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A enchente de 1979 querendo subir os arcos.
Vô Abijaud tirou várias fotos nestas chuvas
e acabou contaminado com hepatite C.
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Pré-inauguração da Praia da Estação na enchente de 1979.
Foto de Vô Abijaud.
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Assim Vô Abijaud viu o leito do Rio Arrudas.
154/208ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
A escada mais fedida da cidade, presa em janeiro de 2017.
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Menino de 2009 transformado em stencil de Comum.
Durando na porta de onde era o Baixo Centro.
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Galopeira na Avenida dos Andradas
(uma loja de vinil já extinta)
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Alusão ao Soldado Desconhecido outrora
na Praça Afonso Arinos. 2014.
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O Rei da Rua Januária apresenta seus DVDs.
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Despedida onde nem todo mundo volta é assim.
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Detalhe do grafite de Lucas Torres/
aerografia da Fábrica de Sonhos.
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O Rei da Rua Januária em traje de gala
sob o Viaduto Santa Tereza.
14 de janeiro de 2017.
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Detalhe da balaustrada e poste do Viaduto Santa Tereza,
um patrimônio pixado.
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Final de evento alusivo aos 40 anos de movimento punk
em Belo Horizonte. 11 de fevereiro de 2017.
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Camiseta do Olho Seco, desenho de Moebius — evento alusivo
aos 40 anos de movimento punk em Belo Horizonte.
11 de fevereiro de 2017.
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Um GG Allin no evento alusivo aos 40 anos de movimento punk
em Belo Horizonte. 11 de fevereiro de 2017.
166/208ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
Um mosh tranquilo em evento alusivo aos 40 anos de
movimento punk em Belo Horizonte. 11 de fevereiro de 2017.
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Andrei X cadeirante mascarado em evento alusivo aos 40 anos
de movimento punk em Belo Horizonte.
11 de fevereiro de 2017.
168/208ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
GG Allin X Sid Vicious em evento alusivo aos 40 anos de
movimento punk em Belo Horizonte. 11 de fevereiro de 2017.
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Moicano empinado e risada em evento alusivo aos 40 anos de
movimento punk em Belo Horizonte. 11 de fevereiro de 2017.
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Moicano empinado e risada em evento alusivo aos 40 anos
de movimento punk em Belo Horizonte.
11 de fevereiro de 2017.
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Debaixo do Viaduto já teve até feira.
Foto do Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico
Nacional (IPHAN)
172/208ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
Frame do trio principal de “A Hora Vagabunda” (1997)
sobre os arcos do Viaduto Santa Tereza.
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Composição ferroviária adentrando o esqueleto do Viaduto
Santa Tereza durante sua construção. Foto da Fundação
Getúlio Vargas.
174/208ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
Culundria, Yellow Dog & Desali numa esquina do Maletta.
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Na primeira semana de dezembro de 2017, atordoado pelo rap
e chateado pelo cancelamento do Sepultura, o Viaduto Santa
Tereza tem uma chaga chegando na Rua da Bahia.
176/208ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
Final do Duelo de MC’s em 26 de novembro de 2017.
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Dia de Gaymada é dia de coreografia também.
9 de dezembro de 2017.
178/208ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
Gayrrilheira na Gaymada.
9 de dezembro de 2017.
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Nickary Aycker preparada para o show de encerramento
da Gaymada. 9 de dezembro de 2017.
180/208ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
Nickary Aycker recebe selfiane no show de encerramento
da Gaymada. 9 de dezembro de 2017.
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Registrando a Academia Transliterária.
11 de dezembro de 2017
ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
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TEXTOS
185. Elos perdidos do Xarpi
189. Venda-me se for capaz
193. Fedido e Frequentado
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Elos perdidos do Xarpi
Numa sexta-feira, no entorno do Viaduto, fui conversar com
GG, o membro mais redondo e antigo dos Pixadores de
Elite. Foi num encontro semanal de pixo debaixo do Viaduto
Santa Tereza , o “Pixurrasco”. Representantes das maiores
bancas estavam presentes, gente como Goma, Kola, Napo,
(locais), Cripta Djan, Afrika (de São Paulo) e o Tira
Irreverentes (do Espírito Santo). Qualquer um ali sabia que o
sujeito presente em atividade há mais tempo era o GG.
