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Published by ㅤㅤㅤ ㅤ, 2016-11-12 03:04:02

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DIRETOR GERAL Frederic Zoghaib Kachar
DIRETOR DE AUDIÊNCIA Luciano Touguinha de Castro
DIRETORA DE MERCADO ANUNCIANTE Virginia Any

Edição 961 I 14 de novembro de 2016

PRIMEIRO PLANO Os apoiadores de Hillary Clinton esperavam Diretor de Redação: João Gabriel de Lima [email protected]
uma vitória fácil. Não aconteceu . . . . . . . . . . 48 Editor-Chefe: Diego Escosteguy
DA REDAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 CARTAS DA FRANÇA Diretor de Arte Multiplataforma: Alexandre Lucas
PERSONAGEM DA SEMANA . . . . . . . . . . 15 O desmonte do maior campo de Editores Executivos: Alexandre Mansur, Guilherme Evelin,
Luiz Fernando Pezão: a volta do governador refugiados da Europa expõe a falta Leandro Loyola, Marcos Coronato
carioca em meio à pior crise do Rio de soluções para os imigrantes . . . . . . . . . . . . 52 Editores-Colunistas: Bruno Astuto, Murilo Ramos
A SEMANA EM NOTAS . . . . . . . . . . . . . . . . 18 ENTREVISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 Editores: Aline Ribeiro, Bruno Ferrari, Flávia Tavares, Flávia Yuri Oshima,
A SEMANA EM FRASES . . . . . . . . . . . . . . . 20 Michael Houllebecq, escritor, sustenta que Liuca Yonaha, Marcela Buscato, Marcelo Moura, Rodrigo Turrer;
EXPRESSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 Trump é diferente da extrema-direita francesa Editores Assistentes: Isabela Kiesel, Bruno Calixto
Michel Temer é aconselhado Repórter Especial: Cristiane Segatto
a viajar mais em busca de popularidade IDEIAS Colunistas: Eugênio Bucci, Guilherme Fiuza, Gustavo Cerbasi, Helio Gurovitz,
EUGÊNIO BUCCI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 Ivan Martins, Jairo Bouer, Marcio Atalla, Ruth de Aquino, Walcyr Carrasco
O ensino brasileiro agora precisa DEBATES E PROVOCAÇÕES . . . . . . . . . . . 61 Repórteres: Daniel Haidar, Gabriela Varella, Luís Lima, Nina Finco, Paula Soprana,
mais de quem tem coração do que razão A eleição de Trump será boa para o Brasil? Rafael Ciscati, Rodrigo Capelo, Ruan de Sousa Gabriel,
SUA OPINIÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 OBSERVADOR DA POLÍTICA . . . . . . . . . . 66 Teresa Perosa, Thais Lazzeri, Vinicius Gorczeski
NOSSA OPINIÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Os Estados Unidos divididos em dois mundos Vídeo: Pedro Schimidt; Web Designer: Giovana Tarakdjian;
desconectados Consultora de Marketing: Cássia Christe
TEMPO ENTREVISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 Estagiários: Amanda Geroldo, Beatriz Morrone, Bruna de Alencar,
O belga Jan-Werner Müller, Gabriela Navalon, Helena Fonseca, Zé Enrico Teixeira
CRÔNICAS AMERICANAS professor de política e escritor SUCURSAIS l RIO DE JANEIRO: [email protected]
Como a eleição de Donald Trump HELIO GUROVITZ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 Praça Floriano, 19 – 8o andar – Centro – CEP 20031-050
abre uma era de incertezas Donald Trump encarna um espectro bem Diretora: Cristina Grillo; Editor: Sérgio Garcia;
em todo o mundo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 conhecido na América Latina: o populismo Repórteres: Acyr Méra Júnior, Guilherme Scarpa, Marcelo Bortoloti,
Onde e como Trump virou as eleições . . . . . 40 Nonato Viegas; Repórteres Especiais: Hudson Corrêa, Samantha Lima
Por que uma região industrial decadente VIDA Estagiária: Gisele Barros
alavancou a campanha de Trump . . . . . . . . 44 l BRASÍLIA: [email protected]
MENTE ABERTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 SRTVS 701 – Centro Empresarial Assis Chateaubriand – Bloco 2 – Salas 701/716 – Asa Sul
34 Os romances policiais do cubano Leonardo Padura Diretor: Luiz Alberto Weber;
ÉPOCA EM AÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 Repórteres: Alana Rizzo, Ana Clara Costa, Bruno Boghossian, Filipe Coutinho,
O número de reclamações de consumidores Ricardo Coletta, Talita Fernandes
no Reclame Aqui cresce ano a ano FOTOGRAFIA l Editor: André Sarmento; Assistente: Sidinei Lopes
BRUNO ASTUTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 DESIGN E INFOGRAFIA l Editor: Daniel Pastori;
Fernanda Torres: “Não me fecho a nada” Editora Assistente: Aline Chica;
Designers: Alyne Tanin, Daniel Graf, Renato Tanigawa;
Estagiários: Felipe Rocha, Fernanda Ferrari
Editor de Infografia: Marco Vergotti
SECRETARIA EDITORIAL l Coordenador: Marco Antonio Rangel
REVISÃO l Coordenadora:AracidosReisGalvãodeFrança; Revisores: Alice Rejaili Augusto,
Elizabeth Tasiro, Silvana Marli de Souza Fernandes, Verginia Helena Costa Rodrigues
CARTAS À REDAÇÃO l [email protected];
Assistente Executiva: Jaqueline Damasceno;
INOVAÇÃO DIGITAL l Diretor de Inovação Digital: Alexandre Maron;
Gerente de Estratégia de Conteúdo Digital: Silvia Balieiro;
TECNOLOGIA l Diretor de TI: Rodrigo Gosling; Desenvolvedores: Everton Ribeiro, Fabio
Alessandro Marciano, Jeferson Mendonça, Leandro Paixão, Leonardo Turbiani, Marcelo
Amêndola, Marcio Costa, Murilo Amendola, Victor Hugo Oliveira da Silva; Automação
Editorial: Ewerton Paes, Ronaldo Nascimento; Opec On-Line: Rodrigo Santana Oliveira,
Danilo Panzarini, Higor Daniel Chabes, Rodrigo Pecoschi, Thiago Previero

MERCADO ANUNCIANTE l Segmentos – Financeiro, Imobiliário, TI, Comércio e Varejo l Diretor
de negócios multiplataforma: Emiliano Morad Hansenn; Gerente de negócios multiplataforma: Ciro
Hashimoto; Executivos multiplataforma: Cristiane Paggi, Guilherme Iegawa Sugio, Selma Pina, Ana Silvia
Costa, Milton Luiz Abrantes, Christian Lopes Hamburg, Taly Czeresnia Wakrat; Segmentos – Moda, Beleza
e Higiene Pessoal l Diretor de negócios multiplataforma: Cesar Bergamo; Executivas multiplataforma:
Adriana Pinesi Martins, Eliana Lima Fagundes, Juliana Vieira, Selma Teixeira da Costa, Soraya Mazerino
Sobral; Segmentos – Casa, Construção, Alimentos e Bebidas, Higiene Doméstica e Saúde l Diretora
de negócios multiplataforma: Luciana Menezes; Executivos multipla taforma: Giovanna Sellan Perez,
Lucia Helena Lopes Messias, Rodrigo Girodo Andrade, Valeria Glanzmann; Segmentos – Mobilidade,
Serviços Públicos e Sociais, Agro e Indústria l Diretor de negócios multiplataforma: Renato Augusto
Cassis Siniscalco; Executivos multiplataforma: Andressa Aguiar, Diego Fabiano, Cristiane Soares
Nogueira, João Carlos Meyer, Priscila Ferreira da Silva; l Segmentos – Educação, Cultura, Lazer, Esporte,
Turismo, Mídia, Telecom e Outros l Diretora de negócios multiplataforma: Sandra Regina de Melo
Pepe; Executivos multiplataforma: Ana Silvia Costa, Guilherme Iegawa Sugio, Lilian de Marche Noffs,
Dominique Petroni de Freitas; l Segmento – Digital l Diretora de negócios digitais: Renata Simões Alvez de
Oliveira; l EGCN – Consultora de marcas EGCN: Olivia Cipolla Bolonha; l Escritórios Regionais l Gerente
multiplataforma: Larissa Ortiz; Executiva multiplataforma: Babila Garcia Chagas Arantes; Gerente
de Eventos: Daniela Valente; Coordenador Opec Off-Line: José Soares; l Unidades de Negócio – Rio
de Janeiro – Gerente multiplataforma: Rogerio Pereira Ponce de Leon; Executivos multiplataforma:
Andréa Manhães Muniz, Daniela Nunes, Lopes Chahim, Juliane Ribeiro Silva, Maria Cristina Machado, Pedro
Paulo Rios Vieira dos Santos; l Unidades de Negócio – Brasília – Gerente multiplataforma: Barbara
Costa Freitas Silva; Executivos multiplataforma: Camilla Amaral da Silva, Jorge Bicalho Felix Junior; l
Estúdio Globo – Diretora do Estúdio Globo: Roberta Ristow; Diretor de Arte: Rodolpho Vasconcelos;
Editora Executiva: Vera Ligia Rangel Cavalieri; Coordenador de Projetos Especiais: Renan Abdalla

AUDIÊNCIA l Diretor de Marketing: Cristiano Augusto Soares Santos; Diretor de Clientes e
Planejamento: Ednei Zampese; Gerente de Vendas de Assinaturas: Reginaldo Moreira da Silva;
Gerente de Criação: Valter Bicudo Silva Neto; Gerente de Inteligência de Mercado: Wilma Conceição
Montilha; Coordenadores de Marketing: Eduardo Roccato Almeida, Patricia Aparecida Fachetti

WALCYR CARRASCO . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 ÉPOCA é uma publicação semanal da EDITORA GLOBO S.A. – Avenida 9 de Julho, 5229, São Paulo (SP),
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da Editora Globo S .A ., é preciso, confiável e livre de erro ou distorção e é uma representação equitativa dos
dados e informações de GEE sobre o período de referência, para o escopo definido; foi elaborado em conformi-
dade com a NBR ISO 14064-1:2007 e Especificações do Programa Brasileiro GHG Protocol .

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na edição da mesma semana as cartas que chegarem à Redação até as 12 horas da quarta-feira. Contatos para a Justiça Eleitoral: [email protected] (e-mail); fax: 11 3767-7091. FAX: 11 3766-3755 (NOTIFICAÇÕES DA JUSTIÇA DEVEM SER ENVIADAS PARA 11 3767-7292).

6 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016 Foto de capa: Martin Schoeller/August











Donald Trump no
país de Michael Moore

O diretor de cinema Michael Moore é um herói da es- vesse... num filme de Michael Moore! O candidato da di-
querda americana. Em seu filme mais famoso, Roger reita e o herói da esquerda têm um ponto comum: ambos

e eu, Moore – que também atua nas produções que dirige esmurram a ponta da faca da globalização.

