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Published by ㅤㅤㅤ ㅤ, 2016-11-25 08:30:55

ㅤㅤㅤ ㅤㅤ

rs123

BLACK ‘N BLUE +++ DOKKEN +++ CINDERELLA +++½ GUNS N’ ROSES FASTER PUSSYCAT
+++++ +++
Black ‘N Blue Under Lock and Key Night Songs
Appetite for Destruction Faster Pussycat
Geffen Records 1984 Elektra 1985 Mercury 1986
O guitarrista do Black ‘N Blue O Dokken se encontrou Geffen Records 1987 Elektra 1987
era Tommy Thayer, que hoje musicalmente neste terceiro Night Songs, o primeiro A estreia do Guns N’ Roses Este quinteto é chamado de
está no Kiss. O quinteto de álbum, que foi apoiado nos LP do Cinderella, é ainda mostra uma banda faminta, o “Guns N’ Roses que não
Portland, Oregon, se mudou singles “In My Dreams” e o lançamento mais pronta para estraçalhar o deu certo”. A estreia deles
no começo dos anos 1980 “It’s Not Love”, além da emblemático dos músicos mundo. Este é um álbum saiu na mesma época que
para Los Angeles. O álbum power ballad “Slippin’ Away”. da Filadélfia, contendo hits que não envelhece – afinal, Appetite for Destruction.
de estreia fez um sucesso Depois, a banda lançou álbuns como a balada “Nobody’s tem os hinos “Paradise Apesar da similaridade visual
apenas moderado, mas vale a mais agressivos, mas Under Fool” e o rock “Somebody City”, “Welcome to the com o Guns, o som lembrava
audição. A banda se separou Lock and Key permanece Save Me”. Depois, o Jungle” e “Sweet Child mais o Aerosmith, mas pela
em 1989, tendo se reunido como o mais diversificado da quarteto refinou o som em o’ Mine”, entre outros ótica da sacanagem típica
pela primeira vez em 1997. discografia deles. Long Cold Winter (1988) e clássicos perenes. da Sunset Strip.
Heartbreak Station (1990).

EXUBERANTE
O cantor Vince
Neil, do Mötley
Crüe, em 1989

GREAT WHITE +++½ WINGER +++

...Twice Shy Winger

Capitol 1988 Atlantic 1988
O Great White foi outra Hoje, o Winger é lembrado
banda de sucesso pro- por ter sido alvo de
veniente da cena de Los piadas no desenho Beavis
Angeles. Once Bitten... and Butt-Head. A dupla
(1987), que trouxe o hit ridicularizava o visual deles,
“Rock Me”, preparou o mas o álbum de estreia
terreno para o ainda mais da banda liderada pelo
bem-sucedido ...Twice cantor Kip Winger tem
Shy, que destacou “Once boas canções (“Hungry”,
Bitten, Twice Shy”, cover “Seventeen”), que juntam
de Ian Hunter, ex-vocalista toques de glam com
do Mott the Hoople. elementos de prog metal.

ROBERT D. TONSING/AP (MÖTLEY CRÜE) BRITNY FOX +++ POISON +++½ VIXEN +++½ L.A. GUNS +++½ WARRANT +++

Britny Fox Open Up and Say... Ahh! Vixen Cocked & Loaded Cherry Pie

CBS 1988 Enigma 1988 MCA 1988 Vertigo 1989 Columbia 1990
Este quarteto da Filadélfia Lançado nos estertores do
tem muito a ver com o O segundo álbum do O quarteto californiano Fundada pelo guitarrista glam metal, este segundo
Cinderella, já que o baterista Poison junta várias canções Vixen quebrou o monopólio Tracii Guns, a banda chegou álbum do Warrant emplacou
Tony Destra e o guitarrista agitadas (“Love on the masculino do glam metal. a ter em sua formação o os hits “I Saw Red” e
Michael Kelly Smith haviam Rocks”, “Good Love”), mas, As garotas estouraram com cantor Axl Rose. A fusão de “Cherry Pie”. O quarteto era
passado por aquela banda. O ironicamente, o maior hit este álbum produzido pelo integrantes do L.A. Guns ambicioso e o som deles se
energético debute do Britny foi a balada “Every Rose hitmaker Richard Marx, com o Hollywood Rose, por mostrava mais expansivo do
Fox tem como destaques Has Its Thorn”. No clima dos que trouxe o hit “Edge of sinal, deu origem ao Guns que o da concorrência. Mais
“Girlschool”, “Long Way to clubes de Los Angeles, o a Broken Heart”. Mesmo o N’ Roses. O segundo álbum tarde, tentaram enveredar
Love” e “Gudbuy T’ Jane”, objeto de desejo do cantor verniz pop não escondia foi o mais bem-sucedido da pelo grunge, porém sem
cover do Slade. Bret Michaels na faixa é que elas tinham uma trajetória deles, trazendo o muito sucesso.
uma stripper. ótima pegada. hit “The Ballad of Jayne”.

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VISÃO
ALÉM

A vida no Complexo do Alemão pelos olhos de Daiene
Mendes, uma jovem estudante que busca, por meio da
cultura e do jornalismo, novas possibilidades para o morro

Texto e Fotos:
Marcio Pimenta

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UMA CIDADE
Daiene Mendes à janela
do apartamento em
que vive no Complexo
do Alemão. (À esq.)
Segundo levantamento
feito pelo IBGE em 2010,
cerca de 60 mil pessoas
moravam na região

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ComAplleedmoxoão

complexo do alemão, bairro da zona norte do rio de janeiro, é con-
siderado um dos mais violentos do estado: traficantes de drogas, milícias e
polícia travam uma guerra na qual os moradores são os coadjuvantes. Estar
lá por algumas horas não seria suficiente para sequer começar a tentar en-
tender o que se passa. Seria preciso morar por alguns dias no Alemão para
sentir o som, o cheiro e o gosto do conflito, como fazem involuntariamente
seus habitantes. Eu queria, além disso, buscar saber como muitos jovens do

Omorro encontram na cultura um ato de resistência contra o momento presen-
te – momento no qual eles não têm muito a ganhar, e muito menos a perder.

REALIDADE PARALELA
Em 2010, ano do último
senso realizado pelo
IBGE na região, existiam
18.226 domicílios no
Complexo do Alemão,
espalhados por 15
comunidades

Foi nessa busca que me deparei com Apreciadora de cervejas artesanais, ela desta edição, entre moradores e policiais,
Daiene Mendes, moradora do Alemão, sugere que o primeiro encontro ao vivo 32 pessoas haviam sido feridas e 14 mortas
estudante de jornalismo e estagiária do ocorra em uma noite de sexta-feira do mês no Alemão em 2016. Em julho, a Anistia
escritório da assessoria de imprensa da de julho, no bar Bistrô, o único a vender Internacional criou o aplicativo Fogo Cru-
Anistia Internacional no Brasil. “Droga é cerveja artesanal no Complexo do Alemão. zado, uma plataforma digital colaborativa
uma coisa que a cidade inteira consome, Não foi nada difícil reconhecê-la: animada na qual é possível registrar ocorrências
mas a violência fica concentrada por aqui, como um pequeno beija-flor, ela chega sor- de tiroteios na cidade do Rio de Janeiro.
no Alemão, na Maré, na Rocinha e em tan- rindo e comentando, simpática, o fato de eu Apenas duas semanas após o lançamento,
tas outras favelas da cidade”, ela diz em um ainda não ter pedido nenhuma bebida. mais de 30 mil pessoas já haviam instala-
dos primeiros contatos, ainda em conver- do o app e mais de 500 relataram tiroteios
sas pelo Facebook. Mais tarde, Daiene, de “O Cristo Redentor abre os braços para ou disparos de arma de fogo na região
26 anos, permitiria que eu passasse dias a zona sul, mas dá as costas para o Com- metropolitana da capital. O Complexo do
em sua casa, na comunidade de Nova Bra- plexo do Alemão”, diz Daiene. “A presença Alemão estava entre os locais com maior
sília, me guiando pela rotina no morro. do Estado nas favelas é a polícia. Merece- número de registros.
mos mais do que isso.” Até o fechamento

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Daiene mendes e amigos de- versificação que a cidade oferece.” quer bairro do Rio de Janeiro, teremos segu-
ram vida ao jornal Voz da Co- Em um território onde o Estado só se faz rança, escola, postos de saúde, uma vida em
munidade, no qual falam com paz’”, relembra. No entanto, seis anos após
conhecimento de causa sobre presente por meio de uma polícia truculenta a ocupação, as esperanças de Daiene não se
acontecimentos no Complexo do Alemão. e mal preparada, a sorte lhe sorriu quando o concretizaram – e a população quer a saída
Essa foi uma das razões para ela ter figura- pai trabalhou em uma empresa privada que imediata das UPPs (Unidade de Polícia Pa-
do como correspondente em um especial a oferecia bolsas de estudo aos filhos dos fun- cificadora). “Nosso único questionamento é:
respeito do Rio de Janeiro antes e durante cionários. Daiene foi matriculada em uma por que a polícia ainda persegue o cidadão
os Jogos Olímpicos no site do jornal britâ- escola particular e de classe média. Lá, se comum? Por que estão tentando impor uma
nico The Guardian. assustou com o abismo econômico que exis- cultura de medo que busca nos impedir de
tia entre ela e as novas colegas. “Elas usavam apontar erros e sugerir mudanças?”, escre-
O local onde a estudante mora fica em um tênis Nike e correntes de prata. Aquilo me veu ela no The Guardian, na ocasião em que
caminho de ruas melancólicas, com casas fascinava. Uma vez consegui juntar dinhei- um amigo teve três fuzis apontados para sua
pintadas em tons pastel ou nuas, com tijolos à ro para comprar um Nike em um outlet. Eu cabeça apenas por ser negro.
mostra, e de muros pichados com mensagens estava tão apaixonada por um modelo que
de lembranças dos mortos no tráfico, repulsa comprei o único disponível, um número Hoje, 38 UPPs estão instaladas em toda

“O CRISTO REDENTOR ABRE OS BRAÇOS PARA A ZONA
SUL, MAS DÁ AS COSTAS PARA O COMPLEXO DO ALEMÃO.

