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Published by Atelier Online, 2021-12-20 12:17:16

Artigo MINERAÇÃO EM MINAS GERAIS

Artigo MINERAÇÃO EM MINAS GERAIS

MINERAÇÃO EM MINAS GERAIS

território e paisagem cultural

CARSALADE, FLÁVIO L.

Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura e Urbanismo. Departamento de Projetos.
Rua Paraíba, 697 – sala 305 – Bairro Funcionários – CEP: 30130-140 – Belo Horizonte/Minas Gerais - Brasil

[email protected]

MORAES, FERNANDA B.

Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura e Urbanismo. Departamento de Urbanismo.
Rua Paraíba, 607 – sala 300 – Bairro Funcionários – CEP: 30130-140 – Belo Horizonte/Minas Gerais - Brasil

[email protected]

ACCIOLY, SABRINA M. L.

Fundação Estadual do Meio Ambiente-FEAM.
Rodovia Prefeito Américo Gianetti, s/n – Bairro Serra Verde – CEP: 31630-900 - Belo Horizonte, MG - Brasil

[email protected]

ABREU, RENATA R.

Inteligência e Convergência Ambiental- IC AMBIENTAL
Rua Engenheiro Sena Freire, 107 – São Bento – CEP: 30350-400 – Belo Horizonte/Minas Gerais - Brasil

[email protected]

CRESPO, JEANNE C. M.

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Minas Gerais-IPHAN
Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo-NPGAU.
Rua Cardoso, 11, Bl. II, apt. 503 – Santa Efigênia – CEP: 30260-10 - Belo Horizonte//Minas Gerais - Brasil

[email protected]

BESSA, ALTAMIRO S. M.

Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura e Urbanismo. Departamento de Urbanismo
Rua Paraíba, 697 – sala 400 – Bairro Funcionários – CEP: 30130-140 – Belo Horizonte/Minas Gerais - Brasil

[email protected]

ARAÚJO, FABIANA O.

Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo-NPGAU.
Rua Júlio Pereira da Silva, 298 – Apto. 102 – Bairro Cidade Nova – CEP: 31170-360 – Belo Horizonte//Minas

Gerais - Brasil
[email protected]

Palavras-chave: Mineração, paisagem cultural, território.

Resumo

O Estado de Minas Gerais é responsável por quase 50% de toda a produção mineral brasileira,

conservando, ao longo de séculos, uma posição de destaque, cujas origens remontam à extração

aurífera e diamantífera iniciada em fins do século XVII. Figura, portanto, como uma fonte exemplar

de processos diversos na discussão das inúmeras questões relacionadas aos impactos decorrentes

da extração mineral. Neste artigo, apresentamos alguns desses processos, buscando, mais

especificamente, analisar as atividades mineradoras, seja nas fases de pré-operação,

desenvolvimento e fechamento, em suas interfaces com as políticas de planejamento urbano e

regional, sob a ótica da construção do território e da paisagem cultural. Trata-se de um panorama

oriundo de pesquisas, desenvolvidas ou em curso, no âmbito da Escola de Arquitetura da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

1. INTRODUÇÃO
O Estado de Minas Gerais evidencia, em seu próprio nome, a importância histórica da mineração,
que foi o principal motor de desencadeamento da ocupação de seu território, no período colonial.
As notícias da existência de ouro de aluvião em abundância, veiculadas em fins do século XVII,
desencadearam um expressivo fluxo migratório, com a vinda de aventureiros, tanto de Portugal
continental e da Europa, quanto das diversas regiões da América Portuguesa. Em um território, até
então pouco explorado pelos colonizadores, surgiram inúmeros assentamentos humanos, que logo
se converteram em povoações permanentes, rapidamente constituindo sociedades complexas com
diversidade étnica e alta qualidade artístico-cultural. Hoje, muitas delas têm seu patrimônio histórico,
artístico e cultural de origem colonial reconhecido e valorizado nacional e internacionalmente. Trata-
se de um número bastante expressivo de paisagens culturais, conjuntos urbanístico-arquitetônicos,
edificações civis, militares e religiosas e bens móveis tombados, além de vários registros oficiais
referentes aos patrimônios de natureza imaterial.

A partir do século XIX, as atividades mineradoras, para além da extração de ouro e de pedras
preciosas, ampliaram-se com a exploração de outros minérios, mantendo-se dominante na
economia do Estado até os dias de hoje. Vale destacar que, mesmo com a importância mundial
adquirida pela produção cafeeira, a partir da segunda metade do século XIX, a mineração continuou
como atividade econômica relevante em Minas Gerais e no país. Hoje, o Brasil é o segundo produtor
de minério de ferro do mundo (20% em 2008) e Minas Gerais figura, no país, em primeiro lugar.

São diversas as regiões detentoras de recursos minerais em Minas Gerais, com destaque para a
do Quadrilátero Ferrífero (Figura 01), onde se localiza a maior parte dos casos apresentados neste
artigo. Localizada no centro-sudeste do Estado, esta região é considerada o território de maior
concentração de minas em operação no mundo e nela se insere a Região Metropolitana de Belo
Horizonte (RMBH). Sua área de 6.500 km2 abriga 22% da população de Minas Gerais e é
responsável por 27% de seu Produto Interno Bruto (PIB).

Figura 01: Quadrilátero Ferrífero do Estado de Minas Gerais: municípios integrantes.
Autora: Jeanne Crespo (2012).

O Quadrilátero Ferrífero abarca, na condição de território de ocupação antiga, variadas expressões
e relações culturais decorrentes da atividade mineradora. Os impactos da mineração no espaço
natural nos séculos XVIII e XIX implicaram o surgimento de uma rede urbana densa, porém
conformada por pequenos núcleos urbanos, transformando a paisagem natural em cultural
(MORAES, 2006). De técnicas manuais muito rudimentares empregadas nas lavras de ouro e
diamantes ao longo do século XVIII, com alguns avanços no XIX, a exploração mineral foi se
diversificando e utilizando tecnologias cada vez mais sofisticadasi, sobretudo ao longo dos séculos
seguintes, o que não só implicou o aumento da produção e exportação bem como passou a gerar
impactos – ambientais, econômicos, sociais e culturais – cada vez mais significativos.

Sob a ótica da influência gerada por grandes empreendimentos no uso do solo, sua paisagem vem
sendo submetida a grandes alterações, impactando substancialmente as relações territoriais.
Verifica-se, neste quadro, o aumento da influência do poder corporativo na relação da atividade da
mineração com o território, não só por suas características de atividade concentradora e geradora
de grande número de empregos – em um tempo finito e determinado – mas também porque a
aquisição de áreas no entorno imediato onde atuam tornou-se prática comum das mineradoras,
resultando em verdadeiros latifúndios. Sua presença hegemônica faz com que as empresas

mineradoras tenham grande poder de decisão sobre os usos futuros do território, influindo não
apenas nos aspectos sócio-econômicos – dos quais os municípios são extremamente dependentes
– como também nas relações identitárias das comunidades locais.

Por outro lado, muitos dessas comunidades – algumas delas originárias de núcleos mineradores
setecentistas – emergem como atores relevantes no jogo de interesses e conflitos que se instaura
em razão das formas diversificadas de ocupar e utilizar o solo urbano e rural, na construção de suas
identidades e valores e na importância atribuída à paisagem local, aos remanescentes ambientais
de relevância para a preservação, bem como às áreas de recarga hídrica e aquíferos.

Com isso, o papel articulador e regulador do Estado torna-se indispensável na gestão do território,
embora seja constatada a timidez de sua atuação, mais concentrada no viés regulatório. Nessa
vertente, o Brasil tem uma legislação exemplar, cuja construção iniciou-se nos anos de 1970 e
avançou, consideravelmente, nas últimas décadas.

A Constituição Federal de 1988 possibilitou a criação de uma Política Nacional do Meio Ambiente,
definindo, em seu art. 2°, inciso VIII, a recuperação de áreas degradadas como um de seus
princípios, o que foi regulamentado pelo Decreto n° 97.632, de 10 de abril de 1989. Esta
normatização estabelece formalmente o compromisso de reabilitação das áreas, por meio da
apresentação do Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), instrumento exigido a todos
os empreendimentos de extração mineral em operação no país. De acordo com o art. 3° (BRASIL,
1989): “A recuperação deverá ter por objetivo o retorno do sítio degradado a uma forma de
utilização, de acordo com um plano preestabelecido para o uso do solo, visando a obtenção de uma
estabilidade do meio ambiente”.

Em Minas Gerais, esta exigência evoluiu para Deliberação Normativa do Conselho Estadual de
Política Ambiental (COPAM) n°127/2008, que demanda do minerador a elaboração do Plano
Ambiental de Fechamento de Mina (PAFEM), desde a concepção do empreendimento. Além disso,
solicita uma antecedência mínima de dois anos antes do encerramento da atividade para que o
PAFEM seja protocolado no órgão ambiental responsável. No entanto, tal instrumento não
consegue contemplar toda complexidade das relações territoriais e do processo de fechamento de
mina numa visão sistêmica e global, articulando os aspectos ambientais, sociais, econômicos e
culturais. No âmbito político, a articulação entre as diversas instâncias e setores governamentais é
frágil, dificultando o diálogo e a efetividade nas discussões, a implementação desses planos e ações
relacionadas à reintegração de áreas antes degradadas, por meio de um planejamento urbano e
regional integrado.

Assim, embora a legislação brasileira se baseie em três pilares – a função social da propriedade, a
recomposição ambiental e riqueza do subsolo como propriedade da união – e pressuponha uma
ação concorrente entre estados, municípios e federação, com competência comum nas atividades

de registro, acompanhamento e fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e exploração
de recursos hídricos e minerais em seus territórios, de fato, as questões socioculturais, talvez por
não serem explicitamente indicadas na legislação, fazem com que o meio ambiente seja o único
alvo das compensações legais. Acresce-se a essa lacuna a dificuldade de se lidar com o setor
minerador face à importância econômica que a atividade possui. Percebe-se, claramente, que
apenas ações de viés regulatório não têm dado conta dos problemas gerados pela mineração,
sobretudo porque as empresas ainda detém grande autonomia sobre as áreas mineradas.

