a criação de leis sindicais,
sociais e trabalhistas e de grandes instituições assistenciais), visando ao aten-
dimento das necessidades sociais das classes trabalhadoras. Foi nesse mo-
vimento de controle dos conflitos sociais que ocorreu o reconhecimento da
questão social e, com isso, o surgimento do Serviço Social.

Nesse contexto, os assistentes sociais trabalhariam diretamente
na contradição existente na relação capital-trabalho, nas situações de po-
breza e miséria postas aos trabalhadores e sua família. A atuação profissional
será orientada por uma prática “de cunho humanista conservador contrário
aos ideários liberal e marxista na busca de superação da hegemonia do
pensamento social da Igreja em face da ‘questão social’” (YAZBECK, 2009,
p. 131).

O que a literatura, de forma geral, nos mostra é que as intervenções
estavam pautadas nas concepções ideopolíticas da classe dominante, em
seus valores morais e sociais, no ajustamento individual às normas e no
combate à ociosidade e à vadiagem como elementos constitutivos dessa
formação. Todo esse cenário desencadeou a fundação da primeira escola
de Serviço Social no Brasil em 1936, sediada em São Paulo, e, em 1937, no
Estado do Rio de Janeiro11.

Backx (1994) e Iamamoto e Carvalho (1996) concluem que a
institucionalização do Serviço Social, no Brasil, foi feita de forma interligada
às atividades e à doutrina social da Igreja Católica, com o respaldo do Estado
brasileiro. Essa perspectiva de análise, ainda que fundamental, precisa rela-
tivizar o contexto cultural da época e as limitações de gênero existentes.
Por isso, destacamos a importância de se pensar as diversas experiências,
no espaço das microrrelações, no qual se desenvolve o processo de cons-
trução das identidades.

A literatura da história das mulheres tem buscado problematizar
o fato de que foi nas profissões ligadas ao “cuidado” (como é o caso do Ser-

..............................................................................
11 Outras escolas surgiram nos estados de Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte, entre
os anos de 1940 e1945, mediadas por suas especificidades regionais e políticas.

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viço Social, enfermagem, pedagogia) que muitas mulheres conseguiram uma
primeira forma de “saída”12 de seus lares para os espaços públicos. Isso
pode e deve ser pensado como estratégia política de ruptura dos papéis que
lhes eram atribuídos socialmente por uma sociedade conservadora, machista,
sexista, heteronormativa.

Cabe ressaltar que o sexismo e o machismo repousam na crença
naturalizada de que as características biológicas justificam a diferenciação
social entre homens e mulheres, resultando na subordinação da mulher e
no empoderamento masculino. Desse modo, o machismo se perpetua a
partir da compreensão de que os homens são naturalmente superiores às
mulheres (SILVA, 2016). O conceito de gênero tem como uma de suas con-
tribuições exatamente a desnaturalização dessas diferenças. A hetero-
normatividade, por sua vez, se apoia na crença de que as características
heterossexuais são naturais e, por isso mesmo, marginaliza quem não se
encaixa nesse padrão social; ou seja, se apoia numa perspectiva biologista
de que existem apenas duas possibilidades em relação à anatomia sexual
humana: homem/mulher; macho ou fêmea (SANTOS, 2017).

No que se refere às “saídas” de seus lares por essas vias, evidencia-
se que foram responsáveis por mudar a visão de mundo das mulheres e pos-
sibilitaram o trabalho no campo social13. Assim, um conceito com o qual
optamos por trabalhar é o de “sair”, de Michelle Perrot (1991). Esse conceito
faz referêrencia às saídas aos espaços públicos que caracterizam a vida de
algumas mulheres, uma ação marcada pelo “sair físico” e “sair moral”. O
sair físico assinala o ato de viajar e conhecer lugares diferentes, entrar num
bar para beber e conversar, estar nas ruas e praças públicas etc. Ou seja,
realizar atividades e frequentar lugares até então proibidos às mulheres.

O sair moral pode ser compreendido como “a fuga dos papéis de
gênero”14, fuga que ressignifica os espaços antes reservados às mulheres e
estabelece novas formas de socialização dos seres humanos. Segundo Lole,
Almeida e Freitas (2017, p. 3), “um dos legados dos estudos de gênero é a
imbricação entre conhecimento e luta política, expressando uma estreita
articulação entre os estudos de gênero e o movimento feminista, importante
para a visibilidade teórica e prática das mulheres dentro e fora da academia”.
Dessa forma, como afirma Perrot (1991, p. 522),

Mais que uma viagem de consumo cultural, interessa-nos aqui a viagem-
ação, aquela que através da qual as mulheres tentam uma verdadeira
‘saída’ para fora de seus espaços e de seus papéis. Para essa transgressão
é preciso uma vontade de fuga, um sofrimento, a recusa de um futuro
insuportável, uma convicção, um espírito de descoberta ou de missão.