A PRESENÇA DO ESTADO NAS FAVELAS É A POLÍCIA.
MERECEMOS MAIS DO QUE ISSO”

LUGAR-COMUM
Crianças convivem
com a cena corriqueira
de homens portando
armas caminhando
pelas ruas do local –
sejam eles policiais (à
dir.), sejam traficantes.
Ironicamente, o garoto
usa uma jaqueta dos

personagens da
Liga da Justiça

à polícia ou apoio ao Comando Vermelho, a menor. Aquilo destruía os meus pés, mas eu a cidade do Rio de Janeiro. Segundo a Polí-
maior organização criminosa do Brasil. andava com ele pra todo lugar pra que todo cia Militar, isso significa que 264 territórios
mundo pudesse ‘admirar’”, relembra, rindo. que antes eram ocupados por traficantes fo-
Filha mais velha de pais religiosos, ela viu ram retomados. Mas os moradores sabem
um novo mundo diante de si aos 16 anos, Se a visita ao museu marcou um processo que o cotidiano ainda passa por acordar
quando, em uma visita ao Museu da Vida, de abertura da mente, o dia 26 de novembro na madrugada ao som de intensas trocas
descobriu em uma exposição outras possibi- de 2010 ficou gravado como o início da perda de tiros. Nas quatro noites que passei no
lidades sobre religiões e ateísmo, coisas que da inocência. As forças policiais tomaram o Alemão, houve tiroteios diariamente. “Está
jamais haviam sido mencionadas dentro da Complexo do Alemão, anunciando um pro- escutando esses tiros?”, indaga um morador
casa dos pais. Foi também uma oportunida- cesso de pacificação do bairro e prometendo enquanto comemos churrasco em um bar.
de para conhecer a cidade onde morava. “No livrar a população da presença dos trafican- “Fica tranquilo: quando eles estiverem mais
Alemão, a maioria das pessoas não circula tes. “Eu estava vendo tudo pela TV. Chorei fortes, é porque chegaram até a escadaria.
pela cidade. Nascemos, crescemos e morre- quando a bandeira do Brasil foi estendida Aí será a hora de corrermos daqui.” Não fo-
mos aqui”, afirma. “Falta repertório para que no alto do morro. O Alemão estava ocupado. ram poucas as vezes que vi traficantes pas-
as pessoas olhem para fora e percebam a di- Pensei: ‘Nossa, agora seremos como qual-

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ComAplleedmoxoão

searem armados de pistolas e fuzis como se sas acadêmicas”, brinca Daiene. Logo depois pretende fazer uma campanha de financia-
estivessem portando guarda-sóis para ir à da separação, sem dinheiro, ela ligou para mento coletivo para comprar outro veículo e
praia, enquanto jovens empinavam pipas, uma amiga, que depositou R$ 20 em sua tirar a ideia do papel.
pais levavam seus filhos à escola e idosos conta para que pudesse pegar o metrô de vol-
varriam as calçadas. ta para o morro. Acabou indo parar no mes- Opequeno apartamento agora
mo apartamento em que morava quando saiu tem muito mais que colchão, ge-
Depois do par de tênis, daiene de lá, aos 18 anos, e com um aluguel (R$ 200) ladeira e TV: está cheio de livros.
quis uma corrente de prata. Com- que poderia assumir com a remuneração do Títulos que abordam jornalismo,
prou logo duas: uma para ela e estágio. O lugar com cerca de 12 m2 já foi sala história do Brasil, sociologia, poesias de Pau-
outra para a então esposa, uma de aula de uma escola infantil chamada Es- lo Leminski e dois temas que se destacam e
pesquisadora acadêmica que fazia dois mes- trelinha Azul. “Só tinha um colchão. Depois revelam o momento pessoal de Daiene Men-
trados simultâneos, em Direito e Sociologia, vieram geladeira e TV.” des – religião e autoconhecimento. Daiene
e morava na Barra da Tijuca, região nobre da quer se encontrar. Uma das maneiras como
cidade. Com seis meses de namoro elas for- A vida recomeçava no retorno ao mor- busca fazer isso é dialogando com os autores
malizaram a relação em um cartório. Daiene ro. “Durante o casamento me afastei de tudo, dos livros que lê. Ao lado do trecho “Se este
deixei meus projetos de lado, perdi até a bol-

FESTA FIRME
Os bailes funk estão
proibidos, mas continuam
ocorrendo e reunindo
centenas de jovens. Nesta
imagem, o público do
lado de fora de uma festa
na Avenida Itararé

mudou-se para o apartamento da compa- sa de estudos da faculdade. Mas, agora, aqui livro funcionar do modo como pretendo, os
nheira. “Então, me tornei uma favelada que é o meu lugar, aqui é onde quero estar”, diz leitores religiosos que o abrirem serão ateus
bebe vinho. Era exótico. Por ter frequentado Daiene, que tem em mente um novo projeto, quando terminarem”, de Deus, um Delírio,
uma boa escola, eu conseguia ‘me compor- o Favelê, cujo objetivo é incentivar o hábito da de Richard Dawkins, ela responde ao es-
tar’ nos lugares. E isso choca e fascina as pes- leitura entre os moradores de comunidades critor com uma anotação feita a lápis: “Va-
soas que guardam na memória estereótipos no Rio de Janeiro e promover a ida de crian- mos ver, né?!?!” Naqueles dias, estava lendo
sobre como deve ser uma favelada.” ças e adolescentes a museus e outros pontos Homens em Tempos Sombrios, de Hannah
culturais, para que, assim como ela, tenham Arendt, quase sempre em pé no metrô ou
O casamento não durou muito (um ano), a oportunidade de descobrir o Rio de Janei- sentada sobre uma pequena mesa de madei-
em parte por causa do contexto social. “Eu ro. Para isso, a estudante dispunha de uma ra ao lado da janela com grades do aparta-
frequentava os círculos de amizade e a famí- Kombi na qual planejava montar uma biblio- mento, enquanto sopra a fumaça do cigarro
lia dela, mas ela não fazia o mesmo por mim. teca móvel. Apenas alguns dias após eu dei- enrolado por ela mesma.
Ela vinha pouco ao morro para visitarmos xar o Alemão, a Kombi foi roubada e acabou
meus amigos de infância e a minha família. ocasionando uma pausa no Favelê. Daiene Durante minha estadia, Daiene me con-
Acho que eu era apenas parte de suas pesqui- vida para ir ao casamento de uma colega

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dos tempos de escola. Vai ao salão e perde- Dia antes de ir para a assessoria de impren- hostilidade em relação à polícia. Por que de-
-se em dúvidas sobre qual vestido usar. Por sa da Anistia Internacional. veriam confiar em homens que açoitam seus
fim, uma vizinha lhe empresta uma peça pais por qualquer motivo? Paralelamente,
de provas da Animale em poliéster, cor nu- Faltam pouco mais de dois semestres para forma-se um ciclo perigoso: com apenas
de (“Reconheço: aprendi que, sim, o tecido se formar e ela ainda não tomou uma deci- duas creches e não mais que 15 escolas para
tem um valor social”). Do grupo de amigas, são sobre qual caminho seguir na profissão, uma população estimada de 60 mil morado-
ela é a única a se recusar a ser madrinha do mas é possível notar que tem consciência res, as estruturas existentes não são suficien-
casamento (“Eu não teria tempo, e o vestido apurada de seu papel como futura jornalis- tes para as demandas e, portanto, também
custaria caro também”), mas diverte-se bas- ta. Certo dia, enquanto acompanhávamos atuam como meio de exclusão.
tante no reencontro. Espanta-se com o luxo uma manifestação que recordava os mortos
visto como desnecessário da casa Royale e no tráfico, um vendedor de frutas bradava Chegamos ao último dia de convívio. A
faz críticas ácidas ao discurso do pastor que contra os manifestantes, alegando que es- minha presença na comunidade passara a
celebra a cerimônia, especialmente quando tavam prejudicando seus negócios. Um dos despertar a curiosidade dos traficantes – na
ele sugere um papel de submissão da mulher fotógrafos do jornal da comunidade reagiu derradeira noite, um deles fez vigia próximo
em relação ao homem. Ao retornarmos pa- contra o vendedor com um discurso arro- ao apartamento. Naquela tarde, uma simpá-
gante, se colocando como uma espécie de tica senhora, dona de um bar, me questionou