Todos esses aspectos, brevemente apresentados, permeiam os estudos de caso apresentados
neste artigo, que aborda os impactos da mineração no território e na paisagem cultural. Esses dois
conceitos são discutidos, a seguir, como balizamento de nossas reflexões.

2. MINERAÇÃO, TERRITÓRIO E PAISAGEM CULTURAL
O conceito de território ao qual aqui nos referimos é compreendido como porção físico-espacial
abarcando relações socioeconômicas e culturais e com elas interagindo. Esse entendimento propõe
a junção de aspectos físicos com as ideologias espaciais, configurando um quadro formal de
representações e sistemas de valores das comunidades que o habitam. O território é um lugar
compartilhado no cotidiano, criador de raízes, laços de pertencimento e símbolos que lhes dão
sentido e motivam seus movimentos internos, ou seja, segundo Ribeiro (RIBEIRO e MILANI, 2009),
o território é um espaço de construção social, política, econômica e simbólica. Trata-se, portanto de
locus privilegiado onde a vida comunal acontece, com a multiplicidade de relações possíveis que
lhe conferir unicidade e personalidade próprias. Revela as relações de poder, quer do Estado, quer
de grupos dominantes, o que o configura como espaço de lutas sociais cotidianas e em constante
transformação. A dinâmica e a transformação são, portanto, duas de suas características
intrínsecas. O território representa, assim, as relações sociais no espaço.

Um bom exemplo dos agentes transformadores que influem na constituição do território são
exatamente as atividades de grande porte, pois além do poder econômico que representam, por
sua escala, possuem um considerável potencial indutor de alterações das relações territoriais. A
mineração é um representante bem característico desses agentes:

... a mineração é muito representativa, uma vez que é uma atividade que exerce grande
alteração na paisagem e no espaço, principalmente no caso de lavras à céu aberto, por
seu potencial de transformação e degradação da paisagem. Além disso, a mineração é
capaz de alterar substancialmente a estrutura e configuração de agrupamentos sociais e
comunidades, visto que reconfigura o território por completo e suas relações,
(des)construindo referências espaciais e culturais. Há situações onde observamos a
completa destruição de lugares, desvinculando as raízes e identidade de famílias e grupos
com o lugar (ACCIOLY, 2012).

A afirmação de Accioly remete à abordagem do conceito de paisagem adotado neste artigo,
corroborando a acepção contemporânea de “paisagem cultural”, ou seja, aquela paisagem natural
ou construída que tem significado para as comunidades e populações. É importante notar que aqui

não estamos nos restringindo àquelas paisagens que se enquadram na estrita classificação de
patrimônio reconhecido oficialmente pelos organismos nacionais e internacionais, posto que essas
são em menor número e se referem a situações excepcionais, como o Pico de Itabirito, tombado
pelo Estado de Minas Gerais e objeto de um dos estudos de caso apresentados neste artigo. Além
disso, restringir nossas análises a apenas este universo implicaria, na prática, desconsiderar a
valoração cultural que as comunidades fazem de quaisquer paisagens que lhes sejam significativas,
enfoque este que fundamenta nossas reflexões.

Nossa abordagem do conceito de “paisagem cultural” ultrapassa, portanto, as classificações de
cenário pitoresco ou de caracterização geográfica e compreende qualquer paisagem que ganhe
significado para o indivíduo e seu grupo cultural, seja ela natural ou construída, posto que é
fundamental o entendimento das relações que se estabelecem entre ela e sua apreensão subjetiva
ou melhor, intersubjetiva. Com isso, a abordagem plena deste conceito demanda uma definição no
espaço e no tempo que, associada às relações sujeito-objeto leva à necessidade de
contextualização da análise da paisagem cultural, uma vez que é resultado da sobreposição de
memórias, histórias, acontecimentos, narrativas, identidades e valores (cultura).

A paisagem cultural não é algo estático, congelado no tempo, como um cartão postal, mas o
resultado de uma interação constante entre os grupos humanos e o território, em produção dialética
e constante de significados, com a particularidade de que esses significados não são novos, pois
estão profundamente enraizados no processo histórico. Deve, portanto, ser considerada a partir da
especificidade dos valores que lhe são atribuídos, considerando os diversos elementos que a
compõem e a constante evolução dos padrões e valores que reflete e que acabam por fazer com
que ela seja a expressão da própria imagem da(s) sociedade(s) que a construíram. Assim, embora
as estruturas da paisagem se expressem em conjunto, em uma imagem, sob a ótica da percepção,
elas não se reduzem a um mero estímulo sensorial. Esta experiência, além das nuances subjetivas
e individuais, é constituída por uma sociedade em constante transformação, evidenciando, portanto,
a influência exercida pelas paisagens na qualidade de vida e na construção cultural. Tal
transformação é capaz de influir e resultar em novas referências e identidades. Suas consequências
e as novas apropriações e valorações que a sociedade lhe conferir são o que vai lhe outorgar
qualidade. Fica, assim, evidente a convergência mineração-território-paisagem na interseção
propiciada pelas relações socioculturais. É fundamental considerar os vínculos entre mineração,
seu território e as paisagens envolvidas, que são por ela modificados, influenciando, direta ou
indiretamente, o contexto econômico e sócio-cultural onde se situam.

As minerações apresentam-se como enclaves dissociados do território onde se instalam, reforçando
uma posição de autonomia e provocando tanto processos de exclusão como de desterritorialização,
agravados pelas relações internacionais de mercado para as quais as mineradoras têm se voltado
quase exclusivamente. Um aspecto bastante preocupante que emerge deste contexto relaciona-se

a três de suas principais características: a escala de impactos, a “exclusão” territorial e a
preocupação em apenas recompor o meio-ambiente na estrita acepção da lei.

Considerando a escala de seus impactos, o resultado com relação às paisagens tem sido, por via
de regra, de devastação, nela incluindo aspectos de poluição do meio ambiente, quer no processo
exploratório das minas quer no pós-fechamento. A recuperação ambiental e a recomposição da
paisagem não implicam o retorno à sua configuração originalii. Mas é possível considerar, na
perspectiva de criação de novas paisagens, o estabelecimento de bases consensuais e socialmente
construídas. Nesse sentido, a estrita observância legal não é suficiente para solucionar o problema
da recomposição da paisagem, porque não se trata apenas da consideração de um recorte territorial
que receberá novos usos, mas também das relações socioculturais nela inseridas e dela
decorrentes. Com isso, tanto as formas de exploração mineral como os planos e as ações de
recuperação e recomposição têm expressado atitudes de deliberada exclusão territorial.

Figurando como verdadeiros enclaves – propriedades delimitadas com acesso restrito e segurança,
relativamente distantes das áreas urbanizadas, etc. –, as mineradoras estabelecem níveis bastante
baixos de interação com os municípios onde se instalam, restringindo-se à relação com setores da
administração municipal, sobretudo nas questões normativo-legais e fiscais; e à captação de mão-
de-obra local. Até mesmo a perspectiva de instalação – como apresentado no estudo de caso
“Transformações prováveis a partir da implantação de empreendimentos mineradores no norte de
Minas Gerais” – provocam transformações substanciais na dinâmica local e regional.

A relação mineradoras-municípios, por via de regra, não se baseia em uma atitude biunívoca de
diálogo e de construção conjunta, resultando em ações de cunho paternalista, naquilo que as
mineradoras entendem ser contrapartidas. Dificilmente as demandas da sociedade para com as
mineradoras são consideradas. Exemplos desse tipo de relação são a refração a debates amplos
sobre as minas, o fechamento das atividades à visitação – quase uma ocultação – e a
despreocupação quanto à articulação dos territórios minerados em planos físico-territoriais locais e
regionais, o que nos remete, sobretudo, ao estudo de caso sobre Miguel Burnier.

Preocupando-se apenas com a maximização dos lucros nas atividades pós-fechamento de minas,
a busca de uma “segunda safra”, recorrentemente está ligada a empreendimentos imobiliários
desconectados dos planos diretores municipais que, por sua vez, apenas identificam as áreas como
“manchas de áreas em mineração” sem outra classificação estratégica ou destinação objetiva. Os
estudos de casos “Mina de Águas Claras: uso futuro de áreas mineradas” e “Inhotim” abordam
essas questões, no contexto do planejamento metropolitano.

Também o turismo apresenta-se presente nas estratégias de “segunda safra”, o que também é
discutido no caso de “Inhotim”, “Milho Verde e São Gonçalo do Rio das Pedras: a construção de
paisagens turísticas em áreas pós-mineradas” e “Mina do Pico de Itabirito”, sendo que os dois

últimos referem-se, especificamente, à exploração turística de estruturas remanescentes dos
antigos núcleos mineradores coloniais.

3. ESTUDOS DE CASOS NO ESTADO DE MINAS GERAIS
Mina de Águas Claras: uso futuro de áreas mineradasiii
A Mina de Águas Claras foi a principal operação da antiga Minerações Brasileiras Reunidas (MBR)
entre as décadas de 1970 e 1990, chegando a produzir 14 milhões de toneladas de minério de ferro
por ano, considerando os granulados e os finos, sendo reconhecida como a primeira grande
operação mineral do país (BRASIL; MINAS GERAIS, 2005 apud ACCIOLY, 2012). À época,
representou um marco para a indústria mineral pelo seu porte, qualidade do minério e pela aplicação
de tecnologias inovadoras para o setor no Brasil.

Por um lado, sua localização é privilegiada, mas por outro demandou cuidados extras durante a sua
operação. Águas Claras situa-se na porção sul da Serra do Curral, conjunto paisagístico tombado
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e pelo Instituto Estadual do
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA), além de estar entre as sedes de Belo
Horizonte e Nova Lima. Sua cava à céu aberto (Figura 02) dista somente 500 metros do Parque
das Mangabeiras, além de estar na vizinhança de uma das áreas residenciais mais nobres e
valorizadas de Belo Horizonte, o bairro Belvedere. Além dessas, outras referências são vitais para
a compreensão das relações territoriais que se estruturam com Águas Claras: além da existência
da Reserva Particular do Patrimônio Natural da Mata do Jambreiro (RPPN), a mina encontra-se no
Quadrilátero Ferrífero, no Vetor Sul da RMBH.

A Mina de Águas Claras protocolou seu plano de fechamento junto ao órgão ambiental do Estado
de Minas Gerais antes da publicação da Deliberação Normativa nº 129/2007, que exige a
elaboração de PAFEM, reforçando a necessidade do planejamento desta etapa do
empreendimento.

