CARTA AO LEITOR
8 EM CADA 10
APROVADOS NA
USP USARAM O
GUIA DO
ESTUDANTE
O selo de qualidade acima é resultado de uma pes-
quisa realizada com 300 estudantes aprovados em
três dos principais cursos da Universidade de São
Paulo: Direito, Engenharia e Medicina.
Múltiplas leituras 8 em cada 10 entrevistados na
Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de pesquisa usaram algum conteúdo do
um texto. É, a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significa- GUIA DO ESTUDANTE durante sua
do, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos preparação para o vestibular.
para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que o seu autor
pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a essa leitura, TESTADO E APROVADO!
ou rebelar-se contra ela, propondo uma outra não prevista.”
Esse trecho, da obra Do Mundo da Leitura para a Leitura do Mundo, de Marisa Lajolo, � Pesquisa quantitativa feita nos dias 13 e 14/2/2017.
fez parte de uma das questões da prova de Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias � Total de estudantes aprovados nesses cursos: 1.566.
do último Enem, em 2016. Não por acaso, também escolhi essa questão para abrir o � Margem de erro amostral: 5 pontos percentuais.
simulado da página 134. É porque ela toca num ponto crucial, que tem a ver também
com a proposta desta publicação: não só apresentar os conteúdos mais pedidos de MAIS CONTEÚDO PARA VOCÊ
Língua Portuguesa nos principais processos seletivos, mas valorizar a importância
da leitura, no seu sentido mais amplo – o que também é exigido nos vestibulares. As publicações do GE contam agora com o recurso
O ato de ler, reconhecer o sentido de um texto, formar repertório e relacionar infor- mobile view. Essa tecnologia permite que você aces-
mações nos torna capazes de fazer outras leituras. Assim, passamos a compreender se, com seu smartphone, conteúdos extras em algu-
também o que está subentendido nas entrelinhas (ou nas palavras e nos comporta- mas aulas e reportagens dos nossos guias. A presen-
mentos das pessoas), conseguimos perceber a intenção do autor (ou daqueles que ça desses conteúdos, principalmente em forma de
nos cercam) e conectar os conteúdos (ou os fatos). Essas são condições fundamentais vídeos, será sempre identificada com o ícone abaixo:
para nos colocarmos no mundo como sujeitos autônomos e cidadãos críticos.
Para ajudar você tanto nas provas como no seu percurso de leitor ou leitora, Usar o recurso mobile view é simples:
apresento a linha mestra deste GUIA DO ESTUDANTE PORTUGUÊS VESTIBU-
LAR + ENEM 2018. Seus sete capítulos – organizados por ordem cronológica dos 1• Baixe em seu smartphone o
movimentos literários – iniciam sempre com um assunto da atualidade. A partir
dele é estabelecida uma relação com a literatura e, na sequência, novos textos aplicativo Blippar. Ele está disponível,
são agregados, literários e não literários, com a análise conjunta dos aspectos gratuitamente, para aparelhos com
de literatura, interpretação de texto e gramática. Esses conteúdos, por sua vez, sistema Android e iOS em lojas virtuais
associam-se a outros tipos de linguagens que costumam aparecer nos exames, como Google Play e AppleStore.
como letras de música, anúncios publicitários, obras de arte, tirinhas e charges.
Espero que este guia seja um ótimo material de estudo e permita que você se 2• Depois, basta abrir o aplicativo e usar
aprimore cada vez mais na leitura dos textos e da realidade à nossa volta.
Um abraço e boa sorte! o celular nas matérias que apresentam
o ícone do mobile view – seguindo as
Lisandra Matias, editora – [email protected] orientações em cada página.
6 GE PORTUGUÊS 2018 © TERESA BETTINARDI
SUMÁRIO
Português LITERATURA DO REALISMO/NATURALISMO
62 Favelas em chamas Incêndios são recorrentes em habitações
VESTIBULAR + ENEM
2018 precárias, que ainda sofrem com a falta de amparo do poder público
64 Interpretando Como identificar a ironia em um texto
ÍNDICE REMISSIVO 66 Realismo Em oposição à subjetividade e às idealizações, Machado
8 Lista, em ordem alfabética, dos assuntos abordados neste guia
de Assis e Eça de Queirós fazem um retrato crítico do seu tempo
72 Naturalismo Impulsionado pelo progresso das ciências, os autores se
centram nas descrições minuciosas e nos relatos quase científicos
74 Como cai na prova + Resumo Questões comentadas e síntese do capítulo
COMO USAR LITERATURA DO PRÉ-MODERNISMO
9 Entenda como a publicação está organizada e conheça suas seções 76 O drama da seca No Nordeste, a maior estiagem dos últimos cem anos
LINHA DO TEMPO afeta nove estados e 23 milhões de habitantes
10 As principais escolas literárias, do século XII ao XX 78 Interpretando Os tipos de texto: narração, descrição e dissertação
80 Pré-Modernismo Na passagem do século XIX para o XX, o debate
LITERATURA MEDIEVAL E RENASCENTISTA
12 O aborto em pauta Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os problemas do país faz surgir um nacionalismo crítico
84 Parnasianismo Construções sofisticadas e vocabulário rebuscado
analisam ação que pede a legalização ampla do aborto no país
14 Interpretando Conheça as principais funções da linguagem demonstram a busca pela forma perfeita do verso
16 Trovadorismo Os primeiros registros literários em língua portuguesa 86 Simbolismo A crítica à aproximação da arte com a industrialização
18 Humanismo Gil Vicente e a crítica social do fim da Idade Média
22 Classicismo A valorização do homem e da razão na obra de Camões propõe uma poesia que provoque sensações e sentimentos
28 Como cai na prova + Resumo Questões comentadas e síntese do capítulo 88 Como cai na prova + Resumo Questões comentadas e síntese do capítulo
LITERATURA COLONIAL LITERATURA DO MODERNISMO – PROSA
30 Na era da pós-verdade Nas redes sociais, diferentes interesses e 90 100 anos de arte moderna no Brasil Exposição em São Paulo revê o
opiniões flexibilizam os conceitos de verdade e mentira legado e a trajetória de Anita Malfatti, pioneira do Modernismo no país
32 Interpretando Metáfora, antítese e outras figuras de linguagem 92 Interpretando Os caminhos da argumentação e da persuasão
34 Quinhentismo Relatos de viajantes, como a Carta de Caminha, e 94 Modernismo – 1ª fase A ruptura com a tradição e a afirmação de
textos de evangelização inauguram a literatura produzida no Brasil uma literatura autêntica brasileira
36 Barroco As contradições entre razão e fé marcam a obra dos 100 Modernismo – 2ª fase A discussão de questões sociais marcam as
principais nomes do período, como Gregório de Matos e Padre Vieira obras dos autores do período, como Jorge Amado e Graciliano Ramos
40 Arcadismo Ideais libertários do Iluminismo inspiram uma produção 104 Modernismo – 3ª fase A experimentação estética de Guimarães Rosa
poética que ressalta a natureza e a simplicidade e o intimismo e a sondagem interior de Clarice Lispector
42 Como cai na prova + Resumo Questões comentadas e síntese do capítulo 112 Como cai na prova + Resumo Questões comentadas e síntese do capítulo
LITERATURA DO ROMANTISMO LITERATURA DO MODERNISMO – POESIA
44 Índios sob ameaça Governo tenta alterar regras para demarcação 114 Remédios para todos os males O aumento no consumo de
de terras indígenas, mas sofre críticas e recua calmantes e antidepressivos preocupa médicos e especialistas
46 Interpretando Aprenda a reconhecer a intertextualidade, 116 Interpretando Os mecanismos de coesão e coerência
118 Modernismo em Portugal Fernando Pessoa e seus heterônimos
as relações entre os textos 120 Modernismo no Brasil A obra poética de alguns dos autores
48 Romantismo – 1ª geração O Indianismo e a exaltação dos elementos
modernistas mais expressivos, como Manuel Bandeira,
nacionais nas obras de José de Alencar e Gonçalves Dias Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto
54 Romantismo – 2ª geração O pessimismo, a melancolia e o 130 Como cai na prova + Resumo Questões comentadas e síntese do capítulo
sofrimento marcam a produção dos autores ultrarromânticos RAIO X
56 Romantismo – 3ª geração O engajamento social e a linguagem 132 Decifre os enunciados de questões que costumam cair nas provas
grandiloquente de Castro Alves, o poeta dos escravos do Enem e de outros processos seletivos
60 Como cai na prova + Resumo Questões comentadas e síntese do capítulo
SIMULADO
134 40 questões extraídas do Enem e dos principais vestibulares do país
7GE PORTUGUÊS 2018
ÍNDICE REMISSIVO
Lista de temas Função poética ........ 14, 15, 46, 79, 110 Onde/aonde .......................................56
Função referencial................ 14, 15, 79 Onomatopeia ...................................109
Relação, por ordem alfabética, dos as- Funções da linguagem............... 14, 15 Orações coordenadas......................83,
suntos tratados neste guia: 100, 124
Gênero dramático............................. 21 P Orações subordinadas adjetivas.........68
GLiteratura Gramática Interpretação Gil Vicente....................................18, 20 Origem das palavras........................113
Gonçalves Dias..................................50 Osman Lins .......................................... 21
A Adjetivos................... 19, 41, 55, 80, 83, Graciliano Ramos ...........................102 Oswald de Andrade....... 35, 98, 99, 121
94, 103, 125 Gregório de Matos............................38
Advérbios ...............50, 67, 86, 118, 122 Guimarães Rosa .............. 108, 109, 110 Padre Antônio Vieira .......................36
Alberto de Oliveira...........................84 Paradoxo................................ 22, 32, 82
Aliteração ...................................86, 125 Helena Morley ..................................69 Paráfrase ............................................. 47
HAlphonsus de Guimaraens..............86 Hipérbole ....................... 32, 67, 78, 110 Paralelismo ..........................36, 37, 122
Aluísio Azevedo ................................ 72 História em quadrinhos ............. 17, 51 Paródia .......................46, 47, 51, 96, 99
Álvares de Azevedo..........................54 Humor............................................ 17, 51 Pepetela ..............................................49
Almeida Garrett ................................ 27 Pero Vaz de Caminha.......................34
Ambiguidade ............................111, 120 Ideologia............................................. 18 Persuasão............................... 38, 40, 92, 93
IAnáfora ...............................................22 Imagens (leitura de) ........... 19, 23, 39, Personificação (veja Prosopopeia)
Antítese..................................24, 46, 86 53, 57, 83, 85, 87, 95, 105, 107 Pleonasmo........................................ 110
Anúncio publicitário.................. 25, 71 Intencionalidade............. 16, 18, 33, 86 Polissemia ...................................19, 129
Argumentação ................ 41, 79, 92, 93 Intertextualidade ...............23, 46, 47, Pontuação................ 15, 29, 71, 96, 122,
Ariano Suassuna ............................... 21 50, 51,99, 107, 129 123, 126, 127
Artigo ................................14, 70, 71, 92 Ironia............ 20, 32, 33, 38, 46, 51, 64, Porque (grafias) ......................... 58, 59
Aspas .............................................78, 83 65, 67, 82 Progressão textual..........................93, 95
Augusto dos Anjos............................86 Pronomes demonstrativos..............54
Pronome indefinido .........................24
C Carlos Drummond J João Cabral de Melo Neto............. 103, Pronomes pessoais........26, 37, 56, 58, 65
de Andrade....................... 126, 127, 129 128, 129 Pronomes possessivos .24, 25, 50, 54,
Jorge Amado....................................100 67, 122, 123
Casimiro de Abreu ......................... 123 José de Alencar .................... 48, 52, 97 Pronome relativo........................... 36, 58
José de Anchieta............................... 35 Prosopopeia .........33, 55, 56, 102, 104,
Castro Alves.......................................56 José Paulo Paes ................................. 51 107, 126, 127, 129
Cecília Meireles ...................... 124, 125 Que, partícula ......................68, 75, 128
Clarice Lispector ..............19, 104, 106 Raimundo Correia............................84
Raul Pompeia................................... 101
Coesão e coerência.................. 116, 117 Lima Barreto...................................... 81 Q Regência verbal...........................52, 53
Linguagem coloquial ................ 18, 53, R Relações lógicas ................................38
LComparação.............................. 48, 104 96, 100, 106, 107, 108, 120, 121 Romance regionalista ......................52
Linguagem formal .....................57, 121
Concordância verbal........................52 Luís Vaz de Camões ............ 22, 24, 26 Se, funções do...............84, 85, 86, 125
Sentido conotativo
Concretismo .................................... 128 e denotativo....................................... 17, 104
Sinestesia...................................118, 125
Conjunções .............55, 82, 83, 111, 131 Sonoridade......................... 85, 123, 125
Substantivo .................................. 19, 70
Cruz e Sousa .................................... 125
Texto científico ................................. 57
Crase.....................................................17 Machado de Assis.......................66, 68, 83 Tipos textuais ................48, 54, 78, 79
Manifestos ........................... 98, 99, 120 Tomás Antônio Gonzaga................ 40
M Manuel Antônio de Almeida..........53, 58
D Décio Pignatari ............................... 128 Manuel Bandeira......... 55, 85, 122, 123 Variação linguística.............46, 51, 59,
Marcadores temporais 65, 93, 101, 103, 121
Derivação imprópria........................ 72 e espaciais .................................68, 78, 119 Verbos ............ 17, 48, 56, 59, 68, 78, 80,
Mário de Andrade .............94, 96, 120 81, 82, 84, 103, 104, 105, 122, 124
Descrição......... 34, 68, 70, 78, 79, 82, 84 Metáfora.................17, 32, 33, 35, 36, 47, S Vinicius de Moraes...................25, 124
69, 101, 104, 111, 118, 119, 124, 129 Vocativo ...............................................17
Diminutivo.................................. 46, 79 Metalinguagem ............. 16, 23, 46, 64, T
84, 118, 128, 129 V
Discurso, tipos de ..........67, 70, 75, 78, Metonímia.........15, 33, 49, 69, 111, 127
Mia Couto.......................................... 111
79, 108, 110, 125 Monteiro Lobato........................ 82, 95
Murilo Mendes ................................. 51
Dissertação......................................... 79
E Eça de Queirós ............................67, 70
Enumeração ...................... 47, 65, 92, 126
Estereótipos ..................................... 104
Euclides da Cunha .....................80, 81
Eufemismo.......................18, 33, 55, 69
F Fernando Pessoa ...................... 118, 119 Narração ...............................78, 79, 110
NFiguras de linguagem ................32, 33 Neologismo ...................... 110, 120, 128
Formação de palavras............... 108, 109 Olavo Bilac ................................... 23, 81
Função apelativa ............... 15, 37, 93, 129
A NUMERAÇÃO EM NEGRITO INDICA A PÁGINA EM QUE O ASSUNTO É TRATADO DE FORMA MAIS COMPLETA.
OFunção emotiva......................................15
8 GE PORTUGUÊS 2018
COMO USAR
Entenda a organização deste guia
Veja como estão estruturadas as seções de cada capítulo para você aproveitar
melhor os conteúdos
CAPÍTULOS TEMAS INTERPRETANDO
Os sete capítulos Na abertura de cada Nesta seção, você
deste guia estão capítulo encontra-se a encontra a análise de
organizados com relação dos principais um texto não literário
base nos movimentos assuntos tratados. No sob o enfoque de uma
entanto, essa lista não ferramenta específica
literários, mas esgota todos os temas de interpretação
integram conteúdos lá abordados. Não deixe de texto.
de consultar o índice
(de acordo com a remissivo para conferir CONEXÕES
seguinte legenda) de: a distribuição de todo o Textos literários
conteúdo desta edição. são relacionados a
Literatura outras linguagens,
como obras de arte,
Gramática canções, textos não
literários, anúncios
Interpretação publicitários, charges
de texto e quadrinhos.
TEXTOS LITERÁRIOS SAIBA MAIS DIÁLOGO
As obras mais Amplie seus conhecimentos sobre um assunto ENTRE OBRAS
que foi abordado na análise do texto (em geral, Uma análise
representativas dos um conteúdo de gramática ou de interpretação). comparativa entre
principais autores textos literários de
diferentes autores
de cada período são de um mesmo (ou de
analisadas em seus outro) movimento.
aspectos literários,
PARA IR ALÉM
gramaticais e Recomendação de
de interpretação um filme, site, HQ ou
vídeo relacionado ao
de texto. conteúdo estudado,
para você alargar
ESCOLAS LITERÁRIAS seus horizontes.
Aqui, você conhece
as principais
características das
escolas literárias
que fazem parte de
cada capítulo. Note
que determinados
capítulos trazem mais
de uma escola.
O QUE ISSO TEM
A VER COM...
Indicação de conteúdo
interdisciplinar de
língua portuguesa e de
outra disciplina.
COMO CAI NA PROVA RESUMO
No final de cada Uma seleção dos
principais assuntos
capítulo, exercícios tratados no capítulo.
resolvidos para
9GE PORTUGUÊS 2018
você reforçar o que
aprendeu e ver como
os conteúdos são
pedidos nas provas.
! # " " !
1189-1418 1418-1527 1527-1580 1500-1601
Cantigas líricas e satíricas Do teocentrismo medieval A valorização da cultura Na época do descobrimento
são as primeiras ao antropocentrismo greco-romana traz do Brasil, a literatura compreende
manifestações poéticas renascentista, um nova fase de racionalismo. a produção informativa dos
em língua portuguesa, rico período marcado O grande nome do período cronistas e os textos catequéticos
impregnadas dos por autos e farsas é o poeta Camões dos missionários jesuítas
valores da Idade Média moralizantes | Veja o capítulo | Veja o capítulo Literatura
| Veja o capítulo | Veja o capítulo Literatura Medieval e Colonial na pág. 34
Literatura Medieval e Literatura Medieval e Renascentista na pág. 22
Renascentista na pág. 16 Renascentista na pág. 18 CLASSICISMO
HUMANISMO
TROVADORISMO QUINHENTISMO
1189 1418 1500 1527 1580
!"
1881-1922 1881-1922 1882-1922 1893-1922
O mundo em A produção literária, A exaltação da A poética espiritualizada
desencanto substitui impulsionada pelo objetividade e a busca e centrada no poder
a idealização avanço da ciência, pela forma perfeita da sugestão e da
romântica pela crença põe o escritor como como reação transcendência opõe-
na visão racional e observador imparcial aos excessos do se aos avanços da
materialista diante dos personagens Romantismo industrialização e ao
| Veja o capítulo | Veja o capítulo | Veja o capítulo progresso tecnológico
Literatura do Literatura do Realismo/ Literatura | Veja o capítulo
Realismo/Naturalismo Naturalismo do Pré-Modernismo Literatura do Pré-
na pág. 66 na pág. 72 na pág. 84 Modernismo na pág. 86
10 GE PORTUGUÊS 2018
Da Cantiga da Guarvaia (séc. XII), o primeiro registro de uma cantiga em língua
galaico-portuguesa, às obras modernistas (séc. XX), um painel dos oito séculos
das escolas literárias brasileira e portuguesa. Veja em cada um dos movimentos
as principais características, os contextos histórico e cultural, os trechos
comentados das obras mais importantes e os escritores de maior destaque.
!
1836-1881
1601-1768 Subjetividade,
sentimentalismo e
No contexto da liberdade formal são
Contrarreforma Católica, elementos centrais
as ideias antagônicas, os da literatura ligada à
paradoxos e as antíteses ascensão burguesa
presentes nas obras | Veja o capítulo Literatura
do movimento revelam a do Romantismo na pág. 48
tentativa do homem
de conciliar razão e fé 1768-1836 PRÉ - Nota: A partir do Quinhentismo, as
| Veja o capítulo Literatura MODERNISMO datas de início e fim dos movimentos se
Colonial na pág. 36 Os ideais libertários do referem ao Brasil. Antes disso, indicam o
Iluminismo impulsionam SIMBOLISMO início e o fim dos períodos em Portugal.
BARROCO uma produção poética que
valoriza a harmonia do PARNASIANISMO
1601 homem com a natureza e
o resgate de elementos da
Antiguidade clássica
| Veja o capítulo Literatura
Colonial na pág. 40
NATURALISMO FASES DO MODERNISMO
REALISMO
ARCADISMO ROMANTISMO 1a 2a 3a
1768 1836 1881 1882 1893 1902 1922 1930 1945
$
1922-1930 1930-1945 A partir de 1945
1902-1922
Uma arte não sentimental A geração de 30 busca Três grandes nomes da
O nacionalismo crítico e e não realista, que exige expor as múltiplas faces literatura brasileira têm
o olhar sobre os problemas a participação ativa do que compõem o cenário destaque: Guimarães Rosa,
sociais do Brasil unem obras leitor e do público, promove brasileiro, numa Clarice Lispector e João
de características diversas uma revolução na literatura literatura engajada Cabral de Melo Neto.
| Veja o capítulo e nas artes plásticas e regionalista | Veja os capítulos
Literatura do Pré- | Veja os capítulos Literatura | Veja os capítulos Literatura Literatura do Modernismo
Modernismo na pág. 80 do Modernismo – Prosa e do Modernismo – Prosa e – Prosa e Literatura do
Literatura do Modernismo – Literatura do Modernismo – Modernismo – Poesia nas
[1] SOPHIA KRAENKEL Poesia nas págs. 94 e 120 Poesia nas págs. 100 e 122 págs. 104 e 128
11GE PORTUGUÊS 2018
1 LITERATURA MEDIEVAL E RENASCENTISTA
CONTEÚDO DESTE CAPÍTULO
Interpretando: funções da linguagem......................................................14
Trovadorismo ....................................................................................................16
Humanismo .......................................................................................................18
Classicismo ........................................................................................................22
Como cai na prova + Resumo.......................................................................28
O aborto em pauta
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgam
ação polêmica que propõe ampliar a legalidade da
interrupção da gravidez no país
No Brasil, o aborto só é permitido em três preceitos fundamentais previstos na Constituição
situações extremas: em caso de risco de
vida da mulher, se a fecundação for conse- brasileira, como o direito das mulheres à vida, à
quência de violência sexual ou se o feto sofrer de
anencefalia, uma má-formação caracterizada pela cidadania e ao planejamento familiar, entre outros.
ausência de cérebro. Em todos os demais casos, a
interrupção provocada da gravidez é considerada A ação, que não tem prazo para ser finalizada,
crime contra a vida, punida com pena de um a três
anos de reclusão. Mas isso pode mudar. já provoca divergências. Entidades contrárias ao
No fim de 2016, a maioria dos ministros da aborto afirmam que a interrupção voluntária da
primeira turma do Supremo Tribunal Federal
(STF), ao analisar um caso específico de 2013 en- gravidez deve permanecer como crime porque há
volvendo uma clínica clandestina de aborto em
Duque de Caxias (RJ), considerou que a prática vida desde a concepção. Já os que são favoráveis
até o 3º mês de gestação não é crime, abrindo
um precedente para futuros julgamentos. à legalização dizem que a prática clandestina é um
Além disso, no início de março de 2017, o STF problema de saúde pública e uma das principais
passou a analisar outra ação que propõe ampliar a
legalidade do aborto no país. Movida pelo Partido causas de mortalidade materna no país.
