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MAGELLA MOREIRA & ROGÉRIO PEDRO Magella Moreira Belo Horizonte 2020 1ª edição
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COPYRIGHT 2020 | MAGELLA MOREIRA E ROGÉRIO PEDRO TEXTOS | MAGELLA MOREIRA EDIÇÃO | MAGELLA MOREIRA ILUSTRAÇÕES | ROGÉRIO PEDRO PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO | ROGÉRIO PEDRO REVISÃO | ROMA MARIANA DE AZEVEDO IMPRESSÃO | GRÁFICA CENTRAL EDITORA E DIGITAL LTDA Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem autorização por escrito dos autores. 1ª Edição, Belo Horizonte - MG, Dezembro de 2020 OLIMPOTUPINIQUIM Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Moreira, Magella Olimpo Tupiniquim / Magella Moreira ; [ilustrações] Rogério Pedro. -- Itauna, MG : Ed. do Autor, 2020. ISBN 978-65-00-14736-0 1. Folclore - Literatura infantojuvenil 2. Lendas - Literatura infantojuvenil I. Pedro, Rogério. II. Título. Índices para catálogo sistemático: 1. Folclore : Literatura infantojuvenil 028.5 2. Folclore : Literatura juvenil 028.5 Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427 20-53125 CDD-028.5
7 Boi-Bumbá Mula Sem Cabeça Mapinguari Lobisomem Velho do Saco Cuca Boitatá Guaraná Mandioca Iara Caboclo D’água Negrinho do Pastoreio Capelobo Murucututu Saci Pererê Pisadeira Curupira Bicho-Papão Boto Cor de Rosa Corpo Seco Boiúna Caipora Vitória-Régia 810121416182022242628303234363840424446485052
8 Já pensou se a criança nasce com cara de língua de boi? Cruz-credo! Talvez tenha sido esse o pensamento que motivou Pai Francisco a cometer tamanha atrocidade. Chico, um ex-escravo, gozava sua liberdade com sua esposa Mãe Catirina. Eles caminharam durante muito tempo em busca de um trabalho para manter sua família que estava crescendo. Catirina, com gravidez já um pouco avançada, não aguentava mais carregar aquela barriga pesada sem ter um teto para descansar e colocar os pés para cima. Corpulenta por genética de natureza negra, com a gravidez passou a pesar duas de si. Em meio a caminhada, a mulher avistou um senhor bem apanhado, que parecia de posses, e logo assuntou descobrindo que se tratava de um Fazendeiro da região. Tinhosa que nem ela só, atormentou Chico para que pedisse ao Fazendeiro um emprego. Pai Francisco era forte e não precisou muita conversa para que o dono de várias terras da região se interessasse por ele. Um negro forte como aquele, e querendo trabalhar, não era fácil de encontrar. Tornou-se vaqueiro da fazenda e passou a morar em uma casa de retireiro que o patrão disponibilizou para o casal recém-chegado. Sem chance! Pai Francisco renegou muito as investidas de Catirina e ao ver que não teria escapatória do falatório, decidiu acatar as vontades da mulher e depois fugiriam dali. O novilho travou uma luta com Chico em um pasto afastado dos olhos do Fazendeiro e acabou perdendo, tendo sua língua cortada. Ele abandonou o animal ainda com vida no mato, saciou a vontade da esposa e juntos, fugiram dali. Como aquele era um novilho de estimação, o Fazendeiro logo deu falta dele. Colocou funcionários e índios vizinhos na busca do animal, mas o que não queria era tê-lo encontrado da forma que encontrou. Já quase sem vida após ter perdido muito sangue. Pouco recurso havia para o animal. À medida que a gestação evoluía, Mãe Catirina começou a ter os famosos desejos de grávida, porém o último deles estava fora de cogitação do marido atendê-lo. O Fazendeiro tinha muitas cabeças de gado de corte, mas entre eles havia um novilho por ele estimado. Sua preferência pelo animal era de conhecimento de todos da fazenda, inclusive da mulher de Chico. Limites não foram feitos para ela e o seu desejo era comer a língua do boi predileto, logo a dele. Pai Francisco sabia que se pedisse ao patrão um animal para abater e saciar a vontade da mulher, com certeza ele daria, mas não o seu favorito. Em meio a busca do boi, o funcionário fujão e a dissimulada da mandante do crime foram encontrados e presos para serem entregues ao dono do gado. A preocupação do Fazendeiro no momento não era com os dois, na verdade nem estava lembrando que eles existiam, mas com seu novilho. Por sorte, no meio dos índios que ele também convocou para achar seu boi junto aos seus empregados, estava um experiente Pajé. Pediu então ao sábio índio que fizesse de tudo para curar o animal e como um milagre, depois de danças