GG hoje pesa cerca de 200 Kg, isto depois de uma
cirurgia de redução de estômago. Morador do Floresta,
era piolho da Praça de Santa Tereza e lembra que quando
lek pirava no “Leia Celton” (*). É um dos fundadores da
Máfia Azul e diz que pixa desde 1984. Dava rolê com o
pessoal do Sepultura, com quem começou a curtir uns
black metal. Naquele tempo, GG tinha o apelido de Tim
Maia. Bibica, ex-roadie do Sepultura, lembra que ele e
João Gordo amarravam Tim Maia no poste e apagavam
guimba nas banhas do futuro pixador.
Já nos anos 1990, GG passou uns bons anos no
xilindró — “para encobrir merda da Máfia”, defende. Quem
questiona seus feitos de tinta é o pessoal da Galoucura.
Por pura picuinha ou pelo fato de ele ser o mais antigo
pixador ainda na ativa. Teve galoucura que me relatou
respeitá-lo pois, em determinada delegacia de parede
branquinha, só tem a preza do GG.
Em meados de 2015, vários membros dos Pixadores de Elite
foram em cana porque moeram os “Quatro cavaleiros do
Apocalipse”. As quatro estátuas de Fernando Sabino, Otto
Lara Resende, Helio Pelegrino e Paulo Mendes Campos
residem num banquinho defronte à Biblioteca Luiz de Bessa
e foram foscadas por umas prezas e uma frase de
descontentamento com a política brasileira.
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Um jornaleco local fez uma matéria sobre o assunto e botou
foto, mas pixelizou as prezas. Bem ali na “Praça da
Liberdade”, onde TODOS os museus têm nome de empresa.
Já vi um velho amigo de um dos escritores comentando:
“Se o Otto Lara Resende soubesse que iam fazer sua
estátua, seria o primeiro a se levantar contra tal ideia”. Os
pixadores mineiros, mesmo almejando uma visibilidade a
todo custo, têm código de ética. Numa enseada toda muída,
só não se picha uma igreja evangélica. Não é como em
Salvador, onde até o exterior de catedrais barrocas é
totalmente capotado de preto fosco. Nos grandes centros
Brasil afora, é tudo filho da vida loka escrita em caligrafia
maloqueira. Tem mano do pixo que é comerciante, que se
deu bem na vida, mas outros de sorte oposta.
Noutra sexta-feira, debaixo do Viaduto em reformas
encontrei um morador de rua que foi pixador e ainda
sabe os nomes de todas as galeras que dominaram BH no
início dos anos 2000. Ali ele é Kavêra, mas assinava Iago.
Pegou cana dois anos e quando saiu, quis morar na rua.
Diz que gosta de uma cachaça e tem vontade de se livrar
da pedra. Quer criar família, trabalhar e só fumar um de
boa. “Não que a rua seja ruim mas é muita humilhação”,
diz ele. Provavelmente ele teve bastante oferta de ir pro
xadrez desde que o encontrei. Há o risco de Iago morrer
na rua e virar estatística. Talvez entrar na igreja, casar e
ter uma vida certinha — também estatística.
(*) a revistinha do Celton é editada por Lacarmélio Alfeo
desde 1981, quando pichava o nome do título por BH.
Esta pichação chegou a ser tão onipresente em BH
quanto “Cão Fila 20 Km” em São Paulo ou “Celacanto
Provoca Maremoto” no Rio de Janeiro (1970/1980).
Texto originalmente publicado no fotozine #ouviaduto
(eh xaina!!!)