“POR TER FREQUENTADO UMA BOA ESCOLA, EU CONSEGUIA
‘ME COMPORTAR’ NOS LUGARES. E ISSO CHOCA E FASCINA
AS PESSOAS QUE GUARDAM NA MEMÓRIA ESTEREÓTIPOS
SOBRE COMO DEVE SER UMA FAVELADA”

CRIME X DIVERSÃO
Mensagens de apoio ao Comando
Vermelho estão espalhadas pelos muros
do Alemão. (À dir.) Daiene e amigos
aproveitam a noite em um bar local

ra sua casa, recita um trecho do monólogo A salvador da comunidade. Daiene se opôs ao se eu desejava ser um “novo” Tim Lopes, jor-
Alma Imoral, de Clarice Niskier, uma peça fotógrafo, fazendo com que se calasse. Após nalista brutalmente assassinado em 2002
inspirada em conceitos bíblicos e filosóficos. a pequena confusão, refletiu em voz baixa no Complexo do Alemão a mando do trafi-
se há uma comunicação real entre o Voz da cante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco.
Os contatos iniciais com o jornalismo Comunidade e a comunidade à qual o jor-
ocorreram na ONG Voz da Comunidade, nal afirma dar voz. É hora de ir. Jantamos com o tio de Daiene
que produz o jornal de mesmo nome e que em uma pizzaria, enquanto homens arma-
ajudou a fundar. Ficou lá por cinco anos, até Daiene mendes sabe desde o dos passam na rua, em frente ao estabele-
que, após um desentendimento com outro berço que o Alemão é carente de cimento. Depois, visitamos a avó dela, que a
fundador, decidiu se afastar (eles perma- instalações e atormentado pela presenteia com um bolo de laranja. De volta
necem amigos e Daiene segue organizan- pobreza. A violência das aborda- ao apartamento, ela põe para tocar músicas
do as finanças do jornal). “Duas coisas que gens policiais torna tudo ainda mais difícil. de Racionais MC’s, Negra Li e outros artis-
não farei mais na vida: casar e fundar uma As crianças que brincam nos poucos parques tas que gritam dores, culturas e perspectivas
ONG”, zomba. Na faculdade de jornalismo, instalados crescem já com o sentimento de que a zona sul não poderia compreender sen-
estagiou no caderno de cidades do jornal O tada em um boteco do Leblon.

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RS LIFESTYLE

STEVEN JOYCE/DIVULGAÇÃO OPINIÃO DO ESPECIALISTA PAOLACAROSELLA

DESTINO COM SABOR LONDRES

MISTURANDO O PRAZER DE VIAJAR E A chef argentina tem são paulo como base há
COMER BEM, OS JURADOS DO MASTERCHEF 14 anos, mas viu nascer um forte apreço pela ca-
ELEGEM SEUS RESTAURANTES PREFERIDOS pital inglesa graças ao namoro com o fotógrafo
EM GRANDES CAPITAIS GASTRONÔMICAS irlandês Jason Lowe, que mora lá. Paola visita a
cidade ao menos duas vezes ao ano e enxerga nela um
POR TAMARA EMY dos polos gastronômicos mais interessantes da atu-
alidade. “É extremamente cosmopolita. Tem influ-
INFLUÊNCIA MOURESCA ências de muitos lugares, cozinheiros extremamente
bem formados, com muita bagagem e informação”,
O aconchegante e afirma. “Mesmo com condições desfavoráveis para a
concorrido espaço do agricultura, a Inglaterra fomenta muito o mercado,
Morito, bar de tapas então os produtos são sensacionais. Quando há in-
ao lado do restaurante gredientes de qualidade e cozinheiros de qualidade,
por consequência há lugares muito bons onde comer.”
“irmão” Moro,
em Londres Paola listou seus restaurantes favoritos na terra da
59 rainha, mas brinca dizendo que nenhum deles tem a
rbsortlaolsniinelg ver com realeza: “São lugares descolados. Pode ir de
chinelo!” Outro diferencial da seleção é a metamor-
fose constante dos menus. “É difícil falar de pratos
preferidos, porque uma das coisas de que mais gosto
é o fato de eles fazerem cozinhas sazonais”, pontua.

BLACK AXE MANGAL

“É um lugar novo e bem pequeno. Acho que tem umas cinco
mesas, e não dá para fazer reserva. Prepare o ouvido, porque
o som é muito, muito alto, mas a comida é sensacional.”
156 Canonbury Road, N12 UP BLACKAXEMANGAL.COM

40 MALTBY STREET

“Pratos que sempre me emocionam. Na mesma rua há um
mercado com comidinhas nos fins de semana. O menu é
pequeno e a cozinha é completamente aberta, com salão
integrado; tem também uma carta gigantesca de vinhos
orgânicos. Indico para o almoço aos sábados: vale a pena
comer e depois passear pelo mercado.”
40 Maltby Street, SE1 3PA 40MALTBYSTREET.COM

MORO E MORITO

“Dois dos meus preferidos. São restaurantes da cozinha
mouresca, influenciada pelos povos mouros do sul da
Espanha e norte da África.”
M O R O 34-36 Exmouth Market, EC1R 4QE MORO.CO.UK
M O R ITO 32 Exmouth Market, EC1R 4QE MORITO.CO.UK

Lifestyle

DEESRTREQELUAINDTOE Além de ser jurado do
Masterchef e estar à frente dos
O elegante salão do paulistanos Sal Gastronomia,
restaurante Epicure, em Admiral’s Place, Jamile e Cão
Paris, que recebeu três Véio, Fogaça estreou no come-
estrelas no guia Michelin ço do mês o reality 200 Graus
(Discovery Home and Health),
HENRIQUE que mostra a rotina dele entre
FOGAÇA a família, os empreendimentos
culinários e a banda de hardcore
NOVA YORK Oitão, da qual é vocalista. No rit-
mo do dia a dia agitado, o chef se
identifica com Nova York. “É uma
cidade hiperativa, como eu – vo-
cê sai na rua e está todo mundo
andando pra lá e pra cá, trânsito,
tudo cheio”, justifica.

BALTHAZAR CAFÉ BOULUD THE BRESLIN DIVULGAÇÃO
“Restaurante
descontraído, estilo “Comida “Fui para o almoço
bistrô, sempre cheio contemporânea e achei os pratos
e barulhento. Não francesa, com clima e muito gostosos. O
é uma gastronomia clientelas formais. ambiente é todo
refinada, é comida É mais caro e bastante preto, pesado.
de bistrô. Tem pratos frequentado por É uma comida
fartos e também vale empresários e honesta, com
pelo ambiente.” executivos.” preço justo.”
80 Spring St, Soho 20 E 76th St, Upper 16 West 29th Street,
East Side NY, Midtown West
BALTHAZARNY.COM
CAFEBOULUD.COM THEBRESLIN.COM

PETIT ST BENOIT
“Perto de Saint German, é
acessível e divertido, um
verdadeiro bistrô parisiense.
Acho interessante para o almoço,
não é um lugar para jantar.”
4 Rue Saint-Benoît, 75006, Paris

PETIT-ST-BENOIT.COM

ÉRICKJACQUIN APICIUS
“Uma estrela Michelin, mas
PARIS merece duas. É um restaurante
extraordinário, com serviço
Ochef nascido na comu- excepcional. Comi um menu com
na francesa de Dur Sur trufa branca e cabeça de vitela.
Auron se fixou no Brasil Minha esposa adorou.”
em 1994 e, assim como 20 Rue d Artois, 75008,
Fogaça, ganhou recentemen- Champs Elysees
te um reality show sobre sua
vida (O Mundo de Jacquin, RESTAURANT-APICIUS.COM
Fox Life). Para ele, comer é
sinônimo de celebração cons- EPICURE SANBAOARMFRÉRAINCCAÊS
tante. “Não preciso de mo- “É o restaurante do meu amigo
mento especial para comer Eric Frechon. Tem três estrelas Entrada do Café Boulud, do
bem. Eu amo isso, comemoro Michelin e muita criatividade. renomado chef Daniel Boulud,
a vida todo dia. Se fosse pre- Provei o menu degustação e amei.
ciso momento especial para Fica dentro do hotel Le Bistrol, a poucos passos do Central
ir a um restaurante, estaría- mas não é um restaurante ‘de Park, em Nova York
mos todos quebrados!” hotel’ comum – é realmente o
estabelecimento de um chef
de cozinha.”
112 Rue du Faubourg
Saint-Honoré, 75008

LEBRISTOLPARIS.COM

60
rbsortlaolsniinelg

MODA PDAISRTCAENIRTOESS CONSUMO

Rapper assume uma REINVENÇÃO
posição equivalente à CONTESTADORA
de Kendrick Lamar nos
FUNDADA POR JULIANA JABOUR E
Estados Unidos KAREN FUKE, GRIFE JUST KIDS QUER

