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Apoiado em recentes definições das funções atribuídas aos hemisférios cerebrais, este livro propõe uma reordenação dos conceitos básicos que regem a interação matéria/espírito. A questão não consiste em ser ou não ser, já o somos. E seremos sempre, quer se acredite ou não na continuidade da vida após a morte do corpo físico. O autor aborda a questão de ser e de estar, que se substantiva na dicotomia transitoriedade / permanência e afirma que temos uma parte do ser mergulhada na matéria perecível e outra, bem mais ampla, na sutileza atemporal da realidade cósmica.

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Published by Evoluir, 2017-04-05 18:09:01

Alquimia da Mente - Herminio C. Miranda

Apoiado em recentes definições das funções atribuídas aos hemisférios cerebrais, este livro propõe uma reordenação dos conceitos básicos que regem a interação matéria/espírito. A questão não consiste em ser ou não ser, já o somos. E seremos sempre, quer se acredite ou não na continuidade da vida após a morte do corpo físico. O autor aborda a questão de ser e de estar, que se substantiva na dicotomia transitoriedade / permanência e afirma que temos uma parte do ser mergulhada na matéria perecível e outra, bem mais ampla, na sutileza atemporal da realidade cósmica.

Keywords: Alquimia,Mente,Hemisférios Cerebrais,Neurociência,Reencarnação,Espiritismo,Herminio Miranda,Consciente,Subconsciente

de seus dois chifres um só, unindo suas polaridades, ou, na terminologia
gnóstica, fazer do dois o um.

Os alquimistas nunca diriam, porém, em linguagem explícita o que lhes
passava pela mente. Invocavam em defesa da obscuridade o desejo e a neces-
sidade de proteger ensinamentos secretos da compreensão do vulgo, que os
poderia usar indevidamente, o que é verdadeiro. Por isso, não diziam que a
total conscientização do ser ficava na dependência de um estado de pureza
absoluta, equivalente à perfeição espiritual. Diziam a mesma coisa, usando
imagens inocentes e impenetráveis ao entendimento de quem não dispusesse
das chaves próprias. Em linguagem cifrada, ofereciam, no entanto, uma
espécie de "receita" infalível para "caçar" um unicórnio: bastaria colocar uma
virgem puríssima num campo que o unicórnio viria, mansamente, pousar a
cabeça no regaço dela. O livro de Jung tem gravuras de diferentes origens e
épocas para ilustrar a teoria, algumas delas mostrando a Virgem Maria, dado
que o Cristo também seria - como de fato é - um daqueles raros seres que
conseguiu chegar à unidade, à plenitude da conscientização e, portanto, da
perfeição. Conversamos sobre isto alhures, neste livro, convicto de que,
mesmo acoplado a um corpo físico, Jesus não se bipartiu, mantendo intacta
sua individualidade. Não haveria nele, pois, consciente e inconsciente, nem
alma desdobrada do espírito, e sim o espírito individualizado, na plenitude
da sua consciência e com domínio total da matéria à qual estivesse acoplado.
Na linguagem gnóstica, este é o ser que alcançou o plerorma.

Ao mencionar o risco de uma prematura conscientização desse tipo, que
pode suscitar na criatura uma "inflação" da personalidade ( o termo é do
autor, p. 388), Jung acrescenta que "raramente isso tem sido alcançado pelo
ser humano. A única grande exceção" - acrescenta - "é o Cristo".

Mais adiante (p. 454), discorrendo sobre o Si Mesmo - sua expressão para
individualidade, o ser total - o autor considera o Cristo como "símbolo do
Si Mesmo", isto é, aquele cujo psiquismo não se acha mais dividido, o que
seria, em linguagem alquímica (p. 455), equivalente à pedra filosofal, a subs-
tância capaz de converter material inferior em ouro, não o vulgar, mas o
outro, o espiritual. Tal observação Jung foi colher em Jakob Boheme, um
alquimista que viveu entre 1575 e 1624.

A unificação, etapa final e gloriosa de um processo que Jung chama de
individuação, figurava na alquimia c o m o coniuntion (conjunção), freqüente-
mente representada em gravuras peio ato sexual entre uma figura masculina
e uma feminina, o equivalente, portanto, a uma unificação (conjunção) de

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personalidade e individualidade, consciente e inconsciente, alma e espírito,
sol e lua. Imagem semelhante serviu aos gnósticos, que representavam a volta
à unidade como algo de grandioso que se passava na feliz intimidade da
"câmara nupcial". Seria este mais um símbolo para a caixa craniana? Parece
que sim.

Depreendo das leituras e das ilustrações que alguns alquimistas enten-
diam essa conjunção como possível apenas depois da morte, obviamente pelas
dificuldades praticamente insuperáveis de consegui-la com a entidade espiri-
tual ainda acoplada a um corpo físico vivo, com o que concordo plenamente,
como também tive oportunidade de referir alhures, neste livro. De certa
forma, é o que nos confirmam as entidades incumbidas de assistir o prof.
Rivail na elaboração dos textos da doutrina dos espíritos. Para estas, uma vez
encarnado, o ser assume a condição de alma e, desencarnado, reverte à con-
dição de espírito, quando retoma a plena posse de seus arquivos mnemónicos
e éticos reunificados no ambiente que entendemos, hoje, por mente.