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Venda-me se for capaz
Avenida Amazonas, 2012
Ao contrário do grafite, que se transformou numa
ferramenta de enobrecimento urbano, a pichação, que
incomoda muita gente, não tem sequer uma discussão
aprofundada do assunto. Bem da verdade, mal sabemos
distinguir um grafite de um picho, ou de um grapixo, ou
uma mera assinatura mais elaborada — assim como se faz
no cheque. Voltando aos anos oitenta, quando esse hype
suburbano começou, era uma briga entre periferias ou
torcidas na ânsia de demarcar seu território aos olhos do
inimigo. Aos olhos de quem tem a fachada de sua moradia
coberta por esses hieróglifos que só são compreensíveis
aos iniciados, é algo que sem dúvida incomoda.
Se o governo não consegue mudar a proliferação desse
tipo de vandalismo, talvez seja porque vira o rosto em
fomentar uma discussão mais clara da sub-cultura do tal
movimento hip hop. Já que a pichação em topos de
prédios verticais é um fenômeno exclusivo do Brasil,
devemos enxergá-la separada do que está ao redor dela?
O que está escrito nos muros de toda a cidade pode estar
até no google streetview, mas se caçar algo pra pensar o
fato enquanto fenômeno social, há muito pouco.
Então, vamos falar de alguém que o noticiário vendeu
como “o bandido que pichou o Cristo”? Bem, para isto, foi
necessário recorrer às notícias do dia 12 de junho de
2012. Na noite anterior, um cidadão conhecido por pintar
seu codinome Cossi nos altos de prédios desde a década
de 1990, pegou seu Peugeot vermelho para levar um
amigo pra pintar ”Ronaldinho 49” no Cristo Redentor do
bairro Barreiro. Era uma alusão a contratação da
celebridade futebolística farofa que pode ajudar o Galo a
levar o título em 2012. Na pressa, o parceiro de Cossi
engoliu o L e deixou um “Ronadinho 49” nas costas do
190/208ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
Santíssimo, e quando ia começar a desenhar o manto,
avistou-se a chegada da viatura. Jogaram as latas de
spray no mato e saíram, cada um para um lado. Horas
depois, quando foi buscar o veículo, Cossi foi
interpelado pela Guarda Municipal, quando tentou sair
em disparada, mas o pneu do carro estourou e ele
finalmente se entregou.
Usando a identidade do irmão, tentou driblar as
autoridades. Ousadia? Que nada, essa era a segunda
vez. Três meses antes, o sujeito rodou com a carteira
de motorista do irmão mas escapou — com aquele
nome, era réu primário. Agora aguarda julgamento,
mas não em liberdade.
Voltando num fato que o pessoal da arte urbana
considera histórico na cidade, quando o Cine Brasil era
apenas uma ruína abandonada, logo acima de um outdoor
empoeirado de Coca-Cola, alguém pichou; “(…), em cima
de mim, só deus“. Logo, Cossi conseguiu superar a altura
do oponente e do refrigerante mais vendido, pelo menos.
A marca ficou no local por cerca de uma década,
marcando a passagem de um sujeito que tinha mais
história pra contar.
Segundo relato da delegada Cristiane Moreira, da
Divisão de Meio Ambiente da Polícia Civil, depois de
passar quatro anos preso por assalto à mão armada,
desde 2010 Cossi voltou a escrever seu nome pela
cidade. Em 2011 a avenida Amazonas já estava infestada
de provocações de Cossi — que ao ser conduzido
definitivamente para o Ceresp, ali no caminho poderia
até ver pelas frestas do cárcere, sua mensagem em todo
canto; “Prenda-me se for capaz“.
Sujeito em cativeiro, Cossi tornou-se referência quase-
mitológica aos excluídos. Na última sexta-feira, passando
sob o viaduto Santa Tereza, vi um moleque com um Cossi
191/208S RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUAA
grafado a navalha atrás da cabeça, quis tirar uma foto,
mas ele sumiu. A qualquer hora do dia, você pode dar um
passeio pela futura área gentrificada da rua Sapucaí, ali
pelos lados do viaduto da Floresta e constatar em letras
garrafais; “Liberdade Cossi — GG/PE”. A famigerada figura
vinda da periferia para pichar a pele da cidade perdeu a
liberdade porque não tem medo de cadeia. Segundo o
próprio Cossi, teriam sido mais de um milhão de
marcas — que agora ele só pode ver on-line.