..............................................................................
12 Ver: Perrot (1991).
13 Ver, nesse sentido, Mott (2003), Pereira (2015), Perrot (1991) e Silva (2016).
14 As reflexões acerca das relações de gênero nos ajudam a entender como essas ações e atitudes são naturalizadas,
justificando espaços femininos e masculinos. Ver: Scott (1990) ou Butler (2003), entre outras.

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Ou seja, é no ato do “sair” aos espaços públicos, de frequentar
outros territórios, de acessar novas culturas que as mulheres são impactadas
e iniciam uma nova jornada de rupturas e transgressões à ordem vigente.
Neste ponto de vista, trabalhar na perspectiva de uma história das mulheres
pode trazer novos elementos.

Como vimos, o surgimento do Serviço Social se deu num cenário
de extrema movimentação nas áreas social, política e econômica do país,
contexto esse já bem debatido na categoria. Mas, para além dos movimentos
da classe trabalhadora e das questões da esfera produtiva, movimentos di-
versos começaram a aparecer. Como exemplo disso, temos as várias mo-
vimentações feministas, no Brasil e no mundo, que vive, neste momento,
sua Primeira Onda15.

No Brasil, ainda no século XIX, podemos perceber a existência de
movimentações feministas, como demonstra a produção de Nísia Floresta,
considerada uma das primeiras feministas brasileiras (BANDEIRA; MELO,
2010). Não se tratava exatamente da criação de um movimento feminista,
mas era a manifestação das insatisfações femininas, constituindo-se, in-
clusive, uma imprensa, cujo primeiro periódico, O Jornal das Senhoras,
data de 1852. Ainda no século XIX apareceram mulheres que lutaram pelo
direito ao voto, mas de forma individual, tendo sido fundado, em 1910, o
Partido Republicano Feminino.

Não podemos esquecer que a primeira fase do feminismo foi mar-
cada pela luta das mulheres pelo direito ao voto, sendo Bertha Lutz uma
das líderes desse movimento no país. Para Celi Pinto (2003, p. 26), o feminis-
mo de Bertha representava “um feminismo ‘bem comportado’ na medida
em que agia no limite da pressão intraclasse, não buscando agregar nenhum
tipo de tema que pudesse pôr em xeque as bases da organização das relações
patriarcais”.

Contudo, ao falar sobre o feminismo de Bertha Lutz, Rachel Soihet
(2000, p. 98) relativiza essa interpretação recorrendo a Michel de Certeau,
para lembrar que é “necessário desvendar as sutilezas engendradas cria-
tivamente pelos dominados, com vistas a reagir a opressão que sobre eles
incide”. Ou seja, enquanto algumas mulheres lançavam mão de táticas que
lhes permitiam reempregar os signos da dominação, marcando uma resis-
tência, outras já se rebelavam abertamente. Uma referência, neste sentido,
foi a anarquista Maria Lacerda de Moura, para quem a luta pelo voto iria
beneficiar poucas mulheres. Contudo, é importante demarcar que não se
deve fazer um juízo de valor acerca dessas lutas e entender que estas se
constroem no devir histórico, dentro de um campo de possibilidades (VELHO,
1994).

Isso levou os movimentos feministas e de mulheres a terem
destaque, possibilitando a inserção, cada vez maior, de mulheres na cena

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15 Ver: Bandeira e Melo (2010) e Pinto (2003), por exemplo.

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pública e política brasileira. Basta pensar na primeira-dama Darcy Vargas16,
bem como na sua filha, Alzira Vargas. Ambas, mesmo não podendo ser
caracterizadas como feministas, foram figuras atuantes na política e na
preocupação com uma formação técnica, já que se ampliavam as obras
assistenciais, registrando, assim, a atenção com o social e, necessariamente,
com a demanda por profissionais capacitados para trabalhar nesta área. A
intervenção do Estado (principalmente com Alzira Vargas) se fez presente,
por exemplo, na criação da ESSN/UFF17 (FREITAS et al., 2009).

Outro aspecto que marca essa trajetória é o pertencimento de
classe das chamadas pioneiras. Essas são vistas, habitualmente, como neces-
sariamente das elites brancas; entretanto, em nossas pesquisas, nos depa-
ramos com pioneiras advindas das camadas pobres do interior do Estado18.
Costa (1995), igualmente, traz elementos interessantes para entender esse
processo ao recordar que a ESSN/UFF integrava e acolhia as mulheres des-
casadas, negras19 e espíritas. Dessa forma, examinar em profundidade e ex-
pandir os estudos locais de outras escolas, destacando as suas protagonistas20,
aponta para novas possibilidades na reconstrução da história da profissão
do Serviço Social.

Faz tempos que descobrimos que a história não é necessariamente
o que aconteceu e da forma como aconteceu; mas um olhar do presente
que se volta sobre o passado e busca compreendê-lo com base no lugar em
que estamos hoje.

