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Artigo ilustrado para publicação e impressão da viagem efectuada na perna La Coruña - Lisboa da regata The Tall Ships Races 2023 a bordo da caravela portuguesa Vera Cruz, um projecto da Aporvela.

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Published by destino: abaton, 2023-09-14 12:04:39

187º — The Tall Ships Races 2023: Vera Cruz

Artigo ilustrado para publicação e impressão da viagem efectuada na perna La Coruña - Lisboa da regata The Tall Ships Races 2023 a bordo da caravela portuguesa Vera Cruz, um projecto da Aporvela.

187º The Tall Ships Race 2023 — Vera Cruz


Quem vai ao mar, avia-se em terra», diz o adágio popular que tem do mar o seu berço como muitas outras expressões na Língua Portuguesa. Não dei ouvidos à sabedoria popular — nem conseguiria, para todo o efeito. Esta seria uma das surpresas que a Inês programa e tricota com meses de antecedência, semeando risotas marotas até ao dia — ao minuto! — em que tudo se revelerá, saboreando a preparação como uma entrada sugerida pelo chef. E o segredo estende-se à roupa e equipamento que precisarei de usar. O efeito final compensa largamente a incerteza e o risco de poder estar de gorro no deserto ou de bermudas e chinelo no cimo de um pico alpino. Sabia apenas que era algo sobre qual, em dada altura, teria dito «Isto era algo que me via a fazer um dia». Exemplares adicionais deste álbum Chegado o dia, estaria à altura? podem ser encomendados aqui. https://bit.ly/187-VeraCruz Produção: destino: abaton Texto e ilustração: José Bragança Pinheiro Fotos: Inês Jácome Aguarelas: Carlos Frazão Drone: António Correia Revisão: Rui Santos


CARTA DE NAVEGAÇÃO La Coruña (ESP) Figueira da Foz (POR) Cascais (POR) 25 AGO’23 26 AGO Lisboa Lisboa (POR) Comboio Alfa Pendular «Uber» Mário Lago «Uber» Mário Lago Caravela «Vera Cruz» Caravela «Vera Cruz» The Tall Ships Race 31 AGO 1 SET 27 AGO 29 AGO 30 AGO Porto (Campanhã) Rio Tinto Vigo


VERA CRUZ p. 7 VIAGEM p.23 A nave espacial do séc. xv Tripulação a Bordo «The Tall Ships Race» MARUJOS p.81


Já na perna seguinte à nossa, a caminho de Cádis com tripulação removada. 6 187º


VERA CRUZ A nave espacial do séc. xv Há algo que se sente e nos domina quando entramos a bordo de uma caravela portuguesa. Do alto da sua pequena estatura, ombreia com os exuberantes galeões e escunas mais recentes de quatro mastros e o quíntuplo do comprimento. A elegância e sentido prático permitiu- -lhe ser versátil, ágil e veloz, sempre mantendo o fito na sua verdadeira missão original — explorar e descobrir novos territórios. Sendo muitas as razões para se ficar impressionado com a caravela Vera Cruz, a mais presente é a dimensão. Três homens deitados pés com cabeça sobre o convés bastam para cobrir a meia-nau, onde a largura é maior. O assombro da perspectiva de cruzar nela os mares e submeter-se aos seus temperamentos numa caravela faz-nos murmurar que não é apenas o mundo que é uma casca de noz. Como algo tão pequeno lançou as bases para a «Aldeia Global», impressiona. Descobrir as demais razões exige mais determinação e soltarmos as amarras apontando ao mar aberto num misto de bravura, ingenuidade e fé. Vinte almas entregam as suas vidas à mestria do comandante que confia na disciplina e sentido aguçado de cada um dos seus fiéis imediatos. Toca-se à faina da sineta de bronze sobre a ombreira do tombadilho e a tripulação reúne-se no convés expectantes dos comandos na voz do comandante — firmes, mas que dispensam serem gritos... Afinal são apenas 25 metros da proa à popa. Ser pequena permite-lhe ser simples, mas é também um desafio ao engenho no seu desenho. Através da combinação de brandais, cabos e pontos de amarração tudo acontece, carregando as velas, subindo as vergas, hasteando bandeiras e soltando ao «CARAVELA LATINA» A Caravela Vera Cruz, réplica exacta das antigas caravelas latinas portuguesas (diferentes das caravelas redondas com três mastros), tem 25 m de comprimento, 6.6 m de largura, e 3.7 m de calado. A sua propulsão eólica deve-se a duas velas: a Vela Grande com 155 m2 suspende-se da Verga Grande que, com 26 metros de extensão, é também o ponto mais alto da embarcação, 27.7 m acima na linha de água; e a Mezena com 80 m2 na verga homónima de 20 m de extensão. Os dois mastros adoptam o nome das velas que suportam com 18 e 16 m de altura acima do convés e tombadilho. Concebida para 22 tripulantes, o convés esconde a coberta com os beliches, cozinha, casas-de-banho e áreas técnicas da caravela, acessíveis através de escadas de tiro e alçapões. BANDEIRA AZUL Galardoada com «Bandeira Azul para Embarcações de Recreio», a Caravela Vera Cruz tem como uma das suas missões contribuir para promover uma forma de estar sustentável, através da prática de políticas de consumo eficiente de recursos escassos. 7 187º