– tenta entrevistar Roger Smith, presidente da General Mo- Muitas análises ainda vão surgir sobre a vitória surpreen-

tors. A GM havia fechado várias fábricas no estado natal dente de Trump em 9 de novembro. Do ponto de vista

de Moore, o Michigan, deixando milhares de desemprega- objetivo da matemática eleitoral, Trump ganhou porque

dos. Moore não consegue entrevistar Roger, mas mostra, seis estados que haviam votado em Obama em 2012 mu-

em sua narrativa, um retrato da decadência da região. O daram de lado. Pensilvânia, Wisconsin, Iowa, Ohio – todos

filme é de 1989, época em que a palavra eles vizinhos ao Michigan – e o próprio

“globalização” começava a se populari- Michigan. O sexto estado foi a Flórida.

zar. Moore se transformou em um dos Trump, assim, triunfou no país de Mi-

líderes do movimento antiglobalização chael Moore, o cinturão industrial ame-

– bandeira importante da esquerda ricano. O coração da classe operária que

americana na década seguinte. foi ao inferno quando as fábricas dos

Simplificando bastante, o termo “glo- países ricos se mudaram para os países

balização” designa o aumento da circu- pobres – e também quando os imigran-

lação de pessoas e mercadorias entre os tes começaram a disputar os empregos

países. Nas décadas seguintes a Roger e com os americanos nativos. Para atender

eu, o aumento do comércio criou rique- seus eleitores, Trump ameaça fechar

za, distribuiu renda e gerou oportuni- fronteiras ao comércio e aos estrangeiros.

dades especialmente nas nações mais Se fizer isso, Trump só gerará mais

pobres. Também permitiu aos cidadãos pobreza. É consenso entre os economis-

que prosperassem fora de seus países de BOLA DE CRISTAL tas que o caminho da prosperidade pas-
origem. Houve, claro, quem perdesse O cineasta Michael Moore. sa por uma abertura comercial crescen-
com o processo. Entre eles, os operários Ele foi um dos únicos a prever te. É consenso entre os historiadores que
do Michigan, que ficaram sem emprego a vitória de Donald Trump os Estados Unidos só se tornaram uma

quando as fábricas em que trabalhavam potência econômica por ter incorporado

foram transferidas para países como o talentos de vários lugares do mundo. Por

México, a Tailândia, a China ou o Vietnã. mais que nacionalistas e xenófobos resistam, o direito de

Na semana passada, pouco depois da vitória de Donald tentar uma vida melhor numa terra estrangeira, assim como

Trump na eleição para presidente dos Estados Unidos, um a liberdade de criar negócios que atravessem fronteiras, é

texto de Michael Moore viralizou nas redes sociais. No característica inexorável do mundo moderno. Esta é a reali-

artigo, publicado em julho deste ano no site The Huffing- dade. Ela é mais complexa que os slogans dos cineastas de

ton Post, Moore previa a vitória de Trump, na contramão esquerda. E – principalmente – que a retórica de palanque

das pesquisas dos institutos e das análises dos cientistas dos populistas de direita.

políticos. Para embasar sua tese, Moore retorna a seu Mi-

chigan natal. Ele relata uma cena em que, na campanha

eleitoral, Trump se posta em frente a uma fábrica da Ford

que ameaçava migrar para o México. No discurso, Trump

diz que vai defender os trabalhadores do Michigan contra

os capitalistas exploradores. Diz também que, caso a fábri-

ca se mude, ele vai taxar os carros fabricados no México João Gabriel de Lima
Diretor de Redação
em 35%. É aplaudido. Na cena, Trump age como se esti-

12 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016 Foto: Kena Betancur/AFP









PPRLIMAENIROO
LUIZ FERNANDO PEZÃO

O GESTOR DA RESSACA

Recuperado de um câncer, o governador volta a administrar um Rio de
Janeiro falido pela gastança e conflagrado por uma crise sem precedentes

Foto: Guito Moreto/Agência O Globo 14 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 15

PERSONAGEM DA SEMANA

OHudson Corrêa e promoveram um quebra-quebra na sala da vice-presidên-
governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando cia. “Acuar os deputados numa sala dentro do departamen-
Pezão, encerrou o expediente às 3 horas da to médico não é (coisa) de servidor público”, diz Pezão. “In-
tarde por recomendação médica. Aquela vadir um Parlamento, nem na ditadura. Isso é caso de
terça-feira, 1o de novembro, era seu primeiro polícia.” Era mesmo, só que parte da polícia estava do lado
dia de trabalho após sete meses de afastamen- oposto, promovendo a bagunça. Neste ano de penúria, em
to para se tratar de um câncer no sistema linfático, que afe- que falta dinheiro até para gasolina em viaturas e para pagar
tou sua coluna vertebral. Aos 61 anos, Pezão ainda sofre “os os salários dos policiais em dia, os índices de violência au-
efeitos violentos” das sessões de quimioterapia pelas quais mentaram. De janeiro a setembro, em relação ao mesmo
passou: perdeu massa muscular, não pode ficar muito tem- período de 2015, os homicídios cresceram 18% e os roubos
po em pé e monitora as taxas de cálcio e vitamina no sangue. de rua saltaram 44%. No dia seguinte à invasão, servidores
Os médicos recomendaram que Pezão trabalhe em média de várias categorias tentaram tomar o plenário novamente.
quatro horas por dia. “Não dá. A situação é muito grave”, Desta vez, a Polícia Militar reagiu com bombas, gás lacrimo-
diz. A situação do estado do Rio de Janeiro, não a do gover- gêneo e spray de pimenta. Ao som das explosões, o presiden-
nador, entenda-se. O Rio terminará 2016 com um rombo te da Assembleia, Jorge Picciani, do PMDB, tirou o projeto
histórico de R$ 17,5 bilhões nas contas, somado a uma pers- da pauta e mandou de volta ao governo a parte que aumen-
pectiva sombria. Só haverá dinheiro suficiente para pagar ta a alíquota para a Previdência. É o coração do pacote, pois
sete meses de salário dos servidores durante 2017. prevê uma arrecadação extra de R$ 11,8 bilhões.

Na quarta-feira, dia 9, Pezão peregrinou pelos gabine- “Você pode botar um Mister M lá (no governo) que não
tes em Brasília atrás de ajuda. Segundo ele, teve uma jor- vai resolver”, disse Pezão. “Dinheiro não vai cair do céu.”
nada de 14 horas de trabalho. No dia seguinte, o Tesouro Pezão culpa a crise econômica do país, a queda do preço do
Nacional bloqueou R$ 140 milhões das contas do estado petróleo no mundo e a crise da Petrobras pela derrocada sem
pelo calote em parcela da dívida com a União. Pezão te- precedentes. Contudo, no passado muito recente, adminis-
lefonou para o presidente Michel Temer, seu colega de tradores do Rio – inclusive Pezão – trabalharam como se o
PMDB. “Presidente, o estado está ficando ingovernável”,
disse. Pediu trégua ao Tesouro na cobrança da dívida, mas
não foi atendido. Temer não tem como afrouxar a corda
no pescoço do Rio. Em represália, Pezão ameaça pedir a
intervenção federal no estado, o que tornaria Brasília res-
ponsável pelas finanças do Rio e poderia derrubar o teto
de gastos da União aprovado no Congresso.

Assim que reassumiu o cargo, Pezão apresentou um dra-
coniano plano para enfrentar a crise. Prevê corte de pro-
gramas sociais, como os restaurantes populares que servem
35 mil refeições por dia, aumenta a alíquota do imposto
estadual sobre energia elétrica, gasolina, cigarro e cervejas
e reduz de 20 para 12 o número de secretarias. O mais
importante, no entanto, é o desconto na folha dos funcio-
nários para custear o rombo na Previdência Social. Em vez
dos 11% atuais, os servidores passariam a pagar uma alí-
quota de 30%, inclusive os aposentados que ganham menos
de R$ 5.190 e eram isentos. Coisa parecida se viu na Grécia,
onde a Previdência quebrou. “São medidas duras, mas é a
forma de atravessar esta turbulência devido à queda da
arrecadação”, afirmou Pezão ao anunciar ao plano. O go-
verno estima que as medidas renderão R$ 28 bilhões em
2017 e 2018. Sem elas, haverá no biênio um déficit de
R$ 52 bilhões, principalmente com a Previdência.

Bastou o plano entrar na pauta de discussões para servi-
dores sitiarem o prédio da Assembleia Legislativa do Rio. Na
terça-feira, dia 8, policiais, agentes penitenciários e bombei-
ros à paisana – alguns deles armados – invadiram o plenário.
Subiram nas mesas dos deputados para discursos exaltados

16 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016

Luiz Fernando Pezão

dinheiro público desse em árvores. O antecessor Sérgio

Cabral e o próprio Pezão, seu vice entre 2007 e 2014,

forçaram a barra na bonança. O governo usou e até

antecipou a receita de royalties do petróleo para com-

plementar o valor gasto com aposentadorias e pensões.

É algo contrário ao que ensinam os manuais de eco-

nomia: vincular uma receita transitória e instável a

gastos fixos. Para piorar, a partir de 2011, o Estado

aumentou suas despesas com pessoal. Em fevereiro de

2012, no topo da popularidade, Cabral concedeu au-

mento superior a 100% a algumas categorias. Candi-

dato em 2014, Pezão patrocinou a elevação do teto

salarial para R$ 26.600. A rédea também ficou solta nas

concessões a empresas. Segundo o Tribunal de Contas

do estado, entre 2008 e 2013, o governo deixou de re-

colher R$ 138,6 bilhões em impostos. Em tempos pa-

recidos, o megainvestidor americano Warren Buffett

profetizou sobre o mercado financeiro em uma fase de

É A CRISE euforia: “Só quando a maré baixar descobriremos
Servidores
tentam invadir a quem estava nadando pelado”. A maré de Ipanema
Assembleia no
Rio de Janeiro. baixou e a foto financeira do Rio é um nude.
Ninguém quer
pagar a conta Mas, no ápice, os tempos pareciam bons. Sérgio
da gastança
Cabral era popular, curtia a “ponte aérea” Rio-Paris
O Rio de Janeiro
tem um rombo com a mulher, Adriana Ancelmo, e o empresário Fer-

enorme e a sombria nando Cavendish, dono da Delta, empreiteira favorita
perspectiva de não
para obras de seu governo. Numa dessas excursões,
conseguir pagar
salários em 2017 como crianças inebriadas, Cavendish e alguns secre-

Foto: Marcelo Theobald/Extra/Agência O Globo tários de Cabral decoraram suas cabeças com guarda-

napos de pano. A “Gangue dos Guardanapos”, como

foi batizada com verve pelo implacável Anthony Ga-

rotinho, fez vídeos e fotos. Paris era uma festa. Em

2009, Cavendish deu de presente à mulher de Cabral

um anel de R$ 800 mil da joalheira Van Cleef, em Mô-

naco. Enquanto isso, como vice e secretário de Obras,

Pezão cuidava dos contratos com a Delta. Cabral afir-

ma que a joia foi devolvida em 2012, depois que Ca-

vendish caiu em desgraça por obra da Polícia Federal.

Foi-se o anel, ficaram as digitais de suspeitas de

corrupção. A delação premiada de Cavendish, em

preparação, promete ser péssima para Cabral e ruim

para Pezão. Na Operação Lava Jato, dois ex-dirigen-

tes da empreiteira Andrade Gutierrez afirmam que

Cabral exigiu propina de 5% na reforma de R$ 1,2

bilhão do estádio Maracanã. Cabral nega. A ressaca

dos bons tempos desfrutados por Cabral ficou para

Pezão. Ele diz não temer a Lava Jato porque a Polícia

Federal pediu o arquivamento do inquérito contra

ele por suspeita de caixa dois nas eleições de 2010.

Acha que não há motivos para um processo de im-

peachment, desejo de alguns deputados estaduais.

“Não dei pedaladas”, afirma sobre as manobras fiscais

que derrubaram Dilma Rousseff. u

14 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 17

QUE RESUMEM A SEMANA NOVEMBRO I 2016

Seg Ter Qua Qui Sex Sáb Dom
7 8 9 10 11 12 13

Contra a
sabotagem

Na quarta-feira, dia 9, procuradores
da força-tarefa da Operação Lava
Jato repudiaram as manobras de
deputados para votar com urgência
o projeto que altera a Lei de
Organização Criminosa. Segundo
eles, a proposta põe em risco a
investigação contra a corrupção
na Petrobras. “Querem enterrar
a Lava Jato”, afirmaram.