Socialismo e Liberdade (Psol) e pelo Instituto
Anis, organização não governamental (ONG) de A discussão sobre o aborto é sempre muito
defesa dos direitos das mulheres, a ação de des-
cumprimento de preceito fundamental (ADPF) polêmica, pois esbarra em princípios morais e
defende que o aborto deixe de ser considerado
crime quando for realizado até a 12ª semana de religiosos. Questões relativas à moralidade e aos
gestação. Os advogados do partido e da ONG
argumentam que os artigos do Código Penal de juízos de valor foram amplamente exploradas
1940, que criminalizam o aborto, atentam contra
por Gil Vicente, o principal nome do Humanis-
mo, um dos movimentos literários tratados neste
capítulo. Em sua obra Auto da Barca do Inferno
(1517), os mortos che-
gam a um porto onde
ocorre o julgamento PELA DESCRIMINALIZAÇÃO
de suas ações e atitu- Mulheres participam da
des durante a vida. Há manifestação “Chega
uma defesa clara da de Mortes de Mulheres!
moral cristã, baseada Congresso, tire a mão do
na recompensa das nosso corpo”. O ato foi
virtudes e na punição realizado em São Paulo,
dos pecados. em dezembro de 2016
12 GE PORTUGUÊS 2018
TOM VIEIRA FREITAS/FOTOARENA 13GE PORTUGUÊS 2018
MEDIEVAL E RENASCENTISTA INTERPRETANDO
Para cada intenção, uma função
Conheça as O texto abaixo consiste numa reportagem namento e os riscos das práticas clandestinas e
principais publicada no site jornalístico The Inter- a falta de efetividade da criminalização.
funções da cept Brasil, em 16 de março de 2017. A
linguagem que matéria mostra algumas das consequências da O uso desses recursos evidencia a presença
estão ligadas criminalização do aborto no país, tanto para as das chamadas funções da linguagem, que di-
aos objetivos mulheres, que se submetem a práticas clandesti- zem respeito às intenções do autor ao produzir
de cada autor nas e pouco seguras, tanto para o Estado, que arca cada mensagem. As construções objetivas e
ao produzir sua com procedimentos emergenciais decorrentes neutras são exemplos da função referencial. Já
mensagem de complicações causadas por abortos ilegais. as tentativas de influenciar o comportamento
Segundo a reportagem, a cada dois dias uma do leitor (e obter sua adesão à causa em ques-
mulher morre vítima de aborto ilegal no Brasil. tão) caracterizam a função apelativa. Também
podemos observar as funções poética e emotiva.
Ao longo do texto são destacados números e Vale lembrar que os textos não apresentam uma
dados científicos, além de declarações de uma única função da linguagem. Há sempre uma
especialista no assunto, para mostrar o funcio- função que predomina, mas ela não é exclusiva.
FUNÇÃO POÉTICA Qual o preço que o Brasil APONTE O CELULAR PARA AS PÁGINAS E
A expressão “Brasil paga pela criminalização do VEJA UMA VIDEOAULA SOBRE FUNÇÕES DA
paga” é uma metonímia aborto? LINGUAGEM (MAIS INFORMAÇÕES NA PÁG. 6)
(figura de linguagem em
que o todo substitui a Juliana Gonçalves, Helena Borges JUÍZO DE VALOR
parte – no caso, o país E ADVÉRBIO
pela população), recurso Por conta da criminalização do aborto são O advérbio de negação
típico da função poética gastos R$ 40,4 milhões com procedimentos emer- (sem) confere ao texto
genciais decorrentes de complicações após abortos uma visão subjetiva
da linguagem. ilegais mal feitos. Já para as mulheres, o custo e uma crítica ao risco
LOCUÇÃO PREPOSITIVA não é apenas financeiro. proporcionado às
mulheres que recorrem a
Duas ou mais palavras Clínicas clandestinas cobram caro sem qualquer clínicas clandestinas para
(no caso, “apesar da”) garantia de segurança. Para além do dinheiro, fazer o aborto.
que têm o valor de uma há várias outras questões em jogo. Entre elas, a ARTIGO
preposição. Estabelece liberdade e a vida. Os artigos definidos (o,
a, os, as) são utilizados
relação opositiva e Apesar da criminalização, uma em cada cinco para designar seres e
encaminha o texto para mulheres terá abortado até os 40 anos no Brasil. objetos específicos. Já
As mais ricas pagam ginecologistas de con- os artigos indefinidos
o questionamento da fiança para fazer o procedimento ou procuram (um, uma, uns, umas) são
criminalização do aborto. clínicas. Quem tem menos recursos opta por empregados para indicar
medicamentos como misoprostol (Cytotec) ou se elementos genéricos.
FUNÇÃO REFERENCIAL, arrisca até mesmo com ervas tóxicas. Repare que não é clara a
ARGUMENTO E JUÍZO identificação em “uma
DE VALOR De acordo com a Organização Mundial da Saú- em cada cinco mulheres”.
O trecho é um exemplo de, a cada dois dias uma mulher morre vítima de Por outro lado, há clareza
da função referencial aborto ilegal no Brasil. É a quarta causa de morte de identificação em “as
da linguagem (que materna no país, atingindo mais mulheres pobres. mais ricas”.
transmite informação de (...) na internet, é fácil encontrar páginas que
forma objetiva). Aqui há oferecem o misoprostol, remédio inicialmente
também um argumento destinado ao tratamento de úlceras, que passou
de autoridade, uma vez a ser usado como abortivo nos anos 1990. Hoje
que a OMS é responsável é o método mais utilizado no mundo para a in-
por regular questões de terrupção da gestação.
saúde pública. A parte (...) Vanessa Dios, doutora em saúde pública
final da frase apresenta
!
um juízo de valor por
apontar que mulheres
pobres morrem mais por
causa do aborto.
14 GE PORTUGUÊS 2018
e presidente da Anis Instituto de Bioética res- METONÍMIA, VARIAÇÃO SAIBA MAIS
ponsável pela PNA 2016 [Pesquisa Nacional de LINGUÍSTICA E FUNÇÃO
Aborto], explica o que atrai as mulheres para o uso POÉTICA AS SEIS FUNÇÕES BÁSICAS
da pílula e como sua proibição gera mais riscos: Outro exemplo de DA LINGUAGEM
metonímia – substitui
“É considerado um método seguro, princi- uma parte (a boca) pelos Função referencial ou denotativa
palmente nas 12 primeiras semanas. A forma indivíduos que propagam Transmite dados e informações de modo neutro e ob-
de se conseguir que é um problema. A mulher a informação. O uso jetivo. É a linguagem típica dos textos jornalísticos, do
vai ter que se deslocar para algum ambiente de da expressão popular discurso científico, dos contratos e relatórios. O uso do
ilegalidade. E aí que está o risco maior do uso “boca a boca”, típica da verbo costuma ser feito na terceira pessoa do singular.
do remédio, já que por não se ter um controle, a linguagem coloquial, Função expressiva ou emotiva
mulher não sabe se está adquirindo uma pílula variante popular, Manifesta uma expressão subjetiva, uma emoção ou
de farinha, por exemplo. (...)” caracteriza a função ponto de vista. As interjeições e as reticências são sinais
poética da linguagem. reveladores da função emotiva, assim como o uso da
Onde é legalizado, como em alguns estados primeira pessoa. Ex: Nós te amamos!
dos Estados Unidos e países da Europa, pode FUNÇÃO REFERENCIAL Função apelativa ou conativa
ser encontrado em farmácias ao custo médio de Predomina em textos em Busca interferir no comportamento do leitor, convencê-lo
US$ 45 (aproximadamente R$ 142). Já no Brasil, que se exige neutralidade de algo ou lhe dar ordens ou conselhos. Presente em
a venda é feita no boca a boca (...) e objetividade. Nessa manuais, livros didáticos e de autoajuda e textos pu-
passagem, por exemplo, blicitários. É comum o uso dos verbos no imperativo.
(...) O remédio fez com que a procura por hos- há informações sem juízo Ex: Não perca esta promoção!
pitais após o procedimento também diminuís- de valor, uma vez que Função poética
se, porém algumas mulheres ainda precisam do são dados fornecidos por Elabora a mensagem de modo criativo e explora a lingua-
atendimento médico (...) órgãos competentes. gem figurada. Está presente na poesia, em provérbios
FUNÇÕES EMOTIVA E e em mensagens publicitárias.
A curetagem após aborto é a cirurgia mais APELATIVA Função fática
realizada pelo SUS, segundo levantamento do Na primeira, o uso da Inicia, prolonga ou encerra um contato. É aplicada em si-
Instituto do Coração (InCor). Foram 181 mil primeira pessoa do plural tuações em que o mais importante não é a comunicação,
procedimentos do tipo apenas em 2015. Pela (sabemos e ficamos) mas sim o desejo de contato entre o emissor e o receptor.
tabela de valores do Datasus, cada curetagem tem a intenção de Predomina nos momentos iniciais e finais de qualquer men-
pós-aborto custa R$ 199,41. (...) estabelecer uma relação sagem ou conversa. Ex: sim, claro, sem dúvida.
de cumplicidade com Função metalinguística
Em uma clínica clandestina também no Rio o leitor. Na segunda, Metalinguagem ocorre quando o emissor explica um
de Janeiro, o valor do aborto pode custar R$ 3,5 solicita-se a sua adesão código usando o próprio código. Por exemplo, uma poesia
mil. Em consultórios tradicionais, o preço do ao que foi pronunciado. cujo tema e assunto seja poesia ou poeta. As gramáti-
procedimento chega a R$ 6 mil. A especialista FUNÇÕES REFERENCIAL cas e os dicionários são exemplos de metalinguagem,
pontua que um serviço caro não é sinônimo de E APELATIVA pois são palavras explicando palavras. Ex: Oração é uma
procedimento seguro: A citação da lei fornece sentença com sentido completo organizada em torno de
ao leitor uma informação um verbo (para explicar a oração usamos uma oração).
“Muitas mulheres morrem em clínicas. Não sa- (função referencial da
bemos se é o método utilizado, se é o equipamento linguagem). Mas essa
ou a dosagem da anestesia que levam a mulher a mesma informação busca
óbito. Só ficamos sabendo depois que acontece e, amedrontar o praticante
com isso, não conseguimos mensurar. Mas é pre- do aborto, ao mostrar
ciso frisar que o aborto é um procedimento seguro as penas de prisão.
desde que feito com orientação e profissionais.”(...) A proposta de mudar a
intenção do interlocutor
No Brasil, a mulher que aborta pode cum- caracteriza a função
prir uma pena de até três anos de prisão, e apelativa.
o médico que realizar o procedimento, até DOIS PONTOS
quatro anos – as exceções são para casos de Aqui os dois-pontos (:)
estupro, risco de morte da mulher ou feto estão sendo empregados
anencéfalo. A PNA critica a criminalização por para esclarecer algo que
ser contraproducente: foi anteriormente citado
(o sentido de inefetiva e
“A julgar pela persistência (...) e pelo fato do nociva).
aborto ser comum em mulheres de todos os grupos
sociais, a resposta fundamentada na criminali-
zação e repressão tem se mostrado não apenas
inefetiva, mas nociva. Não reduz nem cuida:
por um lado, não é capaz de diminuir o número
de abortos e, por outro, impede que mulheres
busquem o acompanhamento e a informação de
saúde necessários para que seja realizado de for-
ma segura ou para planejar sua vida reprodutiva
a fim de evitar um segundo evento desse tipo.”(...)
© TEREZA BETTINARDI 15GE PORTUGUÊS 2018
MEDIEVAL E RENASCENTISTA TROVADORISMO
Primeiras linhas O QUE ISSO TEM Novela de cavalaria
A VER COM A HISTÓRIA
Cantigas e novelas de cavalaria são A Idade Média se A prosa ficcional do Trovadorismo é represen-
as principais produções literárias do estende de 476 a 1453. tada pelas novelas de cavalaria, longas narrativas
Trovadorismo (1189-1418) São características que apresentam os feitos de bravos cavaleiros.
do período a A Demanda do Santo Graal, pertencente ao ci-
T rovadorismo é o período que reúne os descentralização clo bretão ou arturiano, narra as aventuras dos
primeiros registros poéticos da língua do poder, a Cavaleiros da Távola Redonda, a serviço do rei
portuguesa. Estende-se do século XII formação de feudos Artur, em busca do cálice sagrado.
ao XV e corresponde à Idade Média. As prin- autossuficientes, a
cipais produções literárias desse movimento produção agropastoril, A Demanda do Santo Graal
são as cantigas, muito vinculadas à música, e as relações de
as novelas de cavalaria. dependência pessoal Aquele dia, hora de prima, rezada a missa, fez
(vassalagem) e o Lancelote cavaleiro seu filho Galaaz, assim como
Cantigas de amor grande poder da Igreja era costume. E sabei que quantos lá estavam
Católica. Para saber agradavam-se de sua aparência; (...) naquele
As cantigas de amor eram poemas musicados, mais, veja o GUIA DO tempo não se podia achar em todo o reino de Lo-
escritos em português arcaico, sobre o sofri- ESTUDANTE HISTÓRIA. gres donzel tão formoso e tão bem feito; porque
mento amoroso de um eu lírico masculino por em tudo era tal que não se podia achar nada em
uma mulher idealizada e inacessível, à qual ele que o censurasse, exceto que era meigo demais
jurava servir. em seu modo de ser.
Cantiga INTENCIONALIDADE MEGALE, Heitor (org.). A Demanda do Santo Graal.
O eu lírico deseja louvar São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
D. Dinis a dama (senhora).
Os substantivos A ORDENAÇÃO DO CAVALEIRO
Quer’eu em maneira de proençal abstratos “formosura” Neste trecho, Lancelote é convocado a participar da
fazer agora hum cantar d’amor e “bondade” são sagração de seu filho Galaaz como cavaleiro. Note que
e querrei muit’loar mia senhor, empregados na descrição a cerimônia está ligada aos ritos religiosos: ela ocorre
a que prez nem fremosura non fal, idealizada para ressaltar após a celebração da missa, em conformidade com a
a perfeição da visão teocêntrica medieval. O jovem Galaaz apresenta
mulher amada. as virtudes idealizadas para um cavaleiro medieval.
Suas qualidades são ressaltadas e idealizadas.
nen bondade, e mais vos direi en: TEOCENTRISMO
tanto a fez Deus comprida de bem A referência feita a Deus
que mais que todas las do mundo val. reflete a visão de mundo
(...) medieval, marcada pelo
teocentrismo e pela forte
influência cultural exercida
pela Igreja Católica.
METALINGUAGEM
O eu lírico (sujeito que expressa os sentimentos do
autor) compõe um poema que trata do fazer poético
(deseja fazer uma cantiga de amor conforme os
modelos convencionais da Provença, região do sul
da França onde surgiram os primeiros poemas desse
tipo). Trata-se de um texto metalinguístico, pois utiliza
o código de comunicação (a língua) como assunto
ou explicação para o próprio código. É o que fazem
os dicionários. O procedimento também é comum
em textos literários, quando o autor se volta para as
formas de construção do texto.
VOCABULÁRIO [1]
proençal: provençal
hum: um
loar: louvar
prez: qualidades
fal: falta
comprida: repleta
val: vale
16 GE PORTUGUÊS 2018
CONEXÕES DIÁLOGO ENTRE OBRAS
CANÇÃO IDEALIZAÇÃO E AMOR CORTÊS
Queixa CANTIGAS HERÓI MEDIEVAL A obra Tristão e Isolda tem origem na tradição
Nesta música de O trecho mostra o oral popular. Entre as muitas versões existentes,
Caetano Veloso Caetano Veloso, ideal de amor cortês destaca-se O Romance de Tristão e Isolda (1900),
há várias referências e a idealização na escrito por Joseph Bédier. Trata-se de um relato,
Um amor assim delicado às cantigas caracterização do bem ao gosto da Idade Média, do amor impossível,
Você pega e despreza medievais: a coita de herói medieval na cheio de misticismo e aventura. O desenlace trágico
Não devia ter despertado amor (sofrimento), figura de um jovem e da história de amor – um triângulo amoroso entre o
Ajoelha e não reza a presença da figura valoroso cavaleiro. rei Marcos, seu sobrinho Tristão e a princesa Isolda
divina, a idealização TEMPOS VERBAIS – caracteriza bem o período: a morte como solução
Dessa coisa que mete medo da amada e a O pretérito perfeito existencial para o problema dos jovens. Em meio
Pela sua grandeza vassalagem amorosa do indicativo (pegou às desventuras amorosas toma-se contato com o
Não sou o único culpado (submissão). e cantou) marca duas universo dos cavaleiros medievais e com a cultura
Disso eu tenho a certeza VOCATIVOS ações de Tristão. O trovadoresca.
(...) Enfatizam a pretérito imperfeito
Você pensa que eu tenho tudo superioridade (escutava) mostra O Romance de
E vazio me deixa da mulher em Tristão e Isolda
Mas Deus não quer relação ao sujeito o andamento da
poético (“princesa”, narrativa. E o pretérito Joseph Bédier
que eu fique mudo “senhora”), a
E eu te grito esta queixa força e o perigo do mais-que-perfeito TEXTO III
amor (“surpresa”, (conduzira) aponta (...)
Princesa “serpente”), mas – Criança, que sabes da arte dos instrumentos?
também o afeto para uma ação Se os mercadores da terra de Loonnois ensinam
e a cumplicidade anterior à de Tristão. também a seus filhos tocar harpa, levanta-te,
(“amiga”). toma desta harpa e mostra-nos tua arte.
Tristão pegou o instrumento e tão lindamente
Surpresa cantou que os barões se enterneceram. O Rei
Marcos, admirado, escutava o jovem harpista
Você me arrasou METÁFORA vindo de Loonnois, para onde outrora Rivalen
Serpente A mulher amada conduzira Braneaflor.
(...)
Nem sente que me envenenou é chamada de
Senhora e agora “serpente”. Trata-se TEXTO IV
de uma metáfora que, (...)
Me diga aonde eu vou aqui, faz contraposição – Não – disse Tristão –, a muralha de ar já está
Amiga à sacralização da rompida e não é aqui o pomar maravilhoso. Mas,
Me diga amada, uma vez um dia, amiga, iremos juntos à terra afortunada,
de onde ninguém volta. Lá existe um castelo de
que confere a ela mármore branco; em cada uma de suas mil jane-
características las brilha um círio aceso; em cada uma delas toca
sedutoras. um trovador, cantando uma melodia sem fim; o
sol ali brilha, entretanto, ninguém sente falta da
HQ sua luz. Lá é a Terra Feliz dos Vivos!
(...)
[2] CRASE
Neste trecho Tristão e Isolda – Lenda Medieval Celta de Amor.
A tirinha dialoga com a visão idealizada da mulher, tal ocorre o encontro 3ª edição. Ed. Martin Claret.
como concebida pelos trovadores medievais. A palavra da preposição “a”
pedestal, usada com sentido denotativo (significado (solicitada pelo IDEALIZAÇÃO DO CAVALEIRO
próprio e dicionarizado), provoca o efeito de humor: verbo “ir” ) com O texto recria o universo idealizado que circunda a
trata-se realmente de uma construção elevada. o artigo definido figura do cavaleiro medieval.
Geralmente, nesse contexto, a palavra é empregada em “a” que antecede o
sentido conotativo (que diz respeito ao uso figurado), substantivo feminino
designando a elevação de uma pessoa ou situação a “terra”. Note que há
uma posição de superioridade. o artigo “a”, pois o
adjetivo “afortunada”
especifica o
substantivo “terra”.
[1] © TEREZA BETTINARDI [2] © 2016 KING FEATURES SYNDICATE/IPRESS 17GE PORTUGUÊS 2018
MEDIEVAL E RENASCENTISTA HUMANISMO
Literatura IDEOLOGIA O BOBO
de transição Todo texto veicula determinada ideologia, O parvo (tolo) Joane tem
isto é, um conjunto de ideias, valores e crenças como objetivo provocar
Entre o final da Idade Média e o início característicos de um período ou de um determinado o riso, inserindo um
do Renascimento, o Humanismo autor. No caso de Gil Vicente, é possível reconhecer elemento cômico em uma
(1418-1527) coloca o homem como o uma defesa de valores morais típicos do cristianismo, peça que trata da trágica
responsável por seu destino como a celebração das virtudes e a condenação realidade da morte e da
dos vícios. corrupção da sociedade
OHumanismo situa-se numa fase de transi- portuguesa. A inocência e a
ção entre a decadência dos valores feudais INTENCIONALIDADE simplicidade de Joane são
e o surgimento do Renascimento. Uma Note a intenção de Gil Vicente de formar um painel encaradas como virtudes
das principais obras do período, a peça Auto da representativo dos diferentes grupos da sociedade que o tornarão merecedor
Barca do Inferno foi representada pela primeira portuguesa, para apontar modos de correção dos do paraíso. Note que o
vez em 1517. Ela integra a famosa trilogia das costumes, de acordo com a moral cristã. personagem é apresentado
barcas, composta também de Auto da Barca do como desatento e
Purgatório (1518) e Auto da Barca da Glória (1519). Auto da desinformado: dirige-se
Barca do Inferno – ao Diabo sem medo e o
A ação do Auto da Barca do Inferno se passa interroga continuamente.
em um porto, situado em um mundo além- O Parvo A loucura do bobo permite
túmulo, no qual estão ancoradas duas barcas: que ele aponte sem receio
a primeira, comandada pelo Diabo, tem como Gil Vicente de censura os problemas
destino o inferno; a segunda, capitaneada pelo da sociedade portuguesa.
Anjo, seguirá para o paraíso. Nota-se uma visão “Joane. Hou daquesta! LINGUAGEM COLOQUIAL
de mundo cristã, baseada na crença de vida Diabo. Quem é? Os diálogos do Auto da
após a morte e na recompensa das virtudes e Joane. Eu sô. Barca do Inferno estão
punições dos pecados. repletos de expressões
É esta a naviarra vossa? populares e elementos
Nessa peça, Gil Vicente (1465-1536?) critica Diabo. De quem? característicos da
os setores da sociedade de seu tempo: diversos Joane. Dos tolos. linguagem coloquial
representantes das classes sociais são castigados Diabo. Vossa. do período. Repare na
porque cometeram práticas condenáveis pela espontaneidade da
moral cristã. Apenas dois segmentos são enviados Entra! fala do parvo Joane,
ao paraíso: um bobo (o parvo Joane), cuja loucura (...) que assinala a origem
o isenta de responsabilidade pelos seus atos, e popular da personagem:
um grupo de cavaleiros cruzados, que morreram Diabo. De que morreste? a pouca instrução e a
em defesa da fé de Cristo. A própria Igreja, como Joane. De quê? loucura fazem com que o
instituição, não é poupada: um Frade é castigado Bobo possa falar tudo o
pelo afastamento da vida espiritual. No entanto, Samicas de caganeira. que lhe vem à cabeça (até
essa crítica atinge apenas o comportamento do Diabo. De quê? mesmo que morreu de
clero e não questiona os princípios da religião Joane. De caga merdeira! “samicas de caganeira”).
cristã, defendidos pelo autor.