PROJECTO «VERA CRUZ» A Caravela Vera Cruz é uma réplica exacta das antigas caravelas portuguesas e foi construída em 2000 no estaleiro naval de Samuel & Filhos em Vila do Conde no âmbito da Comemoração dos 500 Anos do Descobrimento do Brasil. O projecto da autoria do Contra-Almirante Rogério de Oliveira foi desafiante pois, apesar de ser uma das embarcações mais populares e mediáticas, a caravela latina de dois mastros não tinha qualquer documentação técnica, ao contrário da caravela redonda. Inventada e usada pelos Portugueses durante o período dos Descobrimentos nos séculos xv e xvi, a caravela portuguesa era uma embarcação rápida, de fácil manobra, apta para a bolina, de proporções modestas e que, em caso de necessidade, podia ser movida a remos. As caravelas eram embarcações de fraco calado que podiam facilmente subir os rios da costa africana. A caravela é propriedade da Associação Portuguesa de Treino de Vela – APORVELA, com sede em Lisboa. Com mar chão e vento fraco, mantemos o passo seguro a caminho do Sul. 8 187º


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Quando recolhidas as velas latinas e as vergas repousam sobre o talabardão, sobe o pano para entrarem em cena as jovens actrizes. Juntas, as velas ‘spi’, uma simétrica e outra assimétrica, aproveitam o vento de popa vindo de Norte, dominante durante a maioria da viagem, ultrapassando os 7 nós (ou nmi/h, sendo 1 milha náutica equivalente a 1852 m), sem ajuda do motor e para espanto do Comandante... 10 187º


vento as flâmulas, a vinte e sete metros de altura. Quem ainda tenta conquistar as pernas de marinheiro trata o talabardão por companheiro, debruçando-se para devolver ao mar a última refeição. A simplicidade das metódicas acções que se esperam de cada tripulante agiganta-se pelo temido, mas inevitável, enjoo. O balouçar sincopado da caravela que flui com as vagas do mar sacode os menos experientes, abanando-os de bordo a bordo, rodopiados como uma boneca de trapos num «Jogo da Cabra Cega». — «Toque a estibordo!» — ordena o comandante aprumado de tal forma que diríamos ter ambos os pés pregados às tábuas de cambala do convés. O homem do leme executa as instruções movendo a cana do leme, sem a roda de leme que os filmes de Errol Flynn (ou Piratas das Caraíbas, para dar exemplos para várias gerações) trouxeram para os ecrãs de cinema. Pelos embornais — aberturas nos costados das bochechas da caravela — a água do mar entra e lambe o convés antes de ser convidada a sair pelo mesmo balouçar que a trouxe a bordo. As gotas teimosas que recusam sair insinuam-se nas fisgas do convés, pingando sobre a mesa de refeições ou na almofada do marinheiro preguiçoso. 11 187º


Concluída a regata e de regresso a Lisboa de Cádis, a ‘Vera Cruz’ cruzase com a escuna espanhola de dois mastros ‘Atyla’ construída em 1984. 12 187º


Nascer do Sol na costa Portuguesa enquanto rumamos à Figueira da Foz. 13 187º


«Nautiquês» «Enrama-se, somente, até aos coxins do calcês para não mexer a enxárcia com coroas de aparelho, ovéns enfrechados, que reformam aquela por cada bordo, encapelando, sobretudo, o seu estai.» Assim se pode ler no Capítulo X — «Como se enrama o mastro da mezena» do manuscrito do século xviii, «Dieta Náutica e Militar» . Mal se mete o pé a bordo ou se folheia este livro, parece que adentrámos num Portugal com um dialecto próprio. Chamemos-lhe «Nautiquês», sem desprimor ou zombaria, pois já existe há tempo suficiente para lhe devermos a mesma reverência e respeito que merece um ancião. Ao ouvirmos «Caça a mezena!» podíamos estar num filme do «Jurassic Park» em busca de um animal exótico, ou «Prepara o lançante» seria o aquecimento de um atleta de arremesso do peso. É uma aprendizagem que nos exige tempo e entrega para nele entrar mas que, como em outras coisas na vida meritórias, aprende-se fazendo. São muitos os termos náuticos que se tornaram expressões comuns na língua Portuguesa. Uma destas, «Pôr-se na alheta!», advém de ser nessa zona da embarcação onde quem não sabe o que fazer menos atrapalha. Outro exemplo é o «pandeiro» onde o significado de «estar tudo empandeirado» tomou o sentido contrário BELICHES MESA DE REFEIÇÕES FRIGORÍFICOS CASAS DE BANHO POPA PROA ARMÁRIOS CAMAROTE DO COMANDANTE COZINHA ARRUMOS DA CASA DO LEME ALHETA DE BOMBORDO AMURA DE BOMBORDO BOMBORDO ESTIBORDO ALHETA DE ESTIBORDO AMURA DE ESTIBORDO ACESSO AO CONVÉS BELICHES DO «CONVENTO» CASA DE BANHO PLANO DA COBERTA Escondida pelo convés, é na coberta onde a tripulação dorme em beliches alinhados junto aos bordos e come na mesa de refeições central. É também aqui onde se encontram as três casas de banho ao serviço, a cozinha equipada e as duas unidades de refrigeração e congelação. 14 187º