O surgimento da ESSN/UFF – Uma história de mulheres

A história dos “outros” (mulheres, negros, loucos, trabalhadores,
idosos, crianças – diversos “outros”) ocupou sempre uma posição minoritária
numa história branca, dominante, ocidental e heterocentrada. O Serviço
Social é uma profissão historicamente constituída por mulheres e que atende,
prioritariamente, a mulheres. O olhar feminista e os estudos de gênero nos
ajudam a pensar essa dimensão.

Partindo do entendimento que somos uma categoria profissional que
possui necessariamente o contato com o humano em sua diversidade,

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16 Darcy Vargas, esposa de Getúlio Vargas, desenvolveu ações com preocupações sociais, criando instituições
como o Abrigo Cristo Redentor, Casa do Jornaleiro e Legião Brasileira de Assistência. Alzira Vargas, filha deles,
também desempenhava papéis políticos, sendo esposa de Ernani do Amaral Peixoto, governador do Rio de
Janeiro. Destaque-se sua contribuição para a criação da LBA Fluminense e de escolas, como a de Serviço Social.
17 Não se pretende, aqui, generalizar os resultados dessa pesquisa. Mas entendemos que tais considerações pos-
sam ser úteis para pensar a história do Serviço Social e reconhecer a necessidade de estudos a partir de outras
realidades e outras dimensões de análise.
18 Ver: Freitas et al. (2009) ou Costa (1995).
19 É uma outra dimensão a ser destacada, principalmente se pensarmos o cotidiano profissional hoje, no qual te-
mos muitas alunas negras.
20 Ou seja, mulheres, agregando, é claro, de forma interseccional essa dimensão a outras, como raça, classe,
geração ou orientação sexual.

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compreendemos que a reflexão acerca do gênero seja fundamental quer
para pensar os usuários de nossos serviços, quer para poder repensar a
nós próprios. (LOLE, ALMEIDA; FREITAS, 2017, p. 4).

Nas experiências em sala de aula, ouvindo nossos alunos, parece
que pouco se pode acrescentar para ponderar sobre a história da profissão:
como se ela tivesse surgido apenas da ação de uma elite voltada para contro-
lar os trabalhadores. Nessa visão, que podemos considerar como hegemô-
nica, existem temas poucos explorados pela historiografia profissional e que
poderiam enriquecer a análise da trajetória profissional. Como já afirmava
J. Scott (1992, p. 144), “reivindicar a importância das mulheres na história
significa necessariamente ir contra definições de história e seus agentes já
estabelecidos como ‘verdadeiros’, ou pelo menos, como reflexões acuradas
sobre o que aconteceu (ou teve importância no passado)”. Estamos afirmando
que precisamos levar em consideração as particularidades que permeiam a
nossa profissão.

Retomando as reflexões de Perrot (1991), entendemos que foram
as “saídas” das mulheres dos espaços socialmente estipulados como femi-
ninos, das preocupações privadas, que as permitiram adentrar no mundo
público, ainda que para atuar em espaços tidos como femininos. É esse
protagonismo feminino que queremos realçar: resistências e lutas marcam
a vida e a história de muitas mulheres. São essas questões que destacamos,
nos voltando para esse passado, que está tão longe e, ao mesmo tempo, tão
próximo de nós. Lembrando o poeta (e músico) Paulinho da Viola, é
importante pensar que não vivemos no passado, mas o passado vive em
nós21.

Entretanto, não se quer apenas conhecer e reviver esse passado.
Esse resgate busca um novo olhar para fatos dados, de modo que se possam
entender e ressignificar as ações do presente e conjecturar outras para o
futuro. Como afirma Coutinho (2011, p. 22): “o passado resgatado tem im-
portância na medida em que diz aos interlocutores atuais alguma coisa
sobre o presente e, dessa forma, permite uma ação voltada para o futuro”.

A noção de experiência, enfatizada por Thompson (1987), con-
tribui para nos aproximar do cotidiano das mulheres (ontem e hoje, na
verdade). Estamos falando de mulheres que, quebrando barreiras, conquis-
taram não só seu espaço na sociedade, mas igualmente arquitetaram uma
profissão (FREITAS et al., 2009). Ademais, fizeram isso num tempo em que
a participação delas no mundo público ainda era muito mais difícil.

Podiam ter uma preocupação meramente caritativa? Sim, podiam.
No entanto, isso não é necessariamente uma dimensão negativa. As atuais
posturas voltadas para as dimensões cidadãs e de transformação social têm
necessariamente uma perspectiva humanista subsidiando-as. O que estamos

..............................................................................
21 VIOLA, P. Meu mundo é hoje. Disponível em: <http://blogln.ning.com/main/error/404?filename=profiles/blogs/
paulinho-da-viola-meu-mundo>. Acesso em: 4 dez. 15.