CAMINHOS CRUZADOS ESPÍRITO INDEPENDENTE
NOVO EMBAIXADOR DA REEBOK CLASSIC NO BRASIL, A última semana de moda de São Paulo
RAEL REPRESENTA A “CULTURA DO TÊNIS” NO HIP-HOP trouxe a estreia da Just Kids, comandada
pelas estilistas Juliana Jabour e Karen
POR LUCAS BRÊDA Fuke, ex-diretora criativa da Triton. Ao
lado da amiga, Karen optou pelo caminho
“Eu me policio, porque gosto e do alguém vai a uma festa, o comum é independente, sem compromisso com
nós ganhamos muitos [tênis]”, se vestir e pensar: ‘Que tênis combina?’ regras preestabelecidas. A primeira
diz o rapper Rael, que já chegou a Mas acho que no hip-hop é: ‘Qual roupa coleção cápsula do projeto transpira
ter cerca de 80 pares na coleção. combina com o tênis?’” o estilo street com blusões e calças
unissex, todas em moletom. Para dar a
“Estes dias juntei 30 pares e levei A parceria selada por Rael marca um cara da marca, a dupla usa bordados,
couro, aplicações de cetim e silk-screen.
na quebrada, para uns parceiros. É momento de aproximação entre o hip-
TAMARA EMY
muita coisa, acaba acumulando.” O -hop nacional e a moda, especialmente
JUST KIDS
artista recentemente foi anunciado com a aclamada estreia da LAB – grife Preço sob
consulta
JORGE BISPO/DIVULGAÇÃO (RAEL); DIVULGAÇÃO (JUST KIDS) como embaixador da Reebok Classic dos irmãos Emicida e Fióti – na São Pau- WWW.CARTEL011.COM.BR

no Brasil, em uma festa no topo do lo Fashion Week. “O rap sempre fomen-

Edifício Martinelli, em São Paulo, tou isso, só que não havia relação com as

assumindo posição equivalente à de marcas”, opina Rael, que prepara o lança-

Kendrick Lamar nos Estados Unidos, mento do disco Coisas do Meu Imaginá-

como rosto do modelo Perfect Split. rio para este mês e se defende das espera-

“Nos guetos de No- “ORAPSEMPREFOMENTOU das críticas: “Sempre vêm
va York, as pessoas não ISSO,SÓQUEANTES com esse discurso de ven-
tinham dinheiro para dido, né? Mas Mussum e
usar sapato, então usa- Sabotage me mostraram
vam tênis de basquete na que eu posso estar em

rua. Acabou virando ten- NÃOHAVIARELAÇÃO qualquer parte da socie-
dência”, reflete o artista, dade, sacou? Com o Ken-

citando a “cultura do tê- COMASMARCAS” drick é da hora, por que
nis” no hip-hop. “Quan- com o Rael não pode ser?”

61
rbsortlaolsniinelg





ENTRE IRMÃOS Produção Editorial: Tamara Emy

Um grupo de Panteras Negras marcha
pela região de Oakland em 1969.
Tratava-se de um protesto contra a
prisão do líder Huey P. Newton

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PORTFÓLIO

LEVANTE
DO POVO

HÁ 50 ANOS SURGIA O BLACK PANTHER PARTY, CUJOS
INTEGRANTES, OS PANTERAS NEGRAS, MUDARAM
OS RUMOS DA HISTÓRIA AFRO-AMERICANA

POR PAULO CAVALCANTI

rollingstone.com.br | R ol l i n g S t on e Br a s i l | 65

PANTERAS NEGRAS

pesar dos esforços de instituições como a naacp (singla em inglês para associação nacio-
nal para o Progresso das Pessoas de Cor), os Estados Unidos atravessaram a maior parte do século 20
vivendo sob o jugo da segregação e da discriminação racial. Na década de 1950, ativistas como Rosa
Parks e Martin Luther King Jr. se voltaram para a desobediência civil e métodos não violentos. O

A pacifista Dr. King juntava multidões nas caminhadas e enormes manifestações que encabeçava. As
palavras dele foram primordiais para a conscientização de toda uma geração de afro-americanos.
Na década seguinte, porém, confrontos cia policial e com a ausência de justiça. bater os excessos de seus integrantes”, diz
começaram a explodir por todos os cantos Huey P. Newton e Bobby Seale, jovens em conversa por telefone, refletindo sobre
do país. Em resposta à situação, apareceram estudantes que seguiam os ensinamen- o turbulento começo do Black Panther
líderes negros com propostas diferentes da- tos de Malcolm X, estavam entre eles. No Party. “Por isso armamos os cidadãos. Não
quelas defendidas por Luther King. Malcolm dia 15 de outubro de 1966, eles fundaram, tínhamos intenção de ‘fazer a revolução ar-
X e Stokely Carmichael eram mais radicais em Oakland, Califórnia, o Black Panther mada’ e derrubar o governo, como diziam.
e pregavam a ação (este último difundiu o Party (ou BPP). A associação atuava de for- Nós queríamos evitar uma nova Watts.”
conceito do Black Power, o Poder Negro). ma política, mas de um jeito mais próximo
ao dia a dia do povo. O governo achava que eles eram radicais
Um marco negativo desses tempos ocor- perigosos, um autêntico caso de segurança
reu entre 11 e 16 de agosto de 1965, na região O surgimento dos Panteras Negras, co- nacional. O principal inimigo do grupo era
de Watts, na Califórnia, cuja população era mo ficaram conhecidos seus militantes J. Edgar Hoover, o poderoso chefe do FBI.
majoritariamente negra. A cidade chegou e integrantes por aqui, marcou uma pro- Os Panteras Negras foram monitorados,
perto de um estado de guerra civil – o es- funda revolução social, política e cultural perseguidos e presos pelo serviço de inteli-
topim foi a prisão de um motorista negro nos Estados Unidos. O grupo tinha nítidas gência norte-americano. Em meio a esca-
que estaria dirigindo bêbado. Os moradores inspirações socialistas, no sentido de pro- ramuças, alguns deles foram assassinados.
reagiram e a polícia tratou a população com mover a igualdade. Mas os detratores di- E havia reação por parte dos Panteras. Era
uma brutalidade nunca vista até então na vulgavam que eles queriam era incendiar uma guerra silenciosa. “Hoover fez de tu-
história recente dos Estados Unidos. Prédios cidades e assassinar cidadão brancos. Em do para acabar com a gente”, afirma Sea-
e automóveis foram incendiados, proprieda- contraponto, o fundador Bobby Seale sem- le. “Ele nos estigmatizou. Colocou agentes
des públicas e privadas foram saqueadas. O pre buscou deixar claro que isso nunca foi infiltrados e elementos provocadores na
resultado: 34 mortes e mais de US$ 40 mi- o propósito dos Panteras Negras. nossa organização. Estávamos conquis-
lhões em prejuízos. tando mais seguidores, mas paralelamente
Hoje, aos 80 anos, o texano Seale man- nossas sedes eram invadidas e as pessoas
A barbárie de Watts deixou inúmeros tém a voz firme de décadas atrás. “Nosso eram presas sem provas.”
afro-americanos revoltados com a violên- propósito era o de vigiar a polícia e com-

2 3
1 4

A REVOLUÇÃO NÃO TEM INFORMANDO A CAUSA• TEMPO DE RESISTÊNCIAI NA DUPLA ANTERIOR E NESTA DUPLA: STEPHEN SHAMES
NECESSARIAMENTE A
VER COM VIOLÊNCIA. TEM 1. Ilustração de Emory Douglas para The Black Jovens simpatizantes dos Panteras
A VER COM MUDANÇAS Panther, jornal oficial dos Panteras Negras, que foi Negras em uma manifestação
FUNDAMENTAIS. É PRECISO publicado de 1969 a 1973; 2. Huey P. Newton na capa
MUDAR A SOCIEDADE da Rolling Stone de agosto de 1972. O líder era um organizada para pedir a libertação
dos homens mais polêmicos dos Estados Unidos na de Bobby Seale, em 1968, em frente
época; 3. Outra ilustração de Douglas para o jornal;
à Corte de Justiça de New Haven,
4. Capa de uma edição de 1969 da publicação Connecticut. O protesto reuniu
cerca de 15 mil pessoas

rol l i ng s t on e br a s i l |66 | nov e m bro, 2016

rol l i n g s t on e br a s i l |67 | n o v e m br o, 2 016

PANTERAS NEGRAS CRÉDITO

O ano de 1968 foi possivelmente o Janeiro, 2015
mais conturbado da história dos Es-
tados Unidos. A Guerra do Vietnã es-
tava no auge. Dr. Martin Luther King
e Robert F. Kennedy foram assassinados.
Os protestos raciais inflamavam as cida-
des e a polícia abusava da violência sem
pensar duas vezes. Em meio a toda essa
inquietude e caos, o Partido Democráti-
co promoveu sua convenção em Chicago.
Grupos de ativistas de diversos segmentos
da sociedade foram protestar e a polícia
reagiu com crueldade. As autoridades en-
tão afirmaram que um grupo havia sido

NÃO TÍNHAMOS
INTENÇÃO DE ‘FAZER A
REVOLUÇÃO ARMADA’ E
DERRUBAR O GOVERNO,

COMO DIZIAM

responsável por instigar o conflito. Foram
chamados de “Os Oito de Chicago”. Seale
foi um deles. Ele foi preso e julgado; se li-
vrou da acusação de conspiração, mas foi
sentenciado por desrespeito à corte. Ficou
quatro anos na cadeia.