e rezas, o boi levantou e começou a querer tourear tudo que via pela frente. A alegria de seu dono foi tão grande que ele perdoou os malfeitores e ainda deu uma festa para comemorar. A partir daí nasceu a festa de “Bumba Meu Boi”, “Boi-Bumbá”, “Boi Calemba”, “Boi Zumbi”, “Boi Estrela do Mar” e outros tantos codinomes que lhe são atribuídos, tão conhecida no Brasil e, principalmente, no Estado do Maranhão. Ela acontece desde o século XVIII em São Luís do Maranhão e acabou se espalhando por vários estados brasileiros. É um misto de cor, dança, músicas, desfile e representação teatral. Só no estado Maranhense existem mais de cem grupos de Bumba Meu Boi. Por ter tamanha representatividade no folclore nacional, comemora-se no dia 30 de junho o Dia Nacional do Bumba Meu Boi.
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10 Tanto homem nesse mundo e ela foi fornicar logo com aquele que empunhava um rosário, usava batinas pretas e ainda por cima dentro da igreja. Por motivo desta ocasião, Deus amaldiçoou essa mulher que manteve relação com o Padre de sua comunidade e a transformou no ser lendário e aterrorizante: a Mula Sem Cabeça. Devia ser uma dessas beatas rezadeiras que não deixam um clérigo em paz. Vivem sempre à barra de suas vestimentas, não eximindo o sacerdote da culpa, mesmo porque de santo ele não tinha nada. Quando um não quer, dois não brigam. Pelo visto não houve castigo para ele, pois nunca se ouviu falar nada a respeito. Quem se deparar com a criatura, deve deitarse de bruços no chão, esconder unhas, dentes e prender a respiração durante o indesejado encontro. Caso contrário, se tornará vítima de seu ataque enfurecido. A maldição pode ser quebrada, mas isso vai depender de uma pessoa bastante corajosa, pois será necessário tirar seu cabresto ou furá-la com um alfinete virgem, tirando pelo menos uma gota de sangue da aberração. Depois disso, a Mula Sem Cabeça ganhará novamente a forma de uma mulher, só que arrependida. Em algumas regiões seu nome ganha variações como “Mulher do Padre”, “Mula do Padre” e “Mula Preta”. Já teve sua aparição televisiva na obra de Monteiro Lobato, o “Sítio do Picapau Amarelo”. Após a maldição cair sobre a mulher promíscua, nas noites de lua cheia de quinta-feira até o nascer do sol da sexta-feira, ela se transforma na Mula Sem Cabeça. Seu costume é galopar, soltando fogo pelas ventas, em sete povoados onde tenha uma igreja rodeada de casas. Outra forma de ter o desprazer dela aparecer, é alguém passar correndo em frente a uma cruz. Há quem diga que já viu a lendária, que ela é marrom e que possui sim uma cabeça. O motivo de a descreverem sem, é pelo fato da fumaça do fogo que sai pela boca e pelas ventas, encobrir a cabeça. Outra coisa relatada pelos possíveis videntes, são seus relinchos estridentes, ou até mesmo o choro semelhante ao de uma mulher. MULA CABEÇA
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12 Retratos falados, com base nas afirmações das quase cem pessoas que afirmaram terem visto o Mapinguari, mostram que é melhor nem vê-lo, já que beleza é algo desconhecido no vocabulário da criatura lendária, de estatura descomunal. Certa vez foi capturado algo parecido com o que poderia ser um filhote da lenda, mas um veterinário afirmou com veemência que se tratava de um filhote mutante de gato. Estranha a afirmação, pois onde aquela criatura havia sido encontrada, havia mais seis felinos com as mesmíssimas características. O que é descartada na preparação de uma típica galinhada, é a primeira coisa que o Mapinguari gosta de comer: a cabeça. Só que nesse caso de seres humanos. Depois ele devora todo o resto do corpo. O monstro emite sons parecidos com os emitidos pelos caçadores para atrair a caça ou, até mesmo, para se comunicar com outros caçadores e, quando um desavisado responde, ele corre para fazê-lo de banquete. Existem caçadores sobreviventes ao ataque, mas todos os que sobreviveram, sem exceção, tiveram seu corpo mutilado. O bicho não perde viagem e ao encontrar uma vítima, devora ao menos uma perna, mão ou braço. De dupla nacionalidade transitando entre a fronteira do Brasil com a Bolívia, o Mapinguari é um ser de hábitos diurnos, que considera a noite feita única e exclusivamente para dormir e descansar. Pelo menos em alguma coisa o horrendo monstro tinha que ser normal. Tanto se fala da sua ausência de beleza, mas para