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afirmando é que as ações de ajuda, caridade e filantropia não devem ser
tratadas de forma pejorativa quando se pesquisa as primeiras formas de
atuação das assistentes sociais; diferente disso, notamos que, com essas
atividades, novas ações e interpretações foram sendo pensadas e gestadas
pelas mesmas, proporcionado inquietações variadas que levaram a modi-
ficações da prática profissional22.

Foi a partir dessas saídas que mulheres de camadas médias – mas
também das camadas populares23 – puderam conhecer outros mundos, outras
realidades, vivenciar outras experiências, gerir fundos públicos e privados,
bem como instituições, chegando a contestar inclusive a gestão masculina
(PERROT, 1991). Foram mulheres que criaram instituições, politizaram festas,
enfim, construíram um saber e uma atividade que as colocaram em lugares
de poder.

Se, no início, o alvo da ação profissional eram os trabalhadores e
suas famílias (mulheres, crianças e idosos), em muitos casos a alteridade
deve ter feito parte do cotidiano dessas profissionais, em práticas formadas
de identidades que se estabeleciam entre elas e os sujeitos atendidos. O im-
portante é pensar que “esse cadinho de identidade foi, nos limites do político
e do social, do público e do privado, do religioso e do moral, um laboratório
de experiências” (PERROT, 1991, p. 510). Por isso, sem desmerecer as críticas
que possam ser feitas às ações de ajuda, caridade e filantropia, devemos
tentar compreender que, paradoxalmente, esse foi também um espaço im-
portante para a saída das mulheres de seus cotidianos de gênero. Ensinar,
tratar e assistir há anos vêm se constituindo como a base das chamadas
“profissões femininas”. As perspectivas de vocação e voluntariado foram
importantes num primeiro momento, para, em seguida, proporcionar a cons-
trução de novas práticas profissionais: “pelo campo do social as mulheres
veem ser-lhes reconhecida uma competência que legitima o seu desejo de
autonomia gestionária” (PERROT, 1991, p. 508).

Freitas et al. (2009) e Costa (1995) apontam a importância de Al-
zira Vargas na trajetória de construção da ESSN. Sob direção da “Alzirinha”24,
a Legião Brasileira de Assitência (LBA) consolidou a organização de cursos
intensivos de treinamentos do voluntariado. Dentre estes, estava o de visi-
tadoras sociais, que viabilizou a aproximação das alunas à realidade existente
nas comunidades e demais regiões vulneráveis, ocasionando diretamente o
surgimento da ESSN/UFF25.

..............................................................................
22 A Revista Gênero em 2015 publicou o Dossiê Gênero, Assistência e Filantropia. Como afirma Martins (2015,
p. 9), o traço comum entre os textos do dossiê é “a busca pelo protagonismo feminino a partir de práticas até
bem recentemente consideradas pela história das mulheres e também pela história do Serviço Social como re-
presentativas do conservadorismo de classe e da subalternidade das mulheres de elites, restritas a atividades
sociais mitigadoras e normatizadoras da vida das pessoas mais pobres”.
23 Ver: Freitas et al. (2009).
24 O apelido Alzirinha se encontra na obra de Costa (1995).
25 Não se trata de dizer que os homens se ausentaram desse cenário; ao contrário, a presença masculina se fazia
presente. A criação da ESSN “projetou e consolidou o campo assistencial como o da mulher fluminense, mas
sob o amplo aplauso dos homens desse Estado” (COSTA, 1995, p. 26).

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Qual o perfil das mulheres que compunham as turmas iniciais da
escola? Convocadas para participarem do curso de Serviço Social, as pro-
fessoras primárias que residiam e atuavam no interior do Estado do Rio de
Janeiro26 foram deslocadas em regime de comissionamento (em que recebiam
seus salários integrais até o término de sua formação acadêmica profissional).
Logo, pessoas de poucos recursos também podiam concorrer às bolsas de
estudos. Além disso, faziam parte dessas turmas as funcionárias das parcas
instituições assistenciais e sociais existentes.

Com isso, já se destaca um elemento diferencial desta escola: à
medida que não delimitava um perfil socioeconômico, mulheres de camadas
populares também podiam se inscrever (SILVA, 2016). A intenção original
era de que, após a formação, essas alunas retornassem às suas cidades.
Contudo, a maioria permaneceu na cidade de Niterói e trabalhou nas ins-
tituições assistenciais, nos grupos escolares e na docência da escola.

Silva (2016) sinaliza que a ESSN adquiriu notoriedade neste mo-
mento. Segundo Costa (1995, p. 27):

Muitos jornais, entre 1945 e 1949, de grande e pequena circulação, não
só conferiram seguidas notícias em torno da criação, das atividades e
dos projetos da Escola de Serviço Social do antigo estado do Rio de Ja-
neiro, como qualificaram essas iniciativas como relevantes para a so-
ciedade em geral, nas quais algumas mulheres de ‘qualidade’ se em-
penhavam e, por isso, muitas deveriam seguir-lhes o exemplo.