A segunda de Pimentel A QUEDA O cheque para
SEM FIM Temer
A Procuradoria-Geral da República denunciou
pela segunda vez o governador de Minas Gerais, O ritmo do Na terça-feira, dia 8, a defesa da
Fernando Pimentel, do PT, na semana passada. varejo voltou ex-presidente Dilma Rousseff
Fruto das investigações da Operação Acrônimo, a desacelerar. anexou documentos ao processo
Pimentel é acusado de corrupção passiva por receber As vendas no Tribunal Superior Eleitoral
propina em troca de ajudar a empreiteira Odebrecht (TSE) contra sua chapa, eleita em
a obter empréstimos do BNDES, quando era recuaram 2014. Um dos documentos mostra
ministro do Desenvolvimento. A denúncia é baseada que um cheque de R$ 1 milhão
na delação premiada de Benedito Oliveira, operador da Andrade Gutierrez doado à
de Pimentel. Na mesma denúncia, o empreiteiro campanha entrou pela conta do
Marcelo Odebrecht é acusado de corrupção ativa. então candidato a vice, Michel
Temer. A novidade pode fragilizar a
A vez dos tese de Temer de que sua arrecadação
operadores foi separada da de Dilma.

A Polícia Federal deflagrou na em setembro, pior
quinta-feira, dia 10, a 36a fase da resultado para o
Operação Lava Jato. Batizada de mês desde 2002.
Dragão, a ação investiga a lavagem Os dados foram
de mais de R$ 50 milhões por divulgados pelo
dois operadores, o empresário IBGE na quinta-
Adir Assad e o advogado Rodrigo
Tacla Duran. Assad já está preso feira, dia 10.
em Curitiba desde agosto e Duran
não foi detido porque estava no
exterior.

18 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016

RETOMADA Soldados pró-governo de Bashar al-Assad caminham pelo distrito de Minyan, em Aleppo.

No início da semana, as tropas retomaram o distrito, que estava sob domínio do grupo terrorista Estado Islâmico.
Desde 2012, Aleppo está dividida em duas partes: a leste, sob controle dos rebeldes; a oeste, sob controle do regime.

Meu país é outro

De acordo com dados de 2015 divulgados pela ONU, mais de 240 milhões
de pessoas no mundo deixaram seus países de origem para fugir de guerras e
conflitos ou em busca de melhores oportunidades econômicas. Isso representa
cerca de 3% da população mundial. Nos nove países que mais exportam
pessoas, o índice de migração representa mais de 20% da população.

Pessoas vivendo fora de seu país de origem Número de migrantes

Bósnia-Herzegóvina 30% 1.650.000
28% 1.120.000
Albânia 28% 1.070.000
25% 940.000
A chacina Jamaica 22% 4.080.000
foi vingança 22% 5.010.000
Armênia 22% 360.000
Um guarda civil de Santo André 21% 520.000
confessou na quinta-feira, dia Cazaquistão 20% 2.310.000
10, participação na emboscada
aos cinco jovens que foram Síria 30
executados em uma mata em
Mogi das Cruzes, na Grande São Trinidad e Tobago
Paulo. A polícia suspeita que
eles foram mortos por policiais, Macedônia
como vingança pelo assassinato
de um guarda civil em setembro. Portugal

0 10 20

Fonte: PewResearchCenter

Fotos: Ueslei Marcelino/Reuters, André Dusek/Estadão Conteúdo, Hélio Torchi/Sigmapress/ 14 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 19
Estadão, Conteúdo, George Ourfalian/Afp, Renato S. Cerqueira/Futura Press /Estadão
Conteúdo, Buda Mendes/Getty Images, Cassiano Rosário/Futura Press/ Estadão Conteúdo

QUE RESUMEM A SEMANA

“Pior dia na
América: 11/9.
Segundo pior dia
na América: 9/11”

Snoop Dogg, rapper, ao comparar os
atentados de 11 de setembro à eleição
de Donald Trump, em 9 de novembro

20 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016

“Madame presidente” “Trump é “Teremos de nos
fundamentalmente adaptar, e é isso
The New York Times, jornal americano, na um populista” que faremos”
manchete preparada para a vitória de Hillary –
que, afinal, não ocorreu. O eleito é Donald Trump Steve Bannon, chefe executivo Mauricio Macri, presidente da Argentina
da campanha eleitoral de Trump
“Às vezes, você “Treino é treino,
perde uma eleição” “Desqualificado, jogo é jogo. O treino
narcisista, misógino” é a campanha.
Barack Obama, presidente dos Estados O jogo começa agora”
Unidos e cabo eleitoral de Hillary Clinton Richard Dawkins, cientista, sobre Trump
José Serra, ministro das Relações
“É o acontecimento “Piada que Exteriores. Em julho, Serra disse que a
político mais chocante vira pesadelo” vitória de Trump seria “um pesadelo”
da minha vida”
Caetano Veloso, cantor, sobre Trump “Abre-se um
Nate Silver, estatístico que, em 2012, período de incerteza”
acertou o resultado da eleição nos 50 estados “Agora que ele é
americanos. Agora, Silver dizia que Hillary presidente, não posso” François Hollande, presidente da França
tinha 71,4% de chances de vencer. Ela perdeu
Robert De Niro, ator. Antes da eleição, ele disse “Ótimo encontro,
“Tremores que queria dar um soco na cara de Trump tremenda química.
de mudança, Melania gostou um
eleições vulcânicas” “O lado bom monte da senhora ‘O’”
é que não podemos
Allan J. Lichtman, historiador que previa mais fingir estar Donald Trump, presidente eleito dos Estados
a vitória de Trump desde setembro. livres de racismo Unidos. Ele e sua mulher, Melania Trump, visitaram
Lichtman usa modelos matemáticos e sexismo. Mas o Barack Obama e Michelle Obama, na Casa Branca
de previsão de desastres naturais que faremos agora?”
“Foi um pouco menos
“Essa derrota dói” Jessica Chastain, atriz bizarro do que alguns
devem ter esperado”
Hillary Clinton, candidata derrotada “Parem de dizer que estão
chocados. Vocês querem Josh Earnest, secretário de imprensa da Casa
DEDO NA CARA dizer que estavam numa Branca, sobre o encontro entre Trump e Obama
bolha e não prestaram
“Não conhecíamos atenção aos colegas” “Nunca vou dizer
o país em que moramos” que dessa água
Michael Moore, documentarista nascido não beberei”
Paul Krugman, economista ganhador no “rust belt”, região industrial dos Estados
do Prêmio Nobel em 2008, Unidos que decidiu a eleição a favor de Trump Roberto Justus, apresentador de O aprendiz.
surpreso com a vitória Também apresentadores do programa, João
de Donald Trump sobre Hillary Clinton Doria Jr. conquistou a prefeitura de São Paulo e
Donald Trump a Presidência dos Estados Unidos

“Em 2018, será
o Brasil no
mesmo caminho”

Jair Bolsonaro (PSC-RJ), deputado federal

“E que tudo mais
vá pro inferno!”

Roberto Carlos, cantor. Pela primeira vez
em décadas, ele cantou a música “Que tudo
vá pro inferno”, para seu especial de fim de ano

Fotos: Mireya Acierto/Getty Images/AFP, Neilson
Barnard/Getty Images for the New York Times, Lloyd

Bishop/NBC/NBCU Photo Bank via Getty Images

POR MURILO RAMOS [email protected]

AAvisalmá ensageira Não acabou

P reso em Curitiba, o ex-deputado federal Eduardo Cunha pediu a Fabiano Silveira foi apeado do
sua mulher, Cláudia Cruz, para avisar ao Planalto que ele conta Ministério da Transparência assim
com o lobby do governo junto aos Tribunais Superiores para ajudá-lo a que seu nome apareceu em gravações
sair da cadeia. Até agora, Cunha está se controlando e evita firmar uma orientando o presidente do Senado,
delação premiada. Tenta se concentrar na defesa técnica e pretende esgotar Renan Calheiros, em assuntos da
todos os recursos jurídicos, antes de voltar a pensar numa colaboração Lava Jato. Mas o Ministério Público
com o Ministério Público Federal. O Planalto não vai se mexer. Federal não se esqueceu de Silveira,
que é servidor do Senado. Abriu um
Susto geral inquérito para apurar o caso.

A decisão do juiz Volte aqui
Vallisney Oliveira
de manter o doleiro Investigadores da Lava Jato estão
Lúcio Funaro preso irritados com delatores da Andrade
causou preocupação Gutierrez. Acham que eles se
no Palácio. Lúcio concentram em contar os podres dos
ficou furioso. petistas e poupam os tucanos.
Mandou avisar que,
se continuar preso, Fazenda misteriosa
revelará segredos
que detonariam boa A Lava Jato desconfia da versão
parte do PMDB. O de Pedro Novis, ex-presidente da
doleiro estava bem Odebrecht, sobre a venda da fazenda de
confiante de que sua namorada para Juscelino Dourado,
deixaria a cadeia. assessor de Palocci, em 2011. Novis
diz que é apenas uma coincidência.
22 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016 Os investigadores acham que a
fazenda, avaliada em R$ 26 milhões,
é de Palocci e foi um pagamento por
serviços prestados à Odebrecht.

Só em 2017

Atarefado, o juiz federal Sergio
Moro não tem conseguido listar
os bens bloqueados na Lava Jato
que poderiam ser leiloados. Entre
eles estão apartamentos do doleiro
Alberto Youssef em um hotel
localizado a poucos metros da
Basílica de Aparecida, em São Paulo.

Até mais, professor

Moro pediu licença não remunerada
da função de professor de Direito da
Universidade Federal do Paraná, onde
ganha R$ 3 mil por mês. Delegados
da Lava Jato já tiveram aula com ele.

Fotos: Ueslei Marcelino/Reuters, Beto Barata/PR,Sérgio Lima/
Folhapress e Lula Marques/Folhapress

Com BárebraerpaoLrtoabgaemtodeeNDoannaiteol HViaeigdaasr

Queimou Sem milhas Herança

Investigadores da Zelotes encontraram No ar Temer foi avisado de que, mesmo
registros de três depósitos, que somam condicionado passados seis meses da saída de Dilma
mais de R$ 800 mil, da gigante BRF do Palácio do Planalto, muitos petistas
em 2011 para a SGR, consultoria Políticos ligados a Temer têm dito ainda estão aboletados em cargos
usada por conselheiros do Carf a ele que sua baixa popularidade de pouco prestígio no governo, mas
para receber propina em troca de não está relacionada apenas ao importantes para o funcionamento
decisões que aliviavam ou suprimiam pacote amargo da economia. da máquina. Temer deverá
multas gigantescas de empresas. Está associada, também, ao acelerar as demissões no terceiro
hábito de permanecer por tempo e quarto escalões nas próximas
Reclamação demais em Brasília. Na semana semanas. Os partidos aliados não
passada, lançou um programa veem a hora de isso acontecer.
Em 2013, um dos principais popular, o Cartão Reforma, no
investigados na operação, ar condicionado do Planalto. “Desprezível”
José Ricardo da Silva, então Foi aconselhado a se expor
conselheiro do Carf, reclamou um pouco mais, inclusive no Assim o presidente Michel Temer
que, a partir da fusão da Sadia Nordeste, onde a rejeição é maior. tem se referido a Ciro Gomes
com a Perdigão (que criou a quando o nome do ex-ministro do
BRF), ficou mais difícil receber governo Lula surge nas conversas.
pelos “serviços”. Numa conversa,
Silva disse a um interlocutor Aluga-se
ter mandado um e-mail para o
advogado da BRF para se queixar. A mansão que a ex-ministra da Casa
A BRF diz que suas atividades Civil Erenice Guerra ocupava em
cumprem a ética e a legislação. Brasília para fazer lobby foi desocupada
e está para ser alugada por R$ 25 mil.
“Anjo da guarda” Seu proprietário é um outro lobista,
próximo do ex-ministro José Dirceu.
Nem só de bilhões vivia a Zelotes.
Por anos, conselheiros pagaram Hermanas
menos de R$ 400 por mês a uma
secretária da Receita Federal a fim A ex-presidente Dilma Rousseff e a
de obter informações privilegiadas. ex-presidente da Argentina Cristina
A secretária chamava um desses Kirchner têm encontro marcado em
patrocinadores de “anjo da guarda”. São Paulo no começo do mês que
vem. Participarão de uma mesa de
Rádio-Papuda discussões, organizada por movimentos
sociais, sobre os dois países.
O ex-diretor do Banco do
Brasil Henrique Pizzolato, Bicadas
condenado no processo do
mensalão, tem causado na Aécio Neves e José Serra bolam
Papuda. Colegas de sua ala formas de diminuir a força de
no presídio dizem que ele Geraldo Alckmin no PSDB após
faz barulho demais, inclusive a vitória de João Doria, seu
à noite, e vaza boa parte aliado, para a prefeitura de São
das conversas que escuta Paulo. Entre as estratégias está
na prisão. O empresário afastar qualquer político ligado
Luiz Estevão é um dos ao governador paulista da disputa
que perderam a paciência pela presidência da Câmara e pela
com Pizzolato, preso desde liderança do partido na Casa.
outubro do ano passado. Muito menos deixar Alckmin em
condições de presidir a legenda.
Leia a coluna Expresso em epoca.com.br As eleições do PSDB estão
marcadas para maio de 2017.