Convencidos que estavam da existência de um psiquismo na matéria,
gnósticos e alquimistas fornecem ao dr. Jung apoio para um de seus numero-
sos achados, sendo que este, citado a seguir, parece elaborado sob medida para
justificar o título deste livro. Discorrendo sobre o intercâmbio matéria/espí-
rito, escreve Jung que "as relações entre essas duas modalidades - sonho e
imaginação ativa - do processo de irrigação da consciência pelo inconsciente
com o mundo da intuição alquímica, encontram-se tão próximos que se é
levado a admitir que se trate de um procedimento alquímico."

Quanto à tríade corpo, alma e espírito, vamos encontrá-la em referências
ainda mais remotas que a dos alquimistas e até dos gnósticos, pois já era
conhecida dos egípcios, por exemplo, que falavam de um ternário superior
apoiado num quaternário inferior. Mais uma vez, a linguagem simbólica tinha
relevante sentido oculto.

O triângulo corpo, alma e espírito apóia-se, pela base corporal, como
vimos, na matéria densa quaternária, porque os antigos a entendiam como
um arranjo dos quatro componentes básicos (terra, água, fogo e ar). Segundo
informação que me foi passada por uma pessoa em transe regressivo de
memória, as pirâmides - não a de degraus de Sakara, que se baseia em outro
princípio - representavam, na sua geometria arquitetônica, precisamente o
princípio do ternário superior - os quatro triângulos unidos pelos vértices -
apoiados na base quadrada da matéria. Coincidência ou não - e eu prefiro
entender que não é coincidência -, as linhas que formam o ângulo superior

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do triângulo, unidas em cima, dividem-se embaixo, ficando apartadas enquan-
to acopladas ao corpo físico. A figura suporta ainda outro aspecto: o de que,
ao desencarnar, a entidade espiritual desfaz-se da linha de base que a liga à
matéria e, por isso, o ângulo alma/espírito se fecha, reduzido a uma reta que,
como sabemos, é uma sucessão de pontos ou momentos (personalidades),
uma flexa de tempo, viajando em busca do "ponto ômega", como diria
Teilhard de Chardin, rumo à perfeição.

Ainda sobre os quatro aspectos da matéria, e comentando que dificil-
mente poderia deixar de fazer tal observação, Jung lembra que o carbono,
um dos principais elementos constitutivos da matéria orgânica, tem valência
quaternária, e que o diamante é carbono puro cristalizado. O autor deve ter
tido em mente, ao escrever isto, o fato de que um dos propósitos alquímicos
era, precisamente, a formação do "corpo de diamante", mencionado quando
estudamos sumariamente O Segredo da Flor de Ouro.

Estranho como possa parecer - ou eu estaria vendo coisas demais -,
observo que, somando os pesos atômicos dos quatro elementos químicos
básicos à composição da matéria orgânica, encontramos o número 43, com-
posto, portanto, de quatro dezenas e três unidades. [ 1 (hidrogênio) + 12
(carbono) + 14 (nitrogênio) + 16 (oxigênio) = 43.] Estamos, pois, diante dos
mesmos números que compõem o ternário espiritual e o quaternário mate-
rial. Será que esses números também estariam a nos dizer algo? Se o leitor não
se importa, podemos fantasiar algumas especulações, talvez ociosas, mas
seguramente intrigantes. Vê-se, por exemplo, na "distância" quantitativa do
hidrogênio, isolado e entronizado na leveza da unidade, um símbolo da
elevada condição do espírito ou, c o m o se lê em A Grande Síntese, o ponto
por onde a vida ensaia seus primeiros passos. Mais: o carbono seria a maté-
ria-prima da qual se elabora o "corpo de diamante" ao cristalizar-se sob o fogo
purificador do aprendizado evolutivo nos cadinhos da matéria densa. O
nitrogênio poderíamos tomar como símbolo da alma, região fronteiriça entre
espírito e matéria, ficando o corpo físico simbolizado no oxigênio, elemento
vital à energização da matéria orgânica, como sabemos.

Para Jung, o corpo de diamante é um símbolo da imortalidade. D i z
mesmo (p. 540) que essa imortalidade se alcança pela "transformação do
corpo". Eu poria isso de modo diferente, por entender que na imortalidade
já estamos todos, desde que criados; o contexto imortalidade/eternidade
apenas abre espaço para que o processo evolutivo acabe por elaborar um
corpo espiritual perfeito, luminoso, imaculado como o diamante. Não se
trata, aqui, obviamente, do corpo físico, mas do sutil, que Paulo viu como

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corpo espiritual e Kardec como perispírito. Talvez - mais uma alternativa -
seja até o corpo mental, mais sutil ainda, a que se refere André Luiz, reper-
cutindo antigas tradições ocultistas.