CAPELO VELA DA MEZENA 80 m2 FLÂMULAS ESCOTA DA MEZENA CARREGADEIRAS DA MEZENA VELA GRANDE 155 m2 VERGA DA VELA GRANDE 26 m comprimento 27.7 m de altura VERGA DA MEZENA 20 m comprimento CARREGADEIRAS DA VELA GRANDE TALABARDÃO COLUBRINA CABRESTANTE ACESSO À COBERTA CLARABÓIA CASA DA NAVEGAÇÃO BRANDAL TOMBADILHO CANA DO LEME LEME OBRAS MORTAS («COSTADO») LINHA DE ÁGUA OBRAS VIVAS («CARENA») 3.7 m de calado GALOPE DO MASTRO MASTRO GRANDE 18 m de comprimento MASTRO DA MEZENA 16 m de comprimento «EN FRANÇAIS, S’IL VOUS PLAÎT» A hegemonia da língua Inglesa levanos a pressupor que tudo deriva dela — mas será sempre assim? O mais conhecido dos três níveis de pedidos de ajuda marítimos aparece com a grafia «Mayday», quando na verdade deveria ser «M’aider», do Francês «Ajudem-me». Os demais níveis são «Panne-Panne» (e não «Pan-Pan», para quando se está empanado ou com dificuldades mecânicas, mas sem estar em perigo) e «Securité» (alerta para situações que perigam a navegação, como um objecto à deriva). Todos devem ser repetidos três vezes para confirmação, «mais en Français, s’il vous plaît»!. 15 187º


O corredor que separa os nossos beliches durante a viagem. 16 187º


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A carta aberta destina-se a marcar pontos da rota realizada, recorrendo às leituras de localização no sistema de navegação mostrada no ecrã suspenso acima, recorrendo a dois esquadros graduados. É hoje eminentemente para efeitos ilustrativos para as visitas a bordo e entusiasmar os mais jovens ou o João Pires, o nosso arquitecto a bordo. Outras há que são estranhas, como o sinalizador que estamos ancorados, ainda que em desuso. A bordo encontramos a prova de que um Vasco da Gama feito em ‘amigurumi’ — técnica oriental (japonesa) para criar bonecos em croché — resulta feliz. A bordo há coisas familiares, ainda que com pormenores adaptados à condição de «coisa flutuante». As sanitas estão equipados com uma manivela para bombear água do mar e para expelir no sentido contrário tudo o que «rejeitámos». As casas de banho acumulam funções de duche. Num catálogo de imobiliária a cozinha poderia ser descrita como «Acolhedora e optimizada, protegida de exposição solar excessiva». Vista como castigo para muitos quando escalonados para lavar a louça, é a área a bordo que mais castiga os enjoados, desafiando o delicado equilíbrio entre estômago e o jantar dos peixes . 18 187º


O casco da Vera Cruz feito outrora da mesma madeira com que D. Dinis encheu os Pinhais de Leiria, recomenda continuados esforços de manutenção, calafetado com selantes pelo arrais, Sr. Adelino, quando regressada ao porto. Nos momentos calmos a bordo, quando a faina amaina, o marinheiro exausto oferece as costas às tábuas do convés. Atirando o olhar ao céu junto com as preces para que a posição deitada lhe enxote a náusea, repara no mastro grande. Toma-o por um pêndulo gigante, agulha de um metrónomo que marca o compasso do oceano, hipnotizante. Lembra-lhe o caminhar de um gigante, lento e inexorável, imparável... como são as pequenas caravelas portuguesas. Ainda que durante os Descobrimentos a maioria dos marinheiros dormissem no convés ao relento, é por debaixo deste na coberta que a Vera Cruz sugere dormirmos, distribuídos por vinte beliches ao longo de ambos os través. Na mesma coberta se servem as refeições preparadas na cozinha, situada por debaixo da casa de navegação. Os pratos e canecas metálicos são reutilizáveis e importa saber onde são guardados. Uma vez no mar, a escassez de recursos como a água doce coloca num local central a preocupação com os consumos, sendo natural que a Vera Cruz seja uma embarcação com Bandeira Azul. Uma das maiores vantagens em viajar na pequena caravela Vera Cruz em vez de optar um navio maior — ou mesmo um cruzeiro geriátrico à volta do Mundo — é a de sentirmos tudo de forma ampliada. Tudo é mais vivido, de forma próxima, a tocar o mar com as mãos. Só isso vale tudo o mais A navegação de hoje em dia tem ajudas mais modernas, ainda que o sonar para medir a profundidade desista para valores mais elevados, como foi o caso quando passámos por cima do canhão da Nazaré. 19 187º


Já na perna seguinte à nossa, a caminho de Cádis com tripulação removada. 20 187º