Má rabugem que te dê!
Gil Vicente (...)
Considerado o fundador do teatro português, Joane. Aguardai, aguardai, houlá!
suas peças foram produzidas durante a passa- E onde havemos nós d’ir ter?
gem da Idade Média para a Moderna. Apresenta
aspectos conservadores (como a defesa da moral Diabo. Ao porto de Lúcifer.”
cristã) e inovadores (como a crítica à sociedade).
O teatro vicentino é dividido em farsas (peças de Ateliê Editorial
caráter cômico e crítico sobre questões sociais)
e autos (peças geralmente de cunho religioso). EUFEMISMO
O Diabo, em vez de dizer “inferno”, afirma que a
barca tem como destino o “porto de Lúcifer” e, assim,
ameniza o caráter terrível do ponto de chegada.
Trata-se do uso de eufemismo: figura de linguagem
que estabelece palavra ou expressão mais agradável
para suavizar ou minimizar o peso de outra palavra
ou expressão mais grosseira. Outro exemplo de
eufemismo: O nobre deputado é responsável pelo
desvio de verbas públicas. (A expressão em destaque
é um eufemismo que substitui a expressão “roubo de
dinheiro público”, considerada mais direta e ofensiva).
18 GE PORTUGUÊS 2018
DIÁLOGO ENTRE OBRAS CONEXÕES
A REPRESENTAÇÃO DO BOBO SUBSTANTIVOS PINTURA
E ADJETIVOS
A escritora Clarice Lispector, em uma de suas crô- Veja que a palavra A cena representa uma das imagens (texto não verbal)
nicas, também tratou da figura do bobo. Algumas “bobo” é empregada mais recorrentes da arte medieval: as danças macabras,
características gerais desse personagem lembram como substantivo que mostram um desfile no reino dos mortos, com
o parvo Joane, o bobo que alcança o paraíso no Auto e designa um ser esqueletos e pessoas recém-falecidas. O Auto da
da Barca do Inferno, de Gil Vicente. humano aparentemente Barca do Inferno é um texto verbal que apresenta uma
desatento e estúpido. estrutura sequencial que remete às danças macabras:
Lispector utiliza a ironia para tratar da condição Em outros contextos, os personagens se alternam no palco, diante das duas
do bobo: ao contrário do que muitos pensam, ela é a palavra “bobo” pode barcas, numa espécie de dança. Em ambos os casos, a
vantajosa, pois os ditos espertos desprezam a simpli- ser utilizada como lição, no contexto da religiosidade medieval, é uma só:
cidade dos bobos, que, na verdade, enxergam deta- adjetivo para caracterizar o destino de todos, sem distinção de classe social, é o
lhes da vida que passam despercebidos da maioria. uma pessoa ou situação mesmo. A morte aparece como elemento responsável
Da mesma forma, o parvo de Gil Vicente aponta as tola e ingênua (por por igualar todas as pessoas.
mazelas sociais dos personagens que comparecem exemplo: “Conheci
à frente das barcas. um homem bobo”). SAIU NA IMPRENSA
O destino que Lispector reserva aos bobos tam- A DELAÇÃO DO FIM DO MUNDO
bém é o paraíso. O próprio Cristo, por agir de modo
diferente da maioria, acabou crucificado. Perceba O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato
o tratamento irreverente que a autora confere à no Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta
temática religiosa. terça-feira o fim do sigilo de todos os inquéritos abertos
para apurar irregularidades contra políticos a partir de
Das Vantagens de Ser Bobo delações de executivos e ex-executivos da Odebrecht.
Clarice Lispector No total, as investigações envolvem nove ministros do
governo Michel Temer (PMDB), 28 senadores – incluindo
“O bobo, por não se ocupar com ambições, tem o presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE) – e 42
tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. deputados federais – incluindo o presidente, Rodrigo
Maia (DEM-RJ). Os inquéritos (...) incluem governadores,
(...) ministros (...) e outros políticos. (...)
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os
espertos não veem. Os espertos estão sempre tão Veja.com, 12/4/2017
atentos às espertezas alheias que se descontraem
diante dos bobos, e estes os veem como simples O texto trata da aguardada delação dos executivos
pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sa- da empreiteira Odebrecht. Ela ficou conhecida como
bedoria para viver. “delação do fim do mundo”, devido ao seu potencial
(...) de criar um caos apocalíptico na vida pública brasileira
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem por envolver figuras importantes do cenário político do
estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto país. As ideias de “fim do mundo”, julgamento e juízo
não teria morrido na cruz. final são típicas da literatura medieval.
(...)”
A Descoberta do Mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
POLISSEMIA
Uma mesma palavra pode apresentar múltiplos
sentidos conforme o contexto em que é empregada.
“Bobo” também pode designar, como ocorria na
Idade Média, a profissão dos bufões (fanfarrões),
que entretinham as cortes com demonstrações de
comportamentos pouco convencionais.
BERNT NOTKE/IGREJA DE SÃO NICOLAU 19GE PORTUGUÊS 2018
MEDIEVAL E RENASCENTISTA HUMANISMO
ALEGORIA Auto da Auto da
No teatro vicentino, Barca do Inferno – Barca do Inferno –
elementos concretos
podem, muitas vezes, O Frade Os Cavaleiros
representar ideias Gil Vicente Gil Vicente
abstratas, geralmente
relacionadas a virtudes “Diabo. Que é isso, padre? Que vai lá? “Diabo. Entrai cá! Que cousa é essa?
ou defeitos humanos. Frade. Deo gratias! Som cortesão. Eu não posso entender isto!
Diabo. Sabês também o tordião?
Esse recurso recebe Frade. Por que não? Como ora sei! Cavaleiro. Quem morre por Jesu Cristo
o nome de alegoria. Diabo. Pois, entrai! Eu tangerei não vai em tal barca
Na cena do Frade, o como essa!
tordião (canção festiva) e faremos um serão.
e a dama (amante do Essa dama é ela vossa? (...)
padre) representam, Frade. Por minha a tenho eu,
alegoricamente, o apego Anjo. Ó cavaleiros de Deus,
aos prazeres mundanos e sempre a tive de meu. a vós estou esperando,
Diabo. Fezeste bem, que é fermosa! que morrestes pelejando
e a luxúria, que por Cristo, Senhor dos céus!
corrompiam o clero. E não vos punham lá grosa Sois livres de todo mal,
no vosso convento santo? mártires da Madre Igreja,
IRONIA Frade. E eles fazem outro tanto! que quem morre em tal peleja
Vários setores da Diabo. Que cousa tão preciosa! merece paz eternal.”
Entrai, padre reverendo!
sociedade são Frade. Pera onde levais gente? BERARDINELLI, Cleonice (org.). Antologia do Teatro
apresentados de modo Diabo. Pera aquele fogo ardente de Gil Vicente. 3.ed. Rio de Janeiro/
irônico. Por trás de todo que não temestes vivendo. Brasília: Nova Fronteira/ INL, 1984.
o luxo e erudição que o Frade. Juro a Deus que não t’entendo!
Frade deseja transparecer, E est’hábito não me val? CAVALEIROS MEDIEVAIS
escondem-se um homem Diabo. Gentil padre mundanal, No período medieval, a relação política e social entre
hipócrita e as mazelas a Berzabu vos encomendo!” cavaleiros e senhores feudais originou o código de
da instituição religiosa. cavalaria. A defesa das terras era garantida por cavaleiros
VISÃO DE MUNDO que juravam servir ao seu senhor com lealdade
Por trás da figura Durante a Idade Média, predominara uma visão de (vassalagem). No plano cultural, a relação dos cavaleiros
aparentemente inofensiva mundo teocêntrica, centrada no poder de Deus e na com os senhores feudais levou ao aparecimento, durante
perfeição da Igreja. Na época de Gil Vicente, a realidade o Trovadorismo, do código do amor cortês, no qual um
e desatenta do Parvo já estava mudando: os hábitos religiosos não são mais poeta (trovador) expressava seus sentimentos por uma
(veja na pág. 18), está garantia para a conquista do paraíso; são as atitudes dama da corte (considerada perfeita e superior).
um indivíduo capaz de virtuosas que valem. É isso que o Diabo mostra ao Frade
reconhecer os problemas ao convidá-lo a entrar na barca: apesar de pertencer MORAL CRISTÃ
sociais de seu tempo e à Igreja, a vida mundana pode levar à condenação de O Auto da Barca do Inferno defende uma moral cristã.
qualquer um. Ainda que a moral defendida pelo autor O comportamento dos cruzados, que morreram em
zombar deles. reflita uma concepção de mundo religiosa, a crítica social defesa do cristianismo, é visto como virtuoso. A fala do
revela a transformação da mentalidade no período. Anjo, destacando as qualidades heroicas dos soldados,
tem como objetivo estimular o comportamento virtuoso
do público e a adesão à religião cristã. A recompensa pelo
sofrimento terreno, para o autor, é a conquista do paraíso.
PARA IR ALÉM
Na versão do Auto da Barca do Inferno em quadrinhos,
da Editora Peirópolis, os tipos sociais descritos nas
figuras do Fidalgo, do Frade e do Parvo, entre outros,
aparecem em traços modernos. O humor e o sarcasmo
próprios de Gil Vicente dão o tom à história.
20 GE PORTUGUÊS 2018
DIÁLOGO ENTRE OBRAS
O JULGAMENTO FINAL GÊNERO DRAMÁTICO PERSONAGENS ALEGÓRICAS
A estrutura característica
O Auto da Compadecida, peça escrita em 1955 desse gênero é marcada A peça teatral Lisbela e o Prisioneiro (1964), de
por Ariano Suassuna e ambientada no Nordeste do Osman Lins, é uma comédia com diversas referências
Brasil, apresenta traços muito semelhantes aos dos pela indicação das falas à cultura nordestina brasileira. O par romântico da
autos de Gil Vicente. e pelo caráter coloquial, história é formado pela ingênua e sonhadora Lisbela
e pelo malandro Leléu. No trecho abaixo, observa-se
No fim da peça, as principais personagens partici- apropriado à um diálogo do casal, em que ficam evidentes as
pam de um julgamento após a morte. Estão presentes encenação teatral. virtudes da moça e os vícios do rapaz. Assim como
o Encourado (demônio caracterizado com trajes nor- no teatro de Gil Vicente, notam-se diferentes com-
destinos), que levará os condenados para o inferno, LISBELA portamentos humanos retratados no perfil dos per-
e a Compadecida (Nossa Senhora), que conduzirá os Noiva oficial de sonagens centrais. Por isso, podem ser denominados
bem-aventurados para o paraíso. Dr. Noêmio, representa a personagens alegóricos.
inocência e a pureza.
Assim como no Auto da Barca do Inferno, o padre e Lisbela e o Prisioneiro
o bispo – representantes da Igreja – são condenados.
O Encourado aponta uma série de atitudes reprová- Osman Lins
veis que contradizem os preceitos cristãos.
(...)
Nas duas obras, questões características da so- Lisbela: Não! Leléu, você não pode ir?
ciedade do período são apresentadas de modo a Leléu: Pude. Estou com dois cavalos aí fora. Mas
enfatizar as virtudes e os vícios humanos. era grosseria eu ir com a senhora.
Lisbela: Não precisa continuar me chamando de
Auto da Compadecida senhora.
Leléu: Pra mim é o que a senhora há de ser sempre.
Ariano Suassuna Chamar “você” é um exagero, não mereço tanto.
Dr. Noêmio: Por que você não foi embora, rapaz?
“(...) Por que voltou?
Manuel – Então, acuse o padre. Leléu: Por causa de Dona Lisbela, Doutor. Pra fi-
Padre – De mim ele não tem nada o que dizer! car perto do chão onde ela pisa.
Encourado – É o que você pensa, minha safra hoje Lisbela: Você podia ouvir minhas pisadas junto
está garantida. Tudo o que eu disse do bispo pode de você a vida toda. Por que não me levou?
se aplicar ao padre. Simonia, no enterro do ca- Leléu: Porque a senhora não merece a incerteza
chorro, velhacaria, política mundana, arrogância da minha vida. Não tenho eira nem beira, que tro-
com os pequenos, subserviência com os grandes.” no lhe podia oferecer?
(...)
“(...)
A Compadecida – Na verdade, João tem toda ra- Planeta, 2003
zão. Falei assim por falar, mas que São José era
um santo, não é nenhuma novidade. LELÉU
Encourado – A senhora está falando muito e vê-se Esse protagonista revela-se complexo, pois apresenta
perfeitamente sua proteção com esses nojentos, diferentes identidades. Ex-circense, é mulherengo e volúvel.
mas nada pode dizer ainda em favor da mulher
do padeiro. PARA IR ALÉM
A Compadecida – Já aleguei sua condição de mu-
lher, escravizada pelo marido e sem grande pos- Os filmes O Auto da Compadecida (2000) e Lisbela e
sibilidade de se libertar. Que posso alegar ainda o Prisioneiro (2003), ambos do pernambucano Guel
em seu favor? Arraes, estão disponíveis também no YouTube. O
Padeiro – A prece que fiz por ela antes de morrer. O primeiro conta as aventuras do esperto João Grilo e
mais ofendido pelos atos que ela praticava era eu e, seu fiel companheiro Chicó, em ótimas interpretações
no entanto, rezei por ela. Isso deve ter algum valor. de Matheus Nachtergaele e Selton Mello,
A Compadecida – E tem. Alego isso em favor dos respectivamente. No segundo, a atriz Débora Falabella
dois.” e o ator Selton Mello interpretam o casal protagonista
da trama, ambientada no interior de Pernambuco.
Agir, 2005.
© TEREZA BETTINARDI 21GE PORTUGUÊS 2018
MEDIEVAL E RENASCENTISTA CLASSICISMO
Em busca da
forma perfeita
O Classicismo (1527-1580), estética ANÁFORA [1]
literária do Renascimento, resgata O poeta recorre à anáfora
os ideais de beleza da Antiguidade Amor É Fogo que Arde
Clássica e valoriza a razão (repetição de uma Sem Se Ver
ou mais palavras no
OClassicismo é a estética literária do Re- princípio de duas ou mais Luís Vaz de Camões
nascimento. Nos textos, estão presentes frases) para estruturar o
os mesmos ideais que regiam as demais poema: amor aparece só Amor é fogo que arde sem se ver;
composições artísticas: o respeito à proporção, no primeiro verso, mas É ferida que dói e não se sente;
a busca de perfeição formal, a retomada da ressurge nas repetições É um contentamento descontente;
cultura da Antiguidade clássica, a imitação de do verbo ser. O recurso É dor que desatina sem doer;
modelos de composição greco-latinos (conforme mostra a impossibilidade É um não querer mais que bem querer;
os padrões de representação mimética – imi- de definir o amor sob um É solitário andar por entre a gente;
tativa e recriadora – da realidade), o desejo de único ponto de vista. É nunca contentar-se de contente;
objetividade e a valorização do ser humano. Em É cuidar que se ganha em se perder;
Portugal, a atmosfera científica e racional que PARADOXO É querer estar preso por vontade;
impulsionava as grandes navegações se une aos O poema se constrói É servir a quem vence, o vencedor;
novos ares do Renascimento: quando o poeta em torno de elementos É ter com quem nos mata lealdade.
Sá de Miranda retorna da Itália, em 1526, traz Mas como causar pode seu favor
para a literatura portuguesa as novidades desen- opostos presentes Nos corações humanos amizade,
volvidas por Petrarca (como o soneto italiano na caracterização de se tão contrário a si é o mesmo Amor?
e o verso decassílabo, de dez sílabas poéticas). uma mesma realidade.
Assim, o conflito entre Sonetos de Camões, Ateliê Editorial
Camões lírico
os contrários não é UNIVERSALIDADE
Luís Vaz de Camões (1525?-1580) é o princi- resolvido, e o sentimento O soneto apresenta as contradições características
pal nome do Classicismo português. Sua mais do sentimento amoroso. Nota-se uma série de
importante obra é o poema épico Os Lusíadas amoroso é marcado por afirmações que procuram abarcar os diferentes
(veja na pág. 26), mas também é extensa sua uma tensão existencial. aspectos da experiência amorosa. O poeta, no período
produção lírica (gênero em que o poeta expõe renascentista, transforma-se em um homem capaz de
suas emoções). Seus poemas revelam o uso das EQUILÍBRIO representar os homens de seu entorno e de seu tempo,
novas formas poéticas – os sonetos (poemas de Um elemento de por meio da abordagem de temas universais.
forma fixa, divididos em duas estrofes de quatro equilíbrio está presente:
versos e duas estrofes de três versos) compostos trata-se da estrutura
na medida nova (com versos decassílabos, de simétrica e regular
dez sílabas poéticas). Os temas mais frequentes do poema. A frase
da lírica camoniana são o sofrimento amoroso interrogativa final
e o desconcerto do mundo. procura integrar as
oposições não resolvidas.
O QUE ISSO TEM A VER COM A HISTÓRIA O efeito criado pela
O Renascimento é o movimento intelectual e artístico aparente falta de lógica
que ocorreu entre o século XIV e o XVI na Europa. nas definições (paradoxo)
Representa a nova visão de mundo da sociedade que resulta em harmonia, já
se forma após o grande desenvolvimento comercial que o próprio sofrimento
e urbano iniciado no fim da Idade Média. Elementos amoroso é complexo e
centrais do Renascimento são o antropocentrismo surpreendente.
(valorização do homem) e o racionalismo. Para saber
mais, veja o GUIA DO ESTUDANTE HISTÓRIA.
22 GE PORTUGUÊS 2018
CONEXÕES DIÁLOGO ENTRE OBRAS
PINTURA A RETOMADA DOS VALORES CLÁSSICOS
O Parnasianismo, movimento literário que ocorre
na virada do século XIX para o XX, retoma mais uma
vez os valores poéticos clássicos e defende uma con-
cepção artística preocupada, sobretudo, com a forma
dos textos. Olavo Bilac (1865-1918), o maior nome
do movimento no Brasil, compôs o poema abaixo,
que revela a busca do artista pela perfeição formal.
A tela Amor Sagrado e Amor Profano, de Ticiano, OFÍCIO DE POETA Profissão de Fé
representa as duas concepções de amor que se Do mesmo modo com
opunham no período renascentista: à esquerda há [2] que o ourives trabalha Olavo Bilac
o amor sagrado, representado com pureza, recato com o ouro, de maneira
e comedimento; e à direita há o amor profano, a criar joias perfeitas, (...)
marcado pela paixão, sensualidade e luxúria. Eros, também o poeta opera
o deus do amor, brinca na fonte junto às duas com a palavra à procura Invejo o ourives quando escrevo:
imagens complementares. A caracterização dessa da forma ideal. A inveja Imito o amor
duplicidade está ligada a uma visão de mundo que Com que ele, em ouro, o alto-relevo
privilegia a universalidade. Em todas as épocas e que o eu lírico sente Faz de uma flor.
lugares, a ambiguidade entre amor sensual e amor dos artistas que
espiritualizado estaria presente e seria reconhecida Imito-o. E, pois, nem de Carrara
pelos diferentes públicos. esculpem as pedras o A pedra firo:
conduz a uma reflexão O alvo cristal, a pedra rara,
CANÇÃO sobre a escrita poética. O ônix prefiro.
Monte Castelo IMITAÇÃO Por isso, corre, por servir-me,
Tem início um processo Sobre o papel
Renato Russo de imitação: os artistas A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.
Ainda que eu falasse clássicos, que não
se preocupavam Corre; desenha, enfeita a imagem,
A ideia veste:
com a originalidade, Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
procuravam seguir os Azul-celeste.
grandes modelos de Torce, aprimora, alteia, lima
composição. Também a A frase; e, enfim,
pena do poeta buscará, No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.
de modo meticuloso,
as palavras raras e as (...)
construções sofisticadas
para construir os versos. Antologia Poética, L&PM Editores
A língua dos homens METALINGUAGEM
Assim como vimos em Literatura Medieval,
E falasse a língua dos anjos, na página 16, aqui novamente ocorre um exemplo
da metalinguagem. O poema trata do fazer poético e
Sem amor eu nada seria. RETOMADA descreve o processo de composição dos poemas.
A intertextualidade
É só o amor! É só o amor também está presente
Que conhece o que é verdade. na retomada de um texto
O amor é bom, não quer o mal, bíblico do apóstolo Paulo
Não sente inveja ou se envaidece. acerca do amor.
INTERTEXTUALIDADE
O amor é o fogo que arde sem se ver A canção estabelece um
(...) diálogo intencional com
o soneto camoniano com
Estou acordado e todos dormem. o objetivo de mostrar
Todos dormem. Todos dormem. que as contradições do
Agora vejo em parte, amor estão presentes em
Mas então veremos face a face. qualquer época e lugar.
Constata-se a ideia de
É só o amor, é só o amor universalidade: Camões
(...) não tomou o sentimento
amoroso para si, mas
para toda a humanidade.
[1] © TEREZA BETTINARDI [2] TICIANO/MUSEU GALLERIA BORGHESE 23GE PORTUGUÊS 2018
MEDIEVAL E RENASCENTISTA CLASSICISMO
CONTRADIÇÕES Mudam-se os Tempos, ANTÍTESE
Neste soneto, o Mudam-se as Vontades Note a figura de
poeta constata que o linguagem que contrapõe
mundo é repleto de Luís Vaz de Camões ideias contrárias –
contradições. Espantado, formada pelo par de
percebe que os desejos Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, opostos mal e bem. Ela é
e temperamentos Muda-se o ser, muda-se a confiança; empregada para reforçar
oscilam com o passar Todo o mundo é composto de mudança, a visão de mundo
do tempo. Conforme o Tomando sempre novas qualidades. contraditória do poeta.
pensamento do filósofo PRONOMES
grego Heráclito, retoma Continuamente vemos novidades, Os pronomes
a visão antiga de que Diferentes em tudo da esperança; indefinidos “algum” e
nada permanece igual no Do mal ficam as mágoas na lembrança, “outra” acentuam os
decorrer da existência. E do bem, se algum houve, as saudades. sentimentos de incerteza
e distanciamento
MUDANÇAS O tempo cobre o chão de verde manto, diante das mudanças
Assim como as estações Que já coberto foi de neve fria, do mundo. Já no trecho
E em mim converte em choro o doce canto. do Episódios de Inês de
do ano se sucedem (e Castro (veja na pág. 26),
a neve se converte em E, afora este mudar-se cada dia, o uso dos pronomes
verdor), a vida humana Outra mudança faz de mor espanto, possessivos “sua” e
Que não se muda já como soía. “tua” revela intimidade e
também passa por proximidade.
metamorfoses (o canto Sonetos de Camões, Ateliê Editorial
alegre é convertido em
triste choro).
DESCONCERTO DO MUNDO
Uma das temáticas da lírica camoniana são as
mudanças que ocorrem no mundo. As constantes
modificações acontecem em um ritmo impossível de
ser acompanhado e conduzem ao sofrimento.
