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Voltámos! – Revista FENACERCI 2022

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Published by susad-design, 2022-12-05 11:38:29

Revista Fenacerci 2022

Voltámos! – Revista FENACERCI 2022

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EDITORIAL RE VISTA FENACERCI 2022

Joaquim Pequicho “Enquanto houver
Administrador Executivo da FENACERCI estrada para
andar a gente
vai continuar”

N os versos do poema em como um espaço de abertura orga- ção e crescimento inclusivo. As em-
que Jorge Palma entoa nizacional, de transparência naquilo presas sociais e o enquadramento
o conforto de que não que fazemos ou dos sonhos por rea- legal reclamado pela Silvia Ferreira
vamos parar - mesmo lizar, da manifestação de sorrisos e deixam-nos um sabor ambíguo. São
perante o infortúnio que nos abalou alegrias que nos enchem de afeto, muitos os escritos que encontramos
com a ausência do Rogério Cação, de encontro de amizades e espaços nas folhas que se seguem e que nos
ou com a situação pandémica ou de partilha unidos pela missão e, despertam curiosidade no aprofun-
a crise imposta por uma guerra in- essencialmente, de muitos abraços damento de algumas matérias.
compreensível – encontramos es- registados nas palavras e imagens Tempo em que alguns partiram, são
perança e futuro. Uma coisa é certa: partilhadas. as memórias que nos conduzem
nada voltará a ser igual, e na adver- Em 2022, contamos com o intelec- à solidariedade nas suas distintas
sidade encontraremos o caminho! to de Adriano Moreira que à data cores, nos sabores que nos dife-
Mas temos que ser capazes de dar desta publicação deixa um legado renciam e nos valores que encon-
uma resposta positiva e de esperan- de escritos e pensamentos. O reco- tramos em Histórias Com O Tempo
ça face às dificuldades. nhecimento de capacidade de resi- Contado.
"Enquanto houver estrada para an- liência das organizações, expressa E se nos des(organizássemos)? É a
dar a gente vai continuar"…esta é nas palavras de António Costa. A expressão da inquietação de muitos
a maior manifestação de interesse preocupação com a realidade da dos nossos dirigentes e a certeza
que podemos coletivamente assu- população portuguesa com eleva- que o caminho é um longo e grande
mir. A nota de abertura desta edição do risco de pobreza sinalizada pela desafio que sempre fizemos a andar.
da revista não se pode dissociar da Susana Peralta e Mariana Esteves. Por nós, a Carla, o Jorge, o Pedro, a
sua razão de ser que, durante mui- O compromisso da Sónia Almeida Salete, a Juliana, a Lisandra, o Dio-
tos anos, o Rogério Cação manteve na mobilização da Garantia para a go, o Rogério, o Filipe, a Açucena, o
na sua firmeza, inteligência e mes- Infância e do seu contributo para Fernando, o Fábio e muitos outros,
tria na arte de bem navegar. Nem uma sociedade verdadeiramente abraçam-nos no seu íntimo e afeto.
sempre por águas calmas e muitas inclusiva. O investimento público E, por falar em abraços, venha de
vezes com demasiados arrais, não assumido por Ana Mendes Godinho lá esse abraço e a certeza que “a
tão poucas as vezes assentes em com a missão de construirmos um gente não vai parar”. Temos todas
lógicas de navegação à vista. Teve presente e um futuro que promova as razões para continuar” enquanto
sempre a lucidez de afirmar a revista igualdade de oportunidades, inova- houver ventos e mar”.

–1–

FICHA TÉCNICA

Diretor: Joaquim Pequicho Tiragem: 1500 exemplares

Coordenação de Edição: Ana Rita Peralta Propriedade:
FENACERCI – Federação Nacional de Cooperativas
Conselho de Administração: Ana Brás, Joaquim de Solidariedade Social
Pequicho, Rosa Neto, Julieta Sanches Rua Augusto macedo, nº 2ª – 1600-794 Lisboa

Apoio Logístico: Lucília Carrondo, Núria Shocron, [email protected]
Jorge Duarte, Vânia Oliveira
www.fenacerci.pt
Colaboração:
ACIP; Açucena Santos; Adriano Moreira; Ana https://www.facebook.com/FENACERCI
Guiomar; Ana Mendes Godinho; Ana Van Krieken;
Andreia Capataz; António Costa; António Matias; https://www.istagram.com/fenacerci
Carla Luís; Carla Rodrigues; Carolina Moreira;
Catarina Santos; Cátia Freitas; CECD; CEERDL Depósito Legal:
CERCIAG; CERCIAMA; CERCIBRAGA; CERCICA; 77867/94 ISSN 0872-7945
CERCICAPER; CERCICOA; CERCIDIANA Número de Registo na ERC – 126446
CERCIESPINHO; CERCIFAF; CERCIFEIRA; NIPC – 501562966
CERCIGAIA; CERCIGUI; CERCILEI; CERCIMAC
CERCIMARANTE; CERCIMB; CERCINA; Todos os artigos que integram a Revista FENACERCI são da
CERCIOEIRAS; CERCIPENICHE; CERCIPOM inteira responsabilidade dos seus autores, não se vinculando a
CERCIPÓVOA; CERCITOP; CERCIVAR; Federação às opiniões emitidas pelos mesmos.
CERCIZIMBRA; Clientes do Lar Residencial Amélia Esta publicação encontra-se escrita ao abrigo do novo acordo
Mota; Conceição Arede; Dina; Diogo; Fábio Miguel; ortográfico.
Fabrício Martins; Fernando Pitz; Filipe Almeida; Filipe
Gomes; Inês Cação; Isabel Pinho; Isabel Pinto; Joana Estatuto Editorial
Caetano; Jorge Pereira; José Bourdain; José Luís A Revista FENACERCI é uma Revista Anual de informação
Peixoto; José Tornada; Juliana; Lisandra; Lizandra geral que pretende dar, através do texto e da imagem, uma
Carvalho; Lourenço Ortigão; Luísa Carvalho; ampla cobertura dos mais importantes e significativos
Manuel Maria; Manuela Vieira; Maria João Domingos; testemunhos em todos os domínios de interesse na área
Maria José; Mariana Esteves; Marisa Oliveira; Mercês dos Direitos da População com Deficiência Intelectual e/ou
Rodrigues; Patricia Lopes; Pedro Chagas Freitas; Multideficiência;
Pedro Leitão; Pedro Silva; Rocco di Bernardo; A Revista FENACERCI é independente do poder político, do
Rogério Nogueira; Rui; Rui Veiga; RUMO; Salete; poder económico e de quaisquer grupos de pressão;
Salete Costa; Sara Ferreira; Silvia Ferreira; Sónia A Revista FENACERCI identifica-se com os valores da
Almeida; Sónia Santos; Susana Peralta; Vera Vaz Democracia Pluralista e Solidária;
A Revista FENACERCI rege-se, no exercício da sua atividade,
Fotografia de Autor: Ana Rita Peralta pelo cumprimento rigoroso das normas éticas e deontológicas
(Capa e Contracapa) do jornalismo;
A Revista FENACERCI defende o pluralismo de opinião, sem
Conceção Gráfica: prejuízo de poder assumir as suas próprias posições;
Design & Forma A Revista FENACERCI pauta-se pelo princípio de que os
Centro Empresarial de Carnaxide factos e as opiniões, devem ser claramente separados: os
Av. Tomás Ribeiro nº 47 – 4ºA primeiros são intocáveis e as segundas são livres. Em vigor
2790-463 Carnaxide desde a fundação da Revista.

Impressão:
A3- Artes Gráficas
Estrada Nacional 8, nº 34
2565-646 Ramalhal – Torres Vedras

–2–

ÍNDICE REVISTA FENACERCI 2022

04 72

Mensagem Nós por nós próprios
de abertura
82
06
Venha de lá
Opinião esse abraço

22 92

Histórias com o tempo Lista de
contado Associadas
Cores, sabores e valores
96
48
Ponto Final
CERCI`s
O caminho faz-se a andar

–3–

Mensagem
de Abertura

António Costa
Primeiro Ministro de Portugal - XXIII Governo Constitucional

–4–

RE VISTA FENACERCI 2022

A pós dois exigentes anos Sabemos que combater a precariedade que tan-
de pandemia, uma guer- a conjuntura é tos afetou durante a pandemia. E
ra brutal na Europa veio adversa, mas em janeiro deste ano, generalizá-
testar de novo a nossa sabemos também mos também ao País as medidas
resiliência. Uma guerra com con- que uma economia de apoio ao cuidador informal e
sequências devastadoras no pla- sã exige um pessoa cuidada, nas quais se inclui
no humanitário e que acrescentou compromisso o subsídio de apoio ao cuidador in-
também uma enorme incerteza às inabalável com os formal principal, o direito ao acom-
nossas vidas. valores de uma panhamento e aconselhamento, e
Sabemos que a conjuntura é ad- sociedade digna: o direito à participação em grupos
versa, mas sabemos também que a melhoria das de autoajuda e sessões de capaci-
uma economia sã exige um com- condições de vida, tação e formação para o cuidador.
promisso inabalável com os valores a igualdade de Será também este o caminho que
de uma sociedade digna: a melho- oportunidades, trilharemos no futuro, tendo em
ria das condições de vida, a igual- a eficácia das vista a criação de uma sociedade
dade de oportunidades, a eficácia políticas sociais, mais forte, mais coesa e mais in-
das políticas sociais, o combate à o combate clusiva, preparada para enfrentar
pobreza, à exclusão social e às de- à pobreza, à futuras adversidades. Por isso, lan-
sigualdades. exclusão social e çámos em 2020 uma nova edição
Foi esse o caminho que trilhámos às desigualdades. do Programa de Requalificação e
nos últimos anos, com medidas Alargamento da Rede de Equipa-
com efeitos concretos na vida dos mentos e Respostas Sociais (PA-
portugueses, como o aumento em RES 3.0), com o objetivo de me-
40% do salário mínimo nacional, a lhorar a oferta dos equipamentos
Prestação Social para a Inclusão, sociais na área da infância, dos
que abrange já mais de 121 mil be- idosos, e das pessoas com defi-
neficiários, ou o Modelo de Apoio ciência. Um investimento que re-
à Vida Independente, que apoia, forçámos depois com o Programa
com assistência pessoal, cerca de de Recuperação e Resiliência. Em
985 pessoas com deficiência em conjunto, o PARES 2.0 e 3.0 e o
Portugal continental, permitindo a PRR representam um investimento
sua autonomia e participação cida- de mais de 700M€, a maior verba
dã, ou aprovando a Estratégia Na- de sempre mobilizada para inves-
cional para a Inclusão das Pessoas timento social, que permitirá inter-
com Deficiência 2021-2025. vencionar cerca de 53 mil lugares
É este também o caminho que tri- em respostas sociais.
lhamos agora. Tal como na pande- Este impulso, construído de mão
mia, em que mobilizámos mais de dada com o setor social e solidário,
5,5 mil milhões de euros em medi- traduz o nosso empenho em me-
das extraordinárias da Segurança lhorar a qualidade de vida, a igual-
Social, o orçamento deste ano ga- dade de oportunidades e a plena
rante 2,3 mil milhões de euros para inclusão dos mais vulneráveis.
reforçar os rendimentos das famí- Esta é a nossa visão, este é o nos-
lias e mitigar o impacto geopolítico. so desígnio de ontem, hoje e ama-
No plano legislativo, aprovámos a nhã: construir, em conjunto, uma
Agenda do Trabalho Digno para sociedade melhor.

–5–

OPINIÃO

Saber ler os outros é uma competência importante para
quem trabalha na área da solidariedade social. Mas saber
ler o que os especialistas escrevem sobre as áreas onde
atuamos, é definitivamente, o que nos ajuda a repensar
muitas vezes o que fazemos e como podemos fazer melhor.
A vossa opinião conta e por isso, a todos os que
contribuíram, o nosso imenso obrigado.

CERCIGUI



OPINIÃO

A OTAN

Adriano Moreira O regresso dos EUA im- segurança e defesa. Portugal não
Advogado, professor universitário de plicou, sobretudo em poderá perder a suficiência de não
ciência política e relações internacio- França, a revisão do esquecer a decisão que a imposi-
nais e político português desabafo do Presiden- ção exigia imperativamente a base
te Macron que há tempos declarou dos Açores durante a Guerra de
que “a OTAN sofre de morte cere- 1939-1945, os EUA ao dar a ordem
bral”, quando evidenciou que ha- de retirar sem considerar o dever
via uma visível falta de estratégia de indemnizar o Arquipélago. O
coordenada, sobretudo em relação que não impediu a organização de
ao Médio Oriente e à Rússia. Este passar pelo que foi chamado “crise
conceito levou críticos a concluir, existencial” porque o Orçamento
quanto aos interesses da Europa, exigia reforço, o que afetou mais
que esta teria de decidir refazer-se uma vez as relações entre esses
ou desfazer-se, uma situação que EUA e a União Europeia. Foi por
levou um General americano, no 2001 que a experiência do passa-
fim do seu comando na Europa; do, ao sofrer a agressão das Torres
a dizer que o panorama anuncia- Gémeas, com o terrorismo que de-
va guerra, no período de 10 anos. monstrou a sua capacidade, que
Sendo analista autorizado, como nem deixou de recordar que o go-
militar, via comprometido o futuro verno Russo tornasse público que
da Europa. O período da previsão as suas fronteiras geográficas não
da crise tornou-se mais evidente, limitavam a fronteira dos seus in-
exigente de previsões, quando o teresses. Foi, nesse ano 2001, que
problema da relação com a Rús- o Secretário Geral da OTAN reuniu
sia se agravou com a esponta- um grupo de especialistas sobre
neidade sem passado do fim da o futuro político da organização.
presidência em vigor dos EUA. O Presidente Macron não deve
A própria OTAN teve essa crise, ter recebido qualquer opinião de
aquela que o Presidente Macron confiança. Apesar desta evolução
adjetivou mostrando inquietação do fraco contra o forte, a inquie-
quanto à possibilidade de manter tação com uma possível iniciativa
a esperada capacidade de orga- de agressão da Rússia, expressa-
nização, sem uma séria convicção mente avaliada nas instâncias pela
de Washington não alterar o sta- OTAN, nos temas da “Defesa, Dis-
tu quo, enquanto lhe parecia que suasão, Diálogo”, exigindo sempre
a aliança era mais política do que Diffusion, Dissuasion, Dialogue,
militar, de tal modo que o Brexit do Cash, Capability, Contributions”.
Reino Unido aumentou a necessi- Nos enunciados de possíveis di-
dade de a Europa organizar a sua ferenças de pensamento entre os