entender é necessário descrevê-lo: altura média de dois metros, mãos gigantes com garras parecidas a de uma preguiça e uma pelagem vermelha grossa de uma ponta a outra do corpo. Até aí tudo bem. Com essas características, vários cientistas acreditam tratar-se de uma preguiça gigante, sobrevivente à evolução da espécie, mas não para por aí: trata-se de uma espécie ciclope com um enorme olho no meio da testa, pés no formato de mão de pilão e uma enorme boca vertical que vai do peito à barriga e dentes pontiagudos. Para piorar, há uma minoria que diz que seu pelo lembra o couro de um jacaré e outros afirmam que ele carrega uma carapaça parecida com o casco das tartarugas. É uma mistura de preguiça gigante, com tartaruga, boca grande no formato da genitália feminina e um parentesco meio longe com o famoso Pé-grande americano. Já não bastasse tanta coisa ruim em um só mito, o bicho fede mais que um gambá. Dizem que seu papel na natureza é a proteção e a preservação do ecossistema, mas trata-se de uma afirmação contraditória, porém os que afirmam terem visto a criatura, falam que, por onde ela passa, deixa rastros de destruição. Ao andar pelas matas emitindo altos e estridentes sons, ele derruba árvores e deixa vastas clareiras como rastro. Um conhecedor da besta afirma que para matá-la é necessária uma pancada forte e certeira na cabeça, mas que ainda assim, não vale à pena correr o risco, deve subir imediatamente para a copa de uma árvore. Por possuir um fedor alucinógeno, se tentar combater o Mapinguari, ele pode usar dessa arma e fazer a vítima ver a noite virar dia. Por via das dúvidas é bom carregar uma preguiça a tiracolo, já que, apesar de serem parentes, o monstro tem medo do bichinho de cara dócil.
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14 Apesar de ser originária da mitologia grega e ter sua história desenvolvida principalmente na Europa, o Lobisomem também possui sua versão brasileira. Todas as regiões brasileiras, desde as mais longínquas e isoladas comunidades rurais até os grandes centros urbanos, já ouviram falar dessa lenda. Assim como alguns de seus amigos lendários, o Lobisomem também tem algumas aparições de cunho cultural e muitas das vezes chega a ser até internacional, como nos filmes de Hollywood. Já foi mencionado em músicas, livros, revistinhas em quadrinhos, novelas televisivas... A maldição pode ser quebrada de duas formas: uma é matando-o com algum objeto feito a partir do fogo ou feito de prata e a outra, que mantém sua integridade física, é chegando bem próximo dele, quando estiver despercebido e acertá-lo em cheio uma pancada na cabeça. Daí em diante poderá ser mudado o destino dado pelos seus pais e viver uma vida normal. Com a chegada do décimo terceiro aniversário, em uma terça ou sexta-feira após o dia exato que é comemorado seu nascimento, o menino, que acaba de entrar na puberdade, transforma-se pela primeira vez em Lobisomem e durante toda sua vida, quando a lua cheia estiver no céu o fato irá se repetir. Então, durante a noite clara, ele corre para uma encruzilhada e deixa que a fera tome domínio de seu corpo. Suas características se misturam entre as de um homem e de um lobo. Seu encantamento acaba sempre antes do dia amanhecer com o cantar do galo. Durante as noites em que se transforma, ele percorre sete partes da região, sete pátios de igrejas católicas e sete vilas. Além de uivar bastante, apagar as luzes por onde passa, o seu pior defeito é açoitar os cachorros. Como uma televisão pode fazer tanta falta na vida de um casal? Em dias tão difíceis, dois ou três filhos até vai, mas oito? Um só também não, mesmo porque não há no mundo coisa mais chata e mimada que o tal do filho único, salvo algumas raras exceções. Talvez nesse caso seja mais uma daquelas histórias onde o pai é machista e acha que filha mulher não serve para nada e precisa de um homem para ser seu sucessor. Vai tentando, tentando e pimba, o danado consegue. Mas aí já deixou de ser consumidor e passa a ser fornecedor, dando à sociedade sete filhas, mas o problema nem é esse. A situação é que a lenda diz que o oitavo filho, após sete mulheres, vira Lobisomem. Esse filho, independente da cor de pele de seus pais, sempre nasce branco como uma cera, magro, muito cabelo na cabeça, nariz comprido, orelhas grandes e pontiagudas. Só faltou ter olhos bem grandes e comer a vovozinha.