O que torna poderosa tal ênfase é que essas matérias, escritas por
homens, garantiam a centralidade “das atividades assistenciais do novo cam-
po de trabalho da mulher fluminense” (COSTA, 1995, p. 27). A escola tam-
bém foi palco para as atividades culturais e políticas da cidade de Niterói,
além de movimentar a economia local por causa do deslocamento de
diversos alunos vindos de todas as partes do Estado e até do país. Por isso,
é valido relativizar alguns elementos da historiografia profissional. E, aqui,
trazemos alguns deles, a saber: a dimensão da classe social das pioneiras; a
presença majoritária (ou praticamente exclusiva) de mulheres católicas; e a
opção por um saber e uma prática influenciados pelo conservadorismo.

Em primeiro lugar, destacamos a dimensão de classe social das
pioneiras da ESSN. Geralmente, lemos que as primeiras assistentes sociais
eram mulheres das camadas sociais abastadas e de grande poder aquisitivo.
No entanto, isso é algo questionável se nos voltarmos, por exemplo, para o
caso dessa escola. Havia representantes das elites? Sim, mas não só. As pre-
cussoras da ESSN/UFF são provenientes das camadas sociais médias e pobres.
Como o curso era gratuito, muitas mulheres que tinham o interesse em acessar

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26 Costa (1995) destaca algumas cidades, como: Campos de Goytacazes, Paraíba do Sul, Friburgo, Petrópolis,

Bom Jesus do Itabapoana, Três Rios, Vassouras, dentre outras.

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um trabalho, a fim de assessorar as despesas familiares, acabavam por se
inscrever e fazer o curso (BRAGA; FREITAS, 2007).

Em segundo lugar, a visão de que as primeiras escolas emergem
basicamente amparadas pelo discurso católico deve ser relativizada (BRAGA;
FREITAS, 2007; COSTA, 1995). Não negamos a influência religiosa do cato-
licismo, mas não podemos esquecer que essa escola (e possivelmente outras)
teve uma intervenção direta do poder público na efetivação do curso. Além
disso, foi possível verificar a convivência de outras religiões que se faziam
presentes entre as alunas e professoras do curso (algumas das pioneiras, por
exemplo, se definiam como “espíritas”).

Por fim, vale lembrar que o acesso aos acervos bibliográficos eram
escassos; além disso, não existia um aparato de regulamentação profissional,
bem como associações de representação da categoria. Para isso, muitas
alunas e/ou professoras tiveram que viajar por vários estados brasileiros e
países (França, Estados Unidos, Argentina, Chile e Uruguai), visando à troca
de conhecimento e ao acesso a algum tipo de literatura sistematizada. As
traduções dos materiais provenientes dos seminários, encontros, cursos e
experiências exteriores propiciaram a produção acadêmica que fundamen-
tava as aulas e aquisição de novos saberes. Como se sabe, o acesso a uma
literatura crítica (como as obras de Karl Marx) só foi possível a partir de
meados dos anos de 1970. Desse modo, o fazer profissional tornava-se um
grande desafio a ser enfrentado e, com certeza, as principais influências
tidas eram da Doutrina Social da Igreja Católica e do Positivismo.

Portanto, ao tecermos essas considerações, somos provocados a
realizar reflexões sobre a história das mulheres (as pioneiras) e de todos os
fatores envolvidos naquele momento: as relações de poder estabelecidas e
os movimentos organizados de lutas, reivindicações e resistências na cons-
titução do Serviço Social (SILVA, 2016), ou seja, conhecer suas conquistas,
dilemas, desafios e saídas para instituírem uma profissão. Se essas lutas e
resistências não são reconhecidas, no meio profissional, como revolucio-
nárias, devem, contudo, ser compreendidas como parte de um processo
histórico de uma dada sociedade, permeada por uma conjuntura social,
política e econômica que não permitia às mulheres o mundo público. Socie-
dade essa em que o simples fato de ingressar em uma profissão trouxe consigo
um conjunto de rupturas e revoluções.

Enfim, o que estamos afirmando é que as ações de cunho assis-
tencial contribuíram para que as pioneiras da Escola de Serviço Social em
Niterói circulassem nas cidades, se apoderassem da esfera pública e cons-
truíssem a profissão27. Vivenciaram, possivelmente, inúmeros limites dentro

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27 Ver: Pereira (2015). Pode nos fazer refletir: como nos enxergamos hoje, nós, mulheres do Serviço Social,

comprometidas com um projeto ético político de construção de um mundo e de práticas emancipatórias? Estamos
vendo a nós mesmas e nossas usuárias como sujeitos históricos, respeitando suas histórias, suas trajetórias e
opções? Essa é uma questão que traz impacto direto na formação e prática profissional.