–8–

RE VISTA FENACERCI 2022

EUA e os europeus, destacaram- A próxima geração que exige no pluralismo da OTAN,
-se, como exemplo, que alguma não vai receber mas ligados por aliança segura,
vez pretendessem acrescentar uma relação com abundância dos interesses
territórios que foram antes de ou- segura entre de cada uma das partes. A situa-
tro membro, Trump que esquecia globo e a parcela ção do globo parece todavia exigir
que os EUA foram sempre ligados do globo em que mais atenção à unidade do género
ao Atlântico. Esta casa, que foi in- nascer. A geração humano, a qual não será bem ser-
quietante durante o inquietante que consiga a paz, vida por uma nova geração de mu-
mandato do anterior Presidente, vai necessitar de ros que foi o passado das guerras
viu nascer uma esperança, quando reformar o direito, que estão descritas na história de
Joe Biden, antigo Vice-Presidente para superar o todos e cada um dos povos, com
de Obama, em 2008, no serviço de risco. diferenças de etnia, de cultura, de
segurança em Munich, disse – “We religião. Em França está divulgada
Will be back”. Como deste modo, a informação sobre o estado do
com serenidade, mostrou a segu- globo, que é a seguinte: “La Grand
rança da ética que possui, a invo- Basculment?”. Trata da questão
cação da ONU no sentido da “terra mundial da saúde, do clima, do
única”, e de paz de todas as etnias e Covid-19, da situação de paz circu-
culturas. Não vencerá talvez neste lando o terrorismo, do despovoa-
primeiro mandato todos os objeti- mento de largas áreas e migrações
vos corretores das arbitrariedades sem disciplina, das novas tecnolo-
que pretende corrigir, mas segu- gias, da necessidade de um redefi-
ramente deixará uma lembrança nido Direito Internacional: a Segu-
justificadora de quem herdar o rança e Defesa precisam de novas
passado, sem benefício de inven- evidências e valores. A próxima
tário, a que dedica a sua fidelidade geração não vai receber uma rela-
para o seu Estado de nascimento, ção segura entre globo e a parcela
dos povos de origem dos seus as- do globo em que nascer. A gera-
cendentes (Irlanda) e os valores ção que consiga a paz, vai neces-
que publicamente recordou, an- sitar de reformar o direito, para su-
tes da sua atual eleição, recebidas perar o risco. Sobretudo mobilizar
dos seus avós. É já evidente que os grupos de judeus que não que-
não faltarão obstáculos difíceis à rem conflitos com muçulmanos,
vigência de todos os valores que que um muçulmano que tem igual
pertencem à doutrina pública do posição contra judeus, da coope-
seu passado, não apenas pela in- ração das religiões diferentes mas
tervenção publicamente agressiva que entendem que só há um Deus.
do seu antecessor mas também Este ponto foi sublinhado pela visi-
pelo seu contrário pensamento ta do Papa Francisco ao Iraque.

–9–

OPINIÃO

Uma missão, estou certa,
que nos move e nos une
a todos

Ana Mendes Godinho V ivemos tempos atípicos, Depois de uma
Ministra do Trabalho, que nos desafiam diaria- dura pandemia,
Solidariedade mente e nos incitam a que afetou a vida
e Segurança Social de Portugal reinventar, a simplificar de todos, e que
processos e a criar soluções perso- só conseguimos
nalizadas e humanizadas, que vão ultrapassar devido
ao encontro das necessidades das ao esforço conjunto
pessoas mais vulneráveis e das fa- e à mobilização
mílias em geral. extraordinária
Depois de uma dura pandemia, do setor social,
que afetou a vida de todos, e que enfrentamos agora
só conseguimos ultrapassar de- as consequências
vido ao esforço conjunto e à mo- de uma guerra
bilização extraordinária do setor na Europa, com
social, enfrentamos agora as con- impacto direto nas
sequências de uma guerra na Eu- nossas vidas.
ropa, com impacto direto nas nos-
sas vidas. Os desafios sociais são
diversos e cada vez mais comple-
xos e exigem soluções estruturais,
como as que temos vindo a imple-
mentar, mas também, respostas
sociais inovadoras.
Vivemos tempos onde a mobiliza-
ção coletiva é essencial para ga-
rantirmos que, como sociedade,
construímos um presente e um
futuro que promove igualdade de
oportunidades, condição crítica
para a inovação e para o cresci-
mento inclusivo.
Foi com esta convicção, de que só
uma sociedade que inclui todas as
pessoas pode concretizar o seu
verdadeiro potencial, que aprová-
mos a Estratégia Nacional para a
Inclusão das Pessoas com Defi-
ciência 2021 – 2025 (ENIPD), tendo
sempre como referência os prin-

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RE VISTA FENACERCI 2022

cípios da Convenção das Nações Estamos a Acessibilidade e da Inclusão dos
Unidas sobre os Direitos das Pes- promover a Museus, Monumentos e Palácios
soas com Deficiência, ratificada capacitação de na dependência da Direção-Geral
por Portugal em 2009, bem como, instituições e do Património Cultural (DGPC) e
as recomendações do Comité das comunidades para das Direções Regionais de Cultura
Nações Unidas sobre os Direitos a autonomização e 2021-2025 (EPAI 2021-2025), um
das Pessoas com Deficiência e os vida independente instrumento inovador e estruturan-
objetivos da Agenda 2030 para o de pessoas com te que, finalmente, surge no contex-
Desenvolvimento Sustentável. deficiência, com to da cultura e começa a dar pas-
A ENIPD 2021-2025 vem consoli- previsão de sos fora do contexto nacional.
dar os progressos já alcançados e verbas PRR que Conseguimos avanços significati-
perspetivar o futuro, reforçando o vão permitir a vos ainda na área da cultura e la-
compromisso com a inclusão das intervenção em zer, com a introdução de linguagem
pessoas com deficiência, nomea- mais 900 lugares adequada e sinais pictográficos e
damente pessoas com deficiência em Centros com programas como o “Festivais
intelectual, cognitiva ou do desen- de Atividade e Acessíveis” e o “Praia Acessível”,
volvimento, assumido como uma Capacitação para a que só este ano se alargou a mais
das prioridades da ação governa- Inclusão e mais 240 10 praias nacionais, assim como,
tiva, para promoção de uma socie- em Residências de na área do emprego e formação
dade que se quer mais justa, mais Autonomização e profissional com a promoção da
solidária, que respeita a diversida- Inclusão. acessibilidade das pessoas com
de e a encara como um fator de deficiência à oferta formativa dos
riqueza e de progresso. centros de formação profissional.
Procurámos, desde já, atuar na Outra área extremamente relevante
área da promoção das acessibi- diz respeito aos cuidadores infor-
lidades, quer através da criação mais. Em janeiro deste ano, alar-
da “Plataforma + Acesso”, que se gámos a todo o território nacional
encontra em fase final de concur- as medidas de apoio ao cuidador
so público e que vai disponibilizar informal, nas quais se incluí o sub-
informação e novas soluções digi- sídio de apoio ao cuidador informal
tais para as pessoas com deficiên- principal e o direito a períodos de
cia, quer através da eliminação de descanso, e estamos já a trabalhar
barreiras arquitetónicas, com o na formação e capacitação do cui-
lançamento de programas de in- dador informal para a prestação de
tervenção nas vias e edifícios pú- cuidados às pessoas com deficiên-
blicos e nas habitações, com um cia em situação de dependência.
investimento na ordem dos 45 mi- Muitos são os desafios que temos
lhões de euros, no âmbito do PRR. pela frente, mas muitos passos já
Estamos a promover a capacitação foram dados nas várias áreas onde
de instituições e comunidades para precisamos de atuar para garantir a
a autonomização e vida indepen- inclusão e bem-estar das pessoas
dente de pessoas com deficiência, com deficiência.
com previsão de verbas PRR que Continuaremos esta aposta na
vão permitir a intervenção em mais construção coletiva de respostas
900 lugares em Centros de Ativida- sociais que promovam a dignida-
de e Capacitação para a Inclusão e de, a independência, a liberdade
mais 240 em Residências de Auto- de escolha, a igualdade de oportu-
nomização e Inclusão. nidades e da participação plena e
Num esforço conjunto entre áreas ativa das pessoas com deficiência
governativas, aprovámos a Estra- em todos os domínios da vida e da
tégia Nacional de Promoção da sociedade.

– 11 –

OPINIÃO

Novas respostas sociais – um
desafio de inovação social

Filipe Almeida Ainovação social tem experiência, é agora necessário
Presidente da Estrutura de Missão vindo a tornar-se no e urgente mobilizar toda a ener-
Portugal Inovação Social século XXI um dos prin- gia para modernizar e qualificar
cipais paradigmas da o setor, para atrair a juventude e
forma como se pensam e como melhorar a qualidade e diversi-
se desenham soluções para res- dade geral das respostas. E essa
ponder aos complexos desafios modernização passa pela evolu-
sociais que enfrenta a Humani- ção da narrativa sobre o potencial
dade. Questionando as respos- do setor, pela profissionalização
tas existentes, a sua adequação, da gestão, pela digitalização dos
o seu modelo de financiamento e processos, por uma comunicação
principalmente a sua suficiência, a mais eficaz e pela medição e ava-
inovação social desafia o setor pú- liação de impacto.
blico a definir novas soluções de O impacto social tem vindo a con-
investimento e de contratação, o solidar-se como referência para
setor da Economia Social a avaliar avaliar a eficácia de políticas, de
o seu impacto, os cidadãos a en- práticas e de metodologias de in-
volverem-se na solução e o setor tervenção especialmente orienta-
privado a comprometer-se com a das para responder a problemas
mudança social. Além destes de- sociais e combater desigualdades.
safios concretos para cada setor, Medir, avaliar e comunicar o im-
convoca todos a coconstruir novas pacto social é atualmente um dos
soluções, pressupondo e provo- meios mais eficazes para melhorar
cando parcerias intersetoriais que, processos e a qualidade das res-
transpondo fronteiras, permitam postas, para aumentar a visibilida-
gerar uma real transformação nas de das organizações, para atrair
relações sociais, na autonomia e reter talento, e para mobilizar
dos segmentos mais vulneráveis investimento. As organizações da
da sociedade e na possibilidade Economia Social têm, pela natu-
de cada pessoa poder desenvolver reza da sua intervenção, impactos
um projeto de vida significativo. A sociais muito relevantes, mas que
estas mudanças chama-se hoje raramente são avaliados e quan-
em dia impacto social. tificados. Segundo o Inquérito ao
O vasto setor da Economia So- Setor da Economia Social publi-
cial, em Portugal, que inclui des- cado pelo INE, em 2018 cerca de
de associações a cooperativas, 93% das organizações deste se-
passando pelas misericórdias e tor não haviam realizado qualquer
mutualidades, entre várias outras diligência para medir o impacto
formas de associação ou até novas social das suas intervenções e
abordagens empresariais, sempre atividades. Com as metodologias,
foi o berço original de muitas ino- o conhecimento e a experiência
vações sociais. Aproveitando essa atualmente disponíveis, é uma

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RE VISTA FENACERCI 2022

O setor da oportunidade desperdiçada não dos modelos de intervenção exis-
Economia Social o fazer. A gestão de impacto será tentes, é importante criar rotinas
respondeu muito provavelmente uma das profissões de melhoria contínua para pro-
bem e de forma do futuro em todos os setores. mover inovação incremental nos
transversal A iniciativa pública Portugal Ino- métodos, e também procurar e
ao desafio e à vação Social, criada com a dupla experimentar soluções diferencia-
oportunidade que a missão de promover a inovação das, alternativas, para responder
Portugal Inovação social e dinamizar o investimento aos problemas sociais em que as
Social constitui de impacto em Portugal, mobilizou organizações da Economia Social
para experimentar verbas do Fundo Social Europeu já são especialistas. Uma cultura
novas soluções. no âmbito do Acordo de Parceria de inovação entre os colaborado-
Portugal 2020 para financiar, em res, inspirada pela visão dos di-
parceria com investidores sociais rigentes, e que convoque para o
públicos e privados, projetos ino- processo criativo outros agentes
vadores que visem experimentar ou a própria comunidade é uma
novas abordagens para problemas garantia de melhores respostas,
sociais. Até outubro de 2022 foram mais sustentáveis e com maior po-
aprovadas 694 candidaturas em tencial de impacto.
todo o território nacional continen- Num país a envelhecer, com níveis
tal, representando cerca de 100 salariais baixos, com um tecido
milhões de euros de financiamento empresarial ainda muito fragmen-
do Portugal 2020, a que acrescem tado e pouco qualificado, com
cerca de 50 milhões de euros de grandes assimetrias territoriais e
investimento social complementar exposto aos desafios extremos e
por outras entidades. A maioria iminentes das alterações climáti-
das 477 organizações promotoras cas, é fundamental e urgente ex-
destes projetos são, como seria de perimentar e desenvolver novas
esperar, entidades da Economia respostas sociais, não apenas
Social, incluindo mais de 300 as- corretivas, mas também e sobre-
sociações, 36 misericórdias e 28 tudo preventivas e promotoras do
cooperativas. Entre estas, contam- potencial subaproveitado dos seg-
-se também associadas da FENA- mentos mais vulneráveis da socie-
CERCI, como a CERCIPENELA, de dade, incluindo naturalmente as
Penela, a CERCICAPER, de Casta- pessoas com deficiência intelec-
nheira de Pêra, e a CERCIGUI, de tual e multideficiência. É no setor
Guimarães. da Economia Social, e dentro dele
O setor da Economia Social res- também no contexto cooperativo,
pondeu muito bem e de forma que algumas dessas novas solu-
transversal ao desafio e à oportu- ções podem e devem nascer. Sai-
nidade que a Portugal Inovação bamos todos, em todos os setores,
Social constitui para experimentar entender o nosso tempo e fazer
novas soluções. Apesar da eficácia cada um a sua parte.