[1] IDEALIZAÇÃO Transforma-se o Amador AMOR PLATÔNICO
Uma visão na Cousa Amada O eu lírico constrói o
24 GE PORTUGUÊS 2018 soneto partindo de uma
espiritualizada Luís Vaz de Camões tese inicial, de origem
do amor é platônica: quando aquele
Transforma-se o amador na cousa amada, que ama se identifica
superior aos Por virtude do muito imaginar; totalmente com o
desejos físicos e Não tenho logo mais que desejar, ser amado, alcança a
carnais. Por meio Pois em mim tenho a parte desejada. completude. A identidade
do amor puro e do sujeito poético vai
Se nela está minha alma transformada, sendo transformada pela
idealizado, Que mais deseja o corpo de alcançar? observação idealizada
o sujeito é capaz Em si somente pode descansar, da mulher, considerada
Pois consigo tal alma está liada. perfeita e sublime.
de alcançar PERFEIÇÃO
a plenitude Mas esta linda e pura semideia, Note o caráter divino e
do mundo Que, como o acidente em seu sujeito, puro da mulher, com uma
das ideias. Assim co’a alma minha se conforma, perfeição característica
do mundo elevado das
Está no pensamento como ideia; ideias. O poema reflete a
E o vivo e puro amor de que sou feito, teoria do neoplatonismo
Como matéria simples busca a forma. amoroso e retrata o
processo de purificação
Sonetos de Camões, Ateliê Editorial da alma por meio
do amor.
DIÁLOGO ENTRE OBRAS CONEXÕES
A REINVENÇÃO DO SONETO AMOR PLATÔNICO CANÇÃO
O tema do amor
O poeta brasileiro Vinicius de Moraes (1913-1980), no idealizado e não Apenas Mais uma de Amor
século XX, recuperou a forma clássica do soneto italiano
(com duas estrofes de quatro versos e duas estrofes correspondido, presente Lulu Santos
de três versos) para tratar do sentimento amoroso. no poema Transforma-
se o Amador na Cousa Eu gosto tanto de você
Após a revolução estética promovida pelo Moder- Que até prefiro esconder
nismo, a partir de 1922, a retomada de uma forma Amada, permanece vivo Deixo assim ficar
poética tradicional não contradiz as tentativas de nas canções populares Subentendido
renovação. Abolidas as regras que obrigavam o poeta atuais. Aqui o eu lírico Como uma ideia que existe na cabeça
a compor conforme modelos preestabelecidos, é E não tem a menor obrigação de acontecer
possível o uso das convenções apenas no momento (aquele que expressa os (...)
em que elas são de fato pertinentes. sentimentos do autor)
ABSTRAÇÃO
ENCANTAMENTO prefere ocultar o intenso Repare no caráter ideal do sentimento amoroso, que se
O eu lírico deseja aproveitar ao máximo cada momento amor que sente. conserva como uma experiência abstrata e não precisa
e mostra-se dedicado ao seu amor. Para aquele que se realizar concretamente.
ama, as qualidades do ser amado são intensificadas, PRONOMES
fazendo com que o encantamento seja cada vez maior. A subjetividade ANÚNCIO PUBLICITÁRIO
é reforçada pelo
Soneto de Fidelidade emprego de pronomes
pertencentes à primeira
Vinicius de Moraes pessoa do singular.
O poeta utiliza o pronome
De tudo ao meu amor serei atento possessivo “meu” ao
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto lado de substantivos
Que mesmo em face do maior encanto relacionados ao universo
Dele se encante mais meu pensamento de sua intimidade.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure EFEMERIDADE [2]
Quem sabe a morte, angústia de quem vive Considerando a rápida
Quem sabe a solidão, fim de quem ama passagem do tempo O anúncio acima, além de mostrar alguns estereótipos
e a fugacidade dos relacionados aos universos masculino e feminino,
Eu possa me dizer do amor (que tive): momentos felizes, lembra outro a fim de convencer o público a adotar
Que não seja imortal, posto que é chama o poeta deseja desfrutar um cachorro: o de que esse animal é o melhor amigo
Mas que seja infinito enquanto dure. intensamente os prazeres do homem. A preocupação masculina com o futebol
amorosos. é ressaltada: durante a partida, o cachorro distrai a
Antologia Poética. Rio de Janeiro: BREVIDADE mulher; o interesse feminino por histórias românticas
Editora do Autor, 1960. p. 96. Nota-se nos versos de também é destacado: o cachorro distrai o homem
Vinicius a questão da durante a novela.
UNIVERSALIDADE brevidade da vida, tema E a função apelativa da linguagem aparece por meio do
Além da forma (soneto), a presença de Camões na frequente nos textos uso de um verbo no imperativo: “descubra por que um
obra de Vinicius também se dá pela temática: a do Renascimento. cão é a melhor companhia para um casal”.
universalização do sentimento amoroso. Mas, ao
contrário de Camões, o amor em Vinicius é concreto e
efêmero (não mais eterno e espiritualizado).
[1] © TEREZA BETTINARDI [2] REPRODUÇÃO 25GE PORTUGUÊS 2018
MEDIEVAL E RENASCENTISTA CLASSICISMO
Camões épico AMOR PROIBIDO PRONOME PESSOAL
Um dos episódios mais famosos da história de Portugal, O episódio de Inês de
Luís de Camões compôs a epopeia Os Lusía- retratado por Camões em Os Lusíadas, é a história Castro é repleto de
das, publicada em 1572. Esse poema épico segue de Inês de Castro, amante do príncipe dom Pedro, lirismo e possibilita
os modelos literários da Antiguidade clássica assassinada por causa do amor proibido e coroada reflexões sobre o
(como a Ilíada e a Odisseia, epopeias gregas rainha depois de morta. sentimento amoroso, ao
atribuídas a Homero, e Eneida, epopeia latina de qual se dirige o sujeito
Virgílio). A obra, dividida em dez cantos, narra Os Lusíadas poético. Note o emprego
os principais acontecimentos da história de do pronome pessoal
Portugal e os grandes feitos lusitanos, com base Luís Vaz de Camões “tu” para invocar o
no relato da viagem de Vasco da Gama às Índias. Amor, abordagem que
Ao mesmo tempo que exalta os descobrimentos CANTO III – Episódios de Inês de Castro indica proximidade e
marítimos, Camões faz uma crítica pessimista informalidade em relação
à ambição descontrolada dos conquistadores (...) a um sentimento familiar
portugueses. O autor funde elementos épicos Tu só, tu, puro amor, com força crua aos seres humanos.
e líricos e sintetiza as principais marcas do Que os corações humanos tanto obriga, CARACTERIZAÇÃO
Renascimento português: o humanismo, o ra- Deste causa à molesta morte sua, DO AMOR
cionalismo e as expedições ultramarinas. Como se fora pérfida inimiga. Ao mesmo tempo
Se dizem, fero Amor, que a sede tua que é marcado pela
Universalidade Nem com lágrimas tristes se mitiga, pureza, o amor, com
É porque queres, áspero e tirano, força cruel, submete os
Em Os Lusíadas, a tendência à universalidade Tuas aras banhar em sangue humano. corações. A intensidade
está ligada à valorização das potencialidades do sentimento é
humanas, a qual é concretizada, no caso dos por- Estavas, linda Inês, posta em sossego, incontrolável: feroz,
tugueses, pelo grande projeto das navegações. O (...) áspero e tirano. E muitas
desbravamento de novas terras e o poderio do vezes conduz a desfechos
império lusitano refletem a grandeza racional CANTO IV – Episódio O Velho do Restelo tristes e sangrentos.
e empreendedora do ser humano. OLHAR CRÍTICO
Ó glória de mandar! Ó vã cobiça Portugal aproximava-se
Perfeição formal Desta vaidade, a quem chamamos Fama! do ápice de uma crise
Ó fraudulento gosto, que se atiça cultural e econômica,
O poema também representa a busca estética C’uma aura popular, que honra se chama! profetizada pelo Velho
pela configuração da obra perfeita. A preocu- (...) do Restelo, que denuncia
pação com a forma é uma característica dos a ambição desmedida
movimentos artísticos de inspiração clássica. CANTO X dos conquistadores
Nesse sentido, Os Lusíadas estabelece diálogo portugueses. A crítica
com o poema de Olavo Bilac, Profissão de Fé, que Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho à nação lusitana está
exemplifica a obsessão clássica pela exploração destemperada e a voz enrouquecida, presente em toda a
das capacidades humanas que podem conduzir e não do canto, mas de ver que venho literatura portuguesa
à perfeição da obra de arte. cantar a gente surda e endurecida. – José Saramago, no
O favor com que mais se acende o engenho século XX, em obras como
O QUE ISSO TEM A VER COM A HISTÓRIA não no dá a pátria, não, que está metida A Jangada de Pedra, dá
Entre os séculos XV e XVI, países europeus, como no gosto da cobiça e na rudeza continuidade à tradição
Portugal, empreendem grandes navegações em duma austera, apagada e vil tristeza. de questionamento da
busca de riquezas além-mar. A expansão marítima (...) realidade do país.
resulta em importante revolução comercial, Os versos camonianos
no enriquecimento das burguesias nacionais e na Editora Ática refletem, ainda, a visão
formação de vastos impérios coloniais. Para saber de que o mundo
mais, veja o GUIA DO ESTUDANTE HISTÓRIA. PESSIMISMO está sempre em
A epopeia camoniana não apenas exalta os transformação – assim,
grandes feitos dos conquistadores portugueses: a vaidade dos lusitanos
o sujeito poético expressa à Musa que fará menção a poderia se converter em
aspectos negativos dos empreendimentos marítimos crise e fracasso.
portugueses. Em tom pessimista, o poema alerta que
o sonho de grandeza de Portugal corre o risco de ser
prejudicado pela cobiça e pela ambição.
26 GE PORTUGUÊS 2018
SAIU NA IMPRENSA DIÁLOGO ENTRE OBRAS
SIM, ELE PODE João Pereira Coutinho DESENCANTO E OLHAR NACIONALISTA
Hoje é dia de Super Terça nos Estados Unidos e só Em Viagens na Minha Terra (1846), do autor por-
existe uma pergunta: como explicar o sucesso de Donald tuguês Almeida Garrett, uma viagem de Lisboa a
Trump? São infinitos os artigos que repetem a pergunta Santarém, em 1823, é permeada por digressões, além
como se Trump fosse uma nova epidemia (...) de contar a história sentimental de Carlos e Joaninha.
Li muitos desses artigos. Parei, por motivos óbvios: A obra trava um diálogo convergente e divergente
já não aguentava tanto riso. (...) com o poema épico de Camões, Os Lusíadas. O ufa-
nismo de Camões se opõe ao desencanto de Garrett,
Mas o único artigo com pés e cabeça foi escrito por mas apresenta total sintonia com a profética fala
Daniel Drezner no The Washington Post: se Trump ven- pessimista de O Velho do Restelo (veja na página
cer a indicação republicana, a culpa é dos cientistas ao lado). Ambas as obras, cada uma a seu modo,
políticos. A culpa, no fundo, é de pessoas como eu e da apresentam um olhar nacionalista.
“ciência” que eu pratico. Maldito seja Daniel Drezner!
E não é que ele tem razão? O autor, com seu humor ácido, também inspira
Machado de Assis na criação de Memórias Póstumas
Diz Drezner que, nos últimos anos, os “cientistas” de Brás Cubas. O processo de construção metalin-
desenvolveram uma teoria que consideravam infalível: guístico de Garrett é uma referência fundamental
nas eleições presidenciais, vence quem tem o apoio na prosa machadiana.
do partido.
Viagens na Minha Terra
Foi a confiança na “ciência” que levou o Partido
Republicano a desprezar a ameaça Trump. Aliás, os Almeida Garrett
outros candidatos conservadores se alinharam na
mesma falácia: nos debates, gastaram munições uns (...)
contra os outros – e esqueceram-se de Trump, imperial Desde que entendo, que leio, que admiro Os Lusí-
e ileso. Agora é tarde, Inês é morta. adas, enterneço-me, choro, ensoberbeço-me com
a maior obra de engenho que apareceu no mundo,
(...) desde a Divina Comédia até ao Fausto.
Folha de S.Paulo, 1/3/2016
Neste artigo, publicado antes da eleição de Donald GLÓRIA VERSUS (...)
Trump à presidência dos Estados Unidos, o autor DESILUSÃO Mas essas crenças são para os que se fizeram
escreve sobre o inesperado bom desempenho do grandes com elas. A um pobre homem o que lhe
então pré-candidato republicano. Ele faz referência Enquanto em Os Lusíadas fica para crer? Eu, apesar dos críticos ainda creio
à personagem Inês de Castro, de Os Lusíadas. Para são contadas as glórias no nosso Camões; sempre cri.
reforçar seu texto irônico, o autor lança mão de um dito de Portugal, em Viagens E contudo, desde a idade da inocência em que
popular português que ganhou fama por sugerir que na Minha Terra não há tanto me divertiam aquelas batalhas, aquelas
não adianta reclamar depois dos fatos consumados: armas, barões nem aventuras, aquelas histórias de amores, aquelas
“ Agora, Inês é morta”. O provérbio faz alusão à lenda musas, e Garrett mostra cenas todas, tão naturais, tão bem pintadas – até
de que depois de morta, Inês de Castro foi coroada a desilusão diante de esta fatal idade da experiência, idade prosaica
rainha por dom Pedro. Encontramos no Brasil provérbio em que as mais belas criações do espírito pare-
semelhante: “Não adianta chorar o leite derramado”. um país que não é fiel às cem macaquices diante das realidades do mundo,
tradições, ao espiritual, e os nobres movimentos do coração quimeras de
PARA IR ALÉM entusiastas, até esta idade de saudades do pas-
porque sucumbiu sado e esperanças no futuro, mas sem gozos no
O cartunista Fido Nesti imprimou cores fortes e traços ao materialismo e à presente, em que o amor da pátria (também isto
marcantes na sua adaptação de Os Lusíadas para HQ, ambição (representada será fantasmagoria?) e o sentimento íntimo do
da Editora Peirópolis. Nela, Camões, que também é pela personagem Carlos). belo me dão na leitura dos Lusíadas outro deleite
um personagem, conduz a narrativa. São retratados diverso, mas não inferior ao que noutro tempo me
quatro episódios da grandiosa epopeia: Inês de deram – eu senti sempre aquele grande defeito do
Castro, Gigante Adamastor, O Velho do Restelo e a nosso grande poema; e nunca pude, por mais que
Ilha dos Amores. No YouTube, é possível assistir ao buscasse, achar-lhe, justificação não digo – nem
curta-metragem O Velho do Restelo, do cineasta sequer desculpa.
português Manoel de Oliveira (1908-2015).
Porto: Anagrama, 1984.
27GE PORTUGUÊS 2018
COMO CAI NA PROVA
1. (UNIFESP 2010) Leia o texto de Gil Vicente. c) nos assuntos que podem ser tratados em uma crônica.
d) no papel da vida do cronista no processo de escrita da crônica.
DIABO – Essa dama, é ela vossa? e) nas dificuldades de se escrever uma crônica por meio de uma
FRADE – Por minha a tenho eu crônica.
e sempre a tive de meu. RESOLUÇÃO
DIABO – Fizeste bem, que é fermosa! Predomina a função metalinguística, uma vez que o autor constrói uma
e não vos punham lá grosa crônica para tratar da composição desse gênero textual, enfatizando as
nesse convento santo? dificuldades envolvidas no processo de escrita. Ao resolver questões so-
FRADE – E eles fazem outro tanto! bre as funções da linguagem, é importante identificar o elemento da co-
DIABO – Que cousa tão preciosa! municação priorizado: no caso, a ênfase recai sobre o próprio código (a
crônica), o que permite associar o texto ao recurso da metalinguagem.
No trecho da peça de Gil Vicente, fica evidente uma Resposta: E
a) visão bastante crítica dos hábitos da sociedade da época. Está clara
3. (UNICAMP 2010) Propaganda do dicionário Aurélio
a censura à hipocrisia do religioso, que se aparta daquilo que prega.
b) concepção de sociedade decadente, mas que ainda guarda
alguns valores essenciais, como é o caso da relação entre o frade
e o catolicismo.
c) postura de repúdio à imoralidade da mulher que se põe a tentar o
frade, que a ridiculariza em função de sua fé católica inabalável.
d) visão moralista da sociedade. Para ele, os valores deveriam ser
resgatados e a presença do frade é um indicativo de apego à fé cristã.
e) crítica ao frade religioso que optou em vida por ter uma mulher,
contrariando a fé cristã, o que, como ele afirma, não acontecia
com os outros frades do convento.
RESOLUÇÃO Foto: Reprodução/Unicamp
O Auto da Barca do Inferno realiza, no contexto do Humanismo português,
uma crítica às instituições sociais e religiosas. No fragmento, nota-se Nessa propaganda do dicionário Aurélio, a expressão “bom pra
uma sátira à hipocrisia religiosa por meio da caracterização do Frade, burro” é polissêmica, e remete a uma representação de dicioná-
um personagem materialista e mulherengo, pouco praticante dos valores rio. Explique como o uso da expressão “bom pra burro” produz hu-
cristãos. As características da personagem podem ser identificadas por mor nessa propaganda.
meio das falas dele – como a referência feita à companhia feminina ou
a sugestão dos outros pecados cometidos pelos religiosos do convento.
Resposta: A
2. (ENEM 2014) RESOLUÇÃO
Típica questão sobre polissemia. O humor é provocado pela duplicidade
O exercício da crônica de sentido da expressão “bom pra burro”, que pode ser associada tanto
Escrever crônica é uma arte ingrata. Eu digo prosa fiada, como faz um a um produto de boa qualidade quanto ao direcionamento para pessoas
cronista; não a prosa de um ficcionista, na qual este é levado meio a pouco informadas (reforçando a expressão popular “pai dos burros”).
tapas pelas personagens e situações que, azar dele, criou porque quis.
Com um prosador do cotidiano, a coisa fia mais fino. Senta-se ele dian- 4. (ENEM 2016)
te de uma máquina, olha através da janela e busca fundo em sua ima-
ginação um assunto qualquer, de preferência colhido no noticiário ma- L.J.C.
tutino, ou da véspera, em que, com suas artimanhas peculiares, possa — 5 tiros?
injetar um sangue novo. Se nada houver, resta-lhe o recurso de olhar — É.
em torno e esperar que, através de um processo associativo, surja-lhe — Brincando de pegador?
de repente a crônica, provinda dos fatos e feitos de sua vida emocio- — É. O PM pensou que...
nalmente despertados pela concentração. Ou então, em última instân- — Hoje?
cia, recorrer ao assunto da falta de assunto, já bastante gasto, mas do — Cedinho.
qual, no ato de escrever, pode surgir o inesperado.
COELHO, M. In: FREIRE, M. (Org.). Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004.
MORAES, V. Para Viver um Grande Amor: Crônicas e Poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
Predomina nesse texto a função da linguagem que se constitui Os sinais de pontuação são elementos com importantes funções
a) nas diferenças entre o cronista e o ficcionista. para a progressão temática. Nesse miniconto, as reticências foram
b) nos elementos que servem de inspiração ao cronista. utilizadas para indicar
28 GE PORTUGUÊS 2018
RESUMO
a) uma fala hesitante. Literatura medieval e renascentista
b) uma informação implícita.
c) uma situação incoerente. Trovadorismo, Humanismo e Classicismo são os principais mo-
d) a eliminação de uma ideia. vimentos literários que se desenvolveram no Ocidente durante a
e) a interrupção de uma ação. Idade Média (476 a 1453) e o Renascimento (séculos XIV ao XVI).
RESOLUÇÃO: TROVADORISMO Período que vai do século XII ao XV e reúne
As reticências indicam uma informação implícita, que não foi dita. O os primeiros registros poéticos da língua portuguesa.
policial se enganou (“pensou que...”) e acabou matando uma pessoa.
Resposta: B • Cantiga Há duas temáticas básicas: a lírica e a satírica.
Cantigas líricas Tratam do sofrimento resultante de amores
SAIBA MAIS impossíveis. Dividem-se nas cantigas de amor e de amigo.
Cantigas satíricas Expressam críticas a personalidades e
SINAIS DE PONTUAÇÃO autoridades. Contemplam as de escárnio e as de maldizer.
Reticências • Prosa O principal gênero em prosa do período é a novela
Além da informação implícita, também indicam supressão de de cavalaria (uma longa narrativa protagonizada por heróis
palavras: Amo o campo, as flores, os rios, os pássaros... Interrupções que se caracterizam por virtudes nobres e guerreiras).
de hesitação ou dúvida: Este mal... já tive doutor? Situações em que
o sentido vai além do que foi dito: Deixa o coração sofrer... HUMANISMO Período de transição entre a decadência dos
valores feudais da Idade Média e o surgimento do Renasci-
Ponto mento. Gil Vicente é o maior representante do período, autor
Indica o término do discurso ou interrupção dele: Amanheceu. Entrei de Auto da Barca do Inferno, publicado em 1517. Na obra, os
no dia com entusiasmo. Usa-se nas abreviações: Sr. personagens estabelecem diálogos com o Anjo e o Diabo, dentro
de uma visão de mundo cristã.
Ponto de exclamação
Depois de frases que indicam sentimentos, como alegria, surpresa, CLASSICISMO Período literário que se desenvolve na Renas-
espanto etc.: Que dia lindo! Após interjeições: Ahhh, que susto! cença, nos séculos XV e XVI. Tem influência do pensamento
humanista e da valorização do antropocentrismo (o homem
Ponto de interrogação como o centro do Universo) e do racionalismo (valorização da
Formular perguntas diretas: Você quer namorar comigo? Expressar razão). Tanto nas composições líricas como nas epopeias há
surpresa, indignação etc.: O quê? Você não foi à aula hoje? um resgate das formas e temas que vigoraram na Antiguidade
clássica. Destaca-se o poeta português Luís Vaz de Camões,
Ponto e vírgula autor do poema épico Os Lusíadas.
Separa várias partes do discurso, que têm a mesma importância:
Homens de bem lutam pela dignidade do outro; os do mal, pelo GRAMÁTICA E INTERPRETAÇÃO
próprio benefício. Separa partes de frases que já estão separadas por • Funções da linguagem Em toda comunicação, há uma carga
vírgulas: Maria queria verão, praia e sol; João queria montanha, frio e de intencionalidade, que se relaciona às funções poética (ex:
neve. Separa itens de uma enumeração: Pegar as crianças na escola; poesia), emotiva (cartas e artigos), referencial (textos jornalís-
ir à academia; marcar dentista. ticos e científicos) e apelativa (conselho, anúncio publicitário).
Dois-pontos • Sentidos denotativo e conotativo O primeiro diz respeito
Antes de uma citação ou explicação: Veja o que diz a Bíblia: ao significado literal, dicionarizado (Chegou uma nova fera no
“Amai-vos uns aos outros”. Em frases com discurso direto: Antônio zoológico; fera = animal), enquanto o segundo se refere à lin-
perguntou: – Sua mãe sabe algo sobre isso? guagem figurada (Meu pai ficou uma fera comigo; fera = bravo).