Em 1972, Seale foi libertado, e no ano
seguinte até concorreu ao cargo de prefei-
to de Oakland. Ainda existia uma enorme
polêmica em relação aos Panteras Negras.
O FBI os associava a atos ilegais, como
tráfico de drogas, chantagem e extorsão.
Seale garante que não teve conhecimento
de atividades como essas dentro da or-
ganização e se mostra enfático ao querer

JOVENS GUERREIROS•

A escola das crianças dos Panteras
Negras era a Intercommunal
Youth Institute, em Oakland.
Esta imagem é de 1971

68 | R ol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br rol l i ng s t on e br a s i l |68 | no v e m bro, 2016

CRÉDITO

Janeiro, 2015 r ol l i n g s t on e br a s i l |69 | n o v e m br o, 2 016 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t on e Br a s i l | 69

PANTERAS NEGRAS

IDENTIDADE PODEROSA

Livro resgata o auge dos Panteras Negras e registra o legado da organização

Em 1968, James Brown previsão de publicação no do período de forma OS VERDADEIROS HERÓIS
proclamou “diga bem alto, Brasil) é a radiografia visual definitiva. “Bobby era meu DOS PANTERAS NEGRAS
sou negro e me orgulho de todo aquele momento. mentor e pediu na época que
disso” no hit “Say It Loud Shames capturou a essência eu clicasse tudo”, relembra o ERAM AQUELES QUE
– I’m Black and I’m Proud”. fotógrafo. “Tivemos juntos a AJUDAVAM A REALIZAR
O orgulho negro estava ideia de fazer este livro sobre OS PROJETOS SOCIAIS
em alta e o punho erguido os 50 anos.” Shames reforça
para o alto era um gesto de que os Panteras Negras
desafio e marca registrada também se preocupavam com
dos Panteras Negras. Eles o visual. Para ele, isso era tão
não promoveram apenas uma poderoso quanto o discurso e
revolução política, social e as ações. “Os Panteras tinham
racial. Mexeram também com todos aqueles uniformes
toda a estética da cultura e jaquetas, as boinas e os
black pop norte-americana. O cabelos afro. Tinham postura.
livro Power to the People: The Instintivamente, entendiam
World of the Black Panthers como a mídia funcionava. STEPHEN SHAMES
(texto de Bobby Seale e Muita gente olhava e
fotos de Stephen Shames, dizia: ‘Quero ser como
editora Harry N. Abrams, sem eles”, resume.
P. C .

rol l i n g s t on e br a s i l |70 | n o v e m br o, 2 016

EM CAMPANHA

Bobby Seale em 1973, pedindo votos
em um ônibus durante sua campanha
para prefeito de Oakland. O cofundador
do Black Panther Party chegou em
segundo lugar e sua atuação foi
considerada um êxito. No ano seguinte,
ele se desentendeu com Huey P. Newton
e se desligou do BPP

apresentar um outro lado: “Ninguém fala
sobre os programas que tínhamos para
alimentar as crianças carentes. Ou das
creches e escolas que fundamos. Ou dos
nossos programas relacionados à saúde.
Queremos eliminar as mentiras e distor-
ções a nosso respeito”.

Bobby Seale se desligou do BPP em
1974. Huey P. Newton seguiu à frente da
organização, mas em 1982 a dissolveu. Ele
morreu assassinado em 1989.

Meia década depois do começo de tu-
do, Seale concorda com a ideia de que os
Panteras Negras eram revolucionários. “A
revolução não tem necessariamente a ver
com violência. Tem a ver com mudanças
fundamentais. O mais importante é ten-
tar mudar a sociedade para que as pessoas
tenham mais chances. É o único modo de
erradicar a pobreza e eliminar os pro-
blemas raciais”, conclui. “Os verdadeiros
heróis entre os Panteras Negras eram os
irmãos e as irmãs que ajudavam a realizar
os projetos sociais.”

LIBERDADE ESPERADA

Huey P. Newton em agosto de 1970. Um dos
fundadores do Black Panther Party, ele é visto
em seu apartamento antes de conceder uma
entrevista. Havia sido recentemente libertado
da prisão, depois de ter cumprido dois anos
de pena (Newton se envolveu em um incidente
no qual um policial foi assassinado). Nas
mãos, tinha o álbum Highway 61 Revisited,
(1965), clássico de Bob Dylan

NA LINHA DE FRENTE

Kathleen Cleaver (à frente, à esq.), secretária
de comunicações e membro do comitê central
dos Panteras Negras, fala com integrantes
da organização em Los Angeles. O encontro
aconteceu no dia 28 de julho de 1968, em
West Oakland, no DeFremery Park. Depois
que seu envolvimento com os Panteras Negras
terminou, Kathleen se transformou em uma
proeminente advogada de direitos civis

rolling stone br asil |71 | novembro, 2016



Guia LIVROS | HQs.....................................Pág. 76
FILMES............................................... Pág. 78
Trabalho póstumo BLU-RAY | DVDs............................Pág. 80
do icônico rapper HOTLIST............................................... Pág. 82
transborda atualidade
e urgência

++++½ Sabotage rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 73

Sabotage Sabotage Prods. Arts.

POR LUCAS BRÊDA

“seja um mártir, às vezes um
Luther King, um Sabotage”,
cantou Mauro Mateus dos San-
tos em uma das demos grava-
das no início de 2003 para o
seu nunca finalizado segundo
disco. O verso, que ganha vi-
da em “Canão Foi Tão Bom”,
soa assustadoramente simbó-
lico depois do assassinato do
rapper, em 24 de janeiro daque-
le ano. Mesmo antes de mor-
rer, Sabotage parecia saber que
seu nome teria o peso de um
embaixador. A faixa sobressai em
Sabotage, álbum póstumo prepa-
rado durante mais de uma déca-
da com base nas gravações dei-
xadas pelo artista, contendo co-
laboração apenas de nomes que
trabalharam com ele em vida.

O disco sai como um exercí-
cio de imaginação: são 11 can-
ções que embalam com batidas
e arranjos cheios de frescor as
ideias musicais e a poesia quase
atemporal de Sabotage (referên-
cias como à novela O Clone ou à
personagem Tiazinha são cho-
ques de passado em meio a rimas
inacreditavelmente atuais). A
mente musical libertina de Sa-
botage – fã de Sandy & Junior,
Wu-Tang Clan e Chico Buarque
– é explorada sem pudor, do trap
gangsta robusto de “Mosquito”
(assinado pelo Tropkillaz, do DJ
Zegon, um dos produtores de
Rap É Compromisso, único disco