Jung lembra, ademais, que o diamante, "pela sua transparência, seu
brilho e sua dureza, constitui excelente símbolo". Cita, a propósito, o livro
X I V da Bibliotheca Chemica Curiosa, editada por Mangetus, segundo o qual
"os filósofos não descobriram melhor remédio do que a pedra filosofal, nobre
e abençoada, assim chamada por causa de sua dureza, de sua transparência e
de sua cor de rubi".

Não sei se teria ocorrido a Jung, neste ponto, que os elementos básicos
da química orgânica são também quatro, embora possam estar unidos rotati-
vamente a outros - hidrogênio, carbono, oxigênio e nitrogênio - mas ele está
convencido (p. 287) "por conclusão inevitável (...) de que existe um elemento
psíquico que se exprime pela quaternidade".

Igualmente convictos estavam os alquimistas, como tivemos oportuni-
dade de comentar, de um psiquismo na matéria. Em terminologia contempo-
rânea, Jung fala de uma projeção dos conteúdos inconscientes dos alquimistas
na matéria com a qual trabalhavam em seus laboratórios. E prossegue:

Em seguida à projeção, estabelecia-se uma identidade inconsciente entre a
psique do alquimista e a substância do arcano, ou substância de transfor-
mação, ou seja, o espírito aprisionado na matéria. Em conseqüência, o
Líber Platonis Quartorurn recomenda a utilização do occiput como vaso
da transformação, dado que ele é o recipiente que abriga o pensamento e
o intelecto.

Como o nome indica - e Jung tem mais de uma ilustração para mostrar
-, o occiput era um vaso alquímico em forma de crânio, pois é aí que se
processam os impulsos mentais que possibilitam a interação espírito/matéria.
É ainda no crânio que os alquimistas viam o locus onde o ser humano mantém
suas conexões com a divindade, tal como temos visto aqui, neste livro,
inclusive de maneira explícita, no estudo do prof. Jaynes, segundo o qual o
lado direito do cérebro é reservado aos deuses.

Ainda neste contexto, tão rico de sugestões, na mesma página (p. 346),
Jung acrescenta que assim se passam as coisas porque "temos necessidade do
cérebro para usá-lo c o m o sede da parte divina {partis divinaé)". (Mais um
ponto para o título escolhido para este livro.)

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E como a demonstrar que toda aquela gente tinha luminosas intuições a
respeito da interface dos hemisférios cerebrais, J u n g prossegue citando o Liber
Platonis Quartorurn - de 1602, não nos esqueçamos - segundo o qual

As coisas se transformam com o tempo e por definição justa do pensamen-
to, do mesmo modo pelo qual as partes assimilam-se umas às outras, pela
composição e pela forma. Mas o cérebro, em vista de sua vizinhança corri
a abria racional, deve ser assimilado à mistura, e a alma racional é simples,
como já foi dito. (Destaque meu.)

Impressionante a lucidez desses textos arcaicos, a despeito da estudada
obscuridade redacional e a capacidade de seus autores de penetrarem pela
intuição a essência mais profunda e íntima dos mecanismos da vida e do
processo evolutivo. Já se sabia há séculos que a "alma racional" tinha seus
terminais implantados no cérebro, de onde podia direcionar "a ação do
espírito sobre a matéria", como esclarece Jung (p.347). Mais que isso, discor-
riam aqueles autores, portanto, sobre o que estamos considerando em nosso
próprio estudo alma/consciente/personalidade, de um lado, ao passo que
espírito/inconsciente/individualidade funcionavam logo ali, à direita, no
espaço reservado aos deuses, no dizer de Jaynes ou à "partis divinaé' dos
alquimistas. Estamos falando, portanto, de razão (alma racional) e intuição,
uma à esquerda e outra à direita. É o que também se vê em A Grande Síntese,
e no livro de Anthony Smith.

Por tudo isso, explica Jung mais adiante (p. 348):

Deve estar agora suficientemente claro que, desde os tempos mais remotos,
a alquimia apresenta-se sob dois aspectos: de um lado, a obra prática,
química, no laboratório; de outro, um processo psicológico, num vetor
consciente, ou seja, conscientemente psíquico e, pelo outro, inconsciente
e percebido nos processos de transformação da matéria.

Eis por que, no entender de Jung, o ritual da transubstanciação do pão
e do vinho em corpo e sangue do Cristo não seria procedimento de teor
cristão, mas alquímico.

"Para o alquimista" - ensina o autor (p.401) - "não é o homem que tem,
prioritariamente, necessidade de redenção, mas a divindade perdida e ador-
mecida na intimidade da matéria."

Como se Deus se houvesse difundido em pequeninas centelhas de vida,
por toda parte, até as mais recônditas profundezas da matéria, a fim de que o

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ser humano em evolução as fosse recolhendo para voltar, com elas, ao seu
Criador, ao mesmo tempo em que desempenha um papel de co-criador.