14 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 23

EUGÊNIO BUCCI

Ainda sobre
ocupar escolas

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) precisou ser um número de 1.072 unidades de ensino ocupadas pelo
adiado em pelo menos 304 locais de prova, prejudican- Brasil. (E quantos ministros sabem que a Ubes é a União

do 191 mil estudantes em 19 estados. Por quê? Porque as es- Brasileira dos Estudantes Secundaristas?) Talvez fosse uma

colas estavam ocupadas por adolescentes que protestavam cifra exagerada, mas há, sim, uma revolta enorme na alma

contra a proposta de reforma do ensino preparada pelo go- dessa geração. Ela tem um futuro incerto no tal “mercado

verno – e também contra a Proposta de Emenda Constitucio- de trabalho”, a educação que recebe é de péssima qualidade,

nal que limita os gastos públicos, a famigerada PEC 241. seus professores ganham uma miséria e são desprestigiados

Essa meninada tem razão? É muito fácil dizer que não o tempo todo pelas autoridades.

tem. Os argumentos que apresenta são pouco elaborados, No mesmo discurso de terça-feira passada, Temer decla-

desinformados, mal fundamentados. Você pode dizer que rou: “Nós precisamos aprender no país a respeitar as ins-

o ensino médio precisa, sim, de uma reforma em regra, tituições”. Precisamos mesmo. Estamos de acordo com isso.

de alto a baixo, e já. Você também pode dizer que os mi- Mas será que os governos (o federal, os estaduais e os mu-

litantes do movimento estudantil repetem bordões pan- nicipais) respeitam a instituição da educação? Respeitam

fletários e mal sabem o que vem a ser esta sigla, PEC. O a dignidade pessoal de um professor?

próprio presidente Michel Temer disse isso, na terça-feira Claro que não. E tem sido assim há décadas. Há boas

passada, ao discursar num seminário em Brasília. escolas públicas, há professores que são heróis, santos, que

– Você sabe o que é uma PEC? – ele são iluminados, mas, francamente, na mé-

perguntou, num diálogo imaginário dele dia acachapante, os prédios escolares pare-

consigo mesmo. Ao responder, valeu-se de cem ruínas de guerra, a violência come
O ENSINO BRASILEIRO, solta nos corredores, o crime campeia, o
uma ironia cruel:

– É uma Proposta de Ensino Comercial. AGORA, NÃO PRECISA descalabro é vergonhoso e total. A escola
E concluiu: TANTO DE QUEM pública é um lugar onde os pais abando-
– As pessoas não leem o texto. Não es- nam os filhos ao abandono do Estado.

tou dizendo as que ocupam ou não ocu- TEM RAZÃO. PRECISA Aí, quando a garotada vai lá e ocupa,
pam, estou dizendo em geral. As pessoas MAIS DE QUEM eis que se levanta a voz do bom-senso
debatem sem discutir ou ler o texto. (dos que nunca frequentaram uma esco-
TEM CORAÇÃO
Tecnicamente, Michel Temer está co- la pública) para pedir moderação, juízo

berto de razão. Não são só os estudantes e domínio escorreito dos trâmites inson-

que “debatem sem ler o texto”. Neste país, dáveis do processo legislativo brasiliense.

as autoridades assinam documentos sem ler, os parlamen- Quanta insensibilidade.

tares votam sem conhecer a matéria e os eleitores na rua Um adolescente, quando ocupa a sua escola, não é mas-

não têm a menor ideia do que é um agravo regimental ou sa de manobra dos partidos políticos. Não é um “inocente

um habeas corpus. Estamos num país que cassou o manda- útil”, como diziam os torturadores no tempo da ditadura

to de uma presidente da República por decretos de suple- militar. É alguém que, mesmo sem ter consciência, se apos-

mentação orçamentária sem autorização do Congresso sa do que deveria ser seu desde o início, dando um sentido

Nacional e, até agora, ninguém deu conta de explicar para humano para um prédio desumano. É alguém que bate na

as pessoas comuns, as que não são juristas, que crime de porta da vida adulta e pede ingresso na maioridade políti-

responsabilidade foi esse. Diante disso, o presidente da Re- ca. E como esse adolescente é recebido? Com ponderações

pública tem toda a razão. “As pessoas debatem sem ler.” esnobes e reprovações indiferentes.

Mesmo assim, é o caso de perguntar ao presidente e aos Esses meninos e essas meninas precisam aprender o que é

seus ministros se eles, senhores, sabem o que leva um ado- uma PEC, sem a menor dúvida. Mas, antes, os governantes

lescente a enfrentar tantos riscos para se instalar com rou- precisam aprender o que eles sentem, o que eles carregam na

pa de cama e toalha de banho dentro do prédio em que alma, com que esperanças destroçadas negociam para se man-

estuda. O governo tem ideia do sentimento que leva um ter íntegros. O ensino brasileiro, agora, não precisa tanto de

garoto ou uma garota a ocupar a sua escola? quem tem razão. Precisa mais de quem tem coração. u

Não estamos falando aqui de algo sem relevância, de um

protesto desprezível. Em outubro, a Ubes chegou a cravar Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP

24 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016



Escreva para: O SPRINT FINAL E O PAÍS CAI NA REAL
[email protected]
Em “O sprint final” (960/2016), Em “Da Redação” (960/2016), o diretor
ÉPOCA mostrou como a reta final de redação de ÉPOCA afirma que o
da campanha presidencial nos Brasil melhorou de 1960 até hoje
Estados Unidos foi sangrenta
Em seu editorial “E o país cai na real”,
O mais interessante de tudo é ver co- João Gabriel de Lima afirma que “fes-
mentários de brasileiros falando mal tejamos a justiça contra os corruptos”. A
ou preocupados com o que acontece na esse respeito gostaria de ressaltar que essa
política americana. Como se fossem exem- comemoração é apenas parcial, visto que
plos de políticos e eleitores-modelos. a Justiça brasileira não atinge os políticos,
que são os grandes responsáveis pela cor-
Renato Amaral, rupção em nosso país. Enquanto houver
via Facebook esse famigerado foro privilegiado, e en-
quanto o STF continuar dando cobertura
Meus pêsames pelos americanos! aos políticos corruptos, não haverá muito
o que festejar.
Kedma Mendes,
via Facebook Aloísio de Araújo Prince,
Belo Horizonte, MG
Tempos sombrios à vista.
UM ANO DEPOIS
Anderson Tadeu,
via Facebook Em “Ainda na lama” (960/2016),
ÉPOCA mostrou que a situação
Chego à conclusão (após assistir à cam- na região de Mariana,
panha presidencial americana) de que Minas Gerais, é dramática
é bem melhor nosso nível de campanha.
Uma triste realidade e um grande
Crowley Robson, sofrimento para todos aqueles que
via Facebook dependem deste rio (Doce) para viver.

Isaias Ribeiro,
via Facebook

COMENTÁRIO DA SEMANA O Blog do Planeta, de ÉPOCA, vai
dar com destaque em 2065: “Hoje faz
Mesmo que a Samarco venda todos 50 anos do desastre em Mariana, e o Rio
os seus bens, ficará eternamente em Doce continua imerso na lama”. Acredite.
dívida com o meio ambiente e com
todos os viventes desta Terra. Qualquer Nilton Isidoro,
pena será branda perto da destruição via Facebook
que a irresponsabilidade causou”
Somente a natureza conseguirá um
Leony Oliveira, dia, se dermos a ela a oportunidade,
via Facebook recuperar a bacia do Rio Doce. Depois de
um acidente dessa dimensão, há muito
26 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016 pouco que o homem possa fazer. O erro
foi não prevenir o suficiente. Depois não
há jeito nem dinheiro para recuperar.

Fábio Vinício Dias Ferreira,
via Facebook



SUA OPINIÃO

EDUCAÇÃO SEM IDEOLOGIA A SAÚDE NO PAÍS GANHOU
Donald
Em “Por escolas boas, sem partido e Na coluna de Cristiane Segatto no site de
sem religião” (960/2016), Ruth de Aquino ÉPOCA, a presidente do STF, Cármen Lúcia, Trump, o
defende que alunos não sejam doutrinados se posicionou: “O direito à saúde não é gasto, controverso
é investimento”
O movimento (das escolas ocupadas milionário,
por estudantes) é contra medidas ar- Se há algo que precisa ser priorizado é o novo
bitrárias que congelam por 20 anos inves- neste país é a saúde. Enquanto eu lia
timentos em áreas cruciais como Educação a matéria, muitas pessoas morriam sem presidente
e Saúde, enquanto se aumentam despesas acesso a um sistema de saúde decente. Se dos Estados
desnecessárias em outros setores, o que me permitem a redundância: pobre do
deixa margem de dúvida quanto à neces- pobre doente neste país. Unidos
sidade de tamanha atrocidade. Além de
uma reforma no ensino médio, que é pre- Karina Almeida,
judicial e não foi discutida com professo- via Facebook
res nem com alunos. É retrógrada e dita-
torial. Ocorre que as reivindicações dos
estudantes são legítimas. Detalhe: o mo-
vimento estudantil não foi criado pelo PT.
Existe faz tempo. Tudo agora é doutrina-
ção, esquerdopata... Que infantilidade.

Dulce Medeiros,

via Facebook

Aqui um parênteses. “Sem partido”,
porque isso tenderia à doutrinação,
mas sim com ensino político e imparcial
de todas as vertentes. É idiotismo puro o
que se prega, que apenas a “sua” ideologia
é a correta quando o mundo está cheio de
exemplos de sucesso e insucesso. Informa-
ção e conhecimento sempre; doutrinação,
jamais. Concordo com a essência do texto.