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16 A lenda, em sua versão original, fala que as crianças eram visitadas todas as noites pelo Velho do Saco de “Linhagem” sem ser notado, pois já estavam dormindo. O intuito da visita era ver se no pé da cama havia ou não uma fita vermelha amarrada. A criança que não respeitava, o pai ameaçava colocar tal adorno como forma de avisar que aquela criança podia ser levada. Cada um tem uma explicação para o que ele fazia com as crianças. Alguns falam que ele as levava para fazer sabão, outros para fazer botão e a versão mais recente, as capturam para o tráfico internacional de órgãos. Como a grande maioria das lendas possuem um cunho pedagógico, essa não fica nem um pouco para trás. Crianças travessas, mal educadas, sem ouvido, que não querem dormir cedo, não vão bem na escola e que ficam na porta de casa sozinhas ou brincando na rua, são presas fáceis para o Velho do Saco. Os pais não economizam em mencioná-lo quando os filhos não os respeitam. Não se sabe ao certo como são suas características físicas, mas quando o descrevem, não são as melhores. Dizem ser um velho ranzinza, corcunda, maltrapilho, de dentes estragados com aspecto escuro e barba grande. Há quem diga que a lenda chegou nas Américas junto aos povos Sintos, os ciganos, no fim do século XIX. Por esse motivo, sofre algumas variações quanto ao seu personagem. Uma hora trata-se de um velho, outra um cigano, ou uma terceira opção, um velho cigano. Cada região determina as características deste ser. VELHODO
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18 Em tempos de apelo pela exposição excessiva de imagem nas redes sociais, a Cuca conserva suas madeixas sempre bem lisas de um loiro platinado, roupas extravagantes e joias caras; mas nem sempre foi assim. A dona bruxa em questão já foi conhecida por ser uma bruxa velha, feia, cabelos desgrenhados. Não fazia questão de esconder os brancos, unhas grandes e afiadas como dos gaviões e mantinha o hábito de roubar crianças malcriadas. Na verdade, das crianças ela continua sendo o terror e as unhas continuam grandes, porém sempre bem-feitas pela sua personal manicure. Durante muito tempo e ainda hoje, existe uma cantiga de ninar onde ela é a protagonista. Sua história atravessou oceanos até chegar no Brasil junto com os colonizadores. Sua origem é de uma lenda galego-portuguesa onde a personagem chamava Coca e se tratava de um dragão que engolia crianças. Pode-se dizer que ela é mesmo um dragão, pois a bicha é feia demais. Sua fisionomia lembra um jacaré fêmea bípede, misturada a uma mulher de traços fortes e formas avantajadas. Cuca é comumente confundida com o “Bicho-Papão’’ por possuírem o mesmo propósito educativo, porém são mitos diferentes, uma vez que seu amigo de profissão é do gênero masculino e mora debaixo da cama e ela uma feiticeira que mora em uma caverna escura. Diz a lenda que a Cuca dorme uma noite a cada sete anos e por esse motivo os pais cantam a canção de ninar para as crianças dormirem, pois ela está sempre alerta para raptar as mais pirracentas. Nunca foi preciso ela roubar uma criança sequer, pois antes mesmo que ela chegasse em suas casas, as crianças se assustavam com seus gritos e gargalhadas e acabavam pegando no sono. Sua popularidade no Brasil cresceu através do sistema televisivo, devido ao famoso escritor de histórias infantis, Monteiro Lobato. Ele em sua obra literária, o “Sítio do Picapau Amarelo”, ainda a descrevia como a bruxa feia que sempre foi. O que não se esperava é que essa obra, onde ela e seus amigos folclóricos ganharam espaço, seria adaptada para a televisão. Muito se fez para que sua imagem não assustasse tanto as criancinhas em casa e por várias vezes teve sua aparência alterada. Além disso, já apareceu em histórias em quadrinhos e também em um musical. Exibida como é, sempre se vangloria por ter uma cantiga de ninar só sua, uma outra música feita por Cássia Eller, por ter feito várias aparições na televisão e por também ter seu rostinho recriado em uma obra de Tarsila do Amaral. A pintora doou esse quadro intitulado “A Cuca” ao Museu de Grenoble, na França e não bastasse a Bruxa “Jacaroa” ser um dos seres mitológicos mais populares do folclore brasileiro, hoje também é conhecida mundialmente.