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OPINIÃO

Pobreza
e privação entre
a população
com deficiência

Susana Peralta U ma fonte útil para ca- também que existem 437 mil pes-
Professora de Economia raterizar as condições soas benificiárias de prestações
na Nova SBE de vida das populações sociais monetárias por doença ou
com incapacidade é o acidente e/ou prestações sociais
Mariana Esteves Inquérito às Condições de Vida e monetárias por proteção na invali-
Investigadora na Nova SBE do Rendimento, um inquérito repre- dez em Portugal. Destas, 70% têm
sentativo anual, que é considerado limitações em executar atividades
a fonte de referência para análises habituais devido a doença ou pro-
comparativas sobre inclusão social blemas de saúde.
e distribuição do rendimento na Mesmo com estas transferências
União Europeia. Ainda assim, não sociais, 20,3% destes indivíduos
existe neste inquérito uma variável eram pobres em 2020, em com-
que permita distinguir de forma paração com 14,6% da população
clara a população com deficiência. sem qualquer limitação. Em Por-
Usámos por isso o indicador mais tugal, o limiar da pobreza, isto é,
aproximado, também utilizado pelo o rendimento a partir do qual se
Eurostat: o grau de limitação em considera que uma pessoa é po-
atividades habituais por doença ou bre é, atualmente, 6480€ por ano.
problemas de saúde. Isto significa que existem quase
Cerca de 67% da população portu- 570 mil pessoas com deficiência a
guesa com um grau alto ou muito viver com 540€ ou menos por mês.
alto de limitação de atividade devi- Outra dimensão de exclusão so-
do a doença ou problema de saú- cial para a qual vale a pena olhar
de estaria em risco de pobreza se é a privação material. Utilizando
não existissem prestações sociais, várias dimensões de bem-estar,
subsídios ou pensões. São os da- o Eurostat define que estão em
dos impressionantes do Inquérito privação material severa aqueles
às Condições de Vida e Rendimen- que não têm acesso a quatro das
to (ICOR) de 2020, que mostram nove dimensões1. Cerca de 8%

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RE VISTA FENACERCI 2022

Viver com alguma dos indivíduos com deficiência vi- tavelmente, fragiliza ainda mais a
incapacidade é viam em privação material severa, sua condição. Em 2020, os últimos
um desafio que o que contrasta com cerca de 3% dados do ICOR apontam para uma
cada indivíduo entre pessoas sem qualquer limi- taxa de desemprego de quase 30%
tem de enfrentar tação. As carências habitacionais entre os indivíduos em idade ativa
diariamente, nas são também bastante marcadas com deficiências ou incapacida-
várias dimensões neste grupo. Uma em cada quatro des. Os dados censitários de 2011
da sua relação pessoas vive em casas onde entra registaram mais de 78 mil crian-
com a sociedade humidade ou está apodrecida. No ças e alunos com necessidades
que o rodeia. caso da população com deficiên- especiais de educação (NEE) que
Infelizmente, os cia, esta percentagem sobe para frequentavam escolas regulares
dados existentes cerca de 31%. de ensino. Este número tem vindo
mostram que As dimensões utilizadas são: a ca- a crescer, segundo as estatísticas
também é uma pacidade para assegurar o paga- da Direção-Geral de Estatísticas
fonte de privações mento imediato de uma despesa da Educação e Ciência, que apon-
várias e de pobreza. sem recorrer a empréstimo, para ta para cerca de 87 mil alunos com
manter a casa adequadamente NEE no ano letivo 2017/18. Nesse
aquecida, para ter uma refeição de ano, existiam 7518 docentes com
carne, peixe (ou equivalente vege- funções de educação especial nas
tariano), pelo menos de dois em escolas públicas portuguesas, ou
dois dias, para pagar uma semana seja, cerca de 1 professor por cada
de férias por ano fora de casa, pos- 12 crianças e alunos com NEE.
suir televisão a cores, máquina de Viver com alguma incapacidade é
lavar roupa, automóvel, telefone e um desafio que cada indivíduo tem
atrasos em pagamentos de rendas, de enfrentar diariamente, nas vá-
encargos ou despesas correntes. rias dimensões da sua relação com
O mesmo acontece com outras di- a sociedade que o rodeia. Infeliz-
mensões de privação habitacional: mente, os dados existentes mos-
26% não consegue manter a casa tram que também é uma fonte de
aquecida, quase 7% vive sem luz privações várias e de pobreza. As
suficiente no alojamento e ainda dificuldades acrescidas que advêm
1% vivem em casa sem instalações das suas limitações, fragilizam es-
de banho ou duche no interior. pecialmente esta população e, por
Para além do ICOR, temos o Cen- isso, é essencial analisar as políti-
sos que infelizmente só nos chega cas públicas e os seus efeitos com
uma vez por década. Este ano foi especial atenção. Apesar disso,
ano de censos; quando saírem os existem ainda poucos dados que
resultados será importante compa- permitam uma análise cuidada, o
rar a evolução do número de pes- que limita a nossa capacidade co-
soas com deficiência ou incapaci- letiva, enquanto sociedade, de de-
dade e em que condições vivem. senharmos políticas que ajudem a
Os últimos dados disponíveis, de partilhar o risco da incapacidade.
2011, havia quase 13 mil indivíduos Recolher informação é um passo
com deficiências ou incapacida- essencial para construir uma so-
des desempregados, o que inevi- ciedade inclusiva.

1As dimensões utilizadas são: a capacidade para assegurar o pagamento imediato de uma despesa sem recorrer a empréstimo, para manter
a casa adequadamente aquecida, para ter uma refeição de carne, peixe (ou equivalente vegetariano) pelo menos de dois em dois dias, para
pagar uma semana de férias por ano fora de casa, possuir televisão a cores, máquina de lavar roupa, automóvel, telefone e atrasos em paga-
mentos de rendas, encargos ou despesas correntes.

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OPINIÃO

Garantia para a Infância

Reflexão sobre os instrumentos de política
pública na área das crianças e jovens
com deficiência

Sónia Almeida A existência de pobreza in- A pobreza multifatorial condiciona
Coordenadora Nacional fantil na Europa tem de- largamente as possibilidades das
para a Implementação da Garantia terminado a emergência crianças e jovens ambicionarem
para a Infância em Portugal de tomada de decisões uma vida digna e próspera, mas fa-
que consubstanciem uma rutura tores adicionais de vulnerabilidade
com essa realidade. Nesse sentido, podem criar desvantagens especí-
a União Europeia deu recentemen- ficas que deverão ser equaciona-
te passos importantes, através da das e enquadradas na definição de
tomada de iniciativas como a Es- políticas públicas (cfr. Recomen-
tratégia Europeia dos Direitos da dação UE 2021/1004 do Conselho,
Criança, o Plano de Ação para o Ponto 5).
Pilar Europeu dos Direitos Sociais As crianças e jovens com deficiên-
e a aprovação da Recomendação cia constituem um dos grupos de
da Garantia Europeia para a Infân- crianças e jovens com desvan-
cia, tendo Portugal o mérito da sua tagens específicas mencionadas
aprovação unânime durante a Pre- pela Recomendação Europeia de
sidência Portuguesa do Conselho. uma Garantia para a Infância.
A implementação da Garantia Eu- Apesar das melhorias registadas
ropeia para a Infância pretende as- de uma forma global nos últimos
sim traduzir uma nova abordagem anos, há que reconhecer que
integrada para enfrentar os aspe- quando nos referimos a crianças
tos multidimensionais da pobreza com deficiência, ainda estamos a
infantil, garantir o acesso de todas referir-nos a um grupo que devido
as crianças e jovens a serviços à sua condição se encontra expos-
considerados como essenciais, to a particular situação de vulne-
cuidados na primeira infância, rabilidade.
saúde, educação e participação Estas crianças e jovens, futuros
em atividades culturais e de lazer, adultos, enfrentarão barreiras que
alimentação saudável e habitação. podem comprometer o seu ple-
O combate à pobreza infantil está no desenvolvimento e qualidade
estreitamente ligado à defesa dos de vida caso não exista uma ação
seus direitos fundamentais. Trata- precoce, sistémica e integrada, de-
-se, pois, de adotar uma perspetiva vendo por essa razão ser promo-
de ação integrada e suficientemen- vidas e implementadas medidas
te abrangente e multidimensional que capacitem o meio e os seus
que se esgote na concretização do contextos de vida (familiar, escolar,
bem-estar completo de todas as profissional, social, etc.), por forma
crianças e jovens e na salvaguarda a garantir os seus direitos e a sua
de todos os seus Direitos. plena inclusão.

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RE VISTA FENACERCI 2022

A inclusão das pessoas com defi- vida, levou à recente aprovação da tização do direito à participação so-
ciência tem implicações transver- Estratégia Nacional para a Inclusão cial das crianças e dos jovens com
sais em todas as áreas das políticas das Pessoas com Deficiência (ENI- deficiência, releva-se a importância
públicas, devendo ser definidos ob- PD 2021 -2025) em Portugal. que assume uma intervenção pre-
jetivos concretos que guiem a ação A ENIPD assume como referência coce junto de crianças com altera-
política. os princípios da Convenção das ções ou em risco de apresentar al-
Um primeiro elemento fundamen- Nações Unidas sobre os Direitos terações nas estruturas ou funções
tal é o de considerar que se trata de das Pessoas com Deficiência, ratifi- do corpo, tendo em linha de conta o
uma realidade de natureza e carac- cada por Portugal em 2009, os seus seu normal desenvolvimento.
terísticas muito diversas, com graus comentários gerais, bem como, as A experiência de desenvolvimento
diferenciados de autonomia/fun- recomendações do Comité das Na- do Sistema Nacional de Interven-
cionalidade, e que, por essa razão ções Unidas sobre os Direitos das ção Precoce, criado em 2009, já
apelam à existência de políticas de Pessoas com Deficiência, os objeti- demonstrou as potencialidades
diferentes naturezas e que tenham vos da Agenda 2030 para o Desen- deste modelo de intervenção.
em conta a diversidade dos desa- volvimento Sustentável e as orien- Verifica-se, contudo, que o mode-
fios que se colocam a uma plena tações emanadas dos documentos lo urge ser melhorado com a ex-
inclusão, devendo essa diversidade estratégicos europeus (Pilar Euro- periência entretanto adquirida, de
ser tida em conta no desenho das peu dos Direitos Sociais, Estratégia forma a verificar-se a observância
medidas de política pública. Europeia da Deficiência 2010 -2021 dos seus princípios fundamen-
Nos últimos anos são vários os da União Europeia e Estratégia da tais. Com efeito, a necessidade do
exemplos de medidas de política Deficiência do Conselho da Europa cumprimento dos seus princípios,
pública que procuram promover 2017 -2023). nomeadamente o da universali-
a autonomia, participação e au- Os direitos das crianças com defi- dade do acesso aos serviços de
todeterminação das pessoas com ciência são igualmente sustentados intervenção precoce, implicará as-
deficiência, no sentido de criar as pela Convenção sobre os Direitos segurar um sistema de interação
condições necessárias para que da Criança e pelo artigo 7º da Con- entre as famílias e as instituições
participem de forma efetiva e ativa venção sobre os Direitos das Pes- e, na primeira linha, as de saúde,
na sociedade, em circunstâncias soas com Deficiência, ambas em de forma a que todas as crianças e
de igualdade com as demais. Sa- vigor no sistema jurídico português, jovens sejam devidamente identi-
lientam-se a Prestação Social para e que, entre outros aspetos, têm por ficados e acedam a este apoio tão
a Inclusão, o Regime Jurídico para referência a defesa dos direitos hu- rapidamente quanto possível. Sub-
a Educação Inclusiva, a criação manos e as liberdades fundamen- sequentemente, devem ser revigo-
do Programa «Modelo de Apoio à tais das crianças, o seu superior rados os mecanismos necessários
Vida Independente», a aprovação interesse, o direito de expressarem à definição de um plano individual
do novo Regime Jurídico do Maior livremente a sua opinião, de serem atendendo às necessidades espe-
Acompanhado, a criação do Esta- ouvidas e de terem a sua opinião to- cíficas de cada situação no âmbito
tuto do Cuidador Informal, a Pro- mada em consideração. da intervenção das equipas locais
moção da Empregabilidade das Igualmente nas Estratégias Nacio- de intervenção, de natureza mul-
Pessoas com Deficiência, a cria- nais para os Direitos das Crianças tidisciplinar, que representem os
ção de uma rede de “Balcões da (ENDC 2021-2024) e de Combate serviços que deverão intervir.
Inclusão” e a Promoção das Aces- à Pobreza (2021-2030), se encon- A Garantia para a Infância, asso-
sibilidades Físicas e Digitais. tram medidas dirigidas a crianças, cia-se ao compromisso de contri-
A necessidade de aprofundar o jovens e familiares com deficiência buir para uma sociedade verdadei-
trabalho realizado e de continuar a distribuídas transversalmente em ramente inclusiva, entendendo-a
desenvolver um conjunto de políti- várias áreas setoriais abrangidas como a que coloca em si própria
cas para a inclusão que se consti- pela recomendação da Garantia a responsabilidade da construção
tuam como instrumentos de efe- para a Infância, como sejam, edu- de uma consciência social coleti-
tiva igualdade de oportunidades, cação, saúde e habitação. va capaz de assumir a diversidade
capazes de debelar desvantagens Na linha da concretização de ins- como um valor acrescentado para
e limitações, e de garantir plena in- trumentos de política pública de a transformação das desvanta-
clusão e melhoria da qualidade de elevado alcance ao nível da concre- gens em oportunidades.

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OPINIÃO

Empresas Sociais

Que enquadramento e qual
o seu futuro em Portugal?