ILUSTRAÇÃO: HUGO CANUTO

GUIA NOVOS CDS

cheio lançado em vida por Sabo- CRESCIMENTO Kings of Leon +++ DIVULGAÇÃO (LADY GAGA); LEONARDO MORETTI/DIVULGAÇÃO (DIEGO LOPES)
tage) ao samba de “Maloca É Ma- Lady Gaga não
ré” (Daniel Ganjaman, Instituto), olha para trás Walls Sony
passando pelas guitarras de “Su-
perar” (DJ Nuts) e pela balada “O Outro Caminho Entre mortos e feridos, quarteto
Gatilho” (Ganjaman, Instituto). engendra retorno bem-sucedido
Cantora deixa a pista de dança e ruma ao pop adulto
O álbum atinge o pico de neste sétimo cd da banda
intensidade em “País da Fome”, +++½ Lady Gaga Joanne Universal de Nashville, o produtor
que, na mão do DJ Cia (RZO), Markus Dravs (Coldplay,
ganha o subtítulo e o gancho este é o melhor álbum de lady gaga em Mumford & Sons) dá às cria-
“Homens Animais”, referência cinco anos, desde o manifesto dançante ções do clã Followill arranjos
direta ao trágico fim do rapper. Born This Way (2011). Mas a música que ela mais coesos. Mesmo assim, al-
Ele se afoga em confissões, faz agora é despida, contida e modesta, gumas coisas soam genéricas.
encarando o medo (da morte, do adjetivos que antes ninguém associaria à “Reverend” tem o tipo de som
“zé povim”) e a falta (da mãe e do artista. Repleto de guitarras acústicas, que hoje a indústria chama de
irmão, ambos falecidos). Faz isso Joanne é um disco de soft rock com sonoridade dos anos música country e “Waste a Mo-
com sinceridade surpreendente, 1990. Gaga fica entre a vibração hippie de Sarah McLachlan ment”, com jeito de hino, lem-
até desabar em um cantar e o brilho pop country de Shania Twain. A antiga mãe dos bra os tempos em que o KoL
chorado e desamparado. É o monstrinhos descarta qualquer coisa de disco ou de glam – era uma banda de estádio. Já
momento mais cru e vulnerável isso fica evidente no sutil dedilhado de violão em “Joanne”, a latina “Muchacho” e “Walls”,
já registrado do herói do Canão. uma tocante balada lamentando a morte de uma tia. O mais uma balada que vai crescendo
Entre ganchos já icônicos – perto de alguma movimentação rumo à pista de dança são aos poucos, são menos previsí-
“Superar é só para superstar”, “A-Yo”, com uma batida à la Motown, e o reggae “Dancin’ in veis. Essas faixas sugerem que
de “Superar”, e “Mega como Circles”, um dueto com Beck em que ele mal pode ser ouvido. o grupo ainda tem potencial.
o Sonic: Fatality”, de “Levada Um ponto alto é o tributo a Prince “Hey Girl”, dueto com
Segura” – e flow habilidoso, Florence Welch. Com “Perfect Illusion” já perdendo o gás WILL HERMES
Sabotage troca rimas com como single, é hora de Gaga angariar prestígio como uma
Dexter, Rappin’ Hood, Lakers, artista que concentra os esforços para fazer álbuns, não Bruno Souto +++½
DBS, Sandrão (RZO) e até com faixas avulsas. Mesmo com os altos e baixos, Joanne nos
o norte-americano Shyheim, lembra por que ainda precisamos dela por aí. ROB SHEFFIELD Forte Deck
afiliado ao Wu-Tang Clan. Em “O
Gatilho”, BNegão faz referência Ex-músico da banda Volver faz um
ao presidente Barack Obama e passeio pela música black
resume um sentimento unânime
ao confessar saudades das “ideias após um disco tão formidá-
avançadas” de Mauro Mateus. vel quanto Estado de Nuvem
(2013), a tarefa do pernam-
Sabotage nasce grandioso, bucano não seria nada fácil.
correndo riscos necessários e se A sacada em Forte foi manter
equilibrando entre uma mera as características positivas
homenagem e uma expressiva da estreia e se aprofundar
obra de arte. É uma chacoa- na soul music, já que havia
lhada na imaginação, trazen- abertura para tal. Faixas co-
do a assinatura do mestre que mo “Faz Parte do Amor” e
transformou a própria comuni- “Madrugada”, com direito a
dade em conceito, colorindo a um ousado falsete e saxofone
mente daqueles a quem nunca em evidência, superam toda a
foi dado o direito de sonhar. produção dele até aqui. Mais
próxima de um pop de FM
RS OUVIU dos anos 1980, “Desconserto”
também está entre os pontos
Em foco, Diego Lopes, do Acústicos & Valvulados, e o Red Tapes altos do registro, com uma
guitarra slide que remete ime-
Diego Lopes em QBaixista da tradicional banda Q O quarteto Red Tapes surgiu em diatamente a Lulu Santos.
registro melódico gaúcha Acústicos & Valvulados, 2015 e tem em sua formação Bruno
Diego Lopes agora vem com seu Henrique (guitarra), Fabio Juliate JOSÉ FLÁVIO JÚNIOR
primeiro álbum solo. Tabuleiro (baixo), Enrique Villarroel (vocal e
(+++, Plus Records) mostra o dom guitarra) e Caio Molena (bateria).
melódico do músico, que traz O EP Red Tapes – Vol. 1 (+++,
aqui muita influência do rock dos independente), com oito faixas,
anos 1970, contendo também mostra as influências dos músicos
toques de soul, folk rock e pop paulistanos, que vão do classic
adulto. “Adeus”, “Inferno” e rock ao grunge, chegando ao
“Feitiço” são algumas faixas stoner rock. “The Cave” é um
do bom lançamento. dos destaques.

74 +++++ Clássico | ++++ Excelente | +++ Bom | ++ Regular | + Ruim Rankings supervisionados pelos editores da Rolling Stone.

A Valsa da Despedida EXPERIMENTAL

Em nova obra-prima, cantor deixa pistas de que este pode ser seu último trabalho Músico segue testando
sonoridades

Leonard Cohen ++++ QTerceiro disco solo de Tatá
Aeroplano, Step Psicodélico
You Want It Darker Sony (+++½, Voador Discos)

este álbum é o presente de representa um amálgama das

Cohen aos amantes da música: influências do cantor. O
paulistano entrelaça referências
uma visão de mundo sinistra e sonoras que vão de Zé Ramalho,

realista, mas também espiritu- em “Todos os Homens da Terra”,

almente radiante e profunda- ao Cascavelletes, em “Copo de

mente poética. Os discos ante- Pedra”. O trabalho traz nas
entrelinhas a ironia do Cérebro
riores do canadense já soavam como uma despe- Eletrônico e do Frito Sampler,

dida. Mas com You Want It Darker, Cohen, aos projetos paralelos dele. Apesar

82 anos, entrega seu álbum mais obrigatório e o de cravar no título o termo

que também pode ser o derradeiro. “Estou o “psicodélico”, o disco não

tempo todo com raiva e cansado”, ele canta em explora tão abertamente – como
os dois anteriores do músico – o
“Treaty”, um lamento sobre separação que se experimentalismo instrumental.

torna uma meditação a respeito das impossibili- A lisergia fica quase restrita ao

dades da religião. A lenta “Leaving the Table” lirismo das canções, que se

igualmente se alterna entre a resignação român- constroem como colagens
dadaístas.
tica e espiritual. “Traveling Light” conjura os GABRIEL NUNES

anos de juventude dele na Grécia ao lado da mu-

sa Marianne Ihlen, falecida em julho. “Boa noite,

minha estrela cadente”, ele canta sussurrando,

como se fosse um homem dançando sozinho em

uma taverna prestes a fechar. Assim como David

Bowie fez em Blackstar, Cohen também parece

ter preparado a trilha sonora de sua saída de ce- Tatá: cheio de
referências
na. Mas o fez dando sábios conselhos aos que

irão ficar para trás. WILL HERMES

RORY KURTZ (ILUSTRAÇÃO LEONARD COHEN); JULIA VALIENGO/DIVULGAÇÃO (TATÁ AEROPLANO) Vários +++½ Violeta de Outono Tom Zé +++½ The Baggios +++½
+++½
Viva Renato Russo – 20 Anos Canções Eróticas de Ninar Brutown Toca Discos
Spaces Voiceprint
Renato Russo Discos Independente Duo sergipano engrandece
Entre o experimental e o acessível, sonoridade dos CDs anteriores
Projeto marca as duas décadas banda mantém o bom nível Veterano bardo tropicalista
sem o cantor do Legião Urbana disserta sobre os mistérios do sexo
depois do segundo disco, sina
neste lançamento, várias ao completar 80 anos, tom zé
bandas de destaque no momen- há mais de três décadas lide- resolveu tocar em um assunto (2013), o Baggios se estabeleceu
to revisitam sucessos e obscuri- responsável por dores e delícias
dades que Renato Russo criou rando o Violeta de Outono, o na terceira idade. Porém, ele tra- como referência no rock
para o Legião Urbana. Algumas ta o sexo com leveza juvenil. Nas
versões se aproximam das ori- cantor e guitarrista Fabio Golfet- 13 faixas, quase anticanções, so- nordestino ao injetar guitarras
ginais; já outras buscam uma bressaem os detalhes e as pontu-
sonoridade bastante diferente. ti segue como o músico brasileiro ações instrumentais que as trans- blueseirasemnarrativascuriosas.
O Republica transformou “Que formam em música, minúcias
País É Este” em um hard meló- que melhor entende como fun- sempre presentes na obra dele. O Em Brutown, o duo retorna
dico. O Facção Caipira deu um autor também dá uma reciclada
toque ainda mais a regional a ciona o psicodelismo tingido pelo em temas já abordados antes. É ambicioso e eleva o conceito a
“Faroeste Caboclo”. E nas mãos o caso de “Dedo”. A versão origi-
do Baleia, “Mariane” virou um rock progressivo. Em Spaces, as nal da canção esteve presente em outro patamar, incrementando
delicado dream pop. O tributo só Cantando com a Plateia, disco de
reforça a perene força poética de texturas propostas por ele vão 1990 que ele gravou com Gereba. o som com teclados, cordas e
Renato Russo. PAULO CAVALCANTI
do space rock (a instrumental ANTÔNIO DO AMARAL ROCHA sopros. Com acenos ao forró

