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O arrependimento, segundo o autor da carta aos Hebreus, é categorizado como parte das doutrinas elementares de Cristo (HEBREUS 6:1,2), ou seja, um princípio, um alicerce, um fundamento sobre o qual algo deve ser construído. Portanto, é de suma importância que nós saibamos a real necessidade do arrependimento para as nossas vidas e quais as consequências que a sua ausência traz. Contudo, esse assunto se tornou tão pouco divulgado entre nós, que, apesar de ser considerado como alimento para crianças, hoje, parece ser alimento sólido, pois muitas vezes desce rasgando na nossa garganta, que é sensível a qualquer coisa que não seja papinha. Digo isso primeiramente a mim, pois sou o primeiro a considerar este assunto profundo demais para meu intelecto tão limitado, a ponto de achar que já estou me alimentando de alimentos sólidos, quando estou apenas me deliciando com leite. Porém, mesmo sabendo que há coisas demasiadamente extraordinárias para experimentarmos em Cristo, vamos precisar voltar aos primeiros rudimentos e falar sobre este assunto que é tão essencial para a salvação.

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Published by marlonrasech, 2022-02-08 18:16:16

CORAÇÃO QUEBRANTADO: A PRÁTICA DO ARREPENDIMENTO E A TRANSFORMAÇÃO DO CRISTÃO

O arrependimento, segundo o autor da carta aos Hebreus, é categorizado como parte das doutrinas elementares de Cristo (HEBREUS 6:1,2), ou seja, um princípio, um alicerce, um fundamento sobre o qual algo deve ser construído. Portanto, é de suma importância que nós saibamos a real necessidade do arrependimento para as nossas vidas e quais as consequências que a sua ausência traz. Contudo, esse assunto se tornou tão pouco divulgado entre nós, que, apesar de ser considerado como alimento para crianças, hoje, parece ser alimento sólido, pois muitas vezes desce rasgando na nossa garganta, que é sensível a qualquer coisa que não seja papinha. Digo isso primeiramente a mim, pois sou o primeiro a considerar este assunto profundo demais para meu intelecto tão limitado, a ponto de achar que já estou me alimentando de alimentos sólidos, quando estou apenas me deliciando com leite. Porém, mesmo sabendo que há coisas demasiadamente extraordinárias para experimentarmos em Cristo, vamos precisar voltar aos primeiros rudimentos e falar sobre este assunto que é tão essencial para a salvação.

Keywords: ARREPENDIMENTO,CORAÇÃO,CONVERSÃO,CRISTÃO

Coração

Quebrantado

A PRÁTICA DO ARREPENDIMENTO E A TRANSFORMAÇÃO DO CRISTÃO

Marlon Rasech

VJ

VAMOS REFLETiR JUNTOS







Como é feliz aquele a quem o Senhor não atribui culpa e em
quem não há hipocrisia! Enquanto escondi os meus pecados,
o meu corpo definhava de tanto gemer. Pois de dia e de
noite a tua mão pesava sobre mim; minha força foi se
esgotando como em tempo de seca. Então reconheci diante
de ti o meu pecado e não encobri as minhas culpas. Eu disse:
"Confessarei as minhas transgressões ao Senhor", e tu
perdoaste a culpa do meu pecado (SALMO 32:2-5)



SUMÁRIO

CAPÍTULO 1
POR QUE FALAR SOBRE ARREPENDIMENTO | 9

CAPÍTULO 2
O QUE É ARREPENDIMENTO | 12

CAPÍTULO 3
UMA ANÁLISE PRÁTICA | 15

CAPÍTULO 4
O CUIDADO DE DEUS | 23

CAPÍTULO 5
CORAÇÃO QUEBRANTADO | 30

CAPÍTULO 6
A VERDADE NO ÍNTIMO: AÇÃO E INTENÇÃO | 39

CAPÍTULO 7
AGORA, POIS, ARREPENDE-TE | 55

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS | 67



PREFÁCIO

Enquanto vou me deliciando no pouco conhecimento que
tenho de Deus e de Cristo, na boa notícia do eterno poder para a
salvação dos homens, que é o Evangelho, e na certeza da soberania
de Deus em justificar pecadores, vou percebendo que Deus é muito
organizado em seus trabalhos. Tudo que Deus faz traz à tona um
nível de planejamento que surpreende. Há, sem dúvidas, um
propósito para todo procedimento que Deus faz: não há
aleatoriedade, pois, Suas mãos não trabalham em vão.

Além disso, nada parece ser imediato, mesmo que aconteça
imediatamente. Isto é, por mais que nossos olhos contemplem um
feito imediato de Deus, o Seu eterno poder já havia planejado todas
as coisas para que tudo pudesse culminar nesse feito. Deus,
definitivamente, não é imediatista, afinal, o tempo não Lhe domina
e, por isso, Ele não precisa Se preocupar com a escassez de tempo
que algum milagre possa ter.

Essa organização, obviamente, não poderia faltar no processo
de redenção de um pecador, que é um milagre no sentido mais pleno
do termo. Quando digo organização, quero trazer a ideia de que
existe um processo definido pelo próprio Deus pelo qual o homem
deve passar para que seja transformado e para que viva em
novidade de vida. Esse processo tem início no próprio Deus que, na

eternidade, conheceu, elegeu, predestinou, chamou, justificou e
glorificou muitos em Cristo Jesus para a salvação (ROMANOS
8:29-30) e, em algum momento na história, executa a
transformação necessária no homem, primeiro expondo-o ao seu
pecado à luz das Escrituras e, em seguida, convencendo-o de que é
pecador e de que precisa de redenção. Convencido deste fato, é
inaugurado, no tempo e no espaço, o processo de conversão
planejado na eternidade (EFÉSIOS 1: 3-14). A conversão, por sua
vez, é fruto do assunto do qual pretendo falar neste livro: o
arrependimento.

Na tentativa de evidenciar a doutrina do arrependimento no
nosso meio, dedico este material à minha família, que tanto amo, e
aos meus irmãos e amigos. Não o faço por arrogância ou por intuito
de receber glória (que Deus me guarde), mas o faço com amor, na
intenção de ajudá-los a perceber que a vida cristã é mais profunda
do que julga a nossa apequenada consciência, e que estamos (e aqui
me incluo com sinceridade) muito aquém daquilo que o nosso Deus
preparou para o seu povo.

Neste livro, você verá que o arrependimento genuíno tem um
papel de elevada importância no processo de santificação de
pecadores, sem a qual ninguém verá a Deus (HEBREUS 12:14). No
entanto, só é possível alguém se arrepender de seus pecados se o

próprio Deus mover o que precisa ser movido para que o pecador
perceba que é pecador. E o meio pelo qual o Deus Eterno move o
que precisa ser movido é o Evangelho, que repreende o pecador
pelos seus pecados e descortina um caminho glorioso de perdão,
transformação e santificação através de Cristo Jesus. Portanto,
veremos que a repreensão de Deus tem um papel fundamental na
para o arrependimento e, se atentarmos para essa realidade,
aceitaremos toda a admoestação que as Escrituras nos fazem, a fim
de sermos instruídos na Verdade e não nos deixarmos ser levados
por qualquer vento de doutrina que conduz os homens à
condenação.