O Plano de Fechamento de Águas Claras (PFMAC) preconiza a preservação da sua memória, do
seu patrimônio industrial e geológico, considerando a importância que a mina possuiu durante sua
operação, em termos de inovação tecnológica e marco na indústria mineral. Além disso, levanta a
importância didática da área, pela clareza na visualização in situ de formações geológicas locais e
de taludes, com a disponibilização de diversos mapas, constituindo um rico acervo a ser aberto ao
público em geral e a instituições de ensino. Isto certamente ressaltaria a importância do Quadrilátero
Ferrífero, em termos históricos, culturais, econômicos, físicos e tecnológicos.

Um dos principais produtos do PFMAC foi o zoneamento da gleba e proposição de um uso futuro.
Este instrumento considerou as tipologias presentes no entorno como usos potenciais, propondo
segui-las ou complementá-las, entendendo que a vocação da gleba seria a de usos no segmento
de serviços e comércios, residencial e de lazer. Na delimitação do seu macrozoneamento, a área a

ser parcelada corresponderia a 9,38% da gleba, ou 193,81ha, abrigando usos urbanos como hotéis,
comércio e serviços, instituições de ensino e pesquisa, moradia, dentre outros.

Figura 02: Cava da Mina de Águas Claras, em processo de enchimento. Ao fundo, Belo
Horizonte e à esquerda, o Pico do Patrimônio.
Fonte: BRASIL; MINAS GERAIS, 2005.

No entorno de Águas Claras, observamos uma confluência de elementos simbólicos e apropriações
antagônicas, referentes à Serra do Curral, à Mata do Jambreiro e ao uso do solo, segmentado entre
condomínios e minerações. A Serra do Curral representa, claramente, a dinâmica possível de
apropriação, valoração e relação de uso e valores que a paisagem pode se submeter. Enquanto na
vertente norte há vários empreendimentos mineradores, o que traz uma conotação
desenvolvimentista, na vertente sul observamos uma ligação simbólica forte com a cidade de Belo
Horizonte, relacionando-se, inclusive, com o traçado urbano e exercendo influência na organização
espacial e planejamento urbano propostos por Aarão Reis (FERREIRA, 2003). O reconhecimento
da Serra do Curral, não somente como símbolo de Belo Horizonte em 1995, mas também como
patrimônio paisagístico, demonstra a sua valorização como marco simbólico, urbano, paisagístico
e expressão do imaginário coletivo para os habitantes de Belo Horizonte (ACCIOLY, 2012). Esta
diferenciação entre as vertentes sul e norte aparece inclusive na delimitação do seu perímetro de
tombamento, que não incorpora a vertente voltada para o município de Nova Lima. Vale alertar que
esta ligação antagônica com a Serra pode provocar sérios impactos visuais, visto que a porção
voltada para Nova Lima possui uma relação e conotação transformadora da paisagem, uma vez
que é área de expansão urbana e abriga a construção de grandes empreendimentos imobiliários e
de mineração.
A RPPN da Mata do Jambreiro é um importante reserva natural com área de 912ha que,
curiosamente, é resultado da proposição da antiga MBR e hoje é de propriedade da Vale. Abrange

importante parcela de remanescente da Mata Atlântica, do tipo floresta estacional semidecidual, rica
em espécies da fauna e flora, como mais de 400 espécies de grande importância para a flora, como
o jacarandá, peroba, o jequitibá, o pau-de-óleo, o cedro, ipê, braúna e as canelas. A área também
exerce importante papel na recarga de mananciais, possibilitando a manutenção de nascentes que
abastecem alguns córregos locais (MBR; BRANT, 2001).

O Vetor Sul da RMBH historicamente faz menção a uma população mais elitizada, que busca maior
tranqüilidade e qualidade de vida. Esta demanda, cada vez mais intensa, é ressaltada pela falta de
áreas disponíveis para expansão em Belo Horizonte e pelo estrangulamento que a cidade sofre, em
termos de mobilidade, exercendo significativa pressão demográfica sobre os municípios de
Brumadinho, Nova Lima e Itabirito.

Esta realidade é reforçada pela colocação de Costa (2003), ao afirmar que o eixo sul é o que mais
sofreu valorização fundiária nos últimos anos, sendo que em Nova Lima, estima-se que o preço da
terra foi o dobro experimentado pelo conjunto da RMBH na década de 1970. De fato, o município
de Nova Lima é muito convidativo para expansão, não somente pelos atrativos naturais da região,
mas também pela sua proximidade e localização estratégica em relação a Belo Horizonte, o que
provoca forte pressão e demanda imobiliárias advindas das classes média e alta da capital.
Reafirmando este diagnóstico, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI-RMBH)
considera que Nova Lima abriga o transbordamento da ocupação vertical de alta densidade da zona
sul de Belo Horizonte, além de condomínios horizontais fechados, que se expandem em várias
frentes de ocupação do município, assim como em parte de do município de Brumadinho (MINAS
GERAIS, 2010).

Juntamente com os loteamentos, a mineração segmenta o município de Nova Lima, que se
caracteriza, portanto, pelo uso intensivo dessas atividades, seguido pela existência de áreas de
preservação ambiental, muito em função de medidas compensatórias da atividade mineradora.
Costa (2003, p. 159) caracteriza o uso do solo da região como sendo uma

(...) conflituosa coexistência entre áreas de preservação e mineração; entre a propriedade
fundiária altamente concentrada nas companhias mineradoras e a proliferação de
lançamentos imobiliários residenciais de acesso controlado; entre as necessidades de
planejamento de longo prazo dos zoneamentos ecológico-econômicos das áreas de
proteção ambiental e o imediatismo do marketing urbano.

Esta segmentação fragiliza o município e reforça a segregação espacial existente. Além disso,
destaca-se que as mineradoras são proprietárias de terras nos principais eixos de expansão urbana,
concentrados no entorno da BR-040 e da MG-356, onde também se reúnem os condomínios e a
tendência de expansão urbana. A junção e domínio dessas duas atividades na região criam tensão
em termos territoriais onde, segundo Farias (2002, p. 11),

Os impactos causados pela mineração, associados à competição pelo uso e ocupação do
solo, geram conflitos sócio-ambientais pela falta de metodologias de intervenção, que

reconheçam a pluralidade dos interesses envolvidos. Os conflitos gerados pela mineração,
inclusive em várias regiões metropolitanas no Brasil, devido à expansão desordenada e
sem controle dos loteamentos nas áreas limítrofes, exigem uma constante evolução na
condução dessa atividade para evitar situações de impasse.

Curioso perceber que, de certa forma, a atividade mineradora exerce pressão contrária à expansão
urbana e ocupação generalizadas mas, concomitantemente, contribui para manter elevado o valor
da terra nos espaços urbanizáveis (COSTA, 2003). Entretanto, lembramos que boa parte das áreas
de condomínio pertence a mineradoras e esta concentração de terra pode significar, futuramente,
um fator indutor quanto à elaboração das proposições de uso futuro dos empreendimentos
atualmente em operação.

Esta tendência e dinâmica quanto ao uso do solo da região deve ser ponderada e controlada,
buscando e incentivando a sua diversificação, característica tão valiosa para a garantia da vitalidade
urbana. O adequado ordenamento territorial e planejamento sensibilizado do uso do solo talvez seja
o principal fator para a garantia de qualidade de vida, segurança e qualidade ambiental, uma vez
que são instrumentos que cruzam, analisam e espacializam as características físicas, ambientais,
socioeconômicas e culturais de uma região.

Fica claro, portanto, que o entorno do empreendimento apresenta elementos diversificados, mas
também muito conflitantes em termos de uso. Há importantes elementos paisagísticos, culturais e
ambientais em contraposição à pressão da urbanização intensa e a verticalização do solo, bem
como a forte presença da atividade mineradora. O contexto territorial de Águas Claras é
extremamente atrativo para os mais diversos tipos de empreendimentos, em especial no aspecto
econômico, uma vez que o valor da terra na região é elevado.

Desta forma, destacamos a importância do planejamento territorial integrado, confluindo, nas suas
diversas escalas de planejamento, ação e interação de fatores, aspectos transversais às políticas
setoriais relacionadas à paisagem. A compatibilização das diversas escalas de influência é
fundamental, uma vez que Águas Claras possui grande potencial para a contribuição do
desenvolvimento local e regional, extrapolando meros interesses e usos especulativos. A questão
da definição do uso futuro para áreas como Águas Claras é muito complexa justamente pelo grau
de interação que permite e, ao mesmo tempo, pelo confronto de interesses e possibilidades.
Importante lembrar que, ainda que uma área seja propriedade privada, o uso do solo em áreas
urbanas deve ultrapassar o cumprimento legal, buscando, efetivamente, os preceitos da política
urbana do direito à cidade e da real gestão participativa. Os elementos presentes no entorno
possuem grande carga cultural, histórica, ecológica e socioeconômica e devem ser
compatibilizados ao máximo. A relação entre a mineração e o território deve ser avaliada e a
compreensão da sua dinâmica aprofundada, assim como o reconhecimento da herança mineradora
que o Estado de Minas Gerais possui.

Mina do Pico de Itabirito: recuperação de áreas degradadas de interesse patrimonialiv
Referência geográfica, histórica e econômica, o Pico de Itabira, atualmente conhecido como Pico
de Itabirito, localiza-se no Quadrilátero Ferrífero, no município de Itabirito (antiga Itabira do Campo),
junto à rodovia BR-356, que liga Belo Horizonte a Ouro Preto. A Unidade Operacional do Pico
engloba a extração de minério de ferro e o método utilizado é de lavra a céu aberto (Figura 03).
Atualmente, são lavradas, nesse complexo, duas frentes: cava Sapecado e Galinheiro, compostas
basicamente de minério tipo itabirito (RIMA, 2011).

