RS123 AMAIORRevistade
Entretenimento do MUNDO
NESTA EDIÇÃO
34 Esquisitona de Sucesso
O jeito autêntico de Kate
McKinnon, a Hillary Clinton do
Saturday Night Live.
42 Os Donos do Groove
Completando 20 anos na indústria,
o Jota Quest seguiu passando por
cima das críticas até chegar ao posto
de maior banda pop do Brasil.
Por Mauro Ferreira
SEÇÕES
15 ROCK & ROLL
LRuedtaefidneiCdalasses
Primeira série nacional da Netflix,
3% mira o debate sobre um futuro
nada agregador para a humanidade.
Por Stella Rodrigues
24 P&R FAZENDO HISTÓRIA
Integrantes dos
Mano Brown Panteras Negras em
uma manifestação pela
O rapper dos Racionais MC’s comenta libertação do fundador
o primeiro disco solo, fala sobre as Huey P. Newton em 1968
eleições em São Paulo e critica parte
da imprensa. Por Lucas Brêda 64 PORTFÓLIO
Levante do Povo
29 POLÍTICA NACIONAL Bobby Seale, um dos fundadores
dos Panteras Negras, fala sobre os
Guinada à Direita 50 anos do movimento, retratados
no livro Power to the People: The
STEPHEN SHAMES (PANTERAS NEGRAS); MARK SELIGER (GREEN DAY) Analistas refletem sobre o World of the Black Panthers.
movimento de países e Por Paulo Cavalcanti
cidades da América Latina
rumo a governos neoliberais. 36 Punks Maduros
Por Aline Oliveira O Green Day superou os problemas
de Billie Joe Armstrong para voltar
59 LIFESTYLE às raízes em novo e conciso disco.
Destino com Sabor
Jurados do MasterChef listam Mike Dirnt, Billie Joe Site [ 10] Randômicas [26]
grandes restaurantes em capitais Armstrong e Tré Cool: Cartas [12] Discografia [50]
gastronômicas. Por Tamara Emy vida nova no Green Day Calendário [22]
Guia [73]
CAPA Foto: Maurício Nahas. Produção Executiva: Tamara Emy. Styling: Caio Garro. Maquiagem: Simone Souza. Assistentes de Fotografia: Charles Willy e Caio Toledo.
Marcio veste óculos Colcci, blazer Amapô e camiseta Renner. PJ veste cartola Juisi by Liquor, óculos Ray-Ban, jaqueta Amapô, camiseta Renner, calça Amapô e
botas Dr. Martens. Marco Túlio veste jaqueta e calça Diesel, camiseta Renner e lenço Juisi by Liquour. Rogério Flausino veste jaqueta militar e chapéu Juisi by Liquor,
camisa Ricardo Almeida, calça e creepers Amapô. Paulinho veste blazer, lenço e calça Amapô, camiseta Renner e sapatos Campe.
Novembro, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a si l | 9
ROLLINGSTONE.COM.BR
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UAI
O Jota adora RS BRASIL INDICA
abusar do
mineirês PERFIS E PÁGINAS QUE VOCÊ DEVE
ACOMPANHAR NAS REDES SOCIAIS
Neil Patrick Harris
@ActuallyNPH
“Hoje é o Dia Nacional
de Sair do Armário. Se
você é uma moça que
escolhe moças ou um
cara que curte caras,
é um bom dia para
anunciar.”
Sepultura
/Sepultura
“Já estão à venda os
ingressos para o Rolling
Stone Festival, que vai
rolar no Memorial da
América Latina no dia 3
de dezembro!”
CAPA http://bit.ly/2dPfd1X REPRODUÇÃO (JOTA QUEST, SABOTAGE, LOGAN); IKE LEVY (LUCIANA MELLO); DIVULGAÇÃO (GUNS N’ROSES)
Na Moral Logan – Trailer
Ao som de Johnny Cash, o ator
Assista ao making of da divertida sessão de fotos com os mineiros do Jota Quest. Hugh Jackman volta a viver
Entre um clique e outro, Marcio Buzelin, Paulinho Fonseca, Rogério Flausino, Wolverine no trailer do novo filme
Marco Túlio Lara e PJ relembram alguns de seus regionalismos preferidos. da franquia X-Men.
Luciana: COBERTURA Na Cola Deles RAP #SabotageVive
mergulhada
Este mês, o Guns N’ Roses (com Slash e
no samba Duff McKagan) estará entre nós e a Rolling
Stone Brasil seguirá cada passo (e cada
ENTREVISTA atraso?) da banda no país. Acompanhe a
cobertura completa da passagem do Guns
Questão Genética e veja fotos e relatos sobre os shows.
Luciana Mello fala sobre o disco Na Luz do Guns N’ Roses: a
Samba, no qual se dedica exclusivamente espera terminou
ao ritmo. O trabalho é dedicado ao pai
dela, o saudoso Jair Rodrigues. Sem Holograma
O rapper Sabotage ganhou um disco de inéditas 13
anos depois de morrer. Dissecamos as origens do
álbum que traz 11 faixas até então desconhecidas
de um dos maiores artistas brasileiros. “Ele era o
tipo de pessoa que, por exemplo, se estivesse aí na
redação da Rolling Stone, todo mundo estaria em
volta dele – e na mesa do bar seria a mesma coisa”,
afirma o produtor Daniel Ganjaman.
10 | R o l l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br Novembro, 2016
CARTAS MENSAGENSDE Nº 123
AMOR E ÓDIO
ROLLING STONE BRASIL
Veio Depois Hashtag RS PREMIAÇÃO REPRODUÇÃO
CONSELHO EDITORIAL:
Quando a revista chegou ao A primeira revista que eu com- Graças ao seu voto, a José Roberto Maluf e Luis Maluf
Brasil, eu nem imaginava que prei foi a edição 1 [outubro de Rolling Stone Brasil venceu
iria cursar a faculdade de jor- 2006]. Comecei a acompa- o concurso “Melhor Capa PUBLISHER: José Roberto Maluf
nalismo. Então, sou um leitor nhar essa incrível trajetória de do Ano - 2016” na categoria EDITORA-CHEFE: Bruna Veloso
tardio. Ainda tenho a primeira cultura pop e comportamento Voto Popular, promovido EDITORES ASSISTENTES: Paulo Cavalcanti
edição que comprei (e todas as com os melhores artigos. Co- pela Associação Nacional e Stella Rodrigues
outras que vieram a seguir): ti- nheci uma excelente publica- REVISÃO: Marcelo Paradizo
nha o Queen na capa [RS 95, ção chamada #RollingStone. dos Editores de Revistas
agosto de 2014]. Foi amor à (Aner). Agradecemos a DIRETOR DE ARTE: Daniel S. B. Mangione
primeira vista! Ler essa edição Igor Mairinque EDITORA DE ARTE E LIFESTYLE: Tamara Emy
de aniversário [RS 122] me fez No Facebook da RS Brasil vocês e também ao ESTAGIÁRIO: Wendell Costa Flor Cabral
ver o tanto de coisas incríveis fotógrafo Maurício Nahas,
que vocês fizeram antes de eu Boa Iniciativa WWW.ROLLINGSTONE.COM.BR
me tornar assinante. Só tenho a que fez o clique, ao EDITORA: Stella Rodrigues
agradecer por fazerem parte da Parabéns pela ideia e pela atitude repórter André Rodrigues, REPÓRTER: Lucas Brêda
minha formação cultural. de promover o primeiro Rolling que conduziu a entrevista, e ESTAGIÁRIOS: Gabriel Nunes e Júlia de Camillo
Stone Festival, com shows com
Lucas Roger Rodrigues as principais bandas que repre- a Taís Araújo e Lázaro DIRETOR COMERCIAL: Márcio Maffei
São Paulo/SP sentam o nosso verdadeiro rock. Ramos, que estamparam a EXECUTIVOS DE CONTAS: Milene Rizzardi e
Francisco Netto
Feliz Fernando Carvalho capa da edição 113. PARA ANUNCIAR: anuncie@rollingstone.com.br
Aniversário Por e-mail
neta, já tão destruído. Isso é a GERENTE DE CIRCULAÇÃO: Danieli Lopes
Parabéns a uma das melhores Cabeça Fria prova do capitalismo selvagem. ESTAGIÁRIA: Andressa Reis
publicações direcionadas à mú-
sica, arte e cultura que este país Joe Perry [P&R, RS 122] sendo Antonio Morais Morais GERENTE FINANCEIRO: Edison Arduino
caído já teve! muito sensato e sincero. Gostei! No site da RS Brasil
GERENTE DE MARKETING E PROJ. ESPECIAIS:
Rodrigo Lee Letícia Faria Queremos o Sir Leo Belling
No Facebook da RS Brasil No Facebook da RS Brasil ESTAGIÁRIO: Jorge Dib
Por que não colocaram o Sir
Tom Saudoso País da Impunidade Paul McCartney na capa, assim ROLLING STONE BRASIL
como fizeram a Rolling Stone Uma publicação da Spring Publicações Ltda.
Que delícia foi rever todas as Este é o “Brazil” com z de que EUA e a do México? Ele merece. REDAÇÃO: R. Bandeira Paulista, 726, 22º andar,
capas da minha revista preferi- ninguém quer saber [“Perigo Itaim Bibi, São Paulo, SP, CEP 04532-002,
da juntas. Fiquei feliz e nostál- na Mata”, RS 121]. Assisto e Mariana de Camargo Tel.: 55 11 3165-2566
gica, haha. leio há vários anos a mesma Por e-mail PAUTAS: revista@rollingstone.com.br
história. Poucos são julgados
Bruna Lima e presos; muitos respondem a Chega de Sir ASSINATURAS E EDIÇÕES ANTERIORES
São Paulo/SP processos em liberdade e con- ASSINATURAS: www.assinerollingstone.com.br
tinuam praticando os mesmos Sinto que a Rolling Stone já deu assinaturas@rollingstone.com.br
crimes. Como eu ouço sempre tudo que tinha de dar sobre Paul Tels.: 11 3165-2961 / 11 3165-2944
no rádio: “Brasil, o país dos im- McCartney. Ele já foi capa com (de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h,
postos e das impunidades”. os Beatles, já foi capa sozinho, exceto feriados)
já teve especial... Vamos usar as EDIÇÕES ANTERIORES: poderão ser adquiridas
Paulo Madeira páginas para quem ainda não com o seu jornaleiro ou pelo e-mail colecione@
No site da RS Brasil pôde se expressar na revista? rollingstone.com.br, havendo estoque disponível,
pelo preço da última edição em banca
Fome de Dinheiro Wanderley Lima da Silva
Por e-mail IMPRESSÃO: Plural Indústria Gráfica
A falta de punição [“Perigo na DISTRIBUIÇÃO: Dinap Ltda. – Distribuidora
Mata”, RS 121] faz essas em- Nacional de Publicações, Rua Dr. Kenkiti
presas agirem desta forma: Shimomoto, nº 1678, CEP 06045-390 – Osasco – SP
mesmo multadas, elas continu-
am a desafiar o poder público e ROLLING STONE USA
a prejudicar ainda mais o pla-
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12 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br Novembro, 2016
LANÇAMENTO LOU REED PÁG. 19 | CINEMA ANIMAIS FANTÁSTICOS PÁG. 20
LINHA DE
FRENTE
Os protagonistas
de 3%: (da esq.
p/ a dir.) Rafael
Lozano, Vaneza
Oliveira, Rodolfo
Valente, Bianca
Comparato e
Michel Gomes
TELEVISÃO
Luta de Classes Redefinida
Na série 3%, Netflix investe em ideia é nenhuma surpresa que, depois de cinco novembro). De cara, pelos teasers que dão
VICTOR AFFARO/NETFLIX nacional alinhada com tendência anos no Brasil, a Netflix tenha escolhido um primeiro vislumbre do trabalho, nota-
global do entretenimento esse filão para finalmente fazer sua primei- -se a ausência do aspecto militarizado e
ra série original desenvolvida no país. cinzento estabelecido em outras obras do
Por Stella Rodrigues gênero. “Gosto porque foge de como costu-
3% é livremente baseada em um pilo- mam fazer cenários distópicos. É tudo tra-
Realidades distópicas tomaram to desenvolvido por Pedro Aguilera e que po de roupa, mas é colorido”, analisa Bian-
conta da TV e do cinema interna- estava no YouTube. A Netflix comprou a ca Comparato, uma das estrelas da série.
cionais nos últimos anos e a tendên- ideia e chamou o renomado Cesar Charlo-
cia chega à produção nacional com 3%. Da ne, indicado ao Oscar pela Direção de Fo- Na história, o mundo vive uma escassez
série Black Mirror à cinessérie Jogos Vora- tografia de Cidade de Deus, para dar uma de água potável e ar limpo. Em um lugar
zes, o tema foi ganhando espaço no entre- nova roupagem e desenvolver a partir dali não determinado do Brasil, a população
tenimento, nas bilheterias e no coração do oito episódios (que chegarão ao serviço de vive uma existência difícil no chamado
público de maneiras tão diversas que não streaming simultaneamente no dia 25 de Continente. Mas até [Cont. na pág. 16]
Novembro, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 15
ROCK&ROLL
TUDO OU NADA LANÇAMENTO
Os participantes do chamado
PURO SUOR
Processo competem para
“subir” na vida em 3% Felipe Cordeiro prepara
álbum de inéditas e
[Cont. da pág. 15] os 20 anos de idade, o ra o outro lado. Muitos ali só querem uma vi-
primeiro DVD da carreira
povo se apoia em uma esperança: de ser da melhor, mas ela tem essa coisa do irmão”.
Neste final de 2016, o paraense Felipe
bem-sucedido quando, ao atingir essa Michele não é a única com motivos fami- Cordeiro é a encarnação da passagem
bíblica “Com o suor do teu rosto, comerás
idade, passar pelo chamado Processo, um liares para sentir uma pressão extra. Re- o teu pão”. Ao mesmo tempo que manda
para o mercado Brea Époque, primeiro
teste que lembra uma mistura de vestibu- presentante da elite nessa realidade, Marco DVD da carreira, ele formata em estúdio
seu próximo álbum de inéditas, Transpyra,
lar com prova de reality show. Durante o (Rafael Lozano) carrega consigo o senso de previsto para o semestre seguinte. Em
comum, os dois produtos fazem referência
Processo, os candidatos precisam provar merecimento típico dos jovens de família ao suadouro em seus títulos – “brea” é
uma expressão corriqueira em Belém,
que são aptos e dignos de viver “do outro rica em qualquer sociedade. Ele é de uma usada para se referir ao aspecto de rosto
melado, tão comum por causa do clima
lado”, em um lugar almejado e suposta- “aristocracia falida”, conforme explica Lo- quente e úmido da cidade.