Fica a marca de um gigantesco muro de contenção no
Belvedere, subindo a BR, feito no final do ano passado e
que logo foi apagado. Assim como o “Na Cara da ROTAM”,
feito no topo da Faculdade de Engenharia abandonada na
Andradas, só que neste segundo caso, devem ter sido as
próprias autoridades que mandaram cobrir a afronta, pois
só apagou-se o “ROTAM”. O prédio tá lá, ruína intacta.
São incontáveis fachadas e topos de prédio com esses
nomes ininteligíveis. Ao mesmo tempo que revolta os
moradores que se sentem diminuídos, a pichação
também pode ser entendida como uma poesia
tipográfica feita pra incomodar e só?
Sem querer responder, lembrei de outra frase que vi
escrita pelo baixo Centrão:
“Avisa pra Madonna! Que no Brasil não tem Censura!”
Será?
Originalmente publicado no Cometa Itabirano nº 358
(dezembro de 2012)
ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
192/208
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Fedido e Frequentado
(2015)
O Centrão de BH é onde a cidade respira. Enquanto há
luz do dia, o movimento é constante, com pessoas e
carros. Pela madrugada, o fluxo se altera e, a cada
momento, um mundo desperta, e outro dorme, em uma
selva de transeuntes. Se o passante vê o lugar vazio, mal
imagina que é um truque dos fantasmas da madrugada.
Aqui, lanço o olhar sobre a área que circunda a linha do
trem, onde as ratazanas de esgoto mais radioativas se
escondem. O Baixo Centro tem como coração a Praça da
Estação, ladeada pelos viadutos Santa Tereza e Floresta.
A região fica logo abaixo da Praça Sete, ponto central da
cidade planejada. Para quem conhece o Rio de Janeiro, é
a Lapa de Belo Horizonte.
Naquele entorno, temos as mais variadas ambientações: a
estação mais movimentada do metrô, a vista cenográfica
da Rua Sapucaí, calçadas que servem de residência a
uma considerável população de rua, galerias, lojas,
butecos com salgadinhos dormidos e maquininhas
caça-níqueis, além de casas de jogo do bicho ou de
outras atividades ilícitas, das quais todos sabem e
ninguém reclama. Nos restaurantes, um prato admirado
desde sempre é o Kaol, batizado assim para homenagear
o que o típico frequentador do Baixo Centro consome no
almoço: cachaça, arroz, ovo e linguiça. A Rua da Bahia,
referência histórica, literária, econômica e, obviamente,
do trânsito da cidade, está imortalizada em um samba de
Rômulo Paes, nos versos “A minha vida é esta: / Subir
Bahia / E descer Floresta”, registrados em um
monumento instalado na própria Rua da Bahia, alguns
quarteirões acima do Baixo Centro.
Para o jovem morador de BH, pode parecer que a região
sempre foi boulevarizada e palco de diversos eventos, já
que, nos últimos anos, tem abrigado ao menos três
194/208ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
movimentos que alteraram o modo belo-horizontino de
frequentar o Centrão: o Duelo de MCs, a Praia da Estação
e o carnaval de rua. A sensação é de que a região sempre
foi lugar de cultura e efervescência política. E, por vias
tortas, pode-se dizer que sim. Em 1984, durante as
Diretas Já, a Praça da Estação foi o primeiro local da
cidade onde uma grande multidão de pessoas protestou
pelo fim da ditadura militar. Mas a região tornou-se
realmente ponto de encontro a partir de 1999, quando
passou por revitalização.
Rap, Duelo e Viaduto — sinônimos
O Duelo de MCs começou com pequenos eventos semanais,
em 2007. Inicialmente, acontecia naPraça da Estação, nas
noites de sexta-feira, mas logo se fixou embaixo do Viaduto
Santa Tereza, onde passou a ser referência na cidade.
Atualmente, acontece nas tardes de domingo.
Trata-se de uma rinha de rimas. Assim como ocorriam
com as melhores lutas dos gladiadores no Coliseu,
quando a batalha esquenta, sempre tem terceiro round.
