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Published by mvinicius.muniz, 2018-06-12 09:03:05

Livro de Economia Empresarial

Livro de Economia Empresarial

3 A Abordagem Microeconômica

O objetivo deste capítulo é apresentar os conceitos básicos de análise a nível microeco-
nômico. O surgimento da Microeconomia como ramo autônomo da Ciência Econômica
remonta ao último quarto do século XIX, refletindo uma mudança na definição dos pro-
blemas econômicos fundamentais, que se desloca da determinação geral das causas do
desenvolvimento da riqueza, como em Adam Smith (ver capítulo 2), no sentido de um en-
foque utilitarista que privilegia a discussão do processo de alocação dos recursos escassos
entre usos alternativos, com o fim de maximizar determinados objetivos dos agentes envol-
vidos no processo, basicamente consumidores e produtores.

Na Microeconomia as análises são elaboradas a partir do estudo das escolhas e decisões
realizadas por famílias, firmas e governos, e de como essas escolhas afetam os diferentes
mercados de produtos e serviços. Assim, a Microeconomia estrutura-se como um corpo
teórico integrado, que procura descrever quatro fenômenos fundamentais:

1) a forma como os indivíduos ou as famílias determinam sua procura de bens e serviços, que
resulta na elaboração de uma Teoria da Demanda ou Teoria da Procura;
2) a forma como as empresas decidem o que e quantos bens e serviços produzirão, e qual a
combinação de fatores de produção a ser utilizada, que resulta na elaboração de uma Teoria
da Oferta, e abrange a Teoria da Produção, que estuda o processo de produção em uma
perspectiva econômica, a Teoria dos Custos de Produção, que classifica e analisa os custos e
tomada de decisões de produzir baseada em princípios de maximização de lucro;
3) a forma como os mercados determinam o preço e quantidade de equilíbrio, a partir da
articulação entre a oferta e a procura, discutida com base na caracterização de estruturas de
mercado e da análise dos impactos da sua operação sobre os níveis de eficiência econômica
e bem-estar;
4) a forma como as articulações existentes entre diferentes mercados influenciam o processo
de alocação de recursos, que resulta na elaboração de uma Teoria do Equilíbrio Geral e do
Bem-Estar, que estuda a interação de todos os mercados, simultaneamente, e seu impacto em
todos os agentes.

A consolidação da Microeconomia como campo autônomo da Ciência Econômica re-
flete a contribuição de diversos autores fundamentais. Destacamos Karl Menger, que, em
1871, formulou uma teoria do valor de troca baseada no princípio da utilidade decrescente,
simultaneamente com o inglês Stanley Jevons (1871) e o francês Léon Walras (1874).

Como vimos, a contribuição de Alfred Marshall avança no sentido da explicação de
como os preços de bens e fatores são determinados em mercados considerados isolada-
mente, possibilitando a utilização do referencial no esclarecimento de problemas práticos,
através de uma análise elaborada de forma simples, por meio da redução do número de

50 • capítulo 3

variáveis e da criação de um método dedutivo de análise do comporta- COMENTÁRIO
mento dos agentes, baseado em motivações objetivas e mensuráveis.
Escassez
Por outro lado, a contribuição de Leon Walras vai a uma direção dis-
tinta, desenvolvendo uma análise do equilíbrio geral para o problema de Por causa da escassez, os indivíduos e
determinação dos preços, elaborando um sistema matemático sofistica- a sociedade devem fazer escolhas difí-
do que indica a interdependência das unidades de produção e consumo ceis, que implicam privilegiar uma ne-
no interior do sistema econômico. cessidade e a alocação de recursos a
ela vinculada, em detrimento de outras.
ATENÇÃO Como visto no capítulo 1, o conceito
de custo de oportunidade é designado
A Microeconomia desenvolve uma visão microscópica dos fenômenos econômicos, para representar a melhor alternativa na
direcionando-se ao estudo do comportamento das unidades individuais responsáveis escolha da alocação ótima de recursos.
por decisões no plano do consumo e produção, distinguindo-se da Macroeconomia
na medida em que esta se interessa pelo estudo de agregados, como a produção, o
consumo e a renda da população como um todo. A Microeconomia preocupa-se em CONCEITO
explicar como se determina o preço dos diferentes bens e serviços, bem como dos
fatores de produção. Método lógico-dedutivo

O problema básico analisado pela Microeconomia refere-se ao fe- O caráter dedutivo é realçado pelo fato
nômeno da escassez, associado à dotação de recursos disponíveis em de que muitas das variáveis considera-
cada sociedade, e que acaba por gerar um problema de disponibilidade das pela Microeconomia não podem ser
limitada de bens, que se tornam bens econômicos justamente em função observadas ou mensuradas, como, por
dessa característica. exemplo, o grau de utilidade que os con-
sumidores auferem ao dispor de certos
Método de análise bens ou serviços. Nessa perspectiva
metodológica, a partir de uma situação
O desenvolvimento da Microeconomia implicou no desenvolvimento do mundo real, são selecionadas as va-
de um método particular para tratar do problema da alocação de recur- riáveis mais relevantes para compreen-
sos em um contexto de escassez. Esse método é desenvolvido a partir de der o fenômeno analisado, o que permi-
uma concepção utilitarista da ciência econômica, que deveria fornecer te reduzir e manusear as complexidades
um instrumental prático para a alocação daqueles recursos da forma do mundo real. Desenvolve-se, assim,
mais eficiente possível. um modelo lógico, a partir do qual são
inferidas conclusões de natureza abs-
De modo a atingir esse objetivo, a Microeconomia desenvolve suas trata, as quais, convenientemente inter-
análises a partir de um método lógico-dedutivo, no qual procura tratar a pretadas, tornam possível o retorno ao
complexidade e entrelaçamento de influências subjacentes às situações mundo real.
reais que são objeto de seu estudo.

A forma de desenvolvimento de análises a partir de uma perspectiva
lógico-dedutiva no campo da Microeconomia se dá através da constru- capítulo 3 • 51
ção de modelos, concebidos como construções compostas por uma série
de hipóteses, a partir das quais as conclusões são extrapoladas.

Nesses modelos, são selecionadas variáveis mais significativas para
a compreensão de fenômenos associados ao mundo real, permitindo
que a complexidade desse mundo real seja manipulada. A ênfase na
construção de modelos matemáticos é particularmente comum na Mi-

COMENTÁRIO croeconomia, resultando na identificação de funções que estabelecem
relações entre variáveis dependentes e independentes, e que recorrem,
Pressupostos comportamentais de forma sistemática, a representações algébricas e gráficas.

Define-se, assim, um homem econômi- ATENÇÃO
co essencialmente utilitarista, dotado
de desejos e vontades, cujo compor- Na construção de modelos de análise, a Microeconomia se vale de forma recorrente
tamento poderia ser explicado por au- à hipótese de que tudo o mais permanece constante (em latim, coeteris paribus).
tointeresses sujeitos às leis empíricas. O foco de estudo é dirigido apenas à determinada variável cujo efeito se pretende
O indivíduo maximizador é caracteri- investigar, supondo-se que outras variáveis interfiram muito pouco no fenômeno, ou
zado como unidade básica do sistema que não interfiram de maneira absoluta no período considerado.
econômico, de tal forma que os pressu-
postos relativos aos comportamentos Adotando-se essa hipótese, torna-se possível o estudo de um deter-
individuais seriam capazes de explicar minado fenômeno, selecionando-se apenas as variáveis que influen-
os fenômenos econômicos e sociais ciam mais diretamente o comportamento do mercado, o que envolve,
gerais, evidenciando uma perspectiva em algum grau, uma hierarquização da importância das variáveis uti-
assentada na noção de individualismo lizadas no modelo. Como exemplo, é possível mencionar situações nas
metodológico. quais a procura de uma mercadoria é normalmente mais afetada por
seu preço e pela renda dos consumidores.

Outro princípio metodológico geral importante no campo da Mi-
croeconomia refere-se a pressupostos comportamentais baseados em
uma racionalidade estritamente maximizadora por parte dos agentes.
Esse homem econômico maximizador não é real, mas necessário para a
construção lógica de um modelo de análise. A concepção do homem
econômico como agente racional maximizador é elaborada de modo a
oferecer uma solução para o problema de alocação de recursos em uma
perspectiva essencialmente estática.

Por outro lado, esse tipo de procedimento também envolve uma sim-
plificação da racionalidade e dos padrões de conduta dos agentes. No
caso das firmas, por exemplo, assume-se que a firma sempre busca a
maximização do lucro total, otimizando a utilização dos recursos de que
dispõe. Em contraste, é possível considerar correntes alternativas, ela-
boradas como crítica à Microeconomia tradicional, que assumem que
a racionalidade dos agentes pode ser essencialmente complexa, envol-
vendo múltiplos objetivos e restrições de diversos tipos.

Outra característica importante da Microeconomia é sua natureza está-
tico-comparativa, através da qual ela tende a confrontar duas ou mais situa-
ções de equilíbrio, sem se preocupar com o período intermediário entre as
situações inicial e final. Desse modo, não são considerados os ajustamen-
tos entre ambas situações nem a extensão do período de tempo em si.

EXEMPLO

Como exemplo, é possível considerar o impacto do lançamento de um tributo,
comparando-se a situação de equilíbrio presente antes da decisão governamen-

52 • capítulo 3

tal de lançar o tributo e aquela situação de equilíbrio após o tributo haver surtido COMENTÁRIO
todos os seus efeitos.
Análises de equilíbrio parcial
Do ponto de vista da representação gráfica dos modelos, essa ênfase
em análises de natureza estático-comparativa reflete-se, por exemplo, Uma análise de equilíbrio parcial, con-
na comparação entre duas situações de equilíbrio definidas em função trariamente a uma de equilíbrio geral,
do posicionamento das curvas que representam as forças que influen- pressupõe a abordagem de fenôme-
ciam o fenômeno investigado (oferta e demanda, por exemplo). nos econômicos de forma isolada ou
individual; considerando que os ajusta-
Por fim, uma característica importante das formulações no campo mentos que ocorrem no interior de um
da Microeconomia refere-se à ênfase em análises de equilíbrio parcial. mercado específico podem ser com-
Apesar do caráter simplificador desse tipo de procedimento, ele apre- preendidos isolando esse mercado em
senta uma série de vantagens, pois exige uma menor disponibilidade relação aos demais.
de informações do que uma análise de equilíbrio geral, possibilitando
o desenvolvimento de uma análise que, apesar de menos complexa, é
mais didática e mais fácil de ser compreendida.

Além disso, esse tipo de abordagem é operacionalmente mais exe-
quível do que a análise de equilíbrio geral, cujo desenvolvimento quase
sempre requer a utilização de um instrumental matemático complexo,
dada a quase total impossibilidade de conduzi-la graficamente.

A Teoria do consumidor e da demanda

Os agentes da demanda — os consumidores — são aqueles que se diri-
gem ao mercado com o intuito de adquirir um conjunto de bens e ser-
viços. Ao explicar o comportamento do consumidor, a Microeconomia
baseia-se na premissa fundamental de que as pessoas escolhem bens e
serviços e lhes atribuem mais valor em função da utilidade proporciona-
da pelos bens.

REFLEXÃO

A noção de utilidade articula-se ao conhecimento dos consumidores acerca da sa-
tisfação subjetiva proporcionada pelo consumo, que lhes permite hierarquizar bens
e conjuntos de bens (cestas de consumo). Apesar dessa utilidade não necessaria-
mente poder ser medida de forma absoluta, ao comparar e hierarquizar alternativas
de consumo, visando maximizar a sua utilidade, o consumidor estaria escolhendo o
conjunto de bens de consumo que mais lhe agrada.

Definindo-se aprioristicamente um intervalo qualquer para o perí-
odo de consumo, é possível perceber que, ao aumentar-se progressiva-
mente o consumo do bem naquele intervalo, o aumento da satisfação
proporcionada pelo consumo tende a ser progressivamente menor. Isso
significa que a utilidade total derivada do consumo do bem cresce na
medida em que se eleva a quantidade consumida, mas que o valor acres-

capítulo 3 • 53

COMENTÁRIO cido à utilidade total pela última unidade de bem consumida é tão me-
nor quanto maior for o total consumido de bens.
Utilidade marginal
A utilidade que a última unidade consumida acrescenta à utilidade
Do ponto de vista formal, a utilidade mar- total é denominada de utilidade marginal. Estabelece-se assim, a Lei da
ginal do consumo de um bem corres- utilidade marginal decrescente. Na Teoria do Consumidor, o preço máxi-
ponde ao crescimento da utilidade total mo que um consumidor está disposto a pagar por uma unidade adicio-
decorrente do consumo de uma unida- nal de um bem corresponde ao preço marginal de reserva.
de adicional desse bem. De uma forma
geral, a utilidade marginal de um bem di- Como o preço marginal de reserva é maior quanto maior for a utilidade
minui na medida em que aumenta o seu acrescentada por uma unidade adicional do bem, ou seja, quanto maior for
consumo. Estabelece-se assim, a lei da a utilidade marginal, conclui-se que o preço marginal de reserva correspon-
utilidade marginal decrescente. de a uma medida da utilidade marginal. O fato de o preço marginal de reser-
va ser decrescente decorre da lei da utilidade marginal decrescente.

COMENTÁRIO Uma abordagem complementar à descrita envolve a tentativa de re-
presentar as características da utilidade do consumidor através de um
Demanda individual modelo passível de representação matemática ou gráfica.

Basicamente, corresponde a um con- Do ponto de vista matemático, esse esforço de modelização implica
junto de escolhas do consumidor no na definição de uma função utilidade que relaciona uma medida qual-
intuito de maximizar a sua utilidade, ou quer de utilidade com a quantidade consumida dos diferentes bens. As
satisfação, quando ocorrem variações propriedades dessa função refletem as características do comportamen-
autônomas do preço de um bem parti- to do consumidor anteriormente descritas, com a utilidade marginal de
cular. Assim, a demanda individual cor- cada bem estando associada à variação da utilidade total gerada por va-
responde a um desejo, ou a um plano, riações nas quantidades consumidas do bem respectivo.
representando o máximo a que o consu-
midor pode aspirar em termos da aqui- Do ponto de vista das escolhas do consumidor, estas se baseiam em
sição de um bem, quando confrontado um esforço para maximizar a função utilidade sujeita a restrições defini-
com um nível particular do preço daque- das pela renda disponível e pelos preços dos bens a serem adquiridos.
le bem, dada sua renda e os preços dos
demais bens. EXEMPLO

Um exemplo simples é o de uma família decidindo sobre seus gastos em um perío-
do de tempo. Definem-se, assim, escolhas de equilíbrio, referentes à composição da
cesta de consumo com os diversos bens, baseadas na hipótese de que esse equilíbrio
requer que o acréscimo de utilidade por unidade monetária direcionada à aquisição
de cada bem seja equivalente para todos os bens.

No processo de escolha, o consumidor confronta e compatibiliza a
taxa pela qual deseja substituir bens, de forma a obter maior satisfação
do consumo, com a taxa pela qual ele efetivamente pode substituir esses
bens no processo de aquisição dos bens, dados os respectivos preços e
a sua limitação de renda. Os fatores descritos permitem identificar os
elementos que interferem na construção da demanda individual.

Desse modo, a função demanda corresponde a uma relação entre quan-
tidades desejadas e diferentes níveis de preço de um determinado bem,
considerando outros elementos que poderiam afetar aquelas decisões.