O DVD, dirigido por Vladimir Cunha, alterna
mente paradisíaco chamado Mar Alto. Lá, zano. “Talvez ele se alimente melhor que cenas de uma apresentação do cantor e
guitarrista na capital paraense com pas-
as condições de vida melhoram significati- os outros, e tem uma casa maior, cuidada seios ao lado dos convidados Siba, Tulipa
Ruiz e Kassin, além de seu pai, a lenda
vamente. Contudo, a cada ano somente 3% por uma espécie de governanta. Mas isso é Manoel Cordeiro. Kassin, que dividiu a pro-
dução de Se Apaixone pela Loucura do Seu
dos candidatos que se submetem às provas tudo que ele tem de diferente.” Isso e o fato Amor (2013) com Carlos Eduardo Miranda,
agora assume Transpyra sozinho. Bancado
físicas, desafios emocionais e dilemas mo- de que toda sua família passou para o ou- por financiamento coletivo, o álbum deve
mostrar um Cordeiro mais eletrônico e
rais dessa peneira conseguem passar para tro lado, de forma que, inicialmente, ele se experimental. “Andei pirando com Bomba
Estéreo, Calle 13, cumbia digital e toda essa
o lado de lá. sente como alguém que produção ‘eletro-tropical’ latino-americana
recente”, conta. O que nos leva ao “y” de
Mas o que tem do lado Que a sorte esteja sempre já está garantido dentre Transpyra. Após pensar na palavra que PEDRO SAAD/NETFLIX (3%); DARYAN DORNELLES/DIVULGAÇÃO (FELIPE CORDEIRO)
de lá, exatamente? Co- ao seu lado: a população os 3%. “Ele estava con- batizaria o álbum, o autor de “Problema
mo refugiadas de guer- do Continente não pode fiante, mas, quando as Seu” – eleita a melhor música de 2013 pelo
ra, essas pessoas lutam desperdiçar a única chance coisas começam a sair do júri da Rolling Stone Brasil – inventou de
para chegar a uma rea- de mudar para uma espécie controle, isso passa a ser adicionar esse “y” na grafia e criar uma
lidade sobre a qual só um peso”, revela o ator. identidade xamânica. “Transpyra pode ser
ouvem falar, uma terra de terra prometida uma deusa da dança, uma entidade indíge-
Além de beber de fon- na psicodélica”, viaja o músico. Ainda em
fase de definição, o repertório do disco tem
prometida em que todos tes comuns para esse garantida uma nova parceria do paraen-
se com Arnaldo Antunes (eles já tinham
os problemas mais graves encarados du- tipo de produção (a ideia das provas que colaborado em “Ela É Tarja Preta”) e pode
incluir o hit de show “Pepeu e Papai”, que
rante uma situação de miséria e sofrimen- lembram as de reality shows, por exemplo), celebra o virtuosismo e a alegria de Pepeu
Gomes e Manoel Cordeiro.
to ficam para trás. Pelo menos na primeira a série levanta diversas questões relaciona-
JOSÉ FLÁVIO JÚNIOR
temporada, não saberemos. Essa leva de das ao papel do governo. “Discute-se muito
NA FUNÇÃO
episódios foca no Processo. “Imagino o meritocracia para justificar falhas do Esta- Cordeiro
Mar Alto meio como Fernando de Noro- do no que diz respeito a condições sociais”, trabalha em
Transpyra,
álbum cujo
título alude ao
xamanismo
nha”, chuta Bianca, que compara o Con- opina Vaneza Oliveira, intérprete de Joana,
tinente à realidade dos filmes da franquia personagem independente e cheia de per-
Mad Max. “O Mar Alto é um paraíso da sonalidade. “A série traz uma profundida-
abundância, com ar e água limpos, essas de muito bonita para todas essas questões
coisas que são preciosas.” abordadas, e discute muito as individuali-
Bianca vive Michele, uma jovem que tem dades de cada personagem, por isso temos
“uma motivação pessoal nesse Processo, tantos protagonistas. Cada um deles traz
porque foi criada pelo irmão, que passou pa- uma identificação diferente para o público.”
16 | R o l l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br Novembro, 2016
Rotina ExperimentalQUADRINHOS
Quadrinista brinca com pessoa se prenda em cada pá-
a linguagem das HQs gina e perceba os pequenos de-
em obra sobre a relação talhes que compõem a trama.”
entre cotidiano e amor Passado o choque com o expe-
rimentalismo da introdução da
Oquadrinista alexan- obra, é finalmente apresentada
dre Lourenço sempre aquela que o autor considera sua
soube qual era seu prin- verdadeira protagonista. Ber-
cipal desafio ao produzir as 132 nardo sai da rotina ao se apai-
páginas de Você É um Babaca, xonar por Gabriela: “Ele vive a
Bernardo. Para o autor, era es- realidade dele sempre pensando
sencial encontrar uma forma de em alguma outra coisa e perde o
retratar os efeitos de uma rotina que está acontecendo. A jornada
banal e pouco inspirada no co- dela é bem mais interessante.
tidiano de seus personagens. A Aliás, a babaquice do Bernardo
“É um quadrinho praticamente mudo”, diz o autor,
Alexandre Lourenço. “Quero que a pessoa perceba os
pequenos detalhes que compõem a trama”
solução encontrada pelo artista parte do ponto de vista dela”.
impressiona, mas deve ser de-
cifrada por seus leitores: as 12 Você É um Babaca, Bernardo
primeiras páginas do álbum são
compostas de quadros aparen- é a primeira empreitada lon-
temente autônomos, conectados
apenas pela passagem do tempo ga e impressa de Lourenço. O
na vida do monótono Bernardo.
quadrinista também é autor da BABACA EM
“A intenção é causar estra- PERSPECTIVA
nhamento e forçar o leitor a webcomic Robô Esmaga, publi- Bernardo sai da rotina
parar e observar”, explica Lou- ao se apaixonar por
renço. “É um quadrinho pra- cada como coletânea em 2015. Gabriela, cuja jornada
ticamente mudo. Quero que a é mais interessante, na
“A minha prática é mais online, opinião do autor. “Aliás,
a babaquice do Bernardo
mas gosto de pensar no meio no parte do ponto de vista
dela”, ele conta
qual a história será transmitida,
nas possibilidades, sequências e
formas que nunca tinha experi-
mentado antes.” RAMON VITRAL
RUI MENDES (INOCENTES); ALEXANDRE LOURENÇO/DIVULGAÇÃO (QUADRINHOS) LITERATURA Grito do Subúrbio
Marcelo Rubens Paiva e Clemente Nascimento se unem na criação de livro sobre a história do punk paulistano
(Ao centro) Clemente São Paulo, 28 de agosto de 1982. situação para reconstituí-la três ex-integrante do Restos de Nada
Nascimento, do Sobre o palco do Salão Beta da décadas depois no livro Meninos (considerada por muita gente a
Inocentes PUC, o Inocentes fez uma das em Fúria: E o Som Que Mudou a primeira banda punk brasileira)
apresentações mais memoráveis da Música para Sempre. acabou se transformando em um
carreira. Com os versos “Chamaram Escrito com Clemente Tadeu do relato a quatro mãos a respeito de
a Polícia Militar/ Todos armados Nascimento, guitarrista e vocalista uma das cenas mais inquietas do
até os dentes/ Todos prontos para do Inocentes, o trabalho foi rock nacional.
atirar”, de “Pânico em SP”, o grupo pensado inicialmente como uma Narrado da perspectiva de Paiva
antecipou o fim da apresentação. A biografia do pioneiro do punk. e entremeado por digressões
inesperada chegada da polícia ao “Eu tinha começado a escrever de Clemente, Meninos em
local deixou todos atônitos: Fúria reconstrói a trajetória do
as pessoas corriam e se minha autobiografia, destrutivo e insurgente punk
empurravam à medida que mas não conseguia sair paulistano. “Foi uma época muito
os cassetetes cortavam o ar da primeira página. Aí importante para minha vida,
para dispersar a multidão. o Marcelo disse que iria então decidi me colocar como
Na plateia, o escritor Marcelo escrever para mim”, conta personagem na história”, explica
Rubens Paiva esteve perto o músico.No entanto, o o autor de Feliz Ano Velho.
o suficiente dessa caótica que era pra ser um livro
sobre as memórias do GABRIEL NUNES
Novembro, 2016 rollingstone.com.br | R o l l i n g S t o n e B r a s i l | 17
ROCK&ROLL
4 PERGUNTAS
Sempre Boa de Prosa
Ainda PAULISTANOS Eloquente como de para quem é jovem. É tanta
O Língua de Trapo em seu costume, Shirley perfeição jogada nas redes,
quartel-general, o Sesc Pompeia, Manson volta ao que é dolorido imaginar
em São Paulo. Sarrumor aparece Brasil com o Garbage um adolescente olhando
para isso o tempo todo,
ao centro, de óculos O Garbage demorou 17 anos se comparando e sempre
para vir ao Brasil pela primeira se sentindo em falta com
Falante vez, em 2012. Agora, a espera esses padrões. Para mim,
deve ser bem menor: Shirley sentimentos e falhas tornam
MÚSICA Com quase 40 Mugnaini Jr. e Carlos Castelo Branco. Manson e banda têm dois as pessoas interessantes.
anos de carreira, banda Sarrumor espera repetir a dose. “Que- shows programados no país Muitas jovens te veem
Língua de Trapo concorre remos levar a apresentação para diver- (São Paulo, 10/12, e Rio de como um modelo a ser
ao Grammy Latino sas localidades. Na ocasião, contamos Janeiro, 11/12), e com um novo seguido. Isso em algum
com o apoio financeiro e a estrutura disco na bagagem, o elogiado momento se tornou uma
Strange Little Birds. Além de responsabilidade difícil?
Olíngua de trapo, ícone do Sesc, que nos proporcionou a opor- afiada musicalmente, Shirley No começo da minha
paulistano da música com tunidade de mostrar um espetáculo segue eloquente na hora carreira, me perguntaram
humor, se prepara para com- completo. Estamos batalhando para de falar de assuntos como sobre o que eu achava de
conseguir novos apoios e parceiros e, legado e feminismo. ser um “modelo”. Não levei
Quais as principais a pergunta a sério. Não
pletar 40 anos de estrada em 2019. assim, viajar com esse show.” diferenças entre fazer turnês acho que eu tenha feito algo
agora e 20 anos atrás? extraordinário para aceitar
Enquanto isso não acontece, o grupo Para o cantor, o Língua se mantém Bom, a diferença mais esse manto. Então, não é uma
importante é a Netflix responsabilidade. Tento viver
ainda celebra a boa recepção do álbum atual porque os fãs se renovam. “O pú- [risos]. E o celular. Eu diria uma vida da qual me orgulhe
que provavelmente são as e da qual meus sobrinhos se
O Último CD da Terra e a indicação blico da banda agrega uma nova gera- duas melhores coisas que orgulhem enquanto crescem.
surgiram nos últimos 20 anos. Sinto que se eu conseguir
do trabalho ao Grammy Latino, cuja ção. São jovens ansiosos para assistir Antes, usávamos cartões gerir minha carreira sem
para fazer ligações em envergonhar minha afilhada,
cerimônia será realizada este mês, no ao vivo àquilo que eles já conhecem telefones públicos. E quando terei sido bem-sucedida RICARDO FERREIRA (LÍNGUA DE TRAPO); CARLOS TISCHLER/REX/SHUTTERSTOCK (SHIRLEY MANSON)
você chegava ao hotel tinha [gargalha].
dia 17, em Las Vegas, nos por meio da internet ou uns três canais na TV, se Mas você tem um papel
você tivesse sorte, sendo importante como exemplo
Estados Unidos. “No começo é dos discos. E tem tam- que nenhum deles era em feminista no rock.
inglês ou tinha algo além de Eu sinto que as mulheres
A banda concorrerá convicção, depois vira bém os fãs que curtem o esportes ou pornografia. jovens, mais do que nunca,
em três categorias: Me- persistência. A partir Língua há mais tempo, Você já criticou os padrões precisam de figuras fortes,
lhor Álbum do Ano, de um certo ponto, é sejam os mais velhos, de felicidade inatingíveis de liderança. De mulheres
Melhor Álbum Pop Con- teimosia mesmo”, diz que conheceram a ban- exibidos nas redes sociais. mais velhas, como eu, que as
temporâneo em Língua Laert Sarrumor da ainda na primeira É um paradoxo que, mesmo ajudem a navegar por estas
com o acesso à informação águas turbulentas. Nesse
Portuguesa e Melhor formação, ou uma ge- que a internet proporciona, caso, sim, vejo como um
ainda sejamos enganados papel de responsabilidade
por esses padrões? – o papel de alguém pra
Claro que é. Tenho compartilhar experiências
dificuldades em apontar e a partir disso ajudar outra
tempos mais difíceis
que os atuais, pessoa. Isso eu
especialmente levo muito
a sério.
BRUNA VELOSO
Arte de Capa. Os músicos não pode- ração intermediária, que começou
rão comparecer ao evento, mas esta- a acompanhar o trabalho a partir da
rão na torcida aqui no Brasil. Laert volta da banda, nos anos 1990”, diz.
Sarrumor, o cantor e fundador, conta Sobre as quase quatro décadas de
que O Último CD da Terra marca de carreira, Sarrumor se mostra entu-
forma positiva a discografia do Lín- siasmado: “No começo é convicção,
gua. “É a coroação de uma trajetória depois vira persistência. A partir de
de 36 anos de batalhas”, diz. O show um certo ponto, é teimosia mesmo”, IMPONENTE
Shirley Manson à
de lançamento no Sesc Pompeia, em brinca. “A gente acaba vencendo os frente do Garbage
em setembro, na
São Paulo, em abril, foi um evento que momentos de desânimo e de cansa- Cidade do México
reuniu um batalhão de convidados es- ço com o gosto da vitória de ter che-
peciais, como os compositores Ayrton gado até aqui.” PAULO CAVALCANTI
18 | R o l l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br Novembro, 2016
GENIALIDADE 71 anos, os arquivistas Don Fleming e Jason
REUNIDA Stern trabalharam com a esposa do artista,
Laurie Anderson, para completar o livro que
Box que Lou Reed acompanha o box. A obra é cheia de lembran-
tentou finalizar em ças e fotos raras, incluindo uma que mostra
vida finalmente vê Reed sorrindo e liderando um grupo vocal no
show de talentos da escola. O resultado de to-
a luz do dia do esse trabalho, recém-lançado, é Lou Reed
– The RCA & Arista Album Collection. Co-
brindo o período de 1972 a 1986, é uma lição
de como uma gravadora deve tratar o catálo-
go permanente de um artista. “Que bom que
esperamos, porque saiu melhor”, diz Santos.
O box parece ser um prelúdio para um pro-
jeto de raridades e gravações descartadas,
como o Bootleg Series, de Bob Dylan. Existe
um acervo enorme de demos e canções avul-
sas no baú de Reed, mas não está exatamen-
te claro quanto material há lá. Um ponto de
partida pode ser a imensidão de material ao
vivo inédito: Santos diz que há uma conversa
sobre um box ampliado de gravações do show
de 1973 que deu origem ao clássico ao vivo
Rock ’n’ Roll Animal e observa que a grava-
dora “registrou muitos shows para [o box ao
vivo de 1978] Take No Prisoners”. Também
há dois álbuns ao vivo que ficaram de fora
“Ele ficava tão alegre ao redescobrir
esses discos”, afirma o amigo
e coprodutor Hal Willner
LANÇAMENTO do novo box, porque Reed não os conside-
rava propriamente parte de seu catálogo: o
A Última Reflexão importado Live in Italy, de 1984, uma apari-
Perto do fim da vida, Lou Reed passou os dias revisando ção intensa com o falecido guitarrista Robert
seu catálogo solo para um novo box Quine; e o caça-níqueis da gravadora Lou
Reed Live, de 1975.
IAN DICKSON/REX FEATURES VIA AP IMAGES Em junho de 2013, meses antes de saboreando e esmiuçando a própria obra.
morrer, Lou Reed sentou nos “Ele ficava tão alegre ao redescobrir esses The RCA & Arista Album Collection, no
estúdios Masterdisk, em Manhattan, entanto, parece ser a declaração final sobre
com os amigos e coprodutores Hal Willner discos”, lembra Willner. “Poder estar sentado o artista. Willner se lembra do último dia de
e Rob Santos para trabalhar em um projeto lá na sala com ele enquanto fazia isso... uau. remasterização, depois do qual ele e Reed
que queria fazer havia muito tempo: Sentia-me a pessoa mais sortuda do mundo.” foram ao Sirius Studios para gravar o pro-
remasterizar todo o seu catálogo solo grama de rádio New York Shuffle. “Nunca
lançado pelas gravadoras RCA e Arista. A intenção era lançar essas remasteriza- tocávamos músicas dele no programa”, conta
Reed era obcecado por áudio e, apesar da ções em um imenso box com 17 discos no Willner. Só que, naquele dia, os dois tinham
saúde frágil, ia todos os dias ao estúdio, terceiro trimestre daquele ano – só que a saú- levado as gravações finalizadas para o box e
de de Reed piorou e o projeto foi suspenso. a convidada do programa, Natasha Lyonne,
Após a morte dele, em outubro de 2013, aos de Orange Is the New Black, sugeriu que to-
cassem algumas das faixas (a atriz era muito
fã de Reed, que era muito fã de OITNB). “Lou
começou a dizer coisas como ‘não acredito
que estamos fazendo isso enquanto estou vi-
vo’”, diz Willner. Natasha lembra esse como
“o momento mais pesado da minha vida”.