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20 Assim como o fogo consome a pastagem seca, a escuridão e as águas consumiram a Terra como nunca foi visto antes ou depois desse episódio. Parecia que o tão temido Apocalipse havia chegado. O mundo estava tomado em trevas onde não se ouvia um barulho sequer de animais, do vento e muito menos sinal das estrelas no firmamento. Era um silêncio sepulcral e as famílias foram para dentro de suas casas temendo o pior. Todos queriam salvar suas vidas. Após o ocorrido e as coisas se normalizarem, Boitatá se tornou guardiã das florestas e dos animais. Quando identifica uma ameaça, ela se camufla em forma de um tronco em chamas e coloca fogo no malfeitor. Diz a lenda que, quem se encontra com ela e olha nos seus olhos fica cego, louco e depois morre. Uma sugestão é: ao notar a presença do lendário monstro, fechar os olhos e prender a respiração até que o bicho vá embora. Assim como alguns colegas pertencentes ao folclore brasileiro, o Boitatá também aparece em relatos do famoso padre jesuíta José de Anchieta no final do século XVI. Seu nome pode sofrer algumas alterações dependendo da região podendo ser chamado de: “Baitatá”, “Biatatá”, “Bitatá” e “Batatão”. Na penumbra da catástrofe, a única coisa que se via eram os olhos muito brilhantes dos animais mortos boiando sobre as águas. Há quem diz que o brilho ofuscante era o da última vez que os pobres animais puderam ver a luz do sol. A fome apertou para Boitatá que acabou precisando sair do seu refúgio para buscar comida. Como os olhos eram abundantes como faróis, bastantes chamativos, a cobra passou a se alimentar deles. Devido a ingestão de tantos, ela passou a ter um aspecto transparente, luminoso e, curiosamente, apareceram labaredas de fogo de um azul amarelado de uma extremidade à outra do corpo. Boitatá uma serpente enorme, prima longe da Anaconda, tão grande quanto, buscou refúgio em uma caverna bem alta. Nessa época era conhecida somente como cobra, pois ganhou esse nome depois do dilúvio ocorrido e as mutações sofridas. O nome da lenda, Boitatá, tem origem Tupi-guarani e quer dizer Cobra de Fogo. Como a chuva não cessava, ela acabou se adaptando à escuridão do seu esconderijo e como consequência, teve seus olhos ampliados. Homens não conseguiam cortar lenha para acender os braseiros e se aquecerem, muito menos caçar naquela escuridão. Estavam passando fome e frio em sua clausura. Os dias foram passando e a chuva começou sem indícios de parar. Era um dilúvio como o de Noé. Tudo se alagou e os animais que não conseguiram encontrar refúgio, acabaram morrendo e ficaram boiando à flor daquela imensidão de água. BOITATÁ
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22 A tribo Maués era a mais próspera. A caça era abundante, as festas fartas, seus guerreiros eram fortes e a felicidade ali era quase plena. Quase pelo fato que um belo e apaixonado casal de índios não conseguia ter filhos. Eram muito queridos e bastante tementes a Tupã, o Deus dos deuses Tupi-guaranis. Seus amigos se compadeciam da tristeza deles e questionavam a todo o momento por que eles não eram merecedores? Conhecendo a fé deles e sabendo que seriam atendidos, o Pajé aconselhou que pedissem a Tupã a graça da fertilidade, nem que fosse por uma única vez. Tupã não titubeou em sua decisão e passados nove meses, a tribo se alegrava ao ouvir o primeiro choro de Aguiry. O tempo foi passando e o menino foi se revelando um ser amável. Todos gostavam de tê-lo por perto. Pela força física que possuía e pelo espírito de liderança que o acompanhava, todos acreditavam que no futuro ele se tornaria o Chefe. Era um menino lindo, carismático, caridoso e com hábitos alimentares bem diferentes aos convencionais. Sua dieta era composta somente de frutas e todo dia ao amanhecer ele saía para colhê-las em abundância e dividir com a tribo. Sua chegada, com o cesto sempre cheio, se transformava em uma eventualidade festiva. Todos esses atributos nunca incomodaram aos seus semelhantes a não ser o esquisito Jurupari, o deus das trevas. O demônio da escuridão, espírito do mal, que tinha corpo de morcego e bico de coruja possuía o mesmo hábito alimentar