Desejo que este conteúdo auxilie você a buscar de Deus o
arrependimento genuíno e a conversão e santificação necessárias
para que hajam evidências de um novo nascimento.

“O Deus de paz, que pelo sangue da aliança eterna trouxe de volta
dentre os mortos o nosso Senhor Jesus, grande Pastor de ovelhas,
os aperfeiçoe em todo o bem para fazerem a vontade d’Ele e opere
em nós o que Lhe é agradável, mediante Jesus Cristo, a Quem seja
a glória para todo o sempre. Amém.” (HEBREUS, 13:20 - NVI)



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POR QUE FALAR SOBRE ARREPENDIMENTO?

Talvez você se questione se há realmente necessidade de falar
sobre arrependimento. Esse assunto parece ser de interesse apenas
daqueles que ainda não se batizaram, concorda? É comum
pensarmos que alguém que já foi batizado e que já está na igreja há
anos não precisa e nem tem do que se arrepender. No entanto, a
Palavra de Deus nos diz que o arrependimento está nos
fundamentos da formação da vida verdadeiramente cristã.

Segundo o autor da carta aos Hebreus, o arrependimento é
categorizado como parte das doutrinas elementares de Cristo1
(HEBREUS 6:1,2), ou seja, um princípio, um alicerce, um
fundamento sobre o qual algo deve ser construído. Portanto, é de
suma importância que nós saibamos a real necessidade do
arrependimento para as nossas vidas e quais as consequências que
a sua ausência traz.

Eu não poderia deixar de lamentar o fato de que, quando o
autor desta carta escreveu os versos referenciados, ele estava
desejando caminhar por outros assuntos mais profundos, por níveis
mais elevados do conhecimento de Cristo. Por isso, ele incentiva o
povo a ultrapassar os limites dos ensinos elementares (o

1 Ler o final do capítulo 5 e o início do capítulo 6 da carta Aos Hebreus.

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arrependimento de atos que conduzem à morte, a fé em Deus, a
instrução a respeito de batismos, a imposição de mãos, a
ressurreição dos mortos e o juízo eterno - HEBREUS 6:1,2 - NVI),
pois afirma que esses assuntos são uma espécie de alimento leve
para crianças, que não podem comer um alimento muito sólido
(HEBREUS 5:11-14). Note que o Apóstolo não está se referindo a
pessoas que estão no princípio da sua vida cristã, mas a pessoas que
já deveriam ser mestres, pelo tempo que já têm de caminhada, mas
que se tornaram lentas em aprender e que, por isso, ficaram presas
nos primeiros rudimentos das doutrinas de Cristo e não avançaram
rumo a um conhecimento mais penetrante das maravilhas eternas.

Contudo, esse assunto se tornou tão pouco divulgado entre
nós que, hoje, tem aparência de conhecimento elevado, uma vez
que desce rasgando na nossa garganta, que é sensível a qualquer
doutrina mais sólida. Digo isso primeiramente a mim, pois sou o
primeiro a considerar este assunto profundo demais para meu
intelecto tão limitado, a ponto de achar que já estou me alimentando
de alimentos sólidos, quando estou apenas me deliciando com leite.
Porém, mesmo sabendo que há coisas demasiadamente
extraordinárias para experimentarmos em Cristo, vamos precisar
voltar aos primeiros rudimentos e falar sobre este assunto que é
essencial para a salvação.

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Para voltarmos, portanto, precisamos considerar que, se em
algum momento avançamos, o fizemos equivocadamente. Esse, na
verdade é o primeiro passo para o arrependimento verdadeiro:
reconhecer que há um erro e que precisa ser corrigido. Digo isso
porque, infelizmente, muitos se tornam cristãos sem participar
desse processo e acabam pulando etapas vitais como a que estamos
abordando.

É comum acreditarmos, por exemplo, que alguém que nasceu
em um lar já cristão, que não provou dos prazeres do mundo, que
andou com a família para a igreja desde sempre e que vive
conforme os padrões estabelecidos pela denominação não tem tanto
do que se arrepender como tem alguma pessoa que viveu uma vida
totalmente depravada e está se convertendo. Esse pensamento é tão
ou mais perigoso do que a vida que o segundo indivíduo vivia, pois,
apesar de parecer que se enquadrar aos padrões institucionais é
suficiente, na verdade todos precisamos ser transformados: se eu
não tenho do que me arrepender, não preciso ser transformado, e
não é isso que a Bíblia nos ensina.

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O QUE É ARREPENDIMENTO?

Com frequência, somos induzidos a achar que o
arrependimento diz respeito simplesmente à necessidade de
desfazer alguma atitude infeliz ou de reparar um prejuízo por causa
de uma decisão mal tomada ou, ainda, classificá-lo como um
sentimento que causa incômodo. Essa justificativa não abrange
todo o sentido do arrependimento ensinado nas Sagradas Escrituras,
uma vez que o que elas abordam é algo mais profundo e que sua
eficácia produz uma evidente transformação.

O cristão que vivencia o arrependimento ensinado na Bíblia
experimenta o que se conhece por metanoia, isto é, a mudança
radical do pensamento, antes dirigido pelo curso do mundo e, agora,
governado pelos ensinos bíblicos. Portanto, o arrependimento
verdadeiro e eficaz deve produzir uma alteração catastrófica na
mente do cristão, transformando-a. Essa alteração, chamamos de
conversão, e o processo de transformação, chamamos santificação.

Arrepender-se, biblicamente falando, está mais para uma
atitude ou uma decisão a ser tomada do que um sentimento, como
costumamos acreditar. É o ato de reconhecer-se pecador,
transgressor da Lei de Deus e merecedor de punição. É ter noção
do elevadíssimo padrão de santidade de Deus e medir-se à luz desse

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padrão. É fato que, qualquer homem que faça isso ficará espantado
ao perceber a discrepância que há entre o nível em que ele se
encontra e o nível da santidade de Deus. Impactado por isso, tal
homem humilha-se perante o Deus Todo Poderoso, confessa os
seus pecados e pede misericórdia, desejando ardentemente ser
transformado. Essas ações (reconhecimento do pecado,
humilhação/confissão e transformação) são os frutos do
arrependimento genuíno.

Isso não acontece de uma hora para outra. É um processo contínuo,
inacabado, constante e diário. Quanto mais é praticado, mais a
natureza pecaminosa daquele que pratica é evidenciada e,
consequentemente, a necessidade de humilhação, confissão e
transformação cresce. Logo, arrepender-se não é simplesmente
corrigir um erro específico e seguir sem transformação, mas ser
corrigido pelas verdades do Evangelho e ser convertido "da água
para o vinho". Esse dessa transformação que Paulo falou quando
escreveu:

"se alguém está em Cristo, nova criação é; as coisas velhas já

passaram; eis que tudo se fez novo" (2 CORÍNTIOS 5:17

- ACF).