54 • capítulo 3

REFLEXÃO CONCEITO

Em particular, a demanda pode ser associada a um conjunto mais amplo de fatores Elasticidade
ou variáveis que influenciam a decisão de consumo de um bem particular, tais como:
o nível de riqueza do consumidor (relativamente independente de sua renda nomi- O estudo da elasticidade é amplamen-
nal), a sua renda nominal, o preço dos outros bens, fatores climáticos e sazonais, a te utilizado na Microeconomia, pro-
intensidade da propaganda e disponibilidade de informações sobre o bem, os hábi- curando quantificar as relações entre
tos, gostos, preferências dos consumidores, expectativas sobre o futuro que afetam duas variáveis. Especificamente, esse
as decisões de consumo e facilidades de crédito. estudo envolve a relação entre as va-
riações proporcionais (ou percentuais)
A análise da demanda individual baseia-se na hipótese de que ocor- das variáveis investigadas. Dentre es-
rem variações no preço do bem em questão e que os demais fatores sas aplicações destaca-se a noção de
permanecem constantes. A função (ou curva) de demanda individual elasticidade-preço da demanda, que
é construída a partir da identificação das escolhas realizadas pelo con- tem um papel importante na análise da
sumidor para cada nível de preços do bem, considerando a hipótese de demanda do consumidor e das deci-
que esse consumidor busca maximizar a satisfação ou utilidade propor- sões empresariais.
cionada pelo consumo.

Desse modo, os impactos de variações do preço do bem são capta-
dos por deslocamentos ao longo da curva de demanda. Por outro lado,
os impactos de variações dos outros fatores considerados constantes na
análise (preços dos demais bens, renda do consumidor e gostos e prefe-
rências) são captados através de deslocamentos da curva de demanda.

ATENÇÃO

Cada consumidor tem uma curva de demanda ao longo da qual a quantidade deman-
dada pode ser relacionada com o preço, que apresenta uma inclinação para baixo e
para a direita. A curva da demanda de um bem para a totalidade do mercado, por sua
vez, é obtida pela soma das quantidades demandadas por todos os consumidores.

Para obter uma medida quantitativa dos efeitos de variações de pre-
ços e rendimento sobre as decisões de consumo, é usual avaliar-se a
elasticidade da demanda de um bem.

A elasticidade-preço da demanda mede a variação proporcional da
quantidade demandada de um bem quando o seu preço varia. Uma de-
finição precisa dessa elasticidade é dada pela variação percentual da
quantidade demandada dividida pela variação percentual do preço. As
elasticidades-preço dos bens, que refletem a sua sensibilidade em rela-
ção às variações do preço, são muito diversificadas.

ATENÇÃO

Quando a elasticidade-preço de um bem é elevada, dizemos que o bem tem uma
procura elástica, o que significa que a quantidade da sua procura responde for-
temente às variações do preço. Quando a elasticidade de um bem é fraca, diz-se

capítulo 3 • 55

CONCEITO que a demanda é inelástica, pois a quantidade demandada responde fracamente
às variações do preço.
Empresa ou firma
Na análise do comportamento do consumidor é importante conside-
Basicamente, a concepção de firma da rar os fatores que influenciam a elasticidade-preço da procura. Um primei-
Microeconomia tradicional é elaborada ro fator refere-se à essencialidade do consumo do bem. Neste sentido, ob-
a partir de uma perspectiva funcional do serva-se que a procura de bens de primeira necessidade como alimentos
processo de alocação de recursos. A fir- básicos, energia e medicamentos, tende a ser rígida, e, portanto, inelás-
ma é vista como uma instância interme- tica, pois não se pode facilmente prescindir deles quando os seus preços
diária que compra insumos (inputs, fato- aumentam. Por outro lado, outros bens podem substituir artigos de luxo
res de produção), combina-os segundo não essenciais, quando estes sobem de preço, o que torna a sua demanda
um processo de produção escolhido, e mais elástica. Além disso, os bens que têm substitutos imediatos tendem
vende produtos (outputs) no mercado, a ter demandas mais elásticas do que os que não têm substitutos.
procurando maximizar seus resultados
em termos de produção e lucro. EXEMPLO


Por exemplo, a gasolina é um bem com demanda inelástica, pois é difícil ser substi-
tuída, principalmente no curto prazo.

A Teoria da Produção

O desenvolvimento da Teoria da Produção requer, de início, a especifi-
cação de alguns conceitos fundamentais que lhe dão sustentação. Um
primeiro conceito básico refere-se à concepção de empresa ou firma.

Na Teoria da Produção, as formas como os insumos são combinados
constituem os métodos ou técnicas de produção, que podem ser inten-
sivos em mão de obra (utilizam mais mão de obra em relação a outros
insumos), intensivos em capital ou intensivo em recursos naturais, de-
pendendo do fator de produção utilizado em maior quantidade, relati-
vamente aos demais.

ATENÇÃO

No âmbito da teoria da produção, é possível distinguir também os conceitos de tecnolo-
gia e de método de produção. A tecnologia corresponde a um inventário dos métodos de
produção conhecidos, representando o estado das artes em termos de conhecimentos
na esfera da produção. Em geral, supõe-se tecnologia dada e possível de ser acessada
pelos diversos produtores. Já os Métodos ou Técnicas de Produção envolvem diferentes
combinações dos fatores de produção, a um dado nível de tecnologia.

A escolha do método ou processo de produção depende de sua efici-
ência, que pode ser analisada tanto do ponto de vista técnico ou tecno-
lógico, como do ponto de vista econômico. Um método é tecnicamente

56 • capítulo 3

eficiente quando, comparado com outros métodos, utiliza menor quanti- CONCEITO
dade de insumos para produzir uma quantidade equivalente do produto.
Excedente do produtor
REFLEXÃO
Do ponto de vista formal, o excedente
Na análise microeconômica padrão, assume-se que é sempre possível, ao produtor, do produtor equivale à diferença entre
utilizar a maneira mais eficiente de combinar os fatores e, consequentemente, obter a receita total obtida com a produção e
a maior quantidade produzida do produto. os custos variáveis totais em que a firma
incorre para viabilizar a produção.
Na órbita da produção, o produtor tem como objetivo a minimização do
custo da contratação de fatores, dada a restrição técnica da função de pro-
dução, ou a maximização da produção, dada a restrição dos preços dos fato-
res. Ao contratar fatores, o produtor deve confrontar as alternativas técnicas
de produção com os preços efetivamente praticados nessa contratação.

Uma vez definidas as quantidades contratadas de fatores, definem-se os
custos de produção que irão orientar as decisões empresariais. A relevância
da análise dos custos decorre da influência que os mesmos exercem nas de-
cisões empresariais relativas a preços, níveis de produção e lucro.

REFLEXÃO

Nesse sentido, é importante considerar que os economistas e contadores têm for-
mas diferentes de considerar os custos. No plano contábil, os custos referem-se às
despesas correntes somadas às despesas ocasionadas pela depreciação dos equi-
pamentos de capital. Já os custos econômicos têm como referência o contexto de
escassez, que faz com que, ao alocar recursos de uma determinada maneira, se es-
teja abrindo mão de alocações alternativas que poderiam, eventualmente, apresentar
um rendimento superior. Desse modo, os custos econômicos devem levar em conta
os custos de oportunidade que estão associados às oportunidades que são deixadas
de lado, caso a empresa não empregue seus recursos da maneira mais rentável.

A empresa retratada pela Microeconomia é uma organização que
combina e organiza os recursos com a finalidade de produção de bens ou
serviços. A teoria da firma baseia-se na suposição de que as decisões pro-
dutivas da firma estão baseadas em princípios de maximização de lucro.

Os ganhos do produtor se originam porque o valor mínimo que eles
exigiriam para ofertar esse produto pode ser menor do que o valor efetiva-
mente obtido no mercado (isto é, o preço do produto). Define-se, assim, a
noção de excedente do produtor, dado pela diferença entre o preço míni-
mo que o produtor requer para produzir uma determinada quantidade de
produto e o que ele efetivamente recebe pelo venda do mesmo.

O excedente verifica-se quando o produtor recebe mais do que gasta
com fatores variáveis, representando o comprometimento direto de re-
cursos com a produção.

capítulo 3 • 57

Equilíbrio de mercado e bem-estar

As interações entre demanda e oferta de mercado definem o equilíbrio de mercado para um bem
ou serviço particular, demonstrando que a quantidade que os consumidores desejam comprar
é exatamente igual à quantidade que os produtores desejam vender. Desse modo, a noção de
equilíbrio de mercado corresponde à coincidência de desejos entre consumidores e produto-
res, evidenciando uma situação onde não há excesso ou escassez de oferta ou de demanda.

Esse equilíbrio pode ser caracterizado como estável, pois, supondo uma economia de
mercado, o mecanismo de preços leva automaticamente ao equilíbrio. No entanto, quando
ocorre excesso de oferta, os vendedores com estoques não planejados terão que diminuir
seus preços, concorrendo pelos escassos consumidores. Já quando ocorre um excesso de
demanda, os consumidores estarão dispostos a pagar mais pelos produtos escassos. Essas
ações resultam em ajustes de preços.

ATENÇÃO

A igualação entre demanda e oferta de mercado, de modo a definir o equilíbrio de mercado para um
bem ou serviço particular, representa um retrato estático do mercado em um determinado intervalo, su-
postamente abstrato, de tempo. Na realidade, os mercados são dinâmicos e sofrem tanto a influência de
mudanças de parâmetros e fatores supostamente constantes, que afetam as funções (curvas) demanda e
oferta, como uma série de influências do ambiente externo, decorrentes de ações do governo, mudanças
em outros mercados, e, também, de eventos fortuitos e imprevisíveis, como uma geada, uma guerra etc.

Algumas possíveis perturbações podem ser consideradas para entender esses impac-
tos no equilíbrio. Uma elevação da renda real (aumento do poder aquisitivo) dos consumi-
dores, por exemplo. Em função do aumento de preços, gera-se um excesso de demanda
que vai progressivamente se reduzir em função do aumento de preços, até acabar, no
novo equilíbrio.

Também serve de exemplo a diminuição dos preços das matérias-primas usadas na pro-
dução do bem. De forma análoga à situação anterior, é gerado um excesso de oferta ao pre-
ço anterior e uma tendência à redução do preço, até que se atinja um novo ponto de equilí-
brio a preço inferior e em uma quantidade maior.

Análise de estruturas de mercado

A análise microeconômica padrão do equilíbrio de mercado é elaborada em um contexto
de forte atomização do número de produtores e consumidores, que caracteriza a denomi-
nada situação de concorrência perfeita ou de mercados competitivos.

A estrutura de mercado caracterizada por concorrência perfeita é uma concepção ideal
(ou abstração), pois os mercados altamente concorrenciais existentes, na realidade, são
apenas aproximações desse modelo.

58 • capítulo 3

ATENÇÃO COMENTÁRIO

Hipóteses básicas de um mercado que opere em regime de concor- Concepção ideal
rência perfeita:
Do ponto de vista metodológico é
1) existência de um grande número de compradores e vendedores, refletindo uma mais útil construir inicialmente mode-
situação de mercado atomizado; los simples, e depois incorporar novos
2) produtos homogêneos, ou seja, substitutos perfeitos entre si, fazendo com que detalhes, do que construir diretamente
não possa haver preços diferentes no mercado; modelos com todos os detalhes da rea-
3) completa informação e conhecimento sobre o preço do produto, refletindo uma lidade, que é muito complexa, que pode
situação de transparência do mercado; encobrir algumas relações básicas.
4) livre entrada e saída de firmas no mercado, refletindo uma situação de ausên-
cia de barreiras possibilitando uma livre mobilidade, que permite às firmas menos
eficientes saírem do mercado, e que as firmas mais eficientes se desloquem para
o mesmo;
5) racionalidade forte (ou substantiva) por parte dos agentes, que faz com que as
empresas sempre maximizem o seu lucro e os consumidores maximizem a satisfa-
ção ou utilidade derivada do consumo de um bem.

Em condições de concorrência perfeita, os agentes operam, funda-
mentalmente, como tomadores de preço (price-takers). Em outros termos,
o preço de mercado é um dado fixado para empresas e consumidores.
Uma empresa perfeitamente concorrencial vende um produto homogê-
neo, e é tão pequena em relação ao seu mercado, que não pode influenciar
o preço de mercado; apenas pode aceitar este preço como um dado.

ATENÇÃO

Essas hipóteses ideais refletem um mercado sem barreiras, sem interferências e
sem poder de mercado, sendo, de certo modo, pouco realistas. Quando algumas
dessas condições não são verificadas, observamos outras estruturas de mercado
(monopólio, oligopólio, entre outras), e as decisões de empresas e consumidores
tornam-se mais complexas.

Outro aspecto importante refere-se aos níveis de eficiência e bem-
-estar proporcionados por um setor que opere em condições de concor-
rência perfeita. Nesse sentido, uma das principais conclusões de análise
microeconômica tradicional é que a alocação de recursos em mercados
perfeitamente concorrenciais é eficiente.

REFLEXÃO

Assume-se que qualquer sociedade ou organização alcançará uma melhor alocação (ou
o máximo de eficiência) de seus recursos, na medida em que o preço se iguale ao custo
marginal, operando, nesse caso, na fronteira das possibilidades de produção.

capítulo 3 • 59

CONCEITO A análise de outros tipos de estruturas de mercado, na Microecono-
mia tradicional, é realizada, inicialmente, contrapondo-se à situação de
Monopólio concorrência perfeita ao seu oposto, a situação de monopólio.

O monopólio, por si só, corresponde à Uma hipótese implícita no comportamento do monopolista é que
situação na qual uma empresa detém ele não acredita que os lucros elevados que obtém no curto prazo
100% das vendas de um determinado possam atrair concorrentes, ou que os preços elevados possam afu-
mercado. Na condição de único produtor, gentar os consumidores (na medida em que oferta um produto sem
o monopolista encontra-se em posição substitutos próximos).
privilegiada, pois não concorre com ou-
tras firmas e absorve todo o mercado. O Contudo, isto não significa que o monopolista possa cobrar o pre-
monopólio puro também é uma situação ço que desejar pelo seu produto, pois esse preço encontra-se limitado
de mercado dificilmente encontrada no pela sua demanda (que corresponde à própria demanda do mercado)
mundo real, particularmente no caso de ou, mais especificamente, pela elasticidade-preço dessa demanda. As-
mercados rentáveis operados pela ini- sim, se o monopolista resolver oferecer mais, o preço cairá, e se produzir
ciativa privada. Situações de monopólio menos, o preço subirá.
puro tendem a ser mais comuns no setor
público, principalmente em setores de Alguns fatores podem ser destacados como razões para o surgimen-
serviços básicos de infraestrutura. to e a manutenção de monopólios. Essencialmente, trabalharemos no
quadro a seguir com três deles, e na continuação com o quarto fator:

CONCEITO Causa Descrição

Monopólio natural PATENTE Pode conferir a uma determinada firma uma
posição monopolista, dependendo do tempo de
Corresponde à situação na qual uma duração da patente no mercado em que opera.
única empresa pode produzir e ofertar
para todo o mercado, com um custo ACESSO EXCLUSIVO O acesso exclusivo a determinada matéria-prima
médio inferior ao que existiria em uma À MATÉRIA-PRIMA essencial confere à firma uma posição de monopó-
situação em que houvesse duas ou mais
empresas. Nessas condições, é mais lio no processo de fabricação.
eficiente e melhor para a sociedade dei-
xar que a empresa atenda ao mercado EXPERIÊNCIA DA Pode levar à consolidação de posições de mono-
sozinha do que deixar outras empresas EMPRESA pólio, devido à dificuldade que novos produtores
entrarem no mercado para competir. teriam para convencer os consumidores a adquirir

os seus produtos

Por fim, a causa mais comum de monopólio refere-se às situações ca-
racterizadas como monopólio natural. Ele surge onde as economias de es-
cala são importantes, como, por exemplo, no caso das empresas de trans-
missão de energia elétrica e, principalmente, quando essas economias se
combinam com um mercado de dimensões limitadas.