Sílvia Ferreira A s primeiras organiza- A União Europeia tem a sua quo-
Docente e Investigadora ções estudadas como ta parte de responsabilidade pela
da Faculdade de Economia empresas sociais em atual popularidade do conceito.
da Universidade de Coimbra Portugal foram as CER- Aliando o conceito à sua agenda
CI, em 2001, por Heloísa Perista, para a inovação e o empreende-
no âmbito de um projeto Euro- dorismo social criou a Social Busi-
peu da Rede EMES. O surgimento ness Innitiative, em 2011, para pro-
das CERCI, em 1975, não dista da mover as empresas sociais. Estas
emergência das cooperativas so- prioridades foram incluídas nos
ciais em Itália, que contribuiu sig- financiamentos europeus, como
nificativamente para a designação por exemplo, o Programa Europeu
e concetualização das empresas para o Emprego e a Inovação Social
sociais na Europa, por Carlo Bor- (EaSI). Mais recentemente, no âm-
gaza. As empresas sociais eram bito do Plano de Ação Para a Eco-
descritas como inovações orga- nomia Social, as empresas sociais
nizacionais emergindo do campo são mencionadas como fazendo
da economia social, como no caso parte da economia social.
das cooperativas cujas atividades Em Portugal o interesse e o co-
tradicionais não incluíam a solida- nhecimento têm sido escassos, e o
riedade social. Através da forma conceito não se encontra nem cla-
cooperativa aliava-se a dimensão rificado, nem institucionalizado em
social e a dimensão produtiva e, políticas. A verdade é que tem sido
ainda, a governação democrática. evitado para minimizar as tensões
Por esta altura, nos Estados Uni- que resultam de interpretações dis-
dos, o conceito de empresa social pares.
era usado para designar as organi- Muito em especial, não é clara a re-
zações não lucrativas que tinham lação entre as empresas sociais e a
de procurar recursos no mercado, economia social. São uma parte da
dada a diminuição do financia- economia social, abrangidas pelo
mento público associada à retra- art.º 4 da Lei de Bases da Econo-
ção do Estado-Providência. mia Social? Existem fora da eco-
Anos volvidos, as empresas sociais nomia social, como um segmento
tornaram-se populares por todo o da economia mercantil que evoluiu
mundo e o seu significado tornou- para fins primordialmente sociais?
-se mais ambíguo. Os diferentes Ou atravessam os dois setores?
significados refletem os contextos Mas, então, o que são empresas
sociais, económicos e políticos em sociais? Genericamente, Comissão
que as empresas sociais surgem e Europeia e a rede de investigadores
evoluem. europeus dedicada ao estudo das

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RE VISTA FENACERCI 2022

mesmas têm vindo a propor crité- dade de áreas, desde a inclusão so- Anos volvidos, as
rios de definição de empresa social, cial e laboral à proteção ambiental empresas sociais
no âmbito do que se convencionou e promoção da cultura. tornaram-se
descrever como a abordagem eu- Na aplicação da abordagem eu- populares por todo
ropeia. Na página da Comissão ropeia às empresas sociais em o mundo e o seu
Europeia, as empresas sociais são Portugal foram identificados cinco significado tornou-
definidas como operando na eco- modelos de empresa social, com -se mais ambíguo.
nomia social, tendo como objetivo grande aproximação à tipologia Os diferentes
principal uma missão social e não o identificada para os países euro- significados
lucro, o qual é principalmente rein- peus ocidentais. As cooperativas refletem os
vestido para os objetivos sociais, sociais e mutualidades, incluindo contextos sociais,
desenvolvendo atividade económi- não só as iniciais cooperativas de económicos e
ca de produção de bens e serviços solidariedade social, mas também políticos em que as
de forma empreendedora e inova- novas cooperativas nos campos empresas sociais
dora, e governadas com a partici- ambiental, artístico, etc. As orga- surgem e evoluem.
pação dos seus stakeholders, de nizações não lucrativas empreen-
forma aberta e responsável . dedoras, correspondendo às mais
Esta definição inclui três dimen- antigas organizações de solidarie-
sões centrais para a definição dos dade social, frequentemente com
critérios de uma empresa social: a protocolos de cooperação com o
missão social, a atividade econó- Estado, mas também, novas orga-
mica e a governança participativa. nizações que emergem da necessi-
Na operacionalização destas di- dade de encontrar novas respostas
mensões, o mais recente trabalho a problemas sociais. As empresas
dos investigadores, o estudo IC- de integração pelo trabalho, pou-
SEM – International Comparative co numerosas, exceto no caso dos
Social Enterprise Project indica: na Açores, onde se mantem a política
dimensão social terem um objetivo que lhes deu o impulso significati-
social, surgirem da iniciativa de ci- vo, o mercado social de emprego.
dadãos ou organizações do tercei- Estas empresas encontram-se fre-
ro setor e terem uma distribuição quentemente em unidades produti-
de lucros limitada; na dimensão vas de instituições de solidariedade
económica, terem uma atividade e algumas ganharam autonomia
contínua de produção de bens e jurídica. As empresas da economia
serviços, possuírem risco econó- solidária, correspondendo a organi-
mico e terem trabalho remunerado; zações encastradas territorialmente
na dimensão da governança, terem orientadas para uma perspetiva de
um elevado grau de autonomia, um desenvolvimento local e comuni-
caráter participativo envolvendo os tário, incluindo organizações mais
stakeholders e tomada de decisão recentes, que experimentam alter-
não baseada na propriedade do nativas ao sistema económico do-
capital. minante. E, finalmente, os negócios
A abordagem europeia reconhece sociais, emergentes da economia
que as empresas sociais possuem mercantil e utilizando instrumentos
diversas formas jurídicas como, desta, que permitem a prossecução
por exemplo, cooperativas sociais, da missão social.
sociedades comerciais, mutualida- Perante esta diversidade, é eviden-
des, associações não lucrativas ou te que o dinamismo e a comple-
fundações, e atuam numa plurali- xidade da realidade se adianta à

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OPINIÃO

capacidade dos quadros legais a As iniciativas e Por fim, continuando no âmbito
fixarem. De facto, as iniciativas e or- organizações, das recomendações do projeto
ganizações, continuam a surgir e/ continuam a surgir TIMES – Trajetórias Institucionais
ou a transformar-se, independente- e/ou a transformar-se, e Modelos de Empresa Social
mente de existirem ou não quadros independentemente em Portugal existe, também, um
legais, encontrando, por vezes, so- de existirem ou não conjunto de necessidades para
luções organizacionais e legais que quadros legais, melhorar o reconhecimento e for-
lhes permitam a prossecução da encontrando, por talecer as empresas sociais em
missão. vezes, soluções Portugal. A primeira de todas, um
Assim, não existe apenas uma organizacionais amplo diálogo envolvendo a di-
resposta global às necessidades e legais que versidade de atores interessados
das empresas sociais. As empresas lhes permitam a com vista a estabilizar uma visão
sociais emergentes da economia prossecução da comum – mesmo que na diversida-
mercantil com as formas jurídicas missão. de. Este diálogo poderia contribuir
tradicionais desta, necessitam de para facilitar o autorreconheci-
uma forma jurídica que lhes permi- mento e a capacidade de organiza-
ta serem empresas sem fins lucra- ção coletiva das próprias empresas
tivos e garantirem a participação sociais. Além disso, é necessária
da diversidade de stakeholders na uma revisão dos quadros legais,
governança. De igual forma, dentro fiscais e de financiamento, tendo
do setor cooperativo, as empresas em conta as realidades dos dife-
sociais atravessam vários ramos, rentes tipos de empresas sociais. É
não se limitando ao da solidarieda- também necessário o aprofunda-
de social. Estas empresas sociais, mento do conhecimento, através
necessitam de um enquadramento de investigação e formação, sobre
jurídico que lhes reconheça a arti- as dimensões da gestão econó-
culação entre utilidade pública e a mico-financeira e da governança
natureza económica. As empresas democrática, com igual peso e re-
da economia solidária, sendo mui- levância destas duas dimensões.
tas delas também cooperativas, Finalmente, a contratação pública
necessitam, também, de ser reco- socialmente responsável deve ser
nhecidas nas suas dimensões de percebida no potencial de forta-
interesse público/geral e económi- lecer as relações entre as empre-
ca, esta concebida como substanti- sas sociais e demais organizações
va e plural, e não unicamente mer- da economia social e os poderes
cantil e capitalista. As empresas de públicos, contribuindo, nomeada-
integração pelo trabalho necessi- mente, para o aumento da resiliên-
tam de um novo investimento polí- cia dos territórios e a sustentabili-
tico, a partir das aprendizagens da dade das empresas sociais.
política das empresas de inserção. As empresas sociais continuarão
Por sua vez, o quadro da relação a emergir e a evoluir, a partir da
entre o Estado e as organizações mobilização de cidadãos e cida-
não lucrativas empreendedoras ne- dãs, independentemente da sua
cessita de ser melhorado tendo em institucionalização. Todavia, pelo
consideração a sobreposição entre seu potencial de contribuírem para
a sua atuação e os objetivos do Es- uma resiliência transformadora em
tado-Providência, criando condi- tempos de desafios existenciais,
ções de sustentação e amplificação o seu reconhecimento e fortaleci-
das suas inovações sociais através mento podem ser objetivos políti-
das políticas públicas. cos e sociais.

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PUB

HISTÓRIAS
COM O TEMPO
CONTADO

CORES, SABORES E VALORES

As palavras escrevem as páginas de muitas histórias que vivemos , que nos
marcaram e cujo testemunho registamos, para que outros, um dia, saibam
o quão corajosos tivemos de ser por força da Pandemia por COVID 19.
Tempo em que tivemos de nos reajustar. Reinventar.
Tempo em que uns permaneceram. Tempo em que, alguns, partiram.
Partilhamos aqui, as memórias que nos chegaram e agradecemos a todos
os que connosco colaboraram.
Estórias cujo tempo é passado, estórias que têm por isso, o tempo contado!

CERCIGUI

HISTÓRIAS COM O TEMPO CONTADO

A certeza de que em
primeiro estarão sempre
as pessoas!

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RE VISTA FENACERCI 2022

É profundamente instintivo contato, de presença e de resposta.
ao ser humano a procura Fazendo uso da experiência ad-
de segurança e proteção. quirida pelo CAO Domicílio, estes
Quando estas são amea- apoios foram alargados a todas as
çadas, no confronto com as dificul- áreas possíveis e necessárias.
dades experienciadas, verifica-se Foram adaptados e construídos
uma capacidade de reação que, a materiais de trabalho, distribuídos
maioria das vezes, leva às mudan- nos domicílios ou partilhados por
ças mais inimagináveis. Foi neste meios digitais.
exercício de reação à adversidade Assegurámos que as informações
que, no último ano, a CERCIAG pro- relevantes chegavam a clientes e
curou reinventar serviços e recriar famílias, de forma clara e adaptada
metodologias de trabalho que res- a cada realidade, numa lógica de
pondessem às necessidades e difi- comunicação acessível.
culdades com que os seus clientes Fizemos uso regular dos mecanis-
e famílias foram confrontados neste mos digitais para manter contacto
contexto atípico. Inicialmente, de uma com parceiros, para redefinir es-
forma puramente instintiva de prote- tratégias de intervenção, seja com
ção das pessoas - clientes, famílias e clientes comuns, capacitando-os
funcionários. para as intervenções às quais não
Depois, com a tomada de cons- podíamos responder pessoalmen-
ciência clara das necessidades, te, seja com outras organizações,
nesta estranha capacidade reati- que partilhavam das mesmas in-
va, fomos construindo apoios que quietações.
jamais imaginaríamos prestar, vali- Reinventamos formas de man-
dando a ideia de que face às adver- ter envolvida a comunidade e de,
sidades e nas decisões individuais através dela e da sua participação
que tomamos, que impactam nas alternativa, mantermos os eventos
soluções coletivas, ou nos torna- que ao longo do ano e dos anos
mos melhores do que somos, ou têm permitido uma sensibilização
piores do que somos. Com medos, ativa para a deficiência e o apoio
naturalmente com medos. É difícil à sustentabilidade organizacional.
ser chamado a estar, precisar de E a CERCIAG tornou-se melhor.
estar e de ser, e ter medo de estar e Com a decisão individual de cada
ser, mas, ainda assim, ir e fazer. E a funcionário, de cada família e de
CERCIAG fez. cada cliente, em aceitar, também,
Foram reorganizados apoios téc- estar, ser e fazer, dando-nos a cer-
nicos e terapêuticos ao domicílio. teza de que, sempre, estarão pri-
Quando tal não era possível, foram meiro as pessoas.
capacitados digitalmente clientes É a elas que damos a palavra. Elas
e famílias, assegurando formas de por elas e por nós.