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26-27 AGO 29-30 AGO 31 AGO - 1 SET 25 AGO 31- AGO La Coruña (ESP) Figueira da Foz (POR) Lisboa (POR) Porto (POR) Cascais (POR) MAR MEDITERRÂNEO GOLFO DE CÁDIS OCEANO ATLÂNTICO OCEANO ATLÂNTICO GOLFO DE BISCAIA Gijón Bilbao ESPANHA PORTUGAL FRANÇA Vigo Figueira da Foz Berlengas Cascais La Coruña Flamouth (ING) Cádis Sagres Sines The Tall Ships Race 2023 MAGALHÃES - ELCANO «The Tall Ships Race 2023»: Rota completa «The Tall Ships Race 2023»: Perna realizada feita por nós (346 nmi) Caminho-de-Ferro Estrada Lisboa Nazaré Porto 22 187º


RUMO 187º 346 milhas náuticas Sem ideia sobre como seriam os nossos primeiros dias de férias após um Agosto cansativo de trabalho, dou por mim a viajar para o Norte de Portugal. Primeiro de comboio, mais tarde de carro à boleia com um amigo, Mário, que trata a Galiza por tu com a mesma familiaridade que os galegos percebem o Português. Tomamos um sentido inverso ao que dá o nome à experiência — «187o» — o azimute fixado durante a maioria do trajecto após dobrar o cabo de Finisterra e ponto de mira nas muitas horas ao leme que comanda este pedaço de História viva 23 187º


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GOLFO DE CÁDIS OCEANO ATLÂNTICO GOLFO DE BISCAIA ESPANHA PORTUGAL DIA 0 À Deriva 26 AGO 25 AGO La Coruña (ESP) Porto (POR) The Tall Ships Race 2023 MAGALHÃES - ELCANO Caminho-de-Ferro Estrada A surpresa tardava em ser revelada. Todos quantos sabiam o que estava reservado juravam ser algo que adorariam fazer. Naqueles momentos, o que eu adoro mesmo é ter alguém que vibra ao preparar estas aventuras para mim. Com essa força, vou gerindo o melhor que posso a ansiedade do desconhecido enquanto percorro a estrada que começara no Porto, passaria por Vigo e Santiago de Compostela, até chegar a La Coruña para uma «pausa para almoçar», diziam-me. Ao procurar o mar e um local para comer uma tortilla de patata y cibolla, vejo uma vela familiar no horizonte. Inês não parece muito interessada na minha descoberta e apressa o passo para as pequenas ruas dos restaurantes, voltando costas à caravela que ambos conhecêramos no ano passado. Gijón Vigo La Coruña Lisboa Porto Sábado, 26 Agosto À entrada para o festival «The Tall Ships Race» no cais de La Coruña ainda não era evidente para mim o papel que este teria no que estava para vir. Mário, Inês e Begoña estão roidinhos para revelar... 25 187º


Encontramos uma esplanada enquanto me movo pela urgência de uma Fanta Limón fresca — inexistente em Portugal — e de aliviar as costas da pesada mochila que carrego contendo os meus melhores palpites de roupa e equipamento. O céu alterna o Sol forte com nuvens ameaçadoras — assim é La Coruña, revela-nos Begoña, a amiga do Mário que apanhámos em Vigo. A sua presença ali era para mim enigmática e não parecia ajudar a resolver o quebra-cabeças montado. Sem qualquer mochila nada indicaria que ela estaria pronta para a mesma experiência que eu carregando o mundo às costas. Chegavam pelo telemóvel notícias de demora no serviço que nos recolheria para começar a surpresa. Para matar o tempo, a visita à regata no cais próximo era consensual. Chegados à Vera Cruz reconheço as caras familiares do Rui «Contador de Histórias» e do Comandante Felipe. Foi apenas nesse momento que soube — esta era a aventura. Um abraço ao Felipe confirma, traduzido num «Bem-vindo O comandante do bem-aprumado navio mexicano «Cuauhtémoc» preparou para todas as tripulações uma recepção calorosa a bordo, com música, ‘parrillada’ e bebidas. TURNOS DE QUARTOS Q1: DIA 26 (SÁBADO) 05:00 08:00 12:00 16:00 20:00 23:00 02:00 05:00 Lavar a loiça Lavar a loiça Pôr a mesa Leme e Vigia Leme e Vigia Mas o que são os Turnos de Quartos? (pág. 84) 26 187º


O caminho até La Coruña envolveria metro, trotinete (para ir buscar algo esquecido em casa), comboio e carro, terminando com o pé fora de terra num navio, qual aventura de Phileas Fogg pela pena de Jules Verne. «The Tall Ships Races» é uma iniciativa da Sail Training International, composta por várias regatas e inúmeras pernas dirigidas a jovens entre os 16 e 25 anos de idade nas águas europeias durante os meses de Verão, que lhes permite navegarem a bordo de grandes veleiros. A edição MagellanElcano comemora a primeira circunavegação começada por Fernão de Magalhães e concluída por Elcano mais tarde. 27 187º