Odirley Ieger,

via Facebook

MAIS COMENTADAS MAIS LIDAS MAIS COMPARTILHADAS

1 Por que a eleição de Trump 1 Carol Celico, ex de Kaká: 1 PF supera FBI em número de
ameaça o clima da Terra casamento à vista seguidores em rede social
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faturou R$ 15 milhões com a ameaça o clima da Terra ameaça o clima da Terra
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3 Serra disse que a vitória 3 Serra disse que a vitória 3 Cármen Lúcia: “O direito
de Trump seria “pesadelo” de Trump seria “pesadelo” à saúde não é um gasto.
Expresso Expresso É um investimento”

4 MP determina inquérito 4 Luiza Possi desabafa: 4 Lava Jato avança sobre INSTAGRAM DO LEITOR
contra marido de senadora “Até hoje sofro preconceito” ex-ministra Erenice Guerra
Expresso Bruno Astuto Expresso @felivi venceu o tema “Riso solto”. Confira
mais fotos e o tema da próxima edição
5 Por escolas boas, sem 5 PEC 241: Tudo sobre 5 Ministro do STF determina no Instagram de ÉPOCA: @revistaepoca
partido e sem religião o teto de gastos que Renan informe a PF
Ruth de Aquino Expresso

28 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016



Quando
menos é mais

A proposta para reduzir o número de partidos
pode devolver alguma eficiência ao sistema
político – ainda que guarde certo casuísmo

res serão permitidas as federações, nas quais

dois ou mais partidos poderão somar seus

votos para ter direito ao tempo de propagan-

da eleitoral gratuita em rádios e TVs.

Diante de um sistema político ineficiente

com 35 partidos políticos, sendo 26 com re-

presentação no Congresso, a redução é essen-

cial. Reformas no sistema político sempre

guardam o risco de piorar ainda mais as coi-

sas, mas nesse caso a mudança é benigna. A

experiência dos últimos anos mostra que é

impossível o Legislativo funcionar com tal

miríade de partidos. Tampouco o Executivo

é capaz de governar, no presidencialismo de

coalizão, sendo obrigado a negociar e contem-

plar tantos anseios diferentes por cargos e

verbas. Afinal, está claro e posto há tempos

que a criação dos partidos proliferou não por

diferentes visões ou propostas, mas como uma

forma de abocanhar uma fatia de dinheiro

público do fundo partidário e obter um ca-

minho para, a partir de uma mínima repre-

O Senado aprovou na quarta-feira, dia sentação no Congresso, obter vantagens no
9, em primeiro turno, uma proposta
BARREIRA de reforma política cujo objetivo é governo. Reduzir o número de partidos é es-
A comissão reduzir o número de partidos. Ainda faltam
do Senado uma nova votação na Casa e a passagem pela sencial para o sistema político brasileiro tor-
examina Câmara dos Deputados para que as mudanças
proposta passem a valer. A Proposta de Emenda Cons- nar-se minimamente razoável e efetivo.
de reforma titucional prevê o fim das coligações propor-
política. cionais entre partidos e estabelece uma cláu- É necessário, no entanto, alertar para o viés
O Brasil sula de barreira, pela qual os partidos terão
precisa de de obter um mínimo de 2% dos votos válidos casuístico da mudança. A proposta de reduzir
menos partidos em pelo menos 14 estados a partir da eleição
de 2018. Na eleição de 2022, a exigência subi- o número de partidos políticos é motivada,
rá para 3%. Para preservar as legendas meno-
em boa parte, pela falta de dinheiro para cam-

panhas eleitorais. Com a proibição das doa-

ções eleitorais de empresas, as campanhas

devem ser financiadas essencialmente com

recursos públicos do fundo partidário. Assim,

reduzir o número de participantes com direito

a dividir o bolo tornou-se estratégico. Apesar

desse viés negativo, a mudança pode corrigir

distorções que prejudicam o país. u

30 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016 Foto: Lucio Bernardo Jr.

BASTA DE FRAUDES NOS COMBUSTÍVEIS!

Quem adultera o conteúdo ou a quantidade do Quem não paga os impostos corretamente
combustível lesa o seu bolso e compromete o seu carro. prejudica toda a sociedade.

Os impostos sobre combustíveis são a principal fonte de arrecadação dos Estados

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SÃO SONEGADOS POR ANO

Dinheiro que deveria ser investido em:

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CRÔNICAS
AMERICANAS

Donald Trump ganha Guilherme Evelin nha do bilionário da área de incorpo-
a eleição contra tudo e
contra todos. O mundo uando Donald Trump anunciou, ração imobiliária e ex-apresentador de
fica apreensivo com os em julho de 2015, que disputa-
efeitos de sua vitória ria as primárias dos republicanos reality show na TV não entraria na se-
sobre a economia, a para a escolha do candidato do
geopolítica e os valores partido à Casa Branca, suas pre- ção de política, mas sim na de entrete-
democráticos e liberais tensões presidenciais foram ridicula-
rizadas pelos editores do Huffington nimento. Cinco meses depois, quando
Post, um dos principais sites de notí-
cias políticas dos Estados Unidos, com Trump passou a liderar as primárias, a
inclinação pelo Partido Democrata e
linha editorial mais à esquerda. Eles dona do site, Arianna Huffington, en-
anunciaram que a cobertura da campa-
goliu as próprias palavras e anunciou

a volta da cobertura de sua campanha

para a editoria de política – um sinal

eloquente de que a candidatura deixara

de ser uma piada. s

34 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016 Foto: Martin Schoeller/August

LEGENDA
AIgnRiEmVqOuLaUmÇ,ÃO
nufmaEcDoalidonefioncgectaonlooinlatnddsnvqeeTeouclr2neitus0noetm1o5pu.
facainCealsitavBelreanntca,

lorpqeurcebidruaintdo
lotropdearscaidsuriesgciras

00 de janeiro de 2016 I ÉPOCA I 35

CRÔNICAS AMERICANAS

A anedota é ilustrativa de como A POLÍTICA DE ISOLAMENTO, SE APLICADA, TRARÁ EF
a surpreendente e espantosa vitória
de Trump nas eleições presidenciais Sob o argumento de que os americanos pagam a conta de todos, Donald Trump prome
americanas, na madrugada histórica
da quarta-feira dia 9 de novembro, foi MÉXICO EUROPA
uma derrota – humilhante – do esta-
blishment político dos Estados Unidos $ $
e da plêiade de líderes partidários, con-
sultores, gurus, lobistas, especialistas em BRASIL
pesquisas e jornalistas que circulam por
Washington. Ao derrotar a democrata $
Hillary Clinton, ex-secretária de Estado
e mulher do ex-presidente Bill Clinton,
Trump, um legítimo outsider, quebrou
todas as regras do que se imaginava que
um candidato deveria fazer para con-
quistar a Casa Branca. A convenção que
o consagrou candidato do Partido Repu-
blicano foi pobre e mal organizada, sua
campanha foi caótica e gastou pouco
mais que 60% do dinheiro dispendido
pela de Hillary, suas propostas não fo-
ram além de alguns bordões contra as
elites, a globalização e os imigrantes. To-
das resumidas no slogan “America First”
(os Estados Unidos em primeiro lugar).

Trump também desconsiderou o ma-
nual de conduta que recomenda que um
candidato deve se controlar e colocar-se
no centro político, caso queira concor-
rer com chances à Casa Branca. Trump
seguiu seus instintos e a cartilha de um
populismo desvairado. Trump defendeu
a tortura como método de investigação,
propôs o banimento de muçulmanos,
comparou os imigrantes mexicanos a
“estupradores” e, num vídeo divulgado
um mês antes das eleições, vangloriou-se
de abusos contra mulheres. A eleição de
Trump contrariou ainda as tendências
demográficas que mostravam o cresci-
mento da participação de eleitores lati-

IMPACTO MÉXICO BRASIL EUROPA RÚSSIA UCRÂNIA
DE TRUMP O país é muito Não deve haver Movimentos de É quem mais se O risco da retirada
Áreas dependente dos impacto militar extrema-direita beneficia. Se posta das sanções à
$ Econômica Estados Unidos. e diplomático. A ganham força. A em prática, a Rússia tende a
Deverá sofrer maior consequência política isolacionista política isolacionista enfraquecer a
Militar economicamente, deverá ser a deve agravar americana abre Ucrânia política e
com sanções, frustração das a estagnação espaço para a militarmente – e
Política e socialmente, tentativas brasileiras econômica da Rússia expandir levá-la a perder
Grau de com a contenção de aumento do região. Há risco sua influência definitivamente
instabilidade da imigração e comércio com os de retirada de política e militar territórios tomados
a dissolução de Estados Unidos apoio militar aos no vácuo deixado pela Rússia e
Positivo parcerias sociais países que fazem pelos americanos pelos rebeldes
Neutro parte da Otan apoiados por Putin
Negativo

36 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016

EITOS PARA A ECONOMIA E A SEGURANÇA DO MUNDO nos e de mulheres – o que deveria, em
tese, ter favorecido Hillary nas urnas.
te fechar as fronteiras dos Estados Unidos e se isolar. Haverá consequências para todos
Como isso foi possível? A eleição de
UCRÂNIA SÍRIA Trump, totalmente fora dos padrões,
ainda vai merecer estudos e mais estu-
$ dos, mas o mapa das urnas americanas
mostrou que o republicano ganhou
RÚSSIA graças a sua votação majoritária entre
eleitores brancos do sexo masculino.
CHINA JAPÃO Nesta edição especial, ÉPOCA explica
COREIA DO SUL onde e como Trump conseguiu essa re-
$ viravolta histórica. Para capturar o Co-
légio Eleitoral, foi decisiva sua vitória
IRÃ sobre Hillary em estados tradicional-
mente democratas, como a Pensilvânia
$ (leia a reportagem a partir da página
40). Berço da democracia americana, a
ISRAEL Pensilvânia, assim como os estados de
Michigan, Ohio, Wisconsin, Nova York,
Illinois e Indiana, tem áreas dentro do
Rust Belt (Cinturão da Ferrugem). A re-
gião é assim chamada por ter abrigado,
num passado próspero, grandes fábri-
cas. Com a globalização, o Cinturão da
Ferrugem está sofrendo um processo de
desindustrialização e de decadência eco-
nômica (leia mais a partir da página 44).

Com o discurso de que seu credo será
o “americanismo e não o globalismo”,
Trump soube capturar a decepção de
eleitores que acham que o sonho ame-
ricano de prosperidade não estará ao
alcance de seus filhos. Essa frustração
aumentou com a estagnação da renda
e o aumento da desigualdade, que não
foram mitigados pelo crescimento eco-
nômico dos Estados Unidos nos oito
anos de governo de Barack Obama que
se seguiram à grande crise financeira in-
ternacional de 2008 (leia mais a partir da
página 44). Trump surfou também no
sentimento de ansiedade do eleitorado s

IRÃ SÍRIA ISRAEL CHINA JAPÃO COREIA
Trump sinalizou Os Estados Unidos Trump prometeu não Trump disse Donald Trump disse DO SUL
em sua campanha tendem a diminuir ou interferir no conflito que aumentará que o país deveria Trump também
que vai revisar o retirar o apoio militar Israel-Palestina. as tarifas sobre investir em armas aconselhou os sul-
acordo nuclear e humanitário dado Se isso ocorrer, produtos chineses. nucleares para se coreanos a recorrer
fechado com o Irã. ao país. Isso tende a Israel perderá seu Mesmo que Trump proteger, pois os a armas nucleares
Essa possibilidade abrir a retomada de mais importante não cumpra essa Estados Unidos para se proteger.
pode abalar a controle do país, em aliado. Se a ajuda promessa de não farão isso por Esse conselho mostra
relação entre os guerra civil há cinco dos Estados Unidos sanção comercial ele. A possibilidade como uma retração
países e levar o anos, pelo regime não chegar quando contra a China, as de uma corrida dos Estados Unidos
Irã a retomar seu de Bashar al Assad, solicitada, a relação relações entre os armamentista pode no apoio militar ao
programa nuclear apoiado pela Rússia entre ambos ficará dois países devem gerar instabilidade país tende a agravar
comprometida ficar mais tensas no continente as tensões com a
Coreia do Norte