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UMA ANÁLISE PRÁTICA

Uma das maneiras mais didáticas de tornar esse assunto mais
inteligível é fazer uma análise prática. O objetivo é que, após a
leitura desse texto, nós tenhamos condições de fazer uma
autoanálise de forma mais sincera e verdadeiramente bíblica.

Para iniciarmos essa análise, precisamos estabelecer o padrão
divino que as escrituras nos revelam. Nesta feita, utilizaremos os
dez mandamentos da Lei de Moisés. Obviamente, não estou
endossando que a salvação é por meio da Lei, mas pela fé em Cristo
Jesus, que cumpriu esta lei e nos aplica a Sua justiça para a
salvação. No entanto, uma vez justificados e iniciado o processo de
santificação, somos levados ao cumprimento da mesma Lei, dessa
vez não por obrigação, mas por gratidão, pois é fato que ela é o
padrão santo que agrada a Deus. Portanto, ela é o parâmetro pelo
qual devemos nos medir e nos analisar. São estes os mandamentos:

1 - Não terás outros deuses além de mim (DEUS).
2 - Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer
coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra.
3 - Não tomarás em vão o nome do Senhor teu Deus, pois o Senhor
não deixará impune quem tomar o seu nome em vão.
4 - Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo.

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5 - Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra
que o Senhor teu Deus te dá.
6 - Não matarás.
7 - Não adulterarás.
8 - Não furtarás.
9 - Não darás falso testemunho contra o teu próximo.
10 - Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher
do teu próximo, nem seus servos ou servas, nem seu boi ou jumento,
nem coisa alguma que lhe pertença (ÊXODO 20:3-17 - NVI)

O objeto da nossa análise será o Rei Davi, pois este servo de
Deus é um dos exemplos mais conhecidos quando o assunto é
arrependimento sincero e verdadeiro. Este homem, que era segundo
o coração de Deus, também era sujeito ao pecado, como nós. Não
é porque Davi havia sido escolhido por Deus que ele não pecava,
mas, ao contrário, justamente por ter sido escolhido, precisou
passar por situações em que o próprio Deus tratou o seu caráter,
santificando-o. Para isso, Davi precisou ser repreendido com
verdades que dilaceraram o seu coração, mas que foram as chaves
para a transformação da qual precisava.

Antes de prosseguir na leitura deste texto, é necessário que
você leia o capítulo 11 do livro de II Samuel. Neste trecho, é
narrado o episódio em que o Rei Davi comete uma série de pecados,
dentre eles, homicídio e adultério.

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Davi adulterou, matou, mentiu, e terceirizou a culpa. Todos
esses pecados são gravíssimos e necessitam de punição. Mas, como
tudo isso aconteceu? O que deu origem a tantas transgressões? Por
que Davi se viu obrigado a agir tão impiamente a ponto de cometer
tais atrocidades? Tudo começou num "simples" e perigoso olhar
cobiçoso.

Antes de cometer os pecados relatados acima, Davi
transgrediu o décimo mandamento da Lei: “Não cobiçarás”
(ÊXODO 20:17). Esse foi o início da desgraça da vida de Davi, que
culminou em todos esses pecados e numa punição que
desestabilizou a sua família. Um olhar cobiçoso foi suficiente para
derrubar o homem que derrubou o gigante mais temido em todo o
reino de Israel.

De fato, a cobiça é um laço que derruba muitos, e é quase
sempre o motivo pelo qual as pessoas violam outros mandamentos.
É sempre a cobiça que leva o homem a roubar/furtar, a adulterar, a
mentir/dar falso testemunho e até a matar. Como bem colocou
Tiago em sua carta:

Cada um, porém, é tentado pela própria cobiça, sendo por esta
arrastado e seduzido. Então a cobiça, tendo engravidado, dá à luz o

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pecado; e o pecado, após ter-se consumado, gera a morte. (TIAGO
1:14)

Dessa forma, vemos que Davi, ao desejar Bate-Seba depois
de tê-la visto tomando banho, engravidou a cobiça e, desta forma,
concebeu o adultério.

Davi quis saber quem era a mulher e foi-lhe informado que
ela era casada com Urias, militar que servia o rei no exército e
estava combatendo nos dias em que Davi viu sua esposa. Isso é
importante para enfatizar que Davi não estava inocente quanto ao
ato que estava prestes a cometer. Ele sabia a procedência da mulher,
que era casada, mas mesmo assim mandou trazê-la para ter relações
sexuais com ela. Com isso, Davi transgrediu o sétimo
mandamento: Não adulterarás (ÊXODO 20:14 – NVI).

Se não fosse o fato de que Bate-Seba estava no seu período
fértil (a bíblia faz questão de dizer que ela tinha acabado de se
purificar da sua menstruação), esse ato poderia passar despercebido
aos olhos de todo o reino de Israel, e Davi continuaria sua vida, sem
a transformação de que precisava. Mas, como todo ato humano tem
consequências, com o pecado não é diferente: Bate-Seba
engravidou de Davi.

Ela podia esconder a gravidez e dizer que era do seu marido.
Isso evitaria inúmeros problemas, mas só poderia ser feito se o seu

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marido estivesse em casa. Mas ele não estava. Por isso, ela se viu
obrigada a contar para Davi, pois, se não o fizesse, poderia ser
acusada de adultério, uma vez que todos saberiam que o filho não
era do marido dela e ela poderia ser apedrejada, segundo a Lei de
Moisés. Ao receber a notícia, Davi tentou de todas as formas
encobrir o seu pecado com estratégias que sucessivamente
fracassaram. Primeiro, mandou trazer Urias da batalha, para que ele
pudesse estar com sua mulher e, se isso acontecesse, seria possível
considerar que o filho era dele. Ninguém, além de Davi e Bate-
Seba, saberia a verdade. Essa atitude não é nada menos que a
manifestação do pecado da mentira. De certa forma, é a quebra do
nono mandamento, que se refere à prática de não dizer a verdade
(ÊXODO 20:16).

Para desespero de Davi, Urias não obedeceu a ordem do rei e
não dormiu em casa, por considerar que isso seria um ato de
covardia. Ele nem imaginava que o próprio rei já havia cometido
um ato mais covarde contra ele. Por causa disso, Davi precisava ser
mais estratégico para que seu plano funcionasse. Então, trouxe
Urias outra vez e o embriagou, a fim de persuadi-lo a ir para casa e
deitar-se com sua esposa. Mas a embriaguez de Urias era mais
sóbria que a sobriedade de Davi, por isso, manteve-se firme em não
se acovardar e dormiu onde havia dormido na noite anterior.

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Davi mudou a estratégia: da mentira, avançou para o
homicídio. No dia seguinte, Davi enviou Urias para a guerra
novamente. Consigo, Urias levou uma carta do rei ao comandante
do exército, Joabe, com um plano dissimulado de colocá-lo em uma
situação que seria difícil escapar. Inocente, Urias entrega a carta ao
comandante, que não hesita em obedecer ao rei. Ele, então, foi
escalado para lutar num lugar em que os inimigos eram mais fortes.
Dentre tantos homens, morreu também Urias, marido de Bate-Seba,
servo de Davi.