“Foi uma tarde incrivelmente emotiva”,
acrescenta Willner melancolicamente.
“Nunca vi alguém que quisesse tanto viver.”
WILL HERMES
Novembro, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng St on e Br a si l | 19
ROCK&ROLL
Universo emCINEMA Expansão
Animais Fantásticos e DE CABEÇA fácil nem alguém por quem você
Onde Habitam, primeiro Eddie Redmayne sente afinidade de cara.”
de cinco títulos da nova está comprometido
franquia, mata a saudade com o universo de Como é costumeiro no caso
de Harry Potter J.K. Rowling por mais de produções desse tamanho,
alguns bons anos Animais Fantásticos e Onde Ha-
Faz nove anos que harry bitam se manteve cercada de se-
Potter e as Relíquias da “Uma das qualidades mais brilhantes de J.K. Rowling gredos antes do lançamento. Por
Morte, o último livro da é incluir sutilmente temas contemporâneos em suas exemplo, até a estreia não se sabia
série, foi publicado e cinco des- exatamente que papel teria Cre-
de que a segunda parte de sua obras”, diz Redmayne dence (Ezra Miller), filho de uma
adaptação foi vista no cinema. não maj que prega o extermínio
Mas nem os fãs nem a escri- Fogler), um “não maj” – o equi- que atraiu Redmayne, vencedor dos bruxos. Ele vira peça de in-
tora J.K. Rowling parecem ter valente nos Estados Unidos para do Oscar por A Teoria de Tudo teresse para os planos de Graves,
se cansado do universo mági- “trouxa” – que abre acidental- (2014). “Ele não é um herói tra- que é contra o estatuto que impõe
co. Estreia este mês Animais mente a maleta de Scamander dicional, não segue as regras e segredo à existência dos bruxos.
Fantásticos e Onde Habitam, e deixa as criaturas escaparem. fica mais feliz na companhia das Algumas das poucas cenas libe-
baseado no guia de criaturas Percival Graves (Colin Farrell), criaturas do que na de outros se- radas previamente revelaram
assinado por Newt Scaman- responsável pela segurança dos res humanos. Gosta de solidão”, uma iconografia bastante similar
der. O volume, livro didático bruxos, fica encarregado de in- disse o ator durante um dia de à dos movimentos fascistas que
em Hogwarts, foi escrito por vestigar o caso. entrevistas em Los Angeles. “Só surgiram na década de 1920 na
J.K. Rowling, obviamente, e o depois de conhecer Porpenti- Europa, por exemplo. Indagado
lucro de suas vendas revertido J.K. já declarou que gosta de na, Queenie e Jacob que baixa a sobre como os temas do filme se
para caridade. escrever sobre personagens que guarda um pouco. Mas ele não é relacionariam com a atualidade,
se sentem excluídos. Foi isso Redmayne brincou que essa era
Animais Fantásticos e Onde uma das coisas sobre as quais não
Habitam, dirigido pelo mesmo podia falar, sob pena de ser eje-
David Yates dos últimos qua- tado da cadeira. Mas confirmou
tro filmes da saga Harry Potter, que o filme aborda a segregação
expande o universo ao mostrar – Scamander fica chocado ao ver
Scamander (Eddie Redmayne), o nível de separação entre não
autoproclamado magizoologis- majs e bruxos na América. “Exis-
ta, em sua jornada pelo mundo tem muitas coisas acontecendo
catalogando seres mágicos. Em no mundo, e uma das qualidades
uma parada em Nova York, em mais brilhantes de J.K. Rowling é
1926, ele conhece as irmãs Por- incluir sutilmente temas contem-
pentina (Katherine Waterston) porâneos, sem martelar a cabeça
e Queenie Goldstein (Alison do espectador”, afirmou o ator.
Sudol), bem como Jacob (Dan
MARIANE MORISAWA
MÚSICA À Flor da Pele DIVULGAÇÃO (ANIMAIS FANTASTICOS E ONDE HABITAM); GIL INOUE (LIA PARIS)
Lia Paris usa melancolia e misticismo como combustível no segundo trabalho da carreira
CONTEMPLATIVA A Lua de Sangue é um eclipse lunar total. trabalho surge como um letras autobiográficas,
A artista quis fenômeno peculiar em No entanto, Lia Paris ponto de convergência o trabalho surge como
abraçar as “Lias que o satélite natural prefere interpretar o das diferentes habilidades um contraponto ao
passadas” da Terra ganha uma acontecimento à sua artísticas da paulistana (Lia debute, lançado em 2015:
coloração avermelhada. maneira em Lva Vermelha. é também artista circense, Lva Vermelha reflete
Frequentemente visto “Ela é efêmera, porque modelo e estilista). “É o amadurecimento
pelo prisma das profecias é um rito de passagem, uma forma de expressar musical de uma artista
apocalípticas, o evento assim como o EP”, diz a a música por meio de que se debruça sobre as
ocorre, na verdade, a cantora e compositora. diversas linguagens. Quis questões mais íntimas do
partir de determinadas Com quatro faixas, cada abraçar as Lias passadas.” ser a fim de entender o
condições da atmosfera uma representando um Apesar de manter o mundo à sua volta.
terrestre durante um elemento da natureza, o tom confessional e as
GABRIEL NUNES
20 | Rol l i ng S t on e Br a si l | rollingstone.com.br Novembro, 2016
CHEIOS DE REFERÊNCIAS OBSESSÕES DO MÊS
A parte sonora do
BaianaSystem: (da esq. p/ POR BRUNA VELOSO
a dir.) Russo Passapusso, @brunavelosom
SekoBass e Roberto Barreto.
À esquerda, a máscara que é A cada edição, um
símbolo da banda, criada por integrante da redação revela
Filipe Cartaxo o que tem feito sua cabeça
LIVRO
ACONTECE PORNÔ CHIC – HILDA HILST
A coletânea reúne a “Trilogia
Caminho Sólido Obscena” da autora – O Caderno
Rosa de Lori Lamby, Contos
Com o frontman Russo Passapusso, jogo de cor tricolor”, arremata Barreto. d’Escárnio/Textos Grotescos e
grupo BAIANASYSTEM mescla Responsável pelo projeto gráfico dos discos, Fili- Cartas de um Sedutor –, o livro
ritmos locais e globais via de poemas Bufólicas, um texto
pe Cartaxo também elabora a identidade visual dos inédito, ensaios de críticos e
entrevistas. Pesada, divertida,
“antropofagia permanente” shows do BaianaSystem. Sobre os palcos, o grupo suja, mundana, corajosa: a fase
utiliza diversos elementos, como a Carranca e o Ca- pornográfica de Hilda Hilst é
Dois de fevereiro, dia de iemanjá. valo do Cão. Dispostas entre os músicos, as figuras um clássico desavergonhado da
Além de homenagear o orixá, a data tam- funcionam como entidades protetoras do público
bém marcou, em 2009, a primeira perfor- e da banda. Outro componente adotado nas apre- literatura brasileira.
mance ao vivo do BaianaSystem. Como relembra sentações é uma máscara pentagonal, de olhos cir- VINIL
o guitarrista e idealizador, Roberto Barreto, ape- culares e nariz triangular, cuja função é espelhar a SUNDAY DOWN SOUTH –
JOHNNY CASH &
sar do tom formal que conduziu a apresentação, individualidade de cada integrante. JERRY LEE LEWIS
a estreia já revelava a espinha dorsal do grupo: a “A máscara foi criada pelo Cartaxo como uma Não é preciso ser religioso
para apreciar a beleza dessa
profusão de ritmos globais e regionais. espécie de oráculo do Baiana. É por meio dela que compilação de canções gospel
cantadas por dois gigantes da
“Começamos buscando traçar um elo entre a gente consegue representar as características de música norte-americana. O
lado A do disco, lançado em
FILIPE CARTAXO (BAIANASYSTEM); RODRIGO LACAL (BRUNA VELOSO); DIVULGAÇÃO (OBSESSÕES DO MÊS) a música tradicional baiana com alguns ritmos cada músico e colaborador”, diz Passapusso. “Des- 1970, traz o tom muitas vezes
penoso de Cash, enquanto
caribenhos, como salsa, dance de sempre prezamos muito por
o lado B apresenta uma
hall e reggae de raiz”, declara “Desde sempre prezamos fazer uma música imagética. abordagem mais luminar no
o vocalista, Russo Passapusso, muito por fazer uma música Ele [Cartaxo] molda temas e
que, ao lado de Barreto e de Se- imagética”, afirma o imagens e nós fazemos a música piano de Jerry Lee Lewis.
vocalista, Passapusso
koBass, responsável pelas bati- inspirados pelos sentimentos que SÉRIE
das eletrônicas, dá vida à parte estão na banda.” EASY
A série sobre conexões (e
sonora da banda soteropolitana; completa o con- Seis anos depois da estreia, o grupo lançou desconexões) humanas chegou
à Netflix sem muito alarde,
junto o artista Filipe Cartaxo, que cuida de toda Duas Cidades – continuação conceitual do pri- mas merece atenção. Com um
jeito leve de abordar diversos
a parte visual. meiro disco, já que a base melódica de muitas fai- modelos de relacionamento, o
criador, Joe Swanberg, faz um
As incursões musicais realizadas como uma es- xas da estreia ressurgem sob novas texturas no programa que, a princípio, não
exige muito do cérebro, mas que
pécie de “laboratório” culminaram posteriormente segundo álbum. “O meu meio de composição é deixa diversos questionamentos
no debute autointitulado. Lançado em 2010, o dis- através de uma antropofagia permanente”, refle- nas entrelinhas.
co traz na capa as cores azul, preto e branco, mes- te o vocalista. “Eu escrevo uma música e no show
ma paleta usada para representar experimento encaixar novas le-
Iemanjá, a divindade das águas. QUANDO COMEÇOU 2009 tras dentro dela. Isso é algo que
“Não gosto de pensar que isso foi eu pego emprestado da cultura
PARA QUEM GOSTA DE
premeditado. Acredito que foi al- jamaicana, em que as músicas
go sentido”, diz Passapusso, nas- Mombojó, Nação Zumbi e Criolo são de continuidade. Elas expli-
cido em Feira de Santana. “Nos OUÇA “Duas Cidades”, “Jah Jah cam a história e as transforma-
sentimos confortáveis com essas ções que vêm do tempo.”
Revolta, Pt. 2” e “Terapia”
cores, muitos blocos afro têm esse GABRIEL NUNES
Novembro, 2016
CALENDARIO shows
NOVEMBRO | DEZEMBRO UMA SELEÇÃO DOS MELHORES EVENTOS MUSICAIS NO BRASIL
NOVEMBRO DEZEMBRO EDER LEANDRO/DIVULGAÇÃO (XXXPERIENCE FESTIVAL); LUCAS BRÊDA (RAIMUNDOS); STEVE C. MITCHELL/INVISION/AP (BLACK SABBATH); ANDREW ROBINSON/DIVULGAÇÃO (NEW ORDER); TIM MOSENFELDER/DIVULGAÇÃO (CHRIS CORNELL); DIVULGAÇÃO
8 | Terça 17 | Quinta 1 | Quinta 8 | Quinta
GUNS N’ ROSES RAIMUNDOS PETER HOOK & THE LIGHT CHRIS CORNELL
Estádio Beira-Rio – Porto Alegre (RS) Teatro Rival – Rio de Janeiro (RJ) Teatro Bradesco – Rio de Janeiro (RJ)
Teatro Positivo – Curitiba (PR)
Com três membros da formação Com os convidados especiais Peter Hook virá ao país nova- O vocalista do Soundgarden
clássica – Axl Rose, Slash e Duff Ivete Sangalo, Alexandre mente acompanhado da banda e ex-integrante da banda Au-
McKagan –, o Guns N’ Roses re- (Natiruts) e Marcão (Charlie The Light. Os shows serão base- dioslave virá ao Brasil com a
tornará ao Brasil. A sequência de Brown Jr.), o Raimundos regis- ados no álbum Substance, uma turnê do álbum solo Higher
shows também incluirá São Pau- trará duas apresentações em coletânea dos maiores hits do Truth (2015). Curitiba/PR
lo/SP (Allianz Parque, 11 e 12/11), Curitiba, nos dias 17 e 18 de no- New Order e do Joy Division. (Ópera de Arame, 9/12) e
Rio de Janeiro/RJ (Engenhão, vembro, para um futuro DVD Depois da capital fluminense, São Paulo/SP (Citibank Hall,
15/11), Curitiba/PR (Pedreira ao vivo. o grupo seguirá para Porto Ale- 11/12) também estão progra-
Paulo Leminski, 17/11) e Brasí- gre/RS (Opinião, 3/12) e São madas no roteiro.
lia/DF (Estádio Nacional Mané 28 | Segunda Paulo (Cine Joia, 6/12).
Garrincha, 20/11). 10 | Sábado
BLACK SABBATH NEW ORDER
12 | Sábado Espaço das Américas – São Paulo (SP) Z FESTIVAL
Estacionamento da Fiergs – Porto Allianz Parque – São Paulo (SP)
XXXPERIENCE FESTIVAL O New Order fará show úni-
Arena Maeda – Itu (SP) Alegre (RS) co no Brasil no mesmo dia em Os grandes nomes da sexta edi-
Em sua turnê final, o Black que Petter Hook iniciará sua ção do Z Festival no Brasil são
Celebrando 20 anos de história, Sabbath voltará ao Brasil para se turnê por aqui. A apresenta- Demi Lovato ( foto) e Cheat Co-
a nova edição do Xxxperience despedir dos fãs. Além de Porto ção será baseada no álbum des. O evento também contará
Festival contará com Steve An- Alegre, a banda também pas- Music Complete (2015), o pri- com artistas brasileiros: Anit-
gello como headliner e Infected sará por Curitiba/PR (Pedreira meiro sem Hook, que saiu em ta, Projota, Tiago Iorc e Manu
Mushroom e Skazi no comando Paulo Leminski, 30/11), Rio de 2007. A formação atual inclui Gavassi estão confirmados.
do encerramento. Ao todo, mais Janeiro/RJ (Praça da Apoteose, Bernard Sumner (vocais), Ste-
de 30 DJs nacionais e inter- 2/12) e São Paulo/SP (Estádio do phen Morris (bateria), Gillian GARBAGE
nacionais se apresentarão nos Morumbi, 4/12). Gilbert (teclados), Phil Cun- Tropical Butantã – São Paulo (SP)
quatro palcos do festival, um ningham (guitarra) e Tom
dos maiores eventos brasileiros Chapman (baixo). O grupo retornará ao Brasil
de música eletrônica. depois de quatro anos para
7 | Quarta duas apresentações, em São
15 | Terça Paulo e no Rio de Janeiro/RJ
JOE SATRIANI (Circo Voador, 11/12). Formado
POPLOAD GIG 2016 Espaço das Américas – São Paulo (SP) em 1993, o Garbage é uma das
Audio Club – São Paulo (SP) bandas mais influentes da cena
Será a oitava passagem do gui- alternativa dos anos 1990.
O Popload Gig fará duas edi- tarrista pelo país. Em turnê que
ções seguidas. O duo eletrônico celebra seus 30 anos de carreira,
francês Air se apresentará no o músico mostrará ao vivo as can-
dia 15 de novembro, enquan- ções de seu mais recente álbum,
to no dia 16 subirão ao palco a Shockwave Supernova, lançado
banda folk Edward Sharpe & em 2015. Satriani também pas-
the Magnetic Zeros e a cantora sará por Curitiba/PR (Live Curi-
indie Courtney Barnett. tiba, 9/12) e Porto Alegre/RS (Te-
atro Araújo Vianna, 11/12).