14 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 37

CRÔNICAS AMERICANAS

branco – que, assim como em outros lu- senta uma quebra do consenso liberal Ainda que o muro na fronteira com o
gares do mundo desenvolvido, se julga que vigorou no mundo nas últimas dé- México, cuja construção foi defendida por
ameaçado pelas ondas de imigração para cadas. São também um desafio à ordem Trump durante a campanha, seja apenas
seus países (leia a reportagem sobre refu- mundial e a algumas instituições estabe- virtual, alguns muros no mundo ficaram
giados na Europa a partir da página 52). lecidas desde o fim da Segunda Guerra mais altos desde a última quarta-feira. Os
Mundial. Teme-se um dano econômico novos obstáculos devem se sentir prin-
A surpreendente vitória de Trump, mundial se Trump decidir realmente fe- cipalmente no comércio internacional,
mesmo com o alto índice de rejeição char as fronteiras (leia mais no Da Reda- em que Trump expressa, sem dubiedades,
provocado por suas declarações bom- ção, na página 12). Abriu-se, desde a úl- sua opinião de que os grandes acordos
básticas (leia o artigo de Fernando Schüler tima quarta-feira, uma era de incertezas. de livre-comércio firmados nas últimas
sobre divisão da sociedade americana na Para Ian Bremmer, presidente do grupo décadas – como o Nafta, celebrado entre
página 66), foi facilitada também pelo Eurasia, empresa de consultoria em Estados Unidos, México e Canadá – fo-
fato de que sua adversária Hillary era a risco político internacional sediada em ram prejudiciais para os americanos e
candidata do establishment numa cam- Washington, se concretizadas as promes- apenas serviram para deslocar indústrias
panha marcada pela raiva contra o esta- sas de Trump de fechamento e isolacio- e empregos para além das fronteiras do
blishment. Preparada, mas sem carisma nismo dos Estados Unidos, sua Presi- país. O principal consultor de Trump
e ainda por cima com a reputação de dência significará o maior choque para para a área de comércio internacional é
ser uma política manipuladora e pouco o poder americano e sua liderança global Dan DiMicco, ex-presidente de uma side-
confiável (imagem amplificada, durante desde o fim da União Soviética.“O mun- rúrgica, setor da indústria americana que
a campanha, pelo caso do uso irregu- do está caminhando para uma recessão mais pede políticas protecionistas e com
lar de uma conta de e-mail particular geopolítica, onde há uma ausência de forte presença nos estados do Cinturão
para comunicações oficiais do governo liderança global”, escreveu Bremmer. da Ferrugem que elegeram o republicano.
durante seu período como secretária
de Estado), Hillary não entusiasmou o
eleitorado não branco, jovem e com boa
instrução que elegeu Obama em 2008 e
2012. Esses eleitores agora comparece-
ram em número bem menor às urnas
(leia a reportagem a partir da página 48).

Trump já provou que é possível ga-
nhar uma eleição quebrando todas as
regras e enfrentando o escrutínio rigo-
roso de uma imprensa hostil. Desde a
última quarta-feira, passou a reinar a
expectativa de como ele, de fato, go-
vernará. É possível que a mordida de
Trump no governo, afinal, seja menor
que seu latido durante a campanha. Não
se sabe direito ainda como seu governo
será formado – e sua equipe de tran-
sição começou a ser recheada com os
mesmos lobistas que ele denunciou du-
rante a campanha. As instituições ame-
ricanas são um contrapeso importante
de constrangimento das futuras ações
de Trump na Casa Branca. Mas Trump
obteve tração para moldar, a sua seme-
lhança, o Partido Republicano – agora
no controle da Câmara e do Senado
americanos, graças ao trumpismo.

Estamos só começando as prelimina-
res desse jogo, mas a eleição de Trump,
com seu discurso a favor do fechamen-
to das fronteiras, contra os acordos de
livre-comércio e os imigrantes e a favor
de um menor engajamento militar dos
Estados Unidos no exterior, já repre-

38 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016 Foto: Win McNamee/Getty Images/AFP

México e China, que se beneficiaram TRANSIÇÃO sos atrás na política ambiental seguida
com o deslocamento de indústrias ame- Trump e Obama se por Obama, que investiu em energias
ricanas, são os candidatos a sofrer os encontram na Casa limpas e renováveis, como a eólica. Na
maiores impactos do endurecimento Branca após a vitória Ásia, colocado em prática o discurso
prometido por Trump – que, na cam- de que os aliados dos Estados Unidos
panha, disse que trocaria políticos por do republicano. O devem passar a arcar com os custos de
empresários no comando das negocia- encontro foi cordial, sua defesa, uma corrida armamentista
ções comerciais (leia o quadro na página mas o legado de Obama poderá ser desencadeada por parte do
36). Mas nenhum país ficará incólume pode ser desmontado Japão e da Coreia do Sul. Na área de
a um fechamento de fronteiras no co- segurança, Trump também prometeu
mércio internacional, que pode ter um Relações Exteriores, José Serra, chegou “revisar” o acordo nuclear com o Irã,
efeito desastroso para as perspectivas a dizer que a eleição de Trump seria um um dos principais legados de Obama.
de crescimento da economia mundial. “pesadelo” e um “risco para o mundo” Além disso, ele questionou o papel da
Mesmo o Brasil, que tende a ser me- – numa demonstração de como a mu- Otan, o acordo de proteção mútua en-
nos atingido por ter déficit comercial dança da política comercial do país tre os países ocidentais que vigorou nos
na relação com os Estados Unidos, so- chegou atrasada e na contramão (leia últimos 60 anos. Desde a quarta-feira,
frerá os efeitos dessa nova era. Sob o o debate sobre impactos da eleição de o presidente da Rússia, Vladimir Pu-
governo do presidente Michel Temer, Trump no Brasil a partir da página 61). tin – por quem Trump não escondeu a
o Brasil reorientou a política seguida simpatia durante a campanha –, deve
pelos governos do PT e passou a buscar Os efeitos da vitória de Trump não estar se sentindo mais livre para flexio-
mais acordos de comércio. Num lance se limitam à economia. As ondas levan- nar seus músculos na Ucrânia, na Síria e
de nenhuma diplomacia, o ministro das tadas por sua eleição já reverberam por nas regiões que faziam parte da área de
todo o planeta – inclusive no clima. Ele influência do antigo império soviético.
disse na campanha que não vai respei-
tar o acordo internacional firmado em Trump também representa um atra-
Paris, em 2015, para cortes de emissões so no campo dos valores. Ainda que
de gases poluentes, com o objetivo de Marine Le Pen não seja Trump (leia a
combater o aquecimento global. Trump entrevista exclusiva de Michel Houelle-
escolheu Myron Ebell, um negacionista becq, maior escritor francês da atualida-
da emergência climática, para liderar a de, na página 56), vários candidatos a
transição de governo na EPA, a agência mini Trumps ficaram exultantes com
ambiental americana. A escolha de Ebell sua vitória – principalmente na Euro-
significa que Trump planeja vários pas- pa, onde há um crescente movimen-
to nacionalista populista de direita.
“Trump é uma ameaça à democracia”,
diz o cientista político belga Jan-Werner
Müller, especialista em populismo
(leia sua entrevista na página 68).
Como fez questão de lembrar a chan-
celer da Alemanha, Angela Merkel, ao
se dirigir a Trump após sua vitória, os
Estados Unidos, nos últimos anos, di-
vidiram com a Europa alguns valores
básicos como o respeito à democracia,
à liberdade e à dignidade humana, “in-
dependentemente da origem, cor da
pele, religião, gênero, orientação sexual
e visão política”. Em sua campanha,
Trump mostrou que não dá a mínima
para direitos humanos ou liberdades
políticas e econômicas. Se não mudar
de atitude, corremos o risco de um
grande retrocesso civilizatório. u

Com Alexandre Mansur, Flávia

Yuri, Ana Clara Costa, Bruno

Boghossian e Beatriz Monrone

14 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 39

CARTA DA PENSILVÂNIA

Os estados operários do Norte votaram
em Obama em 2012. Insatisfeitos com
o declínio da qualidade de vida, os
trabalhadores agora preferiram Trump

Teresa Perosa, de Erie, na Pensilvânia Depois do evento, Patty redobrou seu toda a Pensilvânia, berço da democracia
empenho como voluntária na campa- americana, se convertesse em conquista
primeira vez que Patty Bloomstein nha para Trump. para Trump. O feito é ainda mais no-
sentiu que havia algo diferente no tável porque a Pensilvânia não averme-
ar em Erie, na Pensilvânia, sua ci- Erie está à beira do lago homônimo, lhava desde 1984 – quando o mítico
dade natal, foi ao comparecer a um um dos três Grandes Lagos do Norte Ronald Reagan, depois de um governo
comício do então candidato republi- dos Estados Unidos. Era um reduto de- exuberante, foi reeleito com os votos de
cano à Presidência americana, Donald mocrata havia décadas – desde 1972, 49 dos 50 estados americanos.
Trump, realizado ali no começo de se- quando Richard Nixon foi eleito, todos
tembro. O evento mobilizou 13 mil pes- os candidatos preferidos pelo distrito Quarta maior cidade do estado da
soas. “Vi homens, mulheres, estudan- pertenciam ao Partido Democrata. Pensilvânia, com seus 100 mil habi-
tes universitários, crianças, veteranos Em 2016, algo mudou. O condado deu tantes, Erie faz parte do Cinturão da
do Exército... Todos juntos, cheios de vitória a Trump por 48,8% dos votos Ferrugem (Rust Belt, em inglês), área
entusiasmo e esperança. Unidos. Senti – uma diferença de 2 pontos percen- de tradição fabril e manufatureira que
que poderíamos vencer”, diz, sorrindo. tuais e cerca de 3 mil votos em relação engloba parte dos estados de Nova York,
“Ele falou olhando para nós, dizendo à adversária – e foi decisivo para que Pensilvânia, Ohio, Indiana, Michigan,
o que pensávamos. Foi maravilhoso.”

40 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016

VÉLLA FEU FEUNOY CONTRA A
GUERAT. DUIS GIAM IMIGRAÇÃO
ZZRIT AD MAGNIM Dave Rubbico,
EROS AMET ATINIBH veterano do Exército,
é registrado no
EL OLENIT NIAT Partido Democrata.
UTATQUAMNONOON Votou em Trump
porque é contra
a “política de
fronteiras abertas”

Wisconsin e Illinois. Foi exatamente ali ton (leia mais a partir da página 44). desde a década de 1980. Por ser católica,
que Hillary Clinton sofreu suas mais Próximo ao centro de Erie, no edi-
dolorosas perdas. Quatro dos seis esta- ela se identifica com as pautas religiosas
dos que votaram em Obama em 2012 fício comercial que funcionou como
e, agora, preferiram Trump, ficam no o Q.G. da campanha local de Trump que os republicanos encampam desde a
Cinturão da Ferrugem: além da Pensil- durante três meses, a sensação é de de-
vânia, Michigan, Wisconsin e Ohio (o ver cumprido e de festa. Um boneco Presidência de George W. Bush.
quinto, Iowa, fica ali perto, e combina de papelão de Trump em tamanho real
fazendas produtivas com indústria de espia por uma fresta de vidro na porta, “Percebi que éramos um movi-
alimentos. O sexto é a Flórida). A vitó- enquanto os voluntários que restam
ria de Trump no reduto democrata foi empacotam seus pertences e limpam o mento real quando democrata atrás
evidência clara do descolamento entre salão. Patty ajuda na tarefa, vestida com
os anseios de uma das principais bases uma camiseta na qual se lê Pump for de democrata entrava pelas portas
do partido, os trabalhadores e a classe Trump (“Faça força por Trump”). Aos
média baixa, e a cúpula em Washing- 55 anos e filha de pais democratas, Patty desse escritório dizendo que votaria
diz que não vota no partido da família
em Trump”, diz Patty. Pelo menos 800

voluntários, muitos deles democratas

registrados, trabalharam na campanha

por Trump. Três pessoas entram no es-

critório para parabenizar os presentes

pela eleição. Um deles diz, já de saída:

“E eu era democrata!”. s

Foto: Stephen Yang/Polaris/ÉPOCA 14 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 41