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dos seus cotidianos marcados pela dominação e opressão, mas conseguiram
romper tais impedimentos e exerceram “um papel fundamental na vida po-
lítica da universidade e da cidade” (BRAGA; FREITAS, 2007, p. 17).

Além dessa influência política, essas mulheres edificaram um novo
olhar sobre o mundo, sobre elas mesmas; ampliaram o trabalho social e
protagonizaram a formação da profissão e do sistema de proteção social
niteroiense. Utilizando a mesma lógica de Perrot (1991, p. 509), podemos
dizer que essas pioneiras consolidaram “seu compromisso social [em] um
exercício de liberdade pessoal”. Foram mulheres que desafiaram o conser-
vadorismo vigente e conquistaram sua independência profissional e pessoal.
Uma história que não se debruce a pensar essas especificidades não dá
conta do contraditório das práticas sociais e da riqueza e diversidade das
experiências vividas. E, mais do que isso, mantém na invisibilidade o prota-
gonismo dessas mulheres.

Desafios atuais

Um fato relevante para o conhecimento acerca da história do Ser-
viço Social é que as chamadas pioneiras não devem ficar em segundo plano.
É importante a análise conjuntural, situando o contexto social, político e
econômico. Mas é igualmente essencial, em nosso entendimento, a cons-
trução de um olhar para essas mulheres, a fim de resgatá-las de uma história
que, como é comum, não apreende a sua participação. Neste sentido, a
perspectiva da micro-história ocupou um lugar de destaque em nosso texto
ao buscar se diferenciar das abordagens da macro-história, pois, as dimensões
do cotidiano ajudam para pensar o Serviço Social como uma profissão ins-
crita na divisão sociotécnica do trabalho, composta, prioritariamente, por
mulheres de diferentes classes sociais, gênero, sexualidades, raça-etnia, ge-
ração, necessidades especiais. O mesmo vale para a população que aten-
demos. Essas preocupações têm que estar presentes em nossa formação
profissional. A não integração dessas dimensões (da macro e da microanálise)
nos currículos acadêmicos aponta a continuidade desses estudos numa
posição marginal na academia (NARVAZ; KOLLER, 2006).

Nesse sentido, vale destacar a interseccionalidade como im-
portante ferramenta de análise e de luta política. Caudatária do feminismo
negro, entende-se interseccionalidade como uma “ferramenta de análise,
militância e desenvolvimento de políticas que considera a discriminação
múltipla e que nos ajuda a compreender o impacto de diferentes eixos iden-
titários no acesso a direitos e oportunidades” – na definição da Association
for Women’s Rights in Development (AWID) (apud SANTOS, 2012b, p. 14).
Como aponta também Helena Hirata (2014, p. 69 – grifos nossos), “a intersec-
cionalidade é vista como uma das formas de combater as opressões múltiplas
e imbricadas, e, portanto, como um instrumento de luta política.

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Ademais, nao se pode negar que, entre os anos 1990 e 2000, é
possível notar um avanço na produção acadêmica acerca de outras questões,
para além do debate de classes28. Estamos pensando aqui especificamente
na aproximação da questão de gênero e dos estudos de raça-etnia e geração
que ganharam espaços29. Como enfatiza Costa (1994), o “chão histórico”
onde se constrói nossa experiência profissional é, necessariamente, o das
“lutas pelos direitos sociais” dos diferentes sujeitos sociais. Isso nos conduz,
ainda segundo Costa (1994), para uma história de mulheres, que estão pre-
sentes seja nos espaços privados, seja nos públicos da proteção social.

A luta por uma sociedade em favor da equidade e justiça social
não pode deixar, em segundo plano, os desejos e demandas de setores his-
toricamente oprimidos, como as mulheres, os negros, os gays, as lésbicas,
as travestis, as transgêneros, as crianças, os adolescentes, os idosos. Segundo
Braz (2005), o projeto ético-político da profissão assume um compromisso
com a autonomia, emancipação e reconhecimento da liberdade como valor
ético central, uma vez que apresenta como opção “um projeto profissional
vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem
dominação-exploração de classe, etnia e gênero”30.

Foi a partir da problematização dessas questões que esse texto se
construiu, já que as questões relacionadas às dimensões citadas ainda não
ocupam espaço relevante em nossa formação. Isso, nas palavras de Kleba
Lisboa (2010), reflete a dificuldade da articulação entre o Serviço Social e
os estudos de gênero e os feminismos. Ao se incorporar a teoria marxiana, a
profissão priorizou o enfoque de classe, desconsiderando, muitas vezes, a
heterogeneidade do pensamento a partir das dimensões sócio-históricas e
culturais que emergem no cotidiano das práticas, entre elas as diferenças
sexuais, de identidade, de raça/etnia e de gênero.