O ungido de Deus, escolhido dentre os seus irmãos para
governar o povo do Senhor, que fora tão temente enquanto não
tinha o poder nas mãos, acabara de manchar suas mãos com sangue,
pisando no sexto mandamento: “Não matarás” (ÊXODO 20:14 -
NVI). Enquanto todos os que mataram na guerra não tinham suas
mãos sujas de sangue, Davi, que não estava na guerra, foi o único
que matou e sujou as próprias mãos.

Joabe, o comandante do exército, enviou um relatório da
guerra ao Rei. Nesse relatório constava um erro de estratégia que
colocou o exército em perigo. Eles se aproximaram demais dos
muros da cidade a ser atacada e, por isso, ficaram vulneráveis. Esse
mesmo erro cometido em outras guerras foi fatal para pessoas que
eles conheciam, fato que deveria deixar o rei indignado com o

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trabalho do comandante. No entanto, era tão importante para Davi
que Urias morresse, que a única instrução do comandante ao
mensageiro para apaziguar a possível fúria do rei pela falha
estratégica foi: "E morreu também o teu servo Urias, o hitita"
(SAMUEL 11:24 - NVI). O que era um erro crasso numa guerra
passou a ser justificável, uma vez que o objetivo maior tinha sido
alcançado, mesmo colocando inúmeras pessoas em risco. Como se
não bastasse, Davi comete o mesmo pecado de Adão, terceirizando
a sua culpa: “Não fique preocupado com isso, pois a espada não
escolhe a quem devorar (...)” (2 SAMUEL 11:25 - NVI). Ele foi o
responsável pela morte de Urias, assim como Adão foi responsável
por comer do fruto que Eva havia lhe oferecido. No entanto, tanto
Adão como Davi isentaram-se da culpa, encontrando outros em
quem lançar as responsabilidades dos seus atos: Adão culpou a
Deus por ter lhe dado Eva; Davi culpou a guerra pela morte do
hitita.

Passado o luto de Bate-Seba, Davi a tomou por esposa e
assumiu o filho. Mas a verdade sobre ele ter planejado o assassinato
de Urias ainda permanecia às escuras. E poderia ter ficado assim,
se não fosse o interesse de Deus em cuidar de Davi. Porém, esse
cuidado não veio com nuances de carinho, de bajulação ou de
“Deus é contigo, varão valoroso”. O cuidado eficaz e transformador

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de Deus jogou Davi no pó, humilhou-o demasiadamente, esmagou-
o, a fim de que ele reconhecesse o seu pecado.

O CUIDADO DE DEUS

Após algum tempo, Deus enviou o profeta Natã para
denunciar o pecado de Davi com o propósito de abrir-lhe os olhos
para a gravidade do que ele havia feito. No entanto, ainda antes de
o rei reconhecer os seus pecados, acabou cometendo outro pecado,
desta feita, um que conferia respaldo suficiente para justificar a
condenação de que era merecedor: o julgamento.

O profeta Natã criou uma espécie de armadilha para que não
houvesse possibilidade de Davi tentar escapar de reconhecer-se
totalmente depravado, extraordinariamente pecador. Até então,
Davi havia se esquivado da culpa, transferindo-a aos riscos da
guerra, mas Natã cuidou para que esse comportamento não
continuasse, afinal, só havia possibilidade de Davi se arrepender se
ele percebesse a situação em que se encontrava.

O profeta usou um método muito eficaz: ele estabeleceu uma
situação hipotética em que a injustiça é tão óbvia e causa tanta
indignação em quem ouve, que é praticamente impossível não
condenar o transgressor sem pensar duas vezes. Natã sabia que
somos ávidos para condenar outras pessoas por pecados bem menos
"graves", mas lentos e tardios para reconhecermos que merecemos

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condenação pelos atos tão abomináveis que praticamos. Foi nessa

armadilha que Davi caiu, proferindo a sua própria punição:

E o Senhor enviou a Davi o profeta Natã. Ao chegar, ele disse a Davi:
“Dois homens viviam numa cidade, um era rico e o outro, pobre. O
rico possuía muitas ovelhas e bois, mas o pobre nada tinha, senão
uma cordeirinha que havia comprado. Ele a criou, e ela cresceu com
ele e com seus filhos. Ela comia junto dele, bebia do seu copo e até
dormia em seus braços. Era como uma filha para ele. Certo dia, um
viajante chegou à casa do rico, e este não quis pegar uma de suas
próprias ovelhas ou dos seus bois para preparar-lhe uma refeição.
Em vez disso, preparou para o visitante a cordeira que pertencia ao
pobre”. Então, Davi encheu-se de ira contra o homem e disse a
Natã: “Juro pelo nome do Senhor que o homem que fez isso merece
a morte! Deverá pagar quatro vezes o preço da cordeira, porquanto
agiu sem misericórdia” Então Natã disse a Davi: “Você é esse
homem(...)”. (II SAMUEL 12:1-7 – NVI)

De fato, é uma perigosa armadilha julgar o outro sem ter se

limpado das próprias transgressões. Davi, sem pestanejar,

condenou o homem rico por ter tomado a única ovelha do homem

pobre e o considerou digno de morte. Mal sabia que estava

pronunciando um veredito contra si. Sobre atitudes como esta,

Jesus disse:

“Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma
forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem,
também será usada para medir vocês”(MATEUS 7:1,2 - NVI).

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Isto quer dizer que a mesma condenação que você proferir

contra o outro será aplicada a você, uma vez que o seu pecado é tão

ou mais grave que o do outro. Noutro trecho, Paulo também se

manifestou a esse respeito dizendo:

“Portanto, você, que julga os outros, é indesculpável, pois está
condenando a si mesmo naquilo em que julga, visto que você, que
julga, pratica as mesmas coisas” (ROMANOS 2:1 - NVI).

Ciente da emboscada em que se encontrava diante do profeta

Natã, coube a Davi apenas ouvir a repreensão e as punições que

Deus lhe havia reservado:

“Você é esse homem!” Assim diz o Senhor, o Deus de Israel: ‘Eu o
ungi rei de Israel, e livrei-o das mãos de Saul. Dei-lhe a casa e as
mulheres do seu senhor. Dei-lhe a nação de Israel e Judá. E, se tudo
isso não fosse suficiente, eu lhe teria dado mais ainda. Por que você
desprezou a palavra do Senhor, fazendo o que ele reprova? Você
matou Urias, o hitita, com a espada dos amonitas e ficou com a
mulher dele. Por isso, a espada nunca se afastará de sua família,
pois você me desprezou e tomou a mulher de Urias, o hitita, para
ser sua mulher’. “Assim diz o Senhor: ‘De sua própria família trarei
desgraça sobre você. Tomarei as suas mulheres diante dos seus
próprios olhos e as darei a outro; e ele se deitará com elas em plena
luz do dia. Você fez isso às escondidas, mas eu o farei diante de
todo o Israel, em plena luz do dia”. (2 SAMUEL 12:7-12 - NVI)

É possível imaginar o susto e o desespero de Davi ao perceber

a sua desgraça em cada palavra que saía da boca do profeta. Quase

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dá para ver os seus joelhos quebrarem, após ser repreendido,
receber todas as profecias punitivas, e, banhado em lágrimas, ouvi-
lo gritar: “Pequei contra o Senhor! ” (2 SAMUEL 12:13 - NVI).
Naquele momento, o coração de Davi foi esmagado pela verdade.
Não por causa das punições, mas por causa do seu pecado, pois ele
percebeu que o que fez atingiu diretamente a Deus.