Os resultados do monopólio são preços maiores e menores quanti-
dades para os consumidores, o que significa que o monopólio é uma es-
trutura de mercado ineficiente para a sociedade. Neste sentido, a teoria
microeconômica tradicional argumenta que a presença de uma estrutura

60 • capítulo 3

monopolista impõe custos sociais. Desse modo, supondo que um setor CONCEITO
operando em regime de concorrência perfeita fosse monopolizado, o efei-
to direto seria a elevação do preço e a redução da produção. Oligopólio

REFLEXÃO O termo oligopólio significa poucos pro-
dutores, mas esse número pode ser va-
A eficiência econômica sob monopólio não é máxima, porque o monopolista não riável. O reduzido número de produtores
utiliza necessariamente uma planta de produção ótima ou não produz a quantidade faz com que as ações de uma empresa
ótima, dada a escala de planta existente. Por outro lado, em termos do nível de bem- afetem diretamente as demais, carac-
-estar, é possível demonstrar que o efeito líquido do aumento do preço e da redução terizando uma situação de interdepen-
da quantidade produzida, na passagem de uma situação competitiva para uma situ- dência estratégica entre os produtores.
ação de monopólio, é a redução do nível geral de excedente econômico, repartido Como todos os produtores são impor-
entre excedente do consumidor e excedente do produtor. tantes, ou possuem uma parcela de
mercado (market share) significativa, as
As duas situações distintas de estruturas de mercado discutidas até decisões sobre o preço e a produção de
o momento — concorrência perfeita e monopólio — apresentam-se ex- equilíbrio são interdependentes.
cessivamente estilizadas, constituindo um quadro de referência geral
que pode ser utilizado para auxiliar o estudo de estruturas de mercado
mais próximas da realidade. COMENTÁRIO

O oligopólio é uma estrutura de mercado intermediária entre a con- Interdependência estratégica
corrência pura e o monopólio puro, caracterizado pela existência de um
reduzido número de produtores e vendedores, produzindo produtos A interação estratégica característica
que são substitutos próximos entre si. do oligopólio inspirou o desenvolvimen-
to da teoria dos jogos, uma forma de
Os setores oligopolistas são bastante comuns na Economia, abran- representação das decisões das firmas
gendo desde bens de consumo duráveis, como os eletrodomésticos em na qual a estratégia de cada empresa,
geral e os automóveis, até bens de consumo não duráveis, estando parti- e o retorno proporcionado, depende do
cularmente vinculados à marca do produto. comportamento dos concorrentes.

A interdependência estratégica entre as decisões das firmas atuan-
tes em oligopólio faz com que a ação de uma empresa possa produzir
efeitos diretos, e muitas vezes deletérios, sobre as empresas concor-
rentes, resultando em uma possibilidade de concorrência, em algum
grau, predatória entre elas. Por outro lado, há momentos nos quais duas
empresas podem optar por não competir e, sim, cooperar, visando, por
exemplo, evitar uma guerra de preços entre elas.

Em particular, quando operam poucas empresas em um mercado,
as mesmas tendem a reconhecer a interdependência estratégica e a
buscar algum tipo de coordenação das suas decisões, visando minimi-
zar a competição.

ATENÇÃO

A noção de conluio em oligopólio corresponde a uma situação em que duas ou mais
empresas estabelecem em conjunto os seus preços ou as quantidades produzidas,
repartindo entre si o mercado ou tomando em conjunto outras decisões produtivas.
Quando as empresas estabelecem algum tipo de conluio, em geral, elas tendem a fixar

capítulo 3 • 61

CONCEITO preços idênticos elevados, aumentando os lucros e diminuindo o risco da atividade.
Em geral, as empresas de um oligopólio tendem a estabelecer conluios no intuito de
Poder de mercado estabelecer um preço que maximize o conjunto dos seus lucros. Na literatura microe-
conômica costuma-se atribuir a denominação de cartel a esse tipo de conluio.
Pode ser definido como o poder de uma
empresa de fixar preços, significativa e Outros tipos de estruturas de mercado estão mais diretamente asso-
persistentemente, acima do nível com- ciados à organização dos mercados de fatores. No caso do monopsônio,
petitivo, com efeito lucrativo. Os consu- a estrutura de mercado é caracterizada pela existência de muitos ven-
midores compram menos produtos do dedores e um único comprador. No caso da organização do mercado de
que fariam em concorrência, pelo que a trabalho, por exemplo, ou os trabalhadores empregam-se no monopsô-
satisfação do consumidor é diminuída. nio, ou precisam trabalhar em outra atividade.

É possível também caracterizar uma situação de oligopsônio, na
qual se observa um pequeno número de firmas compradoras de um de-
terminado produto, como, por exemplo, no caso da compra de autope-
ças pelo setor automobilístico.

Já a situação de monopólio bilateral corresponde àquela na qual se
defrontam no mercado um único produtor (monopolista) e um único
comprador (monopsonista). Nessas condições, o monopolista deseja
vender uma dada quantidade de produto por um preço relativamente
alto, e o monopsonista pretende comprar a mesma quantidade por um
preço o mais baixo possível. Como ambas as posições são conflitantes,
somente a negociação recíproca permite a definição do preço. Desse
modo, o preço final dependerá do poder de barganha e negociação de
cada um dos oponentes.

Se uma empresa pode influenciar o preço de mercado dos bens que
produz, então a empresa é classificada como um concorrente imperfeito.
Uma característica básica da concorrência imperfeita é a presença de al-
gum poder de mercado por parte dos produtores, relacionado ao grau de
controle que uma única empresa ou um pequeno número de empresas
têm sobre um preço e as decisões de produção de um ramo de atividade.

No entanto, deve-se considerar, também, que o poder de mercado
pode representar um estímulo para que as grandes empresas venham a
explorar economias de escala e a intensificar a introdução de inovações
no mercado, podendo gerar ganhos de produtividade que impulsionam
o crescimento econômico no longo prazo.

REFLEXÃO

Nesse sentido, uma das principais justificativas para se aceitar algum grau de con-
corrência imperfeita refere-se à constatação de que as grandes empresas são
responsáveis por grande parte dos esforços em pesquisa, desenvolvimento e inova-
ção em uma Economia moderna. Por outro lado, a concorrência imperfeita, em geral,
conduz a preços que estão acima dos custos marginais.

62 • capítulo 3

Além disso, às vezes, sem o incentivo da concorrência, a qualidade do CONCEITO
produto e serviço tende a se deteriorar e, tanto o preço elevado como a fra-
ca qualidade, são resultados indesejados. Cabe destacar, também, que o Falhas de mercado
exercício do poder de mercado não se limita à elevação de preços, poden-
do envolver, do ponto de vista jurídico, o abuso da posição dominante da Essas falhas ocorrem quando o merca-
firma no mercado (contra consumidores, empresas menores etc.), através do, por si mesmo, fracassa em alocar
de condutas consideradas anticompetitivas de diversos tipos. recursos de forma eficiente e os preços
podem não estar refletindo os reais inte-
ATENÇÃO resses da sociedade. Quando o merca-
do falha, o governo pode intervir a fim de
Essas características estimulam o monitoramento dessas estruturas pela política go- promover eficiência e o bem-estar geral.
vernamental, de modo a evitar possíveis efeitos danosos sobre os níveis de eficiência
e bem-estar, através da denominada política de defesa da concorrência.

Falhas de mercado

As análises da Microeconomia tradicional são elaboradas, inicialmente,
em um contexto onde não há imperfeição nos mercados, caracterizados
de forma bastante estilizada. No entanto, essas análises também avan-
çam no sentido da identificação de algumas falhas de mercado que re-
querem qualificações daquelas análises.

Além da concorrência imperfeita, caracterizada ela própria como
falha de mercado, é possível destacar três tipos tradicionais de falhas:
externalidades, bens públicos e assimetrias de informações.

As externalidades (ou economias externas) representam influências de
fatores externos nos custos das firmas e na satisfação dos consumidores.

EXEMPLO

Por exemplo, uma empresa industrial pode emitir poluentes, causando prejuízo em
moradias da vizinhança e prejudicando a saúde das pessoas. Se a empresa não
paga por esses impactos prejudiciais, a poluição será ineficientemente elevada e o
bem-estar dos consumidores prejudicado.

Observa-se também que nem todas as externalidades são prejudi-
ciais. Algumas são benéficas, como as que derivam de programas edu-
cacionais, da atividade de desenvolvimento científico ou de programas
de saúde pública. A educação se destaca como caso de geração de exter-
nalidades positivas, pois não traz benefícios somente para aqueles indi-
víduos que a recebem diretamente, mas para toda a coletividade, pois
indivíduos mais educados cuidam melhor da saúde, dirigem com mais
cuidado, são mais produtivos etc.

capítulo 3 • 63

CONCEITO ATENÇÃO

Assimetria de informações De uma forma geral, na presença de externalidades negativas, o governo deverá agir
de modo a provocar desestímulos às atividades causadoras de perda de bem-estar.
A assimetria de informações reflete os Já no caso de externalidades positivas, o governo deverá agir no sentido de estimu-
diferentes graus de conhecimento entre lar a atividade produtora de melhorias de bem-estar.
compradores e vendedores, que pode
resultar em um maior benefício para Um segundo tipo de falha de mercado refere-se à provisão de bens
uma das partes envolvidas em uma tran- públicos. Essa provisão é considerada uma falha de mercado por envol-
sação ou um contrato, em detrimento da ver uma classe de bens que não pode ser garantida pelo mercado, em
outra. Quando isso ocorre, identifica-se função de determinadas características, tornando sua oferta possível
a possibilidade de perdas de eficiência. somente pelo Estado. Nesse sentido, duas características dos bens pú-
blicos podem ser destacadas:

1) o seu caráter não exclusivo

Identificado quando seu consumo não pode ser impedido, mesmo para
aqueles indivíduos que eventualmente não pagaram por ele, como no
caso da segurança, justiça e iluminação pública.

2) o seu caráter não disputável (ou não rival)

Identificado quando o seu consumo não repercute na indisponibilidade
do mesmo bem para outras pessoas, possibilitando que o mesmo seja
consumido por vários indivíduos simultaneamente, como também ocorre
nos casos da iluminação pública e da segurança.

Nessas condições, torna-se impraticável qualquer tentativa de impe-
dir que determinadas pessoas não usufruam o bem ou serviço em ques-
tão, pois o custo de exclusão do não pagante seria extremamente eleva-
do. Por outro lado, a principal dificuldade encontrada pelo mercado na
provisão de bens públicos refere-se ao problema do free rider (carona),
identificado como um indivíduo que usufrui um bem de forma descon-
trolada, mesmo não tendo pago por ele, cuja exclusão do mercado se
mostra extremamente difícil e onerosa, o que desestimula o provimento
desses bens pelo setor privado e justifica seu fornecimento pelo Estado.

Um terceiro tipo de falha de mercado refere-se a um contexto de infor-
mação imperfeita, que se contrapõe à visão tradicional de que os compra-
dores e vendedores têm informação completa acerca dos bens e serviços
que compram e vendem. Em particular, a assimetria de informações cons-
titui em uma violação da hipótese de que todos os agentes econômicos
possuem pleno conhecimento do mercado (ou informações simétricas).

Nesses casos, uma das funções do governo é identificar aquelas áreas em
que as deficiências de informação são economicamente significativas - como
no caso de medicamentos e seguro-saúde - e encontrar soluções apropriadas.

64 • capítulo 3

Da Microeconomia tradicional para a organização
industrial

A Organização Industrial estrutura-se como desdobramento da Microeconomia tradicio-
nal, tendo como foco a análise das estruturas de mercados a partir de um forte embasa-
mento empírico e da tentativa de captar de forma mais fidedigna a complexidade das deci-
sões empresariais e as condições concretas da concorrência que vigoram em cada contexto.
Nesse sentido, ela pode ser definida como a aplicação da Microeconomia à análise das fir-
mas, mercados e indústrias.

ATENÇÃO

Envolve, portanto, o estudo dos fatores determinantes da formação de diferentes estruturas industriais e
de suas transformações ao longo do tempo, bem como o estudo das decisões e estratégias empresariais,
em um ambiente caracterizado por incerteza e informação imperfeita (limitada).

Um aspecto central desse tipo de abordagem refere-se à base empírica da teoria, discu-
tindo-se como o comportamento e a performance das firmas e mercados podem ser expli-
cados e previstos com base em dados observados. Em particular, as análises nesse campo
buscam aplicar a teoria microeconômica e o instrumental econométrico para analisar fir-
mas e mercados, assumindo que as formulações teóricas e o trabalho empírico são igual-
mente importantes para gerar resultados relevantes. Observa-se também uma preocupação
particular com a forma como a intervenção governamental influencia o comportamento da
firma e a performance do mercado.

REFLEXÃO

Em termos do objeto e escopo da Organização Industrial, verifica-se uma ampliação do foco em
relação à Microeconomia tradicional, abandonando-se a ênfase em mercados de competição pura
e voltando-se para o estudo de situações onde os mercados apresentam falhas relativamente gene-
ralizadas, em um contexto no qual os mercados oligopolizados constituem a regra e não a exceção.
Além disso, como os oligopólios variam substancialmente, seria importante considerar e descrever as
características estruturais dessas indústrias.

Nessas análises, as firmas apresentam-se heterogêneas entre si, não apenas em termos
de tamanho e rentabilidade, como também em termos de diversas outras dimensões, como
tipos de produtos, processos produtivos, formas organizacionais, marcas, localização, redes
de distribuição etc. Além disso, observa-se que determinadas firmas são capazes de sustentar
lucros acima da média da indústria, apresentando uma vantagem competitiva em relação aos
concorrentes, cuja fonte é tipicamente algum recurso ou competência difícil de imitar (tec-
nologias particulares, segredos de mercados, marcas etc.).

A elaboração de análises que utilizam como referência geral o denominado modelo Es-
trutura-Conduta-Desempenho é bastante comum no campo da Organização Industrial.

A estrutura de mercado depende, incialmente, das condições essenciais da demanda

capítulo 3 • 65

COMENTÁRIO e da oferta. No caso das condições da demanda, destacam-se a elasti-
cidade-preço, as elasticidades cruzadas e a tendência de crescimento
Barreiras à entrada do mercado, entre outros. No caso da oferta, é possível destacar a lo-
calização e posse de fontes de matérias-primas, as características da
Essas barreiras são relacionadas a fa- tecnologia, a ação dos sindicatos, e aspectos legais, políticos e éticos
tores que dificultam a entrada de novas vinculados à produção.
empresas em uma determinada indús-
tria. Quando essas barreiras são eleva- ATENÇÃO
das, uma indústria tende a ter um núme-
ro pequeno de empresas e uma pressão Na análise estrutural de um mercado, particular ênfase é atribuída ao grau de
reduzida para competirem. A presença concentração da oferta, ao grau de diferenciação do produto e à natureza das
de barreiras à entrada de concorrentes barreiras à entrada.
potenciais em um mercado oligopolista
permite às empresas mais bem situadas No tocante à conduta dos agentes, procura-se discutir como os preços são
praticarem preços acima do nível com- fixados, a estratégia de desenvolvimento do produto e marketing, o compor-
petitivo, embora, em geral, abaixo do ní- tamento legal das empresas e suas estratégias de crescimento, inclusive no
vel de maximização de monopólio. que se refere à expansão para novos mercados, via diversificação.