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HISTÓRIAS COM O TEMPO CONTADO Perante circunstâncias difíceis que me transcen-
dem procuro encontrar formas de minimizar as
Pandemia: testemunhos sensações negativas que tais situações me pro-
na primeira pessoa vocam, sendo um dos caminhos, o de introduzir
insistentemente na minha mente pensamentos
O início da pandemia, para mim, foi muito con- positivos, até porque, de certo modo, somos
fuso, porque naquele momento não tinha a no- aquilo que pensamos.
ção do que estava a acontecer e nem estava a A pandemia da doença COVID-19, que existe há
perceber a verdadeira razão do pânico das pes- mais de um ano, veio alterar substancialmente a
soas. vida das pessoas, perturbando as suas rotinas,
Quando soube que ia ficar em casa por algum os seus hábitos, os seus comportamentos so-
tempo, ao início não tive qualquer reação, mas ciais, obrigando ao afastamento físico para bem
depois, comecei a sentir-me cansada e saturada da saúde de todos. Eu não fui exceção.
de tanto tempo, e só pensava quando é que ia Entendi a mensagem “para bem da saúde de to-
voltar à minha rotina e à normalidade que esta- dos” e a solução foi não visitar o meu irmão Car-
va a viver antes. los até haver condições e permissão para o fazer.
Ao perceber que a realidade era bem diferente Encaro esse impedimento como uma medida de
do que estava habituada, é que comecei a ficar enorme proteção, a medida certa em época de
frustrada e com pânico com esta nova realidade pandemia. As saudades são muitas, mas a razão
que estamos a viver, ainda hoje. Tenho imensas dessa proteção supera em larga medida o desejo
dificuldades em enfrentar esta nova realidade, de lhe dar um abraço e imensos beijinhos, de lhe
porque faz-me sentir ainda mais limitada do que cantar as canções de sempre, ou, simplesmente,
era antes da pandemia. de olhar para ele.
O trabalho verdadeiramente excecional que a
Carla Rodrigues CERCIAG tem feito para preservar os seus uten-
Cliente de CAO e Presidente da PNAR tes, digno de registo em qualquer parte do país e
do mundo, dá-me uma forte confiança e tranqui-
lidade de espírito sabendo que a saúde do meu
irmão está muito bem protegida. O regresso das
nossas brincadeiras há-de ter o seu momento.
Entendo que para as situações extraordinárias há
que ter atitudes extraordinárias e, nesse sentido,
compreendendo que as visitas que regularmente
lhe fazia têm de ficar para mais tarde, sendo, por
agora, substituídas pelos telefonemas que faço
para a Unidade Residencial para saber da saúde
dele, que certamente é boa por não haver más
notícias antes, mas também sobre a saúde de
quem lá trabalha e dos seus familiares.
Se tenho a tranquilidade de espírito que há pou-
co referi é porque quem trabalha na Instituição
CERCIAG sacrifica a sua vida pessoal privando-
-se de muitos momentos de descontração. A
essa atitude chamo profissionalismo, e do bom.
Entretanto, e como evito pensamentos negativos,
tenho a confiança que a saúde do meu irmão vai
continuar boa ainda por alguns anos sustentada
por todo o amor que o rodeia.
À CERCIAG só tenho a dizer: MUITO OBRIGADA!

Conceição Arede
Irmã do Carlinhos (Residente no Lar Residencial)

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RE VISTA FENACERCI 2022

Ter 57 anos, viver sozinha com o meu filho autis- A nossa perceção do impacto do 1º período de
ta de 18 anos e não ter outra fonte de rendimento confinamento na vida da Joana, foi de uma vi-
que não seja a do trabalho, acreditem, não é fácil. vência de tempo familiar de qualidade. O sen-
Quando as regras do confinamento que entra- tir que todos os elementos da família estavam
ram em vigor em 22 de janeiro de 2021, em con- em casa, com regras, rotinas, horários e sempre
sequência da pandemia, obrigaram ao fecho das presentes, pareceu-nos transmitir-lhe um es-
instituições, confesso, fiquei em pânico. pírito de confiança e tranquilidade. Assim, um
Não tenho a quem deixar o meu filho, dado que tempo de confinamento que à partida nos po-
os meus pais estão envelhecidos e já incapazes deria parecer de passagem difícil para a Joana,
de me auxiliar. O meu trabalho na função públi- habituada às rotinas institucionais, revelou-se
ca não é compatível com o teletrabalho, dado como uma oportunidade de vivência em família
que exerço funções presencialmente essenciais, com atividades diferenciadas, algumas já habi-
pelo que estava fora de questão ficar com o meu tuais, e outras novas (fazer caminhadas, ginás-
filho em casa, por tempo indeterminado, com a tica, realizar jogos no tablet, dançar, ver filmes,
incerteza e a precariedade dos apoios da Segu- andar de bicicleta estática, pinturas). Mesmo
rança Social, que tardam ou não chegam sequer. com atividades de lazer mais passivas (ex: ver
Com o encerramento das escolas em 16 de mar- TV e/ou séries ou filmes), houve um maior tem-
ço de 2020, quando o meu filho ainda frequenta- po em família. Paralelamente, a Joana eviden-
va o ensino, fui forçada a ficar com ele em casa, ciou uma maior participação e envolvimento
sem qualquer alternativa. Foram cinco meses nas tarefas domésticas (ex: arrumar louça e ta-
esgotantes para mim, mas sobretudo para o lheres, colocar a mesa, apanhar roupa). Existiu
meu filho, que não percebeu porque é que, de uma maior disponibilidade de tempo de quase
um dia para o outro, foi privado de frequentar todos, que resultou em tempo gasto com grati-
a escola, a piscina e os espaços sociais a que ficantes atividades partilhadas em família. No 2º
estava habituado. Ficámos limitados à nossa período de confinamento, por razões mais difí-
pequena casa, às imensas dificuldades finan- ceis de explicar, a Joana esteve diferente. Talvez
ceiras, depois às sessões síncronas com a tur- pela saturação da situação e das alterações na
ma, às quais foi bastante difícil ele aderir, e às disponibilidade de tempo de alguns membros
terapias online, dinamizadas pelas técnicas do da família, evidenciou ansiedade e irritação pe-
CRI da CERCIAG. rante a permanência em casa. Na globalidade,
Em finais de agosto o meu filho ingressou, final- estes diferentes confinamentos, reafirmaram o
mente, no CAO da CERCIAG. papel das atividades de lazer para o enriqueci-
Tudo mudou a partir de então. Apesar de não mento da vida de todos e da Joana em particu-
ter acesso às muitas atividades anteriormente lar. A partir de certa altura, o questionamento
desenvolvidas nesta instituição única na nossa pela Joana acerca da abertura das atividades
região, ele passou a ter uma nova rotina, ativi- na CERCIAG surgiu com insistência, ligada tam-
dades adaptadas à nova realidade pandémica bém ao desejo de rever pessoas e amigos. Tal
que vivemos, cuidados prestados por técnicos e situação, enquadra-se na importância que a
auxiliares em quem confio plenamente. CERCIAG tem na vida da Joana como extensão
E quando a segunda vaga de Covid-19 obrigou da família.
a apertar ainda mais as regras de confinamento,
pude contar com a CERCIAG para continuar a Rui e Maria José
cuidar do meu filho, proporcionando-me toda Pais da Joana (CAO)
a segurança e confiança para trabalhar duran-
te aquelas horas em que o deixava nesta “casa
de família”. Graças a esta nova “família”, eu e o
meu filho conseguimos a tranquilidade que pre-
cisamos para enfrentar as dificuldades que vão
surgindo na vida.

Obrigada, CERCIAG – sem esquecer ninguém!

Dina, Mãe do Tiago (CAO)

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HISTÓRIAS COM O TEMPO CONTADO

Mesmo ausentes,
estaremos presentes!

2 0 de março de 2020. A prin- manalmente, estávamos presentes. Clientes da CERCIAMA
cípio, era uma simples liga- Quão satisfatório era, ao ligarmos,
ção do apoio de Psicologia, escutar de uma mãe ou pai confina- virtual neste momento da COVID-19
para saber se estava tudo a dos em casa: é essencial, pois, além de ser uma
correr bem, se todos estavam bem e - Ah, Doutora! Já estava mesmo à ferramenta de acolhimento, pode
resguardados em casa, se estavam espera da vossa ligação. É mesmo ser um suporte para as famílias,
a precisar de algo ou se queriam fa- muito bom poder falar um bocadi- com objetivo de tentar equilibrar
lar sobre algo. Do outro lado da linha nho para desabafar e esquecer o possíveis desajustes que este longo
quase sempre a mesma resposta: cansaço. confinamento pode estar a causar
-Estamos bem, Doutora. Já sabem - Doutora, para a semana tenho uma na saúde mental de cada um.
quando voltam as aulas? consulta, preciso que me ajudem Além disso, torna-se, também, im-
Não sabíamos e não imaginávamos! com a miúda. portante no repasse de pequenas
Ninguém estava a espera da CO- - Doutora, não tenho dormido bem, estratégias que podem ajudar a
VID-19. estou mesmo com medo. gerir emoções e comportamentos
Assim começou o nosso trabalho. - Olhe, Doutora, ele já estava ansio- em desalinho de familiares e suas
O que era uma simples ligação pas- so à espera da sua ligação. famílias.
sou a ser um compromisso pontual, - Doutora, isto não vai acabar? Esta- Quantas trocas foram e continuam
uma tarefa de grande importância. mos cansados! a ser possíveis. Histórias que estão
Semanalmente, com a lista de famí- - Doutora, hoje não me apetece falar. a ser partilhadas, encontros marca-
lias em mãos, o mesmo exercício: Na próxima semana eu aguardo a li- dos para quando tudo passar. Fo-
tentar estar presente, fazermo-nos gação da Doutora e tentamos falar. tografias combinadas para quando
presentes. Acolher, escutar, perce- O facto é: acolher nossas famílias e estivermos juntos presencialmente,
ber e, se necessário, intervir de al- alunos, em tempos de pandemia, é beijinhos enviados de um colega
guma maneira. urgente. Reinventar-nos como pro- para o outro. Acolher é sempre pos-
O acolhimento tem muitas facetas fissionais, também. Reinventar a sível desde que exista disposição.
e esta pandemia veio reafirmar isso. nossa forma de estar com eles. Se A forma como fazer é que deve ser
Um tom de voz cansado, triste, va- antes um abraço poderia ajudar no encontrada. Cada família uma reali-
zio. Uma queixa aqui, um pedido ali. alívio de uma partilha, de um facto dade, cada utente um universo, mas
Um choro e um desabafo mais tar- triste, uma escuta ativa e acolhedo- uma certeza garantida: na ausência,
de. De alguma forma, semanalmen- ra pelo telemóvel também passou a pode e deve existir a presença.
te, entravámos na casa dos nossos fazer muito efeito na ausência deste
utentes para estar com eles e com abraço. Escutar um suspiro nunca Lizandra Carvalho, Psicóloga na CERCIAMA
as suas famílias. Ligações de 1 mi- teve tanta importância, quando do
nuto, ligações de 45 minutos. Não outro lado da linha estávamos real-
existem regras, apenas estar pre- mente dispostos a estar juntos. Seja
sente, acolher. Uma chamada de ví- pelo telemóvel, pelo tablet, pelos
deo com pouco mais que 10 minutos aplicativos de trocas de mensagens,
que carregava o alivio em finalmen- acompanhar os nossos utentes e
te rever um rosto conhecido. suas famílias foi e continua a ser ur-
Assim, a presença começou a acon- gente e imprescindível.
tecer de forma acolhedora, ora um As famílias em isolamento estão
pedido de ajuda para entregar uma cansadas, e o cansaço pode testar
compra, uma medicação, ora ape- os limites das relações, bem como,
nas a escuta de um choro de can- agravar problemas que já existiam
saço. Risos, suspiros, lamentos. Se- anteriormente. O apoio telefónico ou

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RE VISTA FENACERCI 2022
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HISTÓRIAS COM O TEMPO CONTADO

O caminho faz-se
caminhando!

D urante o período de bretudo para que os clientes de
pandemia a instituição Lar, possam ir a casa, usufruírem
e mais concretamente do aconchego das suas famílias
a resposta de Lar Resi- e retomar algumas das atividades
dencial, Residência Autónoma e em conjunto com os colegas do
CAO passaram por diversos mo- CAO.
mentos de preocupação e incerte-
za que assolaram colaboradores e CERCICAPER
clientes. Foram momentos difíceis Centro de Atividades Ocupacionais
sobretudo para os clientes de Lar
Residencial que se viram privados
das idas a casa dos familiares e
das atividades junto das comuni-
dades. Para os colaboradores que
diariamente se deparavam com os
contactos com as suas próprias
famílias e comunidade também fo-
ram situações de grande ansieda-
de e preocupação.
Porém o “caminho faz-se caminhan-
do” e assim, momento a momento,
dia a dia, fomos avançando, dando
resposta, de acordo com o possível,
às necessidades sentidas. Sendo
que, a dada altura mais um obs-
táculo tivemos de vencer; a notí-
cia que ninguém queria ouvir fez-
-se soar junto da comunidade da
CERCICAPER – “Há um surto ativo
na instituição… os clientes de Lar
e alguns colaboradores estão po-
sitivos…”. Aí, voltaram mais refor-
çadas momentaneamente todas
as preocupações e dúvidas, mas
o medo deu lugar à confiança e à
coragem. E continuámos a nossa
missão dando apoio àqueles de
que dele precisam. Nesta fase, es-
tamos expectantes que todos os
clientes e colaboradores possam
ser vacinados e que com precau-
ção e cuidados possamos ter uma
rotina o mais próxima possível do
que tínhamos antes da Covid, so-

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RE VISTA FENACERCI 2022

O lado B(om) da Covid

E m Março de 2019 o Lar sentimentos através do toque, mas
residencial da CERCIPE- reforçou a capacidade de expres-
NICHE, passou a fazer jus sarmos afetos através das atitudes e
ao nome, sendo o Porto de palavras.
Abrigo, até à data de 26 residentes Falando agora em nome pessoal,
em confinamento pleno. deixo duas palavras…
Tem-se revelado uma verdadeira ex- Orgulho nos residentes que nunca
periência de superação, onde os la- baixaram os braços, que nunca de-
ços saíram reforçados e a entreajuda sistiram de serem felizes, que sem-
fortificada. pre acreditaram que íamos todos
Aprendemos a conviver diariamente ficar bem! E…
e constantemente com o próximo, Gratidão, à equipa do Lar Porto de
aprendemos também a rir com as Abrigo que esteve e está sempre
alegrias dos outros, a chorar com as presente, que não baixou os braços,
suas mágoas, a incentivar e aplaudir que continua a acreditar que é pos-
de pé as pequenas conquistas. sível vencer e aos restantes colegas
Atualmente somos uma verdadeira da CERCIPENICHE, por nos apoia-
família, tentamos esquecer-nos de rem, ainda que à distância, de se fa-
tudo aquilo de que a Covid nos pri- zerem presentes, mesmo quando a
vou e agarramo-nos aos momentos ausência é imposta!
de partilha que nos proporcionou. É por isto e um tanto mais que as
Temos a certeza que iremos sair palavras não traduzem, que acredito
desta pandemia mais fortes e uni- que vai ficar tudo bem, porque Jun-
dos, mais certos do que somos e tos somos mais fortes!
do que representamos para aqueles
que nos querem bem. Inês Cação
A pandemia privou-nos a todos do Diretora Técnica do Lar Residencial Porto
contacto físico, da expressão de de Abrigo - CERCIPENICHE

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HISTÓRIAS COM O TEMPO CONTADO

D. Conceição conta
a vida da família em
tempo de Pandemia

E ntrevistámos a D. Concei-
ção Paulo, mãe de dois
clientes do CAO – Centro
de Atividades Ocupacio-
nais da CERCIDIANA, auscultan-
do-a sobre as dificuldades sentidas
durante o período de confinamento:

Quais as dificuldades que sentiu D. Conceição com os seus filhos,
durante o confinamento, estando Glória e Luís
em casa com os seus dois filhos?
Não poder sair, mas também nin-
guém podia… estava limitada pelo
transporte para ir às compras! So-
mos três e costumamos utilizar um
táxi, mas com a pandemia os táxis
levam apenas dois passageiros.
Embora tenha tido algumas aju-
das, não me senti autónoma.
Estive sempre ocupada com tra-
balhos artesanais, costura…coisas
que ajudaram a ultrapassar.
Os meus filhos adaptaram-se com
as tarefas domésticas. A Glória e o
Luís ajudaram na limpeza e na co-
zinha. O Luís passava muito tempo
na internet, foi fácil estar distraído,
a Glória foi mais difícil pois não
sabe navegar na internet.