São várias eliminatórias e, a cada dia, o vencedor da final
ganha a soma das inscrições, que é de 5 reais por cabeça.
Vários MCs locais foram revelados no evento e, por
meio de vídeos, tornaram-se referência nacional
quando o assunto é rap feito no improviso: Douglas
Din, Fabricio FBC, Well, Vinição, Vinicin, e mais uma
galera que vem aparecendo aí.
Hoje, o Duelo de MCs é um dos mais conceituados eventos
do rap nacional. Com ele, BH tornou-se uma referência de
espaço para a cultura hip-hop: b-boys, skatistas,
grafiteiros e MCs por todos os cantos do Centrão. Quem
começou o Duelo de MCs foi o Família de Rua, um coletivo
organizado por três amigos: Osléo, Monge e PDR.
S RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUAA 195/208
Um resultado legal da instalação do rap no Viaduto foi o
fato de ele ter se tornado ponto de encontro para as
pessoas se reunirem na rua para divulgar outros
movimentos. Em pouco tempo, dezenas de coletivos da
Grande BH passaram a se organizar para realizar tanto
batalha de rimas, quanto de DJs, além de eventos de
dança, saraus, entre outros.
Embaixo do Viaduto também acontece o Quarteirão do
Soul, realizado por alguns dos festeiros da black music
mais persistentes do Brasil, na ativa há décadas. Não me
esqueço de um domingo de encerramento do Festival
Internacional dos Quadrinhos (FIQ), em que testemunhei
o encontro de Gerson King Combo com o quadrinista
Fábio Cobiaco, que ficou emocionado ao ver um dos
papas do funk brasileiro na quebrada.
Deita no Cimento, já é carnaval!
A Praia da Estação é um movimento em resposta a um
decreto de 2009, do prefeito Márcio Lacerda, que
proibia eventos de qualquer natureza na Praça da
Estação. Essa medida gerou uma reação da população,
e as pessoas passaram a se articular para montar um
grande evento no local, que ocorreu em todos os
sábados do verão de 2010.
No vão de cimento da Praça, há um enorme chafariz,
que refresca as tardes quentes. O povo, então,
aproveitou para ocupar o espaço em trajes de banho,
em pleno centro da cidade, o que deu origem ao nome
Praia da Estação. No entanto, desde o primeiro
encontro, a Prefeitura passou a desligar a água do
chafariz. A solução, agora, é fazer uma “vaquinha” para
alugar um caminhão-pipa…
196/208ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
Assim como no Duelo de MCs, a Praia da Estação inspirou
uma série de encontros das juventudes interessadas em
repensar a utilização do espaço público da cidade. Até
um baile funk já foi realizado para celebrar o movimento e
convidar as demais pessoas a também deitarem no
cimento. O evento tornou-se um clássico de verão, e já
está em seu quinto ano. Uns falam que o movimento se
desvirtuou, outros, que ainda é um grande estímulo para
os mais jovens ocuparem as ruas.
Junto ao nascimento da Praia da Estação, foi inaugurado
o cabaré Nelson Bordello, uma alternativa para o público
interessado em opções de lazer alternativas. Esse espaço
funcionou do início de 2010 até meados de 2013, com a
proposta de unir, na noite, atrações musicais variadas.
Eventos de soul, MPB, rock, de música instrumental,
entre outros, aconteceram no local. No final de 2014, o
lugar foi reaberto com o nome de Baixo Centro Cultural.
Os tipos que frequentam o Duelo, o Bordello, o Maletta e a
Praia da Estação também começaram a construir, a partir
de 2009, um carnaval para a cidade. Belo Horizonte, que
por décadas não teve carnaval de rua, acabou ganhando
uma nova atração nos dias de momo. No começo, era algo
mais rock and roll, na porta do bar Brasil 41. Nos anos
seguintes, foi criado o Bloco da Praia, que lavava as
escadas da Prefeitura e depois seguia até o Brasil 41.