Em termos do desempenho, a preocupação recai na análise da efici-
ência, equidade, criação de empregos e qualidade do produto.

Em especial, as análises desenvolvidas no campo da Organização Indus-
trial atribuem particular importância ao impacto da presença de barreiras
à entrada sobre as condições efetivas da concorrência em cada mercado.

ATENÇÃO

As principais fontes de barreiras à entrada, de natureza estrutural, mencionadas pela
literatura são as seguintes:
1) economias de escala de natureza técnica ou pecuniária;
2) vantagens absolutas de custos;
3) vantagens de diferenciação de produtos;
4) requisitos mínimos de capital;
5) economias de escopo.

Por outro lado, além das barreiras estruturais, relacionadas às condi-
ções objetivas da produção em determinada indústria, comparativamen-
te às firmas entrantes, é possível mencionar também barreiras à entrada
de natureza estratégica, baseadas principalmente em sinalizações das
firmas estabelecidas no tocante ao seu padrão de resposta, ou reação, à
possibilidade de entrada de novas firmas no mercado em que operam.

No âmbito da Organização Industrial, a análise do processo de to-
mada de decisões da firma, em mercados oligopolistas, recai, neces-
sariamente, na discussão do ambiente em que ela se insere, pois a sua
interpretação desse ambiente, e de seus concorrentes, condiciona o seu
processo de tomada de decisões.

66 • capítulo 3

ATENÇÃO

Dependendo do modelo de análise, o ambiente econômico em que ocorre o processo de tomada de
decisões pode ser considerado como uma variável endógena, na medida em que uma decisão da firma
poderá resultar em mudanças nesse ambiente em que atua.

Aspectos políticos, institucionais, legais e sociais se somam às características específi-
cas do mercado de forma a delimitar o ambiente concorrencial no qual a firma opera. Desse
modo, o ambiente concorrencial é constituído historicamente a partir das interações entre
agentes e da mediação de instituições, validando as decisões tomadas no presente e propor-
cionando uma base para a formação de expectativa quanto ao futuro.

Nesse contexto, as decisões das empresas, ao contrário do proposto pela Microecono-
mia tradicional, não são uniformes, baseando-se em uma racionalidade essencialmente
complexa, que lhes permita identificar, hierarquizar e interpretar o ambiente competitivo
em que operam, com base nas suas expectativas e considerando as incertezas inerentes ao
processo concorrencial.

REFLEXÃO

A empresa traduz esse processo na sua estratégia, procurando, a partir da mesma, se posicionar no ambiente
em que opera, visando explorar oportunidades que surgem em função de mutações econômicas. Desse
modo, a estratégia competitiva da firma pode ser definida como a sua capacidade de estabelecer formas de
ações planejadas e deliberadas a partir da compreensão do seu objetivo e de suas características, aliada à
flexibilidade para compreender o ambiente e a sua estrutura de mercado.

Nessa perspectiva, a estratégia competitiva não é um conceito estanque, alterando-se e
adaptando-se ao ambiente e variando de empresa para empresa, em função de suas capa-
citações e competências. A capacitação da firma é entendida como um conceito absoluto,
estando associada às habilidades para produzir um produto. Já a noção de competência
considera as habilidades como algo relativo, sendo determinada a partir de um padrão par-
ticular de produção de mercado.

capítulo 3 • 67



4 A Abordagem
Macroeconômica
carmem aparecida feijó

4 Abordagem macroeconômica

CONCEITO Por que precisamos de uma teoria macroeconômica? A ideia intuitiva é
simples: resultados agregados, ou seja, para toda a Economia, nem sempre
Sistema de contabilidade correspondem àquilo que agentes econômicos individuais planejaram.
nacional
Justamente porque desapontamentos em relação ao que seria espe-
O SCN é, como o próprio nome sugere, rado ocorrem, a teoria econômica identifica a Macroeconomia como
um sistema contábil que apresenta uma um campo de estudo próprio, cujo objeto é explicar como os desdobra-
espécie de fotografia bem detalhada da mentos de decisões individuais no agregado resultam em flutuações do
Economia em um determinado período nível de produto, preços e emprego no curto prazo.
de tempo. Esse sistema é elaborado, em
geral, pelo órgão central de estatística ATENÇÃO
dos países, no caso do Brasil, o IBGE.
Entende-se que flutuações reduzem o bem-estar da população; portanto, devem ser
evitadas ou, no mínimo, suavizadas.

Neste capítulo, vamos apresentar os principais conceitos e relações
para entender o funcionamento de uma Economia de mercado no curto
prazo. Como o mecanismo de funcionamento dessas economias apresen-
ta imperfeições, há espaço para governos atuarem no sentido de promo-
ver o crescimento com estabilidade de preços e com geração de emprego e
renda. No capítulo 5 serão discutidas políticas macroeconômicas.

Este capítulo está organizado em duas partes. Iniciamos com a apre-
sentação das principais estatísticas das contas nacionais, ou seja, os
agregados macroeconômicos, incluindo os registros da Economia na-
cional com o resto do mundo. Na segunda parte tratamos teoricamente
dos principais temas da teoria macroeconômica: o que determina o ní-
vel de produto, emprego e inflação.

O sistema de contas nacionais e os
agregados macroeconômicos — Parte 1

Para o estudo da Macroeconomia é necessário construir estatísticas
que agreguem informações sobre variáveis de interesse. Essas esta-
tísticas são obtidas, em grande parte, através do sistema de contabi-
lidade nacional (SCN).

Como uma fotografia, o SCN permite que se analise o objeto retrata-
do sob vários ângulos e em vários graus de detalhamento. Um ângulo de
análise bastante usual é a comparação de desempenho de grandes seto-
res de atividade, como agropecuária, indústria e serviços, por exemplo.

70 • capítulo 4

ATENÇÃO COMENTÁRIO

Em termos de detalhe, neste ângulo é possível comparar, dentro de cada setor de Setores institucionais
atividade, ramos produtivos específicos, como a produção de algodão, o refino de
petróleo etc. Por exemplo, famílias, governo, empre-
sas e setor externo.
Outro ângulo de análise importante é a comparação do desempenho
de grupos de agentes econômicos denominados setores institucionais (em
contraposição a setores de atividade), para identificar qual é o que mais
contribui para o crescimento em determinado período de tempo. Em ter-
mos de detalhe, nesse caso, é possível saber quanto as famílias recebem de
salário, quanto transferem na forma de impostos para o governo etc.

Fluxo e estoque

Os registros contábeis das contas nacionais acompanham variáveis (por
exemplo: salários pagos, receitas auferidas, riqueza, dentre inúmeras
outras) que podem ser de fluxo ou de estoque.

Para entender a distinção entre ambas basta considerar que vari-
áveis de estoque são aquelas referenciadas a um ponto no tempo, por
exemplo, em 31 de dezembro. Alterações em variáveis de estoque entre
um período e outro ocorrem por variáveis de fluxo.

EXEMPLO

Por exemplo, a renda que uma pessoa (economistas referem-se a agentes econô-
micos) recebe, como a remuneração por seu trabalho, corresponde a um fluxo. Se
o fluxo de renda ao longo do período é maior do que os seus gastos, então é de se
esperar que o seu estoque de riqueza (patrimônio) em uma data ao final do período,
quando comparado com a data de final do período anterior, aumente.

Outro exemplo é a variação no fluxo de investimento produtivo em
um período, por uma empresa, pela compra de novas máquinas e equipa-
mentos. O fluxo de investimento produtivo ao longo do tempo deve impli-
car, ao final de um período, uma variação no seu estoque de capital.

ATENÇÃO

A importância da distinção entre variável de fluxo e de estoque ficará clara quando
entendermos que o Produto Interno Bruto, o principal agregado macroeconômico, é
uma medida de fluxo.

capítulo 4 • 71

CONCEITO Produto Interno Bruto (PIB)

Produto Interno Bruto A principal medida estatística derivada do SCN é o Produto Interno Bruto
(PIB). Esta definição, mesmo resultando na forma mais completa e abran-
O PIB de um país ou região representa gente de se medir o porte de uma Economia, exclui do cálculo do produto
a produção de todas as unidades pro- agregado, pelo menos, os seguintes aspectos da atividade econômica:
dutoras da economia (empresas públi-
cas e privadas produtoras de bens e ATENÇÃO
prestadoras de serviços, trabalhadores
autônomos, governo etc.), em um dado Aspectos da atividade econômica excluídos do cálculo
período (ano ou trimestre, em geral), a
preços de mercado. a) produção de bens e serviços para consumo próprio, pois não se atribui valor de
mercado a ela (por exemplo, se um agente faz suas refeições em casa, não entra no
cálculo do PIB; porém, se faz em um restaurante, entra);
b) transações de compra e venda envolvendo a transferência de bens produzidos em
períodos anteriores, como, por exemplo, a venda de bens de segunda mão, pois não
agregam valor no período;
c) esgotamento de recursos naturais não renováveis, que são utilizados na produção
de bens, ou seja, não se considera a produção de recursos naturais dentro da fron-
teira de produção (ver Capítulo 1).

As contas nacionais também apresentam informações sobre estatísticas
econômicas a preços constantes. Isso é necessário porque, de um período
a outro, não só as quantidades produzidas variam, mas também os preços.

REFLEXÃO

Quando se faz comparação entre períodos de tempo, por exemplo, o aumento do
PIB em 2013 em relação a 2012, o interesse maior é pelo aumento em termos de
quantidades (na expressão das contas nacionais, em volume). Ou seja, o efeito da
variação dos preços deve ser descontado.

Dada a definição de PIB, devemos comparar esta medida com o conceito
de riqueza. Será que um aumento no PIB (desconsiderando a inflação) sem-
pre representa um avanço da Economia no sentido de torná-la mais rica?

Observe que, pela forma como o PIB é medido, nem sempre um au-
mento nessa medida implica que a Economia tenha de fato progredido
no período. Para que um aumento no PIB, uma variável de fluxo, repre-
sente um aumento de riqueza do país, sendo a riqueza uma variável de
estoque, é necessário que o estoque também aumente em relação ao pe-
ríodo anterior. Nem sempre isso ocorre.

EXEMPLO

Suponha que ocorra uma catástrofe natural na Economia, como um terremoto de
grandes proporções. O PIB no período deverá aumentar pelo aumento das obras de

72 • capítulo 4

reconstrução, dos serviços gerados pelo apoio e reconstrução etc. Esses registros correspondem a um
aumento no fluxo de produção de bens e serviços para atender a uma demanda atípica, gerada em conse-
quência do terremoto. No entanto, no caso do terremoto, o estoque de riqueza terá diminuído em relação
ao período anterior, pela destruição causada em construções já existentes, por exemplo.

Outro exemplo pode ser dado em relação ao estoque das riquezas naturais. Neste caso,
como o PIB não considera a exaustão de recursos não renováveis (por exemplo, exaustão
das minas de um recurso mineral ou a extração não manejada de madeira em florestas na-
tivas), a Economia de um país pode crescer porque aumenta a exploração desses recursos.
Porém, como o estoque dessa riqueza está diminuindo, o crescimento futuro da Economia
está ameaçado (ver Capítulo 6 para o conceito de desenvolvimento sustentável).

RESUMO

Em resumo, as transações econômicas, objeto de acompanhamento sistemático para a construção da con-
tabilidade de um país ou região (as contas nacionais), são as que têm origem na atividade de produção de
bens e serviços em um período de observação aos quais se possa atribuir um valor monetário (um preço).

Fluxo, Estoque, Produto Interno Bruto e Produto Interno Líquido

Na mensuração do Produto Interno Bruto não se considera o desgaste do estoque de
riqueza da Economia. Quando definimos a medida do PIB, incluímos todos os bens e
serviços produzidos em um período. No entanto, há bens, como as máquinas, os equi-
pamentos, em resumo, os chamados bens de capital, que têm uma durabilidade maior
do que o período de observação.

RESUMO

Ou seja, são utilizados no processo de produção hoje, mas foram produzidos em períodos anteriores e
continuarão sendo usados em períodos futuros.

Nesses casos, apenas uma parte desses bens é passada ao produto final, que representa
o seu desgaste pelo uso. Esse desgaste reduz o valor do bem de capital e, portanto, o esto-
que de riqueza do seu proprietário.

Assim, o melhor conceito para se avaliar o desempenho da Economia em um período
é o produto agregado líquido, que leva em conta o desgaste físico do estoque de capital e,
também, a obsolescência das máquinas e equipamentos.

ATENÇÃO

Assim, os estoques de bens acumulados ao final de um determinado período só podem ser conside-
rados como adição de riqueza à Economia como um todo, quando tratados em termos de variações
líquidas em relação ao período anterior. Se ocorre uma variação negativa nos estoques, ou seja, o

capítulo 4 • 73

que houve de desgaste foi superior à adição de novos bens de capital, é porque houve uma perda de
riqueza, diminuindo a renda da Economia no período.

As diferentes óticas de mensuração do produto da Economia

Pela enorme dificuldade em se calcular o desgaste do estoque de capital da Economia, a
medida padrão para se acompanhar a evolução da Economia (e para comparações interna-
cionais) é o PIB. O PIB, por ser derivado de um sistema contábil, pode ser medido por três
óticas diferentes: ótica do produto, ótica da renda e ótica da despesa.

Ótica do produto
O PIB, pela ótica do produto, mede o valor agregado, ou valor adicionado, em cada etapa do
processo de produção de bens e serviços. Pela natureza da medida, as informações extraí-
das para a construção desse agregado vêm das unidades produtoras (firmas). Entretanto,
o valor adicionado não é uma medida observada diretamente da contabilidade das firmas.
Para entender a medida do valor agregado, ou adicionado, vamos dar um exemplo.

Cenário
Considere a produção de massas alimentícias por uma firma industrial. A quantidade de massa
produzida em um ano, multiplicada pelo preço de venda de mercado, fornece a medida do valor da
produção da firma no ano.
Situação
Suponha que a firma produziu 500 quilos de massas no ano, ao preço médio de R$2,00 o quilo.
Logo, o valor da produção da firma no ano será de (500*R$2,00) R$1.000,00.
Problema
Como medir a contribuição da firma para o PIB do país? Se considerarmos a medida de valor da
produção (R$1.000,00), ao somarmos os resultados do valor de produção de todas as firmas,
estaremos incorrendo em dupla contagem. A razão é simples: na produção de bens são utilizados
insumos, ou seja, bens que são produzidos por outras firmas para serem processados na fabrica-
ção de outros bens.
Explicação do problema
Por exemplo, para produzir massas alimentícias, utiliza-se farinha de trigo, dentre outros insumos
que devem ser adquiridos de outra firma. Assim, se simplesmente somarmos o valor de produção de
todas as firmas na economia (no exemplo, produtora de massas e produtora de farinha de trigo) para
se estimar o quanto foi produzido em um período, a produção total do país estará superestimada.