Aspas • Substantivo É a palavra com que se denominam as coisas:
Além da indicação da fala de alguém e de citações (“O amor é ônibus, alegria, Brasil. Em relação ao sentido, há substantivos
fogo que arde sem se ver...” ), elas também indicam expressões que ganham outro significado quando se altera o número
estrangeiras, gírias ou ironia: Atualmente, só lemos “fake news”. (singular ou plural; ex: água e águas) e o gênero (masculino
ou feminino; ex: a capital e o capital).
Vírgula
Veja na pág. 123. • Polissemia Uma mesma palavra pode apresentar múltiplos
sentidos. Ex: pena (parte do corpo das aves; dó; e pena judicial).
29GE PORTUGUÊS 2018
2 LITERATURA COLONIAL
CONTEÚDO DESTE CAPÍTULO
Interpretando: figuras de linguagem........................................................32
Quinhentismo ...................................................................................................34
Barroco ................................................................................................................36
Arcadismo ........................................................................................................... 40
Como cai na prova + Resumo.......................................................................42
Na era da pós-verdade
No debate sobre os conceitos opostos de verdade e
mentira nas redes sociais, os fatos importam menos do
que as opiniões e do que as pessoas escolhem acreditar
“R elativo ou referente a circunstân- Brexit, que defendia a retirada dos britânicos
cias nas quais os fatos objetivos são
menos influentes na opinião pública da UE, divulgou que a permanência do país no
do que as emoções e as crenças pessoais.” Esta
é a definição de pós-verdade (post-truth, em bloco custava US$ 470 milhões por semana.
inglês) do Dicionário Oxford, uma das principais
referências globais para catalogação de novos Ambas eram informações mentirosas.
termos e expressões. O adjetivo foi eleito a
palavra do ano em 2016. Mas é nas redes sociais que as mentiras têm
O termo ganhou popularidade em função, prin- um espaço privilegiado e um terreno fértil para
cipalmente, de dois eventos recentes com reper-
cussão mundial: as eleições presidenciais dos se disseminar. Boatos e narrativas sem base real
Estados Unidos, que levaram Donald Trump ao
poder, e o referendo que culminou com a saída do se espalham com rapidez, confundindo a opinião
Reino Unido da União Europeia (UE), o chamado
Brexit. O uso do termo “pós-verdade” pela mídia pública e tornando turva a percepção da realidade.
global cresceu 2.000% em relação a 2015, e a ex-
pressão deixou de ser um termo periférico para se Assim como os conceitos opostos de verdade
tornar um conceito central nas análises políticas.
e mentira, a oposição de ideias e a existência de
A pós-verdade abriu caminho para os chama-
dos “fatos alternativos” e as fake news, notícias conflitos dualistas são fortes características do
falsas publicadas e divulgadas com o objetivo de
atender a um determinado interesse. Durante Barroco (1601-1768), movimento artístico influen-
as eleições norte-americanas, por exemplo,
a campanha de Trump alardeou que o então ciado pelo final do Renascimento (e a ideia de
presidente Barack Obama era muçulmano, e que
sua oponente, a democrata Hillary Clinton, havia que o homem é o centro do Universo) e o início
criado o Estado Islâmico. Já a campanha pelo
da Contrarreforma (reação católica à expansão
protestante, que recoloca Deus como o centro
do mundo). A tensão entre elementos contrários
(sagrado e profano, fé e
razão, vida espiritual e
vida material) e os dile- VERACIDADE
mas dos artistas do pe- QUESTIONÁVEL
ríodo refletem-se num Donald Trump, então
discurso conturbado, candidato a presidente dos
com o uso frequente de Estados Unidos, é filmado
figuras de linguagem, durante seu primeiro
sobretudo de antíteses debate presidencial,
e paradoxos. em setembro de 2016
30 GE PORTUGUÊS 2018
CARLOS BARRIA/REUTERS 31GE PORTUGUÊS 2018
2 COLONIAL INTERPRETANDO
Quando o texto cria imagens
As figuras de De autoria do filósofo Luiz Felipe Pondé, o seguintes, nas passagens em que faz referência
linguagem estão artigo abaixo foi publicado em 27 de feve- aos produtores culturais, artistas e “especialistas
relacionadas às reiro de 2017 no jornal Folha de S.Paulo. na verdade”). Para isso o autor explora de modo
diversas formas O colunista analisa de forma ácida as interações intenso o recurso das figuras de linguagem – os
de empregar sociais na internet em tempos de “pós-verdade” e diferentes modos de empregar uma expressão
expressões do questionamento do que é falso ou verdadeiro. para além de seu sentido denotativo (diciona-
em sentido rizado) de modo a provocar efeitos diversos.
simbólico Pondé relativiza sobre quem diz a verdade
em um mundo recheado de posições ideológicas A ironia, o paradoxo, a metáfora, a hipérbole
opostas. Critica tanto as pessoas ligadas à direita e o eufemismo, entre outras figuras, têm capa-
quanto à esquerda na produção de mentiras cidade de produzir imagens que apontam para
(“A esquerda é tão canalha quanto a direita em uma linguagem simbólica, indireta, surpreen-
matéria de era da pós-verdade”), embora con- dente ou simplesmente enfática. Ao se utilizar
centre-se na crítica à esquerda (ao se referir a desses recursos, o autor enriquece seu texto e
“agenda ideológica escondida” e nos parágrafos seus argumentos.
PÓS-VERDADE No mundo das redes sociais, IRONIA
O autor quer mostrar que o relativismo virou ‘matéria Pondé sugere que apenas
paga’ os “bonzinhos” (ao longo
o apoio das pessoas a do texto identificados
Trump, Brexit e extrema Luiz Felipe Pondé com a esquerda) falam a
direita só foi conseguido verdade. Ironicamente, o
por meio da divulgação Dizem que estamos na era da pós-verdade. autor afirma algo que vai
Trump é um exemplo. O “brexit”, outro. A extrema desconstruir.
de informações falsas. direita, outro. Enfim, só mente quem não faz parte HIPÉRBOLE E IRONIA
PARADOXO do pacote ideológico dos bonzinhos. De forma bastante
exagerada (hipérbole),
A expressão é Era da pós-verdade é a era em que sites e o colunista defende que
apresentada como um pessoas inventam mentiras contra candidatos, “canalhas” produzem
paradoxo, pois conceito ideias ou pessoas famosas (ou não) para atingir mentiras que podem
(pós-verdade) e definição uma meta específica, além, claro, de ganhar dinhei- destruir (demolir,
(invenção de mentiras) ro com publicidade à base de cliques. Reputações devastar) reputações.
representam duas ideias podem ser destruídas por canalhas produtores de
completamente opostas. mentiras veiculadas nas mídias sociais. CONOTAÇÃO E IRONIA
“Matéria paga” são
APROPRIAÇÃO Mas existe uma fundamentação filosófica para textos publicitários que
Relativismo é um isso: o relativismo sofista e seus descendentes. visam a venda de algo
conceito filosófico que Mesmo que nenhum filósofo relativista tenha ou atendem a algum
admite a existência proposto a mentira como conclusão da negação da interesse. O autor
de diversos pontos de verdade absoluta (o relativismo em si), qualquer sugere que uma mentira
vista. Segundo o autor, pessoa normal (inclusive alunos quando estudam (relativismo) teria esse
as pessoas chamam de relativismo) toma a autorização para mentir mesmo propósito.
verdade seu ponto de como conclusão evidente da postura relativista.
vista e tomam como No mundo das redes sociais, o relativismo se METÁFORA E IRONIA
mentira o ponto de vista transformou em matéria paga. O autor cria uma
de seu oponente. metáfora para designar
JOGO DE IDEIAS É tudo verdade: as plataformas de redes sociais as redes sociais: mundo
Para o filósofo grego acabaram por pulverizar algo que Platão sabia. retórico das opiniões.
Platão, a verdade No mundo retórico das opiniões, ninguém sabe O colunista sugere que a
absoluta não existe. O onde a verdade está. Nas redes sociais, com sua “verdade” depende mais
autor usa a expressão economia dos cliques, ganha mais quem é mais do números de cliques do
“é tudo verdade” para acessado. A sustentabilidade econômica deita que da sua veracidade.
se referir a isso, criando raízes nessa economia dos cliques.
uma oposição de ideias.
!
32 GE PORTUGUÊS 2018
Há um déficit de verdade na democracia con- EUFEMISMO SAIBA MAIS
temporânea. A economia dos cliques é esse fato Usado para suavizar
tornado mercado. Mas há outro fator, mais invisí- uma ideia. A expressão AS PRINCIPAIS FIGURAS
vel para quem não é do ramo, e que figuras como “déficit de verdade” foi DE LINGUAGEM
Trump sacaram. Muitos dos que criticam a era da utilizada para indicar que
pós-verdade nas mídias (“fake news” ou “notícias se fala mentira. Metáfora: é o uso de palavra ou expressão que
falsas”) têm uma agenda ideológica escondida, METÁFORA estabelece uma relação de semelhança com outro
e essa agenda os desqualifica como críticos para “Agenda ideológica” termo, numa espécie de comparação em que o termo
grande parte da população que não frequentou indica a ideologia de não está expresso, mas subentendido. Ex: O meu
as escolas da zona oeste de São Paulo ou cursos um grupo. O autor pai é um touro (o meu pai é forte como um touro).
de ciências humanas de universidades de gente sugere que esse grupo
rica (mesmo que públicas). Você quer saber qual defende uma ideologia Metonímia: estabelece uma relação entre elemen-
é essa agenda escondida? de esquerda, mas de tos pertencentes a um mesmo universo, de modo
forma não declarada. que a parte substitui o todo. Ex: Tenho oito bocas
Agenda escondida é a associação direta entre Estariam, por isso, para alimentar.
ser de esquerda e dizer a verdade. (...) desqualificados para
criticar a pós-verdade Ironia: emprego de uma expressão com o obje-
Não tenho dúvida de que “haters” (odiadores) (pois considerariam tivo de dizer o contrário. Ex: Como você está linda!
mintam. E de que muitos sejam mesmo idiotas mentira tudo o que vai (quando, na verdade, está horrível).
de extrema direita. E de que Trump possa ser um contra sua ideologia).
sério problema para o mundo. E de que Hilary era SEMÂNTICA E Paradoxo: ocorre quando há duas ideias contradi-
melhor, justamente porque é um nada que faria INTENCIONALIDADE tórias relativas a um mesmo referente. Ex: Dormindo
um governo pró-establishment. O colunista usa acordado, sonhei com você.
sinônimos – “moçada do
Mas o que precisa ser dito é que grande parte bem” e “bonzinhos” – Antítese: opõe, numa mesma frase, duas pala-
do “fake news” também é gerado pela moçada do para se referir às pessoas vras ou ideias de sentidos opostos, mas sem haver
bem. Quero ver o dia em que os bonzinhos vão de esquerda, que, contradição. Ex: Estou acordado e todos dormem.
confessar que xingam, mentem, fazem bullying segundo ele, também
virtual e destroem eventos com os quais discor- produzem notícias falsas Eufemismo: estabelece expressão mais agradá-
dam. A esquerda é tão canalha quanto a direita e são “odiadores”. vel para suavizar o sentido. Ex: O réu faltou com a
em matéria de era da pós-verdade. NOVA CRÍTICA verdade no tribunal (mentiu).
Nessa passagem, os
Vejamos um exemplo. A maioria esmagadora produtores culturais Hipérbole: diz respeito aos exageros e à intensifi-
da classe de produtores culturais partilha dessa são identificados com a cação das ideias. Ex: Ela chorou um mar de lágrimas
agenda escondida. Critica tudo que não combine esquerda (partilham da antes de dormir.
com um governo que estimule a cultura (leia-se agenda escondida).
“dê grana pra eles”). Consideram óbvio que se Sinestesia: consiste no cruzamento de alguns dos
alguém dá grana para eles é porque esse alguém METÁFORA E IRONIA cinco sentidos. Ex: Seu olhar é tão doce (associação
é legal e faz o bem. De forma figurada, os de visão e paladar).
artistas são denominados
Ainda teremos que voltar à vaidade como ca- bichos, o que caracteriza Prosopopeia: é a atribuição de característi-
tegoria de análise moral e política neste século uma metáfora. O autor cas humanas a seres inanimados ou a animais.
se quisermos pensar a sério esse comportamento sugere, de forma Ex: O sussurro da floresta assustou os viajantes.
de artistas que se vendem como arautos da ver- irônica, que artistas são
dade moral e política. Pois bem. Esses artistas domesticados (pagos) 33GE PORTUGUÊS 2018
apoiam governos conhecidos pela incompetência por governos que
econômica que destrói vidas (mas se estiverem financiam suas obras
financiando seus filmes, ok!), pela perseguição artísticas.
ideológica (dar exemplos disso até dá sono, não?). PROSOPOPEIA E
Artista sempre foi um bicho fácil de convencer. METONÍMIA
O autor personifica uma
Outro exemplo: acadêmicos e “especialistas corrente ideológica
na verdade”, normalmente todos, votariam na (esquerda): ela sente
Hilary, ou seja, são de esquerda. A esquerda se conforto. Há também
sente tão confortável tendo o monopólio dos me- metonímia porque toma
canismos de produção de conhecimento e cultura a parte (ideologia) pelo
(por culpa mesmo da direita liberal que é tosca) todo (pessoas dessa
que assume sem vergonha o lugar de oráculo da ideologia).
verdade.
(...)
© TEREZA BETTINARDI
2 COLONIAL QUINHENTISMO
O admirável Carta a El Rei D. Manuel CORRESPONDÊNCIA
mundo novo As figuras do enunciador
Pero Vaz de Caminha (autor) e do enunciatário
Relatos de viajantes e autos de (a quem se dirige a
catequização compõem a literatura Senhor: carta) ficam explícitas no
do Quinhentismo (1500-1601) Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, gênero correspondência.
e assim os outros capitães escrevam a Vossa A intenção da mensagem
As manifestações literárias sobre o Brasil Alteza a nova do achamento desta vossa ter- é revelada no início:
têm início em 1500, com a carta redigida ra nova, que ora nesta navegação se achou, informar sobre as terras
por Pero Vaz de Caminha ao rei português não deixarei também de dar disso minha descobertas. Note a
dom Manuel I, logo após os primeiros contatos conta a Vossa Alteza (...) estrutura convencional,
dos portugueses com os índios da Bahia e com a A feição deles é serem pardos, maneira de averme- com vocativo indicando o
natureza exuberante do território desconhecido. lhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. destinatário (“Senhor”),
A literatura em língua portuguesa dos viajantes Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem esti- o corpo do texto (com as
compreende a produção informativa dos cro- mam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e notícias sobre o Brasil), a
nistas, que descreviam as riquezas naturais e os nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. despedida e a assinatura
habitantes do Novo Mundo, e os textos dos mis- Ambos traziam os beiços de baixo furados e meti- do autor.
sionários jesuítas, voltados para a conversão e dos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de com- DESCRIÇÃO
a catequese dos povos indígenas. primento duma mão travessa, da grossura dum O autor faz uma
fuso de algodão, agudos na ponta como um furador. descrição física dos
Relatos de viajantes (...) nativos, destacando as
Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é diferenças entre eles e os
O documento considerado “certidão de nasci- graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á portugueses. A descrição
mento do país”, a carta de Pero Vaz de Caminha nela tudo, por bem das águas que tem. não é pejorativa, como
(1500), conserva o primeiro testemunho sobre Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me pa- se vê no emprego dos
o encontro entre índios e portugueses. O relato rece que será salvar esta gente. E esta deve ser a prin- adjetivos “bons”, usado
procura ser objetivo, mas os comentários sobre cipal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. para caracterizar os
os costumes indígenas e a apreciação das rique- (...) substantivos “rostos” e
zas naturais revelam a admiração e as emoções E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza “narizes”, e “bem-feitos”.
do autor da carta. do que nesta vossa terra vi. E, se algum pouco me SALVAÇÃO
alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha, de Em seguida, Caminha
O escrivão português deixa transparecer, Vos tudo dizer, mo fez assim pôr pelo miúdo. descreve fisicamente
além disso, uma visão de mundo cristã, crente (...) a paisagem brasileira.
na existência do paraíso terrestre e na neces- Beijo as mãos de Vossa Alteza. No entanto, o destaque
sidade de conversão dos povos nativos. Dessa Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, da carta recai sobre
forma, sob a aparência de imparcialidade, Cami- hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. os habitantes nativos:
nha insere seu ponto de vista sobre os fatos o autor mostra-se
observados. preocupado com a
salvação das almas
Textos de evangelização indígenas por meio
da conversão ao
José de Anchieta destacou-se na literatura cristianismo.
quinhentista por suas poesias e autos evange-
lizadores cujo foco era impor a moral religiosa TEXTO INFORMATIVO
católica aos costumes dos indígenas. Após a recomendação sobre o destino dos índios, Caminha
conclui a carta explicitando a intenção informativa do
O padre também elaborou poemas que apenas texto: a extensão do relato está ligada à necessidade de
revelavam sua necessidade de expressão, como prestar contas detalhadas e minuciosas ao rei.
um poeta pagão.
Os poemas mais conhecidos de José de Anchie-
ta são Do Santíssimo Sacramento e A Santa Inês.
34 GE PORTUGUÊS 2018
A Santa Inês CATEQUESE DIÁLOGO ENTRE OBRAS
Os poemas didáticos de
José de Anchieta Anchieta, como A Santa METÁFORA O MODERNISMO E A REFLEXÃO SOBRE O BRASIL
Inês, têm finalidade “Chuva” e “sol” são
Cordeirinha linda, catequética e são elementos metafóricos. Os autores modernistas lançaram um olhar agu-
Como folga o povo, inspirados nas trovas e çado sobre a realidade nacional. O poema Erro de
Porque vossa vinda redondilhas melodiosas Os tempos difíceis Português tem um título ambíguo que, em vez de
Lhe dá lume novo! medievais. Eles se iniciados a partir designar um desvio à norma culta da língua, se refere
assemelham a parábolas do contato entre aos problemas da colonização. Oswald de Andrade
Cordeirinha santa, bíblicas escritas em questiona a intervenção europeia na cultura indíge-
De Jesus querida, versos. índios e europeus são na. Além de aspectos formais inovadores – o verso
Vossa santa vida DIFUSÃO DA FÉ comparados ao ambiente livre (não metrificado), a ausência de pontuação e o
O Diabo espanta. O texto trata, com efeito de humor –, o autor estabelece uma contrapo-
simplicidade, do cinzento de um dia de sição entre o português, que veste o índio com seus
Por isso vos canta confronto entre o bem chuva. Se os indígenas valores repressivos, e o índio, que poderia ter despido
Com prazer o povo, e o mal: a chegada de estivessem em vantagem o português desses mesmos valores.
Porque vossa vinda Santa Inês espanta o em relação ao poderio
Lhe dá lume novo. diabo e, graças a ela, português, a situação Erro de Português
o povo revigora sua poderia ser diferente e,
Nossa culpa escura fé. O poema funciona Oswald de Andrade
Fugirá depressa, como instrumento tal como uma manhã
Pois vossa cabeça evangelizador. de sol, eles teriam Quando o português chegou
Vem com luz tão pura. CULPA E PERDÃO Debaixo de uma bruta chuva
A noção de culpa e de subjugado os invasores. Vestiu o índio
Vossa formosura perdão imposta ao índio Que pena!
Honra é do povo, revela a intervenção Fosse uma manhã de sol
Porque vossa vinda portuguesa, uma vez O índio tinha despido
Lhe dá lume novo. que a ideia de pecado O português
e de necessidade de
Virginal cabeça, purificação não fazia PARA IR ALÉM
Pela fé cortada, parte dos valores
Com vossa chegada indígenas. O tema O filme Caramuru – A Invenção do Brasil (2001), de
Já ninguém pereça; dessa intervenção Guel Arraes, conta a história do pintor português
será retomado pelos Diogo Álvares, que, após um naufrágio, chega ao
Vinde mui depressa modernistas de forma Brasil. A exuberância da paisagem e os adornos dos
Ajudar o povo, crítica e paródica como nativos que ele encontra correspondem à descrição
Pois com vossa vinda no poema Erro de feita pelo escrivão Pero Vaz de Caminha em sua carta.
Lhe dais lume novo. Português, de Oswald Diogo apaixona-se pela índia Paraguaçu, com quem
de Andrade. vive um triângulo amoroso formado por sua irmã,
Vós sois cordeirinha PARALELISMO a índia Moema. O filme, que tem no elenco Selton
De Jesus Formoso; E MUSICALIDADE Mello, Camila Pitanga e Deborah Secco, é baseado no
Mas o vosso Esposo A repetição do verso poema épico Caramuru, do árcade Santa Rita Durão.
já vos fez Rainha. “Lhe dá lume novo” e a
retomada em “Lhe dais 35GE PORTUGUÊS 2018
Também padeirinha trigo novo” reforça o
Sois do vosso Povo, processo catequético e
pois com vossa vinda, confere musicalidade ao
Lhe dais trigo novo. texto. A linguagem clara
contribui para que as
ideias sejam facilmente
assimiladas.
A musicalidade e a
linguagem simples
envolvem o interlocutor
e o sensibiliza para
a mensagem religiosa.
VOCABULÁRIO
folga: se alegra
lume: luz
© TEREZA BETTINARDI
2 COLONIAL BARROCO
Entre o céu Sermão de Santo Antônio EPISÓDIO BÍBLICO
e o inferno aos Peixes A abertura dos sermões
parte sempre de um
Autores do Barroco (1601-1768) vivem Padre Antônio Vieira episódio bíblico. Aqui,
o dilema de conciliar razão e fé ele recorre à metáfora
Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os criada por Cristo segundo
Arte de contrastes, a literatura do período pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da a qual os cristãos devem
barroco utiliza a linguagem de maneira re- terra, porque quer que façam na terra o que faz funcionar de modo
buscada, empregando figuras de linguagem o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas análogo à ação do sal na
(como as antíteses e os paradoxos) que reforçam os quando a terra se vê tão corrupta como está a nos- terra, ou seja, combater
conflitos interiores vividos pelo homem no período sa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual a corrupção.
da Contrarreforma Católica na Europa. O sagrado será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? PARALELISMO
e o profano, o espiritual e o material, o céu e a terra Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se Recursos como o
são alguns dos elementos opostos presentes nas le- não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os paralelismo (veja no
tras barrocas. pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou Saiba mais ao lado) e a
porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, anáfora (veja na pág. 22)
Padre Antônio Vieira sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não são usados para justificar
querem receber. (...) Ou é porque o sal não salga, a pouca eficácia da
A oratória de Padre Vieira (1608-1697), sacer- e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou retórica sacra.
dote jesuíta que alcançou enorme prestígio como porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, CONFLITO
pregador, é um bom exemplo do conceptismo em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Uma característica do
barroco. Essa corrente literária do século XVII Não é tudo isto verdade? Ainda mal! Barroco é a tensão entre
emprega construções sintáticas elaboradas e os valores cristãos e os
imagens ilustrativas para veicular um conjun- (...) prazeres materiais. Neste
to de pensamentos complexos de acordo com Muitas vezes vos tenho pregado nesta igreja, sermão, a realidade
princípios lógicos rigorosos. e noutras, de manhã e de tarde, de dia e de noite, terrena – representada
sempre com doutrina muito clara, muito sólida, pelo comportamento
No Sermão de Santo Antônio aos Peixes, pre- muito verdadeira, e a que mais necessária e im- religiosamente
gado pelo sacerdote português aos cidadãos do portante é a esta terra para emenda e reforma questionável dos
Maranhão em 1654, fica evidente o combate à dos vícios que a corrompem. maranhenses da época –
corrupção da sociedade. Em vários momentos (...) se contrapõe à realidade
de sua fala, ele utiliza o recurso da paráfrase Isto suposto, quero hoje, à imitação de Santo An- espiritual – simbolizada
para construir sua argumentação. tónio, voltar-me da terra ao mar, e já que os homens pelo ideal religioso
se não aproveitam, pregar aos peixes. O mar está defendido pelo jesuíta.