Resumindo, esse texto buscou mostrar o protagonismo das mu-
lheres no início da profissão e a importância de suas experiências. As me-
mórias construídas necessitam contemplar o feminino e resgatar, em sua
complexidade e diversidade, o papel das pioneiras para a consolidação da
profissão, de mulheres que ousaram pronunciar frases como esta: “o neces-
sário para a independência da mulher é a cultura, é a instrução, a indepen-
dência econômica31. No dia que ela tiver independência econômica, ela é
dona de si mesma”. Essa é a frase de D. Nilda Ney, uma das pioneiras da
ESSN (FREITAS et al., 2009).

..............................................................................
28 Ver, por exemplo, a dissertação de Gomes (2015), que analisa as tendências de pesquisa nas temáticas de se-
xualidade, diversidade sexual e diversidade de gênero no interior do Serviço Social. O diálogo com as questões
de gênero e feminismo avançaram também. Ver, por exemplo, Cisne (2014) e Gurgel (2014).
29 Entretanto, ainda persiste um grande distanciamento entre Serviço Social e debate racial, bem como de di-
versidade sexual (FREITAS; SILVA; SANTOS, 2016).
30 Ver: Código de Ética Profissional (CFESS, 1996).
31 Podemos associar essa frase com a célebre expressão de Virginia Woolf (2005), de que toda mulher precisa de
um quarto e uma renda. Tal ideia é expressa no livro Um quarto só para si, publicado pela Editora Relógio
D´água, de Lisboa.

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Acreditamos que a história é feita por sujeitos, dentro das con-
dições socialmente existentes. Mas esses sujeitos têm uma inserção diferen-
ciada de acordo com a classe, o gênero, a cor, a geração, as necessidades
específicas, as territorialidades e tantas outras dimensões que poderíamos
considerar. Acima de tudo, são capazes de construir estratégias de resistência.

As mulheres não são passivas nem submissas. A miséria, a opres-
são, a dominação, por reais que sejam, não bastam para contar sua história.
Elas estão presentes aqui e além. Elas são diferentes. Elas se afirmam por
outras palavras, outros gestos. Na cidade, na própria fábrica, elas tem outras
práticas cotidianas, formas concretas de resistência – à hierarquia, à disciplina
– que derrotam a racionalidade do poder, enxertadas sobre seu uso próprio
do tempo e do espaço. Elas traçam um caminho que é preciso reencontrar.
Uma história outra. Uma outra história. (PERROT, 1988, p. 212).

Enfim, contamos uma história que não está concluída. Rea-
firmamos que conhecer melhor nosso passado impacta em nosso presente,
na aproximação aos usuários e usuárias que atendemos, e pode nos ajudar
a pensar em outros futuros. Essa história é parte integrante da vida – e da
história – de muitas mulheres. Não podemos calar a experiência de metade
da humanidade e certamente quase 90% de nossa profissão. Fica, em pauta,
um grande desafio para a categoria profissional.

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Referências

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BACKX, S. de S. Serviço Social: reexaminando sua história. Rio de Janeiro:
JC Editora S. A., 1994.

BANDEIRA, L.; MELO, H. P. de. Tempos e memórias: movimento feminista
no Brasil. Brasília: SPM, 2010.

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Recebido em 26 de agosto de 2017.
Aprovado para publicação em 25 de janeiro de 2018.

A Revista Em Pauta: Teoria Social e Realidade Contemporânea está licenciada com uma Licença Creative
Commons Atribuição 4.0 Internacional.

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Instituto de Pesquisa e Memória
Pretos Novos – IPN

Marco Antônio Teobaldo*

Pretos Novos

“Pretos novos” ou “boçais” era a denominação dada aos cativos
recém-chegados da África, no Brasil,assim que desembarcavam no porto.
Logo que eram vendidos ou aprendiam a o português passavam a ser cha-
mados de “ladinos”.

Para entender a sua importância

O Cemitério dos Pretos Novos, que funcionou durante os anos de
1769 a 1830, é a principal prova material e incontestável, encontrada até
hoje, sobre a barbárie ocorrida no período mais intenso do tráfico de cativos
africanos para o Brasil. Depois da descoberta fortuita feita pela família Gui-
marães dos Anjos, em 8 de janeiro de 1996, não há mais como admitir uma
visão equivocada e romanceada sobre a escravidão de africanos e seus des-
cendentes diretos no Brasil. Foram depositados no cemitério os restos mortais
de dezenas de milhares de africanos, brutalmente retirados de sua terra
natal e trazidos à força para o trabalho escravo. E igualmente bruta também
era a forma como seus corpos foram despedaçados, queimados e espalhados
pelo terreno, cobertos apenas com algumas pás de terra. Há indícios de
que, dada a situação de descarte humano que apresentava o local, moradores
daquela época que passavam pela Rua do Cemitério lançavam seu lixo do-
méstico: restos de comida e fragmentos de louças, cerâmicas e vidros.