22 | R o l l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br Novembro, 2016
PR GOSTO PESSOAL cara se apega ao estilo de música
“Não quero do rádio e todo mundo tem que
Lançando disco solo, MC ser igual àquilo? É uma ditadu-
dos Racionais comenta doutrinar ninguém”, ra na música, morô? Não quero
The Get Down e eleições diz o rapper doutrinar ninguém.
em São Paulo
Por Lucas Brêda Mano Brown Você já usou esse discurso de
“Estou fazendo música romântica? “não doutrinar” para falar
Está previsto para este Sim, mas com o espírito da rua” de política. São Paulo teve
mês o aguardado primei- uma eleição surpreendente.
ro disco solo de Mano você não resolve o problema de Vocês também riscavam os Como você acha que funcio- MARCELO PRETTO/DIVULGAÇÃO
Brown. Boogie Naipe foi inspira- ninguém. Sou um cara que está vinis para marcar as bati- nou esse jogo de influências?
do por funk, soul e disco music na rua, com o povo. Estou fazen- das em loop? [A eleição] foi totalmente in-
do fim dos anos 1970. “É aquilo do música romântica? Sim, mas Sim, o KL Jay marcava os discos fluenciada pela Globo, pela von-
misturado com o que tem hoje”, com o espírito da rua. O espírito com fita adesiva. Durante muito tade dos ricos. O Brasil tem um
diz o rapper dos Racionais MC’s, gangsta não morre. Isso de “não tempo rimávamos naquele pe- espírito colonial, precisa do pa-
que investe em uma abordagem pode falar disso porque não ven- daço instrumental curto, só que trão, do senhor da casa grande
mais íntima, mas sem mudar o de”, para mim, não serve. E não marcado, aí não dava erro. para dar as ordens. Estão sem-
ponto de partida. “Estou fazen- vejo coração em fazer isso. Era um hip-hop mais bási- pre procurando um coronel. Os
do música romântica? Sim, mas co, mas em Cores & Valores espíritos rebeldes são minoria. A
com o espírito da rua.” Assisti à série The Get Down vocês atualizaram bem o maioria quer isso: primeiro ati-
e fiquei imaginando como som com o eletrônico. ra, depois pergunta. Quer pizza,
Mudou alguma coisa na di- foi aquele período no Brasil. Aquele é o rap mais cru, mas internet e polícia na rua. O que
nâmica de compor para um Do que você se lembra? a vertente eletrônica é muito passou a ser a famigerada classe
trabalho solo? Tivemos nossas aventuras, mas forte. E você sabe que fomos C hoje quer botar a polícia para
Foi a mesma dos Racionais: com tinha um delay. The Get Down criticados, né? defender o que conquistou. Di-
os amigos, conversando, ouvindo começa em 1977, eu tinha 7 anos. Não é muito purismo? ferença de classe sempre haverá,
música. Nunca fui um composi- O rap para mim é depois de 1980 Tem dos dois lados. Se o cara diz então o pobre que não é mais po-
tor recluso, de escrever escondi- e não se chamava rap, era funk. que gosta de hip-hop, tem que bre acaba agindo como rico.
do, de madrugada. Sempre com- Na periferia era “balanço”: “Esse procurar saber de onde veio. O Muita gente criticou a polí-
pus no meio do “auê”. O bagulho balanço é da hora”. tica do Fernando Haddad
a milhão e eu fazendo música. (PT) nas periferias, pontu-
E em relação aos anos 1980? ando como principal motivo
A diferença é que eu nunca tinha para ele ter perdido.
batida para cantar em cima. Eu Acho que foi uma rejeição em
fazia a letra e depois ia procurar massa ao partido. Os adversários
a batida. Nesse disco, eu já come- fizeram questão de aproveitar o
cei com um instrumental que me fato de ser uma sigla demoniza-
agradava para desenvolver uma da. Pode ver que nas eleições o
ideia a partir dali. Isso muda o maior perdedor foi o PT. Não vi
estilo da música. É uma roupa ninguém ponderar sobre a ad-
que foi criada para você, não ministração do Haddad. Vi as
uma que qualquer um usaria. pessoas querendo tirar porque
Como era esperado, a faixa ele é do PT, mano. É muito louco:
“Amor Distante” recebeu tudo que o Brasil tem de errado
críticas pela dita falta de pa- é o PT, porque a Globo falou. A
recer político. Você teme esse Jovem Pan passou uns dois anos
tipo de cobrança? induzindo a população a aceitar
O que tem me movido hoje é isso, o que estava acontecendo: um
cara. Tem umas ideias que já dei- golpe. O Brasil é um país confu-
xaram de ser úteis pelo desgaste, so, mas ao mesmo tempo previ-
pelo uso demasiado da palavra e sível: quando a Globo quer uma
do argumento. As ideias se reno- coisa, ninguém segura.
vam. As pessoas não lutam mais E para material novo dos
por cesta básica, como em 1990. Racionais, tem previsão?
Hoje, com cesta básica na favela, Tem umas pedradas guardadas
para depois do meu disco.
www.rollingstone.com.br
Leia mais respostas de
Mano Brown.
24 | Rol l i ng St on e Br a si l | rollingstone.com.br Novembro, 2016
Diversidade TOP MODEL JOÃO SAL/DIVULGAÇÃO (COSTANZA E EMICIDA); FOTOSITE/DIVULGAÇÃO (SEU JORGE); REPRODUÇÃO (LADY GAGA E CORDEN, LAURYN E NICKI, AUDIÇÃO SABOTAGE)
pra Valer Seu Jorge
foi uma das
Não teve pra ninguém no segundo dia da estrelas
São Paulo Fashion Week. A LAB, grife dos do desfile
irmãos Emicida e Fióti, estreou com um desfile da LAB na
inclusivo, com modelos negros e plus size. Até SPFW, que
Costanza Pascolato, importante nome da moda terminou
brasileira, aprovou com um
show de
Emicida
MAIS QUE CANTORIA
Lady Gaga não só soltou a voz no “Carpool
Karaoke” como fez James Corden vestir
alguns de seus “melhores” figurinos
FÃ Nº 0 LEGADO DE PÉ
Nicki Minaj (à dir.) não teve Ganjaman, DBS Gordão Chefe, Rodrigo Brandão,
medo de mostrar o lado fã Rica Amabis, Bomba, Sabotinha e Tamires (ao centro,
e se ajoelhou aos pés de com a filha), filhos de Sabotage, e Dexter (à dir.) na
Lauryn Hill nos bastidores audição do aguardado álbum póstumo do rapper
de um evento beneficente
do Tidal, em Nova York Novembro, 2016
26 | R ol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br
INSTAMANIA
O MÊS DAS CELEBRIDADES NO INSTAGRAM
Kim Gordon
ESTAVA DEMORANDO “Backstage Ennui.” @kimletgordon
O ex-deputado federal Eduardo Cunha foi
(finalmente) preso, em Brasília, acusado de Cara
corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de Delevingne
divisas. (Acima) A atriz Shailene Woodley também
acabou detida ao participar de um protesto contra a
construção de um oleoduto no estado de Dakota do
Norte. Ela foi (felizmente) liberada no mesmo dia
AGÊNCIA ESTADO VIA AP IMAGES (EDUARDO CUNHA); TOM STROMME/THE BISMARCK TRIBUNE VIA AP (SHAILENE WOODLEY); PARABÉNS MELECADO @caradelevingne
REPRODUÇÃO (METALLICA, STEVEN TYLER, INSTAMANIA); JOÃO PASSOS/DIVULGAÇÃO (PRÊMIO ANATEC) Nada de assoprar velinhas. O baixista Robert Trujillo
comemorou o aniversário de 52 anos levando tortas “Um dos seres humanos mais gentis, mais pé no
na cara dos companheiros do Metallica, em um chão e mais incríveis que já conheci. Tanta gente
evento beneficente promovido por Neil Young, na sentirá tanto a sua falta. Ande de skate e descanse
Califórnia. (No detalhe) Até o anfitrião entrou na farra em paz, Dylan Rieder @swankfuck_inc”
Krysten Ritter
PURA SIMPATIA RECONHECIMENTO @therealkrystenritter
Steven Tyler foi só amor na recente passagem José Roberto Maluf, presidente da Spring
do Aerosmith pelo Brasil. Em Porto Alegre, ele Editora e publisher da Rolling Stone Brasil, foi “Não. É. Grande. Coisa. #TheDefenders reunidos
posou para fotos com as fãs em um bar eleito a personalidade do ano no XII Prêmio #nycc2016”
Anatec (Associação Nacional das Empresas
Novembro, 2016 de Comunicação Segmentada), em São Paulo SIGA O INSTAGRAM DA RS BRASIL
@ROLLINGSTONEBRASIL
rollingstone.com.br | R o l l i n g S t o n e B r a s i l | 27
Guinada à Direita
Por que os eleitores latino-americanos têm optado por
governos mais conservadores?
Por Aline Oliveira +Ilustração Lézio Júnior
Basta olhar uma fotografia re- o empresário Mauricio Macri, do Partido mas de governo associados ao ex-presiden-
cente com presidentes de países da Proposta Republicana (PRO), foi eleito te Hugo Chávez, morto em 2013, sofreu o
América Latina para comprovar: o com 51,4% dos votos, enquanto o peronis- primeiro revés eleitoral em 17 anos.
panorama foi drasticamente alte- ta Daniel Scioli ficou com 48,6%. A vitória
rado. Os eleitores latino-americanos muda- pôs fim a 12 anos de kirchnerismo (termo Os bolivianos, em fevereiro de 2016, dis-
ram, assim como suas opiniões, suas ideolo- usado para definir a filosofia política dos seram não à reforma constitucional apre-
gias e, consequentemente, seus governantes. ex-presidentes Néstor Kirchner, morto em sentada pelo presidente Evo Morales que
2010, e Cristina Kirchner, viúva dele). defendia a possibilidade de ele se candida-
O Brasil representa o mais recente tar a um quarto mandato (2020-2025). Es-
exemplo nessa conjuntura, ainda que aqui Na Venezuela, após eleição em dezembro sa foi a primeira derrota eleitoral direta de
a troca de líder tenha ocorrido após um de 2015, a Mesa de Unidade Democrática Morales desde que assumiu a presidência,
traumático processo de impeachment. (MUD), que faz oposição ao governo do em 2006. Para completar, em Bogotá, capi-
Desde 31 de agosto de 2016, o peemede- presidente Nicolás Maduro, conquistou a tal da Colômbia, nas eleições municipais de
bista Michel Temer comanda o país após maioria da Assembleia Nacional (99 dos outubro de 2015, o economista e adminis-
o afastamento da petista Dilma Rousseff. 167 assentos). Com isso, o chavismo, que trador alinhado à direita Enrique Peñalosa
define o conjunto de propostas dos progra- foi eleito prefeito, sendo que a cidade foi
Na Argentina, em novembro de 2015,
Novembro, 2016 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 29
comandada por partidos de esquerda nos ma-se que 75 milhões vivam em situação oposta a ele. Foi isso que aconteceu na Ar-
últimos 12 anos. de miséria, número 5 milhões maior que o gentina, com a vitória do Macri”.
registrado no ano anterior.
Ainda no âmbito municipal, a cidade de Segundo Rodrigo Prando, professor de so-
São Paulo, mais influente capital da Amé- “A população não sabe o que se passa de ciologia da Universidade Presbiteriana Mac-
rica Latina, elegeu democraticamente co- maneira consciente, porque não detém in- kenzie, “as sociedades vão buscando novas
mo prefeito, no último dia 2 de outubro, o formação o bastante para entender toda a alternativas, porque os discursos e muitas
empresário João Doria Jr. (PSDB-SP). Ele dinâmica subjacente. Mas, no fim do dia, das teses de esquerda se mostraram desas-
venceu a eleição no primeiro turno, com percebe que tem algo acontecendo. Percebe trosos nos países da América Latina”.
53,3% dos votos. no bolso, no supermercado e na feira. Isso
quando falamos sobre Brasil ou Argentina Para além do quadro geral, o professor do
A lém dos resultados eleito- – na Venezuela, nem acesso aos bens de hi- Departamento de Ciência Política da Uni-
rais, as crises políticas enfren- giene pessoal as pessoas estão tendo”, afir- camp, Wagner Romão, chama atenção para
tadas pelos governos e partidos ma Alberto Pfeifer, coordenador do grupo as especificidades. “Na Bolívia, houve um
de vários países latino-ameri- de análise da conjuntura internacional da desgaste do Evo Morales, mas em parte tem
canos, incluindo o Brasil, fazem crer que Universidade de São Paulo (USP) e sócio-di- a ver com a visão da população de que não é
os líderes ditos progressistas e de esquerda retor da LatinUS Consultoria. Ele comple- bom que um presidente possa se reeleger in-
estão em baixa na região. ta: “A percepção da população é construída definidamente”, afirma. “Já na Venezuela, ve-
de uma maneira muito imediatista. Então, mos uma conjunção de fatores, sendo o prin-
“A esquerda vive uma crise mundial quando a pessoa chega ao supermercado e cipal deles a morte de Hugo Chávez, que era
desde a queda da União Soviética, mas um líder carismático, além dos rachas inter-
13
2 MARTIAL TREZZINI/KEYSTONE VIA AP (EVO MORALES); AP PHOTO/RICHARD DREW (NICOLÁS MADURO); AP/PHOTO FERNANDO VERGARA (MAURICIO MACRI)
nos últimos 10, 15 anos houve uma PODER ALTERNADO
ascensão na América Latina – de certa 1. Evo Morales submeteu uma proposta
forma, como um contraponto ao que de mudança da Constituição à população
vinha ocorrendo no resto do mundo, da Bolívia, a fim de conseguir o direito
caso da crise da social democracia na de se candidatar a um quarto mandato.
Europa, por exemplo”, contextualiza Foi derrotado; 2. Comandada por Nicolás
o professor Aldo Fornazieri, da Fundação Maduro, a Venezuela passa por uma crise
Escola de Sociologia e Política de São Paulo histórica; 3. Em 2015, o empresário Mauricio
(FESPSP). “Há uma espécie de esgotamento Macri foi eleito presidente da Argentina,
das políticas de esquerda, que não conseguiu pondo fim a 12 anos de kirchnerismo
fazer as profundas transformações que se
esperava dela, como as reformas estruturais vê que o tamanho da compra não cabe no nos dentro do chavismo e da forte queda do
para remover as condições históricas de tamanho do bolso, ela se manifesta, seja por preço do petróleo. Na Argentina houve a gra-
desigualdade social.” voto no calendário eleitoral, seja indo à rua, ve crise econômica e um governo que passou
batendo panela, porque percebe que tem al- a ser muito mal visto por causa de denúncias
Uma das causas desse esgotamento é a guma coisa errada na maneira como a gestão de corrupção [Cristina Kirchner governou de
piora da qualidade de vida dos cidadãos, político-econômica vem sendo conduzida”. 2007 até 2015], por isso a população optou
fator que, obviamente, é refletido na hora pela troca. No caso do Brasil, temos desde
do voto. Dados da Comissão Econômica Em linhas gerais, nos últimos anos o o ano passado um país polarizado, embora
para a América Latina e o Caribe (Cepal) voto dos eleitores latino-americanos tem fatores políticos tenham sido determinantes
divulgados em março de 2016 mostram sido contra os recentes governos popula- para que essa crise se avolumasse.”
um aumento na pobreza em 2015, tendo res. Para o mestre em ciência política pela
afetado 175 milhões de pessoas (29,2% da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), Abusca por novas alternativas,
população da região) – são 7 milhões de professor do curso de Relações Internacio- o aumento da pobreza e a inflação
cidadãos a mais que os 168 milhões regis- nais da Fundação Santo André e integran- vieram após o fim do chamado
trados em 2014 (28,2%). Desse total, esti- te do Grupo de Reflexão sobre Relações “boom das commodities”. A ex-
Internacionais/GR-RI, Pedro Bocca, a ex- portação de produtos primários (aqueles que
plicação para tais mudanças é o fato de o vêm ou são produzidos a partir de matéria-
eleitor “não ser filiado a uma corrente ideo- -prima natural) garantiu ao mundo, e espe-
lógica. Se o governo atual está me fazendo cialmente aos países latino-americanos, uma
ficar desempregado, vou na próxima opção,
30 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br Novembro, 2016
alta arrecadação durante boa parte da pri- nos uma parte para ser investido”, diz Ales- governos tiveram condições econômicas
meira década dos anos 2000. O intenso cres- sandra Ribeiro, economista e sócia da Ten- de fazer uma boa inversão de recursos or-
cimento econômico da China e dos Estados dências Consultoria. “Deveriam ter poupado çamentários em políticas sociais”, comple-
Unidos nesse período fez desses dois países para quando as vacas não fossem tão gordas. ta Wagner Romão, professor do Depar-
consumidores insaciáveis. Com isso, os pre- Isso não foi feito, e é por esse motivo que a tamento de Ciência política da Unicamp.