“Parallax T-Blues”, com sinteti- (“Miquin”), a Alceu Valença

zadores hipnóticos) ao jazz fu- (“Medo”) e diversas participações

sion (“Imagens”). Mas é um disco – Jorge du Peixe, do Nação

de canções, não de digressões Zumbi, e Emmily Barreto, do

experimentais. “Flowers on the Far from Alaska, entre outros –,

Moon” e “A Painter of the Mind” o Baggios continua criativo, mas

são os pontos de acessibilidade agora cada vez mais dramático e

do registro. P. C . engenhoso. LUCAS BRÊDA

Novembro, 2016 rollingstone.com.br | R o l l i n g S t o n e B r a s i l | 75

Livros | HQs MODA

De Punk a Multimídia Estilista Vivienne Westwood
repassa vida e obra
Cantor e apresentador relembra trajetória, do underground à exposição na televisão
QA inglesa Vivienne
+Vi+da+½ToVscivaa la Westwood, de 75 anos, é dona
João Gordo e André Barcinski de uma vida extraordinária.
A hoje Dama do Império
Darkside joão gordo é Britânico foi a força motriz
para a criação, na década de
hoje uma perso- 1970, do estilo visual do punk.
Em Vivienne Westwood (Rocco,
nalidade multi- +++½), a estilista e o coautor
Ian Kelly desvendam inúmeras
mídia, cuja figu- particularidades, como as
motivações e o aprendizado
ra pública foi pelos quais ela passou. Mas é
natural que os leitores queiram
moldada nos saber mais detalhes sobre a
atuação dela nos primórdios
anos em que e no auge da era punk. No
centro disso, se encontra a
atuou em diver- relação de amor e ódio com o
parceiro profissional e amante
sos programas da MTV. Mas, ocasional, o empresário e
agitador cultural Malcolm
quando atuava apenas como vo- McLaren. Vivienne detalha
como, ao lado de McLaren,
calista da banda punk Ratos de conseguiu captar a atitude de
inquietação que existia nas
Porão, ninguém além do under- ruas de Londres e expandi-la
para outros lugares do mundo.
ground sabia quem ele era. No ENTONAÇÃO GUTURAL
começo de tudo, Gordo não pas- João Gordo canta no Ratos de P. C .

sava de um jovem de classe média Porão em show nos anos 1980

baixa da zona norte de São Paulo

sem nenhuma perspectiva. Agora com 52 anos, o uma viagem pelo lado amalucado do show busi-

sujeito que nasceu com o nome João Francisco ness brasileiro, mas também um inusitado relato

Benedan vê esses diferentes aspectos convergi- de triunfo pessoal. Ele não só deixou a marca no

rem nesta autobiografia. O que torna Viva la Vida rock nacional; também viajou pelo planeta, se di-

Tosca imperdível é o modo como o jornalista An- vertiu como nunca e interagiu com todo mundo.

dré Barcinski consegue colocar em palavras todo Hoje, é pai de família, quase vegano e, do jeito de-

o escracho do biografado. Nada é sagrado ou pou- le, um cidadão responsável. Mas segue como um

pado. O artista detalha os problemas com as dro- cara original e surpreendentemente punk.

gas e as incontáveis roubadas em que se meteu. É PAULO CAVALCANTI

O Voyeur + observava. E é isso que temos ta em cheque por uma reporta- A estilista britânica DIVULGAÇÃO
em boa parte de O Voyeur – a gem do jornal Washington Post, nos tempos em que era
Gay Talese Companhia das Letras reprodução das visões de um que conduziu uma pesquisa que visionária do punk
homem que acredita, pretensio- deveria ter sido feita pelo pró-
Obra reproduz, sem investigação, sa e delirantemente, ser um “es- prio Talese antes da publicação. mento na retina o fez abando-
relatos de personagem questionável tudioso” sobre o comportamen- O único aprendizado que fica da nar os gramados precocemen-
to humano. Somente décadas leitura de O Voyeur é o de que te. Como já foi propagado por
nem parece depois de conhecê-lo, Foos deu nem os mestres são infalíveis. aí, azar do futebol e sorte da
um livro de Gay a Talese o direito de publicar es- medicina (ele se tornou médico
Talese, escritor te livro, que implica diversos BRUNA VELOSO e professor) e da crônica espor-
tido como um questionamentos morais e éti- tiva, que ganhou um legítimo
dos pais do cos (Foos detalha um assassina- STeomnhpaodsoVsieviPdeorsd, idos craque das letras. Com frases
chamado Jor- to que diz ter presenciado, além +++½ rápidas e uma concisão admi-
nalismo Literá- de afirmar ter visto cenas de es- rável, Tostão acerta no ângulo.
rio e conhecido tupro e abuso infantil, sem ja- Tostão Companhia das Letras Tocando de um assunto pra ou-
por mergulhar por anos nas his- mais ter feito algo em prol das tro com uma habilidade incom-
tórias que resolve investigar. O vítimas). É difícil entender por Autobiografia de antigo craque da parável, consegue nas páginas
Voyeur parte de uma premissa que Talese, cheio de credenciais, seleção tem boa narrativa aquilo que gostaríamos de ver
diferente. Talese relata ter sido resolveu colocar no mercado em um time ideal, colocando
contatado nos anos 1980 por uma obra tão insípida. A falta o mineiro talento e técnica para cami-
Gerald Foos, empresário que de consistência não parte ape- Eduardo Gon- nharem juntos. ANDRÉ RODRIGUES
criou uma plataforma de obser- nas do personagem principal: o çalves de An-
vação no hotel do qual era dono, autor falha em fazer uma análi- drade, o Tos-
a fim de satisfazer suas “necessi- se autoral e em seus métodos de tão, jogou por
dades voyeurísticas”. Invadindo investigação, tanto que a veraci- apenas dez
a privacidade dos hóspedes sem dade dos relatos de Foos foi pos- anos (entre
se fazer notar, Foos escrevia di- 1963 e 1973), o
ários nos quais gotejava patéti- suficiente para encantar o tor-
cas análises a respeito de quem cedor brasileiro. Um desloca-

76 +++++ Clássico | ++++ Excelente | +++ Bom | ++ Regular | + Ruim Rankings supervisionados pelos editores da Rolling Stone.



Filmes nos idos de 1930 e construindo

uma poética assustadora com

movimentos de câmera, cortes

e sons. Virginia Cavendish é a

austera governanta contratada

pelo tio e tutor (Montagner, em

um de seus derradeiros papéis)

para cuidar do casal de sobri-

nhos. Ela não tem ideia dos

acidentes que resultaram na

morte da governanta anterior e

de um capataz. Chega à fazenda

Mente acreditando que terá as crianças
Expandida
sob controle. Seu caminho, po-

rém, será tumultuado por visões

PASSE DE MÁGICA cada vez mais sinistras. Rico
Cumberbatch é o
em detalhes, o filme consegue
mestre dos truques
em Doutor Estranho criar uma atmosfera ambígua e

assustadora. H.R.J.

Super-herói cultuado ganha produção que é um verdadeiro bombardeio aos sentidos PSeegqrueednoo+++

++++Doutor Estranho Com Júlia Lemmertz e Maria
Flor Dirigido por David Schurmann
Com Benedict Cumberbatch e Chiwetel Ejiofor Dirigido por Scott Derrickson
Candidato nacional a uma vaga no
o doutor stephen strange é um neuroci- desde que chegou ao Oriente. Doutor Estranho Oscar é um drama competente
rurgião brilhante e arrogante que alcança os
mais altos patamares de sua profissão. O médico coloca o holofote em um dos mais esquisitos he-
só vive para o luxo e a riqueza até que um terrível
acidente automobilístico quase o mata. A tragé- róis do universo Marvel e Benedict Cumberbatch
dia afeta suas mãos e ele perde as habilidades
profissionais. Em busca de um método alterna- se esbalda vivendo o excêntrico personagem. O
tivo para se curar, ruma para o Nepal, onde se
envolve com uma misteriosa seita holística. Lá, longa junta filosofia new age, lisergia, magia e lu-
ele precisará aprender a ser humilde e abrandar
seu lado racional, ou jamais conseguirá dominar tas marciais, mas tem humor. Com visual e nar-
as poderosas habilidades que descobriu possuir
rativa que remetem a uma viagem psicodélica,

Doutor Estranho é bem diferente de tudo o que Mariana Goulart e Júlia
Lemmertz se destacam
pode ser encontrado no sucesso Os Vingadores. em Pequeno Segredo

É uma bem-vinda e excitante mudança de tom escolhido como pretenden-
te brasileiro a uma vaga ao Os-
para quem segue as aventuras cinematográficas car 2017 na categoria de Melhor
Filme Estrangeiro, Pequeno Se-
da Marvel. PAULO CAVALCANTI gredo é uma adaptação de um
livro escrito por Heloísa Schur-
Elle ++++ versa é usada por Verhoeven Através da Sombra mann, mãe do diretor, David. MARVEL/DIVULGAÇÃO (DOUTOR ESTRANHO); DIVULGAÇÃO
como forma de expiação de uma +++½ A personagem principal é Kat,
Com Isabelle Huppert e sociedade perturbada. O dire- menina portadora do vírus HIV
Laurent Lafitte tor leva o espectador a um pas- Com Virginia Cavendish adotada nos anos 1990 pelos
so além do que havia esboçado e Domingos Montagner Schurmann, célebres velejado-
Dirigido por Paul Verhoeven em Instinto Selvagem (1992). res de Santa Catarina. É ela que
Naquele, o poder feminino era Dirigido por Walter Lima Jr. une passado e presente de di-
Filme perturbador discursa sobre retratado com uma certa indul- versos núcleos do clã. O que está
sexualidade e perversão gência barata, e a cabeça dos ho- Adaptação de conto sobrenatural em jogo é como manter a união
mens era infantilizada, girando se destaca pela atmosfera tensa familiar e a esperança dian-
isabelle huppert vive mi- apenas em torno de sexo. Era te das tragédias do cotidiano.
chèle, uma mulher de negócios uma sátira; Elle é uma tragédia. nesta adaptação livre do Sensível, bem realizado (des-
bem-sucedida e implacável. As contradições tornam-se mais conto A Volta do Parafuso, de taque para a fotografia de Inti
Acha-se acima do bem e do mal profundas e agudas neste incô- Henry James, o diretor Walter Briones) e com ótimas interpre-
até passar por um evento trau- Lima Jr. não se intimida com tações femininas (a garota Ma-
mático: um mascarado invade modo filme. HAMILTON ROSA JUNIOR o peso do célebre material. Ele riana Goulart é um espanto), o
sua casa e ela é estuprada. Tão encara a releitura da fonte ori- filme sem dúvida desperta enor-
perturbadora quanto a violência ginal situando a trama em uma me simpatia. Quando entrar em
é a reação posterior da persona- fazenda de café de cores quentes circuito, poderá ser apreciado
gem. Ela conta o ocorrido à pelo que realmente é: um como-
família sem um mínimo (À esq.) Isabelle vente e íntimo drama familiar.
sinal de abalo, o que Huppert e amigo
provoca estranhe- em Elle. Virginia ANDRÉ RODRIGUES
za. Depois, secre- Cavendish em
tamente revela o cena de Através
prazer de ima- da Sombra
ginar o crime se
repetindo. Essa
proposição per-

78 +++++ Clássico | ++++ Excelente | +++ Bom | ++ Regular | + Ruim Rankings supervisionados pelos editores da Rolling Stone.