A extração industrial de minério de ferro na região do Pico data de 1938, embora tenha sido feita
em pequena escala nessa época. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), inaugurada em 1946,
teve seu primeiro carregamento de minério proveniente da Mina do Pico. A MBR, como explicitado
anteriormente, foi criada na década de 1960, a partir da associação da Companhia Auxiliar de
Empresas de Mineração (CAEMI) com a empresa americana Hanna Mining Corporation
(HANNACO) e a outras empresas japonesas. O escoamento da produção da Mina do Pico era
limitado pelo transporte rodoviário e pelo embarque de pequenas quantidades de minério no pátio
de embarque ferroviário, então situado no centro da cidade de Itabirito. Tal condição perdurou até
o início da década de 1990. O minério era levado por caminhões até a ferrovia e depois distribuído
para o porto do Rio de Janeiro e para clientes do mercado interno.

Figura 03: Cava da Mina do Pico em 2005.
Fonte: Relatório de Impacto Ambiental da Mina do Pico, 2005, p.38.
Em 1986, a CAEMI adquire a participação da HANNACO, tornando-a sócia majoritária da MBR.
Para possibilitar o aumento na produção, foi instalada uma nova planta de beneficiamento de
minério, uma barragem de rejeitos e uma correia transportadora com seis quilômetros de
comprimento para levar o minério da mina até o pátio de embarque ferroviário. A produção de
minério de ferro na Mina do Pico que, historicamente, não superava os dois milhões de toneladas
anuais, chegou, assim, a um patamar de 12 milhões de toneladas/ano. Em 1994, a Mina do Pico
expandiu-se e se tornou a principal atividade econômica do município. Por fim, em 2003, a
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) adquiriu a CAEMI e passou a controlar a MBR (RIMA, 2005).

Aos poucos a paisagem colonial foi substituída pelas feições da indústria e tomou conta de todo o
seu entorno.

A prosperidade da atividade minerária no município foi determinante no crescimento demográfico e
no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Itabirito. Em 1950, a cidade tinha cerca de 7,5 mil
habitantes. Em 10 anos, sua população cresceu para aproximadamente 11 mil, chegando próximo
dos 18 mil habitantes em 1970. De 1960 a 1970, a cidade viveu um aumento significativo no fluxo
migratório, o que resultou em um crescimento demográfico de 5,0% ao ano. O ritmo de crescimento
demográfico decaiu para 2,6% ao ano, na década de 1970 e, a partir de 1980, manteve uma
constância no seu crescimento, com pequena oscilação em torno dos 2% ao ano (RIMA, 2011. p.
49). Segundo dados da Fundação João Pinheiro, o IDH de Itabirito que, há 35 anos era de apenas
0,491 (1970), evoluiu consideravelmente nos 10 anos que se seguiram, atingindo 0,719 em 1980.
Nos onze anos seguintes, ele permaneceu estável, mantendo-se em 0,718, conforme registro em
1991. Em 2000, o IDH atingiu o valor de 0,786. Dentre outros aspectos, como o aumento do número
de empregos, este fator é reflexo do pagamento pela MBR da obrigação legal referente à
Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que incide sobre o valor
da produção extrativa da empresa e é distribuída entre a União, o Estado e os municípios nos quais
a empresa tem atividades.

O nome Itabirito foi criado por Eschwege para designar a rocha ferrífera típica das formações de
Minas Gerais. O Pico, composto por um único bloco de hematita – minério de ferro compacto – é
exatamente a tradução e demonstração, na paisagem, da riqueza da região na qual se insere. A
relação histórica da cidade de Itabirito com o ouro e o ferro vai muito além do nome; ambos se
relacionam à origem e ao desenvolvimento da cidade. No Brasil colonial dos séculos XVII e XVIII, o
pico se configurou como um marco geográfico para os bandeirantes e desbravadores do sertão que
se deslocavam nas expedições pelo Rio das Velhas. Era constantemente retratado por naturalistas
e historiadores devido ao seu destaque no relevo, com altitude superior a 1.580 metros. Apresenta-
se, assim, como um marco simbólico e referencial da economia local, da sociedade e da paisagem
no Estado de Minas Gerais.

O IPHAN registrou o tombamento do Pico de Itabirito, em 1962, inscrevendo-o no Livro
Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Entretanto, pouco tempo depois, ocorreu o
destombamento do Pico – algo até então inédito na história do Brasil – em razão de interesses na
exploração de seus recursos minerais. A pedido da St. John del Rey Mining Company, o
tombamento foi cancelado por ato do presidente Castelo Branco, em 1965, o que tornou possível a
mineração no local. Desde então, o Pico sofreu inúmeras modificações até ser tombado como
Conjunto Paisagístico, em 1989, pelo IEPHA. Também a Lei Municipal nº 1668, de 1º de outubro
de 1991, justifica seu tombamento por constituir um monumento natural de excepcional beleza
paisagística e um marco referencial de expressiva importância no processo civilizatório do

município. O intuito do tombamento foi assegurar a preservação de uma parte da memória cultural
para proveito das atuais e futuras gerações, além de garantir a manutenção do perfil panorâmico
da área, mesmo com a continuidade dos trabalhos de mineração desenvolvidos em seu entorno,
que são de vital importância para a economia do município. A legislação definiu o perímetro de
tombamento e dispôs que os responsáveis pela degradação deveriam recuperar a área. A Lei nº
2087/1998 instituiu, em 15 de novembro, o dia do Pico de Itabirito. Desde 2003, a MBR tem
promovido, em comemoração dessa data, ações de conscientização ambiental e visitas à mina.

O aumento da produção de minério na Mina do Pico contribuiu para o desenvolvimento econômico
e social de Itabirito. Além disso, foram realizadas diversas ações de cunho social que contribuíram
com a cultura, o lazer, a educação e a saúde no município, no intuito de minimizar os impactos da
extração. Entretanto, a paisagem cultural resultante da ação antrópica é preocupante. Apesar da
cava da Mina do Pico não ser vista da estrada, quando se chega mais perto, evidencia-se impacto
causado no contraste entre a imensa superfície explorada, exibindo suas camadas coloridas do solo
exposto, e a região protegida. Mesmo dentro do perímetro de tombamento, a base do Pico foi
atingida pela mineração. A visão é desconcertante em meio ao cenário construído – ou destruído
–, parecendo existir um abismo entre o presente e o passado, o efêmero e o eterno.

O Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) de 2004 apresenta um
PRAD referente à cava da Mina do Pico. Foi desenvolvido um modelo digital com o preenchimento
do terreno de acordo com as feições originais (Figuras 04 e 05). Em síntese, o projeto consiste: (a)
no preenchimento da cava com rejeitos do beneficiamento; (b) na construção controlada da “saia”
em torno do Pico de Itabirito, com a utilização de uma parcela dos estéreis oriundos da mina; (c) na
revegetação da “saia” do Pico com espécies nativas típicas de campos ferruginosos e, (d) na
revegetação do platô a ser criado seguindo um projeto paisagístico pré-estabelecido, conforme o(s)
uso(s) futuro(s) pretendido(s) para a área.

Figura 04: Situação atual da mina.
Fonte: Fonte: MOURA, A. C. M. [2005].

Figura 05: Situação após a recuperação.
Fonte: Fonte: MOURA, A. C. M. [2005].

De acordo com o relatório para o licenciamento ambiental, entregue à Fundação Estadual do Meio
Ambiente (FEAM), procurou-se, no projeto de recuperação, “devolver ao pico um aspecto natural,
semelhante ao que havia antes da mineração e, ao mesmo tempo, criar um espaço útil no entorno,
adequado a uma gama de possibilidades de uso futuro” (RIMA 2005, p. 54). O projeto baseia-se,
principalmente, no tratamento físico, através da implantação de superfícies adequadas, dotadas de
sistemas de drenagem pluvial, e a revegetação das referidas superfícies, com espécies apropriadas
para cada caso.

A cobertura natural resolveria o problema de instabilidade do terreno e proporcionaria um espaço
para uso futuro. Contudo, ela apagaria qualquer lembrança de um passado minerador por
excelência, forjando uma espécie de “falso histórico”, na medida em que procuraria se assemelhar
às características originais, inexoravelmente perdidas. Além disso, o volume de terra para preencher
a cava seria enorme. Mesmo que se utilizassem os rejeitos de outras cavas, os equipamentos
necessários e o tempo gasto talvez não compensam tamanho esforço. Outro ponto é que em
nenhum momento são mencionados os anseios da comunidade local, sendo que a questão social
é extremamente relevante, se não a mais importante, para a definição de um uso futuro para a mina.

Carsalade define símbolo como constituinte de importantes vetores no processo de aprendizagem
e entendimento. Desde o descobrimento das Minas, o Pico de Itabirito exibe exatamente esse
caráter significativo e ordenador e revela, a olho nu, a riqueza mineral de seu território. Em conjunto
com o simbolismo associado ao Pico, a mineração em seu entorno gerou e ainda gera riquezas
para o município de Itabirito. A riqueza mineral é um elemento caracterizador da economia, da
sociedade, da identidade, da memória e da cultura local, de forma que os vestígios de sua atuação
não devem ser totalmente apagados. A confluência pico-minério-humano resulta em uma paisagem
singular, passível de ser caracterizada como paisagem cultural.

Isso não quer dizer que, ao final da atividade extrativa, não se deva recuperar o cenário degradado,
mas significa que a simples revegetação esconderia vestígios históricos importantes. Essa área
minerada é considerada registro de um momento técnico-científico; testemunho de um momento
civilizatório que deixa marcas e provoca modificações na paisagem. À medida que o tempo passa,
há uma intensa sobreposição de culturas na sua geografia. A forma com que a área explorada será

recuperada é de extrema relevância e complexidade, de forma a registrar os valores de diferentes
épocas e, ao mesmo tempo, reinseri-la nas dinâmicas locais.

A vocação mineradora do município de Itabirito acarretou um crescimento demográfico apoiado na
atividade. A mineração constitui uma importante fonte de recursos para o município, não somente
em razão dos impostos, mas também pelos empregos gerados no município e na RMBH. São
preocupantes as consequências dos processos de exaustão das minas. O plano de recuperação
da área degradada deve abranger programas sociais com investimentos voltados para a
capacitação do mineiro em outras áreas de atuação, de forma a ampliar suas opções de trabalho e
renda. O município tem um plano de uso da CFEM, que implica uma estratégia de diversificação
produtiva, o que mostra sua preocupação com o iminente esgotamento das jazidas.

Miguel Burnierv
Miguel Burnier é um distrito localizado na porção oeste do Município de Ouro Preto (Figura 06),
situado na Serra do Espinhaço, Quadrilátero Ferrífero do Estado de Minas Gerais.