ços ficaram mais altos, o que favoreceu as população agora penaliza tais governos.” “Programas de transferência condicionada
nações produtoras. “A China foi um grande de renda, como o Bolsa Família, no Brasil,
comprador de commodities, porque cresceu Essas lideranças têm em comum, segundo povoaram todo o continente.”
mais de 10% ao ano sem dispor de alimen- Pedro Bocca, “a falta de investimento econô-
tos, minérios e energia para sustentar esse mico e político para alteração da estrutura Houve, portanto, uma melhora inegável
crescimento. Com isso, o preço dos produtos do sistema econômico latino-americano. Es- na região. Romão destaca que “teve até [uma
cresceu de uma maneira inédita na história ses governos tiveram a oportunidade históri- sensação de] euforia”, reflexo do quadro de
recente”, ratifica Alberto Pfeifer, da USP. ca de mudar a estrutura de dependência, de crescimento econômico continuado, geração
posição subalterna na divisão do trabalho”, de empregos e uma considerável ampliação
Para ter uma ideia, as exportações do mas não o fizeram. de políticas sociais.
Brasil para a China aumentaram mais de
500% entre 2005 e 2011. Foi um período A época de bonança ficou no passado – em O atual cenário econômico, no entanto,
de crescimento do PIB brasileiro, mesmo diversos casos, a economia não apenas es- não poderia estar mais distante. O colapso
com a crise mundial de 2008. “Quando tagnou como sofreu piora. No entanto, é visí- global de 2008 afetou a estabilidade e o cres-
Hugo Chávez tomou posse pela primeira vel que a América Latina foi uma das regiões cimento experimentados pela América Lati-
em que a pobreza e a desigualdade foram na na última década (ainda que, no caso do
O crescimento dos Estados Unidos e da China na primeira década dos anos 2000
gerou o boom das commodities: países produtores, como o Brasil, passaram a
crescer com a alta na exportação. Finada a bonança, os governos que gastaram
sem pensar em reservas mergulharam em problemas econômicos
+
vez [ele comandou a Venezuela de 1999 até reduzidas com mais intensidade nas últimas Brasil, isso não tenha ocorrido de maneira
sua morte, em 2013], eu estava lá. Àquela décadas, mesmo que ela siga liderando os imediata). Muitos dos países que antes apro-
época, o barril de petróleo custava US$ 19. rankings de pobreza e disparidade de renda veitavam os bons ventos na economia não se
Durante o boom das commodities, chegou a entre os países em desenvolvimento. prepararam para o que viria a seguir. “Essa é
custar US$ 140. Ninguém esperava aquilo”, a grande questão da América Latina”, acre-
complementa o professor. Dados compilados em meados de 2014 dita Pfeifer. “Vimos nos últimos anos, em
mostraram que mais de 56 milhões de pes- nações como Venezuela, Argentina, Equa-
Nesses tempos de abundância, os gover- soas saíram da pobreza extrema na América dor, Nicarágua, Bolívia, Brasil e Cuba, um
nos latino-americanos cometeram erros, Latina entre 2000 e 2012. O estudo foi divul- modelo em que a distribuição social se faz
segundo analistas. “Tivemos um período gado em um comunicado mundial do Pro- por meio de uma forte intervenção do Esta-
bastante glorioso, no qual o que exportá- grama das Nações Unidas para o Desen- do na sociedade. Hoje, partimos da premissa
vamos valia muito. Isso gerou um efeito de volvimento (PNUD), intitulado Sustentar o de que o Estado não detém mais os recursos
enriquecimento nos países exportadores. Só Progresso Humano: Reduzir Vulnerabilida- que teve no período curto e recente das com-
que muitos governos foram imprudentes do des e Construir Resistências. modities. Quem soube aproveitar e construir
ponto de vista econômico. Foram gastando, reservas tem um colchão de garantia para
enquanto deveriam ter destinado pelo me- “Nesse período houve uma diminuição
da desigualdade social nesses países. Os
A ERA DOS EXTREMOS
Enquanto países latinos buscam mudanças em prol da economia, nações desenvolvidas abraçam discurso do medo
A América Latina passa alternativas, planos para Trump, candidato do Partido “Essas saídas autoritárias
por um momento de as nações. Mas na ausência Republicano à presidência em períodos de crise
ressaca depois de desses planos – até porque dos Estados Unidos em foram fundamentais
ter se refestelado no não existe vazio em 2016, não teria a menor para o surgimento do
banquete econômico política – entram em cena repercussão nem o apoio de fascismo, do autoritarismo
proporcionado pelo boom as saídas autoritárias”, certa parcela da população, e do nazismo”, diz o
das commodities. Mas não afirma Gladstone Leonel, mas hoje tem força. Da estudioso. “Elas nascem
é só a região que atravessa doutor em direito do mesma forma, o discurso do nesses momentos em que
um período de apreensão Estado e Constituição Jair Bolsonaro [deputado as pessoas acabam se
– especialistas apontam pela Universidade federal pelo PSC-RJ] atrai apegando à figura de um
para a onda de medo e de Brasília (UnB). uma parcela significativa da messias, de um salvador.
intolerância que abrange Segundo ele, é a isso que população brasileira.” Cria-se um discurso do
vários países. “A crise assistimos nos Estados Leonel faz uma ligação medo e elegem-se inimigos.
SIPA USA VIA AP econômica mundial abriu Unidos e em alguns países entre o que vemos hoje e No panorama mundial, hoje
uma janela que deveria da Europa. “Há cinco anos, a momentos sombrios da o inimigo é o imigrante do Donald Trump:
ser preenchida com novas figura do empresário Donald história contemporânea. Oriente Médio.” tempos sombrios
A.O.
Novembro, 2016 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e B r a s i l | 31
TAMBÉM NAS CIDADES
No âmbito municipal, o eleitorado tem
igualmente mudado de rumo: em Bogotá,
foi eleito prefeito o economista alinhado
à direita Enrique Peñalosa (à esq.); em
São Paulo, o empresário João Dória Jr.
foi alçado ao cargo no primeiro turno
A análise da história política da América Latina nos últimos 30 anos mostra
um movimento pendular. Entre os anos 1980 e 1990, a população optou por
governos ditos liberais; depois, elegeram-se nomes de centro-esquerda, esquerda
e populistas. Agora, vemos um retorno aos ideais buscados décadas atrás
+
dar conta do momento de crise global da lhadores. Olhando para o exemplo do João combateram a inflação, implantaram um REPRODUÇÃO/FACEBOOK (ENRIQUE PEÑALOSA); SUAMY BEYDOUN/AGIF (VIA AP)
economia. Os que não tiveram essa sabedo- Dória, um empresário que ganhou no pri- regime de responsabilidade fiscal, promo-
ria hoje enfrentam problemas.” meiro turno em São Paulo: ele foi o mais bem veram política de austeridade, câmbio fi-
votado na periferia da cidade. E por que a pes- xo, moeda forte, mas não conseguiram dar
A alternância de governos que está ocorren- soa na periferia não acha que ele é um inimi- conta de entregar políticas sociais abran-
do na América Latina é vista por diversos es- go? Porque [ele é inimigo] só para quem ainda gentes e universais. Alguém sempre ficava
tudiosos como conservadora e até neoliberal, está com a cabeça no muro de Berlim [1961- para trás. E isso incomoda até quem é bene-
por ter os olhos voltados para o mercado. “De 1989], no século 19 e início do século 20”. ficiado”, afirma Alberto Pfeifer.
fato, está se abrindo uma agenda de governos
neoliberais, que têm outra maneira de ver a O professor do curso de direito da Uni- “Sempre há uma reação”, complementa
economia, defendendo muito mais a presença versidade Metodista de São Paulo Antônio Wagner Romão, da Unicamp. Contra a fal-
do setor privado”, explica a economista Ales- José Vieira Jr. corrobora a tese. “As pessoas ta de políticas sociais dos chamados anos
sandra Ribeiro. Ela ressalta que nesse modelo estão acompanhando mais a gestão públi- do neoliberalismo na América Latina, a po-
“busca-se a eficiência do setor privado para ca. Elas veem a política como um presta- pulação deu votos a figuras e partidos com
assim voltar a sustentar taxas mais expressi- dor de serviço, que tem de dar resultados. propostas voltadas à diminuição da desigual-
vas de crescimento em um momento em que Então, votam em quem aparenta ter capa- dade; diante da corrupção e de problemas
as commodities não vão ajudar”. cidade de proporcionar isso.” econômicos deixados por essas gestões, o
eleitor retornou ao lado oposto.
“O neoliberalismo enquanto teoria/ A análise da história política
proposta não segue um compromisso de da América Latina nos últimos Movimento pendular, onda neoliberal,
equidade social e distribuição de renda”, 30 anos mostra um movimen- guinada à direita: a denominação do mo-
complementa Pedro Bocca. “A aposta do to pendular. Nos anos 1980 e ao mento vivido atualmente pela América La-
neoliberalismo é que, ao fortalecer alguns longo da década de 1990, os eleitores escolhe- tina é o que menos importa. O essencial,
setores da elite econômica, como conse- ram reeleger governos ditos liberais. Acre- segundo os especialistas ouvidos para esta
quência outros setores da sociedade vão se ditava-se que uma plataforma de reforma reportagem, é que os governantes enten-
dar bem, porque aumenta-se o emprego e orientada pelo mercado seria capaz de domar dam e entreguem o que a sociedade requisi-
crescem os investimentos.” o desemprego, a inflação e, assim, melhorar tou nas urnas – o desejo de crescer enquanto
a renda. Mais tarde, veio a insatisfação com nação e de obter melhorias na vida cotidia-
Sobre as críticas dos governos que se au- tais lideranças e diretrizes, e os latino-ame- na. “Muita gente que viveu a ascensão nesta
todenominam de esquerda aos governos ricanos se voltaram para governos considera- última década experimentou a boa sensação
que estão atualmente no poder, o professor dos centro-esquerda, esquerda e populistas. de ter o filho na faculdade, ter carro, casa
do Mackenzie Rodrigo Prando opina: “Isso própria”, analisa a economista Alessandra
de considerar que neoliberal e liberal esta- “O que aconteceu com os regimes do final Ribeiro. “Agora, essas mesmas pessoas co-
riam ligados mais à direita e outros modelos dos anos 1990? Governos como o do Fer- meçaram a voltar para uma situação finan-
à esquerda não existe. Até porque o governo nando Henrique Cardoso [1995-2003] e o ceira menos confortável. E ninguém quer
do PT não fez uma revolução nem trouxe os do Carlos Menem [Argentina, 1989-1999] isso. Todos querem viver bem.”
meios de produção para as mãos dos traba-
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NO TOPO DO MUNDO CHARLES SYKES/INVISION/AP
Kate no observatório
do Empire State
Building, em Nova
York, em julho de 2016
ESQUISITONA SDUECESSOANMPICGÓKHSITNALNLICOVANEN(SÇEEADPREROLEESPVAOARNRAHUOPMADREEAMEVNMOTOYRSAPRMARPAAAISRCAAALSOTAOS)S,AKTPAUOTRREDALAEYXMORRIS
34 | Rol l i ng St on e Br a si l | rollingstone.com.br
m uma recente manhã de domingo, kate mckinnon se que consegui evocar fazendo aquele so-
debruça sobre os restos de uma banana fatiada enquanto tenta taque britânico. Busco esse sentimento
não chorar. A fruta tem o objetivo de melhorar os hematomas desde então.”
sofridos no set de um filme-de-despedida-de-solteiro-que-deu-
Kate começou a assistir ao SNL aos 12
E errado, provisoriamente chamado Rock That Body. “É com a anos, por incentivo do pai. Como tantas
Scarlett Johansson, já ouviu falar dela?”, brinca Kate. O choro outras estrelas do programa de esquetes,
vem por causa do meu comentário inocente de que, se Deus quiser, em se apresentou com o renomado grupo de
janeiro ela poderá ser a primeira atriz da história do Saturday Night comédia Upright Citizens Brigade an-
Live a interpretar uma mulher presidente dos Estados Unidos (até o tes de enviar uma fita para o SNL e ser
fechamento desta edição, a eleição norte-americana ainda não havia chamada para um teste. “Um amigo foi
sido realizada). “É, realmente. Eu não tinha pensado nesses termos contratado como roteirista uns dois anos
até este momento. Não sobre a minha participação, mas – como será antes e eu fisicamente tremia só de estar
esse momento? O quanto vamos chorar? Eu poderia chorar agora só de próxima de alguém que trabalhava lá. Era
pensar no quanto todos nós estaremos chorando quando isso acontecer meu sonho, mas já tinha aceitado que não
de verdade.” Por um instante, ela faz exatamente isso. E então, sem rolaria, e tudo bem.” Quando descobriu
contexto nenhum, para e tenta equilibrar uma colher no nariz. que havia sido contratada (e que assim se
tornaria a primeira mulher do elenco as-
É bem por aí. Explorar as ENTRE AMIGAS sumidamente lésbica), ela, é claro, chorou.
emoções de uma personagem Com Melissa McCarthy, Kristen
se tornou a marca registrada Wiig e Leslie Jones em Caça- Aos 32 anos, Kate está na rota de suces-
de Kate desde o início da tra- Fantasmas. (À dir.) No SNL ao so (da TV para filmes e para a dominação
jetória da artista no SNL, em lado de Hillary Clinton mundial) que se espera dos integrantes
2012, com sua voz de Katha-
SONY PICTURES (CAÇA-FANTASMAS); DANA EDELSON/NBC (HILLARY) rine Hepburn, olhos de gato DEDAITUF“SEARLMEEUSUZGAMTOOEUBBQOBRMOARUPRSMLEEOTEGHQRUUSROUORCSA.EOÃAUER”O Esse também não é um mais talentosos do SNL.
e uma capacidade de ser mais conceito estranho para Ka- Atua em Gênios do Crime,
estranha do que qualquer ou- te. Filha mais velha de um comédia policial cujo elen-
tra pessoa. “Eu tento ser con- arquiteto e de uma assis- co é um verdadeiro quem
fiante, mas tenho o que meus tente social, ela cresceu em é quem da comédia: Zach
amigos chamam de mãos de Long Island, Nova York. Na Galifianakis, Owen Wil-
Ratatouille”, afirma, trans- 5ª série incorporou um so- son, Jason Sudeikis e Kris-
formando as mãos em gar- taque britânico para o teste ten Wiig. “Foi assustador”,
ras de rato e esticando seus para “rainha da semana de diz. “Sabe, estava gravan-
dedos na minha direção. “Eu leitura”. “Passou pela minha do cenas com o Zach Ga-
sou uma mulher pequena. cabeça que isso agregaria à lifianakis, um dos meus
Consigo me identificar pro- caracterização da rainha”, heróis. Eu quero fazer um
fundamente com essa justa- conta. “Eu acho que a gênese bom trabalho. E isso re-
posição de duas característi- da minha vida inteira, pro- quer algum grau de ob-
cas díspares – acho que essa vavelmente, são os sorrisos sessão e um pouco de tor-
é a essência de qualquer per- tura.” Mas o destino dela
sonagem de comédia.” provavelmente foi selado
com Caça-Fantasmas,
É também o segredo por de Paul Feig, no qual sua
trás de algumas das inter- interpretação excêntrica
pretações mais famosas de para Holtzman, a inaba-
Kate no SNL, programa pelo lável engenheira nuclear
qual ela recebeu o Emmy de da equipe, quase roubou a
Melhor Atriz Coadjuvante cena. “Para mim, pareceu
em setembro: Angela Merkel algo monumental fazer
tentando esconder uma que- cenas de ação sem ter que
dinha por Barack Obama por vestir collant”, afirma. E isso nos traz de
trás da típica sisudez alemã; volta a Hillary. Quando Kate descobriu
Justin Bieber como um me- que tomaria as rédeas de Amy Poehler e
ninão que parece sempre es- assumiria o papel da então candidata à
tar se preparando para uma presidência dos Estados Unidos no SNL,
selfie; e, sim, Hillary Clinton surtou “diante da enormidade da tarefa.
como uma mulher que mal Tudo fica mais complicado quando envol-
consegue esconder a ambi- ve política”. Kate não só teve que fazer jus
ção de fazer tudo dar certo. à caracterização “icônica e maravilhosa”
de Amy como precisou se diferenciar dela
e, ainda, descobrir uma forma de satirizar
uma mulher que ela respeita e apoia pu-
blicamente. Mas, desta vez, sem lágrimas.