DVDs

Diferentes Visões STONES WESTERN
CALIENTES
Wood, Jagger, Sai em home video filme
Watts e Richards que dividiu Hollywood
em solo cubano
QO Portal do Paraíso (Obras-
Banda é mostrada nos anos 1990 e em show recente em Cuba -Primas do Cinema, ++++),
lançado em 1980, arruinou um
The Rolling Stones Eagle/Som Livre estúdio (a United Artists) e foi
usado como pretexto pelos
dois lançamentos mostram mo- banda funcionava bem em ambien- chefões de Wall Street para tirar
mentos distintos dos Rolling Stones. o poder das mãos dos cineastas
O documentário Totally Stripped tes pequenos. Já Havana Moon é o em Hollywood. Michael Cimino,
registra os ensaios e as apresenta- o diretor, virou bode expiatório,
ções que geraram o álbum Stripped registro do concerto histórico que o e toda uma geração de autores
(1995), incursão da banda pelo uni- foi estigmatizada. Na trama, não
+++½ verso acústico. O lado intimista surge grupo realizou em Cuba, em março sobra beleza nas planícies do
em imagens captadas em um estúdio Wyoming. A incessante marcha
Totally no Japão e por meio de performances de 2016. Diante de um público de 500 dos imigrantes sobre o território
Stripped em lugares considerados pequenos aumenta a miséria. Para não
para o gigantismo dos Stones, acostu- mil pessoas, Mick Jagger, Keith Ri- frustrar as necessidades de es-
+++ mados a tocar em estádios. Da parte tabilidade no Estado, a solução
acústica no oriente, o filme segue a chards, Charlie Watts e Ronnie Wood política encontrada é fazer uma
Havana Moon banda em shows na Holanda, França faxina demográfica em nome
e Inglaterra. Cheio de hits, o segmento apresentaram os inúmeros clássicos do “progresso civilizatório”. Kris
ao vivo também se destaca. “Jumpin’ Kristofferson é o ex-advogado
Jack Flash”, em Paris, mostra como a presentes no repertório da América de Harvard que pega em armas
para afrontar as autoridades.
Latina Olé Tour, que passou por vários Cimino sentia que uma era esta-
va acabando, e usou o western,
países, inclusive pelo Brasil. No palco, o gênero mais norte-americano
de todos, para representar isso.
os Stones não deixam a bola cair. Uma Se tivesse sido feito no início
dos anos 1970, no auge da
pena que não haja imagens da banda contestação, este filme poderia
ter sido um sucesso.
circulando pela ilha ou interagindo
HAMILTON ROSA JUNIOR
com os habitantes locais – faltou isso a
Kris Kristofferson em
Havana Moon, justamente um pouco O Portal do Paraíso

do sabor local. JOSÉ NORBERTO FLESCH

Cinema Policial longa tem uma boa dose de ci- Rogério Skylab +++ lirismo niilista que sempre per-
++++ nismo ao contar a história do
ladrão pé de chinelo Charley Canal Brasil meou seu imaginário poético.
Versátil Varrick (Walter Matthau). Ele e
os amigos roubam um banco, Excêntrico cantor e compositor Para coroar a nova fase, Skylab
DVD duplo junta filmes cultuados sem saber que todo o dinheiro apresenta canções de trilogia
pelos amantes do gênero pertence à Máfia. Os outros três lança este DVD. Gravado no DAVE J HOGAN/DIVULGAÇÃO (ROLLING STONES); DIVULGAÇÃO
filmes podem não ser tão co- ao abrir a
neste pack nhecidos, mas são cultuados pe- Trilogia dos Rio de Janeiro, o registro traz o
com dois dis- los admiradores do cinema poli- Carnavais
cos e quatro cial – Profissão: Ladrão (1981, com o disco cantor executando faixas da tri-
filmes, o mais dirigido por Michael Mann), Abismo e Car-
popular deles Caçador de Morte (1978, dirigi- naval (2012) logia em um pequeno bar. Par-
é O Homem do por Walter Hill) e Os Amigos – que ganhou
Que Burlou a de Eddie Coyle (1973, de Peter sequência em ticipam Tavinho Paes, Fausto
Máfia (1973), Yates, cineasta responsável pelo Melancolia e Carnaval (2013) e
dirigido por Don Siegel. Por um clássico Bullitt). PAULO CAVALCANTI Desterro e Carnaval (2015) –, o Fawcett e Arrigo Barnabé, que
bom tempo uma das obras favo- carioca Rogério Skylab passou
ritas daqueles que assistiam te- a acenar a Jards Macalé e canta em “Lívia” – uma burles-
levisão pela madrugada afora, o Ataulfo Alves, mas preservou o
ca releitura de “Delia’s Gone”,

de Johnny Cash. Antes de fe-

char o espetáculo, o músico ho-

menageia Júpiter Maçã (morto

em dezembro de 2015) com

uma cover psicodélica de “Eu e

Minha Ex”. GABRIEL NUNES

80 +++++ Clássico | ++++ Excelente | +++ Bom | ++ Regular | + Ruim Rankings supervisionados pelos editores da Rolling Stone.



HOTLIST
NO S S A S M Ú SIC A S , DIS C O S E V Í DE O S FAVOR I T O S D O M Ê S
www.rollingstone.com.br Ouça as músicas e assista aos vídeos apresentados nesta página

1. “Maracutaia” 2. Rogue One:
Karol Conka Uma História Star Wars Trailer

Videoclipe O filme ganhou um trailer revelador: nele, além de
Lázaro Ramos é um presenciarmos uma breve passagem de Darth Vader,
malandro de araque descobrimos que o pai de Jyn Erso (Felicity Jones),
no novo clipe de Karol Galen Erso (Mads Mikkelsen), foi levado pelo Império
Conka. Ele está o tempo para ajudar a fabricar a superarma Estrela da Morte. 
inteiro na palma da
mão de Taís Araújo, que
além de ser sua esposa
na vida real também
interpreta uma parceira
no vídeo. Com produção
de primeira, o clipe atiça
a curiosidade para o novo
álbum de Karol, que deve
sair em breve.

5. Reunião de Warriors – Os 4. Finding Joseph I 3. Pussy Riot
Selvagens da Noite Vídeo “Make America
Trailer Great Again”
A Rolling Stone EUA tirou do armário os coletes “Quem é H.R.? Ele é várias
de couro e os colocou de volta em Cleon, Swan, coisas, mas, antes de tudo, é o Videoclipe
Vermin e Cochise, entre outros integrantes da melhor vocalista de todos os Vários artistas se
gangue de Coney Island, em Nova York, estrelas tempos.” Quem diz essa frase é posicionaram politicamente
do filme Warriors. No vídeo, os atores originais sobre as eleições nos
comentam e recordam o clássico de 1979. Chino Moreno, do Deftones, Estados Unidos por meio de
logo nos primeiros músicas ou vídeos. Mas o
6. Wilco – “Someone to Lose” segundos do trailer do Pussy Riot foi além. No clipe
documentário sobre de “Make America Great
Videoclipe Paul “H.R.” Hudson, Again”, o grupo imagina
Você lembra qual foi o último clipe do Wilco? o excêntrico homem um país governado por
Provavelmente não, porque ele saiu em 2012. O jejum de frente do Bad Donald Trump e mostra
foi quebrado com esta animação, construída de maneira Brains. Imperdível. o empresário exigindo
delicada e cativante. A faixa é do recém-lançado Schmilco. coisas como a abolição de
7. NoPorn homossexuais e de seios
“Maiô da Mulher pequenos para as mulheres. REPRODUÇÃO
Maravilha”

Videoclipe
Outubro marcou o retorno
do NoPorn, que lançou
apenas um disco, há dez
anos, mas marcou a noite
paulistana. A “poesia
eletrônica” da dupla
formada por Liana Padilha
e Luca Lauri ganha vida no
clipe, tirado do novo
disco, Boca.

82 | R o l l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br Novembro, 2016




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