Quais os aspetos que considera As atividades que foram desen-
mais positivos e quais os mais volvidas pela CERCIDIANA aju-
negativos neste confinamento? daram de alguma forma neste
Os aspetos positivos foi participa- tempo passado em casa?
rem nas tarefas domésticas e es- Sim, divertiram-se imenso a fazer
tarmos mais tempo juntos. desafios, para participarem nas
Os aspetos negativos foram: não atividades propostas pela CERCI-
podermos sair de casa, por exem- DIANA. A mãe ajudava nos desa-
plo, para fazer caminhadas, ficá- fios propostos.
mos limitados e impedidos de fa-
zer as compras autonomamente.

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RE VISTA FENACERCI 2022

COOPER ATIVA DE EDUCAÇÃO E REABILIT AÇÃO
DE CID ADÃOS C OM INCA PA CID ADES DE GUIMARÃES

Integrar e Incluir

O Percurso de Vida da Pessoa com Deficiência

A CERCIGUI realizou a 11 dos problemas levantados, permi- permitiu que a audiência pudesse
de dezembro de 2020, a tindo que se continue a pensar glo- assistir em simultâneo ao debate e
I Conferência CERCIGUI balmente, mas a agir localmente. a pequenos vídeos da nossa ativi-
“Integrar e Incluir”, um A I Conferência CERCIGUI “Inte- dade que iam sendo introduzidos
evento que contou com o apoio do grar e Incluir – O percurso de vida no painel, assim como, fazer inter-
Programa de Financiamento a Pro- da pessoa com deficiência” con- venções na hora e perguntas que
jetos do INR, IP. Ao longo do dia foi tou com mais de duas centenas de eram colocadas de imediato aos
possível fazer o percurso de vida da inscrições de todo o país, inclusive painéis em discussão.
pessoa com deficiência, através de ilhas e até do Brasil e foi muito par- Reinventar a forma de chegar aos
três painéis de oradores que abor- ticipada contando já com mais de públicos de uma forma apelati-
daram a escola inclusiva, a forma- cinco mil visualizações dos painéis. va é fomentar a disseminação da
ção profissional, o ingresso do mer- Todos os vídeos do evento estão informação sobre a pessoa com
cado de trabalho, o envelhecimento disponíveis na página do Facebook deficiência e, por isso, está já em
e a saúde mental das pessoas com da CERCIGUI ( https://www.face- preparação a II Conferencia CER-
deficiência/diversidade funcional. O book.com/Cercigui ). O formato da CIGUI para o ano de 2021.Acredi-
grande objetivo era tornar o deba- iniciativa acabou por ser também tamos que é com estas iniciativas,
te sobre a deficiência abrangente, bastante inovador. Em época de com este empenho e com estas
participativo e esclarecedor, não pandemia, foi escolhido um local no sinergias que nos tornamos cada
só para quem é da área, mas tam- centro da cidade de Guimarães que vez mais inclusivos na defesa da
bém para famílias e comunidade se transformou num miniestúdio de nossa intenção de sermos, juntos,
em geral. A conferência pretendeu televisão, de onde foi transmitida a cada vez mais uma comunidade
identificar o que estaria a falhar a emissão para as redes sociais. Isto solidária!
nível das respostas sociais para
cada uma dessas etapas da vida e
apontar potenciais soluções para
resolver os desafios existentes.
Essencialmente, percebeu-se que
Portugal tem uma legislação bem
enquadrada e avançada em rela-
ção à Europa, mas que na prática,
há um longo caminho a percorrer.
Concluiu-se que há lacunas que
não foram perspetivadas, uma falta
de presença e acompanhamento
no terreno e a discussão não tem
sido tão abrangente quanto seria
expectável. Uma maior autonomia
regional poderia solucionar alguns

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HISTÓRIAS COM O TEMPO CONTADO

A prestação do Serviço
de Assistência Pessoal
em tempos de Pandemia

O número de casos de toda a certeza, a médio e longo a grupos de risco, nomeadamen-
COVID-19 ao nível mun- prazo, consequências menos po- te pessoas com deficiência e/ou
dial e no nosso país tem sitivas. idosos.
vindo a aumentar, o Apesar de no último ano, muitas Nós profissionais, que prestamos
que tem um impacto indiscutível famílias terem optado pelo isola- apoio a pessoas com deficiência,
na saúde física e mental da pes- mento social, a verdade é que a mas que, como o resto da huma-
soa com diagnóstico confirmado, maioria desconhecia a dura reali- nidade, estamos a aprender a lidar
assim como, para a sua família. dade do confinamento obrigatório, com toda esta questão e que de
O medo, a confusão, a frustração, realidade esta que obrigou a uma há 12 meses a esta parte a nossa
o isolamento e todas as questões enorme reestruturação familiar. rotina passou a ser a de delinear
que nos surgem em catadupa, são Todo este cenário dantesco se e pôr em prática todas as estraté-
sentimentos comuns, que se vão agrava no seio das famílias onde gias que o conhecimento e a criati-
acumulando e que irão trazer com existem elementos pertencentes vidade nos permitem, quando nos
deparamos com um caso positivo
e com o confinamento obrigatório,
percebemos o verdadeiro sentido
do cuidar, do cuidar de nós e dos
outros!
Vamos de seguida, através de um
relato real, dar-vos a conhecer
um pouco do que temos vivido e
aprendido.
Um elemento do agregado fami-
liar de um cliente do Centro de
Apoio à Vida Independente (CAVI)
Horizontes testou positivo para a
COVID-19. Trata-se de um idoso
com um elevado grau de depen-
dência, que tem como principais
cuidadores, a sua filha de 30 anos
com deficiência intelectual e, o seu
filho de 44 anos com doença men-
tal. Os filhos só irão fazer o teste

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RE VISTA FENACERCI 2022

daqui a 1 semana. Enquanto isso 3 é avaliada “em conjunto” e é feito perto a sua família (como sempre o
não acontece, a prioridade imedia- o seu registo, sensibilizamos a fa- fez), acompanhando-os ao médico,
ta que nos surge é tentar evitar a mília para permanecerem em casa, assegurando os bens de primeira
disseminação do vírus. As regras são questionados sobre o seu es- necessidade e todo o apoio e ca-
do isolamento obrigatório são co- tado de saúde e sobre as necessi- rinho que só a família pode dar. A
nhecidas pela equipa e tentamos dades que possam existir, se deram articulação com o Centro Social e
transmiti-las à família. Ora bem, 1.ª banho ao pai, se usam luvas e más- Paroquial de Silvalde (que assegu-
regra - o pai deve ficar isolado num cara, se deixaram o lixo à porta de ra as refeições e a recolha do lixo),
quarto, algo que para nós é total- casa, devidamente acondicionado com o Centro de Saúde de Silvalde
mente possível na medida em que e, até como se faz sopa ou gelati- (administração do injetável do be-
a família vive num T2, mas não, não na. Percebemos que o nosso apoio neficiário no domicílio), e com o de-
é possível! O pai é invisual, logo na orientação/organização de tare- legado de saúde (para orientação
bastante dependente em todas as fas domésticas e na mediação de nos procedimentos inerentes a este
atividades de vida diária, com de- conflitos familiares que surgem por processo), tornam esta intervenção
mência e com uma personalidade se encontrarem a atravessar uma mais completa e “feita à medida”.
muito própria e característica da situação particularmente delicada, Se existem fatores positivos nes-
idade avançada. Lá se vão as re- tem sido bastante importante na ta pandemia, a união de todos/
gras tão bem delineadas. A partir reestruturação das dinâmicas fami- as (entidades locais e regionais
daqui, percebemos que teríamos liares. Nos primeiros dias, o nosso e comunidade), e o nosso cresci-
de estar em articulação constante beneficiário e a irmã reagiram aos mento profissional e pessoal são
com a família e tudo o que nos pa- nossos insistentes contactos de inquestionavelmente dois deles,
recia óbvio, deixou de o ser. forma um pouco relutante, talvez porque as nossas capacidades de
Nestes 15 dias a equipa tem feito por se sentirem invadidos na sua planeamento, inovação, reação,
contactos telefónicos bi diários rea- intimidade, no entanto, com o pas- adaptação e resiliência são postas
lizados pela equipa técnica e diários sar dos dias percebemos que os à prova diariamente e vão-se tor-
pela assistente pessoal, no sentido mesmos passaram a ser esperados nando mais evidentes dia após dia,
de identificar e acautelar todas as por eles e que lhes traziam tranqui- fazendo de nós profissionais mais
necessidades, tentando esclarecer lidade e conforto. capazes e preparados e, melhores
todas as dúvidas, de forma a que se Além de todo o trabalho de equipa pessoas com toda a certeza!
sintam apoiados e a diminuirmos CAVI/agregado familiar, temos es-
de alguma forma o medo, a ansie- tabelecido uma articulação estreita Patrícia Lopes
dade e a frustração. Nestes contac- com um irmão do nosso benefi- Diretora Técnica do CAVI Horizontes - Centro
tos, a medição da temperatura dos ciário, que tem acompanhado de de Apoio à Vida Independente
da CERCIESPINHO

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HISTÓRIAS COM O TEMPO CONTADO

De Alma e Coração
e com Saudades
da Normalidade!

F ez um ano, no dia 16 de que se passava, pois toda a rotina tando sempre, com o apoio e esfor-
março, que os clientes a que estavam habituados teve de ço de todos para que esta família
do Lar estão fechados na ser alterada. viva da melhor forma e com alegria
Residência. As auxiliares Apesar de vivermos uma situação podendo daqui a uns tempos di-
e os monitores, quando os CAO’s estranha durante esta pandemia, zer – já passou. E cá estamos nós,
estiveram fechados, tiveram de sentimos que todos os envolvidos confiantes e prontos para abraçar
adaptar as atividades para ocupar estão de alma e coração empenha- o que de bom o futuro nos reserva.
os clientes nesta fase tão compli- dos para minimizar os efeitos ne- Vai ficar tudo bem!!!
cada para todos. Quando o tempo gativos deste longo confinamento.
estava bom podiam usufruir do Todos sofremos mas também de- Pedro Monteiro e Eduarda Ribeiro
jardim exterior, em alternativa, os mos as mãos nas dificuldades con- Monitores do Centro de Atividades
9 clientes usavam a sala da insti- Ocupacionais da CERCIGAIA
tuição para realizarem atividades.
Sempre que possível faziam ati-
vidades diversificadas tentando
sempre que eles se abstraíssem
um pouco dos problemas que esta
pandemia nos trouxe. Alguns clien-
tes sentiram-se bastante ansiosos
e exaustos de estarem tanto tempo
fechados, sem verem os colegas
de CAO, sem receberem visitas,
sem poderem sair da instituição.
Alguns tiveram necessidade de fa-
lar com a psicóloga, monitores ou
auxiliares para tentar perceber o

Pandemia: testemunhos na primeira pessoa

Quero a minha vida de volta – Não gosto de estar sozinho!