“O progresso, o progresso de verdade, me
faz chorar mais do que qualquer coisa.”
Novembro, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a si l | 35
O Green Day deixa
para trás os problemas
do líder, Billie Joe
Armstrong, e volta a
brilhar com um trabalho
sem grandes pretensões
POR BRIAN HIATT
Foto: MARK SELIGER
36 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br
rollingstone.com.br | R o l l i n g S t o n e B r a s i l | 37
illie joe compulsivamente e gravava músicas para os que deveríamos ser hoje?’”, diz Armstrong. A
Armstrong tinha regras rígidas para o Green mal recebidos e quase simultâneos álbuns resposta: “Vamos ser o Green Day. O Green
Day. Isso foi na época em que ele pressionou a ¡Uno!, ¡Dos! e ¡Tré!, combinava remédios e Day é incrível!”
banda a gravar três álbuns quase ao mesmo álcool “de um jeito que me deixava surpreso
tempo e depois ter ido parar na reabilitação. de acordar no dia seguinte”, conta. Embora R evolution radio foi feito de modo
E também antes de uma indução ao Hall da tivesse uma esposa e dois filhos adolescentes artesanal. A própria banda o produziu,
Fama do Rock ter provado que ele não tinha em casa, o raciocínio dele era suficientemen- gravando tudo em privacidade quase
nada a provar aos outros. Naquele tempo, te “confuso” para a ideia da morte não o per- total: eram apenas eles e o engenhei-
uma regra era mais importante que as demais: turbar muito. “Estava sendo muito egoísta.” ro de longa data, Chris Dugan, no estúdio
cada álbum precisava ser acompanhado por diariamente. Os integrantes só contaram à
uma turnê, sem pausa. Bandas que paravam Agora, Armstrong está em seu quarto gravadora Warner sobre a existência do ál-
não voltavam do mesmo jeito, Armstrong ano de sobriedade. Também está tentando bum quando o trabalho estava praticamente
dizia. Ele comparava o trio a um carro se livrar das piores tendências na carreira. acabado. “Quando ninguém sabe que você
esportivo antigo: “Você precisa manter tudo O Green Day acabou de lançar Revolution está trabalhando, às vezes é o momento mais
funcionando sempre. Se fica parado, acumula Radio e o álbum reflete essa nova fase. Com fácil para isso”, afirma Dirnt. “Ninguém fica:
ferrugem”. Eles ensaiavam até seis vezes a banda recém-saída da maior pausa que fez ‘Já terminou aquilo?’ Você fez porque queria,
por semana, como uma banda de garagem em 28 anos de história, o cantor, compositor não porque era obrigado.”
se preparando para o primeiro show. “Era e guitarrista não pensa mais no trio como um
ridículo”, diz o baixista, Mike Dirnt, “e, ao carro delicado que pode quebrar depois de al- Gravar o álbum foi indolor, mas chegar
mesmo tempo, ótimo. Baixamos a cabeça por guns dias parado na garagem. “Essa compa- até ele foi difícil. Dirnt passou boa parte do
20 anos e não olhamos mais para cima.” ração não é nem um pouco verdadeira”, diz, tempo enfrentando um dos desafios mais do-
duas vezes, chorando de rir sentado em uma lorosos de sua vida, depois que Brittney Cade,
Nesse modus operandi, tudo tinha de ficar poltrona cinza no lounge do andar de cima de sua esposa havia sete anos, foi diagnosticada
maior e mais ambicioso. Nasceu, então, o dis- seu estúdio novinho em folha, em Oakland, com câncer de mama. Atualmente, a doen-
co conceitual American Idiot (2004), em uma Califórnia. “Aprendi do jeito difícil. Foi pre- ça está em remissão, após “nove cirurgias e
época na qual o público estava faminto por ciso parar de tentarmos nos superar o tempo quimioterapia e essa coisa toda”. Ele raspou a
guitarras. O trio de maconheiros irreverentes todo. Tivemos de romper esse hábito, porque cabeça em solidariedade à mulher e a família
oriundos da classe operária começou a fazer de repente não estávamos mais sendo nós se mudou para o sul do país por oito meses
shows em estádios e desenvolveu o hábito de mesmos... Eu estava um pouco cansado de para se concentrar no tratamento dela. Ter
usar delineador. 21st Century Breakdown estar no Green Day. A gente precisava parar.” dois filhos com menos de 10 anos deixou tudo
(2009), o álbum seguinte, era repleto de ainda mais assustador. “A última coisa que
faixas fortes, mas a seriedade extrema e o Pela primeira vez em mais de 15 anos, o você quer é perder quem é o melhor em criar
tom bombástico tomaram conta, como em Green Day lança um álbum sem conceito: filhos”, Dirnt diz, rindo discretamente. “Mas
“American Eulogy (Mass Hysteria/ Modern são 12 faixas, sem firulas. “Isso foi eu, Billie e ela também é a pessoa mais forte entre nós
World)”. “Tudo ficou muito apocalíptico”, re- Tré incentivando um ao outro”, conta Dirnt, dois. Eu provavelmente teria me encolhido
lembra Armstrong. “Perdemos um pouco do “do mesmo jeito que era quando ensaiávamos em posição fetal e dito: ‘Pra mim, já deu’.”
nosso lado bobo, justo a parte do Green Day para Kerplunk [o segundo disco da banda, de
de que sempre gostei.” 1992], sem pensar muito”. A banda vê o pro- Paralelamente, o baterista, Tré Cool, esta-
cesso de gravação do novo álbum como uma va em uma longa lua de mel com a nova espo-
Em 2012, Armstrong estava bebendo em volta às raízes. “Havia um negócio do tipo: ‘O sa, Sara Rose, uma musicista de 30 e poucos
excesso. Perdeu o controle e a maior parte anos que tinha cabelo roxo no dia em que se
da perspectiva. Mesmo enquanto compunha “ESTAVA UM POUCO casaram – graças a ela, há uma bateria na sa-
CANSADO DE ESTAR la de estar no momento. “Viajamos um pouco
NO GREEN DAY”, pela Europa, México, Belize e Jamaica”, ele
DIZ ARMSTRONG conta. “Fomos os típicos recém-casados, fa-
SOBRE A PAUSA DA zendo só o que dava vontade no dia. Foi ex-
BANDA. “A GENTE celente.” Cool cresceu em um refúgio rural
PRECISAVA PARAR” hippie em Mendocino County. Aos 43 anos,
consegue ficar bem de cabelo espetado azul
e não é estranho ouvi-lo se referir a si mesmo
na terceira pessoa. Ele está pensando a longo
prazo, malhando muito para se preparar pa-
ra a vida como “um fortão de 60 anos tocan-
do músicas do Green Day”.
Quanto a Armstrong, a ideia de pau-
sa pode facilmente ser confundida com
produtividade frenética. Ele refez Songs
Our Daddy Taught Us, álbum de 1957 dos
Everly Brothers, ao lado de Norah Jones,
em um trabalho chamado Foreverly; com-
pôs diversas músicas certeiras no estilo
dos Beatles para o musical inspirado em
Shakespeare These Paper Bullets!, do Yale
Repertory Theatre. Também tocou guitar-
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1
2
LAÇOS MUSICAIS
1. Armstrong com os filhos Joey (à
esq.) e Jakob. Eles têm suas próprias
bandas; 2. O baixista, Mike Dirnt, e
Armstrong trabalhando nas faixas
de Revolution Radio no estúdio da
banda, em Oakland
JOEY ARMSTRONG/INSTAGRAM (1); CHRIS DUGAN (2) ra em vários shows do The Replacements, ao clube onde tudo começou. Um espaço Gilman é um discreto prédio de tijolos
uma das bandas preferidas dele. próximo que um dia abrigou armazéns aparentes. Ainda é gerenciado de maneira
abandonados agora dá lugar a uma loja coletiva, como nos tempos em que o Green
Além disso, aceitou fazer o papel de ex- de doces Trader Joe’s, um supermercado Day começou a tocar ali no final dos anos
-músico que se tornou um pai afligido pela Whole Foods e apartamentos. A cerca de 1980, antes de Cool entrar para o trio. A
crise de meia-idade em uma comédia dra- 800 metros do clube, a luz do motor acen- janela está cheia de cartazes de bandas
mática independente, estreando como pro- de e o carro começa a falhar. Paramos e novas que tocaram ali recentemente, com
tagonista de um longa metragem aos 44 acabamos empurrando o carro até um es- Jakob Danger se destacando entre elas.
anos. O filme, sem previsão de lançamento tacionamento em uma rua mais tranquila. Jakob, um dos dois filhos de Armstrong,
no Brasil, batizado como Ordinary World Talvez seja um sinal dos deuses do punk. é o líder da banda influenciada pelo Stro-
por causa de uma balada que Armstrong kes, que inclusive lançou um EP pela hy-
compôs para a trilha sonora, foi lançado Caminhamos até o clube vazio. O 924 pada gravadora Burger Records; Joey, seu
uma semana depois de Revolution Radio. irmão, é baterista na banda independente
O músico/ator está em quase todas as ce- DE VOLTA AO COMEÇO SWMRS. “É como um filme”, Armstrong
nas, com uma interpretação naturalista ao diz ao falar sobre os filhos.
lado de Fred Armisen e Selma Blair. Lee Trio abandona projetos conceituais e
Kirk, roteirista e diretor, o estimulou a dá o recado de forma direta No ano passado, um mês depois da in-
pensar no filme como uma linha do tempo dução ao Hall da Fama, o Green Day vol-
alternativa: o personagem foi contratado Revolution Radio (++++, tou ao 924 Gilman para fazer um show
por uma grande gravadora mais ou menos Warner), o primeiro álbum secreto para a plateia mais velha que já
na mesma época que Armstrong, mas, no do Green Day em quatro encarou: era uma reunião da turma da
caso da ficção, não deu certo. “Falamos so- anos, é puro punk rock: cena do início dos anos 1990, repleta de
bre a trama como sendo ‘a história do que vibrante e despido de punks adultos. “Foi tão emotivo”, Arms-
teria acontecido se Dookie não tivesse ven- grandiosidade ou trong conta. “Olhando para o público, você
dido 10 milhões de cópias’”, diz Kirk. “Tal- complicações conceituais. A via rostos conhecidos que um dia usaram
vez seja uma vida que ele poderia ter tido.” faixa-título dá o tom, com uma guitarra à la The piercing e cabelos roxos, agora totalmente
Clash. Nela, Billie Joe Armstrong rosna sobre grisalhos.” Alguns dos antigos punks ho-
O filme deixou Armstrong ansioso para se bombas caseiras e gasolina, como se estivesse je são “educadores, artistas, autores”, que
arriscar em outras empreitadas. “Quero ten- procurando algo na garagem para colocar fogo usaram o movimento do mesmo jeito que
tar atuar mais. Quero tentar fazer musicais no mundo. A também explosiva “Bang Bang” Armstrong, como uma porta “para a ideia
e quero tentar misturar tudo isso. Enquanto soa tão pesada quanto qualquer coisa incluída de poder se expressar”.
fazia Ordinary World, houve momentos em em Dookie e Kerplunk. Mas Revolution Radio
que eu não tinha ideia de nada. Foi uma das não é apenas sobre nostalgia. O trabalho reflete “É como trombar com um velho ami-
melhores experiências da minha vida.” décadas de sabedoria musical e emocional. A go, e vocês estão colocando em dia tudo
letra da balada thrash anarquista “Outlaws” fala o que aconteceu em 40 anos – você pensa
No dia seguinte ao lançamento- da luta de Armstrong contra o vício e do temor no quanto mudou durante a vida. É uma
-surpresa de “Bang Bang”, o primei- de um futuro com Donald Trump. É barulho feito viagem. Porra! Mas aqui estamos nós.”
ro single de Revolution Radio, Tré para atravessar a escuridão e chegar à alvorada. Armstrong suspira. “Se aquele tivesse sido
Cool está dirigindo seu Volvo 1963 o último show da minha vida”, afirma, “te-
pela Gilman Street em Berkeley, rumo JON DOLAN ria sido um fim feliz.”
Novembro, 2016 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t on e Br a s i l | 39
Marcio
buzelin
paulinho
fonseca
rogério
flausino
42 Rolling Stone Brasil
Marco
túlio
FviiimdnocédsoidotnupsuueemntojacàgaepoemesrssdmstadadespaàoionésoorsrcqtróBeeaacueprmrshbdeorasoíaatipstjansiioceldsdsaaetso,
por mauro ferreira
Fotos: Maurício Nahas
pj
Rolling Stone Brasil 43
J osé do prado lara, pai do guitarrista marco túlio lara, se assustou ASSISTENTES DE FOTOGRAFIA: CHARLES WILLY E CAIO TOLEDO. NA DUPLA ANTERIOR: MARCIO VESTE ÓCULOS COLCCI, JAQUETA JUICY BY LIQUOR E CAMISETA CAVALERA. PAULINHO VESTE BLAZER, LENÇO E CALÇA AMAPÔ E CAMISETA RENNER.
quando soube que o filho abandonaria o curso de engenharia para se dedicar à ROGÉRIO VESTE JAQUETA MILITAR E CHAPÉU JUICY BY LIQUOR E CAMISA RICARDO ALMEIDA. MARCO TULIO VESTE JAQUETA E CALÇA DIESEL, CAMISETA RENNER E LENÇO JUICY BY LIQUOUR. PJ VESTE JAQUETA AMAPÔ E REGATA MARCELU FERRAZ.
música. Naquela época, em 1994, o futuro ainda parecia incerto para Marco
Túlio, Rogério Flausino, Marcio Buzelin, PJ e Paulinho Fonseca. No ano ante-
rior, os cinco tinham formado em Belo Horizonte, Minas Gerais, uma banda de
soul music chamada J. Quest que militava incansavelmente pelo circuito inde-
pendente de shows da capital mineira. A situação era tão precária que Marco
Túlio inventou um empresário fictício, o Marco Antônio, e se passava por ele ao
telefone para falar com contratantes de shows do grupo.