A pregação religiosa de Vieira envolve estraté- tão perto que bem me ouvirão. Os demais podem
gias argumentativas para persuadir o auditório deixar o sermão, pois não é para eles. Maria, quer PRONOME RELATIVO
a aderir a determinados comportamentos e dizer, Domina maris: “Senhora do mar”; e posto A estrutura sintática
crenças. Na prosa doutrinária do religioso, os que o assunto seja tão desusado, espero que me não dos sermões de Vieira
argumentos são sempre dirigidos aos fiéis e falte com a costumada graça. Ave Maria. emprega inúmeras
visam à conversão daqueles que apresentam Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes? relações entre elementos
condutas consideradas viciosas. Os argumentos Nunca pior auditório. Ao menos têm os peixes duas previamente referidos.
fazem uso da sabedoria bíblica, bem como de boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam. Aqui, o pronome relativo
imagens e descrições que facilitam a visualização Uma só cousa pudera desconsolar ao pregador, que “que” retoma o referente
e a assimilação dos conceitos abstratos, com o é serem gente os peixes que se não há-de converter. “os peixes”, que fora
objetivo de reforçar o ponto de vista defendido introduzido no período
pelo sacerdote. (...) ! anterior. Essas ligações
servem para articular os
O QUE ISSO TEM A VER COM A HISTÓRIA METÁFORA elementos dos textos,
A Contrarreforma foi um movimento de afirmação do A prosa de Vieira combina figuras de pensamento e de encadeando-os em uma
catolicismo que tinha por objetivo recuperar o espaço construção para atacar as vaidades humanas. unidade de sentido que
político-religioso perdido para os protestantes, O pregador alude à figura de Santo Antônio, que, reza permite ao leitor seguir
após a Reforma Luterana (1517). O papa Paulo III a lenda, teria pregado para um auditório de peixes. a progressão dos
convoca, em 1545, o Concílio de Trento, que condena Durante o sermão, os peixes funcionam como metáfora argumentos.
o protestantismo e reafirma os princípios católicos. dos homens, aos quais se associam por causa de
A Contrarreforma não consegue acabar com o comportamentos semelhantes. A metáfora é a figura
protestantismo, apenas freia sua expansão. Um de de linguagem que aproxima elementos pertencentes
seus maiores êxitos é a disseminação da fé católica a universos distintos, em razão da existência de
pelas colônias europeias – inclusive o Brasil. Para características semelhantes.
saber mais, veja o GUIA DO ESTUDANTE HISTÓRIA.
36 GE PORTUGUÊS 2018
Ah moradores do Maranhão, quanto eu vos FUNÇÃO APELATIVA SAIBA MAIS
pudera agora dizer neste caso! Abri, abri estas O pregador se dirige
entranhas; vede, vede este coração. Mas ah sim, diretamente ao auditório. PARALELISMO
que me não lembrava! Eu não vos prego a vós, Por meio do uso da
prego aos peixes. função apelativa da Construções em paralelo são aquelas que apresentam
linguagem (veja na pág. a repetição intencional de uma estrutura gramatical em
(...) 15), a argumentação de um texto, com o objetivo de explicitar a relação existente
Antes, porém, que vos vades, assim como ou- Vieira procura persuadir entre duas informações. Essas construções servem para
vistes os vossos louvores, ouvi também agora as o público a aderir aos articular ideias e expressões similares, de um modo cla-
vossas repreensões. valores cristãos. Note ro e simétrico. Há diversas possibilidades de construir
(...) o uso de verbos no estruturas paralelísticas, como você pode ver a seguir:
Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: imperativo.
não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para PRONOMES PESSOAIS Repare que as formas verbais são sempre semelhantes
os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para No fim do sermão, Vieira e que os termos são muito parecidos:
a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os abandona a metáfora
Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior que aproxima homens • Não fomos à escola por ser feriado e por estar nevando.
açougue é o de cá, muito mais se comem os Bran- e peixes. Do mar, o (preposição + verbo no infinitivo)
cos. (...) Morreu algum deles, vereis logo tan- sacerdote passa a terra • Não fomos à escola não só porque era feriado, mas
tos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo. para tratar da realidade também porque nevava. (explicação + verbo no pre-
Comem-no os herdeiros, comem-no os testa- brasileira. A ambição, térito imperfeito)
menteiros, comem-no os legatários, comem-no a mesquinhez, a cobiça • A superfície do planeta é coberta em parte por terra e em
os acredores; comem-no os oficiais dos órfãos e e o egoísmo dos homens parte por água. (note que as estruturas são idênticas,
os dos defuntos e ausentes; come-o o médico, que brancos são apontados mudando apenas o substantivo final)
o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador pelo sacerdote por meio • É necessário que você venha à festa e traga um presente.
que lhe tirou o sangue; come-a a mesma mulher, de exemplos ligados à (verbos no subjuntivo)
que de má vontade lhe dá para a mortalha o len- morte de um cidadão • Era um cachorro problemático, ou seja, agressivo e
çol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a qualquer. Pronomes incontrolável. (adjetivos)
cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, oblíquos são usados para
o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o se referir ao indivíduo Veja um exemplo em que não há paralelismo e, em
não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra. morto, articulando os seguida, a correção segundo a gramática tradicional:
Já se os homens se comeram somente depois diferentes exemplos a
de mortos, parece que era menos horror e menos um mesmo referente e • Eu te amo. Você é linda.(Na primeira frase foi usado
matéria de sentimento. Mas para que conheçais garantindo a unidade um pronome pessoal da 2ª pessoa do singular [te]; na
a que chega a vossa crueldade, considerai, peixes, da argumentação. segunda frase foi usado um pronome pessoal associado
que também os homens se comem vivos assim à 3ª pessoa do singular [você]. Para haver paralelismo
como vós. seria preciso se referir à mesma pessoa.)
(...) • A gramática prescreve: Eu a amo. Você é linda.
Obras Escolhidas. Lisboa:
Sá da Costa, 1952/ 1953.
PARCIALIDADE 37GE PORTUGUÊS 2018
Os sermões de Vieira têm um tom inflamado,
e as frases exclamativas, que procuram impactar o
público, revelam o estilo exaltado do pregador que
fala no púlpito. Essas características explicitam a
parcialidade do orador, defensor da moral cristã
e contrário às práticas de vida que não levam em
consideração os ensinamentos religiosos. Repare
no tom irônico com que Vieira aborda a realidade
terrena e os interesses materiais que estão por trás
das ações humanas.
© TEREZA BETTINARDI
2 COLONIAL BARROCO
Gregório de Matos A Cristo N. S. Crucificado, ARREPENDIMENTO
Estando o Poeta na Última Nas duas primeiras
No período Barroco, o poeta baiano Gregório Hora de Sua Vida estrofes, o poeta expressa
de Matos (1636?-1695) compôs uma série de arrependimento e crença
poemas que refletiam as tensões espirituais do Gregório de Matos no amor infinito de Cristo,
homem da época (dividido entre o pecado e a para manifestar, no final,
salvação, o humano e o divino). Na Bahia do Meu Deus, que estais pendente a certeza da obtenção
século XVII, Gregório ficou conhecido como de um madeiro, do perdão.
“Boca do Inferno”, por satirizar em seus textos IRONIA
aspectos da sociedade política brasileira. Em cuja lei protesto de viver, A imagem do Cordeiro
Em cuja santa lei hei de morrer, inocente é evocada pelo
O autor é um dos expoentes do cultismo, Animoso, constante, firme e inteiro: eu lírico suplicante.
corrente estética do Barroco que utiliza uma Note a ironia usada para
linguagem rebuscada, com relações de sentido Neste lance, por ser o derradeiro, manipular o Criador.
sofisticadas, figuras de linguagem abundantes Pois vejo a minha vida anoitecer; Mais do que um pedido,
e sintaxe requintada. No poema A Cristo N. S. É, meu Jesus, a hora de se ver há uma imposição que
Crucificado, o eu lírico (que expressa os sen- A brandura de um Pai, manso Cordeiro. obriga Deus a perdoar o
timentos do autor) se concentra no conflito pecador. Vieira lança mão
entre matéria e espírito, dialogando com Deus Mui grande é o vosso amor e o meu delito; do mesmo recurso para
a respeito das possibilidades de perdão. Porém pode ter fim todo o pecar, persuadir seus ouvintes.
E não o vosso amor que é infinito. SILOGISMO
Uma característica do soneto barroco é a O soneto encobre uma
estruturação lógica baseada em tese, antítese Esta razão me obriga a confiar, formulação silogística
e síntese. Num primeiro momento, é colocada Que, por mais que pequei, neste conflito – dedução formal em
uma ideia a ser discutida e relativizada – no caso Espero em vosso amor de me salvar. que há duas premissas
do poema A Cristo N. S. Crucificado, o inevitá- a partir das quais, por
vel julgamento da alma do eu lírico por Deus www.dominiopublico.gov.br inferência, se chega a
após a morte. A problematização é baseada em uma conclusão (veja
oposições semânticas como “pecar” e “amor” e PERSUASÃO no Saiba mais abaixo).
“fim” e “infinito”. Em seguida há uma síntese: a Assim como os homens do Maranhão, cujos vícios são Ela pode ser expressa
conclusão de que o amor divino é maior que o apontados pelo sermão de Vieira, Gregório de Matos assim: o amor de Cristo
pecado do eu lírico lhe dá esperança da salvação. admite ser pecador, e não esconde a sua culpa. No é infinito; o meu pecado,
entanto, nota-se um sofisticado jogo de persuasão: por maior que seja, é
ele afirma ter direito ao perdão de Deus. Para o finito, e menor que o
sujeito poético, somente assim fará com que Deus amor de Jesus. Logo, por
adquira o estatuto de piedade e onipotência que lhe maior que seja o meu
são conferidos. Como o pecado é uma característica pecado, eu espero salvar-
humana, o perdão das faltas é obrigação divina. O me. O jogo de ideias e
amor e a salvação são alcançados pelo autor, em troca conceitos, conduzindo
da glorificação e do exercício das virtudes divinas. à formulação de um
raciocínio complexo,
é uma característica
típica do Barroco.
SAIBA MAIS
RELAÇÕES LÓGICAS
As frases podem ser articuladas por mecanismos lógicos, como a pressuposição, a dedução e a indução.
Pressuposição Uma informação pressuposta permanece particulares: Meu pai avisou que estava chovendo. Eu
como circunstância ou fato considerado como antece- saí de casa e, ao sentir pingos finos molhando a minha
dente necessário a outro: Pedro parou de trabalhar na roupa, constatei que ele tinha razão.
firma do pai (informação pressuposta para que a sentença
faça sentido: Pedro trabalhava na firma do pai). Indução Parte de um caso particular para chegar a uma
afirmação geral: Saí de casa e comecei a sentir pingos
Dedução O raciocínio dedutivo consiste em uma infe- finos molhando a minha roupa. Concluí, então, que co-
rência que parte de dados gerais para tratar de dados meçava a chover. Voltei para buscar o guarda-chuva.
38 GE PORTUGUÊS 2018
SAIU NA IMPRENSA CONEXÕES
CULPAS E REGRAS PINTURA
Contardo Calligaris [1]
(...)
No movimento gay entre os anos 1960 e os 1980, a [2]
estratégia de “coming out” (de se revelar ou se des-
mascarar) não era tanto uma provocação contra uma Enquanto os poetas barrocos dispunham de figuras de
sociedade repressora quanto uma declaração pública linguagem (antíteses e paradoxos) para imprimir os
para acabar com a culpa interna. contrastes típicos do período, pintores como o italiano
Sem a culpa interna e a vergonha que ela produz, Caravaggio, autor de David Vencedor de Golias (no alto),
o poder de uma lei repressora é mínimo – ele acaba trabalharam os mesmos conflitos com base na dualidade
valendo apenas como um exercício de força, sem au- claro/escuro e na dramaticidade das imagens.
toridade simbólica. No período neoclássico ou árcade, as contradições e
A culpa, em suma, não é o efeito de nossas trans- os excessos do Barroco são substituídos pelos ideais
gressões da regra social. Ao contrário, a regra social de harmonia, suavidade e equilíbrio. Como na pintura
aproveita a culpa para poder se impor. Ou seja, a culpa Cristo Crucificado (acima), do espanhol Francisco Goya,
interna é uma condição, não um efeito, da repressão. que explora a temática religiosa, recorrente no Barroco,
Em outras palavras ainda, minha culpa e minha mas com outra abordagem. Note as linhas serenas
vergonha servem para instituir e sustentar a regra e harmoniosas de um corpo limpo, sem sangue,
que parece (mas só parece) motivá-las. Como em “O que transmitem a sensação de que a morte é dor,
Processo”, de Kafka: primeiro sinta-se culpado, logo não agonia. Os traços fortes e as abundantes
lhe diremos de quê. sombras do Barroco dão lugar a um dramatismo sutil,
Há os casos em que a culpa interna e a repressão sem emoções exageradas.
que ela permite são necessárias para o convívio social
– por exemplo, para que a gente não se mate em cada 39GE PORTUGUÊS 2018
esquina. Mas, em geral, o que acontece é que nossa
neurose média nos leva a oferecer nossa culpa como
um sacrifício aos deuses da cidade, como se nós esti-
véssemos sempre pedindo: “Me reprimam, por favor”.
(...)
Folha de S.Paulo, 28/1/2016
Nesta crônica, o leitor é levado a refletir sobre o
sentimento de culpa na sociedade atual. O colunista
sugere que a culpa interna e a vergonha são os agentes
mais eficazes para o cumprimento das regras sociais.
A questão da culpa aparece tanto no poema de
Gregório de Matos como no sermão de Padre Vieira.
No poema de Gregório de Matos, a culpa seria expiada
pelo perdão divino. No sermão de Padre Vieira, os vícios
seriam redimidos por meio da adesão ao cristianismo.
A questão religiosa é evocada para justificar a presença
do sentimento de culpa.
Em toda a argumentação há um conflito: de um lado,
a ideia de culpa teria sido reforçada pela moral
repressora da Igreja – este é o aspecto moralizante
dos sermão de Vieira; do outro, a religião também
pode proporcionar o perdão – este é o aspecto piedoso
presente no poema de Matos.
Já no Arcadismo (veja a pág. 40), a busca por uma
existência simples, voltada para o prazer (carpe diem)
e livre de preocupações atenuou o sentimento de
culpa. A preocupação com a felicidade conduziu a uma
estética baseada na exaltação dos prazeres terrenos.
[1] CARAVAGGIO/MUSEU DO PRADO [2] FRANCISCO GOYA/MUSEU DO PRADO
2 COLONIAL ARCADISMO
A inspiração Liras SIMPLICIDADE
da natureza Os versos revelam a
Tomás Antônio Gonzaga condição superior do
No Arcadismo (1768-1836), eu lírico (que expressa
a produção poética privilegia a Lira I os sentimentos do
simplicidade e a vida no campo autor), que não cuida de
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, gado alheio, tem casa
Omovimento árcade também pode ser que viva de guardar alheio gado, própria e possui bens.
chamado de “neoclassicista”, pois retoma de tosco trato, de expressões grosseiro, Esses versos são típicos
elementos da tradição greco-latina. A dos frios gelos e dos sóis queimado. do convencionalismo
busca de equilíbrio e de simplicidade formal Tenho próprio casal e nele assisto; e do artificialismo
(por oposição ao rebuscamento barroco) ca- dá-me vinho, legume, fruta, azeite; árcades, em defesa
racteriza os textos que, no período iluminista, das brancas ovelhinhas tiro o leite, de uma vida pastoril
valorizavam a razão e o aproveitamento dos e mais as finas lãs, de que me visto. e de uma paisagem
prazeres terrenos. Graças, Marília bela. europeia (acentuada por
Graças à minha Estrela! elementos como “azeite”
No Brasil, essa mesma mentalidade, aliada e “vinho”), distante da
a acontecimentos como a independência dos Eu vi o meu semblante numa fonte: realidade da cidade
Estados Unidos, motiva jovens estudantes e dos anos inda não está cortado; de Vila Rica. Apesar da
poetas de Vila Rica (atual Ouro Preto, em Minas os Pastores que habitam este monte descrição de aspectos
Gerais) a promover uma nova estética na produ- respeitam o poder do meu cajado. da vida burguesa, o ideal
ção poética, ao mesmo tempo que organizam a Com tal destreza toco a sanfoninha, exaltado se refere a uma
Inconfidência Mineira, a fim de libertar o Brasil que inveja até me tem o próprio Alceste: vida simples, ligada ao
do domínio português. ao som dela concerto a voz celeste desprezo pelos bens
nem canto letra, que não seja minha. materiais.
Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), poeta (...) VALORIZAÇÃO
que adotou as convenções pastoris e bucólicas do DA NATUREZA
Arcadismo, compôs um longo poema dedicado à Lira XIII Dirceu propõe a sua
amada Marília, no qual exalta a vida campestre amada uma ida ingênua
e constrói uma argumentação que convida, de Ornemos nossas testas com as flores. ao campo. O tema da
acordo com a ideia do carpe diem (viver o dia E façamos de feno um brando leito, fuga da cidade atualiza a
intensamente), a aproveitar os momentos breves Prendamo-nos, Marília, em laço estreito, expressão clássica fugere
e efêmeros da vida. Gozemos do prazer de sãos Amores. urbem. A natureza passa
Sobre as nossas cabeças, a ser vista como o lugar
O QUE ISSO TEM A VER COM A HISTÓRIA Sem que o possam deter, o tempo corre; ideal e privilegiado para
Iluminismo é a corrente de pensamento dominante E para nós o tempo, que se passa, os idílios amorosos e
na Europa, no século XVIII (conhecido como “século Também, Marília, morre para uma vida amena.
das luzes”), e defende o predomínio da razão e da Com os anos, Marília, o gosto falta, PRAZERES TERRENOS
ciência sobre a fé, representando a visão de mundo E se entorpece o corpo já cansado; A simplicidade e a pureza
da burguesia. Os ideais iluministas foram reunidos triste o velho cordeiro está deitado, do comportamento
na Enciclopédia, organizada pelos filósofos Diderot e o leve filho sempre alegre salta. inocente dos pastores
e D’Alembert. Para saber mais, veja o GUIA DO A mesma formosura são reforçadas pela
ESTUDANTE HISTÓRIA. (...) amenização do discurso
Ah! Não, minha Marília, erótico, disfarçado em
INSTANTES Aproveite-se o tempo, antes que faça imagens bucólicas
PASSAGEIROS O estrago de roubar ao corpo as forças e descrições de
A experimentação dos E ao semblante a graça. travessuras infantis.
prazeres materiais não No entanto, por detrás
é vista sob o signo do www.dominiopublico.gov.br da suposta pureza e
pecado e não causa contemplação, há o
arrependimento. PERSUASÃO desejo de concretização
A existência é O uso de uma linguagem simples, sem construções dos prazeres do corpo.
formada por instantes sintáticas sofisticadas, chama atenção para os ideais
passageiros, e o tempo de simplicidade defendidos pelo movimento.
deve ser aproveitado O processo persuasivo acontece sob a forma de um
para desfrutar a convite – e não necessariamente de um convencimento
felicidade terrena direto e explícito.
(atualiza-se a expressão
clássica do carpe diem).
40 GE PORTUGUÊS 2018
ARGUMENTAÇÃO CONEXÕES SAIBA MAIS
Ainda que o tempo
os separe por dois CANÇÃO ADJETIVOS
séculos, ambos os
apaixonados vivem Pelados em Santos O adjetivo – que acompanha o substantivo, indican-
situações parecidas: do qualidade – pode desempenhar várias funções nas
desejam conquistar a Mamonas Assassinas sentenças, conforme o contexto em que está inserido.
amada. Para isso, usam
técnicas argumentativas Mina, Adjetivos indicando característica ou qualidade
similares. Gonzaga quer Seus cabelo é “da hora”, • A conferência internacional reuniu representantes de
mostrar à sua musa seus Seu corpo é um violão, países pobres e de países ricos. (neste caso, pobres e
dotes (fazenda, gado). Meu docinho de coco, ricos são adjetivos )
Já o eu lírico de Pelados Tá me deixando louco.
em Santos conta com sua Adjetivos utilizados como substantivo
Minha Brasília amarela • Robin Hood roubava o dinheiro dos ricos e entregava
Brasília amarela Tá de portas abertas, aos pobres. (as palavras destacadas funcionam como
e alguns presentes Pra mode a gente se amar, substantivos)
no processo de sedução Pelados em Santos.
Adjetivos usados como advérbio
burguesa. Pois você minha “Pitxula”, Os adjetivos podem acompanhar um verbo e indicar
VALORES BURGUESES Me deixa legalzão, as circunstâncias da ação
Não me sinto sozinho, • João era um garoto tímido e baixo. (aqui, tímido e baixo
A canção apresenta Você é meu chuchuzinho! são adjetivos que se referem ao substantivo garoto)
valores da burguesia: Music is very good! (Oxente ai, ai, ai!) • João era um garoto tímido e falava baixo. (tímido é adjeti-
o conquistador tenta se vo, mas baixo torna-se um advérbio ligado à ação de falar)
passar por um integrante Mas comigo ela não quer se casar,
dessa classe, mas termos Na Brasília amarela com roda gaúcha, Alteração de sentido em razão da colocação (antes
Ela não quer entrar. ou depois do substantivo)
populares (oxente) • João será, provavelmente, um homem grande. (= alto)
revelam sua condição: É feijão com jabá • João será, provavelmente, um grande homem. (= virtuoso)
trata-se de um sujeito Desgraçada num quer compartilhar
pertencente às camadas Mas ela é lindia
Muitcho mais do que lindia
populares. Very, very beautiful
DISTINÇÃO Você me deixa doidião
O tênis Reebok e a Oh, yes! Oh, nos!
calça Fiorucci, produtos Meu docinho de coco
importados do Paraguai, (...)
davam a distinção
necessária ao rapaz, Pro Paraguai ela não quis viajar,
assim como os produtos Comprei um Reebok e uma calça Fiorucci,
“importados” (azeite Ela não quer usar.
e vinho), produzidos
na fazenda de Dirceu, Eu não sei o que faço
Pra essa mulé eu conquistchar
em Liras. Por que ela é lindia
ADJETIVO (...)