Para chegarmos à real contribuição de cada firma no PIB da Economia, devemos des-
contar do valor da produção de cada firma o que foi adquirido de outras firmas, ou seja, o
consumo intermediário. Dessa forma, estaremos considerando aquilo que cada firma agre-
ga de valor durante o seu processo de produção.

74 • capítulo 4

EXEMPLO

Prosseguindo no exemplo, suponha que a firma compre o equivalente a R$300,00 de farinha de trigo
para produzir os 500 quilos de massa. Logo, o valor adicionado (ou agregado) da firma produtora de
massas alimentícias no ano terá sido de R$700,00 (R$1000,00 menos R$300,00). Essa é a sua
contribuição ao PIB, e não R$1.000,00.

Chegamos então a uma conclusão importante: a medida relevante para avaliar o esforço
produtivo de um país em um período é a soma do valor adicionado ou valor agregado das
firmas, ou seja, a soma do que cada firma agrega de valor no seu processo de produção. As-
sim, para a Economia como um todo, a soma dos valores adicionados de cada firma totaliza
o agregado PIB pela ótica do produto.

RESUMO

ÓTICA DO PRODUTO VALOR DA PRODUÇÃO VALOR DOS CONSUMOS
INTERMEDIÁRIOS

Ótica da renda
Como toda produção emprega recursos produtivos (simplificadamente, podemos citar capi-
tal e trabalho), esses recursos devem ser remunerados. Se somarmos todos os pagamentos
efetuados a título de remuneração dos fatores de produção na Economia, chegamos também
a uma medida do esforço de produção da Economia em um período pela ótica da renda.

RESUMO

Ou seja, a medida do PIB, pela ótica da renda, consiste em somar todos os pagamentos efetuados, como
lucro (remuneração ao capital de risco), juros (remuneração ao capital de empréstimo), aluguéis (remune-
ração pela propriedade) e salários (remuneração pelo trabalho).

Dito de outra forma, por esta ótica é possível ver como se dá a repartição do produto em
um período, entre os participantes do processo de produção. Por exemplo, qual a parcela
apropriada pelos trabalhadores com salários, pelos empresários com lucros etc.

RESUMO

ÓTICA DA RENDA SOMA DAS REMUNERAÇÕES DOS FATORES DE PRODUÇÃO

Ótica da despesa
Por fim, a mensuração do PIB pela ótica da despesa considera que, em contas nacionais,

capítulo 4 • 75

CONCEITO toda produção de bens e serviços é destinada para gasto corrente (con-
sumo) ou gasto em formação de capital (investimento).
PIB per capita
A medida de PIB pode ser obtida, então, pela soma total dos gastos dos
É uma medida de renda média da po- agentes econômicos em consumo de bens e serviços e em investimento
pulação, bastante utilizada em compa- para ampliação de capacidade produtiva ou manutenção do equipamento.
rações entre países e regiões para se
classificar as economias segundo o RESUMO
grau de desenvolvimento. Também é
muito utilizada para avaliar o progresso ÓTICA DA DESPESA SOMA DOS GASTOS COM BENS DE
dos países ao longo do tempo. CONSUMO FINAL E BENS DE INVESTIMENTO EM CAPITAL


Com base nesta primeira apresentação, podemos concluir que, em
contas nacionais:

RESUMO

PRODUTO RENDA DESPESA

A rigor, para que isso seja observado na prática, é necessário que a men-
suração pelas 3 óticas seja feita aos mesmos preços. Considere a ótica da
renda, que é a soma das remunerações. Sobre estas incidem impostos dife-
rentes dos que incidem sobre os bens e serviços transacionados no merca-
do. Assim, é necessário que ajustes em termos dos impostos sejam conside-
rados para se obter o mesmo valor do PIB por cada uma das 3 óticas.

PIB e PIB per capita

Uma das formas de se inferir sobre o padrão de vida da população de

um país é por meio do PIB per capita, obtido quando dividido o PIB

do ano pela população residente no mesmo período (considera-se a

população em 1 de julho).

Apesar de bastante divulgada, essa medida pode não ser considera-

Será que um aumento no da uma representação satis-
PIB (desconsiderando a fatória do nível de qualida-
inflação) implica que os de de vida, pois o conceito
de PIB, sendo uma medida

habitantes da Economia de valor agregado que resul-

estão mais ricos? ta da atividade produtiva,
desconsidera, por exemplo,

o tempo gasto com o lazer. Assim, se as horas de lazer se reduzem, o

PIB pode aumentar, mas a qualidade de vida não.

76 • capítulo 4

EXEMPLO

Outra razão está ligada à medida estatística que o PIB per capita representa. O PIB per capita mede a ren-
da média da população. Por exemplo, suponha a população de um país composta por uma pessoa ganhan-
do R$2000,00 por ano, e nove ganhando R$100,00 por ano, que corresponde ao salário mínimo do país.
Observe que a renda média neste caso é de R$290,00 (R$2000,00+9*R$900,00)/10) e está bem acima
do salário mínimo, portanto, pode ser considerada elevada. Porém, claramente, a renda média está longe
de revelar alguma coisa sobre as condições de vida da maioria da população dessa Economia hipotética.

A Economia brasileira apresenta uma distribuição de renda muito concentrada, e, por-
tanto, o PIB per capita está longe de representar um padrão de vida típico do brasileiro. Isto
quer dizer, por exemplo, que países com rendas per capita piores do que a do Brasil podem
oferecer um padrão de vida melhor para sua população, se a sua distribuição de renda for
menos desigual. Esse tema será retomado no capítulo 6, com a apresentação do índice de
Gini e o índice de desenvolvimento humano (IDH).

REFLEXÃO

Mesmo com as limitações conceituais apontadas anteriormente, a taxa de crescimento do PIB per capita
é uma medida importante para qualificar o crescimento do PIB ao longo do tempo.

Observe na Tabela a seguir que a taxa de crescimento do PIB pode ser positiva, mas a
taxa de crescimento do PIB per capita, negativa, se o crescimento do produto da Economia
for inferior ao crescimento da população no ano.

Brasil: Taxa de crescimento real do PIB, população residente e PIB per capita %

PIB Pop. Residente PIB per capita

2001 1,3 1,5 -0,2

2002 2,7 1,5 1,2

2003 1,1 1,5 -0,3

2004 5,7 1,5 4,2

2005 2,9 1,4 1,5

2006 4,0 1,2 2,7

2007 6,1 1,1 4,9

2008 5,2 1,1 4,1

2009 (-)0,3 1,0 -1,3

Fonte: IBGE, Contas Nacionais, 2011.
Essa situação indica, possivelmente, que a taxa de desemprego aumentou ao longo
do período. Assim, sucessivos períodos de baixo crescimento do PIB podem significar
um empobrecimento da população de um país ou região. Observe também que o PIB de
um país pode cair e o PIB per capita aumentar, se a população estiver decrescendo mais
rápido do que a queda no PIB.

capítulo 4 • 77

CONCEITO Renda Nacional Bruta e demais agregados

Residência O PIB, como vimos, mede o esforço de produção em um país em deter-
minado período de tempo. No entanto, a remuneração aos fatores de
Em linhas muito gerais, são conside- produção correspondente ao esforço de produção (medida do PIB pela
rados residentes aqueles que têm seu ótica da renda) pode não ficar no país, se a propriedade dos recursos
foco de interesse econômico em um produtivos for de não residentes.
país ou região. Na prática, isto impli-
ca que a produção de estrangeiros no Além do PIB e do PIB per capita, outro agregado de grande interesse é
Brasil conta no PIB, mas não na RNB. a Renda Nacional Bruta (RNB). Assim, o PIB de um país considera toda
A produção de brasileiros no exterior a produção em um território, independente da origem do recurso, e a
conta como PIB do país estrangeiro e RNB considera a remuneração à produção apenas aos residentes. Dessa
na Renda Nacional do Brasil. forma, para distinguir o conceito de PIB do de RNB, é necessário intro-
duzir a noção de residência.

CONCEITO EXEMPLO

Renda Disponível Bruta Por exemplo, suponha uma firma de engenharia brasileira que realize uma obra em
país estrangeiro. Os pagamentos de rendas a brasileiros (salários, lucros) dessa firma
É a RDB que informa quanto os residen- no exterior são contabilizados na conta da RNB do Brasil, porém não no PIB do Brasil.
tes do país ou região, de fato, dispõem
para gastar em consumo final (conceito A regra para do PIB se chegar à RNB de um país é, primeiro, calcular
importante para o modelo teórico ma- a diferença, ou seja, o saldo entre os pagamentos de rendas recebidas do
croeconômico, a ser visto mais adiante), exterior e o pagamento das rendas enviadas ao exterior. Em seguida, pro-
no final de um período. ceder ao ajuste da seguinte forma: se o saldo for positivo, ou seja, se o
país recebe mais recursos como renda do que paga, então se soma ao
PIB para se obter a RNB; se o saldo for negativo, ou seja, o país envia ao
exterior mais recursos como renda do que recebe, então subtrai-se do
PIB, e, neste caso, a RNB será menor do que o PIB.

REFLEXÃO

Esse é o caso do Brasil em quase toda sua história, assim como da larga maioria dos
países em desenvolvimento. Economias desenvolvidas, como a americana, ao con-
trário, apresentam RNB maior do que o PIB, pois o saldo das rendas líquidas (rendas
recebidas menos rendas enviadas) é positivo.

O agregado da renda nacional deve sofrer mais um ajuste para se de-
duzir a Renda Disponível Bruta (RDB). Assim, depois de feito o ajuste
no PIB para se obter a RNB, é necessário ainda considerar recebimentos
e pagamentos realizados a título de transferências unilaterais correntes,
entre residentes e não residentes, para se chegar à RDB.

São consideradas transferências correntes toda movimentação de
recursos entre pessoas (agentes econômicos) e países, sem contraparti-
da com o processo de produção (por exemplo, remessa e recebimento de
recursos entre governos e residentes, remessa de imigrantes para suas

78 • capítulo 4

famílias no país, doações, heranças etc.). Países ou regiões muito pobres CONCEITO
recebem muitas transferências, sendo, muitas vezes, esse fluxo monetá-
rio que movimenta a Economia local. Poupança Bruta

EXEMPLO O conceito de Poupança Bruta revela
o quanto da renda gerada pelo esfor-
Para dar um exemplo em relação ao efeito de transferências de renda em uma ço produtivo da economia em um dado
região, considere um município brasileiro muito pobre cuja maioria da população período não foi consumido imedia-
receba transferência de renda do governo pelo programa Bolsa Família. Muito pro- tamente, ou seja, não foi destinado a
vavelmente, os gastos de consumo das famílias nesse município, ou seja, o que mo- gastos correntes.
vimenta a atividade de comércio, serão realizados em maior escala com os recursos
do Bolsa Família, e não com recursos gerados pela atividade produtiva da região.

Para dar outro exemplo, considere uma Economia ou região muito po-
bre, onde os jovens se achem sem perspectivas e decidam buscar melho-
res oportunidades em outro lugar, ou seja, que emigrem. Suponha ainda
que, uma vez estabelecidos em regiões mais ricas, comecem a ajudar suas
famílias que ficaram na região de origem (transferências entre pessoas). Da
mesma forma que no exemplo anterior, as ajudas financeiras enviadas cor-
respondem a transferências de renda, que irão influir no nível de consumo
das famílias recebedoras e nas despesas de consumo efetuadas na região.

Conhecidos os principais agregados de produto e renda, o SCN per-
mite calcular a Poupança Bruta da Economia no período. A Poupança
Bruta é obtida pela diferença entre a RDB e o Consumo Final. O resulta-
do dessa sequência de agregados, considerando a Economia de um país,
é chegar na medida da poupança como um resíduo, que é o que sobra
da renda disponível depois de descontados os gastos com o consumo.

RESUMO

Para fixar os conceitos vistos até agora, podemos escrever considerando a Econo-
mia de um país:

PIB Valor da produção Valor dos consumos
intermediários
RNB
Soma das remunerações dos
RDB fatores de produção pagas a residentes

POUPANÇA RNB Transferências Recursos disponíveis
BRUTA correntes para consumo final

(Famílias e

Administrações Públicas)

RDB menos Consumo (Famílias e Administrações Públicas)

capítulo 4 • 79

COMENTÁRIO A Poupança Bruta deve, por fim, ser comparada com o que foi gasto
para ampliar a capacidade de produção no futuro próximo, ou seja, com
Formação Bruta de Capital (FBC) a Formação Bruta de Capital (FBC).

A FBC é uma medida que expressa o Caso a Poupança Bruta seja maior do que a FBC, diz-se que a Eco-
montante de investimento em capital nomia é credora líquida em relação ao resto do mundo, pois gerou um
físico na economia. O montante da pou- excedente que pode emprestar a outras economias. Nesse caso, a Eco-
pança pode se situar acima ou abaixo nomia apresenta uma Capacidade Líquida de Financiamento. Caso con-
do montante da FBC. trário, Poupança Bruta menor que a FBC, a Economia deve absorver
poupança do resto do mundo, isto é, poupança externa, e diz-se que tem
uma Necessidade Líquida de Financiamento, estando, portanto, em uma
COMENTÁRIO posição de devedora líquida em relação ao resto do mundo.

Momentos de estabilidade RESUMO

No entanto, em momentos de turbulên- Assim, podemos escrever:
cia nos mercados financeiros interna-
cionais (como na crise financeira inter- POUPANÇA FBC CAPACIDADE DE
nacional de 2008), ou em momentos BRUTA FINANCIAMENTO LÍQUIDO
de instabilidade interna, a obtenção de
financiamento externo pode vir condi- POUPANÇA FBC NECESSIDADE DE
cionada a exigências que implicam de- BRUTA FINANCIAMENTO LÍQUIDO
saceleração no crescimento e aumento
do desemprego. A igualdade contábil entre poupança (interna + externa) e investi-
mento (FBC), considerando a origem da poupança, é especialmente im-
portante para a análise macroeconômica, pois revela a posição da Eco-
nomia em relação às demais do resto do mundo.

Economias que sistematicamente apresentam necessidade de ab-
sorver poupança externa (Necessidade de Financiamento Líquido), em
algum momento terão de empreender esforços adicionais no sentido
de gerar recursos na moeda do credor internacional para saldar seus
compromissos. Em momentos de estabilidade no cenário financeiro in-
ternacional, Economias com bom potencial de crescimento não devem
enfrentar dificuldades para honrar seus compromissos externos.

Em geral, durante crises ou turbulências, o país deve recorrer a organis-
mos financeiros internacionais. O mais importante deles é o Fundo Mone-
tário Internacional (FMI), que estabelece um programa de provimento de
recursos financeiros para a restauração do equilíbrio da Economia, mas
mediante a submissão do país a ajustes macroeconômicos rigorosos.

REFLEXÃO

Vale lembrar que países da América Latina, o Brasil inclusive, viveram, na década de
1980, experiências de elevado constrangimento externo que limitaram o seu cresci-
mento, e geraram profundos desequilíbrios manifestados em descontrole inflacionário.

80 • capítulo 4

Medindo as transações com o resto do mundo: Balanço de Pagamentos

Da mesma forma que as contas nacionais descrevem a Economia em determinado período,
os registros do Balanço de Pagamentos (BP) também permitem que se analise a dinâmica
da Economia. Isto porque, como já dissemos, a forma como a Economia se relaciona com
as demais Economias revela como se insere na Economia mundial.