Figura 6: Mapa de Localização de Miguel Burnier.
Fonte: SISTEMA DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS PARA MINERAÇÃO Disponível em:

<http://www2.siam.mg.gov.br/webgis/mineracao/viewer.htm>. Acesso em ago./2012.
Distando aproximadamente 40 km da sede municipal, constitui-se em um distrito situado em uma
área cuja paisagem vem sendo modificada desde o século XIX devido às ações antrópicas
relacionadas à exploração dos recursos naturais locais com finalidade industrial. No século XVIII, o
ouro era explorado na região. A partir da década de 1880, a localidade propriamente dita começou
a ganhar nova dinâmica com a inauguração da Estação Ferroviária de Miguel Burnier, transportando
tanto cargas quanto passageiros, no ramal ferroviário que fazia a ligação entre Outro Preto, então
capital da província, e Rio de Janeiro, capital do Império na época. Pouco depois, os recursos
minerais da região e a situação privilegiada da localidade como importante entroncamento
ferroviário confluíram para despertar o interesse de Carlos da Costa Wigg – um dos sócios
fundadores da Usina Esperança, em Itabirito –, lá instalando, em 1893, a Usina Wigg, destinada à
extração de minério de ferro, produção de ferro gusa e extração de manganês.Na década de 1970,

a Usina Wigg foi vendida para o grupo empresarial que instalou a siderúrgica Barra Mansa no
distrito, cujas atividades favoreceram economicamente a população local até os anos de 1980. Na
década seguinte, concomitante ao declínio das atividades da siderúrgica, iniciou-se o processo de
arruinamento da malha ferroviária, contribuindo para o êxodo da população local, em busca de
postos de trabalho e melhores oportunidades em outras localidades. Daí iniciou-se o processo de
evasão social e decadência do meio urbano pelo qual, ainda hoje, passa o distrito.

As atividades industriais Miguel Burnier foram retomadas no século XXI, quando a
Gerdau/Açominas assumiu a exploração de minério de ferro, com a operação da Mina de Miguel
Burnier, localizada na sede distrital. Merece destaque o fato de que o acesso principal ao distrito se
faz por entre as frentes de lavra da referida mineração (Figura 07).

Figura 07: Mapa indicando os polígonos de concessão de lavra de mineração permitidos pelo
Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) na região próxima ao distrito de Miguel
Burnier. Destacamos o fato de que a sede do distrito está completamente inserida em um destes

polígonos.
Fonte: Disponível em: SISTEMA DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS PARA MINERAÇÃO. Disponível

em: <http://www2.siam.mg.gov.br/webgis/mineracao/viewer.htm>. Acesso em ago./2012.
Frente ao breve panorama exposto, observa-se que décadas de exploração de recursos naturais
aliada a falta de investimentos públicos em infraestrutura resultaram em uma ambiência paisagística
do entorno da minas e do núcleo urbano do distrito caracterizada por focos de erosão no solo
exposto, voçorocas, alteração na morfologia do terreno, desmatamento da cobertura vegetal,
formação de taludes, perfis expostos de terreno (sujeitos a desmoronamento pela ação de águas
pluviais), poluição dos cursos de água e lençol freático (tanto por resíduos das atividades minerárias
quanto pelo saneamento precário da região), além da própria poluição do ar por material em
suspensão.

O distrito é caracterizado por um tecido urbano precário, marcado por arruamentos irregulares, por
conjuntos dispersos de edificações simples e mal conservadas, focos de vazios urbanos
subutilizados, grande quantidade de edificações abandonadas e em processo de arruinamento,

principalmente, aquelas que compõem o conjunto histórico arquitetônico do distrito. Possui apenas
um posto de saúde, um bar e uma mercearia, sendo servido apenas por duas linhas rodoviárias que
apresentam poucas opções de horário, sendo que estradas de acesso encontram-se em péssimas
condições.
A pavimentação das vias urbanas é feita com pedras, mas, apresenta várias áreas com falhas e
terra exposta. As ruas não possuem sistema de drenagem de águas pluviais e, no tocante à
iluminação urbana, o distrito possui abastecimento de energia elétrica regularizado, porém, a
iluminação pública noturna é bastante deficiente. A localidade recebe abastecimento de água
tratada pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA), porém, não possui sistema
de esgotamento sanitário, sendo as casas possuem fossa negra e esgoto a céu aberto.

Figuras 08, 09, 10 e 11: Imagens da sede distrital de Miguel Burnier.
Fotografias: Jeanne Crespo, 2012.

Com apenas pouco mais de 400 habitantes, o distrito vive uma situação de estagnação social e
econômica, apresentando um quadro preocupante de êxodo urbano. Nesta localidade não há
equipamentos culturais e de lazer, havendo apenas um estabelecimento público de ensino
fundamental. Desta forma, a parcela da população que deseja seguir com os estudos necessita se
deslocar para outros locais. O mesmo se dá com a população economicamente ativa, uma vez que
faltam postos de trabalho.
Frente ao exposto, verificamos que Miguel Burnier encontra-se degradado ambientalmente. Todos
os elementos característicos da ambiência do distrito podem ser entendidos como resultantes dos
impactos ambientais advindo das atividades antrópicas na região, já que de acordo com o Artigo 1º.
da Resolução Conama 001 de 1986 (CONAMA, 1986):

Considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e
biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante
das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II - as atividades sociais e econômicas;
III - a biota;
IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V - a qualidade dos recursos ambientais.

E ainda de acordo com a mesma Resolução, são consideradas potencialmente impactantes e
modificadoras do meio ambiente, outras atividades antrópicas como: ferrovias, terminais e extração
de minérios, complexos e unidades industriais siderúrgicas e a implantação de distritos e zonas
industriais (CONAMA, 1986). Todas estas atividades, presentes no distrito de Miguel Burnier desde
os primórdios de sua formação, contribuem para o processo de degradação ambiental pelo qual
vem passando, ainda que e ao mesmo tempo, sejam também responsáveis pela sua constituição
como lugar social de memória, identidade e configurador de seu território.

Milho Verde e São Gonçalo do Rio das Pedras: a construção de paisagens turísticas
em áreas pós-mineradasvi
Milho Verde e São Gonçalo do Rio das Pedras, distritos do município do Serro, foram grandes
produtores de diamantes nos séculos XVII e XVIII. Contudo, desde o fim da mineração ficaram
economicamente estagnadas até serem redescobertas pelo turismo nas últimas décadas do século
XX. Dentre os antigos caminhos setecentistas – ligando os núcleos mineradores aos portos de
Paraty e do Rio de Janeiro – o Caminho dos Diamantes passava por dois importantes núcleos
mineradores incrustados nas terras altas da Serra do Espinhaço e nas proximidades do rio
Jequitinhonha, no norte do atual estado de Minas Gerais: a Vila do Príncipe, hoje cidade do Serro
e o Arraial do Tejuco, atual Diamantina. Foi no caminho entre estas duas localidades que, em 1720,
foram descobertos diamantes, o que provocou a vinda de levas de aventureiros para a região. Para
controlar esta ocupação e a exploração de pedras preciosas, Portugal demarcou a área criando,
em 1734, o Distrito Diamantino que, a partir de então, tornou-se um enclave rigidamente controlado
pela Coroa Portuguesa, permanecendo isolado até sua extinção, em 1882.

No Distrito Diamantino, duas localidades tiveram importância estratégica. A primeira, Milho Verde,
era o entreposto tropeiro e sede do quartel, por ocupar posição bem no meio do Caminho dos
Diamantes, no alto de um platô. Detinha as poucas terras férteis do Distrito Diamantino e, por esta
razão, tornou-se a fornecedora de gêneros alimentícios para toda uma região. A segunda, São
Gonçalo do Rio das Pedras, ocupando um fundo de vale cheio de regatos mineríferos, chegou a
ser sede da Intendência dos Diamantes, órgão responsável pela administração do Distrito.

Embora muito próximas – distam aproximadamente 5 km uma da outra (Figura 12) – Milho Verde e
São Gonçalo, ao fim do ciclo da mineração, tinham paisagens bem distintas. As paisagens de Milho
Verde revelavam um núcleo urbano degradado, uma economia enfraquecida, baixos indicadores

de qualidade de vida da população, concentração de terras, uma pecuária extensiva que substituía
os campos por pastagens, e a maioria dos habitantes ocupada em atividades de subsistência. Já
São Gonçalo emergiu do período diamantino com paisagens predominantemente mais qualificadas,
caracterizadas por uma ocupação urbana com boa qualidade ambiental, uma população
sobrevivendo de outras atividades produtivas, cursos d´água preservados, um ambiente rural que
mantinha quase intactos os campos de cerrado e os remanescentes de Mata Atlântica, dentre outros
aspectos positivos.

Estas duas localidades permaneceram por mais de um século com poucas modificações no quadro
de suas paisagens quando foram redescobertas, no final dos anos 1970, pelo turismo. Inicialmente,
alguns turistas e intelectuais perceberam possibilidades de viver novas experiências, em Milho
Verde e São Gonçalo. O rico patrimônio natural e cultural ali se manteve quase intocado, em razão
do abandono econômico a que foram submetidas as duas localidades e todo o norte de Minas desde
o fim da exploração mineral.

O turismo foi impondo, paulatinamente, suas forças, sequioso de atender a demandas cada dia
mais crescentes pela exploração do patrimônio natural e cultural daquelas localidades. Foi se
apropriando da natureza, da arquitetura, das festas, das tradições, dos costumes locais, de tudo
aquilo que poderia transformar em mercadorias postas ao consumo. Em Milho Verde, os turistas e
adventíciosvii que chegavam buscavam usufruir do patrimônio natural: cachoeiras, piscinas naturais,
a bela vista de um vasto planalto e da possibilidade de vivenciar experiências de uma vida
alternativa, mais livre, bem ao estilo dos movimentos de contracultura que surgiram no mundo a
partir da segunda metade do século passado. Os que chegavam a São Gonçalo, por sua vez,
buscavam a tranquilidade e as possibilidades de experimentar o cotidiano e a qualidade dos
espaços livres e edificados que o “grupo romântico de um conjunto de casas”, nas palavras do
viajante inglês John Mawe, oferecia.