Imediatamente, o profeta anunciou que Deus havia perdoado
Davi e que não o mataria (2 SAMUEL 12:13). Esse é o exercício
da Graça divina, que atua desde sempre, beneficiando alguns de
entre a humanidade no decorrer da história. A morte era a sentença
que o próprio Davi havia lhe conferido quando condenou o homem
rico da parábola. Além disso, a Lei de Moisés também punia com
morte o adultério e o homicídio. Davi tinha motivos de sobra para
ser sentenciado à morte, mas Deus, por pura misericórdia, decidiu
absolver Davi. Sem mérito algum, Davi provou do grande amor de
Deus ao ser perdoado.

No entanto, havia um processo de transformação sendo
realizado. O objetivo de Deus não era apenas denunciar, profetizar
punições e perdoar Davi. O rei precisava se arrepender
verdadeiramente e mudar o seu estilo de vida radicalmente. Apesar
de ter servido fielmente a Deus enquanto não estava no poder e se
mostrado temente e humilde em todos os seus caminhos, Davi

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estava em um patamar totalmente diferente do que viveu enquanto
jovem. Agora era rei, com muitas riquezas e poder. Tinha o que
queria e fazia o que desejava. Essa realidade manifestou a verdade
sobre Davi, sua soberba e vaidade, sua arrogância e prepotência.
Foi só dar um pouco de poder para Davi se mostrar inteiramente
diferente do que fora no passado.

Essa não é uma atitude exclusiva do rei Davi: qualquer pessoa
na condição dele, nos dois extremos em que viveu, entre pobreza e
riqueza, tendo sido servo e agora sendo rei, agiria nesses padrões.
Por esses e outros motivos, Deus precisava esmagar Davi, no auge
do riquíssimo patamar no qual agora estava vivendo, para que ele
se humilhasse voluntariamente a Deus e O reconhecesse como
único Deus. Isto porque devemos considerar que o rei Davi havia
pisado também no primeiro mandamento da lei de Moisés, tendo
levantado para si mesmo outros deuses no lugar do único Deus, a
saber, o poder, a riqueza, a autoridade, a vaidade e a soberba.

Foi por isso que nenhuma sentença punitiva deixou de ter o
seu fiel cumprimento, iniciando pela profecia de que o filho do
novo casal morreria (2 SAMUEL 12:14). Além disso, após o
capítulo doze do segundo livro de Samuel, segue-se relatos de
episódios abomináveis que a família de Davi viveu, cumprindo-se
todas as punições que Deus havia prometido. Por causa de Davi, a

30

sua família perdeu a direção. Mas tudo isso era um tratamento no
ego do rei. E ele se humilhou, se arrependeu e mudou seu estilo de
vida por meio de todas essas provações.

CORAÇÃO QUEBRANTADO

Após esta análise, podemos observar como age um homem
pecador quando não é repreendido (Davi antes da visita do profeta
Natã), como age um pecador quando o seu pecado é denunciado e,
a partir de agora, como age um pecador quando reconhece o seu
pecado. É importante ressaltar que esta análise é um exemplo e que
não tem por objetivo julgar o rei Davi e muito menos de sentenciá-
lo, visto que o próprio Deus o perdoou. Glórias a esse Deus
maravilhoso e cheio de misericórdia, que olha para nossas
transgressões com olhar bondoso e nos socorre por meio de Cristo.

O rei Davi lutou humildemente com Deus para que seu filho
com Bate-Seba não morresse. Jejuou, orou e deitou-se no pó,
clamando em favor da vida do menino. No entanto, a sentença já
havia sido proferida, e o menino morreu. Davi já havia sido
perdoado, como foi dito acima, mas o trabalho de Deus ainda não
havia sido concluído. A morte do filho de Davi fazia parte do plano
de quebrantamento, de esmagamento pelo qual Davi passaria a
partir daqueles dias.

Como já mencionado anteriormente, para que haja, de fato,
conversão, é necessário antes haver arrependimento. Da mesma
forma, para que haja, de fato, arrependimento, é necessário antes

32

haver reconhecimento do pecado. Um problema só pode ser
resolvido quando ele é tratado como problema, da mesma forma
que uma doença só pode ser tratada se houver reconhecimento de
que há uma enfermidade no contexto.

É comum usarmos argumentos que nos deixam
demasiadamente confortáveis com a nossa conduta, que justificam
as nossas atitudes e nos isentam de toda e qualquer culpa. Contudo,
tão rotineiro quanto isso é o fato de que somos terrivelmente aptos
a culpar e condenar outros por atos muito menos prejudiciais que
os nossos. Julgamos com facilidade o outro, mas frequentemente
bloqueamos o nosso juízo contra nós mesmos, e nos absolvemos
com glória, sem nenhuma ressalva, das muitas atitudes
pecaminosas que somos capazes de praticar.

É por isso que, ao introduzir o assunto sobre o
arrependimento de Davi, é necessário evidenciar o fato de que não
há reconhecimento de pecado sem confissão. Em outras palavras,
se não existe conversão sem arrependimento, e se não existe
arrependimento sem reconhecimento do pecado, também não há
reconhecimento de pecado se o pecador não confessar que é
pecador. A confissão é, portanto, o ato de rendição pelo qual o
pecador, vencido, aceita a sua condição e abre as portas para o
tratamento que lhe é devido. Contrito, o pecador que chegou a esse

33

ponto clama por socorro, pois percebe a sujeira em que se encontra
e suplica por limpeza, entende a gravidade da sua enfermidade e
deseja ser curado, percebe a condenação para a qual está destinado
e clama por salvação. Como está escrito:

Quem esconde os seus pecados não prospera, mas quem os
confessa e os abandona encontra misericórdia. Como é feliz o
homem constante no temor do Senhor! Mas quem endurece o
coração cairá na desgraça (PROVÉRBIOS 28:13-14 - NVI).

É, no entanto, necessário quebrarmos um forte paradigma que
há no nosso meio, que nos bloqueia quanto à nossa realidade
pecaminosa. Me refiro à afirmação de que, uma vez batizados, não
temos pecados, mas apenas fraquezas. Eu mesmo aprendi assim,
cresci crendo nisso e defendi essa falsa doutrina fortemente,
baseado nas falácias que aprendemos por negligenciarmos a leitura
da Bíblia. Quem não entende que é pecador mesmo depois de ter
sido batizado, ciente ou não, está dizendo que Deus é mentiroso. E
não sou eu que digo isso, mas o apóstolo João na sua primeira
epístola:

Se afirmarmos que estamos sem pecado, enganamo-nos a nós
mesmos, e a verdade não está em nós. (I JOÃO 1:8 – NVI)

Se dissermos que não pecamos, fazemo-lo mentiroso, e a sua
palavra não está em nós (I JOÃO 1:10 – ACF)

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Queridos, não falo isso para vergonha, mas para que

percebam que a Verdade é uma audível trombeta que ecoa pelas

palavras escritas nas Sagradas Escrituras, mas frequentemente

preferimos dar ouvidos àquilo que, com nuances de beleza e de

espiritualidade, nos faz tropeçar justamente onde temos certeza de

que estamos acertando. É por isso que precisamos nos avaliar à luz

da Palavra de Deus, orar em todo o tempo para que Deus nos

repreenda por Seu amor, a fim de compreendermos o verdadeiro

diagnóstico da nossa alma e nos arrependermos amargamente das
“fraquezas” pecaminosas que temos praticado.