Reebok é o adjetivo
que acompanha o MESMA PROPOSTA
substantivo tênis, Da mesma forma que no poema árcade Marília de
que está subentendido. Dirceu, um sujeito apaixonado convida uma jovem para
Neste caso, podemos ir a um local afastado da cidade, propondo diversões
dizer que Reebok é um inocentes que ocultam as reais intenções de aproveitar
adjetivo substantivado os prazeres sensuais da vida.
(veja outros usos
do adjetivo no Saiba mais
ao lado).
© TEREZA BETTINARDI 41GE PORTUGUÊS 2018
2 COMO CAI NA PROVA
1. (UFRJ 2011 – ADAPTADA) b) contraposição ao litoral, na concepção dada pelos caiçaras, que
identificam o sertão com a presença dos pinheiros.
SONETO
[Moraliza o poeta nos ocidentes do sol c) analogia à paisagem predominante no Centro-Oeste brasileiro, tal
como foi encontrada pelos bandeirantes no século XVII.
a inconstância dos bens do mundo]
d) metáfora da cidade-metrópole, referindo-se à aridez do concreto
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, e das construções.
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura, e) generalização do ambiente rural, independentemente das
Em contínuas tristezas a alegria. características de sua vegetação.
Porém se acaba o Sol, por que nascia? RESOLUÇÃO
Se formosa a Luz é, por que não dura? A palavra “sertão” é uma metáfora para interior do Brasil, usada em
Como a beleza assim se transfigura? contraponto à cidade ou à metrópole, caracterizada pela aridez do
Como o gosto da pena assim se fia? concreto e das construções. Ao mencionar o material de que é feito
o violão, o poeta não alude à vegetação típica do sertão, mas sim à
Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza, simplicidade do povo do interior que usa os recursos de que dispõe
Na formosura não se dê constância, para desenvolver uma cultura popular representativa do meio a que
E na alegria sinta-se tristeza. pertence (“meu violão/ Feito de pinheiro da mata selvagem/ Que enfeita
a paisagem lá do meu sertão”).
Resposta: E
Começa o mundo enfim pela ignorância, 3. UNICAMP (2012 ADAPTADA)
E tem qualquer dos bens por natureza Há notícias que são de interesse público e há notícias que são de in-
A firmeza somente na inconstância. teresse do público. Se a celebridade “x” está saindo com o ator “y”, is-
so não tem nenhum interesse público. Mas, dependendo de quem se-
MATOS, Gregório. Obras Completas de Gregório de Matos. Salvador: Janaína, 1969, 7 volumes. jam “x” e “y”, é de enorme interesse do público (...)
Todo soneto apresenta a estruturação: tese, antítese e síntese. Fernando Barros e Silva, O jornalista e o assassino. Folha de São Paulo (versão on line),
Com base nessa informação, faça o seguinte: 18/04/2011. Acessado em 20/12/2011.
a) Explique de que maneira a síntese do soneto de Gregório de
A palavra público é empregada no texto ora como substantivo, ora
Matos vincula-se ao projeto estético do Barroco. como adjetivo. Exemplifique cada um desses empregos e apresen-
b) Descreva como a relação entre os sentimentos de “alegria” e te o critério que você utilizou para fazer a distinção.
“tristeza” ganha novo sentido no desenrolar do soneto. RESOLUÇÃO
Em “Há notícias que são de interesse público (...)”, a palavra público
RESOLUÇÃO tem função de adjetivo, uma vez que qualifica o substantivo
a) A síntese do soneto (“A firmeza somente na inconstância”) relaciona-se interesse. Já em “(...) há notícias que são de interesse do público”,
ao projeto estético do Barroco pela problematização de uma ques- a palavra público aparece como substantivo e nomeia povo, grupo
tão central: conciliar o inconciliável, ou seja, aproximar concepções de pessoas.
antagônicas como, por exemplo, tristeza/alegria e luz/sombra, o que
caracteriza o típico conflito barroco. 4. (IFBA 2016)
b) A concepção mais comum de que a alegria é inviabilizada por
contínuas tristezas é reconstruída, ou seja, alegria e tristeza podem
coexistir (“E na alegria sinta-se tristeza”).
2. (FUVEST 2013 ADAPTADA)
São Paulo gigante, torrão adorado
Estou abraçado com meu violão
Feito de pinheiro da mata selvagem
Que enfeita a paisagem lá do meu sertão
Tonico e Tinoco, São Paulo Gigante.
Nos versos da canção dos paulistas Tonico e Tinoco, o termo “ser- Analise a imagem acima e identifique a figura de linguagem em evi-
tão” deve ser compreendido como dência no título da manchete.
a) descritivo da paisagem e da vegetação típicas do sertão existente a) Metáfora. b) Hipérbole. c) Hipérbato.
d) Metonímia. e) Pleonasmo.
na Região Nordeste do país.
42 GE PORTUGUÊS 2018
RESUMO
RESOLUÇÃO Literatura Colonial
Na capa do jornal foi usado o nome da localidade (Rio de Janeiro) para
se referir aos profissionais do estado ou da cidade. Ou seja, não é o Rio QUINHENTISMO (1500-1601) Período que abrange as pri-
de Janeiro quem investiga, mas sim os profissionais que lá moram. meiras manifestações literárias produzidas no Brasil, à época
O uso de um termo (localidade) para tratar do sentido de outro (pessoas de seu descobrimento. Inclui a literatura de informação – os
que lá moram) é característico da figura de linguagem metonímia. relatos dos viajantes europeus, como a carta de Pero Vaz de
Resposta: D Caminha ao Rei dom Manuel – e os textos dos missionários
jesuítas, como os do padre José de Anchieta, para a evange-
5. (UERJ 2016 ADAPTADA) lização dos indígenas.
TERRORISMO LÓGICO BARROCO (1601-1768) A literatura usa a linguagem de ma-
O terrorismo é duplamente obscurantista: primeiro no atentado, de- neira rebuscada, empregando figuras de linguagem (como a
antítese e os paradoxos) que reforçam os conflitos morais (o
pois nas reações que desencadeia. Said e Chérif Kouachi eram descen- sagrado versus o profano, por exemplo) vividos pelo homem
dentes de imigrantes. Said e Chérif Kouachi são suspeitos do ataque ao da época. O poeta Gregório de Matos e o padre Antônio Vieira
jornal Charlie Hebdo, na França. Se não houvesse imigrantes na Fran- são os dois grandes nomes do período.
ça, não teria havido ataque ao Charlie Hebdo. Said e Chérif Kouachi,
suspeitos do ataque ao jornal Charlie Hebdo, eram filhos de argelinos. ARCADISMO (1768-1836) Os poetas buscam a harmonia
Zinedine Zidane é filho de argelinos. Zinedine Zidane é terrorista. Said com a natureza e exaltam as belezas do campo. Alguns criam
e Chérif Kouachi, suspeitos do ataque ao jornal Charlie Hebdo, eram fi- pseudônimos, assumindo personalidade de antigos pastores
lhos de argelinos. Said e Chérif Kouachi sabiam jogar futebol. Muçulma- gregos. Destacam-se Tomás Antônio Gonzaga, com as Liras
nos são uma minoria na França. Membros de uma minoria são suspei- de Marília de Dirceu, e Claudio Manuel da Costa, que tiveram
tos do ataque terrorista. Olha aí no que dá defender minoria... A esquer- participação na Inconfidência Mineira.
da francesa defende minorias. Membros de uma minoria são suspeitos
pelo ataque terrorista. A esquerda francesa é culpada pelo ataque terro- GRAMÁTICA E INTERPRETAÇÃO
rista. A extrema direita francesa demoniza os imigrantes. O ataque ter- • Figuras de linguagem É o uso de determinadas palavras ou
rorista fortalece a extrema direita francesa. A extrema direita francesa expressões com sentido diferente do usual com o objetivo de
está por trás do ataque terrorista. Marine Le Pen é a líder da extrema di- enfatizar uma ideia. As principais são a metáfora (Ex: Aquele
reita francesa. “Le Pen” é “O Caneta”, se tomarmos o artigo em francês ator é um gato), que aproxima elementos que têm caracte-
e o substantivo em inglês. Eis aí uma demonstração de apoio da extre- rísticas semelhantes; e a metonímia (Ex: Eu li Machado de
ma direita francesa à liberdade de expressão (...). Numa democracia, é Assis), que, no caso, substitui o autor pela obra.
desejável que as pessoas sejam livres para se expressar. Algumas dessas
expressões podem ofender indivíduos ou grupos. Numa democracia, é • Paralelismo São construções que apresentam a mesma
desejável que indivíduos ou grupos sejam ofendidos. Os terroristas que estrutura. Exemplo de mesma estrutura gramatical é: Eu a
atacaram o jornal Charlie Hebdo usavam gorros pretos. “Black blocs” amo, pois você é linda (os pronomes “a” e “você” referem-se
usam gorros pretos. “Black blocs” são terroristas. Todo abacate é verde. à mesma pessoa, a 3ª do singular).
O Incrível Hulk é verde. O Incrível Hulk é um abacate.
• Relações lógicas As frases podem ser articuladas por
Antonio Prata. Adaptado de Folha de S.Paulo, 11/01/2015. mecanismos lógicos:
Pressuposição Circunstância ou fato considerado como
Antonio Prata construiu uma série de variações do argumento tí- antecedente necessário a outro.
pico do método dedutivo, conhecido como “silogismo” e normal- Ideia implícita É aquilo que se imagina ter em mente,
mente organizado na forma de três sentenças em sequência. porém não está expresso.
A organização do silogismo sintetiza a estrutura do próprio méto- Dedução Parte de dados gerais para tratar de dados par-
do dedutivo, que se encontra melhor apresentada em: ticulares.
a) premissa geral – premissa particular – conclusão Indução Parte de um caso particular para chegar a uma
b) premissa particular – premissa geral – conclusão afirmação geral.
c) premissa geral – segunda premissa geral – conclusão particular
d) premissa particular – segunda premissa particular – conclusão geral • Adjetivos O adjetivo pode desempenhar várias funções nas
sentenças, segundo o contexto em que ele está inserido, tais
RESOLUÇÃO como: indicar característica ou qualidade do substantivo,
Uma das relações lógicas possíveis é a dedução. Seu método parte ser empregado como substantivo ou advérbio e alterar o
sempre do aspecto geral para um aspecto particular. No silogismo, sentido do substantivo em razão de sua colocação (antes
esse caminho se realiza da premissa geral para a premissa particular ou depois do substantivo).
e leva a uma conclusão. No entanto, a confusão reside no fato de que
a simples associação de dois aspectos incomuns entre pessoas ou 43GE PORTUGUÊS 2018
situações não procede.
Resposta: A
3 LITERATURA DO ROMANTISMO
CONTEÚDO DESTE CAPÍTULO
Interpretando: intertextualidade..............................................................46
1ª geração romântica......................................................................................48
2ª geração romântica......................................................................................54
3ª geração romântica......................................................................................56
Como cai na prova + Resumo.......................................................................60
Índios sob ameaça
Governo tenta mudar o sistema de demarcação de terras
indígenas, mas é obrigado a recuar depois da repercussão
negativa provocada pela medida
O Brasil conta atualmente com 562 terras áreas exclusivas para os índios. “Trata-se de criar
indígenas, concentradas principalmente
na região amazônica. Em diferentes está- uma comissão para burocratizar a demarcação. É
gios de regularização, essas áreas abrigam 58% dos
quase 900 mil índios brasileiros. A demarcação um passo a mais para travar o processo”, disse na
de terras exclusivas para ocupação indígena é
apontada por especialistas como um dos principais ocasião o jurista e ex-presidente da Funai Carlos
fatores para o aumento da população de índios nas
últimas décadas. Entre 1991 e 2010, o crescimento Frederico Marés. Pressionado, o governo voltou
demográfico foi de 205%, segundo dados do Insti-
tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). atrás e, em menos de 48 horas, revogou a portaria.
No início de 2017, uma polêmica envolveu a Dois meses depois, a causa indígena sofreu outro
demarcação dessas terras. O Ministério da Justiça
baixou uma portaria criando um Grupo Técnico abalo. Poucos dias após assumir o Ministério da
Especializado (GTE) para acompanhar o proces-
so de demarcação. Até então, a responsabilidade Justiça, o deputado Osmar Serraglio, ligado ao
pela criação de novas áreas era exclusiva da
Fundação Nacional do Índio (Funai). Após fazer agronegócio, minimizou a importância de criação
a devida análise, bastava ao órgão encaminhar o
relatório de demarcação para o aval do ministro de novas áreas indígenas. Para ele, essas terras
da Justiça e do presidente da República. Segundo
a nova portaria, caberia ao GTE avaliar a decisão “não enchem a barriga de ninguém”. O secretário-
da Funai antes de passá-la adiante.
executivo do Conselho Indigenista Missionário,
A medida desagradou lideranças indígenas e
ONGs de apoio à causa. A portaria, segundo eles, Cleber César Buzatto, rebateu: “Para o índio, a
dificultaria a demarcação de novas terras e, no
fundo, atenderia aos interesses de grandes lati- terra é um elemento central. Ela não só enche a
fundiários, historicamente contrários à criação de
barriga, mas enche também o sentido da vida”.
Durante o período do Romantismo no Bra-
sil (1836-1881), a figura do índio foi elemento
central. Em busca da
criação de uma iden-
tidade brasileira, au- CURUMINS
tores como Gonçalves Crianças indígenas no
Dias e José de Alencar espelho d’água do Palácio
encontram nos povos do Planalto, em Brasília, em
indígenas o herói na- 22 de novembro de 2016; na
cional, a figura corres- data houve manifestação
pondente ao cavaleiro de povos indígenas contra
medieval europeu. medidas do governo
44 GE PORTUGUÊS 2018
EVARISTO SA/AFP 45GE PORTUGUÊS 2018
3 ROMANTISMO INTERPRETANDO
Conversa afiada
Um texto Além do Nacionalismo (e do Indianismo, universal, o que configura, de alguma forma, um
pode dialogar no caso do Brasil), a subjetividade e a ex- processo de diálogo entre textos.
com outro ao pressão dos sentimentos são outras fortes
apropriar-se de características do Romantismo. Os autores desse O artigo abaixo, do escritor e jornalista Xico Sá,
sua estrutura ou período funcionavam como conselheiros amo- publicado em dezembro de 2015 no site brasileiro
ideias. Perceber rosos, e suas obras serviam como apoio para que do jornal El País, trabalha tanto com a temática do
essas relações é leitores tomassem decisões sentimentais baseadas Romantismo, ao oferecer conselhos amorosos a
fundamental para nas aventuras vividas pelas heroínas românticas. uma leitora, como com a própria intertextualidade.
compreender o O colunista usa alusões e citações para tratar das
seu sentido Muitas histórias do Romantismo brasileiro desventuras amorosas da moça e mostra que elas
eram releituras de outros enlaces amorosos também estão contadas nas obras literárias e nas
vividos por personagens clássicos da literatura canções populares, sobretudo de Chico Buarque.
APONTE O CELULAR PARA AS PARÓDIA O que Só Carolina Não Viu FUNÇÃO POÉTICA
PÁGINAS E VEJA UMA VIDEOAULA O título parodia a famosa E ALUSÃO
SOBRE INTERTEXTUALIDADE Xico Sá O autor se refere à
(MAIS INFORMAÇÕES NA PÁG. 6) canção Carolina, de passagem do tempo
Chico Buarque (“O tempo Carolina sabia que o seu amor estava por um de forma figurada.
46 GE PORTUGUÊS 2018 fio, mas Carolina nem em pesadelo imaginava que Estabelece uma relação
passou na janela/ só o fim seria agora, nas cinzas desse 2015 que teima entre mudar a folha do
Carolina não viu”). em não desfolhar de vez o calendário. Carol não calendário e mudar de
sabia que os barracos natalinos são fatais – muita fato o tempo ou, até
Ele se refere ao desejo gente sai para comprar a ceia e não acerta mais o mesmo, sua história
da destinatária da carta caminho de volta. Foi o caso. amorosa.
de não perceber que sua
história amorosa acabou. Carolina não havia lido as frias estatísticas sobre METALINGUAGEM
o aumento do número de divórcios na virada de ano. Ao se colocar como um
IRONIA Carolina não viu e nem leu nos olhos do moço os si- conselheiro sentimental
Há ironia no uso do nais de fraqueza e desistência. Todo homem anuncia, e fazer referência a esse
advérbio “só”: todo nas entrelinhas dos vacilos, o apocalipse. Carolina tipo de procedimento,
não viu que ele andava frio na cama, acreditou nas o autor estabelece uma
mundo percebeu desculpas não solicitadas do cansaço, do stress no relação metalinguística
o fim do romance, emprego, da carga pesada do trabalho e os dias. (pois é usado o próprio
exceto Carolina, moça código – a linguagem –
sonhadora como as O amor estava por um fio... como o assunto que está
heroínas românticas. Carolina sempre escreveu a este cronista e consul- sendo tratado).
tor sentimental em momentos delicados. Desde o seu INTERTEXTUALIDADE
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA primeiro rolinho primavera amoroso, ainda em E POLÍTICA
O colunista alude a 2000. Ela completara seus 15, pelo que me lembro. O autor faz referência ao
um prato típico da Carolina sabe pouca coisa a essa altura. Uma fato de Chico Buarque
delas é que seu batismo, como o de milhares de ter sido hostilizado por
cozinha asiática (rolinho moças parecidas, pode ter sido inspirado na canção simpatizantes da direita
primavera) e o relaciona homônima do Chico. Carolina até transa política, por ter sua imagem
a histórias amorosas que, mas não agora. Carolina, para se ter ideia do alhe- associada à esquerda.
amento do mundo, nem comentou sobre o cerco “Tempo da delicadeza” é
na expressão popular, fascista ao xará nesse tempo da indelicadeza. Nada um verso da música Todo
são chamadas de “rolo”. disse sobre o assunto. Sentimento, do cantor.
“Onde queres Leblon, sou Pernambuco”, provo- ANTÍTESE
IRONIA quei Carolina, recifense que hoje habita a cidade Referência à canção
A ironia está na de São Paulo. O Quereres, de Caetano
descaracterização da Mulher de 30 anos, C. confessa que nunca viu o Veloso, que mostra
relação como algo sério amor vingar de fato. Contesto. O amor não precisa uma relação antitética
(ao ser chamado de ser eterno. Tento ativar a memória da moça, bloque- (um bairro rico, Leblon,
“rolinho”) e na ilusão de versus uma região pobre,
promessa amorosa com ! Pernambuco).
“primavera” (conhecida
como a estação do amor).
DIMINUTIVO
O diminutivo “rolinho”
torna a relação menos
séria ainda do que “rolo”.
É muito comum o uso
do diminutivo com
sentido pejorativo.
ada a essa altura. Relembro para ela os namoros e INTERTEXTUALIDADE SAIBA MAIS
rolos que deixaram algumas marcas – as cartas en- E LITERATURA
viadas a este conselheiro são provas. Nada, porém, A desilusão de Carolina RELAÇÕES ENTRE TEXTOS
conforta a moça neste fiapo de infeliz ano velho. é associada aos dramas
típicos das heroínas A intertextualidade é o diálogo estabelecido entre
Carolina namorava havia quase dois anos. O tipo românticas. Não faltam um ou mais textos. Ela ocorre toda vez que um texto se
de namoro que demorou para incendiar as horas e menções à literatura: apropria de outro, no nível da composição da frase ou da
que ainda não havia chegado naquele estágio de “to- Mulher de Trinta Anos, ideia (veja exemplos no texto de Xico Sá). Nesse caso, um
dos los fuegos, el fuego”. Que vacilão esse cara, oito de Balzac, Feliz Ano Velho, autor deseja, conscientemente, referir-se a outro texto,
anos a mais do que ela. Que vacilão, meu Deus, tudo de Marcelo Rubens Paiva, escrito em outro momento, por outro autor (ou até por
lindamente planejado por ela, incluindo o Réveillon e Todos os Fogos o Fogo, ele mesmo). Geralmente, os textos fontes (retomados)
na praia de Carneiros, litoral sul pernambucano. de Julio Cortázar. são aqueles de referência, considerados fundamentais
METÁFORA em uma determinada cultura. Daí a importância de ter
O cara simplesmente desapareceu, como na Sair para comprar um bom repertório cultural, para reconhecer e identifi-
lenda do homem que sai para comprar cigarros. cigarros (e não voltar) car uma relação intertextual. A intertextualidade pode
O king size sem filtro do abandono. Sem deixar é uma metáfora para ocorrer afirmando as mesmas ideias da obra citada ou
pelo menos um bilhete na porta, como no samba abandono. O autor cita contestando-as. Há duas formas básicas: a paráfrase
do Arnesto. Um fumegante chá de sumiço. um tipo de cigarro que e a paródia.
se vendia antigamente,
Sim, está vivíssimo. Não foi vítima de nenhuma sem filtro e mais forte – Paráfrase: É dizer com outras palavras o que já foi
violência urbana. Carolina, cujos olhos guardam como a dor de quem é dito. Na paráfrase, o texto é reescrito, porém a ideia
tanta dor, viu apenas os passos do desalmado nas abandonado. A fluidez é confirmada pela nova transcrição.
redes sociais. Em uma daquelas festas de confra- da fumaça (fumegante Paródia: Ao alterar o sentido do texto original, a pa-
ternização de amigos. Sorriso cínico abraçando a chá), que rapidamente se ródia faz uma transposição de contexto e, frequente-
chefe do seu departamento na firma. esvai, reforça a ideia de mente, provoca um efeito de humor (veja exemplos
sumiço e de abandono. nas páginas 51, 96 e 99).
Sim, haviam brigado. Desentendimento de ro- Atenção: não confunda intertextualidade com a cita-
tina, aquelas rusgas tão comuns no final do ano CITAÇÃO E METÁFORA ção pela simples citação (Isso me lembra um samba
dos casais. Carolina não sabia é que ele seria tão Mais uma citação a Chico antigo: “Tristeza não tem fim/Felicidade sim”). Neste
menino ao ponto de cair fora. Tempo de homens Buarque. Desta vez, a exemplo, não há apropriação da frase ou da ideia,
vacilões, tento de novo confortá-la. Não lhe merece canção Folhetim. Note as apenas uma referência isolada.
etc. Palavras de consolação ao vento. metáforas “tenta mudar
de personagem” e “vire
Folhetim essa página” para que
Ah, Carolina, tenta mudar de personagem entre as ela busque uma nova
vida ou um novo amor.
mulheres das canções de Chico. Aconselho. Que tal Outra canção do
fazer como aquela fêmea madura e bem-resolvida, compositor também é
a que diz mais ou menos assim: “...E já não vales citada (Mil Perdões),
nada, és página virada descartada do meu folhetim”. no último parágrafo.