daquela criança e cultivava por ele um ódio e inveja sem medidas. Durante muito tempo seguiu a rotina do curumim usando um de seus poderes, o de ficar invisível. Naquele maldito dia, Aguiry havia se distanciado muito das vistas dos que estavam nas ocas e Jurupari decidiu que aquela era a oportunidade de que precisava para ceifar a vida dele. Em um momento de distração do indiozinho, o monstro Jurupari usou outro de seus poderes e se transformou em uma enorme serpente venenosa armando seu bote certeiro e fatal. O veneno daquela víbora era tão forte, que em poucos segundos o menino já estava morto. A tarde foi chegando e nem sinal do menino. A noite caiu e, daquele momento em diante, o aperto no coração tomou conta de toda a tribo. O deus Tupã triste por não ter conseguido poupar a vida de seu predileto, deu àquela noite um luar muito brilhante, o mais forte de todos os tempos, para facilitar nas buscas ao menino. Lá estava o indiozinho sem vida estirado ao chão e ao seu lado o cesto de frutas derrubado. Nunca se ouviu tanto choro como naquela noite. Lágrimas regaram o corpo da criança e Tupã também não se conteve. Derramou sobre aquela noite uma tempestade de lágrimas e enviou rajadas de raios e trovões. Acompanhado ao barulho de um daqueles estrondos, disse essa mensagem a mãe de Aguiry: “Retire dele os olhos e os plante em terras férteis de sua tribo. Reguem com lágrimas durante quatro luas e deles eu farei nascer a Planta da Vida. Ela dará força aos jovens e revigorará os mais velhos”. Assim foi feito e naquele lugar nasceu uma planta muito parecida aos lindos olhos negros do agora conhecido “Príncipe Indígena”. A fruta que ganhou nome de Guaraná tinha as propriedades de todas as frutas do cesto que o indiozinho colhia todas as manhãs e trouxe ainda mais prosperidade a tribo Maués. Sua vida foi ceifada do convívio da tribo, mas sua lembrança foi eternizada naquela planta. GUARANÁ
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24 Quem a vê em uma panela, na composição de um prato, no caldo ou na simples e gostosa combinação com linguiça, ou torresmo, não sabe que a mandioca também deu origem a uma lenda Tupi-guarani. Passado algum tempo, os índios descobriram a serventia da planta na produção de alimentos e de uma bebida de gosto forte chamada cauim. Em várias regiões do Brasil ela possui nomes diferentes como: “Aipim”, “Macaxeira”, “Maniva”, “Castelinha”, porém o predominante é o que mistura o nome da finada indiazinha Mani e o nome do local onde nasceu a planta, Oca. A Mandioca tornou-se, para os índios, símbolo de alegria e abundância por se tratar de uma planta versátil da qual se aproveita desde as folhas até as suas raízes. Os pais, como forma de manter os costumes de sua tribo, abriram uma cova no centro de sua oca e lá depositaram o corpinho frio e sem vida de Mani. Durante um bom tempo aquele lugar foi regado por água e bastante lágrima. Porém, passados alguns dias do sepultamento, o chão que era motivo de muita saudade misturada com tristeza, deu lugar a vida de uma espécie desconhecida, uma nova planta. Era uma pequena árvore de folhas viçosas, raízes escuras, mas com seu miolo bem branco que lembrava a cor da menina. A tribo passou a acreditar que Mani havia dado vida a essa planta. Foi então que a mãe enlutada decidiu dar à nova espécie o nome de Maniva e, assim, homenagear seu anjinho. Sem que nada tivesse ocorrido, um mal caiu sobre Mani e ela adoeceu fatalmente. O que poderia ser feito para salvar sua vida, os indígenas fizeram. Nem milagrosas rezas do Pajé, plantas medicinais e unguentos com banha de animais raros foram capazes de salvá-la. A pequena e doce criança jazia morta e com um longo e costumeiro sorriso no rosto. Em uma tribo indígena um jovem casal apaixonado teve uma filha a quem deram o nome de Mani. Diferente das pessoas de seu grupo social, ela era uma menina de pele bem clara, como um branco alvejado. Não havia uma só pessoa na tribo que não a conhecia. Era uma criança linda, carismática e feliz. Brincava por todos os cantos e sua alegria contagiava as pessoas com as quais convivia na comunidade e em todo o lugar. Viver ao lado dela era sentir o céu na terra.