a bordo». Agradecidos e ainda algo atordoado, despedimo-nos do Mário e da Begoña que estavam ansiosos por regressar a casa e recuperar o tempo despendido a trazer-nos aqui, cúmplices da surpresa. Bem-vindos a Bordo! A bordo pululam camisolas vermelhas onde nas costas se lê «Caravela Vera Cruz». Apontam-nos o caminho para a coberta, descendo as escadas íngremes de madeira. Identificados os nossos beliches, largamos despreocupadamente neles a nossa bagagem, a tempo de emergir ao convés para o começo da apresentação desta perna da regata «The Tall Ships Race 2023». — «Tratem-me por ‘Pi’» — apresenta-se o comandante Felipe Costa dirigindo-se à tripulação completa que envolve a mesa de madeira na coberta. É evidente e nada surpreendente a predominância de jovens que compõem cerca de metade da tripulação, sendo esse o propósito principal da Aporvela com a missão Vera Cruz. Contas de merceeiro, são tantos os rapazes quantas as raparigas; os demais são os marinheiros sabujos do mar, nós, a Joana e o João. Somos 17 no total (pág. 81), faltando cinco para esgotar a capacidade da caravela. — «Usem-na para entrar na festa para tripulantes a bordo do Cuahuatémoc» — referindo-se à pulseira vermelha que andaria connosco ao longo da epopeia. Os mexicanos excederam-se na generosidade e acolhimento a bordo, desdobrando-se em A regata «The Tall Ships Race» é um espectáculo visual imponente. 28 187º


A noite espanhola vivida na rua e em grande algazarra também existe em La Coruña, recebendo outros festivais com activações um pouco por toda a parte da exposição de Banda Desenhada. Esta seria a noite da estreia a dormir a bordo nos beliches da Vera Cruz, lado a lado. 29 187º


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cuidados e atenções distribuindo medalhas comemorativas do aniversário da embarcação. A carne grelhada no momento descansa o cozinheiro da Vera Cruz, Sr. Ribeiro, aproveitando para brindar com cerveja mexicana. Esta perna — assim se designa cada etapa das regatas — foi bem escolhida pela Inês, no lugar de Lisboa - Cádis ou no regresso de Cádis (ambas com logísticas mais complicadas), e ainda mais em viagens não enquadradas neste ambiente festivo com as demais embarcações, acrescentando uma côr mais rica à experiência. Depois de uma curta exploração da cidade à noite, regressamos para a cama feita por nós. Subimos para o beliche e corremos as cortinas de tecido no varão de madeira. Tudo é calmo. Consegue mesmo ouvir-se o som da água que está já ali do outro lado do casco. O cheiro do navio é característico, dominado pelo aroma forte e quente do selante da madeira de convés e do casco, sobre uma base de madeira. Como numa primeira prova de vinhos, degusta-se na esperança de se vir a apreciar A tripulação do dinamarquês George Stage quando amarrado no porto, baixa o escaler para uma sessão de remo. 31 187º


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Flamouth (ING) GOLFO DE CÁDIS OCEANO ATLÂNTICO GOLFO DE BISCAIA ESPANHA PORTUGAL DIA 1 Soltem as Amarras 26-27 AGO 28 AGO La Coruña (ESP) The Tall Ships Race 2023 MAGALHÃES - ELCANO «The Tall Ships Race 2023»: Rota anterior «The Tall Ships Race 2023»: Percurso diário Caminho-de-Ferro Estrada Não era segredo que enjoo que nem um peru quando entro em barcos. No mergulho, cada ligação de barco ao local é um provação para mim, levando mesmo a preterir alguns spots que o exigem. Há medicação para ajudar, mas que convém começar a tomar algum tempo antes. Não o fizemos. «Toca à Faina» Ao som da música «In the Jungle» acordamos do sono — tranquilo, graças aos tampões para os ouvidos por causa da música dos bares na marina, e pelas águas calmas do porto e da amarração ao cais. Ambas as entradas para a coberta permanecem abertas no verão para circular o ar e refrescar. Dou por alguém se levantar para fechar a mais próxima de mim que deixava a chuva ocasional entrar. Gijón Vigo La Coruña Lisboa Porto Domingo, 27 Agosto A saída do porto de La Coruña arvoramos o pano latino nas velas grande e da mezena. Vento Frescalhão (22-27 nós) Vento Fresco (17-21 nós) Cabo Finisterra 33 187º


TURNOS DE QUARTOS Q1: DIA 27 (DOMINGO) 05:00 08:00 12:00 16:00 20:00 23:00 02:00 05:00 Pôr a mesa Lavar a coberta Pôr a mesa Leme e Vigia Leme e Vigia Leme e Vigia TURNOS DE QUARTOS Cada Quarto obedece ao mesmo sistema partilhado e colaborativo de turnos afixado pelo Comandante para esta tripulação ao longo de oito dias. Dependendo do turno, assim as tarefas. (Funções de cada turno, pág. 84) É à mesa que a equipa melhor se conhece... ...de outra forma nem seria Portuguesa, a Caravela. 34 187º