Foi exatamente isso que Davi fez quando reconheceu o seu

pecado. Imediatamente exclamou desesperado: "pequei contra

Deus", chorou amargamente e clamou por misericórdia. Em seu

desespero e arrependimento, Davi escreveu o salmo 51, que

analisaremos a partir daqui e tentaremos entender como se

evidencia um arrependimento realmente verdadeiro.

Tem misericórdia de mim, ó Deus, por teu amor; por tua grande
compaixão apaga as minhas transgressões. Lava-me de toda a
minha culpa e purifica-me do meu pecado. Pois eu mesmo
reconheço as minhas transgressões, e o meu pecado sempre me
persegue. Contra ti, só contra ti, pequei e fiz o que tu reprovas, de
modo que justa é a tua sentença e tens razão em condenar-me. Sei
que sou pecador desde que nasci, sim, desde que me concebeu
minha mãe. Sei que desejas a verdade no íntimo; e no coração me

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ensinas a sabedoria. Purifica-me com hissopo, e ficarei puro; lava-
me, e mais branco do que a neve serei. Faze-me ouvir de novo júbilo
e alegria; e os ossos que esmagaste exultarão. Esconde o rosto dos
meus pecados e apaga todas as minhas iniquidades. Cria em mim
um coração puro, ó Deus, e renova dentro de mim um espírito
estável. Não me expulses da tua presença, nem tires de mim o teu
Santo Espírito. Devolve-me a alegria da tua salvação e sustenta-
me com um espírito pronto a obedecer. Então ensinarei os teus
caminhos aos transgressores, para que os pecadores se voltem
para ti. Livra-me da culpa dos crimes de sangue, ó Deus, Deus da
minha salvação! E a minha língua aclamará à tua justiça. Ó Senhor,
dá palavras aos meus lábios, e a minha boca anunciará o teu louvor.
Não te deleitas em sacrifícios nem te agradas em holocaustos, se
não eu os traria. Os sacrifícios que agradam a Deus são um espírito
quebrantado; um coração quebrantado e contrito, ó Deus, não
desprezarás. (SAMOS 51:1-17 - NVI)

O salmo 51 foi escrito por Davi quando teve consciência do

seu gravíssimo pecado, denunciado pelo profeta Natã. Foi uma das

formas pelas quais o rei externou seu desespero e é uma oração

escrita e endereçada a Deus, inspirada pelo Espírito Santo para

compor o cânon bíblico e servir de exemplo para muitas gerações.

Nele, o arrependido rei clama por misericórdia, transformação e

capacidade para ensinar outros a se arrependerem de seus pecados.

Nos primeiros versos, Davi confessa abertamente a sua

transgressão e a sinceridade dessa confissão é tão notória que, diz

ele: "Contra ti, só contra ti, pequei e fiz o que tu reprovas, de modo

que justa é a tua sentença e tens razão em condenar-me". Claro que

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Davi tinha noção do estrago que fez na vida de Bate-Seba e Urias,
na vida das famílias dos vários homens que morreram com Urias
na batalha por causa de uma estratégia que já tinha se provado
fracassada, na própria vida e na sua família. Mas, apesar de saber
que pecou contra todas essas pessoas, o rei tinha noção de que todo
pecado, em última instância, é contra Deus e que, portanto, havia
traído o Deus vivo. Diferente de como costumamos fazer, Davi não
utilizou argumentos para lutar contra Deus, dizendo, por exemplo,
“sou humano e a minha carne é fraca”, ou “não suportei a tentação”,
ou “é muito difícil manter a integridade”. Ele simplesmente
percebeu que o seu problema era o pecado e que isso lhe tornara
culpado. O rei de Israel se considerou réu diante do verdadeiro Juiz,
saiu do seu trono e, diante do Justo, rendeu-se, deixou-se algemar e
disse: "É justa a tua sentença e tens toda razão em condenar-me".

Ó, queridos, não se deixem enganar. “Um pouco de fermento
leveda toda a massa” (GÁLATAS 5:9). Tenham cuidado com o
fermento dos fariseus (MATEUS 16:5-12). Desçamos do trono da
nossa arrogância, da nossa soberba, da nossa vaidade e
confessemos as nossas transgressões. Quem confessa em
sinceridade e sem ressalvas alcança misericórdia, pois esse é o
galardão de quem se arrepende e confessa os própios pecados.

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Davi reconheceu suas transgressões e percebeu que, por mais
que tentasse com todas as forças, o pecado sempre o perseguia. No
entanto, em nenhum momento ele se isentou da culpa, antes,
afirmou que o pecado fazia parte da sua essência, pois foi concebido
e gerado nesta condição. Disse ele: “sei que sou pecador desde que
nasci, sim, desde que me concebeu minha mãe (SALMO 51:5).
Contudo, isso não é um argumento a seu favor. Pelo contrário, é um
lamento e um pedido de socorro: “Purifica-me com hissopo, e
ficarei puro; lava-me, e mais branco do que a neve serei” (SALMO
51:7).

Com os ossos esmagados pelo próprio Deus, Davi não hesita
em comparecer ousadamente à Sua presença, mesmo tendo noção
do que fez. Não sei se você consegue perceber, mas olhe a cena
atentamente: Davi traiu Aquele que cuidou dele nos momentos
mais difíceis da sua vida. Ele protagonizou a vitória contra um dos
piores inimigos de Israel porque tinha convicção de que Deus lhe
daria vitória. Ele provou da proteção de Deus, que sempre foi seu
amigo, em todas as perseguições do rei Saul. Viu as promessas de
Deus se cumprirem uma a uma, até assumir o trono de todo o Israel
e governar sobre o povo de Deus. Davi traiu covardemente seu
melhor amigo, o Deus vivo. No entanto, ele não se escondeu da
presença de Deus, como costumamos fazer quando pecamos.

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Antes, preferiu se apresentar ao Senhor como culpado, pois cria que
“a misericórdia triunfa sobre o juízo” (TIAGO 2:13 – NVI).