Economias muito dependentes de poucos produtos de exportação e de produtos pri-
mários, por exemplo, são sujeitas a apresentar maior variação no crescimento do seu PIB,
pois o desempenho de sua Economia irá depender da demanda externa por seus produ-
tos, variável que foge ao seu controle.

Economias mais diversificadas e especializadas na exportação de bens de alto valor
agregado, exportadoras de tecnologia, são Economias que apresentam grau de desenvol-
vimento mais elevado, com uma população com melhor grau de escolaridade e, provavel-
mente, tendem a apresentar trajetória de crescimento mais estável, pois os ganhos gerados
pelo setor exportador tendem a ser maiores e menos instáveis.

RESUMO

Em poucas palavras, Economias ditas em desenvolvimento apresentam tendência a absorver poupança
externa, ou seja, uma contribuição do resto do mundo ao seu crescimento.

As contas do Balanço de Pagamentos são divididas em duas partes principais: Ba-
lanço de Transações Correntes e Conta Capital e Financeira, que são subdivididas em vá-
rias contas. Cada parte do Balanço de Pagamentos, assim como cada conta, pode apre-
sentar resultado positivo ou negativo. O importante é que, a cada período, no cômputo
geral dos registros do Balanço de Pagamentos, o país tenha gerado recursos suficien-
tes em moeda estrangeira para pagar seus próprios compromissos, e se gerou recursos
além do necessário para suas necessidades, pode emprestar a devedores internacionais
e/ou aumentar suas reservas internacionais.

ATENÇÃO

A primeira parte do BP é o Balanço em Transações Correntes, que apresenta todos os registros (fluxos)
que afetam diretamente a geração do produto (PIB) e da renda nacional (RNB) no período. Associado
como um fenômeno macroeconômico, o Balanço em Transações Correntes guarda uma relação estreita
com os grandes agregados das contas nacionais.

No Balanço de Transações Correntes destacamos três contas principais. As primei-
ras duas são: Balanço Comercial – o registro de exportações (vendas externas) e impor-
tações (compras externas) de bens e serviços; o Balanço de Rendas – corresponde ao
fluxo de pagamento de rendas de propriedade entre residentes (entradas de recursos,
ou seja, as rendas recebidas do exterior) e não residentes (saída de recursos, ou seja, as
rendas enviadas ao exterior).

capítulo 4 • 81

COMENTÁRIO EXEMPLO

Investimento direto Lembrando o exemplo citado previamente, se uma firma de engenharia brasileira
presta serviço em outro país, o lucro auferido no empreendimento ao ser repa-
Essa modalidade de investimento im- triado é lançado como uma entrada no Balanço de Rendas. Da mesma forma,
plica uma demonstração de interesse se uma empresa estrangeira envia para sua matriz o lucro auferido em território
por parte do investidor em permanecer nacional, é registrado como uma saída de recursos. Tradicionalmente, esta conta
no país por um período considerado é negativa no BP do Brasil.
longo. As demais rubricas de investi-
mento registram o movimento financei- Por fim, há a conta de Transferências Unilaterais Correntes, onde são
ro de capitais de curto prazo, ou seja, registradas todas as entradas e saídas de recursos sem contrapartida em
que não caracterizam um interesse de termos de produção no país.
longo prazo entre o investidor e o tipo
de investimento realizado (ativo). EXEMPLO

Exemplo: remessa de imigrantes para suas famílias no país, ajudas governamentais
COMENTÁRIO ou privadas na forma de doações a países que enfrentam uma catástrofe natural,
doações de instituições privadas e governos para causas humanitárias etc.
Capitais autônomos
A Conta Capital e Financeira é subdividida em duas partes: a Con-
Os capitais autônomos são também ta Capital, onde são registradas Transferências Unilaterais de Capital
identificados com investimento de por- (observe que se separam transferências correntes, registradas no Ba-
tfólio, ou seja, o investimento em títulos lanço de Transações Correntes, de transferências de capital, ou seja,
e ações negociados no país. O fluxo de ativos de capital) e a Conta Financeira, que registra todo o fluxo
desses capitais no curto prazo, quando financeiro entre os países.
muito acentuado, pode fazer variar a
taxa de câmbio dos países (ver capítulo Na Conta Financeira estão os registros de Investimento Direto
5 sobre a taxa de câmbio). (capital de risco), como a abertura de filiais de empresas estrangei-
ras, por exemplo, ou aquisição de firmas já existentes, tanto por re-
sidentes (saída de recursos) como por não residentes (entrada de re-
cursos). Destacam-se nesta rubrica os investimentos em carteira, que
são investimentos em ações e outros títulos de renda fixa ou variável,
por exemplo.

Do conjunto de recursos financeiros registrados em um período
no BP, devem-se distinguir aqueles que são caracterizados como ca-
pitais autônomos, ou voluntários, isto é, entram no país, pois acham
o investimento atrativo financeiramente; os capitais compensatórios,
ou de regularização, sendo estes últimos constituídos pelas transa-
ções conduzidas pelos governos nacionais, com a finalidade de fazer
o acerto final do BP.

Na Tabela a seguir estão casos hipotéticos e simplificados para fixar
os conceitos. O objetivo é retratar situações diferentes das contas exter-
nas que devem levar a medidas de política econômica diferentes.

82 • capítulo 4

Principais contas do Balanço de Pagamentos (em US$ bilhões, em um período)

Balanço Comercial (BC= X-M) Caso I Caso II Caso III
•  Exportações de Bens e Serviços (X) 30 5 -10
•  Importações de Bens e Serviços (M) 150 60 50
Transferências Unilaterais Correntes (TUR) (-)60
A. Balanço de Transações Correntes (BC + TUR) (-)120 (-)55 2
B. Conta Capital e Conta Financeira (TUC+ID+IC) (-)10 1 -8
•  Transferências Unilaterais de Capitais (TUC) 20 6 6
•  Investimento Direto (ID) 10 50 0
•  Investimentos em carteira e demais (IC) 1 2
Saldo do Balanço de Pagamentos (A+B) 0 25 4
(-)25 24 (-)2
35 56
30

O caso hipotético I apresenta uma Economia na qual o Balanço de Transações Correntes é
positivo em U$$20 bilhões. Esse resultado é obtido pelo saldo positivo do Balanço Comercial
(US$30 bilhões) e o saldo das Transferências Unilaterais Correntes negativo (US$10 bilhões).

Nesse caso, o país transfere mais recursos para o exterior (realizou muitas doações no
período, por exemplo) do que recebeu. A segunda parte do BP mostra que o país atrai capi-
tal de curto prazo (US$35 bilhões) e é um investidor líquido no exterior (saldo negativo de
US$25 bilhões). O resultado do BP, última linha, é positivo em US$30 bilhões, sinalizando
que o país acumulou reservas internacionais neste montante no período.

REFLEXÃO

Os registros do caso I apontam para uma Economia com uma posição folgada em termos das contas
externas, pois é capaz de gerar um saldo comercial expressivo e ainda atrair capital internacional. O saldo
positivo em transações correntes implica que esta Economia hipotética é uma credora internacional, ou
seja, é emprestadora de recursos a outras Economias.

O caso hipotético II apresenta uma Economia com saldo, em transações correntes, relativa-
mente baixo, comparado ao caso I (US$6 bilhões), porém a conta Capital e Financeira apresen-
ta expressivo saldo positivo (US$50 bilhões), pois a Economia atrai tanto capital de risco (Inves-
timento Direto no montante de US$25 bilhões) como capital de curto prazo (US$24 bilhões).

REFLEXÃO

Essa Economia exibe um resultado positivo de US$56 bilhões, aumentando o volume de reservas inter-
nacionais. Esta Economia é um caso intermediário em relação ao primeiro, pois acumula reservas interna-
cionais, mas às custas do capital de portfólio, isto é, de curto prazo, que pode deixar o país rapidamente,
podendo reverter a posição relativamente confortável do país.

capítulo 4 • 83

O caso hipotético III é o de uma Economia que no período registra saldo comercial ne-
gativo (- US$10 bilhões) e, mesmo com o maior saldo em termos de Transferências Unila-
terais Correntes em relação aos outros dois casos, tem um saldo negativo em transações
correntes (- US$8 bilhões).

REFLEXÃO

Nesse caso, a Economia deve financiar esse saldo com os movimentos financeiros da Conta Capital e Fi-
nanceira. Em comparação com o caso II, esta Economia atrai menos capital, relativamente, e assim, o saldo
do BP é negativo. Nesta situação, em que a saída de recursos externos no período foi superior à entrada,
a Economia deve desacumular reservas internacionais.

Tendo visto os dois principais sistemas contábeis de registro de estatísticas econômi-
cas, nosso próximo passo é introduzir conceitos teóricos de Macroeconomia que permitam
interpretar as informações estatísticas disponíveis.

Os determinantes do nível de produto e emprego
na Economia: conceitos de teoria macroeconômica
— Parte 2

A contabilidade nacional, assim como as demais estatísticas econômicas, oferece o insumo
principal para os especialistas analisarem uma Economia. Porém as estatísticas agregadas
não explicam como a Economia se move no curto prazo, apenas informam sobre o desem-
penho dos agregados. É necessário recorrer à teoria macroeconômica para entendermos
como variam os agregados macroeconômicos.

A primeira pergunta que fazemos é: o que determina o nível de produto (PIB) e sua varia-
ção no curto prazo (a taxa de crescimento do PIB, ou seja, flutuações de curto prazo)? Ou seja,
por que a Economia apresenta períodos em que cresce mais e outros em que cresce menos?
O que o crescimento do produto tem a ver com o crescimento do emprego? E da inflação?

Crescimento no curto prazo: flutuações do PIB

A Macroeconomia surge, nos anos 1930, como um ramo da Economia após a obra seminal
do economista inglês John Maynard Keynes, Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda,
como visto no capítulo 2. Nessa obra, Keynes apresenta o argumento de que Economias de
mercado não operam necessariamente no seu nível máximo todo o tempo, ou seja, podem
funcionar durante largos períodos de tempo em uma posição na qual recursos produtivos
são deixados ociosos, dentre eles, a mão de obra.

84 • capítulo 4

REFLEXÃO

A partir desta constatação, Keynes observou que o comportamento da Economia, para ser bem entendido,
necessitava de um instrumental analítico distinto da teoria microeconômica, o que ele se propôs a desenvolver.

Quando Keynes escreveu sua obra maior, o desemprego nas Economias desenvolvidas
era elevado e persistente, o que colocava um problema social grave, pois recursos produti-
vos ociosos sinalizam perda de bem-estar para a população. Por que um trabalhador, dis-
posto a trabalhar por qualquer remuneração, não encontra ocupação?

REFLEXÃO

A explicação oferecida por Keynes para a persistência do desemprego, e que responde a pergunta inicial, é
que o produto gerado em uma Economia de mercado em um período de tempo é determinado pelos gastos
que os agentes econômicos estão dispostos a fazer.

Quando empresas contratam, compram insumos, contraem empréstimos junto ao ban-
co para capital giro, em suma, iniciam o processo de produção, o fazem com uma expectativa
de atender a uma demanda e de auferir um lucro monetário. Em geral, as empresas acertam
em suas expectativas, mas podem também se desapontar, pois o resultado esperado depende
de muitas variáveis, que fogem ao controle de uma empresa ou agente individual.

ATENÇÃO

São os desencontros entre o que é esperado por agentes individuais e o que é realizado no agregado que
levam a flutuações no curto prazo na Economia.

Assim, Keynes colocou o foco da explicação da determinação do montante do PIB e de
sua variação no curto prazo na demanda agregada. A demanda agregada da Economia cor-
responde ao PIB medido pela ótica da despesa. Como vimos, pela ótica de despesa em con-
tas nacionais, podemos escrever:

PIB

GASTOS CORRENTES (DAS FAMÍLIAS E DAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS COM CUSTEIO)

INVESTIMENTO (FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL PELAS EMPRESAS PÚBLICAS E PRIVADAS E ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS)

VENDAS PARA O EXTERIOR DE BENS E SERVIÇOS (EXPORTAÇÃO) MENOS AS COMPRAS DO EXTERIOR DE BENS E SERVIÇOS (IMPORTAÇÃO).

Aceitando-se essa explicação sobre a determinação do PIB de uma Economia, a próxima
questão de interesse é conhecer como se comportam os componentes da demanda agregada.

capítulo 4 • 85

COMENTÁRIO REFLEXÃO

Consumo das Famílias Lembre que este é o objeto de estudo da Macroeconomia — explicar flutuações de
curto prazo — e, ao se observar que nem sempre a Economia é capaz de ocupar seus
Em teoria, o consumo das famílias de- recursos produtivos permanentemente, cabe aos gestores de política econômica in-
pende, dentre outros fatores, da renda tervir para promover ajustes que levem a um crescimento forte e sustentável, com
disponível. Lembre-se que já vimos que, vistas a aumentar o bem-estar da população.
pelas contas nacionais, a Poupança Bru-
ta é obtida subtraindo-se do agregado Vamos observar o quadro a seguir, que apresenta a distribuição em
RDB os gastos com consumo corrente percentual dos dados da demanda agregada, segundo as contas nacio-
(Famílias e Administrações Públicas). nais do Brasil para três anos. As informações exibem o quanto cada
componente da demanda agregada contribuiu para o PIB.

COMENTÁRIO Brasil: Participação percentual dos componentes da demanda agregada no PIB
(2010-2012)
Administrações Públicas
Anos 2010 2011 2013
O Consumo das Administrações Públi-
cas corresponde à produção de bens e Consumo das Famílias 59.6 60.3 62.6
serviços que são disponibilizados para Consumo das Administrações 21.1 20.7 21.3
a população pelo governo, como ser- Públicas 20.2 19.7 17.5
viços de educação, saúde, segurança Formação Bruta de Capital -1.0 -0.7 -1.4
pública, defesa, justiça etc. Para dar Exportações Líquidas (Exportações 100.0 100.0 100.0
conta destas despesas, o governo ar- menos Importações
recada impostos. Os impostos reduzem PIB
a renda disponível das famílias e em-
presas para gasto. Fonte: IBGE, Contas Trimestrais.
O Consumo das Famílias é sempre a parcela de maior peso da de-
manda agregada dos países. No caso do Brasil, no período observado,
86 • capítulo 4 esteve em torno de 60%. As exportações líquidas no período (penúltima
linha) tiveram uma contribuição negativa na formação da demanda
agregada, pois as importações foram maiores do que as exportações.
O peso desta parcela no PIB brasileiro não é muito alto (importa-
ções). O Brasil, com sua extensão continental, tem no mercado interno,
em contraposição ao mercado externo, sua principal fonte de demanda
agregada. Isto não quer dizer que a demanda externa não seja importan-
te, pois como vimos na seção sobre Balanço de Pagamentos, é do setor
externo que o país obtém recursos em moeda estrangeira para honrar
compromissos em moeda externa. Porém, no caso do Brasil, não é a de-
manda externa que puxa o crescimento na maior parte do tempo.
O percentual das Administrações Públicas permaneceu relativamen-
te estável, em torno de 20% no período. Por fim, a Formação Bruta de
Capital, que representa o investimento em acumulação de capital na
Economia, na média, ficou abaixo de 20%.
Mesmo o Consumo das Famílias sendo o componente de maior
peso, não é ele quem mais explica as flutuações do PIB no curto prazo.