Do Cuauhtémoc chega o som do hino nacional mexicano seguido do juramento de bandeira. Compete ao nosso quarto pôr a mesa para o primeiro pequeno-almoço a bordo com a equipa toda. É feito café e preparada uma chaleira generosa de chá, para empurrar o pão aquecido no forno, guarnecido a gosto escolhendo entre doces, compotas, manteiga, queijo, fiambre ou salame. Para rematar a refeição é servida a ordem de trabalhos para a saída do porto, antes de subirmos para preparar a partida — reabastecer de água doce ambos os depósitos de 2 m3, recolher bandeiras e estandartes, arrumar materiais do barco-museu, e as extensões eléctricas e focos para a iluminação nocturna. O pesado portaló — instalado a cada paragem para facilitar a entrada e saída da caravela pelos visitantes — é desmontado, içado e recolhido com ajuda das adriças para ser arrumado bem aconchegado por debaixo do cabrestante de madeira. «Mise-en-scène» Há apenas uma corda a bordo (os demais são «cabos») e serve para movimentar o badalo da sineta. Fazendo uso dela, o nosso comandante toca à faina para preparar toda a equipa Trazer o pesado portaló de volta a bordo exige alguma mão-de-obra, engenho e cautelas, coordenando esforço a bordo e fora sob o olhar e comando atento do Comandante. Carlos tomou o gosto pelo desenho e aguarelas, aproveitando as pausas a bordo para encher de cor o seu pequeno bloco. 35 187º


para a entrada em cena. Conforme a curta formação dada no dia anterior, todos se posicionam no convés e tombadilho tornados palco para saudar o público que vai crescendo nas margens da baía de La Coruña, bem com os demais navios. A saída do porto de La Coruña é feita em ambiente de festa, prolongando a recepção calorosa pela comunidade local e organização partilhada com o Concello da Coruña. Os momentos de chegada e partida são uma oportunidade para impressionar e todas as embarcações se esforçam para ganhar uma cresta atribuída pela organização. Cada navio tem uma encenação própria, destacando-se a do Cuauhtémoc, perfilando os marinheiros fardados no cimo dos mastros, alinhados a régua e esquadro ao longo das muitas vergas. A peça ensaiada pela Vera Cruz envolve disparar salvas da colubrina (pág. 76) sincronizadas entoando um enérgico «Orça!» a cada passagem. Do outro lado devolvem o cumprimento, acenando à partida da caravela. A primeira salva preparada e «ORÇA! ORÇA, ORÇA, ORÇA!» Inspirado no comando de navegação — «Orçar» consiste na manobra de aproximação da proa à linha do vento—, o grito de equipa é utilizado como cumprimento e saudação da Vera Cruz ao público ou outros navios. O Comandante lança o primeiro de uma série de três «Orça!» repetido em coro três vezes. Sob o olhar atento e treinado do António, fazemos braço-de-ferro com o ‘Monstrengo’ na ‘Mensagem’ de Pessoa: «Aqui ao leme, sou mais do que eu, Sou um Povo que quer o Mar que é teu.» (ver «Aqui ao Leme», pág. 47) O ‘Cuauhtémoc’ encena o seu número com toque de acrobacia, alinhando marinheiros nas vergas de todos os mastros (Cima). A bandeira portuguesa também é hasteada com orgulho por outros navios, como o ‘Polar’ da Marinha Portuguesa (Baixo). 36 187º


VOLTA DE CUNHO Esta volta é usada para amarrar o chicote de um cabo a um cunho. Passa-se o chicote por baixo de um dos braços do cunho continuando por cima do braço oposto para voltar a passar por debaixo do mesmo, antes de voltar ao primeiro braço de cima para baixo. Usando uma meia-volta, a parte final permite que o chicote fique rematado. Já com a vela grande e a mezena enfunadas pelo vento de popa, à saída do porto a tripulação procura o bordo para saudar quem se juntou para desejar uma boa viagem e acenar. 37 187º


disparada pelo «Artilheiro» Silva coincide com o baixar pano e caçar ambas as velas ao mesmo tempo. O nosso quarto, liderado pelo (agora) «Chefe de Quarto» João Silva, opera nas amuras junto às regeiras. Seguramos as carregadeiras para as soltar e caçar o chicote com uma volta de cunho. O restante cabo é colhido em pandeiro e pendurado, tudo seguindo um preceito bem definido. Um pandeiro mal aduchado enredar-se-á quando for preciso soltar, atrasando a manobra. Amigo talabardão Alinhados com a regata no desfile de saída do porto de La Coruña, apontamos ao mar. Nele, a combinação das marés e vento criou uma ondulação que chamou a jogo o nosso bluff de marinheiros. Mostrámos as cartas que tínhamos e perdemos esta ronda. Abandonámos a mesa de jogo, depois de uma tentativa inútil de resistência bem agarradinhos ao talabardão. Nele procurávamos não só um apoio, mas a promessa de acesso rápido para largar 38 187º