Ousadamente, o rei súdito adentrou o santuário do Deus vivo
com seus ossos moídos, arrastando-se humildemente com rosto em
terra, e exclamou: “Senhor, estou entrando, esconde o teu rosto dos
meus pecados, apaga as minhas iniquidades, cria em mim um
coração puro e dá-me um Espírito estável (SALMO 51:10,11). Sim,
Senhor, o meu problema não é o que eu fiz, mas o que eu sou: com
esse coração eu vou cair novamente. Por isso, preciso de um
coração novo, transformado, sem mácula, sem mancha, puro. Ó
Deus santo, não me expulses da Tua presença, nem tira de mim o
Teu Santo Espírito. Ao invés disso, devolve-me a alegria da Tua
salvação e dá-me um espírito pronto a obedecer. É o que me
importa! ” (SALMO 51:11,12).

Amados, se há alguma ousadia que nós, cristãos, precisamos
ter é, pela fé, o santuário de Deus, por meio de Cristo, Sumo
Sacerdote eterno e fiel, que advoga a nosso favor diante do Justo
Juiz (HEBREUS 10:19-23 – NVI), e buscar n’Ele o perdão pelas
nossas transgressões. Como afirma John Bunyan:

Viver pela fé gera no coração uma ousadia e uma confiança de filho
para com Deus em todos os nossos deveres evangélicos bem como
quando enfrentamos todas as nossas fraquezas e tentações. É uma
bênção ser privilegiado com santa ousadia e confiança em relação

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a Deus, de que ele está do nosso lado e que defenderá nossa causa
“daquilo que se levanta contra nós” (Bunyan, John: 2021, p.139)

Fundamentado na certeza de que alcançaria misericórdia,
Davi entra, pela fé, no santuário de Deus, não como sacerdote, mas
como servo, crendo que o Messias, Aquele que haveria de vir (e
que já veio e que voltará) era o verdadeiro e vivo caminho para
Deus, e que Ele rasgaria o véu que bloqueava o acesso ao trono
divino.

Depois de ter observado esse contexto da vida do rei Davi,
apliquemos este mesmo método para analisarmos a nossa própria
vida. Conheça profundamente qual é a vontade de Deus - aqui
usamos os 10 mandamentos como parâmetro e outras partes nas
Sagradas Escrituras que são diretrizes da conduta cristã, reveladas
por Deus para o bem do Seu povo. Cuidado para não interpretar
tudo à luz do legalismo. Para Deus, só importa a ação com a
intenção correta, e não apenas a ação (falaremos sobre isso no
próximo capítulo). Não é só fazer por fazer ou deixar de fazer por
deixar de fazer, mas ter a intenção de agradar a Deus tanto em uma
quanto em outra situação.

Entendida a perfeita e santa vontade de Deus, confronte-a
com a sua vida em toda humildade e sinceridade e veja o que
precisa ser transformado. Se você entendeu mesmo a vontade de

40

Deus e a sua condição de pecador, você vai perceber que nenhuma
das suas ações, por mais maravilhosas que sejam, jamais se
enquadram perfeitamente nos parâmetros três vezes santos do
Eterno. Por isso, é de se esperar que a sua reação seja de
reconhecimento, confissão/humilhação e busca por perdão, como
fez Davi, o homem segundo o coração de Deus.

A VERDADE NO ÍNTIMO: AÇÃO E INTENÇÃO

Salmos 51:6 Sei que desejas a verdade no íntimo; e no coração me
ensinas a sabedoria.

Caro irmão, nós estamos diante de um versículo com uma
riqueza imensurável, pois as poucas palavras deste verso resumem
brilhantemente a essência de como devem ser nossas ações diante
de Deus e dos homens. Já vimos como Davi estava se comportando
após os atos abomináveis que praticou, antes de ser repreendido
pelo profeta Natã. Ele vivia mentiras, tendo decretado para si
mesmo a absolvição dos seus crimes, até que o Senhor o repreendeu
por meio do profeta e ele teve as escamas dos olhos removidas para
perceber a sua terrível condição e a punição de que era digno. Por
isso, desde o verso primeiro do salmo 51, Davi confessa seus
pecados sem ressalvas, isto é, ele rasga o coração diante do Todo
Poderoso reconhecendo que a culpa é dele e somente dele, de mais
ninguém.

Antes, ele havia colocado a culpa da morte de Urias na espada
(na situação de guerra), mas agora ele sabe e diz que a culpa é dele
(“Livra-me da culpa dos crimes de sangue, ó Deus, Deus da minha
salvação! E a minha língua aclamará à tua justiça” - SALMOS
51:14 - NVI). Por isso, Davi disse: Senhor, eu sei que Tu desejas a
verdade no íntimo. O que seria, então essa condição? O que é esse

42

desejo de Deus? Precisamos entender o que é viver nessa condição
que Deus deseja, afinal o desejo de Deus é uma ordem!

É fato que a nossa conduta reflete os conceitos que temos
sobre nós mesmos e sobre Deus, sejamos crentes ou não. Em outras
palavras, nossa vida é resultado daquilo que cremos sobre nós e
sobre o que nos governa. Por exemplo: se tenho um conceito muito
elevado de mim mesmo, minhas atitudes refletirão essa crença, e,
provavelmente, vou diminuir pessoas, pois sempre me constituirei
superior a elas. Doutra maneira, se tenho um conceito muito
elevado de quem é Deus, muito provavelmente terei conceitos
inferiores sobre mim mesmo, e minhas atitudes refletirão a crença
de que sou como qualquer outra pessoa e só Deus é realmente
soberano.

Tendo isso em vista, qual o conceito que você tem de si
mesmo? Ao responder essa pergunta, é importante ter cuidado para
não cair na armadilha de se considerar igual ou inferior aos outros
apenas para se manter livre da consciência. Não se deixe enganar.
Os seus atos devem falar por você, afinal, você não é o que diz, mas
o que faz. Como disse o Mestre a respeito dos falsos profetas:
“Vocês os reconhecerão por seus frutos. Pode alguém colher uvas
de um espinheiro ou figos de ervas daninhas? ” (MATEUS 7:16 -
NVI).

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Agora, qual o conceito que você tem de Deus? Para você ele
é um velho rabugento que vive para flagrar os erros dos humanos?
É um bolachão que vive sorrindo e te aplaudindo pelo que você faz?
Ou é o Todo Poderoso, Supremo, Soberano sobre tudo e sobre
todos, que governa as nações, os poderes, a história e a sua vida?
Mais uma vez, cuidado para não abraçar a terceira opção agora e,
depois que fechar este livro, viver a primeira ou segunda opções.

Não adianta aderir a uma verdade e não tê-la no íntimo. Se eu
e você acreditamos que somos pó e Deus é tudo, essa verdade
precisa estar alojada no mais profundo íntimo do nosso consciente
e subconsciente. Se a verdade estiver cravada no íntimo não vamos,
por exemplo, dizer que confiamos plenamente em Deus e, na hora
da aflição, tornar escassos os momentos de descanso na Sua
vontade e na certeza de que tudo o que Ele faz é para o bem dos que
O amam (ROMANOS 8:28).

Um conceito elevado sobre o Deus vivo, majestoso, glorioso,
bondoso e misericordioso e justo nos faz perceber que somos pó e
nos ensina a viver inteiramente dependentes da Sua vontade.
Quando absorvemos as verdades divinas, reveladas nas sagradas
escrituras e em Cristo Jesus, e as instituímos como parâmetro para
a nossa vida, este Deus passa a representar o todo.