CARTA DA PENSILVÂNIA

Passando pela 12th Street, a via que SINDICATOS dade de sindicatos militantes” diz Ron
conecta Erie ao aeroporto nas proxi- Ron Swanson, Swanson, um ex-operário da GE que
midades da cidade, veem-se restos de operário não vê com bons olhos a atuação das
fábricas abandonadas. Os morado- aposentado. organizações de trabalhadores. Vete-
res de Erie contam que, há 40 anos, “Gosto de rano da Aeronáutica, Ron trabalhou
pelo menos cinco indústrias – que Trump porque para montadoras em Michigan antes
fabricavam de móveis a maquinário ele diz as coisas de retornar a Erie. Aposentado aos 74
industrial – eram baseadas na cidade como são” anos, Ron mantém um emprego de
e garantiam empregos e renda para to- meio período para completar a renda.
dos. Hoje, a fábrica da General Electric assim, a cidade sustenta uma renda fa- Diz que votou em Trump porque “ele
de peças para veículos é a maior em- miliar um tanto abaixo da média nacio- fala das coisas como elas são”. “Quero
pregadora do distrito e uma das úl- nal – pouco mais de US$ 44 mil anuais, que ele resgate a América de quando
timas plantas industriais que restam comparados a US$ 56 mil no país – e eu era criança. Quando eu ia à escola,
na região metropolitana. Os rumores uma taxa de desemprego 2% mais alta não existia essa história de separação
de que poderá se mudar para o Texas que o índice nacional. Muitos perderam de Igreja e estado. Nós rezávamos antes
preocupam os moradores, já comba- a segurança do emprego industrial e as- das aulas e jurávamos lealdade à pátria.
lidos pelas mudanças econômicas das sumiram postos mais precários no co- Tínhamos presépios na porta na época
últimas décadas. mércio. Entre a classe média, a sensação do Natal”, afirma, ecoando uma nostal-
é de perda e de que a vida, de maneira gia sentida por muitos – a era Reagan
A situação da cidade nem de longe é geral, piorou nos últimos anos. é a mais comumente evocada quando
uma das piores no Cinturão da Ferru- pensam em tempos de bonança. Entre
gem quando comparada a regiões me- “Sei que a Ford viria para cá, mas seus principais anseios está também o
tropolitanas maiores e mais complexas, sei que eles acham que Erie é uma ci- aumento do investimento no Exército.
como Detroit. Erie contou, nos últimos “Quando eu me formei na escola, um
anos, com um pequeno boom de empre- paiseco como a Coreia do Norte nunca
sas de tecnologia e startups vinculadas às teria a audácia de nos ameaçar.”
universidades em seus arredores. Ainda

42 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016

A reclamação de que as Forças Arma- CONVERTIDOS Os cidadãos de Erie têm a sensação
das estão subfinanciadas e que o país pa- Patty Bloomstein de que são menosprezados e abandona-
rece “fraco” é frequente entre os eleitores e Karen Kirley, que dos pelas cúpulas políticas, pela mídia e
que escolheram Trump em Erie.“Os Es- fizeram campanha pelos moradores das grandes metrópo-
tados Unidos não impõem mais respeito. les. “Odeio quando dizem que porque
Nossos inimigos não têm mais medo de para Trump. não tenho um diploma universitário eu
nós. Se algo acontece com nossos aliados, “A cada dia um não tenho educação. Me sinto ofendida
estamos vulneráveis e sobrecarregados. democrata entrava quando me pintam dessa forma”, diz
Como podemos saber quando seremos em nosso comitê” Angie Boback, de 39 anos, sentada na
atacados?”, diz Dave Rubbico, funcioná- cozinha da modesta, mas confortável,
rio público aposentado de 61 anos e ou- zavam a fronteira, roubavam empregos casa que divide com o marido. “Nossa
tro veterano do Exército. Dave votou nas americanos e causavam todo o tipo de economia está sofrendo, e eles só pio-
últimas duas eleições em Obama – “por- problema.” Nos últimos anos, Erie se ram a situação. Eles vivem em comuni-
que sou registrado como democrata” –, tornou um dos centros de recepção de dades muradas. Eles não se preocupam
mas, decepcionado com a administração refugiados no país – e nem todos na ci- em como vão comprar comida ou pagar
atual, se sentiu inspirado por Trump. dade gostam disso. Dave gostaria muito as contas como a gente. Democratas e
Além de outros cartazes, adesivos e quin- de ver o muro prometido por Trump na republicanos não fizeram nada por
quilharias pró-Trump que tomaram sua fronteira sul ser construído, mas suspeita nós”, diz. Para ela, o caráter polêmico do
casa, Dave ainda exibe com orgulho ro- que isso não deva ocorrer. “Ele terá de presidente eleito – e mesmo as acusa-
los de papel higiênico estampados com negociar. Mas é meu presidente e eu o ções de agressão e assédio sexual – não
a cara de Hillary Clinton. apoio em tudo.” Sobre os democratas é reflexo de seu caráter nem impedi-
liberais, de Washington, Nova York e tivo para que faça um bom trabalho.
Dave também se preocupa com a similares, é categórico: “São riquinhos “Trump é impertinente, mas honesto.
chegada de imigrantes e o que chama pomposos desprezíveis”. Ele fala o que pensa. É melhor ser ho-
de “política de fronteiras abertas” dos nesto e grosseiro do que ser um robô.
Estados Unidos. “Morei em El Paso, no Ele é um bom homem”, afirma. u
Texas, e as pessoas simplesmente cru-

Fotos: Stephen Yang/Polaris/ÉPOCA 14 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 43

CRÔNICAS AMERICANAS

Trump soube ler como ninguém
o ressentimento da classe média
baixa e das famílias órfãs da indústria
decadente nos Estados Unidos

Samantha Lima, Luís Lima
e Marcos Coronato

s Estados Unidos têm 51 estados. A GLOBALIZAÇÃO um velho conhecido, James Carville,
Donald Trump ganhou em 29. TEM BONS EFEITOS ex-marqueteiro político de seu marido,
Mas sete se revelaram decisivos NO LONGO PRAZO. Bill Clinton. Carville cunhou, para a
para o resultado. Embora não fos- campanha vitoriosa de 1992, o mantra
sem fiéis a nenhum dos dois partidos, O ELEITOR DE “é a economia, estúpido”, para indicar
Hillary contava com a vitória nos sete. TRUMP SENTIU SEUS em qual tópico a equipe deveria se con-
Seis deles obedeciam a um padrão de centrar. A visão de Hillary e sua equipe
voto democrata nas últimas eleições. EFEITOS RUINS talvez tenha sido embaçada pelo fato de
Michigan, Pensilvânia e Wisconsin não IMEDIATOS E REAGIU o país, desta vez, não estar em recessão. A
escolhiam republicanos desde a década economia americana cresceu 11% desde
de 1990. Flórida, Iowa e Ohio foram de 2012 e a renda por habitante 3%. Trata-se
Barack Obama nas duas eleições. Que de um resultado modesto, mas não ruim.
forças, então, se moveram nas profun-
dezas do processo eleitoral, longe dos
radares dos institutos de pesquisa e do
faro dos analistas políticos?
Fundamentalmente, a insegurança e a
economia, como resumiu o chefe de cam-
panha e guru de pesquisas de Trump,Steve
Bannon. Da economia, Hillary poderia
ter se lembrado. Foi um ensinamento de

44 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016

Para chegar a pistas significativas, é COLARINHO AZUL formam a região com indústria pesada
preciso aprofundar a análise da econo- Operários num e decadente apelidada de Cinturão da
mia nos seis estados decisivos nos úl- Ferrugem. Por lá, a melhora da produ-
timos anos. Após a crise das hipotecas estaleiro em Filadélfia, ção por habitante oculta um fenômeno
que explodiu em 2008, o crescimento no Cinturão da corrosivo para qualquer sociedade – a
econômico e as oportunidades volta- concentração de renda e o aumento
ram a aparecer, mas não de forma igual Ferrugem. Durante um da desigualdade. Entre 2009 e 2013, a
para todos. Na Flórida e na Carolina do século, esse tipo de renda cresceu 17% no grupo de 1% de
Norte, a produção por habitante (ou trabalho foi comum americanos mais ricos e apenas 0,7%,
seja, a riqueza local) nos oito anos de na região. Agora, ou seja, nada, entre os demais 99%.
Obama chegou a cair. Os outros cin- vem escasseando Em Michigan, a diferença se tornou
co estados que surpreenderam Hillary um abismo. Os ricos ficaram 26% mais
ricos, enquanto os pobres não saíram
Foto: Bradley C. Bower/Bloomberg via Getty Images do lugar. Grande parte dos america-
nos admira quem enriquece com o
trabalho – Trump se beneficiou disso.
Mas a admiração depende da percep-
ção de que as oportunidades existem
para qualquer um que se disponha a
trabalhar duro. Nos últimos anos, essa
percepção se perdeu.

O Cinturão da Ferrugem se formou
em torno dos Grandes Lagos, ao lon-
go de nove estados, aproveitando-se da
oferta de matérias-primas na região,
como metais e carvão, e a proximidade
de centros consumidores. Concentrou,
em especial, a indústria pesada. Há
um século, saía de lá 75% da produção
industrial americana. Em Michigan,
localizam-se as três principais fábricas
de automóveis americanas: General Mo-
tors, Fiat Chrysler e Ford. Na Pensilvânia,
ergueram-se siderúrgicas. Durante um
século, o personagem que melhor repre-
sentava o habitante local era o operário
de macacão azul, o “colarinho azul”. Esse
personagem sempre foi um homem
branco sem curso superior, mas com um
emprego seguro, a certeza de que sua ex-
periência técnica era valorizada no setor
e o prestígio social de quem, com muito
trabalho, consegue sustentar a família.

Por esse perfil, o Cinturão da Fer-
rugem e sua população sofreram, nas
últimas décadas, como se atingidos por
consecutivos bombardeios. É normal
que, conforme economias se desenvol-
vam, o setor de serviços ganhe força em
relação à agricultura e à indústria. Mas
os operários industriais não assumiram
as melhores vagas de serviços, que ten-
dem a ser abertas em polos de tecnologia
e finanças. Outro bombardeio foi a aber-
tura comercial. Os Estados Unidos apro-
fundaram o comércio com a China, s

14 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 45

CRÔNICAS AMERICANAS

Os grupos que
votaram
em Hillary Clinton
esperavam uma
vitória fácil. Para
eles, 8 de novembro
foi um choque

48 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016

Teresa Perosa, de Miami (FL), Nova York (NY) e Seneca Falls (NY)

m dia após a vitória de Donald resultados surpreendentes se sucediam

Trump, protestos eclodiram contra na TV, Carol Ritter-Wright, de 75 anos,

ele nas principais cidades do país uma das amigas de Virginia, sacudia a

– e episódios de racismo e xeno- cabeça, inconformada, repetindo: “Isso

fobia surgiram em diferentes estados. é absurdo. Absurdo”. A escritora apo-

Em Royal Oak, no Michigan, estudan- sentada oscilava entre tristeza e incre-

tes de uma escola secundária cantaram dulidade. Decidiu ir para casa antes do

O FIM? “Construa o muro” para os colegas fim da apuração.“Mas não vou dormir.
Hillary Clinton
no discurso após latinos, numa referência ao plano de Preciso saber se terei um lugar neste
a derrota, em
Nova York. Ela Trump para a fronteira com o México. país amanhã cedo”, disse.
não conseguiu
todos os votos No Wellesley College, em Massachusetts Joyce Brady, de 80 anos, uma das

femininos – onde a candidata democrata Hillary convidadas de Virginia, continua-
que esperava
Clinton estudou –, dois homens esta- va inconsolável na quarta-feira. “Só

cionaram uma caminhonete em frente votei em mulheres nesta eleição. Ne-

a uma república de estudantes negros nhuma venceu, você acredita? Nenhu-

e ficaram dando brados de vitória. ma!” Joyce é enfermeira aposentada e

Quando uma aluna pediu que fossem presidente do Partido Democrata em

embora, eles cuspiram na direção dela. Seneca Falls, no estado de Nova York.