Apesar de ser considerado o maior cemitério de escravizados deste
gênero nas Américas, o terreno destinado aos sepultamentos era muito pe-
queno para tantos corpos. Os vestígios arqueológicos e históricos deste
campo santo são testemunhos da ação violenta e cruel sofrida pelos africanos
que não resistiram aos maus tratos da captura e viagem transatlântica. Este
relato revelado pela historiografia e trazido à luz pela Arqueologia, repleto
de desrespeito e dor, ainda é desconhecido por muitos, pois não é contado
em todas as escolas e nem sequer é mencionado nos livros de história que

..............................................................................
*Curador do IPN. Correspondência: Rua Pedro Ernesto, 32-34, Gambôa, Rio de Janeiro – RJ. CEP: 20220-350.
Email: <[email protected]>.

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} INSTITUTO DE PESQUISA E MEMÓRIA PRETOS NOVOS – TEOBALDO, M. A. }
DOI: 10.12957/REP.2018.39437

têm a escravidão como tema. Por isto, reafirma-se a importância deste Museu
Memorial, no qual o Cemitério dos Pretos Novos se impõe como peça central
para este debate.

Origem

G. W. Freireyss, o viajante alemão que descreveu o cemitério
notou horrorizado que, neste local, a única marca da égide da Igreja era
“uma pequena cruz de paus toscos mui velhos” fincada no centro do terreiro
e cercada por ossadas insepultas.

Pelo lado do fundo está tudo aberto, dividido do quintal de uma
propriedade vizinha por uma cerca de esteiras, e pelos outros dois lados
com mui baixo muro de tijolos, e no meio uma pequena cruz de paus
toscos mui velhos, e a terra do campo revolvida, e juncada de ossos mal
queimados.

Os relatos de viajantes que estiveram pelo Rio de Janeiro, no século
XIX, contam que o Cemitério dos Pretos Novos não passava de uma
montanha de terra e de corpos despidos, em decomposição, que de tempos
em tempos eram queimados e seus ossos quebrados e revirados à terra. Em
1853, o Caminho do Cemitério passa a se chamar Rua da Harmonia. Embora
a existência do Cemitério dos Pretos Novos fosse conhecida de historiadores
e da literatura sobre a cidade do Rio de Janeiro e sobre a escravidão no
Brasil, sua localização tornou-se totalmente desconhecida por décadas até
o ano de 1996, quando, por ocasião de uma obra realizada na fundação da
casa, foram encontradas ossadas humanas a poucos centímetros de esca-
vação.

A pesquisa inicial e a análise dos vestígios arqueológicos, feitas
pelo Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB), confirmaram que se tratava
das ossadas depositadas no antigo Cemitério dos Pretos Novos. Após quatro
anos de descaso do poder público, a Família Guimarães dos Anjos decide
realizar por conta própria exposições itinerantes com o rico material en-
contrado nas escavações. Mas reconhecendo a importância do local para a
história da cidade do Rio de Janeiro e para a divulgação da história dos Pre-
tos Novos, percebem que ali deveria se tornar um espaço de visitação pú-
blica. No dia 20 de novembro de 2001 foi realizado o primeiro evento
aberto ao público na residência. As atividades eram realizadas de maneira
irregular e sem qualquer tipo de patrocínio ou subvenção, como por exem-
plo: os encontros com lideranças do movimento negro, rodas de samba e os
bate-papos, que foram o embrião das oficinas realizadas atualmente.

No início, muito pouco se sabia sobre a história desses africanos
sequestrados e trazidos para o Brasil. Os poucos registros encontrados sobre
o tema falavam de números, mas muito pouco sobre a chegada e a vida do

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

} INSTITUTO DE PESQUISA E MEMÓRIA PRETOS NOVOS – TEOBALDO, M. A. }
DOI: 10.12957/REP.2018.39437

negro africano na colônia. Este fato é o que tem inspirado a trajetória do
IPN a desenvolver atividades diversificadas voltadas à divulgação e à valo-
rização da cultura negra, mesmo que no decorrer, o poder público tem se
mantido praticamente omisso, com raros períodos em que se pode registrar
o apoio parcial do governo. Este descaso contínuo se contrapõe aos diversos
prêmios e moções de reconhecimento que a instituição tem recebido, desde
a sua fundação. Entendemos que se faz urgente debatermos sobre o nosso
passado, sobretudo o período escravocrata, que gerou feridas sociais que
se negam a cicatrizarem. E não por acaso, o massacre dos povos africanos
em terras brasileiras se estende até os dias de hoje aos seus descendentes.

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

} INSTITUTO DE PESQUISA E MEMÓRIA PRETOS NOVOS – TEOBALDO, M. A. }
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Galeria Pretos Novos, 2012. Primeiro grupo de artistas.

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