Por essas e outras intuições, acha o eminente doutor suíço que embora
a alquimia pareça hoje distanciada do nosso contexto cultural, "não devemos,
em nenhuma hipótese, subestimar a importância que ela teve para a Idade
Média. Nossa época" - conclui - "é filha da Idade Média e não pode renegar
seus pais".

Ao lamentar, mais adiante no livro (p. 534), o que identifica como "ruína
da sabedoria hermética", Jung observa:

"Começamos a compreender, hoje, graças ao aguçamento dos sentidos
psicológicos, tudo o que a cultura espiritual da Europa perdeu, dessa maneira,
sobretudo quando contemplamos a desordem e a ruína sem precedentes da
Europa."

Como a Europa exerceu durante séculos, e ainda exerce, o papel de
matriz da cultura ocidental, creio que se poderia estender esse lamento para
abranger o mundo todo.

Seja como for, Jung termina sua queixa com uma nota otimista, ao
declarar que "felizmente, a perda não é irreparável": Natura tamen usque
recurret (Buscai o natural e ele virá a galope).

Também com isto concordo eu. Só não estou muito certo de poder
afirmar categoricamente que o natural retorna tão pressuroso aos braços das
nossas estruturas culturais, não porque venha de má vontade, mas porque
mesmo o resgate do hermetismo - uma realidade incontestável hoje - está
encontrando resistências, desconfianças, temores e indiferenças da parte da-
queles que assumiram a responsabilidade de orientar culturalmente a massa
anônima dos que anseiam por uma palavra revestida de autoridade. Nos
velhos tempos, a Igreja assumiu esse papel e o desempenhou durante séculos
com a vigorosa convicção de dona da verdade. Na transição da fé que apenas
crê para aquela que sabe, muita coisa se perdeu, contudo, e a ciência apode-
rou-se do trono vago, mas ainda não tem muito a dizer sobre a rica temática
da realidade espiritual, tão bem intuída pelos hoje ignorados e até ridiculari-
zados alquimistas medievais.

É que, hipnotizada pelo mito da razão - atributo da alma (= ser encar-
nado) -, a ciência ainda não se deu conta, como assinala Jung, nas suas
conclusões (p. 607), de que a razão "pode não ser o instrumento conveniente
a esse tipo de pesquisa". E não é mesmo.

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De minha parte, não teria dúvida em concluir, como já o fiz alhures,
neste l i v r o , que o desvio das correntes de pensamento para a esquerda f o i
desastroso para o processo evolutivo da humanidade como um todo e para o
indivíduo, em particular. Optamos, há alguns séculos, e mais intensamente a
partir do século X I X , por um racionalismo exacerbado que rejeitou em bloco
a sabedoria alquímica porque muitos alquimistas - dos menos expressivos,
aliás - obstinaram-se na busca insensata do " o u r o vulgar". C o m isto, abriu-se
mais o ângulo formado pela alma e pelo espírito, no âmbito do ser encarnado,
e, conseqüentemente, ampliou-se o espaço que separa a razão, que se esgota,
c o m o d e n u n c i a i Grande Síntese, da i n t u i ç ã o , que ainda não f o i aceita c o m o
elemento fecundante de uma nova etapa de realizações evolutivas. Fizemos a
opção da personalidade, provisoriamente ignorantes das riquezas de sabedo-
ria que nos aguardam logo ali, nos conteúdos da individualidade, alojada no
"hemisfério dos deuses" do dr. Julián Jaynes e dos alquimistas.

Em consonância com Jung, Paul Brunton também considera desastroso,
como vimos, o abandono do ideário gnóstico, que tanto tinha e tem a nos
ensinar acerca do que Teilhard de C h a r d i n c h a m o u de o " d e n t r o das coisas".
Sintomaticamente, a sabedoria gnóstica, que permaneceu sepultada nos de-
sertos do Oriente M é d i o durante dezesseis séculos, emerge de volta à luz,
precisamente a meio caminho do último século do segundo milênio. Estaria
alguém, lá em cima, na escadaria, nos proporcionando mais uma oportuni-
dade de repensar as coisas, rever posturas engessadas pelo obstinado materia-
lismo que se esteriliza nas suas limitações e nas suas eruditas ignorâncias? É o
que parece.

Portudo isso, a leitura do livro de Jung constitui extraordinária aventura
intelectual, sob qualquer aspecto que o leitor o considere, desde que abordado
de mente aberta e disposta a aprender com ele. Para m i m , a grande revelação
nele contida é a de que os caluniados e incompreendidos alquimistas medievais
trabalhavam no âmbito de uma sabedoria que ainda não foi resgatada pela
ciência moderna, que, no dizer de Chardin, resolveu "ignorar provisoriamen-
te" tais aspectos.