A variável chave neste caso é a Formação Bruta de Capital, associada ao investimento em
estoque de capital.

ATENÇÃO

Esse componente da demanda agregada corresponde a um tipo de gasto que é mais sensível às expecta-
tivas dos agentes (firmas, bancos e instituições financeiras em geral, e o público), pois pode ser adiado ou
antecipado, de acordo com as perspectivas percebidas sobre o futuro desempenho da Economia. Esta ca-
racterística o difere dos gastos de consumo, por exemplo, que podem flutuar, mas tendem a ser mais rígidos.

O gráfico a seguir mostra como as variações do PIB de um ano para outro acompa-
nham de perto as variações na Formação Bruta de Capital. Mais do que isso, observe que
quando a evolução da Formação Bruta de Capital é positiva (acima da linha do zero), a
variação do PIB é sempre positiva. O inverso nem sempre é verdadeiro, pois os outros
componentes podem segurar a variação positiva do PIB, quando a Formação Bruta de Ca-
pital fica abaixo da linha do zero.

Brasil: Taxa de variação do PIB e da Formação Bruta de Capital (FBC) – 1971-2012

PIB FBC
Fonte: IBGE, Contas Nacionais, Apud, Ipeadata.

REFLEXÃO

Na década de 1970, o PIB brasileiro cresceu muito, impulsionado pelo investimento. Compare com os
anos 2000, quando a variação da Formação Bruta de Capital apresenta resultados negativos (abaixo
de zero) em muitos anos, e a variação do PIB registra percentuais de crescimento mais baixos, com-
parativamente aos anos 1970.

Assim, as informações anteriores oferecem uma pista para entender o comportamento
dos componentes da demanda agregada: os gastos em consumo, apesar de serem os de
maior peso, não são os que tendem a apresentar maior variação. O investimento, medido
pela Formação Bruta de Capital, por sua vez, confere dinamismo ao PIB no curto prazo.

RESUMO

Conclusão: como o investimento é sensível em relação às expectativas sobre oportunidades de lucro dos
investidores, se as perspectivas de crescimento da Economia são percebidas como boas, então as empre-
sas investem mais, os bancos disponibilizam mais crédito, o país atrai mais capital externo para investimen-
to, e mais emprego é criado, gerando o pagamento de mais salários, o que impacta, consequentemente

capítulo 4 • 87

COMENTÁRIO em mais gastos de consumo. Enquanto a Economia mantiver o clima de otimismo, a
expansão do PIB se sucede a cada período. É o investimento que dá o impulso para
Exportações o crescimento, e o consumo propaga o impulso inicial pela Economia como um todo.

As exportações têm também a impor- É possível que, em determinado momento, uma Economia com um
tante função de gerar divisas externas, baixo crescimento e ociosidade de recursos produtivos venha a ter um im-
necessárias para cobrir os gastos com pulso inicial para crescer, provocado pelo aumento do consumo (por exem-
importações e para saldar compromissos plo, uma política de crédito ao consumo a taxas de juros mais baixas, e/ou
em moeda externa, como já mencionado. um aumento do salário mínimo mais generoso) acima do investimento.

Contudo, para a dinâmica do crescimento ser sustentável ao longo
do tempo, em algum momento no futuro próximo, a formação de capital
tem de se expandir mais para atender à demanda maior por consumo.

EXEMPLO

Veja o exemplo da Economia brasileira depois da crise financeira internacional de
2008, quando em 2009, o PIB registrou queda de (-) 0,3% e em 2010, por força de
fortes incentivos do governo para a população gastar e o próprio governo expandir
seus gastos, a Economia cresceu 7,5%. No entanto, nos anos seguintes, como o
investimento não respondeu positivamente, as taxas de crescimento do PIB foram
pífias (2,7% em 2011; 0,9% em 2012%; 2,3% em 2013).

Observe que as exportações também têm a função de indutora do
crescimento. Isso porque a demanda do resto do mundo por bens e
serviços produzidos por um país também cria oportunidades novas
de expansão dos negócios, o que abre a perspectiva de criação de
novos empregos, geração de mais renda, e consequentemente mais
consumo, e assim por diante.

Resta comentar sobre os gastos de consumo das administrações
públicas. Os bens e serviços ofertados pelo governo, por definição, não
são produzidos com o objetivo de auferir lucro. Assim, bens e serviços
públicos não são vendidos no mercado. Para cobrir as despesas com a
produção dos bens e serviços públicos, o governo arrecada impostos da
população. Dentro da lógica da demanda agregada, a atuação do gover-
no implica dois movimentos em sentidos contrários.

REFLEXÃO

Quanto mais o governo gastar, ou seja, empregar trabalhadores, comprar insumos,
contratar serviços de terceiros, mais recursos estará injetando na Economia, e, as-
sim, produzindo um impulso para o PIB crescer. Quanto mais o governo arrecadar
de impostos, mais estará retirando do setor privado, e, se não destinar os recursos
arrecadados para gastos na mesma proporção, sua atuação estará sendo no sentido
de reduzir a demanda agregada.

88 • capítulo 4

A recomendação da Macroeconomia keynesiana é de que o governo COMENTÁRIO
administre seus gastos acompanhando o que acontece no setor privado
da Economia. Se a Economia está muito aquecida, crescendo muito rá- Desemprego
pido, a recomendação é que o governo seja mais comedido em suas des-
pesas para não superaquecer a Economia, que, como veremos no último Há uma vasta literatura que estuda o de-
item deste capítulo, tem consequências sérias sobre o nível de preços. semprego do ponto de vista microeconô-
mico, ou seja, no âmbito do mercado de
O volume de arrecadação de impostos deve aumentar em uma con- trabalho. Em Keynes, o mercado de tra-
juntura de crescimento rápido. Se a Economia está com excesso de re- balho não se equilibra como o mercado
cursos ociosos, com baixo crescimento, o governo deve aumentar seus de produto. Para uma discussão sobre o
gastos e reduzir os impostos para dar um impulso ao crescimento. equilíbrio em mercado de concorrência,
ver capítulo 3.
RESUMO

Em suma, a atuação do governo deve ser para contrabalançar, compensar tendências
de mercado no curto prazo. Acredita-se que suavizando as flutuações econômicas, o
governo estará contribuindo para aumentar o bem-estar da população (ver capítulo 5).

Ao introduzirmos a atuação do governo, devemos chamar a atenção
para o fato de que a gestão das contas públicas, assim como da moeda e da
inflação, mexem com as expectativas dos investidores, e, portanto, é uma
área sensível da administração da política econômica. Como já dissemos, o
investimento, parcela mais importante a explicar a flutuação do PIB, é mui-
to sensível às expectativas sobre o futuro desempenho da Economia.

Emprego e desemprego

A análise da Macroeconomia pela ótica da demanda agregada, como
explanado acima, estabelece uma relação clara entre a geração de pro-
duto e renda e a criação de emprego. O produto para crescer, em algum
momento, irá aumentar a demanda por mão de obra. Ressaltamos o em
algum momento, pois o ajuste do emprego passa também pelo ajuste das
horas trabalhadas.

Contudo, é claro perceber que há um limite superior para o aumento
das horas trabalhadas.

RESUMO

Assim, dado esse ajuste, o aumento do produto deve se manifestar em aumento de
emprego. Por sua vez, a queda no produto, dado um ajuste das horas trabalhadas,
deve se refletir em queda no emprego.

Feita esta ressalva, identificamos que o problema do desemprego na
Economia pode ser entendido como um problema macroeconômico, ou
seja, um problema de insuficiência de demanda agregada.

capítulo 4 • 89

CONCEITO Como se mede o desemprego? Para se chegar a uma medida de de-
semprego é necessário calcular primeiro a população em idade de tra-
Força de trabalho balhar, ou seja, do total da população exclui-se quem não está em idade
de formação escolar básica (abaixo de 14 anos, pela nova pesquisa do
Define-se como força de trabalho de IBGE), os idosos, incapacitados ao trabalho etc. Desse conjunto retira-se
uma economia o contingente de pes- a força de trabalho (FT).
soas em idade de trabalhar e disponível
para o trabalho. Da FT, então, calcula-se A medida da taxa de desemprego, ou taxa de desocupação, é a pro-
quantos estão efetivamente trabalhando porção das pessoas que não estavam ocupadas (mas que procuraram
em uma data (pessoas com ocupação — emprego nos últimos 30 dias em relação à data da entrevista) sobre o
PO) e quantos desejam trabalhar, mas total da FT. A grosso modo, podemos afirmar que a população ocupa-
não encontram ocupação (pessoas de- da dá uma medida da demanda por trabalho e a FT, uma medida da
socupadas — PD). Até a reformulação oferta de trabalho.
recente das pesquisas de emprego iden-
tificava-se força de trabalho como popu- RESUMO
lação economicamente ativa (PEA).
TAXA DE DESOCUPAÇÃO (%) (PESSOAS DESOCUPADAS/PESSOAS
NA FORÇA DE TRABALHO)*100

As pesquisas empíricas sobre o comportamento do mercado de tra-
balho classificam vários tipos de desemprego, sendo a taxa de desocu-
pação a de maior interesse, pois revela quantos estavam procurando
emprego em um determinado período e não encontraram colocação,
mesmo aceitando uma remuneração menor.

Observe que, ao falarmos em taxa de desemprego ou de desocupação,
nada dissemos sobre a qualidade do emprego, ou seja, se com ou sem car-
teira assinada, por exemplo, ou quanto ao número de horas trabalhadas.

REFLEXÃO

Assim, um trabalhador que não seja formalizado, mas se declare trabalhando,
mesmo que poucas horas por semana, não é considerado desempregado, apesar
de estar em uma posição precária de trabalho e, possivelmente, com uma remu-
neração mais baixa do que um trabalhador formal (com carteira assinada), com
os direitos trabalhistas assegurados.

A análise da evolução da taxa de ocupação e desocupação deve levar
em conta também a evolução da remuneração média da população em-
pregada. Considere que a taxa de desocupação esteja caindo e a evolu-
ção do rendimento médio da população empregada não esteja subindo
muito. É possível que o tipo de emprego que esteja aumentando seja o
de pior qualidade em termos de proteção social. Outra situação pode ser
a de que o aumento no emprego esteja ocorrendo mais entre jovens, que
por terem menor experiência, entram no mercado de trabalho receben-
do uma remuneração mais baixa.

90 • capítulo 4

Na visão da Macroeconomia, os movimentos no mercado de traba- COMENTÁRIO
lho afetam os agregados macroeconômicos de várias maneiras. Por um
lado, o nível de emprego está associado a um nível de renda, que é im- Crescimento da Economia
portante para explicar o comportamento do consumo das famílias, um
dos componentes da demanda agregada. Logo, podemos dizer que em- Há muitas outras fontes de restrições
prego gera renda, que gera demanda agregada. Por outro lado, o nível de crescimento no curto prazo. Uma
de emprego também explica o quanto da força de trabalho está sendo bastante importante, que não será trata-
ocupada, e quanto mais perto da ocupação plena, maior deve ser a pres- da aqui, refere-se à restrição de Balanço
são por aumento de salários. de Pagamentos.

Uma consequência do nível de ocupação estar perto do limite do ple-
no emprego é que gera pressão de custo de produção. Desta forma, o COMENTÁRIO
esgotamento da oferta de trabalho, se por um lado aquece a demanda
agregada, também coloca uma pressão sobre o crescimento da Economia, Inflação
que é a escassez de recursos no curto prazo. Em geral esta pressão se
transforma em aumento no nível de preços, ou seja, inflação, nosso últi- Ela se torna um problema não só prá-
mo tópico neste capítulo. tico, sentido por toda a população, que
vê, no dia a dia seu poder de compra
O que determina os preços, sua variação, e sua relação diminuir, mas também um problema te-
com a moeda órico, na medida em que a teoria eco-
nômica entende que preços traduzem o
A inflação é definida como sendo um aumento contínuo, generalizado valor de troca entre os bens e serviços,
e desigual do nível geral de preços, ou seja, uma perda progressiva do ou seja, os valores relativos das merca-
poder de compra da moeda (é este o sentido de imposto inflacionário). dorias e serviços.
Em uma Economia com inflação é necessário cada vez mais moeda para
se comprar a mesma quantidade de bens e serviços.

Como dito no início da seção, na inflação o processo de subida de
preços não se verifica em todos os bens e serviços ao mesmo tempo
nem na mesma proporção. Em determinado momento, alguns preços
podem ter subido, mas outros ainda não. Com isso, a relação entre os
preços, que é a fonte de informação mais relevante para o cálculo eco-
nômico em uma Economia de mercado, fica completamente distorcida.

Como saber que uma cadeira deve custar menos que uma mesa
feita do mesmo material, no mesmo período, se o preço da cadeira ti-
ver subido antes do preço da mesa? Essa distorção atrapalha o cálculo
econômico dos agentes, interferindo em suas decisões sobre o quanto
produzir, o quanto cobrar por um produto, o quanto exigir de remune-
ração, o quanto gastar etc.

ATENÇÃO

Mais problemáticas ainda são as decisões de investimento, que por envolver maior
planejamento, com um horizonte de tempo mais longo, podem ter o cálculo de viabi-
lidade econômica muito prejudicado.

capítulo 4 • 91

COMENTÁRIO Enfim, a inflação persistente é um problema grave em Economias
de mercado, e na medida em que corrói o poder de compra das pessoas,
Moeda impõe custos sociais elevados, principalmente à população mais caren-
te. Não raro, quando a inflação atinge patamares muito elevados e não
Define-se moeda como qualquer coisa retrocede, um período de convulsão social pode eclodir. A história eco-
aceita generalizadamente para interme- nômica registra vários casos.
diar as trocas. A moeda é uma conven-
ção social, ou seja, aceita-se moeda em O que é moeda, as funções da moeda, moeda e inflação
troca do que se produz porque se acre-
dita que os demais membros da socie- Como a inflação é um fenômeno monetário, é importante esclarecer o
dade a aceitarão também em troca dos que é a moeda e quais as suas funções. Define-se moeda como qualquer
seus bens e serviços. coisa aceita generalizadamente para intermediar as trocas.

A moeda cumpre, basicamente, três funções: unidade de medi-
CONCEITO da (ou de conta), meio de troca (ou de pagamento) e reserva de valor.
Como unidade de medida, a moeda, sendo um referencial comum
Teoria quantitativa da moeda para o estabelecimento do valor dos bens e serviços, permite a avalia-
ção do valor relativo de uns em relação aos outros (preços relativos).
A TQM estabelece uma relação entre o Como meio ou intermediário de trocas, a moeda é um facilitador para
lado monetário da Economia (poder de as trocas. Por fim, como reserva de valor, a moeda, ao separar a ope-
compra) e o lado real da Economia (dis- ração de venda da operação de compra, dá ao seu detentor um direito
ponibilidade de bens e serviços). Trata- sobre a posse futura de bens e serviços.
se de uma equivalência entre o fluxo de
bens e serviços produzidos em um de- REFLEXÃO
terminado período de tempo (PIB a pre-
ços de mercado) e o montante de recur- Em processos inflacionários crônicos, os agentes procuram se livrar rapidamente da
sos monetários disponível (quantidade posse da moeda, exatamente porque ela deixa de cumprir, inicialmente, as funções
de moeda em circulação na Economia). de reserva de valor e de unidade de conta; em casos mais graves, de meio de troca.