Agora, o carnaval da cidade cresceu exponencialmente e
os blocos foram institucionalizados, para que o governo
local tenha mais controle sobre o evento. No entanto,
alguns poucos blocos ainda funcionam de maneira
anárquica, negando-se a institucionalizarem-se e a
divulgar previamente o trajeto a ser percorrido.
Simultaneamente ao florescimento do carnaval,
aconteceu uma transformação no Edifício Maletta,
inaugurado em 1959 como o primeiro shopping center da
S RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUAA 197/208
cidade. O prédio, construído onde originalmente fora o
Grande Hotel, durante muito tempo esteve bem
abandonado. Porém, em 2010, houve uma renovação em
seu segundo andar, com a instalação de cafés, galerias
de arte e cada vez mais butecos, o que renovou também
o público noturno.
O Maletta é uma extensão do Baixo Centro. Está
localizado no coração da Rua da Bahia, na esquina com a
Avenida Augusto de Lima. Hoje, abriga o maior número
de sebos por metro quadrado do estado. Na época da
ditadura, era frequentado pelos militantes políticos, que,
quando perseguidos, eram acobertados pelo garçom da
Cantina do Lucas, seu Olympio, morto em 2003. Um dos
espaços culturais do Edifício Maletta, uma cooperativa de
garçonetes, recebe o nome de Olympia, em sua
homenagem.
Ao relembrar a história desse prédio, que é um ícone da
cidade, vislumbro que há uma espécie de Santíssima
Trindade do Baixo Centro. Não tem nada de reza, mas foi
em seus espaços que a população aprendeu a se religar:
Duelo, Praia e Maletta — os pontos de encontro das
juventudes do rolé.
Cartografia do movi
Pertinho da Praça da Estação, no nascedouro da Rua da
Bahia, está o CentoeQuatro, um espaço cultural para
exposições e eventos, com café e cinema, onde já
funcionou fábrica e lojão de tecidos. Divide um dos lados
da praça com o antigo Hotel Itatiaia, que hoje é um prédio
residencial colado no Centro Cultural UFMG. Ali é a boca
da Avenida Santos Dummont e da Rua Caetés, caminhos
que levam para a Rodoviária, para o Shopping Oiapoque
(ou simplesmente Shopping Oi) — criado como refúgio
198/208ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
para nossos antigos camelôs, mas que hoje está
dominado por famílias orientais –, e, claro, para os
hoteizinhos sujos de “sobe e desce”, famosos
nacionalmente por causa da Hilda Furacão.
Para os boêmios daquela área, tão legendária quanto à
figura de Furacão, é a figura do pixador Cossi. Bem ali na
Avenida dos Andradas, num dos antigos prédios da
Faculdade de Engenharia da UFMG, ele escreveu no topo:
“Na Cara da Rotam”. Ainda no final dos anos 1990, Cossi
tornou-se referência quase mitológica para os admiradores
do pixo Homem-Aranha style. Natural de Contagem, Cossi
chegou a escrever noutro prédio: “Prenda-me se for capaz”
e, pouco depois, foi preso em uma ação em que pixou, no
Cristo Redentor do Barreiro, “Ronadinho 49” (escrito
faltando uma letra, na correria da madrugada, quando
comemorava a contratação do jogador pelo Atlético
Mineiro). Numa sexta-feira, passando sob o viaduto Santa
Tereza, vi um moleque com o nome Cossi grafado a navalha
na nuca. Quis tirar uma foto, mas ele sumiu.
Nesse entorno, a via com o visual mais chamativo é a Rua
Sapucaí, que fica do outro lado, atrás da Praça da
Estação. O caminho liga os dois Viadutos mais antigos da
cidade — Floresta e Santa Tereza. Por toda a extensão da
rua, os imóveis ficam apenas de um lado, fazendo com
que só tenham numeração ímpar, de frente a uma longa
balaustrada. Nos primórdios, a Rua Sapucaí abrigou a
extinta Favela da Estação, uma das primeiras da cidade.