Através da aparente impenetrabilidade de seus textos, eivados de símbo-
los, enigmas, imagens e metáforas, eles nos falam, p o r cima da muralha dos
séculos, de coisas como consciente e inconsciente, hemisférios cerebrais,
corpo, alma e espírito, processo evolutivo,integração personalidade/indivi-
dualidade, polaridade energética dos seres, conteúdo psíquico da matéria,
restrições impostas pelo acoplamento da entidade espiritual ao corpo físico,

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redenção como trabalho pessoal de cada um, sentido oculto das mandalas,
aspectos religiosos embutidos nos mecanismos da vida, sobrevivência do ser,
insuficência da razão para decifrar a realidade espiritual, força sutil da intuição
e, talvez, coisas que ainda nem tenhamos percebido nos seus escritos.

A técnica de ridicularizar os alquimistas em geral, como ignorantes e
interesseiros caçadores do ouro vil, mal disfarça, portanto, uma arrogante
ignorância erudita da parte daqueles que sabem muito, mas não o que que é
necessário saber para entender melhor o fenômeno humano de que falou
Chardin.

Eis por que eu tinha de escrever mais este capítulo. Foi muito bom que,
primeiro, tivesse dado o livro por concluído, para depois, conferir algumas
reflexões mais arrojadas com a preciosa herança cultural deixada pelos alqui-
mistas. Foi, também, uma lição de humildade e até um espanto verificar que
idéias hoje consideradas renovadoras ou mesmo revolucionárias tenham sido
concebidas de maneira tão lúcida pelos desprezados "fazedores de ouro". Foi
bom, ainda, porque, ao botar lado a lado a pesquisa moderna e os fundamen-
tos psicológicos da alquimia, a gente verifica que conceitos alquímicos estão
ressurgindo por toda parte na literatura especulativa contemporânea, não
porque a ciência como um todo se haja convertido a esses postulados, mas
porque muitos estudiosos começam a romper fronteiras tão severamente
patrulhadas pelo materialismo a fim de abrir espaços para a realidade espiri-
tual que está, não apenas nos seres humanos, mas por toda parte.

Suspeito mesmo que muitos desses inovadores modernos sejam, eles
próprios, velhos alquimistas renascidos no chamado século das luzes, preci-
samente porque as luzes andam embaciadas e ameaçam apagar-se e eles resol-
veram assumir a responsabilidade de reativá-las antes que se extingam de todo.
Um deles, talvez dos mais eminentes, teria sido o doutor Carl G. Jung,
monumento vivo de saber, gênio de insondáveis amplitudes e profundidades,
cuja obra ainda não foi estudada como precisa e deve.

Meus respeitos a ele fiquem aqui documentados e minha gratidão por
me ter proporcionado a oportunidade de subir em seus ombros para contem-
plar o cosmos.

3. Visão gnóstica da vida

Prometi alhures, neste livro, algumas reflexões sobre os gnósticos. Creio
chegado o momento de nos demorarmos um pouco mais no exame dessa
questão. Serei breve e ao leitor interessado em aprofundar o assunto sugiro

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r e c o r r e r ao m e u l i v r o O Evangelho Gnóstico de Tomé, no q u a l não apenas o
t e x t o é apresentado e c o m e n t a d o c o m o o c o n t e x t o em que s u r g i u esse d o c u -
mento.

Despojada de qualquer conotação religiosa ou metafísica, gnose (do grego
gnosis, c o n h e c i m e n t o , sabedoria) se reduz a u m a busca de c o n h e c i m e n t o pelo
conhecimento em si, tanto que a terminologia filosófica adota o termo gno-
siología c o m o alternativa para a expressão teoria do conhecimento. E n c o n t r a -
mos no Aurélio a caracterização de gnose, na história da filosofia, como
"conhecimento esotérico e perfeito da divindade, e que se transmite por
tradição e mediante ritos de i n i c i a ç ã o " , e gnosticismo, c o m o " e c l e t i s m o f i l o -
sófico-religioso surgido nos primeiros séculos da nossa era e diversificado em
numerosas seitas, e que visava a conciliar todas as religiões e a explicar-lhes o
sentido mais profundo por meio da gnose". Explica ainda o Aurélio, entre
parênteses, que constituem "dogmas do gnosticismo: a emanação, a queda, a
redenção e a mediação, exercida por inúmeras potências celestes, entre a
divinidade e os homens. Relaciona-se o gnosticismo com a cabala, o neopla-
tonismo e as religiões orientais".

Já o agnosticismo, ainda segundo o A u r é l i o , conceitua-se c o m o " 1 . p o -
sição metodológica pela qual só se aceita como objetivamente verdadeira uma
proposição que tenha evidência lógica satisfatória; 2. atitude que considera
fútil a metafísica; 3. doutrina que ensina a existência de uma ordem de
realidade incognoscível."

