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Published by Victor Galvão, 2020-01-19 00:13:59

RUAARRUDAS

RUAARRUDAS

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várias matérias com a opinião de rockeiros sobre o fato.
A ira coletiva pode ser perigosa. Muitas décadas antes,
em certa tarde, também no Viaduto Santa Tereza, o piloto
do bonde perdeu o controle quando ia entrar para a Rua
Itambé e o veículo capotou. Ainda zonzo, teve que tomar
um chá de sumiço para não levar tabefe da multidão
ensandecida. Ainda sobre confusões, por ali mesmo, na
entrada da Rua Itambé rolou uma briga entre o pessoal
do Sepultura e do Sarcófago, antes mesmo destas
bandas tornarem-se referência no metal mundial.
Ao longo do tempo, vários usos foram dados à região
embaixo do Viaduto Santa Tereza, que de madrugada se
transforma em no man’s land. Shows, feiras, preces
coletivas, protestos, greves sindicais, já rolou de tudo ali.
Até hoje as autoridades discutem o melhor local para se
instalar um posto policial no Viaduto. É complicado
chegar a um consenso sobre o que a região pode se
tornar. São muitos os interesses envolvidos.

Drops 2 — Violência e preconceito

Presenciei e ouvi relatos de várias histórias
sanguinolentas passadas naquele cenário, das quais
prefiro nem lembrar. E quem se dá mal é sempre a
população desassistida. Além dessas violências, há
outras, que aparecem de forma velada. Amigos negros ou
de visual peculiar já foram abordados de modo
preconceituoso pela Polícia Militar na área.
Provavelmente, por causa da cor ou da roupa. Comigo, a
polícia é cordial. Talvez em minha aparência esteja
implícito que sou morador da zona sul.
Na região, o tráfico de drogas sempre esteve presente,
mesmo quando havia um posto da PM funcionando 24
horas. Ainda assim, traficantes e usuários das mais

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variadas drogas nunca receberam acompanhamento
social ou psicológico: “Vagabundos! Não querem
trabalhar. Pinguços!” E olha que no inverno quem não é
cachaceiro morre de frio…

Dudrin às 4:25

São muitos os causos dos artistas de rua que atuam no
Baixo Centro. Seguem aqui dois bem emblemáticos. O
4e25 é um coletivo de artistas que atua na cidade há
anos. Hoje, possui espaço próprio, no Edifício Maletta. É
conhecido pelas intervenções urbanas e pela produção
de cadernos e livros artesanais. O que caracteriza os
desenhos dos artistas são os traços arredondados com
hachuras. Os caras também têm prezas espalhadas por
toda a cidade, identificadas pelas letras formadas por
círculos vetorizados, ligados a traços finos. A caligrafia é
uma mescla de pixo com art déco. Pelos muros, escrevem
mensagens poéticas e politizadas, algumas a favor da
legalização da cannabis. É fácil identificar o trabalho dos
artistas do 4e25 pelas ruas.
Um dia, o coletivo recebeu um convite para produzir um
mural no portão do Teatro Espanca, em que a palavra
“violentamente” foi escrita com sua tipografia típica.
Enquanto os artistas trabalhavam, Dudrin, um morador
de rua, ficou interessado em acompanhar o processo e os
motivos da intervenção. A conversa rendeu tanto que, ao
final do dia, ele já era um fornecedor de cachaça para os
integrantes do 4e25.
Pouco tempo depois, Dudrin faleceu. Viveu na rua por
opção: tinha família, casa própria, carro do ano e quota
em clube. Provavelmente, algum trauma o impedia de
encarar o cotidiano com a família. Acabou na rua,
dividindo os dias com a cachaça e passando as noites no

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abrigo da Rua Itambé. Dudrin costumava falar que a
maior decepção de sua vida foi um filho ter se tornado
policial. Em sua homenagem, no final de 2013, os artistas
do 4e25 grafitaram um velho barbudo num muro próximo
à linha de trem, embaixo do Viaduto.

Rua 2 — Madrugadas

No início de 2011, numa junção dos grafiteiros Dalata e
Binho Barreto, um painel entra para a história do Baixo
Centro. A ideia era ocupar a lateral de um edifício da
Rua da Bahia, na descida do lado esquerdo do Viaduto
Santa Tereza. O trabalho levou mais de uma semana
para ficar pronto e contou com a participação de outros
grafiteiros e coletivos, como: Lucas Torres, DMS, Hyper,
Lipe Two, Xerelll, Vato, MTS, Auge, 4e25, Mosh e Rato.
Nesse período, várias coisas aconteceram.
A pintura comemorava a chegada de DMS, à época
radicado na Itália, que vinha passar uma temporada na
cidade. Varando as madrugadas com Jah, os grafiteiros
às vezes se assustavam com as cenas que viam pelo
Baixo Centro. Comércio de crack e até mulher grávida
passando com faca em punho.
Tinta vai, fumaça vem, e algum vizinho reclamou dos
grafiteiros. Com a chegada dos “hômi”, a galera
comentou às autoridades sobre o clima da área. Parece
que as autoridades não estavam muito preocupadas, já
que nem se deram ao trabalho de conferir se os relatos
eram verdadeiros, e recusaram-se a mover uma palha
em relação ao assunto. Também chegaram a coagir os
artistas: “Se vocês derem uma queixa à polícia pode ser
arriscado, ficam sujeitos à represália dos marginais.”
Noutra feita, um policial à paisana ameaçou um dos
grafiteiros com uma arma na cabeça.

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Ao perceber que havia se confundido, a autoridade deu
no pé rapidamente. Naquela noite, o que estava pra
acontecer era um acerto de contas entre os moradores
locais. Há alguns metros, num esconderijo, um mala
organizava as drogas mais vendidas na companhia de um
sem-teto, que acabou larapiando uma buchinha. Ao
conferir o montante, o chefe notou que tinha sido
ludibriado. De repente, só se ouviu um grito: “Você não
pagou os três real. Vou tacar fogo!” Na sequência, sobe
um sujeito em disparada, com a roupa em chamas,
debatendo-se contra a parede e o chão. Não sofreu
ferimentos (só queimou a roupa encharcada de
caninha 51) e sumiu da área.
Os dias passaram-se e o incendiário, que continuou por
ali, quis ser gente boa com o pessoal: ofereceu bebida,
comida, brenfa e, acima de tudo, proteção. Falava que
“os coxa não podem perturbar os artistas” e que, se
precisasse, colocaria os tiras para correr. Chegou a
sacar um revolver de dentro de um hidrante para desfilar
no seu leva e trás frenético. Gritava de seu esconderijo:
“Safado aqui a gente bota fogo e corta o pescoço!”.
No dia da finalização do painel, o sujeito já havia
sumido, e deu sorte: uma gangue rival apareceu para
vingar o atentado contra o ajudante. Quando os
integrantes da gangue viram o pessoal pintando,
pediram pra marcar uma preza. Na sequência,
agradeceram. Só que, antes de irem embora, acharam
um dos rivais e espancaram o sujeito em aviso. Por
pouco, sobra pra quem não tinha nada a ver com a
história. Segundo Dalata, o “Baixo Centro é uma BH
que ninguém conhece, o submundo do submundo.”

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ouviaduto.tumblr.com

fotografias por João Perdigão,
exceto quando mencionada autoria
nas respectivas legendas.
imagens de arquivo gentilmente
cedidas pelo Arquivo Público da
Cidade de Belo Horizonte.

projeto gráfico e edição
Lucas Kröeff e Victor Galvão

parceria
A Zica
www.urubois.org/azica
azica.tumblr.com

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