SGRP Bacia do Rio
Milho Verde Jequitinhonha

Serro

Figura 12 - Localização de Milho Verde e São Gonçalo na Bacia do Rio Jequitinhonha
Elaborado pelo autor, 2010

Observamos que, atualmente, a situação turística que se estabeleceu em Milho Verde (Figura 13),
a pretexto de garantir uma maior liberdade ao turista na exploração das riquezas naturais do lugar,
é resistente a qualquer controle. Atrai, com isto, muitos adventícios, que, seduzidos por esta
“liberdade”, não só se aproveitam dela para viver uma vida alternativa, mas, também, para lucrarem,
adquirindo os melhores terrenos e casas das áreas centrais para nelas instalarem seus negócios,
terminando por produzir uma excessiva valorização destas áreas. Os nativos, antigos residentes,
vendem suas propriedades, aproveitando-se do aumento do preço dos imóveis que, por muito
tempo, ficaram desvalorizados em função da estagnação econômica que perdurou desde a extinção
do Distrito Diamantino. Depois de vendê-los, muitos migram para a periferia de Milho Verde,
provocando ali um processo de expansão territorial não planejado. Outros abandonam o distrito,
indo morar em localidades vizinhas.

Vai para São Gonçalo

Legenda N
1-Cemitério

2-Igreja de Nossa Senhora do Rosário

3-Creche – Associação Cultural e
Comunitária de Milho Verde

4-Telecentro Gemas da Terra

5-Padaria e Mercearia

6-Chafariz

7-Escola Estadual

8-Igreja Matriz de Nossa Senhora dos
Prazeres

9- Hotel Rancho Velho

10- Instituto Milho Verde

8 11- Lajeado
12- Camping

13- Armazém-Bar e Espaço Cultural

- Remanescente de Mata Atlântica

- Espaços livres públicos

12 11

10

8 12 Rua Lajeado
7 do
Rua
6 Campo

Do 9 RuDaireita

9

5 11

4Rua
6 Direita

1
23

Largo do
Rosário

1e2

Rua
EMsapenroiedlião

13

Vem do Serro

Figura 13 - Planta de Milho Verde
Elaboração e fotos do autor, 2010.

Nossas pesquisas revelaram também que os turistas de Milho Verde, em sua maioria, não têm
preocupação com a preservação do patrimônio cultural da localidade, pois privilegiam o lazer nas
cachoeiras e a fruição dos espaços livres do distrito, de preferência sem o controle da população
e/ou autoridades. Este fato contribui para o descaso com que autoridades e a população local tratam
o patrimônio arquitetônico e paisagístico. No distrito, importantes exemplares da arquitetura colonial
civil e religiosa estão inteiramente abandonados e/ou em ruínas.

Já o turismo praticado em São Gonçalo é mais adequado à configuração dos pequenos núcleos de
origem colonial: o turista que visita a localidade é mais educado e informado, reconhece e valoriza
o patrimônio cultural, como apontam os dados da pesquisa de campo. Este turismo tem produzido
nas paisagens de São Gonçalo (Figura 14) mais resultados positivos do que negativos.

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Legend
1 6 1a-Igreja do

31 Rio das Rosário
Pedras
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Associação
1 Comunitária
Largo do 5 2 Sempre
C2omércio Viva

Largo do1 3-
Cachoeira
Rosário CdsREoosmedpmeéaraMçcnoiaoestsalcivernetse
4-ApCEútulsbârcslniooctiloscasad´água
Estadual

5-Mercearia
da
Mariquinha

16-Pousada

do Pequi

7- Pousada
do Capão

8-Matriz de
São
Gonçalo

9- Pousada
5 Amigos

10- Casa1
de Doces5

M1Ail1dh-eoBmailr do
Verde

12- Pouso
de tropa

13- Bar do
Pescoço

14-
Restaurant
e Angu
Duro

15- Sede
da Funivale

Figura 13 - Planta de São Gonçalo do Rio das Pedras
Elaboração e fotos do autor, 2010.

O sistema de objetosviii que configuram sas suas paisagens contemporâneas tende à
sustentabilidade: a expansão urbana se dá sem ocupação de áreas ambientalmente frágeis; não
há ocorrências de desmembramentos de lotes em outros menores; as edificações mantêm o

gabarito térreo, quintais e áreas livres e as novas edificações acompanham este modelo; os nativos
continuam a ocupar residências e comércios em áreas centrais; as novas edificações, sejam as
destinadas ao turismo, sejam as de segunda residência, em sua maioria, resultam de projetos que
respeitam o relevo, os recursos naturais e incorporam em seu paisagismo as espécies nativas; os
espaços livres recebem da própria comunidade cuidados que os conservam com boa qualidade
paisagística; o rio que corta a localidade não recebe esgotos e os remanescentes da Mata Atlântica
mantêm-se, aparentemente, preservados.

Em Milho Verde e São Gonçalo, as verticalidades se impuseram, com muita força, em dois
momentos: o primeiro, na exploração mineral colonial e o segundo, iniciado em fins do século XX,
e que dura até os dias atuais, impostas pelo turismo. Em Milho Verde, essas forças verticais
incidentes produziram paisagens tendendo à insustentabilidade, pois ali não encontraram
horizontalidades coesas capazes de combatê-las. Em São Gonçalo, tendem à sustentabilidade, por
força da coesão e articulação das forças horizontais locais.

O estudo da construção histórica das paisagens das duas localidades pesquisadas, da mineração colonial
ao turismo contemporâneo, revelam evidências em favor da tese de que o novo, ao ajustar-se ao existente,
faz aflorar aquilo que ao longo dos tempos foi dando forma e sentido às suas paisagens e que nelas
permaneceram presentes. A construção das paisagens turísticas, ao tomar os objetos e ações pré-
existentes que interessam prioritariamente aos turistas, dá-lhes novos arranjos, introduzindo elementos
de fora do lugar. Os conflitos decorrentes desta superposição das novidades sobre o antigo, do embate
entre verticalidades e horizontalidades, somam-se aos conflitos antigos que ali permaneceram presentes,
fazendo reviver muitos deles.

Os resultados também evidenciam que, dependendo do tipo de turismo que se implanta nos
lugares, pode haver supressão de direitos, principalmente quando se destina o melhor dos
espaços coletivos aos turistas, ou quando se faz uma ordenação excessiva deles, levando a vida
cotidiana para o interior dos espaços privados. Essa supressão dar-se-á com mais força nos
lugares onde isto já acontecia no passado. Por outro lado, determinado tipo de turismo – mais
qualificado – pode encorajar novas formas de superação de injustiças, de reestruturação
econômica e de resolução de conflitos, principalmente quando incidir em lugares com tradição de
participação dos atores locais no trabalho coletivo de construção social.

Inhotim
Embora não construído inteiramente sobre área anteriormente minerada, aparece o caso emblemático de
Inhotim, o qual, de qualquer forma, se encontra em região de intensa atividade mineradora e surge como
uma alternativa interessante de requalificação de regiões degradadas pela mineração que utilizam a
cultura como instrumento de reabilitação territorial. O município de Brumadinho, onde se situa o Instituto
Inhotim, localiza-se ao sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte, com 34.000 habitantes e uma

economia bastante dependente da capital e da atividade mineral, representada principalmente pela Mina
Pau Branco, explorada desde meados do século XX pela Mannesmann (hoje Vallourec-Mannesman), que
perfazia uma binária com a sua unidade siderúrgica na Usina Barreiro (Belo Horizonte, divisa com
Brumadinho). Além dessa mina, várias outras minerações vizinhas à área de Inhotim fazem dela quase
como uma ilha na paisagem em processo de mineração.

A área de Inhotim (nome que é uma corruptela de Senhor Timothy, antigo administrador local) é de,
aproximadamente, 100ha, totalmente dedicada à exposição de obras de arte contemporâneas e a
grandes instalações artísticas, todas em meio a uma composição paisagística cuidadosamente planejada,
inspirada, em seus primórdios, em diretrizes oferecidas por Roberto Burle-Marx (Figuras 12 e 13). Trata-
se de empreendimento totalmente privado, fruto da atitude visionária de Bernardo Paz, dono das terras,
financiador do projeto inicial e seu principal curador. Aí se encontram obras de artistas importantes como
Helio Oiticica, Lygia Clark, Tunga, Adriana Varejão, Olafur Eliasson, dentre outros, em um acervo que
cresce ano a ano, em meio a diferentes projetos de estímulo às artes.

Figuras 15 e 16 – Instituto Inhotim.
Fotografia: Fernanda de Moraes (2007)
A mineração também esteve presente no financiamento inicial do projeto através de um
investimento de 100 milhões de dólares, vindo em grande parte da venda da Itaminas, uma
mineradora, para a China. Desde que o projeto foi aberto ao público – em 2004, para convidados,
e em 2006, para um público mais amplo –, o número de visitantes vem crescendo
exponencialmente, chegando à cifra de 130.000 em 2010. Mais do que o número, entretanto, sua
importância pode ser medida pelo prestígio que vem conseguindo junto aos governos e
empresários, pela forte atratividade como polo econômico e destino turístico. É certo que este último
fator, atrator de movimentos turísticos em uma região que praticamente apenas oferecia as
chamadas cidades históricas, ensejou tanta atenção a Inhotim. O governo viu no empreendimento
uma atração a se explorar como fonte de divisas e prestígio e retribuiu com incentivos fiscais e
concessões (em local privilegiado, em dois palacetes no recentíssimo Circuito Cultural da Praça da
Liberdade) e o local se tornou cobiçado por empresários, inclusive pelo próprio Bernardo Paz, que
ali identificou fontes de novos negócios, desde os tradicionais loteamentos de luxo (nas várias terras
que possui ao redor) até os serviços ligados a cultura, turismo e encontro de negócios: seus planos

incluem a criação, no local, de dez pousadas (quartos com 90 a 120m2), teatro, centro de
convenções, rua de comércio de grifes e restaurantes de alta gastronomia.

Um enclave de alta renda como este, em meio a uma região de habitações modestas e população
pobre, tem preocupado não apenas o poder público, mas também ao próprio empreendedor que
procura criar programas de inclusão social e desenvolvimento local. Assim, são muitas as vagas de
trabalho criadas na manutenção do terreno, das instalações e de guias; no apoio a comunidades
vizinhas, nas áreas de cultura e educação, e muitos os esforços de desenvolver a Serra da Moeda,
sua vizinha, como “roteiro de charme”, por meio do estímulo ao turismo ecológico e de esportes
radicais e a novas pousadas e restaurantes.