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Saímos automaticamente do centro da nossa vida e cedemos
este trono Àquele que tem a prerrogativa de reinar. Não apenas isso,
mas somos lançados ao pó e constrangidos pelo evangelho, que faz
o papel do profeta Natã, evidenciando a verdade sobre quem somos
através da lei de Deus, e, ao mesmo tempo, apresentando a
misericórdia de Deus manifesta em Cristo, que perdoa e salva
mediante arrependimento.

Observe o que se sucedeu com Davi: ao compreender sua
desgraça, o rei se destrona e se humilha. Davi concede o lugar
central de sua vida a Deus e se curva em temor e tremor. Isso me
faz lembrar de uma frase de João Batista, precursor de Cristo, que
disse: "É necessário que Ele (Cristo) cresça e que eu diminua"
(João 3:30). Cristo deve ser o centro, pois Ele é a razão da nossa
existência, Ele é o motivo da nossa redenção. Ele é a verdade que
precisa estar no nosso íntimo, governando toda a nossa vida, em
todo momento e em qualquer circunstância.

Temo tanto, queridos, que estejamos longe dessa condição de
ter a verdade no íntimo da maneira que Deus deseja. Não falo isso
como que acusando os outros e me esquivando da minha realidade
e responsabilidade; antes, temi muito ao escrever essas palavras,
visto que não sou inocente sobre o padrão de Deus e sobre o que
Ele quer de nós. Relutei muito ao escrever estas palavras porque

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não tenho condições de falar o que precisa ser falado e ficar
tranquilo, sem me auto avaliar e chegar à conclusão de que sou o
primeiro a precisar de uma transformação radical. Contudo, é vão
eu esperar o dia em que eu seja transformado em um modelo para,
só depois, manifestar o que Deus tem me feito aprender mediante o
Evangelho, afinal, o modelo é Cristo, o padrão é Cristo e todas essas
palavras, da primeira à última, apontam para Ele, porque importa
que Ele cresça e eu diminua.

Meu temor quanto a estarmos distantes da verdade no íntimo
como Deus deseja consiste em alguns problemas que a igreja
desenvolveu nos últimos tempos. Eis a questão: é muito comum
acreditarmos nas coisas de maneira superficial, sem entendermos
realmente o motivo que norteia cada uma delas. Somos presas
fáceis do moralismo e da religiosidade, que dita o que deve ser feito
sem levar em consideração a motivação que induz ao ato. De fato,
para as leis humanas, o que tem de ser feito tem de ser feito: não é
necessário levar em consideração a motivação do ato. No entanto,
para Deus, o que tem de ser feito também tem de ser feito, mas
nunca por mera obrigação legal, nunca por causa dos decretos, mas
por amor, por desejo de agradá-lo, por gratidão, por submissão,
para a glória de Deus.

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Neste sentido, todas as coisas que devemos fazer e todas as
coisas que não podemos fazer devem ter como motivação a glória
de Deus. No entanto, algumas coisas ficam tão automáticas que
começamos a fazer por fazer, por conveniência, por costume, e todo
o tempero necessário para que esses atos sejam saborosos louvores
a Deus são tirados da receita. É o que acontece muito conosco num
ato comum e rotineiro como ir à igreja, por exemplo. Quem de nós
pode dizer que nenhum dos muitos cultos que já participou foi fruto
de um mero costume evangélico de ir à igreja todo domingo? Quem
pode dizer que todas as vezes que foi à igreja tinha a intenção de
oferecer a Deus um culto santo, uma oferta de louvor e honra,
porque Ele é digno e merece ser plenamente adorado? Apesar de
sabermos que essa é a finalidade do culto (a adoração), muitas vezes
vamos ao templo por motivações outras. E quando eu citei o louvor
e a adoração, eu não estava me referindo ao ato de tocar ou cantar
simplesmente. Isto também pode ser considerado atos que fazemos
por mero costume, e por vezes alçamos a voz com letras e melodias
que não são entoadas para Deus, mas, em alguns casos, para nós
mesmos.

Você pode afirmar com convicção que todas as suas orações
diárias, sem exceção, foram feitas com a motivação da glória de
Deus? Nas suas orações, você evidencia a adoração, a glorificação,

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o diálogo e a intimidade com Deus ou apenas ora como se estivesse
falando com um garçon? Qual o motivo das suas orações?

Há muitas atitudes comuns no nosso meio que deveriam ter a
finalidade de glorificar a Deus, mas nós as deturpamos com nossa
frieza espiritual e tornamos atos tão sublimes em verdadeiras
abominações ao Senhor. Isso parece difícil de engolir, e é mesmo.
Contudo, nós só estaremos dispostos a mudar se reconhecermos
que há um grave problema na nossa própria conduta. A linha que
separa a adoração sincera e perfeita a Deus e a profanação do Seu
nome é muito tênue: precisamos de olhos espirituais para entender
de que lado dessa divisão nós estamos.

O que estou tentando dizer, queridos, é que precisamos
atentar para as motivações das nossas atitudes, para não cairmos na
armadilha da religiosidade sem propósito. O próprio Jesus lutou
contra esse tipo de conduta nos três anos do Seu ministério aqui na
terra. Não poucas vezes, o alvo da Sua repreensão foi os fariseus
que viviam todos os regulamentos da lei de forma zelosa, mas não
de forma sincera. Eles observavam tudo o que deviam fazer para
fazerem e o que não podiam fazer para não fazerem, mas esqueciam
do essencial, que era o amor, a justiça e a misericórdia. Eram ávidos
no comprimento da lei, mas estavam distantes de Deus,
considerando-se dignos porque faziam o que a lei dizia. Como já

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mencionei, o que a lei diz que tem de ser feito precisa realmente ser
feito, mas Deus leva em conta a motivação do ato, e não o ato
apenas.

No salmo 51, Davi fala abertamente sobre um ato comum aos
judeus da época, que tinha respaldo na lei e que foi regulamentado
pelo próprio Deus, através de Moisés, mas que Deus não estava se
agradando. Veja:

Não te deleitas em sacrifícios nem te agradas em holocaustos, se
não eu os traria. ( SALMOS 51:16 -NVI)

Dizer isso para um judeu ortodoxo daquela época era uma
verdadeira blasfêmia. "Como assim Deus não se agrada em
sacrifícios e em holocaustos?! Claro que Deus se agrada! Foi Ele
mesmo que nos mandou fazê-los!", exclamaria um zeloso da lei.
De fato, os sacrifícios e holocaustos eram práticas ensinadas e
endossadas pela lei de Moisés. Mas, Davi olhou para os sacrifícios
que eram diariamente realizados no tabernáculo e percebeu que
tudo aquilo deveria ter uma motivação que lhes daria sentido. Ele
percebeu que o sacrifício por si só não tinha valor algum para Deus.
Eles eram inúteis se não fossem temperados com o reconhecimento
da própria desgraça e com o reconhecimento da magnitude do
grandioso Deus. Por isso, em seguida ele diz:


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