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26 Talvez seja dessa lenda a origem da frase “se correr o bicho pega e se ficar o bicho come”, pois era essa a situação na qual a pobre índia se encontrava. Não tinha alternativas e a que julgou ser a correta, foi a de preservar sua vida se defendendo dos seus opressores. Dependendo da região do Brasil, os cabelos e olhos de Iara vão do escuro ao mais claro. Alguns a confundem com o orixá africano Iemanjá e no Palácio da Alvorada existe uma escultura em sua homenagem feita de bronze e intitulada “As Iaras”. Possui aparições na obra de Monteiro Lobato “Sítio do Picapau Amarelo” adaptada para a televisão, revistas em quadrinhos onde é ilustrada, músicas e um poema só dela feito por Olavo Bilac. Iara manteve a beleza: do umbigo para cima continuou a linda índia que foi e, do umbigo para baixo, ganhou uma cauda de escamas brilhantes como as dos que a salvaram. Passa o dia sentada em uma pedra penteando seus cabelos com uma escova de ouro maciço, admirando sua beleza no reflexo das águas, brincando com seus amigos peixes e entoando cantos mágicos capazes de hipnotizar os mais espertos homens. E é isso que faz quando está sentada nas encostas, canta sua bela canção induzindo a aproximação dos homens e os leva para o fundo do rio de onde poucos conseguem sair. Os que por sorte se salvam, saem loucos da situação e só os ritos de um Pajé podem salvá-los da insanidade mental. Arrependida, a jovem índia fugiu mata adentro, mas seu pai com a ajuda de toda a tribo, após uma busca implacável, conseguiu capturá-la. Como pena pela morte dos irmãos, ela foi jogada nas águas amazônicas onde se encontram o Rio Negro e Solimões. Os peixes piedosos de deixar tamanha beleza se perder no fundo do rio, decidiram transformá-la em uma linda sereia e daí ganhou o nome Iara. Linda, corpo escultural, cabelos bem lisos e olhos castanhos eram as características da jovem índia guerreira. Iara ou Yara, do tupi Iuara, significa “aquela que mora nas águas”. Não haveria nome melhor para ela depois de todo o ocorrido. Era filha do Pajé de sua tribo e, apesar de mulher, a melhor guerreira que a tribo tinha. Seus atributos despertavam muita admiração de seu pai, acompanhada de vários elogios. Já de seus irmãos, o sentimento era outro. Eles alimentavam sobre ela muito ódio, fruto da inveja que tinham de ser a preferida de seu pai. Cansados de não serem notados, os invejosos decidiram que tirariam a vida dela, mas não contavam que ela escutaria todo o plano de morte e viraria o jogo. Quando os irmãos se uniram para matar a índia, ela, com suas habilidades de guerreira, saiu à frente matando-os primeiro.