Em hiperinflação, quando há fuga da moeda, o registro histórico é o
de que os agentes econômicos passam a usar outra moeda, seja para de-
nominar o valor dos bens e serviços ou para fazer transações; ou trocam,
imediatamente, moeda por mercadoria ou por outra moeda (estrangei-
ra ou indexada), como forma de reter valor.

A teoria mais antiga sobre a causa da inflação atribui a alta con-
tínua de preços a um excesso de moeda em circulação na Economia.
Esta teoria é conhecida como teoria quantitativa da moeda — TQM
(ver também capítulo 5), e tem sua origem mais formalizada desenvol-
vida no século XVIII.

O que a teoria estabelece é que, para a expansão da moeda de paga-
mentos ser a causa da inflação, supõe-se que a Economia está produzin-
do no seu limite máximo, ou seja, a geração do PIB impõe o uso de to-
dos os recursos produtivos disponíveis (ou algo próximo a isso). Se isso
é verdade, então um aumento de moeda em circulação, que é atribuição
do governo, deve ser destinado à compra de bens e serviços (aumento da

92 • capítulo 4

demanda agregada), que, na impossibilidade de ser expandida no curto COMENTÁRIO
prazo, provoca alta nos preços.
Moeda é neutra
Uma decorrência lógica do raciocínio anterior é que a expansão
monetária não tem nenhuma influência sobre o nível de produto em Nesse caso, a moeda teria apenas a fun-
volume da Economia (PIB a preços constantes). Se o aumento na oferta ção de facilitar as trocas e de servir para
de moeda levasse a um aumento proporcional do PIB em volume, não se fixarem os preços em uma unidade
haveria inflação, supondo que os preços podem se ajustar livremente. comum de valor. Esta hipótese é asso-
Só haverá inflação se o aumento da demanda agregada, oriundo de um ciada à escola de pensamento macroe-
aumento na quantidade de moeda em circulação, prevalecer sobre o conômico conhecida como monetarista,
aumento do produto. e tem em Milton Friedman seu maior ex-
poente, como visto no capítulo 2.
O controle da quantidade de moeda em circulação é responsabilidade
do governo, através de suas instituições, sendo a mais importante o Banco
Central. O Banco Central dispõe de diversos instrumentos de política mo-
netária para injetar e retirar moeda de circulação (ver capítulo 5).

REFLEXÃO

Aqui vale uma menção ao que já foi dito no item de equilíbrio fiscal: como o governo
pode se endividar junto ao público e é também emissor de moeda, é importante
que seu endividamento não provoque pressão inflacionária (emitir moeda para cobrir
despesas públicas). Neste sentido, o endividamento deve ser financiado através da
emissão de títulos da dívida pública.

Se a única consequência do aumento da oferta de moeda for a eleva-
ção dos preços, não havendo nenhum efeito sobre o lado real da Econo-
mia (produção de bens e serviços), diz-se que a moeda é neutra.

Entretanto, se supusermos que a Economia pode funcionar com
recursos ociosos, como é a hipótese de Keynes, os efeitos de uma ex-
pansão da moeda na Economia podem ter impacto no lado produti-
vo, pois pode dinamizar a demanda agregada, que, como vimos, pro-
move a contratação de mão de obra e, consequentemente, aumenta a
oferta de bens e serviços.

Indo mais além, Keynes viu também que os agentes econômicos,
para se defenderem em relação ao futuro desconhecido, podem reter
moeda (e não gastá-la), o que reduz a demanda agregada da Economia.
Esta possibilidade amplia muito os efeitos da moeda sobre a Economia,
e neste caso ela é considerada não neutra.

RESUMO

Em resumo, deve ficar claro que a inflação é um fenômeno monetário. Aumentos
na oferta de moeda acabam por elevar os preços. Porém, a oferta de moeda é
causa ou consequência da inflação? Não há consenso sobre este ponto entre os
economistas. Entretanto, em relação aos efeitos da inflação, o entendimento hoje
entre analistas econômicos é que há também sobre o lado real da Economia, ou

capítulo 4 • 93

seja, o aumento da oferta de moeda pode estimular a atividade econômica, podendo provocar ao mesmo
tempo, crescimento e inflação.

Inflação ou desemprego: o dilema de Economias modernas

As relações entre a taxa de crescimento dos preços e a taxa de ocupação de mão de obra
(que se relaciona com o nível de atividade da Economia, ou seja, com o nível de produto,
conforme mencionado no início do item sobre emprego e desemprego) sempre foram ob-
jeto de muita discussão, isso porque nem sempre são conciliáveis os objetivos de controle
inflacionário e manutenção de elevado nível de emprego.

Na década de 1950, em um trabalho empírico desenvolvido para verificar as relações
historicamente observáveis entre taxa de desemprego e taxa de inflação, na Inglaterra, ob-
servou-se o que ficou posteriormente denominado de Curva de Phillips, ou seja, uma rela-
ção inversa entre taxa de inflação e taxa de desemprego.

Isso significa que taxas mais altas de inflação estavam associadas a taxas menores de
desemprego, e taxas mais baixas de inflação, a maior volume de desemprego. Muitas inter-
pretações foram apresentadas para explicar esse fenômeno.

Uma interpretação, ligada aos monetaristas, coloca ênfase na pressão de demanda que
aumentos salariais impõem no curto prazo. Na inflação de demanda, os preços sobem
quando o poder de compra (demanda) é maior do que a disponibilidade de bens e serviços.

REFLEXÃO

Fatores que podem fazer aumentar a demanda agregada incluem excesso de moeda em circulação, re-
dução de impostos, aumento de gastos públicos e aumento de empréstimos aos consumidores. A proba-
bilidade de inflação de demanda aumenta quanto mais próxima do pleno emprego a Economia estiver,
porque não se pode aumentar substancialmente a oferta de bens e serviços a curto prazo.

Uma interpretação mais ligada à escola keynesiana coloca ênfase nas pressões dos di-
versos tipos de custos de produção, dentre eles, o custo do salário. Assim, no caso da infla-
ção de custo, os preços sobem pelos seguintes motivos: aumentos salariais acima da produ-
tividade, resultantes de escassez de mão de obra ou pressão de sindicatos fortes, aumento
de custo das matérias-primas (encarecimento das importações em razão da desvalorização
da moeda ou um aumento nos preços das commodities) etc.

REFLEXÃO

A inflação de custos tem como causas as condições de oferta de bens e serviços na Economia, ou seja,
o nível de demanda permanece o mesmo, mas os custos de certos insumos importantes aumentam e eles
são repassados aos preços dos produtos.

Vemos assim que o processo inflacionário, independente de sua origem, resulta em
um conflito distributivo, ou seja, resulta de pressões dos vários grupos de agentes eco-

94 • capítulo 4

nômicos atuando na Economia para garantir seu poder de compra. Aqueles grupos que,
por sua inserção na estrutura produtiva, têm maior poder de barganha, conseguem ga-
rantir um poder de compra em termos de bens e serviços maior do que aqueles com
menor poder de barganha.

EXEMPLO

Veja, por exemplo, o caso de uma empresa que seja a única fornecedora de um produto essencial. O seu
poder de mercado lhe permite reajustar o preço de seu produto acima dos seus custos de produção, por
exemplo, e com isso ela consegue auferir uma margem de lucro maior. O mesmo ocorre com categorias de
trabalhadores mais bem organizadas do que outras, só para citar poucos exemplos.

Na prática se reconhece que múltiplas causas atuam ao mesmo tempo para gerar o pro-
cesso inflacionário da Economia a cada momento.

Como medir a inflação

Como mencionado na parte um deste capítulo, se existe inflação, precisa-se fazer uma
distinção fundamental entre valores nominais (ou a preços correntes) e valores reais
(ou a preços constantes). Isso porque, para se acompanhar estatísticas econômicas ao
longo do tempo, é importante distinguir os efeitos da inflação e as mudanças no nível
real da atividade econômica.

Valores a preços de mercado, ou preços correntes, ou ainda na denominação preços
nominais, incluem o efeito da inflação. Estatísticas em volume, preços constantes ou ainda
na denominação de preços reais, excluem as influências inflacionárias. Como isso é feito?

ATENÇÃO

A prática de deflacionamento, ou seja, excluir a variação de preços, implica se dispor de um índice de
preços que permita se descontar a variação dos preços da estatística em valores correntes. Os índices de
preço mais utilizados pelos países são os índices de preço ao consumidor. No Brasil, a inflação oficial é
medida pelo IPCA — Índice de Preço ao Consumidor Ampliado, divulgado mensalmente pelo IBGE.

Muito sucintamente, pode-se descrever um índice de preço ao consumidor como sendo
um índice que revela a evolução média de preços de um conjunto de bens típicos de con-
sumo de uma família representativa de uma localidade. Para se chegar à construção desse
índice, muitas etapas devem ser percorridas.

Inicialmente, é necessário um levantamento periódico junto às famílias para se coletar
informação sobre sua cesta de consumo; em seguida, investigam-se os locais de compra e,
por fim, procede-se ao levantamento mensal dos preços dos bens da cesta de consumo nos
locais de consumo selecionados.

Para finalizar este capítulo, selecionamos uma leitura e uma provocação ao final, para
você aplicar alguns dos conhecimentos obtidos aqui.

capítulo 4 • 95

ATIVIDADE

Como calcular a sua inflação

Cada pessoa pode calcular sua própria inflação comparando o quanto os preços de sua cesta de consumo
variam, em média, ao longo do tempo. O primeiro passo é listar os gastos com todos os bens e serviços
consumidos (especificando as quantidades) em um período de tempo de referência. Some o que foi gasto
neste período e calcule a participação percentual de cada item no total de gastos. Assim, obtém-se o peso
de cada item de consumo que representa a sua importância relativa em relação aos demais. A cada mês,
acompanhe como tem variado o gasto (supondo a mesma quantidade consumida) de cada item. Por exem-
plo, suponha que seus gastos se dividam em aluguel (50% das despesas), alimentação (30%) e despesas
diversas (20%). Suponha agora que o aluguel aumente 10% e os itens de alimentação também aumentem
10%. O que pesa mais no seu bolso? Claro que é o item de aluguel, pois é o de maior peso. De quanto
aumentou sua inflação, supondo que o item de despesas diversas não sofreu aumento? Basta multiplicar a
variação de preço de cada item pelo peso correspondente e somar: 0.5*0.1+0.1*0.1+0.1*0=0.06, ou 6%.

Compare esse resultado com o aumento da sua renda e avalie se você está tendo ganho ou perda
de poder de compra em relação ao período de referência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FEIJO; RAMOS (org). Contabilidade social: a nova referência das contas nacionais do Brasil, 4ª ed. São Paulo:
Campus-Elsevier, s/d.

96 • capítulo 4

5 Políticas
Macroeconômicas
fernando carlos lima

5 Políticas Macroeconômicas

COMENTÁRIO Política macroeconômica: definição e
objetivos
Objetivo
Políticas macroeconômicas são medidas adotadas pelo governo com
Os objetivos finais das políticas ma- o objetivo de atingir determinadas metas conjunturais, relacionadas a
croeconômicas incluem a obtenção de agregados macroeconômicos como a renda nacional, taxa de inflação,
taxas de crescimento econômico ele- nível de desemprego, balanço de pagamentos, entre outros.
vadas, baixas taxas de inflação, baixo
nível de desemprego, balanço de pa- Os meios utilizados para atingir tais objetivos são, principalmente,
gamento equilibrado, contas públicas alterações em variáveis macroeconômicas, como taxa de juros (política
equilibradas etc. monetária), taxa de câmbio (política cambial) e gastos públicos (política
fiscal). Através dessas alterações, as autoridades esperam reduzir as flu-
tuações cíclicas que são típicas das economias capitalistas.

REFLEXÃO

Nesse sentido, as políticas macroeconômicas analisadas neste capítulo são distintas
das políticas econômicas de caráter setorial (política industrial, política agrícola, po-
lítica salarial etc.) e daquelas de caráter regional, cujos horizontes temporais são de
prazo mais longo, como você verá no Capítulo 6.

Os economistas acreditam que, quando a Economia está crescendo
a taxas consideradas excessivamente elevadas, crescem as pressões in-
flacionárias, entre outras razões, porque aumenta o nível de emprego,
como explica a curva de Philips (Cap.4); nesses momentos, o governo
adota políticas macroeconômicas contracionistas.

Por outro lado, quando a Economia encontra-se em recessão, ou
mesmo com ritmo de crescimento abaixo daquele considerado adequa-
do — e, portanto, quando o nível de emprego cai —, o governo adota
políticas macroeconômicas expansionistas.

Destacaremos três tipos de política macroeconômica adotados em
economias como a brasileira: política monetária, política cambial e po-
lítica fiscal. Em cada uma delas dois aspectos serão realçados:

ATENÇÃO

Aspecto 1 – A impossibilidade de atingir todos os objetivos finais ao
mesmo tempo

De fato, os objetivos podem ser contraditórios. Talvez o exemplo mais discutido no
Brasil seja o da determinação da taxa de juros: a autoridade monetária eleva a taxa

98 • capítulo 5

de juros quando entende que deve conter pressões inflacionárias; por outro lado, quando reduz a taxa de
juros, alguns analistas econômicos apontam para o impacto positivo da medida em termos de crescimento
da Economia e melhoria do nível de emprego, enquanto outros economistas mostram preocupação com o
futuro comportamento da inflação.

Portanto, em linhas gerais, os economistas concordam com a ideia de que uma elevação
da taxa de juros ajuda no combate à inflação, mas representa um entrave ao crescimento
econômico e vice-versa. Como veremos neste capítulo, o mesmo tipo de discussão se aplica
a mudanças na taxa de câmbio e nos gastos do governo.

ATENÇÃO

Aspecto 2 – Interdependência entre as políticas macroeconômicas em razão dos efeitos
de um tipo de política sobre mais de uma variável

Um caso clássico é o da escolha de regime cambial e a política monetária adotada pelo Banco Central
(BC). Por exemplo, a opção por um regime de taxa de câmbio fixo semelhante ao adotado no Brasil, duran-
te a primeira fase do Plano Real (1994-1998), significa atrelar a política monetária — isto é, as decisões
quanto à determinação da taxa de juros básica — ao comportamento do mercado de câmbio, como será
explicado mais adiante neste capítulo.

Política monetária: definição e objetivos

Política monetária é o conjunto de medidas que podem ser adotadas pelas autoridades
monetárias (geralmente, o Banco Central) com objetivo imediato de controlar a oferta
de moeda, de alterar a taxa de juros praticada no mercado financeiro e de restringir ou
expandir o crédito bancário.

ATENÇÃO

O aumento da oferta de moeda, a redução da taxa de juros e a expansão do crédito, que geralmente
ocorrem concomitantemente, representam um aumento da liquidez, ou seja, uma política monetária expan-
sionista. Por outro lado, o aperto de liquidez ocorre quando o Banco Central atua no sentido de reduzir a
oferta de moeda, elevar a taxa de juros e restringir o acesso ao crédito bancário, significando uma política
monetária contracionista.

Essas medidas visam atingir em particular dois objetivos últimos: crescimento econô-
mico mais acelerado e taxa de inflação mais baixa. Entretanto, como mencionado anterior-
mente, considera-se que tais objetivos sejam conflitantes, ou seja, que a política monetária
deva ser orientada no sentido de obter maior crescimento ou menor taxa de inflação, de
acordo com as oscilações da conjuntura econômica.

capítulo 5 • 99


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