Nem o pai de Marco Túlio e muito me- mente dois discos com músicas inéditas”, ‘Like a Virgin’ [Madonna]”, contextualiza
nos os músicos poderiam imaginar que ressalta Marco Túlio. “A gente ainda está PJ, com justificado orgulho.
dois anos depois eles fariam parte do na batalha, ainda corre atrás e ainda se Rodgers, apresentado ao Jota Quest por
elenco de uma das grandes multinacio- reúne para compor repertório e gravar Jerry Barnes, baixista do Chic, avaliza a
nais do disco, a gravadora Sony Music, e um disco. Não entramos na onda dos sin- discotecagem pop variada dos mineiros.
iniciariam uma consistente escalada de gles. Ainda fazemos álbuns”, completa o “No meu ponto de vista, eles são tão bons
sucesso. Em 2016, o Jota Quest – que teve vocalista, Rogério Flausino. quanto as melhores bandas de soul e funk
que alterar o nome em 1998 para evitar A rigor, o Jota Quest tem feito grandes com as quais toquei. Cada integrante é um
atrito judicial com a empresa norte-ame- discos na presente década – podem até músico de primeiro time. Dá para perceber
ricana Hanna-Barbera, produtora do de- ser considerados os melhores da carrei- isso nos shows”, ressalta ele, convidado da
senho Jonny Quest – completa 20 anos ra. Para festejar, o quinteto lança uma apresentação do Jota Quest no Brazilian
de presença nas rádios e com a mesma caixa com a discografia completa, reno- Day, em Nova York, no último mês de se-
formação dos tempos do empresário ima- vada a partir do álbum La Plata (2008), tembro. A performance, realizada em um
ginário. Ocupa, sem concorrentes, o pos- o primeiro realizado no estúdio do grupo. palco armado na esquina da 6th Avenue
to de maior banda pop do Brasil, sempre “Com o La Plata, o som do Jota Quest com a 44th Street, permanece viva na
disposta a fazer canções cheias de groove. começou a ficar mais universal. A gente memória do quinteto pelo efeito catártico
E, claro, agora conta com um empresário sempre foi soul, mas foi descobrindo a
real, Helber Oliveira, que chefia os quatro
A“glsaeoenafmtrtereqarfusiace”qo,auudbeiclazaansrpdcoraugefdseoosriialomoofagtlsooasducaasecidnrnoaao,dq,aaulpeeprlmoeernbmdrpaoaeurnmtdaeeonjdotdaoogcafprroeitrioiibcojoaodmog.o
que a música “Mandou Bem” (o pop black
funcionários da casa-escritório de Belo vocação pop da banda. Nossa vocação é gravado com Rodgers para o álbum Funky
Horizonte em cujo terreno o grupo cons- tocar no rádio”, avalia o baixista, Paulo Funky Boom Boom) proporcionou na pla-
truiu um estúdio próprio, o Minério de Roberto Diniz Junior, o PJ. teia e, sobretudo, pela conexão ao vivo com
Ferro, nos anos 1990. Rodgers. “Você nunca imagina que aquele
Apesar da pausa para a celebração re- cara que é seu ídolo um dia vai chegar de
Nos decorrer detas duas décadas, o pre- visionista, o quinteto se recusa a focar Uber no seu show, tirar a guitarra, con-
sente passou a ser um lugar seguro para a apenas passado, tendo gravado em se- ferir a música e tocar com você”, narra o
banda que, nos primórdios, se reunia em quência dois álbuns revigorantes, Funky baterista, Paulinho Fonseca. “Mais surreal
uma pastelaria de BH, a Dom Pastel, co- Funky Boom Boom (2013) e Pancadélico para mim é o Jota tocando e ele do lado,
mo se lá fosse seu escritório. E que come- (2015), ambos com faixas feitas com o “to- dançando e filmando o show”, relata o te-
çou a ensaiar em um espaço exíguo de 3 que Chic” da guitarra do músico norte- cladista, Marcio Buzelin.
metros quadrados. Para aguentar o calor -americano Nile Rodgers, um dos pro-
humano, no sentido literal do termo, a so- dutores fundamentais na arquitetura do Se Rodgers chegou ao Jota Quest por
lução foi fazer vaquinha para comprar um pop-disco-funk do fim da década de 1970. meio de Jerry Barnes, este conheceu o gru-
ar-condicionado. “Houve muita ralação. Rodgers foi o mentor da banda norte- po através de um contato inicial feito por
Hoje, eu me sinto um herói da resistên- -americana Chic e gerou hits mundiais PJ. Barnes produziu Funky Funky Boom
cia. Inclusive porque, com esse tempo de para Diana Ross, David Bowie, Madonna Boom e Pancadélico com entusiasmo. “Eu
carreira fonográfica, a gente fez recente- e, recentemente, Daft Punk. “Sempre fui me senti abençoado pela oportunidade de
fã do Chic. O Nile, afinal, foi o cara que fez fazer música com um grupo tão talentoso
44Rolling Stone Br asil Produção: Tamara Emy, Styling: Caio Garro, Maquiagem: Simone Souza
MICHAEL KENNETH/RODRIGO LOPES/DIVULGAÇÃO de artistas. Todos eles compõem, tocam PARA GRINGO VER nos criticaram acabaram fazendo o mes-
e produzem música. Isso é raro. Eu ouvi mo. A associação de bandas e cantores
gravações do Jota Quest e encontrei nelas A banda em Nova York, no Brazilian Day, em com grandes marcas da iniciativa priva-
uma linha comum de inspiração. Quando setembro. (Da esq. para a dir.) Rogério Flausino, da existe no mundo pop para ajudar, para
as pessoas ouvem ‘Blecaute’, elas sorriem Paulinho Fonseca (ao fundo, na bateria), PJ, melhorar o lado artístico e para aprimorar
e começam a dançar. Pra mim, isso diz tu- Jerry Barnes (atrás de PJ), Nile Rodgers e o staff”, argumenta o vocalista, lembran-
do”, elogia Barnes. Marco Túlio. Na ocasião, a banda tocou hits do a relação do cantor norte-americano
antigos e faixas do recente Pancadélico Michael Jackson (1958-2009) com outra
“Blecaute” é uma parceria de Nile Rod- marca de bebidas. “Reconheço que houve
gers e Barnes com Rogério Flausino, Wil- Gessinger em um verso lapidar de “Terra uma superexposição da banda. Mas Oxi-
son Sideral e Marcio Buzelin. Rodgers de Gigantes”, balada lançada pelo Enge- gênio não é um disco horrível. Ao contrá-
tocou guitarra na canção, gravada pelo nheiros do Hawaii em 1987. A gravação foi rio, é um álbum legal pra caralho. E sofrer
Jota com a participação de Anitta, musa feita 13 anos antes de o Jota Quest associar aquela pressão toda naquele momento foi
do pop funk carioca. “Somos uma banda o nome a uma marca de refrigerante em bom. A gente ficou mais cascudo logo cedo,
popular. Gostamos de fazer shows em are- troca de patrocínio para a turnê nacional aprendeu a jogar o jogo lá atrás”, pondera
nas, com todo mundo cantando junto”, ar- do terceiro álbum, Oxigênio (2000). O dis- Rogério. “Pegávamos a grana boa vinda
gumenta Marco Túlio diante da possibili- co foi lançado com pompa e circunstân- da propaganda e investíamos em turnê”,
dade de críticas por conta da união com a cia pela Sony Music, que armou um circo emenda Paulinho.
cantora. “Não existe crise de identidade. pop em torno do grupo com intimidadora
Até gostamos mais de nós mesmos agora”, imponência para promover as canções do “M ais do que o passado,
avisa Paulinho. trabalho, editado um ano após o Jota ter o que motiva e une a
feito, em 1999, o primeiro show movido a gente é o futuro”, diz
Mas houve um tempo em que muita gen- energia solar no Brasil, em parceria com a Marcio Buzelin. Se-
te, sobretudo na imprensa musical, mas ONG Greenpeace. ja como for, quando o
também no meio artístico, decidiu odiar passado vem à tona,
o Jota Quest. Até porque o quinteto, em “Em alguns momentos, a gente deu mo- traz consigo mágoas que parecem não
determinado momento, deu munição ao tivo para receber as pedradas”, avalia Mar- ter sido totalmente diluídas ao longo da
inimigo e se tornou a própria “banda numa co Túlio. Na época da polêmica, Rogério carreira. “A gente não era da turma da
propaganda de refrigerante”, como cantou, pôs lenha na fogueira ao pintar o cabelo
afiado, o compositor gaúcho Humberto com cor similar à da bebida, da qual o Jota
Quest virou “garoto-propaganda” por dois
anos. “Neguinho queria matar a gente. Era
uma inveja fodida. Depois, muitos dos que
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Banguela [Records, selo 1 2 3 uma temporada em Brasília,
criado pelos Titãs com o estava formado o quarteto
produtor Carlos Eduar- que geraria o Jota Quest. O
do Miranda em 1994], grupo começou a andar pe-
da turma da maconha, los bares de BH à procura de
da turma da MTV”, al- um vocalista. Mineiro nas-
fineta PJ. Rejeitado pa- cido na cidade de Alfenas,
ra o elenco da Banguela Rogério Flausino chegou à
Records, que investiu na capital mineira em janeiro
banda brasiliense Rai- de 1993 e foi o 14º cantor
mundos, o Jota acaba- a ser testado. Ficou com a
ria contratado pelo selo vaga pela vocação
Chaos. “Na época, toda 4 pop e pela afinidade
banda queria soar como intuitiva com a soul
os Raimundos. E a gen- 5 só GAROTos
music e com os mú-
Os integrantes do Jota
te queria soar como Jota Quest ainda crianças, sicos. Mesmo já tendo
Quest mesmo. Mas todas quando nem sonhavam tocado em uma ban-
aquelas bandas sumiram. em entrar para a música: da (Contato Imediato,
A Banguela recusou o Jo- o baterista, Paulinho formada em 1985 com
ta e também acabou. E a Fonseca (1), o tecladista, o irmão Wilson Side-
gente está aí.” Marcio Buzelin (2), ral), o jovem interio-
o guitarrista, Marco rano ficou fascinado.
Sim, o Jota Quest está Túlio (3), o baixista, “Lembro que, quando
aí, na ativa e na estrada, PJ (4), e o vocalista,
Rogério Flausino (5)
em turnês quase inces- cheguei a BH, disse
santes que provocam ine- para mim mesmo: ‘Es-
vitáveis desgastes físicos e emocionais. “A Marco Túlio. “O primeiro álbum foi mais tou na cidade certa’. Quando conheci a
irritação aflora nas viagens e isso já foi soul, black music mesmo. O segundo, De banda deles, pirei. Nunca tinha visto um
motivo de briga”, admite Paulinho. “O la- Volta ao Planeta, teve a abertura pop com grupo de funk, black e disco tocando ao
do mais difícil é o transporte. Mas já nos o estouro de ‘Fácil’. O terceiro, Oxigênio, vivo”, se recorda.
acostumamos”, garante Marcio. “A gente teve mais rock e experiências eletrôni- O passaporte para o ingresso de Rogé-
gosta mais de viajar em turnê de ônibus, cas. O quarto, Discotecagem Pop Varia- rio na empreitada foi uma canja no show
porque conseguimos dormir no trajeto. da, remeteu mais ao primeiro, foi como de uma banda local. Marco Túlio e Mar-
Não tem que ir para o aeroporto”, detalha uma volta às raízes. E por aí foi.” cio assistiram à performance, e o teste de-
Rogério Flausino. As tais “raízes” do Jota Quest apontam, finitivo veio em um ensaio em outubro de
Ao longo da carreira, a irritação tam- a rigor, para os anos de 1988 e 1989, épo- 1993. Na ocasião, os cinco tocaram músi-
bém eventualmente apareceu quando ca em que PJ e Paulinho Fonseca man- cas de Ed Motta, cujo repertório de soul
cobraram do Jota Quest uma fidelida- tiveram uma banda chamada Primave-
de canina à ideologia musical black dos
Dm“NauAsitbvoleea’zm.ceAksti,o,emdcuhoodestigigvoaoos:apal‘eVgllobuocueenmqsqup”aur,leaaangfabieroanmntodaeuaePvasiduueizloui:nnd‘hiviusoo,ccFeoeossintnamstepeucridraeaosr’ean.mtOe
primórdios da banda. “Às vezes, chega ra de Praga, com o som voltado para o era o único que Flausino conhecia bem ARQUIVO PESSOAL
alguém pra gente e diz: ‘Vocês mudaram rock. “Os ensaios eram na minha casa. a ponto de poder cantar de bate-pronto.
muito’. Aí eu digo: ‘Você que não ouviu o Eu matava aula. A música sempre falou “Mas ele tinha uma sintonia com a identi-
disco inteiro’. O DNA black, motivo pelo mais alto”, lembra o artista. Por meio de dade musical da banda. Lembro que levou
qual a banda se uniu, está presente em Haroldo Ferretti, baterista da banda mi- uma pilha de discos para casa e fez uma
todos os álbuns”, relata Paulinho. “É que neira Skank, então também em início de imersão no universo da black music”, re-
as pessoas se baseiam apenas nas músicas carreira, Marco Túlio chegou até PJ e lata Marco Túlio.
que ouvem no rádio”, simplifica Rogério. Paulinho. E foi por intermédio de Marco
“A nossa discografia tem uma coerência, que Marcio Buzelin entrou no grupo. Os Com Rogério Flausino efetivado como
mas tem também as particularidades de dois já se conheciam e tinham, inclusive, vocalista, deu-se início a uma via-crúcis
cada momento, de cada disco”, ressalta tocado juntos em outras bandas. Quando para obter um lugar ao sol na cena musi-
Marcio retornou a Belo Horizonte, após cal de BH. Os primeiros shows foram fei-
tos para um público que gravitava em tor-
no de 20 a 30 espectadores. Decidido, o
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2
1 JORNADA consistente grupo no Bar Nacional.
O contrato com a Sony foi assinado em
quinteto – já então com aquela que seria a 1. Em 2000, na época em que lançou o álbum
primeira e única formação – gravou uma Oxigênio. O quinteto se consagrava, mas a dezembro de 1995. Dois meses antes, a
demo com as músicas “Vício”, “Jogo” e “J. superexposição gerou críticas, assim como o MTV já havia recebido a demo que con-
Quest”. “A gente ia nas rádios com a demo cabelo de Flausino; 2. Um registro com um amigo tinha a gravação de “Encontrar Alguém”
e com a cara de pau”, conta o frontman. O animal. O segundo disco faria referência a Planeta e a releitura de “As Dores do Mundo”, ba-
grupo até conseguiu fazer uma cópia da dos Macacos, com o título De Volta ao Planeta lada de alma soul lançada pelo cantor e
gravação chegar às mãos do titã Nando compositor baiano Hyldon em 1975. Não
Reis, na esperança (vã) de um contrato ciantes”, reverencia Rogério Flausino, em era a primeira vez que eles abordavam re-
com o selo Banguela. tom de gratidão. pertório alheio em disco. O álbum inde-
pendente de 1995 trazia uma releitura de
As três músicas foram registradas ofi- Se Lili foi a madrinha, o padrinho foi “O Sal da Terra”, canção de 1981 do con-
cialmente no mal distribuído álbum J. Fernando Furtado, empresário do Skank, terrâneo Beto Guedes com letra de Ro-
Quest, lançado de forma independente em que já fazia sucesso nacional na Sony Mu- naldo Bastos. “A lei na banda para gravar
1995. “Vício” foi repaginada pelo produtor sic, por onde tinha lançado dois álbuns versão de música alheia era não ficar ou-
Dudu Marote e aproveitada, ao lado do entre 1993 e 1994. Furtado fez a ponte do vindo a gravação original da composição.
sucesso “Encontrar Alguém”, no primeiro Jota Quest com a gravadora. O contato Nosso registro de ‘As Dores do Mundo’
álbum da banda lançado por uma grande frutificou, a ponto de Ronaldo Viana, di- nasceu de um groove num ensaio”, conta
gravadora, também chamado J. Quest e co- retor artístico do selo Chaos, ter ido a Belo Paulinho Fonseca.
locado no mercado pelo selo Chaos, aberto Horizonte em 1995 assistir a um show do
pela Sony Music na década de 1990.