lastro e alimentar os peixinhos galegos. Em desespero, tomamos o tal comprimido que devia ter sido no dia anterior, apenas para o devolver junto com a próxima carga ao mar. Experimento fitar o horizonte, trocar de posição — nada resulta. Sugerem-me procurar a cama para que deitado consiga ultrapassar o mal-estar. A Inês por duas vezes desce à coberta, regressando pior. Desço para me deitar no beliche de onde apenas na manhã seguinte ressuscitaria, depois de bem sacolejado para os dois lados, como se fora novamente bebé num berço atirado abaixo de uma escadaria que parecia não ter fim. Imprestável para qualquer serviço, falho o meu turno a ajudar a pôr a mesa do jantar. — «Vai descansar que eu trato de tudo.», tranquiliza-me o incansável João, Chefe de Quarto. Dou por servirem a refeição, cujo cheiro no ar não ajudou a minha condição oficial de enjoado. Comigo, os cheiros parecem intensificar-se quando se está assim — o aroma quente do selante das tábuas de madeira, a sugestão do escape do motor a gasóleo, o cheiro das febras do Sr. Ribeiro. Coloco os tampões nos ouvidos, desejando um segundo par para as narinas. Exausto, adormeço «OLH’Ó LEME!» A disciplina na coberta alia-se ao desenho cuidado para evitar movimentos livres de objectos, potenciais projécteis com o balouçar do navio arremessado pelo mar. Panelas e tachos, sapatos ou garrafas — tudo deve estar arrumado. Isso não impede que, de quando a quando nos balouços maiores, ouçamos o cozinheiro gritar — ‘‘Olh’ó leme’’ enquanto prepara as refeições. Ainda que dito no tom jocoso e bem-disposto do Sr. Ribeiro, «a brincar se dizem as verdades». Depois da saída do porto, começa o mar quebrado e com ele, o início do enjoo. Seria assim até dobrar o cabo de Finisterra no final da noite desse dia. 39 187º


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GOLFO DE CÁDIS OCEANO ATLÂNTICO GOLFO DE BISCAIA ESPANHA PORTUGAL 29 AGO Figueira da Foz (POR) DIA 2 A (des)coberta 28 AGO The Tall Ships Race 2023 MAGALHÃES - ELCANO «The Tall Ships Race 2023»: percurso diário Caminho-de-Ferro Estrada Uma noite mal dormida faz mossa. Com o virar do cabo Finisterra a ondulação melhorou com o vento de Norte na popa. Começa a instalar-se uma dor de cabeça, agravada pelo jejum induzido pelo enjoo. Ainda que calmo, o mar embala a caravela num sincopado balouçar de bordo a bordo. Ensaio uma dança na pequena casa-de-banho com o duche, acabando a lavar-me no lavatório. Gijón Vigo Cabo Finisterra La Coruña Lisboa Porto Figueira da Foz Segunda, 28 Agosto «The Tall Ships Race 2023»: Rota anterior Com o novo dia vieram melhores mares e um corpo mais bem adaptado. Era altura de emergir, deixar as «Obras Vivas» e saudar o Sol. Enquanto eu dormia, Carlos pintara a vista do cabo Finisterra desde a bordo da ‘Vera Cruz’, perdida para mim não fora o seu pincel de aguarela. Vento Fresco (17-21 nós) 41 187º


TURNOS DE QUARTOS Q1: DIA 28 (2.ª FEIRA) 05:00 08:00 12:00 16:00 20:00 23:00 02:00 05:00 Lavar a loiça Leme e Vigia Leme e Vigia Há que escolher — nivelar o horizonte ou o convés. Ambos é improvável. «DO FORTE, FÁCH’AVOR!» É possível fazer o período de adaptação sem ajuda de medicação, significando contudo que, durante dois a três dias de uma viagem de quatro, iria penar. A recomendação — de quem já passou por elas — é tomar um comprimido de ‘Stugeron Forte’ a cada refeição, começando quanto antes. 42 187º


Os relógios manter-se-ão na hora espanhola, sempre comandados pelo último porto. A bandeira espanhola e do porto de La Coruña mantêm-se hasteadas a estibordo. Regemos os quartos de turnos indiferentes à passagem da foz do rio Minho que não seria avistada antes do meio da manhã. Ao longe no mar alto, vemos torres eólicas no mar, discriminando o ocasional cargueiro ou barco de pesca na linha do horizonte. Forço-me a tomar algo ao pequeno-almoço — chá com uma fatia de pão e queijo, com um comprimido de Stugeron («Forte» por ser para homens de barba rija, marinheiros de faca nos dentes e outras marialvices quejandas). As refeições (ainda) são tomadas com a urgência de quem tem pressa de voltar ao convés para não sucumbir novamente ao enjoo. O turno só começa ao meio-dia com leme e vigia, antes de voltar à coberta para almoçar e — a mais temida de todas — lavar a louça na apertada cozinha fechada. «Iic!» Os golfinhos já nos fazem companhia, naquela que seria uma presença regular ao longo de toda a viagem. Os grupos de golfinhos foram uma presença regular, brincando à proa na vaga da esteira. 43 187º