C o m o sempre, são da m e l h o r qualidade as informações colhidas em
Mestre A u r é l i o . Sem esquecer a m o l d u r a que elas a r m a m para nós, vamos
entender a gnose c o m o uma das muitas metodologias da busca em geral e o
gnosticismo como uma corrente de pensamento que se envolveu com o
cristianismo nascente, entre os anos 120 e 240 d . C , aproximadamente. E m -
prego deliberadamente o verbo envolver-se, dado que partilho da opinião de
alguns autores - Gillabert, por exemplo, segundo a qual a gnose universal
preexistente encontrou no cristianismo um p o n t o favorável à sua própria
inserção. Isto significa que uma corrente gnóstica mais ou menos descompro-
missada com estruturas de pensamento religioso sempre existiu, sendo o
gnosticismo, no meu entender, um movimento paralelo de idéias que, a rigor,
nada tinha a ver com o cristianismo, especialmente com aquela modalidade
de cristianismo que começava a estruturar-se teológica e dogmaticamente,
com vistas à formação de um núcleo de poder político-religioso. Em outras
palavras, os pensadores gnósticos encontraram no ideário do Cristo conceitos

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compatíveis com as linhas mestras do seu próprio modo de interpretar a
realidade espiritual. As diferenças entre a Igreja nascente e o gnosticismo
eram, contudo, mais pronunciadas do que eventuais semelhanças ou concor-
dâncias. E isto se acentuaria, até que o gnosticismo passou a ser considerado
como perniciosa heresia a ser eliminada ou, no mínimo, neutralizada, e não
como um grupo que pudesse ser até tolerado, a despeito de certas divergências
doutrinárias. Não havia como ignorar os conflitos ideológicos que se situa-
vam na essência mesma de cada uma das duas correntes. O cristianismo
nascente optou, no dizer da dra. Elaine Pagels, por um modelo quantitativo,
interessado em montar um eficiente núcleo de poder político-religioso, ao
passo que o gnosticismo caracterizava-se como movimento qualitativo, mi-
noritário por convicção. Enquanto a Igreja desenvolvia suas estruturas teoló-
gicas dogmáticas, seus rituais e o conceito do exclusivismo salvacionista gerido
por uma hierarquia sacerdotal, o gnosticismo entendia o processo evolutivo
como projeto individual, no qual cada um tinha de construir, através do
progressivo conhecimento, sua própria libertação do pesado jugo da matéria.
Para a Igreja nascente, já estariam salvos, em princípio, todos aqueles que a
ela aderissem, dado que o sangue derramado pelo Cristo na cruz a todos
redimia. A todos, bem entendido, quantos aceitassem, sem qualquer reserva,
não apenas a doutrina que ia sendo formulada, como a prática fiel e costumei-
ra de sacramentos, rituais e posturas. O que fora apenas uma divergência entre
gnosticismo e cristianismo tornara-se uma brecha que se ampliava progressi-
vamente, sem a menor chance de uma cicatrização que levasse os "hereges"
de volta ao seio do rebanho.

A partir de então, iniciou-se a temporada de caça aos rebeldes que,
embora contestando posições filosófico-religiosas do cristianismo, não dese-
javam muito mais do que algum espaço para viver e trabalhar pela própria
libertação, que teria de vir, necessariamente, através do conhecimento ou,
mais especificamente, do autoconhecimento. A essa altura, contudo, já o
desejado espaço estava praticamente tomado pela Igreja, que rapidamente se
consolidara, adotando inclusive procedimentos, fórmulas, rituais e modelos
transplantados diretamente de cultos pagãos preexistentes, aos quais as popu-
lações estavam habituadas. Para esta gente não fazia muita diferença o nome
do deus que estivesse sendo cultuado, uma vez que o fosse dentro das mesmas
fórmulas. De minha parte, suponho que essa opção pela quantidade em
sacrifício da qualidade, como assinalada a dra. Pagels, muito tenha a ver com
a divinização do Cristo, logo considerado como componente visível de uma
trindade divina. À medida que o tempo decorria, o processo de canonização

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passara até a suprir uma galeria de seres extraordinários, em condições de
preencher no imaginário popular o vazio deixado pelo politeísmo. Os santos
seriam, assim, deuses menores, como dantes, cada um deles ocupado com um
aspecto da vida, em condições de interferirem pelo sofrido mortal junto ao
Deus supremo.

Não era isso que os gnósticos queriam nem era isso o que ensinavam.
Além do mais, o gnosticismo priorizava um amplo envolvimento com a
realidade espiritual, decisivo, aliás, na definição de seus postulados doutriná-
rios, ao passo que a Igreja rejeitava essa realidade e até a combatia, após tê-la
adotado durante os dois primeiros séculos. Estou falando não apenas da
crença na continuidade da vida após a morte do corpo físico, mas do inter-
câmbio com os "mortos", de conceitos c o m o o das vidas sucessivas ou reen-
carnação e o de responsabilidade pessoal de cada um pelos seus atos e, conse-
qüentemente, pelo ritmo de sua própria evolução espiritual. Estou falando
das práticas pneumáticas (leia-se mediúnicas) que floresceram no seio da Igreja
primitiva, ainda enquanto o Cristo vivia na carne e, ainda mais intensamente,
depois que ele partiu para a dimensão espiritual. Quem diz pneumatismo diz,
literalmente, espiritismo, por ser esta a fiel tradução daquele termo, uma vez
que pneurna é a palavra grega para espírito. A evidência dessas práticas ficou
evidenciada em textos canónicos como Atos dos Apóstolos e nas epístolas de
Paulo. Era tão difundido o intercâmbio vivos e mortos que Paulo entendeu
necessário disciplinar a atividade, como se lê de suas minuciosas instruções,
que ocupam os capíulos 12, 13 e 14 da Primeira Carta aos Coríntios.