As Raizes Soul
Antes da estreia, contudo, ao longo de
1994, os integrantes começaram a buscar Grupo é herdeiro da
locais para tocar em Belo Horizonte. Foi black music abrasileirada
quando entrou em cena o fictício empre-
ARQUIVO PESSOAL sário Marco Antônio, interpretado ao te- O Jota Quest chegou menos miscigenado, Conexão Japeri. Quando
lefone por Marco Túlio. Nessa fase, teve à cena 25 anos após com melodias sinuosas o Jota Quest deu os
importância a entrada do Jota na progra- a primeira geração de difícil assimilação primeiros passos, no
mação do Drosophyla, descolado bar de de artistas do soul e popular. A eles se juntou início da década de
Belo Horizonte aberto em 1986 e ainda do funk brasileiros. A o baiano Hyldon, que 1990, o soul e o funk já
em atividade. Foi lá que o quinteto con- linhagem nacional do estourou em 1975, um estavam à margem do
seguiu a oportunidade de se apresentar groove começou com ano após a explosão do mercado, abafados por
às quintas-feiras, dia nobre na agenda do Tim Maia e Cassiano. movimento Black Rio, gêneros que tinham
local, quando a banda que anteriormen- O carioca Maia se detonado por jovens apelo de massa, como
te ocupava aquele dia da semana migrou imortalizou ao misturar cariocas que dançavam axé e pagode. A vontade
para outra casa. O Jota Quest não con- o funk e o soul com música negra norte- de fazer frente a esse
tava com ver o público minguar de 1,2 ritmos brasileiros, como americana nos bailes. movimento nas rádios
mil pagantes para cerca de 150. Só que samba e baião, dando No fim da década de justificou a boa dose de
o fracasso inicial não influenciou a dona identidade nacional 1980, Ed Motta, sobrinho pop branco adicionada
do bar, Lili Wong. Conhecida na cena pop ao gênero a partir de de Tim Maia, repôs o pelo grupo ao som negro
mineira como Madame Lili, ela apostou 1970. O paraibano soul e o funk nos trilhos, norte-americano que
nos rapazes. “Lili é a nossa madrinha. Ela Cassiano fez soul a reboque da banda ganhou o mundo. M.F.
gostava da gente e sempre olhava para
nós com um olhar carinhoso, com o qual
as pessoas não costumam ver bandas ini-
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A s incertezas QUARTEL-GENERAL
do mundo in-
dependente Em 2014 no estúdio Minério de Ferro,
cessaram de- em Belo Horizonte. (Da esq. para a dir.)
finitivamente Marco Túlio, Marcio Buzelin, o amigo
Jerry Barnes, Rogério Flausino, PJ e
para o Jota Paulinho Fonseca
Quest a partir de outubro
de 1996. Naquele mês, o grupo promoveu
o primeiro álbum pelo selo Chaos abrindo
para o Skank em minitemporada no Olym-
pia, antiga casa de shows da cidade de São
Paulo. Foi a oportunidade de ser captado
pela primeira vez pelas lentes da MTV,
emissora de TV que então exercia papel
fundamental na promoção de uma banda.
Nas decisivas apresentações de 4 e 5 de ou-
tubro de 1996, o Jota tocou um medley que
unia “I Got You (I Feel Good)”, sucesso de
James Brown (1933-2006), e “Kiss”, hit de
Prince (1958-2016), outro gênio da música
negra norte-americana. Rogério Flausino
usava peruca black power, que, reconhece,
divertido, o deixava parecido mais com Sid-
ney Magal do que com Prince. “Por coinci- que foi para a cidade grande e lá realizou o vido. Diz que já tiveram discussões, recon-
dência, acabamos tirando as fotos para a sonho pop de entrar para uma banda e fa- ciliações e desavenças, mas que sempre se
capa desta edição da Rolling Stone em 3 zer sucesso. “Comecei a cantar com 13 anos acertaram. “Acho totalmente normal que
de outubro, exatos 20 anos após aqueles e entrei para o Jota Quest com 21. Tinha eles tenham tido esse grilo em algum mo-
shows com o Skank”, exalta o cantor. uma vontade grande de fazer alguma coisa, mento. Mas foram pensamentos rápidos”,
Gravado com a participação de Tony de vencer, e eles viram isso em mim. Eu era afirma. “Tudo o que fazemos é em nome
Tornado na música “Há Quanto Tempo”, J. o cara que queria a mesma coisa que eles. A dos cinco. Procuro sempre fazer o exercício
Quest foi quase um remake do álbum inde- gente ficou amigo e sempre foi feliz, sempre de ser um vocalista agregador.”
pendente, mas com os recursos de um gran- foi parceiro”, orgulha-se o vocalista. Casado com a médica Ludmila Carva-
de estúdio e com o toque do produtor Dudu Outro fator que contribuiu para as boas
Marote. A regravação de “As Dores do Mun-
la“ddeEoma,dtuvamomcagbasrecsmuiuapm”on,ea, aonunampadolapdiaspepaoetdoeleragsdauemiortiranmgrisruaitnistriotzaatad,icevMasooaonrrrocgigosaindTbuiaazlsdaitoedi,douqo.murPeeoessrtcaormuitbtorermoio
lho e pai de dois filhos, Miguel (de 1 ano e
do” ajudou a chamar atenção para o traba- relações do quinteto foi o diálogo franco meio) e Nina (de 9 anos), Rogério valoriza a ARQUIVO PESSOAL
lho e para a banda. Dois anos depois, em do cantor com os colegas quando o as- vida em família nos períodos de folga entre
1998, “Fácil”, parceria de Rogério Flausino sunto era a sempre delicada questão de o os shows. “A Ludmila já me conheceu as-
com o irmão Wilson Sideral, consolidou e vocalista ser a voz e a cara de uma ban- sim, artista que vive em turnê. Somos um
expandiu o sucesso inicial, fazendo pulsar a da, angariando, pela própria condição de casal diferente. Mas rola muito amor entre
veia pop do Jota Quest. A faixa chegou ao frontman, mais atenção e espaço na mídia. a gente”, gaba-se ele, que perdeu a mãe há
topo das paradas e alavancou as vendas do “Eu nunca quis um destaque maior do que um ano, vítima de câncer.
álbum seguinte, De Volta ao Planeta (1998). todos. Nunca fui de querer impor a minha
posição. Durante um tempo, eu nem me M arcio buzelin, de 46
Desde então, um dos pilares do grupo colocava à disposição para fazer algo que anos, também é pai. A fi-
tem sico a harmonia e a amizade entre os não fosse junto com a banda toda. Sempre lha, Gabriela, tem 15 anos
cincos músicos, que diluem eventuais rus- fui aberto a discussões, mostrando a eles e mora atualmente em São
gas surgidas na estrada seguida por entre o quanto podiam confiar em mim. E ho- Paulo, tendo residido dos
os cerca de 120 shows que fazem anual- je, um confia no outro. A gente se conhe- 2 aos 7 anos em Belo Ho-
mente. A história de Rogério Flausino, em ce profundamente.” Rogério reforça que a rizonte. O tecladista foi o segundo músi-
particular, é a de um menino do interior exposição maior que tem é algo bem resol- co do Jota Quest a viver a experiência da
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paternidade. “Mostrei para minha filha PRIMóRDIOS
que, por mais lúdico que possa parecer, o
trabalho numa banda nunca deixa de ser O quinteto em 1996,
também um trabalho, por mais prazeroso quando ainda era J. Quest
que seja”, relata.
box comemorativo
Na lida com o Jota Quest, Marcio diz
que procura ser conciliador. “Eu escuto Caixa junta raridades e disco
muito mais do que falo. Faço minha co- independente da era pré-fama
locação depois de ter ouvido os pontos
de vista de todos. Às vezes, rola um BBB, Um ano antes de caixa comemorativa, raridades, há o registro de
como em qualquer sociedade. No entan- assinarem com a ainda sem previsão de “Manguetown” (1996) –
to, mais do que as diferenças, existe uma gravadora Sony Music lançamento. O pack vai sucesso do Nação Zumbi
cumplicidade. E tenho mais prazer em e lançarem, em 1996, o embalar os nove álbuns cantado pelo Jota em
ficar na minha. Ser o porta-voz de uma álbum que os projetou de estúdio do quinteto, o 1998 em uma festa do
banda é incômodo, porque você perde um em escala nacional, os projeto lançado em 2003 selo Chaos – e uma versão
pouco da privacidade”, pondera. integrantes do Jota na série MTV ao Vivo e o de “Mulher de Fases”
Quest gravaram um disco DVD comemorativo dos (1999), hit do grupo
Marco Túlio Lara sabe muito bem dis- independente que virou 15 anos de sucesso, Folia Raimundos tocado pelos
so. Ele nem sempre teve toda privacidade item de colecionador. & Caos. Ainda terá um músicos mineiros no VMB
que queria, porque, após a saída de cena Originalmente intitulado CD duplo com gravações de 2004. Além do box,
do inventado empresário Marco Antô- J. Quest, o trabalho raras e avulsas nunca o Jota Quest também
nio, assumiu involuntariamente o papel integra os títulos que incluídas na discografia estuda a gravação de um
de guitarrista-galã, dividindo a luz dos serão relançados em uma oficial da banda. Entre as projeto acústico.
principais holofotes com o vocalista. “No M . F.
começo, você fica empolgado. É um auê
ARQUIVO PESSOAL e eu, na época de solteiro, vivi isso nos bateria em 1986, quando completou 20 baixista que saem as tiradas mais sagazes
primeiros anos. No momento seguinte, o anos. “Corro atrás de inovações. O estú- nos bastidores. “Uma banda fica chata
assédio começa a incomodar. Mas depois dio é minha Disneylândia. Sou o cara que quando começa a se levar muito a sério”,
o incômodo passa e você se conecta com sabe ligar o estúdio, que sabe acionar os acredita. Articulado, foi PJ quem trouxe
a vida pé no chão. Até porque nunca foi botões”, conta. Por tal intimidade com as o produtor norte-americano Jerry Barnes
minha vontade cantar. Nunca olhei para o técnicas de gravação, teve papel determi- para trabalhar com a banda e, através de-
Queen vendo o Freddie Mercury. Sempre nante na hora de equipar o Minério de le, Nile Rodgers, antes de o guitarrista ter
vi primeiro o Brian May”, diz o guitar- Ferro. “Gosto de interferir até na parte o passe revalorizado no mercado por cau-
rista, atualmente com 45 anos, citando a da iluminação dos shows. Puxei essa res- sa da bem-sucedida conexão com o duo
banda inglesa formada em 1970. ponsa para mim. Sempre fui o Professor francês de música eletrônica Daft Punk.
Pardal da banda”, brinca ele, que se ca- Casado há 13 anos com Manuela, PJ é
Além de também estar na linha de sou antes de o Jota Quest despontar pa- pai de Clara, Pedro e Gabriel. Com 6 e 10
frente do Jota Quest, Marco Túlio tem ra o sucesso nacional. Paulinho tem dois anos, respectivamente, os meninos já se
papel decisivo nos bastidores, alicerçan- filhos com a segunda mulher, a advoga- encaminham para ao mundo da música.
do a estrutura empresarial que mantém a da Graziela, Lucca (um guitarrista de 17
banda de pé. “Gosto de organizar as coi- anos) e Arthur (que tem 10 anos e já toca Assim, entre a banda e a família, cami-
sas na parte interna, de fazer o movimen- bateria). O terceiro, Lui, estava previsto nha a humanidade que forma o Jota Quest.
to para que tudo continue funcionando. para nascer neste mês de novembro. De- Se existisse, o empresário Marco Antônio
E, em um grupo, nada pode ser muito verá ser mais um a reclamar da ausência certamente exultaria com a trilha percor-
desorganizado. Por outro lado, também do pai nos fins de semana em que o Jota rida pela banda. Da mesma forma que, se
não pode ter a organização rígida de um Quest está em turnê. “Os meninos co- pudesse prever o futuro, o senhor José do
escritório de advocacia”, analisa ele, que é bram”, admite. Prado Lara certamente teria apoiado a de-
casado há 16 anos e pai de dois meninos, cisão do filho Marco Túlio de abandonar o
João Marcos (ou Johnny) e Theo, de 12 e 5 Já PJ cobra humor no cotidiano. É do curso de engenharia.
anos, respectivamente.
Conciliar turnê e casamento nunca foi
problema para o guitarrista. “Tenho a sor-
te de ter uma esposa, a Angela, que preen-
che bem esse espaço que eu deixo vago
quando estou na estrada. De todo modo,
a banda é somente um pedaço da vida de
cada um de nós. Nunca é 100%”, ressalta.
Se Marco Túlio procura organizar a
estrutura interna que move o Jota Quest,
o baterista, Paulo Alexandre Fonseca,
assume nos bastidores o papel do “cara
mais tecnológico da banda”, na definição
do próprio músico, que aprendeu a tocar
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DISCOGRAFIA
GLAM METAL
PESO CINTILANTE
O rock que se aliava a um visual cheio de brilho ainda rende uma boa playlist festeira Por Paulo Cavalcanti
DIABO NO CORPO Surgido na década de tal”, em referência aos pentea-
À frente do Twisted 1980, o glam metal tinha dos dos músicos. As letras he-
Sister em 1986, a pegada do hard rock donistas falavam de bebedeiras,
Dee Snider esbanja dos anos 1970, mas com sexo e do puro prazer de ouvir
extravagância
e bom humor
ganchos ideais para as rádios rock and roll no último volume.
pop. A cena floresceu em Los A farra durou até o Nirvana
Angeles, mas o resto dos Esta- e o movimento grunge resgata-
dos Unidos também presenciou rem a sobriedade estética dentro
o sucesso de bandas similares. do rock. Mesmo com a derroca-
Não era apenas o som que da, várias das bandas de glam se
chamava atenção. Os artistas mantêm por aí. Os álbuns e os
exageravam no laquê e vestiam hits resistiram bem – são per-
roupas extravagantes. Os ví- feitos para incendiar qualquer
deos que faziam logo passaram festa. O exemplo máximo é o
a ser exibidos em alta rotação Guns N’ Roses, que tem lotado
na MTV. O público consumia estádios pelo mundo com a reu-
avidamente os discos e lotava os nião de integrantes da formação
shows, ainda que a crítica não clássica. Na esteira da vinda do
gostasse da cena, chamando-a grupo ao Brasil, relembramos
pejorativamente de “hair me- grandes ícones do glam.
MÖTLEY CRÜE ++++ QUIET RIOT +++½ TWISTED SISTER W.A.S.P. +++½ RATT +++½ COREY STRULLER/AP (TWISTED SISTER)
++++
Shout at the Devil Metal Health W. A.S.P. Out of the Cellar
Stay Hungry
Elektra 1983 Pasha 1983 Capitol 1984 Atlantic 1984
Atlantic 1984
Vince Neil (vocal), Tommy Na ativa desde a metade da Liderados pelo As apresentações do O Ratt foi a banda de
Lee (bateria), Mick Mars década de 1970, o quarteto irrepreensível Dee W.A.S.P. nos clubes de Los glam metal dos anos 1980
(guitarra) e Nikki Sixx só acertou o passo quando Snider, os nova-iorquinos Angeles eram altamente com maior apelo pop. Em
(baixo) formavam o Mötley lançou Metal Health, um do Twisted Sister já escandalosas. O cantor, 1983, os músicos de Los
Crüe, que competia com o álbum gloriosamente batalhavam desde os Blackie Lawless, jogava Angeles lançaram um LP
Guns N’ Roses pelo posto exagerado que fez um anos 1970. Inspirados carne crua em direção independente, mas foi só
de mais infame e bem- sucesso enorme na época. pelo New York Dolls e à plateia, encenava quando saiu Out of the
sucedida banda da cena O destaque foi uma versão por Alice Cooper, os rituais satânicos e fingia Cellar, no ano seguinte,
de L.A. da década de 1980. de “Cum on Feel the Noize”, músicos refinaram o som que torturava modelos que o estrelato chegou. O
O impecável Shout at the clássico dos ingleses do e finalmente alcançaram seminuas. O primeiro álbum álbum, que logo ganhou
Devil contém a essência Slade. Mas os excessos do o sucesso na era do glam repetia as bestialidades do status platinado, foi
farrista do quarteto, com vocalista, Kevin Dubrow, metal. Stay Hungry, o palco, contendo canções puxado pelo memorável
os hits “Looks that Kill” e tiraram o Quiet Riot do terceiro álbum, trouxe as que foram banidas das single “Round and Round”.
“Too Young to Fall in Love”. eixo. Depois de muitas idas imortais “We’re Not Gonna rádios, a exemplo da “Wanted Man”e “Lack of
O LP tem até uma cover dos e vindas, ele morreu de Take It” e “I Wanna Rock”. polêmica “The Torture Communication” também
Beatles (“Helter Skelter”). overdose em 2007. Neves Stops”. fizeram sucesso.
50 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br Novembro, 2016