Dos prédios não residenciais construídos ali, a maioria
tinha funcionamento dedicado à Rede Ferroviária. Hoje,
há edifícios com empresas de telemarketing, faculdades e
até bar descolado. Entre a Rua Sapucaí e a linha do trem,
há uma via de paralelepípedos, com apenas um muro de
pedra em toda sua extensão, que há anos está inutilizada.
No miolo da Rua Sapucaí, desemboca o afluxo de
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pedestres do túnel de metrô que vem da Praça da Estação.
Quem passa por ali no cotidiano, tem uma breve sensação
de estar numa estação parisiense.
À altura da beleza da Rua Sapucaí, está o Viaduto Santa
Tereza, passagem para o Bairro Floresta, para a Avenida
do Contorno e para a região leste. Por ali, ao longo de
décadas, passou Toninho Horta, correndo em carros de
vários modelos, todos eles com o nome de “Manuel, o
Audaz”, um de seus hits. E já teve até bomba. Pois é… Ao
menos na ficção, explodiram o viaduto mais antigo da
cidade. Foi no curta “A Hora Vagabunda” (1997), obra que
marcou o cinema local.
Não poderia me esquecer da Serraria Souza Pinto,
localizada logo abaixo do Viaduto. Cem anos atrás, ali
estava a loja de materiais de construção de um
português. Uma big store com a facilidade de os
produtos serem escoados para o interior do estado pela
linha de trem. Posteriormente, nos anos 1980, o espaço
foi estacionamento e oficina, até que se tornou
propriedade pública e passou por reforma. Em 1994, o
local recebeu os shows de Chico Science & Nação Zumbi,
Raimundos e Planet Hemp, que vieram para o BH Rock
Independente Fest (BHRIF), um festival de bandas
iniciantes. Além disso, a Serraria recebe, a cada dois
anos, o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ).
Poesia e samba
Um que frequentou o Centrão no tempo dos bondes foi
Carlos Drummond de Andrade. Será que ele encontrou
“a pedra no meio do caminho” enquanto caminhava por
lá? Espécie de “vida loka” da juventude daquele tempo,
ele, juntamente com Pedro Nava e os modernistas de
primeira hora foram apelidados de “nefelibatas”, ou
200/208ARRUDAS RUAARRUDAS RUAARRUDAS RUARRUDAS RUAARRUDAS
seja, eram considerados intelectuais insurgentes.
Bem-nascidos e de “costas largas”, eram alvo de zombaria
por parte da imprensa local, que defendia o
parnasianismo. Quando estudante do Colégio Arnaldo,
Drummond conheceu figuras como Milton Campos
(governador de Minas Gerais de 1947 a 1951), com quem
participou até de queima de vagão em protesto contra
um aumento de passagens.
Desde que o Viaduto Santa Tereza foi inaugurado,
Drummond tinha por hábito escalar seus arcos, “esporte”
que praticou mesmo depois de ser pai de família. Era tão
viciado na adrenalina que chegou a levar dura da polícia.
Em 1934, foi trabalhar no Rio de Janeiro, mesmo ano em
que Noel Rosa, o poeta da Vila, veio tratar de tuberculose
em Belo Horizonte. Boêmio, também teve problemas com
a polícia no mesmo viaduto.
Drops 1 — Barraco no concreto
Ao escrever sobre artistas, boêmios e televisão, lembrei-me
do caso de um repórter televisivo que cobria um show de
rock extremo, realizado embaixo do Viaduto Santa Tereza,
em 2009. Na matéria, ele mencionava um “evento punk”, mas
in loco soltou algo como: “punk e metal, tudo a mesma
coisa”. Mal sabia ele que o público não levaria desaforo pra
casa. Era um evento de punk/hardcore com cinco bandas
locais, uma banda paulista e outra tcheca. Imagino que o
pessoal presente não fosse do tipo que assiste TV e se
simpatiza com a narrativa midiática… Alguns punks acharam
aquilo uma afronta e se aproximaram do jornalista,
inicialmente se esfregando nele, como se estivessem
dançando mambo. Depois, deram uns pescotapas, fazendo
com que o mal informado se tornasse vítima. Logo a
emissora transformou o fato num circo jornalístico, rendendo