A medida em que as nascentes hierarquias sacerdotais foram tomando
os espaços antes ocupados pelos médiuns - então conhecidos c o m o profetas
-, a convivência com os espíritos, do Cristo, inclusive, foi desaparecendo do
contexto da Igreja. Para os gnósticos, contudo, essa prática era da essência
mesma de suas cogitações, como assinalam autores contemporâneos. Lê-se
em O Evangelho Gnóstico de Torné, de minha autoria (p. 38):

... os textos coptas retomam o discurso cristão no ponto em que os
canónicos o deixam, ou, em outras palavras, revertem o processo exposi-
tivo destes, construindo as narrativas, não a partir do nascimento de Jesus,
mas de sua morte. É um Jesus póstumo que fala prioritariamente nos
documentos gnósticos, um Jesus sobrevivente, não propriamente ressus-
citado. N ã o é um Jesus m o r t o , mas v i v o .

Mas estamos falando de textos coptas sem ter explicado o que são e o
que significam.

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Para os objetivos deste resumo, basta dizer que estamos nos referindo a
uma "biblioteca" gnóstica composta de 52 "livros" ou rolos de papiro desco-
bertos nas imediações de Nag Hammadi, no Egito, em 1945, dois anos antes
de outro sensacional achado, o dos manuscritos do Mar Morto, numa caverna
em Qumram, na Judéia. Os textos gnósticos de Nag Hammadi foram escritos
na língua copta, datam, materialmente, do século IV da Era Cristã, mas, em
alguns casos pelo menos, reportam-se a originais bem mais antigos, que
podem recuar até o ano 50, quando ainda vivia gente que convivera com o
Cristo.

Considerada uma das mais importantes descobertas arqueológicas do
século X X , esses documentos mantiveram-se cerca de quatorze séculos enter-
rados, e, logicamente, preservados de interpolações, amputações e deforma-
ções, pelo menos durante esse lapso de tempo. Daí a importância deles num
processo de releitura do cristianismo primitivo, dado que pela primeira vez
temos acesso à versão dos próprios gnósticos, ao invés de lermos como eram
avaliados em textos tendenciosos, para dizer o mínimo, escritos com assumida
paixão teológica por alguns dos mais candentes heresiólogos da época. Tão
importante é a contribuição dos documentos coptas que o dr. Geddes Mac-
Gregor lhes atribui poder suficiente para suscitar não apenas uma releitura
do cristianismo, como um verdadeiro renascimento do pensamento cristão.

Para melhor entendimento do conteúdo desses papiros não basta conhe-
cer o desaparecido idioma copta em que foram escritos, mas dispor de um
mínimo de familiaridade com o contexto da realidade espiritual, que Mac-
Gregor caracteriza como "parapsicológica", ou seja, é preciso ler os textos,
no dizer de Gillabert, com "olhos gnósticos". É que esses documentos partem
de pressupostos como existência, preexistência e sobrevivência do ser à morte
corporal, bem como intercâmbio mediúnico entre vivos e mortos e um
processo evolutivo baseado no autoconhecimento e na responsabilidade pes-
soal de cada um. Estará predispondo-se a não penetrar o sentido desses escritos
o pesquisador que não admitir essa realidade, ainda que sem estar convicto
dela.

Como assinala MacGregor, "toda a literatura do Novo Testamento, para
não dizer a vasta literatura não canónica do cristianismo primitivo, foi escrita
por e para pessoas que haviam desenvolvido considerável sensibilidade aos
fenômenos psíquicos".

290

P o u c o adiante, no seu l i v r o , esse m e s m o a u t o r l a m e n t a r i a , de certa
f o r m a , que a Igreja tenha abandonado essas práticas, dado que "as realidades
psíquicas constituem seguramente tudo aquilo que constitui a Igreja".

Apesar de não demonstrar visão tão abrangente - ele revela algumas
rejeições à leitura que MacGregor caracteriza c o m o parapsicológica aos pa-
piros de Nag Hammadi -, Gillabert é bastante enfático ao declarar que "sem
pretender passar p o r profeta (...) o m u n d o de amanha será gnóstico ou não
será".

A dra. Pagels tem postura semelhante, ao postular que "os escritores
gnósticos não descartam as visões como fantasias ou alucinações. Eles respei-
tam - e até reverenciam - tais experiências, p o r meio das quais a intuição
espiritual penetra a natureza da realidade".