Desde que o CAO fechou e estivemos no Lar sem tes, como ir para a portaria. Deixei de ir ao café e a
poder sair fizemos várias atividades. Fizemos um convívios fora da CERCIGAIA. Durante os meses de
bailarico com a nossa cozinheira, a Joana, que nos outubro e novembro tive de ser internado e não gostei
animou bastante. Vimos um filme que nos explicava porque estive sozinho e sem conhecer ninguém.
o que era o coronavírus. Fizemos relaxamento que
me deixou tão confortável que até adormeci. Fiquei Manuel Maria
triste de não poder fazer as atividades que fazia an- Cliente da CERCIGAIA

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RE VISTA FENACERCI 2022

Testei positivo, e agora? Vírus na Rua, Trancas à Porta!
Estamos quase a fazer um ano nesta pandemia. No dia 14 de março de 2020 ficámos isolados no
Durante este ano foi muito difícil gerir a minha Lar devido à Covid-19. Os CAO’s estiveram fe-
vida, tive que deixar de trabalhar, não pude ir vi- chados e nós estivemos com as auxiliares a fazer
sitar o meu filho, não pude ir à escola e sair ao atividades: plantámos batatas, dançamos com
domingo. Na primeira vez que me disseram que as auxiliares e cozinheira, fizemos sessões de ci-
tinha de fazer o teste ao coronavírus senti algum nema com pipocas, karaoke, tivemos dança on-
receio que o resultado fosse positivo e ansieda- line com a FENACERCI, construímos microfones
de para que passasse esta fase. Felizmente em para o karaoke, fizemos postais, etc. Eu deixei de
abril deu negativo, mas em outubro tive de fazer ir para o CAO quando ele abriu para me proteger.
novamente o teste e o que eu receava aconte- Senti muito medo de ser infetado e ansiedade.
ceu, deu positivo. Numa primeira reação não quis Também tivemos os nossos monitores de CAO
aceitar, porque não tive sintomas, mas depois, a fazer atividades connosco. Durante estes me-
em reuniões com a Dra. Sara vi que era melhor ses estava farto de ouvir as notícias sobre a Co-
aceitar, cooperar e ter os cuidados que me pe- vid-19. Senti muita falta dos convívios fora da ins-
diram, como: usar a máscara, lavar as mãos, tituição, da piscina, da ginástica, da informática.
cumprir o distanciamento e também psicologi- Senti falta dos meus colegas do CAO. Quando a
camente quando alguma coisa me estivesse a Covid-19 acabar gostaria de ir para o CAO do Sol
atormentar que podia falar. Porém não foi tudo fazer as atividades que tinha. Como este ano não
mau, com mais tempo que tive disponível fiz vá- podemos sair da instituição para comemorar o
rias atividades com os monitores que estavam Carnaval fizemos máscaras e comemorámos o
ao serviço: vimos filmes em sessões de cinema Carnaval no Lar com música brasileira.
com pipocas, fizemos sobremesas na cozinha
para lanchar, karaoke, sessão de SPA para rela- Jorge Pereira
xamento, etc. Quando vieram fazer a desconta- Cliente da CERCIGAIA
minação das nossas coisas nas várias divisões
da “Casa da Encosta” fizemos a festa do pijama. Quando é que isto acaba?
Fiquei contente dos meus colegas terem sido va- Eu senti muitas saudades de estar no CAO com
cinados, mas eu não tomei a vacina porque tenho os meus colegas. Senti muitas saudades de ir
medo dos efeitos que ela pode trazer. Vou conti- ao café durante o fim-de-semana. Durante estes
nuar a ver as notícias para me manter informada meses fizemos pinturas e dançámos. Quero que
e para ver se a situação muda para melhor, pois o vírus acabe.
por estar muito tempo sem as minhas atividades
começo a sentir alguma exaustão. Salomé Fernandes
Cliente da CERCIGAIA
Marisa Oliveira
Cliente da CERCIGAIA

A saudade é um aroma suave das ausências
que recordo!
Senti saudades de ir para o CAO. Tive saudades
de ir para a atividade da cozinha. Durante este
tempo fizemos muitas atividades: decorámos
frascos para pôr amêndoas, pintámos desenhos,
fizemos máscaras de Carnaval. Estivemos sem-
pre fechados no Lar.

Isabel Pinho
Cliente da CERCIGAIA

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HISTÓRIAS COM O TEMPO CONTADO

Arte em Tempo
de Pandemia: em prol
da Saúde Mental

A CERCIPOVOA, à seme- nitivas, sociais e simbólicas, pro-
lhança das outras Cer- motoras exatamente do bem-estar
ci´s, enfrentou e conti- e da saúde mental.
nua a enfrentar um dos Neste sentido, aliámos os trabalhos
maiores desafios da sua existência, artísticos dos nossos clientes à re-
onde a capacidade de adaptação qualificação/renovação de diversos
e a resiliência têm sido testadas espaços da nossa Instituição. Des-
diariamente. A Pandemia por CO- ta forma, os nossos clientes tiveram
VID-19 levou-nos muito daquilo que a possibilidade de dar o seu cunho
todos nós apreciamos e necessita- pessoal aos espaços utilizados por
mos: o toque, os beijos, os abraços. si e pelos colaboradores: nada me-
As medidas higiénicas e de preven- lhor para a sua autoestima do que
ção vieram mexer de forma profun- poder participar de forma efetiva
da na saúde mental de todos. O iso- na decoração e embelezamento do
lamento e o confinamento parecem espaço que também é seu.
querer cortar os laços e as relações Foi feito o reaproveitamento de te-
criadas entre todos… las antigas, realizando belas obras
A sua reabertura e as medidas de de arte, em que todos, de alguma
segurança levaram a uma restrutu- forma participaram; a construção e
ração a todos os níveis, com alte- decoração de peças de mobiliário
rações nos grupos de clientes, das para espaços de lazer, em estrei-
pessoas e das salas de referência. ta colaboração com a área laboral
A missão tornou-se sobretudo pre- da carpintaria; a decoração da sala
venir e proteger contra a dissemi- polivalente e de corredores com
nação da Pandemia. trabalhos de expressão plástica
Esta reabertura levou-nos a repen- onde a cor e o corpo foram o mote.
sar formas de atuar/intervir com Construímos ainda um jardim sen-
o objetivo de prevenir também a sorial aliando a arte à natureza. No
Pandemia que se instala ao nível Natal cada sala fez a sua Árvore de
da Saúde Mental. Assim, e tendo Natal e terminámos o ano com um
sempre como foco o bem-estar dos grande presépio decorativo.
nossos clientes, foi utilizada como Arte e a Expressão Plástica po-
ferramenta de trabalho, as Artes e dem ser o veículo de sentimentos
as Expressões Plásticas. Como é e afetos, agora enclausurados atrás
sabido esta ferramenta trabalha e de uma máscara, assim como, os
desenvolve diversas capacidades olhares e as palavras tudo tentam
sensório-motoras, percetivas, cog- compensar.

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RE VISTA FENACERCI 2022

Dança: Palco
de Expressões

A o longo do ano de 2020, despertando na pessoa com defi-
a atividade de dança as- ciência múltiplas possibilidades ao
sumiu um papel fulcral mesmo tempo que desperta para
no dia a dia dos clientes um novo olhar sobre si mesmo.
da CERCIMAC. Num ano carrega- Na dança não existem barreiras, to-
do de alterações, restrições, medos dos os movimentos podem ser vi-
e receios devido à crise pandémica, venciados e incorporados, mesmo
a dança, transcendendo a sua con- por caminhos não convencionais
dição de atividade física enquanto desde que repletos de criativida-
recurso preventivo e terapêutico de: se o cliente não movimenta os
na área da saúde, contribuiu como membros inferiores, pode movi-
forma de comunicação não verbal mentar os membros superiores; se
para a expressão de sentimentos não movimenta os membros supe-
e emoções através da arte de mo- riores e membros inferiores, pode
vimentar o corpo de quem se viu, movimentar os olhos e, por meio
de alguma forma, limitado na sua dos olhos é possível dançar… até a
liberdade. alma pode dançar!
Diariamente, as aulas matutinas de Desta forma, fomentando a práti-
dança na CERCIMAC, sendo uma ca de atividade física valorizamos
opção de lazer e atividade física, e insistimos nesta dança inclusiva
para além de enfatizarem a cons- como palco de expressão de senti-
trução do processo do resultado mentos e emoções.
artístico, tiveram em consideração
a inclusão social das pessoas com Equipa da CERCIMAC
deficiência pela arte de dançar.
Sendo uma atividade que pretende
incluir todos os clientes da institui-
ção, a dança é um meio que possi-
bilita o desenvolvimento do talento,
da expressão corporal e emocional,
permitindo, ainda, um ganho físico,
psíquico e cultural único, ambicio-
nando, no fundo, a valorização tan-
to da pessoa como da sua qualida-
de de vida.
A dança inspira, portanto, a uma
reflexão da transformação pessoal
e social neste palco que é a vida.
Assim, também promove a cons-
ciencialização e a autodescoberta,

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HISTÓRIAS COM O TEMPO CONTADO

Temos de “trocar
o medo pela fantasia”…

U m denominador comum Lar Residencial deve promover a as que primeiro e mais facilmente
em todas as pandemias autonomia dos seus residentes, são perdidas por uma espécie. Em
é a sujeição ao isola- encorajando-os a ser responsáveis outros termos: o que vale mais é o
mento. O que torna a por si próprios, executando todas que está sempre em maior perigo.
Covid-19 diferente é o facto de ser as tarefas da vida diária do Lar Num caso de conflito, de depres-
a primeira vez, na história da huma- Residencial que desejem e sejam são, de paixão sempre estamos
nidade, que temos as redes sociais capazes de executar. Deve garantir prontos a deixar de ser inteligen-
durante a pandemia. Atualmente, a manutenção e estimulação das tes.” (Ortega y Gasset).
há muito mais fluxo e velocidade de suas capacidades e competências O medo, ainda que justificado, pa-
informação do que nas épocas de (Leandro et al, 2005). ralisa. Mas o homem sempre se
outras pandemias afetando, con- É necessário que a pretensão/obri- transcendeu. Exemplo disso é o
sideravelmente, o comportamen- gação de cumprir com as delibe- fabrico de instrumentos para caçar,
to humano. Por exemplo, no início rações da Direção Geral de Saúde o fogo para vencer o frio, as roupas
da atual pandemia, as pessoas de (DGS) não comprometa a qualida- para se proteger, em suma, o ho-
países onde não havia infeção es- de de vida dos residentes nos lares, mem procurou sempre ultrapassar-
tavam a ver reportagens sobre paí- na medida em que, cada indivíduo -se, superar-se.
ses infetados. Esta informação an- não vive isolado. Essa circunstância O conceito de qualidade de vida,
tecipada contribuiu para aumentar implica aprender a escolher o que é pressupõe a capacidade de tomar
a ansiedade, o medo, com grande mais correto para cada um, dentro decisões, vontade de ter o seu es-
número de pessoas hipocondría- dos costumes, hábitos e formas de paço, o seu tempo.
cas, que interpretam mal sintomas estar que são incutidas ao longo As catástrofes que ditam estados
comuns, a dirigirem-se para hospi- do processo de desenvolvimento de calamidade, de emergência,
tais, preocupadas com a possibili- (Savater, 2005). A interrupção deste confinamento podem não consti-
dade de terem Covid-19. Por outro percurso tira o sentido da vida, di- tuir oportunidades, como por ve-
lado, a circunstância de estarmos minui a capacidade de raciocinar, zes nos fazem querer. Mas não têm
todos conectados, aumentou a decresce aptidões, aumenta a ten- de ser tempos de estagnação. O
capacidade de oferecermos apoio são, debilita corpo e mente. É óbvio abrandamento do “metabolismo”
uns aos outros, apesar de estarmos que quando ouvimos dizer que “vai na sociedade pode constituir uma
socialmente isolados, verificando- ficar tudo bem”, temos de ter cons- ocasião para diminuir o fosso exis-
-se a ascensão da solidariedade ciência que vai levar muito tempo tente entre a vivência nos lares resi-
das pessoas, unindo-se e ajudan- até que “tudo fique bem”. denciais e a sociedade dita regular.
do-se mutuamente. Independentemente dos motivos Investir em atividades com inter-
O panorama do confinamento, mo- que estão na base das condicio- venção mais particularizada permi-
tivado pela pandemia, desencadeia nantes da vida atual, as crenças te obter resultados que, em contex-
na dinâmica dos lares os mesmos que atualmente predominam, limi- to de estabelecimento de ensino,
efeitos a que assistimos no quoti- tam a nossa confiança e entusias- não são alcançáveis. Em clientes
diano comum, sendo necessário mo para avançar na vida. “Como cujas idades já não é de esperar
não pôr em causa o Manual de dizem os biólogos, as funções ad- certas aquisições, num processo
Boas Práticas da Segurança Social. quiridas ultimamente, que são as de ensino aprendizagem direta no
Este documento determina que o mais complexas e superiores, são lar são concretizadas competên-

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RE VISTA FENACERCI 2022

cias, como seja aprender a andar o mundo segundo a sua visão. As-
de bicicleta com idades próximas sim o cliente dedica-se mais a criar
dos 50 anos. Estas e outras apti- o mundo no qual quer viver, dimi-
dões são facilmente operadas por nuindo a propensão para o conflito.
ser proporcionado, em contexto de Decidir significa escolher. Dar uma
aprendizagem no lar, maior possi- nova direção a uma situação, fazen-
bilidade de se explorar ao máximo, do opções que impliquem riscos.
todos os sentidos. Para Arno Gruen (1996) autonomia
As aprendizagens individuais têm é o equilíbrio entre os sentimentos
grande impacto na vida dos cida- e as necessidades de um dado su-
dãos de lares residenciais na medi- jeito, a afirmação da sua importân-
da em que, como atividade pessoal, cia e independência, assim como a
salvaguarda a sua privacidade e constante necessidade em provar
autonomia. Por outro lado, em vir- a si mesmo e aos outros que o ro-
tude de ser um empreendimento deiam a sua força e supremacia.
assumido, o cliente faz acontecer, é Temos de “trocar o medo pela fan-
protagonista. Ao adquirir mais au- tasia”. É o tempo da travessia; e se
tonomia, este interage em relações não ousarmos fazê-la, teremos fica-
mais saudáveis, com menos dispu- do, para sempre, à margem de nós
tas e pequenos poderes, e obtém mesmos.
assim vitórias individuais. Como
passa a ter a capacidade de criar, de Rui Veiga
construir perde o sentido de tentar Técnico de Reabilitação, Centro
mudar os outros, tentar “consertar” de Atividades Ocupacionais da CERCILEI

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HISTÓRIAS COM O TEMPO CONTADO

“Nunca mais a vida foi
a mesma, maldita
Pandemia! Estarei eu
saudável mentalmente?”