INTERTEXTUALIDADE
Vira essa página, Carolina. Sei que não é fácil, E CANÇÕES POPULARES
mas o que posso dizer a essa altura? Mais referências a
canções populares:
Como toda mulher revoltada, Carolina, pega Samba do Arnesto, em
o primeiro que encontrar pela frente, aquele ho- que o anfitrião some sem
mem que bebe na calçada da tua esquina. Quem avisar, e Ronda (“cenas
dera fosse assim tão simples, não é, minha amada de sangue num bar”),
leitora? Ah, mata esse infeliz-das-costas-ocas, a sobre uma apaixonada
punhaladas, nem que dê primeira página, cenas que ronda a cidade em
de sangue num bar da Vila Madalena. Pelo menos busca de seu amado.
agora ela riu da minha proposta maluca. Rimos. ENUMERAÇÃO
Vida, teu nome é tragicomédia. E DOR DE COTOVELO
O autor enumera
Ah, Carolina, escuta o Chico, o Roberto das an- diversos cantores
tigas, o Leonard Cohen, a tua estimada Cat Power, populares que tratam das
Waldick. Vanusa... Enche a cara com um brega... dores de amor, como a
E fica o mantra: quando a vida dói/ drinque caubói”. de Carolina, conhecidas
popularmente por “dor
Mil perdões, Carolina, realmente não é uma de cotovelo”.
missão fácil de aconselhamento. Fica o meu afeto
e conte sempre com o ombro do cronista. Mais
sorte no amor em 2016. Beijos.
© TEREZA BETTINARDI 47GE PORTUGUÊS 2018
3 ROMANTISMO PRIMEIRA GERAÇÃO
Sob o domínio Escrito em prosa poética, o romance indianista Iracema
da emoção (1865) traça uma espécie de mito de fundação da
identidade brasileira ao mostrar a história de amor
entre o colonizador Martim e a índia dos lábios de mel.
A valorização do indivíduo Iracema HERÓI NACIONAL
e da subjetividade no Romantismo Iracema representa
(1836-1881) José de Alencar o herói brasileiro por
excelência. O início do
ORomantismo está diretamente relacionado Além, muito além daquela serra, que ainda romance apresenta uma
à consolidação do mundo burguês. azula no horizonte, nasceu Iracema. índia nascida no Brasil
Com a ascensão da burguesia, as regras e integrada com o meio
de composição clássicas são substituídas pela Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha natural e os elementos
liberdade formal; a justa medida equilibrada os cabelos mais negros que a asa da graúna e tropicais. A cor local e a
cede espaço aos exageros dos sentimentos; a mais longos que seu talhe de palmeira. natureza brasileira são
objetividade é posta de lado em favor da sub- valorizadas pelo narrador.
jetividade romântica. O individualismo e o O favo da jati não era doce como seu sorriso; COMPARAÇÃO
sentimentalismo são elementos centrais desse nem a baunilha recendia no bosque como seu há- Os traços próprios
movimento literário. lito perfumado. da personagem são
descritos por meio
Primeira geração romântica: prosa Mais rápida que a ema selvagem, a morena de comparações com
virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde elementos da natureza,
José de Alencar (1829-1877) é o principal campeava sua guerreira tribo da grande nação a fim de explicitar a
representante da primeira vertente do Ro- tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava identificação de Iracema
mantismo brasileiro, também chamada de apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as com a terra brasileira. As
Indianismo. A preocupação central dos au- primeiras águas. relações de comparação
tores desse período é a definição da identi- aproximam elementos
dade nacional brasileira, tempos após a pro- Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um com características
clamação da independência (1822). Nesse claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra semelhantes, por meio de
contexto, a valorização da figura indígena da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noi- estruturas comparativas
(considerada o herói nacional) e a exaltação te. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores (“como”, “tal como”).
dos elementos típicos da cultura local (e tam- sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem Note, também,
bém da natureza brasileira) são recorrentes nos os pássaros ameigavam o canto. a construção idealizada
textos literários. da personagem, feita
Iracema saiu do banho; o aljôfar d’água ain- por meio da exaltação
O QUE ISSO TEM A VER COM A HISTÓRIA da a roreja, como à doce mangaba que corou em de atributos físicos,
A Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra na manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma com base em elementos
segunda metade do século XVIII, e a Revolução das penas do gará as flechas de seu arco, e con- naturais.
Francesa, em 1789, significaram a ascensão da certa com o sabiá da mata, pousado no galho
burguesia e a decadência do Antigo Regime próximo, o canto agreste. TEMPOS VERBAIS
(caracterizado pelo poder concentrado nas mãos Em textos narrativos,
do rei e pelo mercantilismo). Essas duas revoluções A graciosa ará, sua companheira e amiga, brin- geralmente há o emprego
contribuíram, respectivamente, para a consolidação ca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore de verbos no pretérito
do capitalismo e para o fim do absolutismo. Para e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe imperfeito (“corria”,
saber mais, veja o GUIA DO ESTUDANTE HISTÓRIA. o uru de palha matizada, onde traz a selvagem “campeava” etc.) ao fazer
seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas descrições e relatar ações
da juçara com que tece a renda, e as tintas de que habituais no passado.
matiza o algodão. No momento específico
que dá início à narrativa
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da emprega-se o pretérito
sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não des- perfeito, usado para
lumbra; sua vista perturba-se. indicar ações concluídas
em um momento
! passado (“Iracema saiu
do banho”). A partir de
TIPOS TEXTUAIS então, desenrola-se uma
O fragmento articula dois tipos textuais básicos: o cena trazida para perto
narrativo e o descritivo. Para configurar a personagem do leitor por meio do
principal (Iracema) em relação ao espaço (a paisagem emprego de verbos no
brasileira), integram-se aspectos de ordem física presente do indicativo
às ações da protagonista, de maneira a combinar (“roreja”, “repousa” etc.).
elementos estáticos e dinâmicos.
48 GE PORTUGUÊS 2018
CAPÍTULO 2 DIÁLOGO ENTRE OBRAS
Diante dela e todo a contemplá-la está um
OLHAR NACIONALISTA
guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum
mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco Em Mayombe (1980), o escritor angolano Artur Carlos
das areias que bordam o mar; nos olhos o azul Maurício Pestana dos Santos, conhecido como Pepe-
triste das águas profundas. Ignotas armas e teci- tela, cria um painel do país no início dos anos 1970,
dos ignotos cobrem-lhe o corpo. período da guerra de independência dessa ex-colônia
portuguesa. No centro da narrativa está o comandante
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. Sem Medo, líder guerrilheiro do Movimento Popular de
A flecha embebida no arco partiu. Gotas de san- Libertação de Angola (MPLA), que se refugia na floresta
gue borbulham na face do desconhecido. Mayombe. Ao longo da trama percebem-se os desafios
enfrentados pelos revolucionários para a libertação
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a do país e para a implantação do socialismo, em meio a
cruz da espada; mas logo sorriu. (...) rivalidades de tribos e casos de racismo e de corrupção
entre aqueles que lutavam pela independência.
CAPÍTULO 22
(...) DESSACRALIZAÇÃO Mayombe
A cabana do velho guerreiro estava junto das DO HERÓI
Pepetela
formosas cascatas, onde salta o peixe no meio Podemos associar
dos borbotões de espuma. As águas ali são fres- Mayombe ao movimento (...)
cas e macias, como a brisa do mar, que passa en- - Vocês ganham vinte escudos por dia para
tre as palmas dos coqueiros, nas horas da calma. romântico devido ao
caráter nacionalista e abaterem as árvores a machado, marcharem,
Batuireté estava sentado sobre uma das lapas por narrar uma epopeia marcharem, carregarem pesos. O motorista ga-
da cascata; o sol ardente caía sobre sua cabeça, de guerra em meio a nha cinqüenta escudos por dia, por trabalhar
nua de cabelos e cheia de rugas como o jenipapo tribos e colonizadores. com a serra. Mas quantas árvores abate por dia
Assim dorme o jaburu na borda do lago. Mas, diferentemente vossa equipa? Umas trinta. E quanto ganha o pa-
dos românticos, não se trão por cada árvore? Um dinheirão. O que é que
—Poti é chegado à cabana do grande Maran- encontra em Mayombe o patrão faz para ganhar esse dinheiro? Nada,
guab, pai de Jatobá, e trouxe seu irmão branco heróis idealizados, ao nada. Mas é ele que ganha. E o machado com
para ver o maior guerreiro das nações. contrário, vê-se na obra a que vocês trabalham nem sequer é dele. É vosso,
dessacralização do herói que o compram na cantina por setenta escudos.
O velho soabriu as pesadas pálpebras, e pas- (veja também Identidade E a catana é dele? Não, vocês compram-na por
sou do neto ao estrangeiro um olhar baço. Depois Nacional e inovação na cinqüenta escudos. Quer dizer, nem os instru-
o peito arquejou e os lábios murmuraram: linguagem, na pág. 111). mentos com que vocês trabalham pertencem ao
patrão. Vocês são obrigados a comprá-los, são
— Tupã quis que estes olhos vissem antes de METONÍMIA descontados do vosso salário no fim do mês. As
se apagarem, o gavião branco junto da narceja. Note a figura de árvores são do patrão? Não. São vossas, são nos-
linguagem em que a sas, porque estão na terra angolana. Os macha-
O abaetê derrubou a fronte aos peitos, e não causa (suor) é usada dos e as catanas são do patrão? Não, são vossos.
falou mais, nem mais se moveu. no lugar do efeito O suor do trabalho é do patrão? Não, é vosso,
(dinheiro, salário ou pois são vocês que trabalham. Então, como é que
Poti e Martim julgaram que ele dormia e se produto do trabalho). ele ganha muitos contos por dia e a vocês dá vin-
afastaram com respeito para não perturbar o re- VISÃO CRÍTICA te escudos? Com que direito? Isso é exploração
pouso de quem tanto obrara na longa vida. Mayombe também colonialista. O que trabalha está a arranjar
riqueza para o estrangeiro, que não trabalha.
(...) não apresenta O patrão tem a força do lado dele, tem o exército,
visão idealizada a polícia, a administração. É com essa força que
Ática, 2009 do conquistador e ele vos obriga a trabalhar, para ele enriquecer.(...)
critica de forma clara
METÁFORA E CRÍTICA o colonialismo e a FIGURA DO COLONIZADOR
Martim é o “gavião branco”, ave de rapina que exploração dos povos. Pode-se perceber alguma conexão com a fala de
representa o colonizador, o predador que vai devorar Batuireté, de Iracema, que se opunha à aproximação
a “narceja”, ave menor e frágil, metáfora para Iracema entre o homem branco e os índios, porque temia que
e para os índios. Alencar sugere, na fala do chefe estes fossem explorados ou devorados pelo “gavião
Batuireté, que o encontro entre o colonizador português branco” (o colonizador).
com os índios não trouxe bons resultados para estes.
49GE PORTUGUÊS 2018
© TEREZA BETTINARDI
3 ROMANTISMO PRIMEIRA GERAÇÃO
Primeira geração romântica: poesia Publicado em Primeiros Cantos (1847), este é um dos
mais célebres poemas da literatura brasileira e também
Gonçalves Dias (1823-1864) é o principal nome um dos mais parodiados (veja ao lado). Tipicamente
da poesia na primeira fase do Romantismo. romântico, um eu lírico (aquele que expressa os
A identificação do índio como um herói nacional sentimentos do autor), distante da pátria brasileira,
idealizado e a exuberância da natureza brasileira evoca com saudosismo os aspectos genuínos do Brasil.
também são frequentes em seus poemas. Além
disso, pode-se observar o forte teor sentimenta- Canção do Exílio VALORIZAÇÃO
lista típico em poetas românticos que retratam DO BRASIL
quadros dolorosos de amor e de sofrimento. Gonçalves Dias Note a presença de uma
valorização idealizada da
Na poesia de Gonçalves Dias nota-se a reto- Minha terra tem palmeiras, terra natal:
mada do estilo tradicional desenvolvido pelos Onde canta o Sabiá; o autor está no exílio
poetas medievais e clássicos, sobretudo a mu- As aves, que aqui gorjeiam, (o afastamento espacial
sicalidade, o ritmo e a escrita equilibrada com Não gorjeiam como lá. é um traço romântico).
formas rígidas, pouco usuais na poesia român- Distante da pátria,
tica. Entre suas obras estão Primeiros Cantos, Nosso céu tem mais estrelas, todas as lembranças da
Os Timbiras e Últimos Cantos (com destaque Nossas várzeas têm mais flores, natureza brasileira são
para o poema I-Juca Pirama). Nossos bosques têm mais vida, supervalorizadas.
Nossa vida mais amores. INTERTEXTUALIDADE
Por meio de uma relação
Em cismar, sozinho, à noite, intertextual, os versos
Mais prazer encontro eu lá; de exaltação à pátria
Minha terra tem palmeiras, reaparecem na letra do
Onde canta o Sabiá. Hino Nacional, de Osório
Duque Estrada.
Minha terra tem primores, PRONOMES POSSESSIVOS
Que tais não encontro eu cá; Ajudam a estabelecer relações
Em cismar, sozinho, à noite, com a pátria: com “minha
Mais prazer eu encontro lá; terra”, o autor explicita
Minha terra tem palmeiras, a ligação com seu país.
Onde canta o Sabiá. A repetição das flexões do
pronome “nosso” amplia a
Não permita Deus que eu morra, relação de posse: a natureza
Sem que eu volte para lá; brasileira é tratada como
Sem que disfrute os primores patrimônio coletivo do povo.
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
[1] ADVÉRBIOS
O exílio, no qual o poeta se
50 GE PORTUGUÊS 2018 sente incompleto, é indicado
pelo marcador “aqui”. A terra
natal distante é designada pelo
marcador “lá”. A separação
entre o autor e a pátria assinala
o desejo do “eu” romântico
de conectar-se de novo com
o mundo natural de seu país
de origem. Repare ainda
no emprego do advérbio
de intensidade “mais” para
demarcar a superioridade da
natureza brasileira. Trata-se de
uma concepção idealizada dos
elementos naturais da terra
natal, segundo a visão romântica.
DIÁLOGO ENTRE OBRAS CONEXÕES
ROMANTISMO E MODERNISMO QUADRINHOS
Entre as diversas releituras do poema de Gonçalves
Dias estão as dos poetas modernistas Murilo Mendes
e José Paulo Paes.
Canção do Exílio [2]
Murilo Mendes VARIANTE LINGUÍSTICA O personagem Papa-Capim é o membro da Turma
E IRONIA da Mônica que representa os povos indígenas. Na
Minha terra tem macieiras da Califórnia A variante linguística tira acima, ele e um amigo conversam enquanto
onde cantam gaturamos de Veneza. popular “sururu” foi caminham pela floresta. Papa-Capim apresenta dados
Os poetas da minha terra empregada no lugar sobre a cultura indígena – em um reflexo da prática de
são pretos que vivem em torres de ametista, de confusão para transmissão de conhecimentos por meio da oralidade.
caracterizar nossa Assim como em Iracema, os elementos ligados ao
os sargentos do exército são monistas, cubistas, nacionalidade. A ironia universo dos índios mantêm relação com a natureza
reside no contraste local: Papa-Capim ensina os vocábulos usados para
os filósofos são polacos vendendo prestações. da citação. Gioconda, designar elementos como “Lua” (Jaci) e “cobra”
A gente não pode dormir representativa da pintura (m’boi).
com os oradores e os pernilongos. clássica, imortalizada O efeito de humor, no fim da tira, não gera um riso
Os sururus em família têm por testemunha como “Mona Lisa”, alegre, apesar da presença de ironia. O índio mais
a Gioconda. símbolo de bom gosto novo pergunta a Papa-Capim como os adultos da
Eu morro sufocado e de refinamento, tribo designariam um conjunto de árvores cortadas.
em terra estrangeira. presencia a confusão. Papa-Capim associa a cena a uma palavra em
Nossas flores são mais bonitas IRONIA E português (“progresso”). A intenção do quadrinista é
nossas frutas mais gostosas SÍMBOLO NACIONAL conscientizar o leitor para os problemas ambientais.
mas custam cem mil réis a dúzia. A referência irônica Ao mesmo tempo, a visão que se tem dos indígenas
é à nossa falta de ainda está associada ao Romantismo: eles são
Ai quem me dera chupar uma carambola de autenticidade, ao representados como amigos da natureza, em
verdade e ouvir um sabiá com certidão de idade! reivindicar frutas e oposição aos abusos cometidos pelo homem branco.
pássaros nacionais
PARÓDIA e legítimos. CANÇÃO
É estabelecida, intencionalmente, uma relação
intertextual com o poema original. Trata-se de uma PARÓDIA Índios COLONIZAÇÃO
paródia: a estrutura é mantida, mas o conteúdo e a Nesta outra paródia, Na canção Índios,
intencionalidade são alterados. Há um efeito de humor encontramos um resumo Renato Russo de Renato Russo,
e uma reflexão crítica sobre a realidade brasileira. bem-humorado, bem estão presentes
no estilo modernista, Quem me dera alguns aspectos
INTERTEXTUALIDADE das ideias centrais do ao menos uma vez característicos
Os versos não exaltam a pátria e elogiam elementos poema original. O “lá? da relação
que, ironicamente, não são encontrados aqui. ah!” representa o Brasil Ter de volta todo o ouro estabelecida entre
idealizado com seus que entreguei a quem os colonizadores
Canção do Exílio Facilitada símbolos nacionais e de europeus e as
afeto (sabiá, sinhá etc.) Conseguiu me convencer tribos indígenas
José Paulo Paes que se contrapõe ao que era prova de amizade que habitavam a
incômodo de viver em costa do Brasil. A
lá? terra distante (“cá? bah!”). Se alguém levasse embora ambição desmedida
ah! até o que eu não tinha. dos portugueses é
sabiá… convertida em uma
papá… [...] crítica às diversas
maná… Que o mais simples formas de interesse
sofá… e oportunismo
sinhá… fosse visto como que, muitas vezes,
cá? o mais importante caracterizam as
bah! Mas nos deram espelhos relações humanas.
E vimos um mundo doente.
© TEREZA BETTINARDI [2] MAURICIO DE SOUSA EDITORA LTDA [...]
51GE PORTUGUÊS 2018
3 ROMANTISMO PRIMEIRA GERAÇÃO
Romance regionalista A história de Til (1872) se passa em uma fazenda REGIONALISMO
do interior paulista. A protagonista Berta, também Os escritores românticos
Autor emblemático do Romantismo brasi- chamada de Til, encarna a heroína virtuosa e capaz de valorizam a natureza
leiro, José de Alencar produziu sua obra de interagir com os elementos naturais. A obra valoriza a local e exploram as
acordo com um projeto: o de adaptar a forma natureza e o eterno conflito entre o bem e o mal. imagens ligadas à
do romance europeu à realidade brasileira. Para nacionalidade. José
alcançar esse objetivo, Alencar privilegiou te- Til de Alencar combina
mas e cenários nacionais, em um mapeamento a descrição de
completo do Brasil nas páginas da ficção. Uma José de Alencar paisagens naturais
das maiores contribuições desse autor foi tentar com a apresentação de
definir a identidade coletiva do país por meio Capítulo IV informações históricas
da representação de elementos considerados Cerca de uma légua abaixo da confluência do sobre a região.
tipicamente brasileiros, ligados à fauna, à flora Atibaia com o Piracicaba, e à margem deste últi- INFORMAÇÕES
e às tradições populares de diferentes regiões. mo rio, estava situada a fazenda das Palmas. HISTÓRICAS
Ficava no seio de uma bela floresta virgem, por- O autor, ao retratar os
O romance Til ilustra bem as intenções literá- ventura a mais vasta e frondosa, das que então costumes e a tradição
rias de Alencar. Considerado exemplo de obra contava a província de São Paulo, e foram con- do interior paulista,
regionalista, o livro registra costumes e modos vertidas a ferro e fogo em campos de cultura. (...) recupera a figura dos
de vida característicos de uma localidade do Daí partiam pelo caminho d’água as expedições bandeirantes, vistos
Brasil afastada dos grandes centros urbanos. que os arrojados paulistas levavam às regiões des- neste trecho como
conhecidas do Cuiabá, descortinando o deserto, e desbravadores do
HEROÍNA ROMÂNTICA rasgando as entranhas da terra virgem, para ar- território nacional,
A protagonista Berta rancar-lhe as fezes, que o mundo chama ouro (...) em busca de ouro.
é a típica heroína Capítulo XII CONCORDÂNCIA VERBAL
De Berta, que direi? Com todos brincava; a to- A forma verbal respirava
romântica, idealizada. dos queria bem, e sabia repartir-se de modo que aparece no singular
Ela representa o polo da dava a cada um seu quinhão de agrado. Em roda devido ao emprego da
ferviam os ciúmes de muitos que a ansiavam só conjunção alternativa
bondade e da pureza para si, e penavam-se de vê-la desejada e queri- ou no sujeito da oração
no romance. da de tantos. Mas como um sorriso ela trocava (referindo-se ou à goela
JÃO FERA tais zelos em extremos de dedicação, e o pleito já do tigre ou à língua da
não era de quem mais recebesse carinho, e sim de cascavel). Esse verbo
O personagem, também quem mais daria em sacrifício. (...) deveria estar no plural
conhecido como Bugre, Capítulo XV se o conectivo fosse a
Era medonha a catadura de Jão Fera quando conjunção aditiva e, que
é um temido capanga. voltou-se. faria referência aos dois
Encarna a imagem de um A fauce hiante do tigre, sedento de sangue, núcleos do sujeito (A
ou a língua bífida da cascavel, a silvar, não res- goela faminta do tigre
sujeito aparentemente pirava a sanha e ferocidade que desprendia-se e a língua fendida da
grotesco e feroz, por daquela fisionomia intumescida pela fúria. cascavel não respiravam
um lado, e do valente Berta, ao primeiro relance, sentiu-se transida a sanha e ferocidade).
protetor da heroína, de horror; e o impulso foi precipitar-se, fugir, es-
por outro. capar a essa visão que a espavoria. Reagiu, po- COSTUMES POPULARES
REGÊNCIA VERBAL rém, a altivez de sua alma e a fé que a inspirava. Além de descrever a
O verbo escapar é Capítulo XVI fauna e a flora brasileiras,
No terreiro das Palmas arde a grande fogueira. ou dar informações
transitivo indireto (exige É noite de São João. históricas, o projeto
a preposição a ou o Noite das sortes consoladoras, dos folguedos ficcional de Alencar
ao relento, dos brincados misteriosos. (...) inclui a descrição de
complemento de algo). Noite, enfim, dos mastros enramados, dos fo- antigas festas e costumes
Veja mais no Saiba mais gos de artifício, dos logros e estripulias. populares. O objetivo é
Outrora, na infância deste século, já caquético, valorizar e preservar o
ao lado. tu eras festa de amor e da gulodice, o enlevo dos passado nacional.
namorados, dos comilões e dos meninos, que ar-
INTERLOCUÇÃO remedavam uns e outros.
O narrador utiliza o
pronome de segunda L&PM, 2012
pessoa (tu) para se dirigir
à noite de São João,
evocada e personificada
como uma tradição
genuinamente brasileira.
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