A « Disneylândia séria » como a Inhotim se refere seu criador, Bernardo Paz, é um caso fortuito,
desapegado de um planejamento regional necessário para o Quadrilátero Ferrífero e flutua
livremente de acordo com o humor e disposição de seu criador. Ali, apesar dos programas de
inclusão social, temos que um desenvolvimento a duas velocidades é bem explícito: uma população
local desconectada do projeto face a um turismo de luxo em torno a um equipamento cultural elitista
que hesita entre a inclusão do entorno em um projeto de desenvolvimento regional e o brilho do
enclave de empreendimentos de alto luxo em meio a uma realidade social carente.

Transformações prováveis a partir da implantação de empreendimentos mineradores
no norte de Minas Gerais
O Norte de Minas Gerais está prestes a receber empreendimentos mineradores que implicarão, em
um futuro bastante próximo, uma nova organização na rede urbana, com transformações tanto no
território quanto na paisagem cultural da região (MINAS GERAIS, s.d.). Quatro desses
empreendimentos estão em fase de estudo, conforme apresentado no Quadro 1.

Quadro 1: Empreendimentos mineradores a serem implantados no norte de Minas

Localização Objetivo do projeto Empresa Investimento Empregos
(município)
(R$) Diretos Indiretos

Riacho dos Exploração e Carpathian 250 milhões 400 800
Machados processamento de Gold INC
ouro

Porteirinha Extração de minério Vale 560 milhões 50 Não
de ferro especificado

Próximo aos Extração de minério

municípios de de ferro, usina de SAM 3,2 bilhões 1.825 Não
Grão Mogol e concentração, especificado

Salinas mineroduto e porto

Implantação de mina,

Grão Mogol e Rio unidade de MIBA 857 milhões 1.500 1.200
Pardo de Minas beneficiamento e

corredor logístico
Fonte: Secretaria de Desenvolvimento Regional e Urbano de Minas Gerais – SEDRU/MG. Fevereiro/2012

As empresas ainda não iniciaram suas operações e os estudos de impacto ainda não foram
apresentados, tornando bastante especulativa a indicação de cenários futuros, seja em seus
impactos positivos seja negativos. De concreto sobre as atividades mineradoras a serem,
possivelmente, implantadas, destacamos que já foram iniciadas as obras de construção do
mineroduto, que escoará a produção de minério de ferro de dois dos quatro empreendimentos
mencionados, até o porto de Ilhéus, impactando, ao longo de seus 480 km de extensão, 21
municípios nos estados de Minas Gerais e Bahia.

Diante deste contexto, buscamos avaliar o potencial impacto da atividade mineradora no território e
na paisagem da Microrregião Salinas e, mais especificamente, o município de Taiobeiras (Figura
12), que passa, justamente, por um momento de reconhecimento e valorização de uma identidade
própria, tanto em termos territoriais quanto no que respeita à paisagem cultural.

O rio Pardo é o elemento central da paisagem dessa microrregião. Em um território – de clima
semiárido e com longos períodos de estiagem –, este rio e seus afluentes ditam o ritmo da economia
e do cotidiano do campo, das cidades e das pessoas, por ser fonte de irrigação, abastecimento e
lazer. Os municípios constituintes da Microrregião Salinas são coincidentes com os municípios
mineiros pertencentes à bacia do rio Pardo, fazendo com que algumas entidades governamentais
– particularmente, o Ministério de Desenvolvimento Agrário e a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA) – adotem a microbacia hidrográfica como unidade de referência em suas
atuações a ponto de denominá-la Microrregião do Alto Rio Pardo. Composta por 15 municípios, a
Microrregião do Alto Rio Pardo esteve, por muito tempo, vinculada ao município homônimo, em
razão de sua centralidade fornecedora de serviços, posição que, desde a última década, vem
dividindo com o município de Taiobeiras.

Figura 17 – Localização da Microrregião no Estado de Minas Gerais
Fonte: Prefeitura Municipal de Taiobeiras. Disponível em: <www.taiobeiras.mg.gov.br>. Acesso em

ago./2012.

Em uma primeira abordagem, pode-se dizer que a identidade cultural regional foi determinada, pelo
menos em parte, por uma situação de isolamento, realidade que somente começou a ser alterada
a partir do final da década de 1980, com o asfaltamento do trecho da BR-251, de Salinas a Montes
Claros, e à BR-116 (Rio-Bahia). Esse “isolamento” foi determinante nas relações sociais,
econômicas e de consumo. Até então, o êxodo rural ocorria em um ritmo mais lento que no restante
do país, influenciando no predomínio da economia agropecuária e no pequeno crescimento
econômico.

Nesse contexto, Salinas cumpriu o papel de centralidade microrregional. A acessibilidade precária
dificultava a importação de produtos, inclusive alimentícios, o que contribuiu para o predomínio da
atividade agropecuária. Com isso, uma característica forte que se desenvolveu, e que permanece
até hoje, foi a presença dos mercados municipais e das feiras livres. Nesses locais, os produtos
agropecuários são levados para serem vendidos ou trocados em eventos que atraem também

moradores de outras localidades, seja por não possuírem instalações dessa natureza seja porque
sua produção agrícola é pequena ou pouco diversificada. Vale ressaltar que as feiras são locais de
festa e de concentração do excedente da produção e contribuem para a formação de uma
identidade, quase inconsciente, baseada em relações de troca e complementaridade entre campo-
cidade, contribuindo para manter alguns costumes e tradições significativos, presentes ainda nos
dias de hoje. Pode-se dizer que tais mercados e feiras são os principais ícones da identidade cultural
microrregional, em seu papel de local onde campo e cidade se encontram.

Outra característica cultural-territorial marcante em alguns municípios da Microrregião do Alto Rio
Pardo é a estruturação da área rural em núcleos compostos por localidades agrupadas, quer pela
proximidade e facilidade de acesso quer pelas semelhanças culturais ou ainda pela atividade
agrícola comum. Ou seja, o que melhor caracteriza e identifica o território e a paisagem do Alto Rio
Pardo é o campo e não as cidades, que constituem, grosso modo, apenas pontos de conexão.

Entretanto, Taiobeiras vem se destacando, desde a última década, como centralidade da
microrregião, impulsionado, sobretudo, pelo Programa de Acesso Rodoviário (PROACESSO), do
Governo do Estado de Minas Gerais, que busca integrar as cidades do Estado por meio de vias
pavimentadas. A localização estratégica de Taiobeiras, em um entroncamento de vias já existentes,
foi potencializada pelas obras de pavimentação, que implicaram um rearranjo na rede urbana
existente, conferindo-lhe, gradativamente, status polarizador. As facilidades de acesso, a expansão
da oferta de comércio e serviços – com a abertura da Agência da Caixa Econômica Federal, do
Posto do INSS, criação da Companhia de Polícia e melhorias no hospital local, que assumiu papel
de referência regional – contribuíram para tal.

Representante legítimo da identidade microrregional no que se refere à relação com o campo,
Taiobeiras tem algumas características que o diferencia dos demais municípios da microrregião,
sobretudo no que se refere à organização do território intraurbano. Em 1968, pouco mais de dez
anos após sua emancipação política, foi elaborado e implementado um plano diretor em que as
poucas vias existentes foram urbanizadas, com a demarcação dos passeios, pavimentação e
arborização, e, também, novas vias foram implantadas, inspiradas no traçado original de Belo
Horizonte, prevendo-se uma população futura de, aproximadamente, 30.000 habitantes. Esse plano
propiciou ao distrito-sede uma ordenação territorial que, ainda hoje, confere-lhe boa qualidade
urbana.

Face à recente posição de centralidade verificada, observam-se transformações expressivas na
paisagem urbana. Melhorias na acessibilidade rodoviária e na expansão da infraestrutura de
serviços, somadas ao contexto de ampliação de acesso ao crédito, experimentado em todo o país,
implicaram efeitos migratórios, cuja consequência imediata foi um boom imobiliário, caracterizado
por tendências de substituição de edificações antigas e horizontalizadas por outras, verticalizadas,
especialmente no centro da cidade, onde, ressalta-se, concentra-se a maior parte do patrimônio

cultural edificado. Observa-se também uma desconcentração do comércio, serviços e instituições
públicas que, historicamente localizados no centro da cidade, sobretudo no entorno do Mercado
Municipal, passaram a se expandir para outros locais de forma bastante pulverizada.

Outro aspecto, relevante neste processo, foi a reforma do Mercado Municipal, feita como forma de
valorizar a mencionada relação campo-cidade, mas também para atender a um novo público, não
apenas voltado para o consumo de bens de primeira necessidade, mas também para a exploração
turística. Mesmo considerando as melhorias na higiene e no conforto, pode-se dizer que o mercado
passou por um processo de gentrificação, numa clara tentativa de aproximá-lo dos templos de
consumo moderno, os shopping centers, atraindo turistas.

É nesse contexto de reorganização da hierarquia microrregional, com a emergência de Taiobeiras
como centralidade, que empreendimentos mineradores serão implantados. Ainda é prematuro
indicar suas consequências, mas alguns cenários já se delineiam, como a possível inversão entre
os papéis de campo e cidade, transformando sensivelmente a paisagem hoje existente. A atividade
agropecuária poderá ficar comprometida com o deslocamento de mão de obra para as cidades e
com a reversão do uso agropecuário das terras para a mineração. No campo, o impacto percebido
até o momento foi a valorização especulativa do preço da terra. Já foi anunciada, mas sem previsão
de início, pela SEDRU-MG, a realização de um Plano Regional Estratégico das microrregiões Alto
Rio Pardo, Grão Mogol e Janaúba, justamente aquelas que abrigarão os empreendimentos
mineradores citados. De acordo com a SEDRU-MG (s.d.), esse plano vai “mensurar os
impactos dos investimentos feitos na região por grandes empresas da área da mineração”, a
exemplo do que foi feito no Plano Regional do Alto Paraopeba.