A pandemia continua aí e Francisco Miranda Rodrigues afir- Nada mais normal. Umas porque
não sabemos até quando. ma, por exemplo, que o aconse- sentem uma ansiedade crescente
Por via dela, as pessoas lhamento psicológico na linha te- associada a ataque de pânico, ou
são obrigadas ao confi- lefónica do SNS24 veio melhorar a pior, pela incerteza de não sabe-
namento imposto pelas autorida- resposta ao impacto da pandemia rem, ao certo, o que lhes vai acon-
des, ao distanciamento social, mas na saúde mental, e que o serviço é tecer, no futuro.
muito mais importante, ao distan- um passo histórico em “plena crise”. Termino esta minha reflexão com
ciamento físico. As pessoas deixa- No entanto, será suficiente? o título deste artigo: “Nunca mais
ram de poder usufruir da coisa mais Será que não se torna fundamen- a vida foi a mesma, maldita pan-
normal e banal num ser humano: o tal procurar ajuda profissional mais demia! Estarei eu saudável mental-
toque. Inerente a isso, está o medo específica. Não será limitado esse mente?” – sim, são palavras minhas.
da infeção e a crise económica que aconselhamento psicológico na li- Qualquer pessoa pode questionar-
a pandemia veio acarretar. nha telefónica? -se desta forma. O melhor caminho,
Tudo o que as pessoas perspetiva- “Muitas vezes os psicólogos identi- na dúvida, é procurar ajuda. Porque
ram, todos os planos, foi tudo adia- ficam a necessidade de ter algum há sempre solução perto de um
do. Os hábitos de vida tiveram de acompanhamento. Esse meca- profissional de saúde. Importante
ser reajustados. A vida nunca mais nismo de encaminhamento para é reconhecermos os sinais, sem ta-
foi a mesma. Com isso, veio o au- o Serviço Nacional de Saúde não
mento do stress, a pressão da crise existe”, argumentou o bastonário, bus nem preconceitos.
e a ansiedade. São vetores suficien- no mesmo canal televisivo.
tes para desequilibrarem a nossa Na dúvida, o melhor caminho é pe- Carolina Moreira
saúde mental. dir ajuda. Psicóloga Clínica na Equipa Local
E a incerteza de um futuro sem A pandemia traz a ideia de conta- de Intervenção (ELI) / Intervenção Precoce
medo? minação. Imagine isto: uma pessoa na Infância (IPI)
Não vai há muito tempo, estive par- que tenha uma perturbação ob-
ticularmente atenta ao que disse o sessiva compulsiva pode sofrer um
bastonário da Ordem dos Psicólo- aumento dos sintomas. E o mesmo
gos Portugueses. Em declarações acontece com alguém que tinha a
que atentei na SIC Notícias, o bas- doença controlada, há anos.
tonário alertava para os impactos Pela minha experiência pessoal e
da pandemia no que à saúde men- profissional, dou conta de situa-
tal diz respeito. Ele prevê que cres- ções de pacientes, que já não via há
çam, nos próximos meses. muitos anos, porque estavam num
Muito vai contribuir, considera, o processo saudável de estabiliza-
aumento do desemprego e da crise ção. De repente, com a pandemia,
económica. as pessoas voltaram às consul-
O que podemos fazer para não nos tas. Voltaram a desestabilizar-se.
deixarmos afetar? Voltam ao sofrimento psicológico.

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RE VISTA FENACERCI 2022

Sabores
que nos
distin-
guem…

A pesar da Páscoa ser
diferente este ano, qui-
semos continuar com a
tradição do Pão de Ló.
Todos juntos fizemos um doce e
bonito Pão de Ló, para recordar-
mos o sabor da Páscoa. Ficou de-
licioso! Querem provar?

RECEITA Pão de Ló à Antiga menos durante 15 minutos.
Depois deita a farinha com o fer-
Ingredientes: mento peneirada aos poucos e
• 8 ovos grandes bate com cuidado. Põe de parte.
• 400 gr de açúcar Bate as claras em castelo e envol-
• 200 gr de farinha ve estas com a mistura de gemas
• 1 colher de chá de fermento e farinha e envolve outra vez, com
cuidado.
Preparação: Deita o preparado para dentro do
Começa por preparar um alguidar alguidar e leva a cozer num forno
e forra com papel para criar o for- quente a 225º graus durante 45
mato tradicional do pão de ló, tipo minutos.
formato castelo, se não tiveres os Retira o pão de ló e deixa arrefe-
alguidares usa uma forma de cas- cer antes de comer.
telo grande.
Separa as gemas das claras, dei- Bom apetite!
ta as gemas numa tigela grande
com o açúcar e começa a bater Clientes do Lar Residencial Amália Mota
até ficar um creme suave, pelo (LRAM) da CERCIMARANTE

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HISTÓRIAS COM O TEMPO CONTADO

À distância
de um link

A travessamos desde há Os ecrãs substituem os espaços de brincadeira e socialização per-
um ano uma época de escolares e levam-nos a entrar no didos, reconhecemos nesta fase a
incerteza, instabilidade universo privado das crianças e oportunidade de fortalecer laços,
e alterações profundas jovens. Nem sempre é um univer- aproximarmo-nos das famílias e do-
nas nossas rotinas. Fomos desafia- so com desenhos de arco-íris nas centes, aumentarmos o sentimento
dos a reinventarmo-nos perante a paredes, nem sempre nos recebem de confiança para partilhar vivências
presença de um organismo invisí- com hospitalidade, nem sempre e sentimentos. Se esta experiência
vel, acarretando uma responsabili- nos abrem a porta com um sorriso nos trouxe algum aspeto positivo
dade acrescida às nossas funções na cara. E é nestas situações que a foi a confirmação de que os afetos
profissionais enquanto técnicos que intuição nos diz que não devemos nunca serão secundários face às
acompanham crianças e jovens com sair da ombreira da porta e o nosso metas curriculares e objetivos pe-
necessidades específicas de apren- olhar se deve tornar mais atento e dagógicos e terapêuticos, no que
dizagem. De repente tornámo-nos acutilante. diz respeito à construção do futuro
todos aprendizes de uma matéria Supridas as necessidades dos alu- destas crianças e jovens. Somos,
desconhecida e em constante atua- nos em termos de tablets, compu- acima de tudo, agentes ativos na
lização. Somos todos principiantes tadores, uso de plataformas digitais promoção de valores e na cons-
numa experiência, que nos leva a de comunicação, surgem os maio- trução de modelos positivos para a
um reajuste permanente e ao desen- res desafios da nossa intervenção. sua inclusão na sociedade.
volvimento de novos olhares sobre o O nosso papel parece acessório Sabemos que o futuro destas ge-
nosso papel enquanto membros da perante a ansiedade de quem se rações será, de alguma forma, in-
sociedade e profissionais. sente perdido entre aulas síncro- fluenciado por estas vivências e
Estando limitados em aspetos tão nas, trabalho autónomo, prazos de precisamos, por isso, de garantir
importantes para a construção da entrega de tarefas. O principal ob- que o seu impacto negativo, o será
relação terapêutica, como a proxi- jetivo é continuarmos presentes e o menor possível. Temos o dever
midade física e as expressões fa- talvez, apenas isso, seja suficiente de transmitir esperança, resiliência,
ciais reveladoras das nossas emo- em tantas situações. O reconheci- capacidade de inovação. Só assim
ções, o nosso olhar assume um mento do olhar, o sorriso avistado conseguiremos garantir uma socie-
papel determinante na dinâmica pela primeira vez, a voz familiar que dade mais desenvolvida, inclusiva
interpessoal. Tornamo-nos mais ameniza as saudades dos espaços e capaz de se adaptar aos desafios
atentos e vigilantes, prontos para conhecidos, dos colegas, das roti- que lhe são apresentados.
agir e responder de forma mais nas, da segurança.
eficaz às necessidades prementes Independentemente das aprendi- Catarina Santos
daqueles a quem damos suporte. zagens adiadas e dos momentos Psicóloga do Centro de Recursos
para a Inclusão da CERCIOEIRAS

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RE VISTA FENACERCI 2022

A importância suprema
de reinventar a expressão
dos afetos em tempos
de Pandemia

A inesperada Pandemia de num novo formato e convidando a que temos vivido.
Covid-19 trouxe com ela comunidade a participar delas, atra- Fazendo jus à expressão de que
inúmeros e sobejamente vés de plataformas digitais. Desta “uma imagem vale mais que mil
conhecidos constrangi- forma, conseguiu-se a motivação palavras”, ilustramos alguns dos
mentos e alterações ao nosso quo- necessária para continuar a pensar festejos vividos na CERCIPOM, que
tidiano, vicissitudes sentidas quer o cliente como um ser afetivo e ati- consubstanciam o privilégio da fe-
ao nível individual, quer coletivo. vo, que possui um projeto de vida licidade exponencial quando são
No contexto institucional, e muito que não sucumbe à pandemia, or- partilhados com a comunidade.
em especial nos lares residenciais ganizando-se dinâmicas que vão
integrados nas CERCI´s, as obriga- sendo oportunidades para ultrapas- Sónia Santos, Psicóloga
ções sanitárias impostas no âmbito sar ou minimizar os efeitos nefastos Diretora Técnica do CAO e Lar
do controlo e combate da doença desta difícil situação epidemiológica Residencial da CERCIPOM
revestem-se de um cariz potencial-
mente castrador ao nível dos afe-
tos, que antes se expressavam em
larga medida através do toque.
Como tal, foi premissa essencial
da CERCIPOM zelar pela saúde de
clientes e colaboradores, sem con-
tudo, descurar a expressão afetiva,
fator chave no âmbito da estabili-
dade emocional que procuramos
cultivar diariamente.
Foram diversas as atividades desen-
volvidas, incentivando à interação
interna, mas também ao contacto
possível com o exterior, através dos
meios de comunicação em formato
digital. Adaptaram-se e inovaram-se
iniciativas de longa data (Dia das
Bruxas, “Cantar as janeiras”, o des-
file de Carnaval, entre outros), tradi-
cionalmente realizadas no exterior,
possibilitando a sua concretização

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HISTÓRIAS COM O TEMPO CONTADO

Recuperar a
normalidade do Passado
perspetivando o Futuro

A 16 de março de 2020 e garantir a continuidade do nosso
encerrávamos pela pri- apoio.
meira vez o nosso Cen- Graças à tecnologia, durante os pe-
tro de Atividades Ocu- ríodos de confinamento foram rea-
pacionais, fruto das orientações do lizados apoios terapêuticos online e
governo que impôs que ‘fechásse- promovidos momentos lúdicos. Fo-
mos portas.’ ram ainda, estabelecidos contatos
Tínhamos em mãos, talvez um dos telefónicos regulares com as famílias
maiores desafios da nossa vida e distribuídas refeições aos clientes
profissional, impossível de dis- que sinalizaram essa necessidade.
sociar do medo, que em alguns Uma das grandes exigências foi a
momentos, se apoderou dos pen- implementação de um modelo de
samentos de todos os que diaria- funcionamento que correspondesse
mente cuidam dos nossos clientes. aos critérios estabelecidos no nosso
Abraçámos sempre este desafio, plano de contingência. Foi por isso
com a resiliência, responsabilida- necessário criar dois circuitos, um
de e espírito de missão que nos para os clientes internos e outro
caracterizam. Bem sabemos como
foi exigente, mas não baixámos os
braços! O nosso foco era manter a
segurança de todos.
Implementámos de imediato um
plano de contingência robusto,
que ia sendo atualizado com as
inúmeras orientações das entida-
des reguladoras.
Foi um esforço coletivo de todas
as respostas sociais e serviços da
CERCIOEIRAS, que nunca deixa-
ram de prestar apoio aos clientes
internos, como medida de apoio à
Unidade Residencial.
O encerramento do CAO externo
obrigou-nos a reformular o nosso
serviço, que se foi ajustando às ne-
cessidades dos nossos clientes e
das suas famílias.
A vida dos nossos clientes externos
ficou mais condicionada, e tínhamos,
por isso, a responsabilidade acres-
cida de perseguir a nossa missão

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RE VISTA FENACERCI 2022

para os clientes externos, assegu- res informais que, sem outras redes xará marcas, mas tudo faremos para
rando o funcionamento em bolha de suporte, viram os seus dias ficar que elas se atenuem através do
por grupo, de modo a assegurar a assoberbados de responsabilidades nosso investimento na implementa-
rastreabilidade. por vezes difíceis de corresponder. ção de um modelo que privilegia a
O impacto ao nível do plano de ativi- Salientamos também o impacto qualidade de vida das pessoas que
dades foi significativo, pois a priori- desta pandemia nas competências atendemos e considerará sempre as
dade passou também a ser o acom- dos nossos clientes externos. O de- suas necessidades individuais.
panhamento emocional dos nossos safio agora passa por ajustar e refor-
clientes que se viram confrontados çar os nossos planos de intervenção, Direção Técnica do Centro de Atividades
com a quebra das rotinas diárias, de modo a recuperá-las. Ocupacionais da CERCIOEIRAS
com o afastamento dos amigos e Estamos certos que este vírus dei-
isolamento social.
Reinventámos um novo normal ... e Elogios feitos pelas famílias do CAO
apesar das marcas que estes longos
períodos de confinamento trouxe- “Que ótima ideia e iniciativa. Obrigada mais uma vez pelo incentivo
ram às vidas dos nossos clientes/ fa- e pelos exercícios propostos!
mílias e às de todos os profissionais, Muito bom para eles perceberem ... que não estão de férias! Vocês
nunca permitimos que a ‘máscara’ se continuam a fazer um trabalho excelente, mesmo numa altura tão
apresentasse como uma barreira... complicada como a que vivemos.”
porque também reinventámos os
nossos sorrisos. Investimos na segu- “Hoje à tarde foi uma bela cacofonia. Mas divertimo-nos imenso!
rança de todos, com a implementa- O facto de ter também voltado a ver os colegas internos, algumas
ção de medidas de contingência que Técnicas e Colaboradoras, foi ótimo. Deixou-nos bem mais próxi-
hoje, depois de um ano deste ‘novo mos uns dos outros!
normal,’ continuamos a cumprir com Uma das coisas que me toca, é ver, por exemplo, os grandes sorri-
o mesmo rigor. sos dos colegas. São a prova de como esta interação é valiosa!
Foi um esforço frutífero que se tra- Extraordinário, mais uma vez! Estava tanta alegria no ar. Foi muito
duziu na inexistência de surtos. bonito. Parabéns a todos. Assim se faz perto o longe”.
Em muito contribuíram as famílias
dos nossos clientes, que mesmo à
distância nos foram fazendo che-
gar mensagens de esperança, elo-
giando o nosso trabalho.
Conscientes das desigualdades
também impostas por este vírus,
sabemos que o período de confina-
mento não foi vivido de igual forma
por todos. Algumas famílias estavam
melhor preparadas que outras e o
grau de dependência dos clientes foi
um desafio extra para os cuidado-

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CERCI’S

O CAMINHO FAZ-SE A ANDAR

CERCIGUI


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