Na Universidade Nova York, alguém es- Foi a primeira mulher a concorrer pela

creveu “Trump” na porta de uma sala prefeitura local. “Na festa de comemo-

usada por estudantes ração do Partido Re-

muçulmanos para publicano, só havia

fazer orações. Numa homens”, lamentou.
escola de ensino mé- ANTES DE PARTIR,
Hillary conseguiu

dio em Minnesota, UMA DAS CONVIDADAS vantagem imensa em
a nova pichação no SUSPIROU. “NÃO VOU relação a Trump em
banheiro foi “Voltem grupos como mulhe-

para a África”. DORMIR. TENHO DE res negras e gays, pe-
Na terça-feira à SABER SE TEREI LUGAR quenos demais para
decidir a eleição. Em
noite, durante a apu-
ração de votos, Vir- NESTE PAÍS AMANHÔ grupos maiores e
ginia DeJohn organi- decisivos, ela obteve

zara uma reunião de dianteira nos votos

amigos em Seneca Falls, no estado de entre mulheres em geral (mas apenas

Nova York. A cidade é considerada o no mesmo nível que seu antecessor

berço do movimento sufragista nos Es- Barack Obama em 2008 e 2012), jovens,

tados Unidos – ocorreu aqui, em 1848, negros e latinos (nestes casos, em nível

a primeira convenção pelos direitos das inferior ao obtido por Obama).

mulheres. Virginia, uma fonoaudiólo- A falta de empolgação entre o elei-

ga de 71 anos, estava empolgada com a torado negro foi um dos fatores que

possibilidade da eleição de Hillary, que pesaram na derrota de Hillary. Menos

poderia ser a primeira mulher presiden- negros foram às urnas votar que em

te americana. Na reunião, uma boneca 2008 e 2012. O desânimo entre afro-

suffragette adornava a mesa de petiscos. -americanos com o Partido Democra-

Entre os 20 presentes, a maioria era de ta é evidente. Em Liberty City, bairro

mulheres, orgulhosas do legado da ci- de maioria negra em Miami, Marvin

dade para a causa da igualdade de gê- Weeks coordena um centro cultural.

nero e envolvidas com a preservação de “Tentamos cuidar do bairro, cortar a

sua memória. Muitas integram os con- grama, manter as coisas bonitas, para

selhos e diretorias dos museus dedica- as pessoas terem um senso de que

dos ao tema na cidade. Não foi desta vez aquilo pertence a elas.” Ele acha que

que as “damas de Seneca Falls” – como o Partido Democrata não valoriza o

gostam de ser chamadas – viram seu voto negro. “As pessoas não se sen-

sonho se tornar realidade. Conforme os tem representadas ou identificadas. s

Foto: Doug Mills/The New York Times 14 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 49

CRÔNICAS AMERICANAS

JOYCE BRADY

80 ANOS
Seneca Falls

“Só votei em
mulheres nesta
eleição, e nenhuma
venceu, você
acredita? Nenhuma.
Foi triste ver a festa
de comemoração do
Partido Republicano
após a vitória de Trump.
Só havia homens”

Nosso voto era visto como trivial, dado ódio. Tenho a impressão de que os ou- anos, Regina trabalhou como volun-
como certo, por muito tempo, pelos tros países estão rindo de nós”, diz a tária na campanha de Hillary. A jovem
democratas”, diz. “Tivemos um presi- moradora do Harlem. Gloria também participa de um programa avançado
dente negro, mas nenhum de nossos pondera que a Presidência de Obama de aprendizado na escola e espera es-
problemas foi solucionado, não hou- não teve o impacto esperado na vida tudar Direito na faculdade, além de
ve mudança real. Aprendemos a nos das comunidades de negros no país. se tornar cidadã. “Sinto-me completa-
adaptar e a sobreviver.” “Estamos em situação pior. Obama mente sem esperança neste momento.
ajudou a legalizar o casamento gay, Senti muita raiva, frustração, tristeza,
A maquiadora Gloria Johnson, ne- mas não olhou para nós.” tudo ao mesmo tempo, e ver como
gra de 31 anos, preferia Bernie Sanders, tantas pessoas se sentiram afetadas só
o pré-candidato democrata à esquer- Na quinta-feira, a mexicana Regi- piorou.” Ela disse que, ao conversar
da de Hillary. Mas votou na candida- na Chavez, de 17 anos, moradora de com sua professora na escola, no dia
ta democrata por ver nela “o menor Doral, na Flórida, ainda não havia se seguinte, as duas choraram.
de dois males”. “Bernie Sanders era o recuperado do choque da vitória de
único que parecia disposto a mudar as Trump. Residente legal nos Estados Tomando café no balcão do restau-
coisas. Tudo o que Trump faz é cuspir Unidos junto com a mãe há quatro rante Versailles, ponto de encontro da

QUEM VOTOU Mulheres Jovens com Pós-graduados Moradores de
EM HILLARY 18 a 29 anos cidades grandes(1)
54%
Eles foram a maioria 55% 58% 59%
da população, mas
perderam a Casa Branca

(1) Cidades com mais de 50 mil habitantes
Fonte: Edison Research for the National Election
Pool, com tabulação de The New York Times

50 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016

GLORIA JOHNSON

31 ANOS
Nova York

“Tudo o que Trump
faz é cuspir ódio.
Tenho a impressão de
que os outros países
estão rindo de nós.
Mas Obama não olhou
para a comunidade
negra. Votei em
Hillary porque ela era
o menor de dois males”

comunidade cubana em Miami, Alain opção”, diz. O jovem se sentiu particu- Nova-iorquino morador do Harlem,
Bartroli Júnior, de 18 anos, filho de larmente incomodado com a forma
cubanos, representava bem a divisão como Trump se referiu às populações o escritor Jon Moscowitz, de 50 anos,
entre gerações ocorrida na eleição (55% imigrantes, especialmente os latinos.“A
dos jovens de 18 a 29 anos votaram em forma como ele fala dos imigrantes é votou em Hillary acompanhado do fi-
Hillary, 53% dos com mais de 65 anos terrível. Trump está estragando a vida
votaram em Trump). Seu pai, como a de muitas pessoas que só querem tra- lho de 10 anos. Ele se assustou com o
maioria dos cubanos na Flórida, esco- balhar”, afirma. Apesar da discordância
lheu Trump. Bartroli Júnior votou em no voto, tanto pai como filho saíram tom da campanha de Trump e sua falta
Hillary, como a maioria dos jovens e a das urnas insatisfeitos.“Muitas pessoas
maioria dos latinos. “Não gostava de estão se questionando se o sistema fun- de seriedade com temas importantes.
nenhum dos dois, preferia Bernie San- ciona. De todos os anos que eu morei
ders, mas Trump é uma piada. Acho que aqui, acho que nunca vi as pessoas tão Jon se interessa por questões como o
ele favoreceria as grandes corporações, desanimadas. As pessoas realmente es-
ele só quer mais dinheiro. Me senti sem tão tristes”, diz Bartroli pai. aquecimento global (que Trump igno-

ra) e a composição da Suprema Corte

(que Trump deve tornar mais con-

servadora). “Tudo o que Trump diz é

mentira. Mas não me surpreendo com

o sucesso que ele alcançou”, diz. Agora,

ele receia pelo futuro.“Não sei se o país

conseguirá curar as feridas.” u

Com ascendência Sem religião Creem que a Gays, lésbicas, Homens Mulheres
latina ou asiática família prosperou bi e transexuais negros negras
68%
65% 72% 78% 80% 93%

Fotos: Stephen Yang/Polaris/ÉPOCA (2) 14 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 51

CRÔNICAS AMERICANAS

que tende a absorver linhas de produção A REGIÃO DOS RESSENTIDOS
do mundo inteiro (durante a campanha,
Trump disse que forçaria a Apple a pa- Seis estados que elegeram Obama mudaram o voto
rar de fabricar computadores na China para Trump. Destes, cinco estão no Cinturão da Ferrugem
e voltar a fazê-los nos Estados Unidos,
bravata irrealizável, pois os preços dis- Hillary Clinton [Democratas] Donald Trump [Republicanos]
parariam e a Apple quebraria). Os ame-
ricanos assinaram tratados comerciais De 11 estados Região do Cinturão da Ferrugem
para eliminar barreiras alfandegárias, pêndulos, sete
principalmente com outros países asiá- votaram em 1 4 7
ticos, México e Canadá. No longo prazo, Trump em 2016. 3 5
a abertura ao comércio exterior tende a Desses sete, 2016
tornar uma sociedade mais produtiva e cinco estão 2 8
próspera, e seus efeitos positivos tendem na região do 6
a beneficiar a todos. Os estudos recentes Cinturão da
mostram que a globalização melhorou a Ferrugem. Eles 9
vida nos países pobres e distribuiu renda haviam votado
no mundo – mas empobreceu a classe em Barack 10
média nos países ricos. Quem votou em Obama em
Trump estava mais preocupado com 2012. Agora, 11
efeitos imediatos e locais. mudaram de lado

Desde 1997, sumiram mais de 5 mi- 2012
lhões de empregos na manufatura ame-
ricana, 1 milhão deles desde o pós-crise Nevada 1 1 Os delegados desses sete estados foram os
de 2009, nos oito anos da era Obama. O 2 decisivos na vitória de Trump
sintoma mais visível é a decadência de Colorado 2 3
grandes centros urbanos do Cinturão da 4 114 VOTOSDos 290 votos de Trump no Colégio Eleitoral
Ferrugem. Detroit, sede da GM, entrou Iowa 3 5
em colapso. Ainda que algumas cidades 6 foram conquistados nesses sete estados
tenham conseguido se reinventar com Wisconsin 4 7
a aposta no setor de serviços, caso de 8
Pittsburgh, na Pensilvânia, a exportação Michigan 5 9
de empregos dos colarinhos azuis con- 10
tinua. Recentemente, Ford e Chrysler Ohio 6 11
anunciaram a transferência da produ-
ção de carros para o México, onde os New Hampshire 7
salários equivalem a um quarto do que
o operário americano ganha (Trump Pensilvânia 8
também ameaçou desrespeitar o tra-
tado comercial com o México e taxar a Virgínia 9
importação de carros da Ford – leia mais
em Da Redação, na página 12). Carolina do Norte 10

A exportação de vagas na indústria, Flórida 11
que oferece salários proporcionalmente
maiores e benefícios, contribui para a O DESEMPREGO NÃO PIOROU... ...MAS A INDÚSTRIA ENCOLHEU
erosão da classe média americana, que Nos seis estados que mudaram o voto, Caiu o número de postos de trabalho no
sonha com casa, carro e, se possível, en-
riquecer. Em quase uma década, a classe surgiram vagas nos últimos anos setor secundário
média encolheu de 61% para 49% da Em % Em %
população, enquanto os operários da
manufatura, antes 28%, são apenas 9% Evolução dos postos de trabalho na Evolução dos postos de trabalho na
do total de trabalhadores. “Os eleitores iniciativa privada de 2008 a 2016 indústria de 2008 a 2016
de Trump identificam na globalização e
na imigração o grande problema ameri- 6 ESTADOS UNIDOS -8
cano. No Cinturão da Ferrugem, isso foi
mais intenso porque viram os empregos 4 IOWA -6

46 I ÉPOCA I 14 de novembro de 2016 5 MICHIGAN 9

3 OHIO -6

2 PENSILVÂNIA -12

2 WISCONSIN -3

10 FLÓRIDA -1

-15 0 +15 -15 0 +15


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