O raiar da manhã revela um Sol a bombordo sob nuvens em terras galegas, ainda a norte da Foz do Minho. Ridicularizam a velocidade a que a pesada caravela progride, ostentando rodopios, virotes e saltos junto aos costados, ora a bombordo, ora a estibordo. Os mais trocistas atrevem-se a saltar para trás como dizendo «até de costas sou mais rápido que tu, Vera». Com os olhos posicionados de lado, alguns deitam-se para nos ver melhor ou saltam fora de água em mergulhos. Pelo que nos tomarão? Se os antropomorfizarmos — nada tão grave quanto o fazer com outras espécies, visto se acreditar que os golfinhos são o segundo animal mais inteligente a seguir ao Homem —, diríamos que se movem pela curiosidade. Escolhemos acreditar que são por natureza brincalhões, mas por certo algum peixe ou comida deitada borda for ao longo de séculos terá responsabilidade nesta procura, inocente de outra forma. Há uma razão mais prática reveladora do seu intelecto — nadar na esteira da onda de proa é mais eficiente e conseguem atingir velocidades maiores, disputando mesmo entre eles as melhores posições. 44 187º


Uma caneca de grão Quando o Sol fica a pino, um aroma de grão cozido esgueira-se pela clarabóia e chega ao convés. Adivinha-se que terá por companheiro um bacalhau. Toca à faina e descemos para confirmar. Ainda enjoado, vou agitando os grãos no prato, num pingue-pongue com o mar por adversário. Custa-me desistir da iguaria e peço à Inês que me guarde uma caneca na eventualidade de melhorar mais tarde. A brava Inês dirige-se para «cumprir a pena» na cozinha e lavando a loiça, enquanto regresso ao beliche para recuperar aos níveis de desenjoo anteriores ao almoço. Não se escreve Spi sem Pi. Ressuscito do beliche, subindo as escadas da coberta para descobrir a razão da agitação que ouvira no convés — as vergas grande e da mezena estão em baixo, pousadas ao longo do navio. No lugar das velas que amastram, duas velas brancas de balão enfunadas pelo vento de popa de norte tapam o Sol que ainda vai alto a Sul. O Comandante, ciente das limitações do desenho da caravela portuguesa, elogia a capacidade que esta tem em se tornar um 45 187º


É uma missão ingrata, hastear orgulhosamente a bandeira e mantê-la sempre aprumada, remendando as pontas fustigadas pelo vento. Próximos do chão do convés, deitados sobre as tábuas quentes, aproveita-se para aquecer. 46 187º


veleiro ligeiro. Olha para as velas de ‘spi’ cheias e fica a admirar, tirando os olhos apenas para confirmar a velocidade marcada na sala de navegação — «6.8 nós» —, murmura de sorriso rasgado, orgulhoso e honrado por ter este privilégio em comandar algo único e tão singular. — «Podia estar a ganhar quatro vezes o que faço aqui», confessa Pi, reconhecendo que há coisas que são impagáveis. «Aqui ao Leme» A Inês já se estreara ao leme entretanto, aprendendo a arte de conduzir a caravela na cana do leme com o apoio do João. Para a missão de dirigir a embarcação ser bem sucedida fazemos uso da indicação do azimute definido (187o na maior parte do tempo durante a viagem desse dia) confrontado com o rumo actual, ambos expressos em graus tendo por referência o norte magnético nos 0o. O rumo efectivo varia com os estímulos dados pela operadora do leme, procurando corrigir desvios induzidos pelo vento, correntes ou ondulação. Os cabos e roldanas ajudam a posicionar a pesada cana do leme, desmultiplicando a força necessária para a mover. Na realidade, apesar de não haver uma roda do leme «como nos filmes», este esquema mecânico As grossas ostagas descansam da missão de reforçar a rigidez do mastro grande, agora com a verga arriada e as velas ‘spi’ içadas. 47 187º


É preciso uma fotografia com uma lente grande angular ou o refúgio de uma composição panorâmica para que pareça ter a dimensão do que significa esta pequena caravela. 48 187º


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corresponde em grandes linhas ao que a roda utilizaria. Quando em manobras, quem está ao leme deve estar pronto para reagir às instruções dadas pelo Comandante determinadas pelos alertas dados na vigia de proa como no caso de obstáculos na rota. A voz de comando utiliza várias gradações de viragem, desde «Meio Leme» para manter o rumo, «Toque a bombordo» (ou estibordo) para um quarto de quadrante, «Meio a bombordo» para metade, «Tudo a bombordo» para a viragem máxima e mais pronunciada. Navegar à noite Salto o jantar, ainda enjoado. Chegada a noite repetiríamos o turno do leme até às duas da manhã, adaptando o saco dos ‘spi’ à sua nova função de ‘puff’ para ficarmos recostados enquanto os colegas de quarto assumem os comandos da cana do leme. Divertida com a sonoridade do «Panne-Panne», a Inês conta como aprendeu também quais os níveis de alerta de perigo utilizados na navegação (ver «En Français, s’il vous plaît», pág. 15). Contrastando com o bater ampliado de objectos nos costados e os passos no convés que fazem ressonância dentro da coberta, e debaixo de uma lua quase cheia e céu limpo, navegar apenas com as velas é de uma tranquilidade surpreendente. Começa a ser incontestável o encanto do mar O olhar para cima não procura nenhuma divindade superior, mas apenas o mostrador electrónico onde se mostram o rumo e azimute. 50 187º


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