As cidades integrantes dessas microrregiões, hoje pontos de conexão com o campo nesse contexto
de emergência de uma nova atividade econômica, poderão deslocar tal papel para segundo plano,
priorizando o atendimento das necessidades dos novos empreendimentos. Especula-se que
Taiobeiras será diretamente impactada pelo empreendimento que se instalará no município de Rio
Pardo de Minas e terá sua centralidade reforçada, devido à proximidade do local da mina, po r sua
posição geográfica central na microrregião, reforçada pelas confluências rodoviárias das rotas de
passagem. Além disso, determinados fatores – como a infraestrutura de serviços disponível; a
qualidade urbana do distrito-sede; o clima agradável devido às elevadas altitudes, diferentemente
dos demais municípios da microrregião – deverão contribuir para atrair um fluxo migratório
expressivo, o que é típico no histórico de implantação de atividades geradoras de emprego e renda,
tais como as mineradoras.

Tal cenário é corroborado pelo fato de que a simples notícia sobre a possibilidade de implantação
de empreendimentos mineradores na região desencadeou apostas do mercado imobiliário local,
expressas na construção de apartamentos e casas para aluguel que, por ora, encontram-se
paradas, aguardando a chegada do empreendimento. Outro aspecto relevante é a criação de cursos

para técnicos em mineração, ofertados por duas escolas particulares, ofertados sem quaisquer
vínculos com as empresas mineradoras e sem que exista qualquer demanda explicita e imediata
por esses profissionais.

Enfim, a perspectiva de instalação da atividade mineradora na região já tem gerado, sobretudo nos
municípios de Alto Rio Pardo e Taiobeiras, expectativas, especulações e investimentos, ainda que
tímidos, anunciando transformações em suas dinâmicas social, econômica e territorial. Se, por um
lado, será a efetiva implantação dos empreendimentos mineradores que confirmará ou não o
cenário de profundas transformações locais e regionais que parece se delinear. Por outro, gerir
adequadamente os processos em curso figura como premente na mitigação dos efeitos perversos
que, historicamente, são associados a este tipo de empreendimento. Vale lembrar que a reversão
das expectativas, caso os empreendimentos não se viabilizem, também trará ônus locais e
regionais, com a emergência de novos rearranjos na dinâmica da rede urbana.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os casos apresentados revelam o grande e diversificado impacto que a atividade mineradora vem
exercendo sobre territórios e paisagens, em um momento de aceleração da extração mineral e de
maior consciência social sobre o território e os valores culturais. Assim, a requalificação de espaços
degradados, a melhoria do impacto visual, paisagístico e ambiental sobre os municípios
mineradores e o desenvolvimento e proposição de novos usos para estas áreas são reflexões que
merecem ser mais bem estabelecidas. Tais questões devem, necessariamente, considerar as
características endógenas do lugar e as aspirações das comunidades envolvidas, vislumbrando a
melhoria da qualidade ambiental e urbana.

Cabe a nós, em nossos casos específicos discutir os limites dessas transformações e cuidar para
que a relação cultura local-mineração ganhe os contornos apropriados a cada caso. Afinal, não
podemos esquecer que o “ciclo do ouro” em Minas Gerais, apesar dos grandes contingentes
populacionais que trouxe, das transformações na paisagem e da expropriação de nossas riquezas,
nos deixou uma herança de criação de novas cidades, belos aglomerados urbanos, renovação
cultural e grandes obras de arte, cujos exemplos mais notáveis são nossas igrejas barrocas. A
pergunta que podemos nos fazer, hoje, seria sobre qual o legado que nos deixa o “ciclo do ferro”,
ou, até mesmo antes de inquirir sobre o futuro, quais são as relações culturais – para não falar das
socioeconômicas – que hoje se estabelecem entre comunidades e mineração? Se, no “ciclo do
ouro”, elas serviram para abrir as Minas Gerais a outras várias culturas pela forte presença de gente
de toda parte por aqui, se elas serviram para criar novas experiências artísticas e manifestações
culturais originais, se elas serviram para fomentar ideias de liberdade, quais são as contribuições
que hoje nos deixa a mineração?

O número de minas em operação sugere ações preventivas e estratégias de interface com as
realidades locais para que não se tornem passivos a serem resolvidos, quando então eles se
apresentariam mais impactantes e com soluções ainda mais complexas. A literatura especializada
na questão de fechamento de minas já aponta para a necessidade desta questão ser abordada o
mais precocemente possível e que se vislumbrem cenários futuros desde sua abertura, ainda que,
é claro, esses cenários sofram ações corretivas através de monitoramento constante ao longo de
sua vida útil. Importante lembrar que este acompanhamento é vital para o sucesso do pós-
fechamento, inclusive em virtude da característica dinâmica do território e da paisagem.

Os estudos de caso apresentados mostram como, no caso mineiro (e também no brasileiro!), a
questão da mineração corre ao largo do Estado que, preocupado antes em criar leis e, focado no
meio ambiente, tem se abstido de seu papel de planejador e gestor local e regional, deixando às
mineradoras um campo livre para que as decisões pós-minas se dêem antes de acordo com seus
próprios interesses do que sob a égide do interesse público coletivo. É por isso que, após a
« primeira safra » da mineração, foi cunhado, pelo dito popular, o termo « segunda safra » aplicado
aos desenvolvimentos imobiliários que ocorrem posteriormente nessas áreas e que são lucrativos
para as mineradoras, mas de pouco interesse público maior.

Sob qualquer forma, essas ações devem incorporar um acompanhamento muito próximo do Estado
e se integrarem às estratégias de desenvolvimento territorial para que se tornem efetivas e, mais
que tudo, representem um necessário retorno social à exploração de suas riquezas e ao forte
impacto que as atividades mineradoras trazem consigo.

REFERÊNCIAS

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Dissertação ( Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo-NPGAU/UFMG), Belo Horizonte, 2012.
ACCIOLY, S. M. L. Uso Futuro de Áreas Mineradas e o Meio Urbano: O Caso de Águas Claras. Dissertação
(Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentado-MACPS/UFMG, Belo Horizonte, 2012.
BRASIL. Decreto n. 97.632, de 10 abr. 1989. Dispõe sobre a regulamentação do Artigo 2º, inciso VIII, da Lei n.
6.938, de 31 de agosto de 1981 e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, 02 set.1981
CARSALADE, Flávio L. Desenho Contextual - uma abordagem fenomenológico-existencial ao problema da
intervenção ems lugares especiais feitos pelo homem. Tese (programa de Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo/UFBa), Salvador, 2007.
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FERREIRA, Maura Bartolozzi. A proteção ao patrimônio natural urbano: estudo de caso sobre a Serra do Curral,
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___. Secretaria de Desenvolvimento Regional e Urbano. Banco de Notícias. Governo de Minas anuncia início do
Plano Regional Estratégico do Norte de Minas. Disponível em: http://www.urbano.mg.gov.br/banco-de-
noticias/630-governo-de-minas-anuncia-inicio-do-plano-regional-estrategico-do-norte-de-minas, acesso em
22/07/2012.
MINERAÇOES BRASILEIRAS REUNIDAS; BRANDT MEIO AMBIENTE. Plano de fechamento: Mina de Águas
Claras. Nova Lima: Minerações Brasileiras Reunidas; BRANDT Meio Ambiente; dez. 2001. Relatório. v. 1.
MORAES, Fernanda Borges de. A rede urbana das Minas coloniais: na urdidura do tempo e do espaço. Tese
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MOURA, A. C. Simulação de Intervenção na paisagem para a Mina do Pico, mineração de ferro a céu aberto –
Itabirito – Brasil. Disponível em: <http://www.arq.ufmg.br/SiteLabGeo/Laboratorio_Geo/Artigos/CONFIGSIG-
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RIBEIRO, Maria Teresa Franco; MILANI, Carlos Roberto Sanchez. (org.). Compreendendo a complexidade
socioespacial contemporânea: o território como categoria de diálogo interdisciplinar. Salvador: EDUFBA, 2009.
SEDRU. Banco de Notícias. Governo de Minas anuncia início do Plano Regional Estratégico do Norte de Minas.
Disponível em: http://www.urbano.mg.gov.br/banco-de-noticias/630-governo-de-minas-anuncia-inicio-do-plano-
regional-estrategico-do-norte-de-minas (Consulta em 22/07/2012).
SISTEMA DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS PARA MINERAÇÃO Disponível em:
<http://www2.siam.mg.gov.br/webgis/mineracao/viewer.htm>. Acesso em ago./2012.
TAIOBEIRAS. Prefeitura Municipal. Localização do município. Disponível em:
http://www.taiobeiras.mg.gov.br/sis2009/index.php?option=com_content&view=article&id=21&Itemid=33
(Consulta em 08/08/2012)

NOTAS
i Cabe ressaltar o papel fundamental exercido pela Escola de Minas de Ouro Preto, fundada em 1876 e
responsável pela formação de quadros técnicos altamente qualificados para o país.
ii Aspecto corroborado pelo disposto do artigo 3º do Decreto no 97632/1989.

iii Este estudo de caso tem como principal referência ACCIOLY (2012), dissertação de mestrado orientada
pelo Prof. Flávio de Lemos Carsalade.
iv Este estudo de caso tem como principal referência: ABREU (2012), dissertação de mestrado orientada pelo
Prof. Flávio de Lemos Carsalade.
v O distrito de Miguel Burnier é objeto de estudo na disciplina “Oficina de Reabilitação de Áreas Urbanas
Degradas”, do Curso de Arquitetura e Urbanismo (noturno) da Universidade Federal de Minas Gerais,
ministrada pelos professores Altamiro Sérgio Mol Bessa e Jeanne Cristina de Menezes Crespo.
vi O estudo de caso dos distritos de Milho Verde e São Gonçalo do Rio das Pedras integra a pesquisa “A
construção de paisagens turísticas em áreas pós-mineradas”, que analisa a construção das paisagens
turísticas brasileiras, especialmente nas áreas pós-mineradas do norte do Estado de Minas Gerais. A

pesquisa é coordenada pelo Prof. Altamiro S. Mol Bessa, do Departamento de Urbanismo da UFMG, apoiada
pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

vii Termo utilizado pela literatura do turismo para designar aqueles que não nasceram no lugar e para ele se
mudaram, passando a viver ali.

viii De acordo com o geógrafo Milton Santos, o sistema de objetos de uma paisagem é composto por seu meio
ecológico mais as infraestruturas construídas pelo homem sobre ele.


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