N ã o resta dúvida, portanto, mesmo na leitura de autores não muito bem
instruídos sobre tais aspectos da vida, de que a visão gnóstica é essencialmente
pneumática, para usar um termo da época, ou seja, é uma concepção tida hoje
por esotérica e iniciática que se caracteriza com toda a nitidez na maioria dos
textos preservados nas urnas coptas, mas, principalmente, no mais i m p o r t a n -
te deles, o Evangelho de Tomé. Nesse documento, o Cristo instrui, em
particular, um grupo menor, que se poderia considerar de iniciados, por
intermédio de T o m é , .que funciona c o m o escriba, a anotar a palavra de seu
mestre e, a crer-se em algumas especulações, seu irmão gêmeo.

Nesse e nos demais papiros, o que se ensina basicamente é a doutrina
segundo a qual o ser h u m a n o é de essência espiritual, provinda da divindade,
"lá onde a luz nasce de si mesma", c o m o está dito no logion 50, e para lá
regressará algum dia, ao cabo de longo, sofrido e difícil processo evolutivo.
C o m o parte integrante da d i v i n d a d e , esse espírito era " u m c o m D e u s " .
Fazendo-se dois, ou seja, separando-se, deixou-se aprisionar pelos artifícios e
atrativos da matéria densa, à qual permanecerá acoplado, em estado semelhan-
te ao da embriaguez, da cegueira, da sonolência, numa espécie de alienação
semiconsciente e, portanto, prisioneiro da ignorância. Encontramos em The
Occult, de C o l i n W i l s o n (p. 759), u m a ressonância m o d e r n a desse p o n t o de
vista gnóstico e que assim está expresso:

"O principal inimigo da vida não é a morte, mas o esquecimento, a
burrice. Perdemos m u i t o facilmente o r u m o . Esse é o elevado preço que a
vida pagou para descer à matéria: uma espécie de amnésia parcial."

O f i m desse estado de escravidão não é esperado pelos gnósticos através
de uma redenção messiânica coletiva por adesão a determinada estrutura

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religiosa, mas a um intenso, profundo e permanente trabalho de aprendizado,
uma libertação pelo conhecimento, como o próprio Cristo recomendara ao
prever: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". Foi também de
pura concepção cristã a idéia de que é sempre necessário "estar no mundo
sem ser do mundo".

Daí o horrorgnóstico pela matéria, sempre considerada como artificiosa,
enganadora, envolvente e dominadora. Tão séria foi essa rejeição pelas coisas
do mundo e suas imperfeições, que os pensadores gnósticos atribuíam a
criação da matéria e seu cortejo de equívocos a um deus secundário, um deus
mau que se opunha ao Deus perfeito, justo, sábio e infalível. Tal rejeição
ampliou-se de tal forma que alcançou a mulher, c o m o que a responsabilizando
pelo aprisionamento da centelha divina na carne. Daí também a formal e
paradoxal condenação do relacionamento entre homem e mulher. Digo pa-
radoxal, primeiro porque o estágio do espírito na carne, mesmo em estado
de figurada embriaguez ou sonolência, teria de ser necessário ao aprendizado
e, portanto, ao projeto evolutivo do ser e, em segundo lugar, porque os
gnósticos sabiam perfeitamente que a entidade espiritual tanto pode encar-
nar-se num sexo como no outro, em diferentes existências. Pareciam entender
a sexualidade como uma dicotomia, uma dualidade íntima que se define numa
espécie de polarização, a cada vida, segundo as conveniências e projetos do
ser encarnante. Mais do que isso, contudo, parece haver nesse sistema de forças
criativas algo mais profundo ou esotérico que não está ainda esclarecido. Digo
isto porque encontro no Evangelho de Felipe o seguinte ensinamento:

"Quando Eva estava ainda em Adão, a morte não existia. Quando ela se
separou dele, surgiu a morte. Se novamente ele tornar-se completo e recom-
puser seu antigo ser, a morte terá sido extinta."

C o m o Peter Russell, em The Global Brain, também sugere um desdo-
bramento de características femininas e masculinas, segundo os hemisférios,
e como os gnósticos estão sempre a lembrar nos seus textos a eventual
recomposição dos dois que se tornaram um, sinto-me autorizado a suspeitar
de algum ensinamento na alegoria de Adão e Eva, para entendimento da qual
se perderam as chaves apropriadas. Além disso, os gnósticos especulavam
sobre conceitos semelhantes ao das almas gêmeas, c o m o assinala o prof.
Charles Puech, em seu livro En Quête de la Gnose. Há referências insistentes
nos papiros de Nag Hamadi sobre o simbolismo da câmara nupcial, onde,
afinal, os dois voltariam a ser um. Fico a perguntar-me se isso não teria algo
a ver com a eventual absorção da personalidade na individualidade, ao térmi-
no de um longuíssimo processo evolutivo, sugerido, entre outros, pelo dr.

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