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28 Apesar de tanta ruindade praticada, ainda assim o Caboclo D’água é querido. Sua fama fomenta o turismo nas cidades por onde o São Francisco passa e com isso já ganhou algumas homenagens por lá. Já foi eternizado em estátuas e também pode ser encontrado em miniatura como suvenir para recordação. Quanto às honras dedicadas a ele, a cidade de Juazeiro, na Bahia se superou com toda certeza. Construíram dentro do rio uma estátua dele sentado em cima de uma pedra cuja medida é de 12 metros de altura. E não para por aí. Bem quisto como ele é, assim como outras lendas, possui um dia dedicado a ele. Dia 24 de junho, Dia do Caboclo D’água. Às vezes ele deixa à míngua comunidades ribeirinhas inteiras, pois afasta os peixes para não caírem nas redes dos pescadores. Mas, como até quando se trata de criaturas lendárias, existe o famoso jeitinho brasileiro, basta jogar fumo na flor da água para que o Caboclo busque e saia dando mortais e mergulhos de alegria. Nesses casos ele até empurra cardumes inteiros de peixes para as redes e a fartura volta a reinar. Sempre existe aquele que é contra e decide não ceder aos caprichos para agradar a lenda. Como forma de se proteger pinta-se uma estrela branca ou crava facas no fundo da embarcação. Ambas as mandingas funcionam e servem para repelir a criatura e o pescador pode pescar sossegado. Muitas embarcações naufragaram e tiveram alguns ou todos os seus tripulantes mortos, porque quando o Caboclo avista, dá um jeito de balançá-las até virarem e afundarem. Outras mortes já foram atribuídas a ele, só que nesse caso, por causa de seu tesouro. Pessoas ambiciosas querem ficar ricas à custa da lenda e dizem que a moradia do Caboclo fica no fundo do rio, em uma caverna coberta de ouro 24 quilates e esse é o chamarisco para a terra dos pés juntos. Depois de mergulharem bem fundo em busca do possível Eldorado, só voltam de lá sem vida na companhia do bombeiro que efetuou a busca. O Caboclo D’água por vez também conhecido como “Nego D’água”, é lembrado por se tratar de um ser que habita o universo mítico brasileiro. Mais conhecido como o protetor do Rio São Francisco, independente da cidade ou estado que o rio cruza, lá está ele protegendo os peixes e as águas do Velho Chico. Acredita-se que apesar de seu porte físico, ele consegue alcançar altas velocidades e estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Suas características, para deixar claro que é um tanto quanto curioso dizer que se trata de um ser ágil, são de um homem bastante forte como os fisiculturistas, com a cabeça grande e troncudo. Para completar o pacote de esquisitices, possui um baita e solitário olho na testa e uma cor bronzeada de dar inveja às belas mulheres de comercial de bronzeador. Onde já se viu um monstro ter medo de um suposto monstro? Bem que dizem que dois bicudos não se beijam e, realmente, um dos principais amuletos para manter o Caboclo D’água longe de uma embarcação é a figura de uma tenebrosa criatura com tamanha bocarra, a Carranca. Estas são escupidas pelos pescadores nas proas de seus barcos como forma de se protegerem das investidas do endiabrado. CABOCLO DÁ’ GUA
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30 “Sem lenço, sem documento” seria assim que Caetano Veloso descreveria aquela pobre criatura de origem africana. Criança, órfã, negra e escrava era tudo o que ele era. Não tinha padrinho e nem nome, o que o fazia ser conhecido e chamado como Negrinho. Apesar de não possuir ninguém por ele na terra, sempre dizia ter uma madrinha celeste, a própria Virgem Maria. É uma lenda bastante conhecida em todo o Brasil, mas acredita-se que sua origem seja advinda da região Sul do país, no final do século XIX. Muitas pessoas dessa região quando perdem algo de estima, acendem velas para o Negrinho do Pastoreio à beira de formigueiros. Um amigo tão próximo da Virgem Maria não deixaria um amigo de fé em aflição. Trata-se de uma lenda afro-cristã. Passados três dias do fato, o fazendeiro decidiu voltar ao formigueiro e se certificar se o menino, por ele considerado maldito, jazia morto. Chegando ao local, o homem caiu de joelhos ao ver o menino resplandecente no lombo do cavalo causador da confusão, sem nenhuma marca na pele, tirando as últimas formigas que nele estavam e acompanhado de sua madrinha, a Virgem Maria. Ela, ainda mais resplandecente que seu querido Negrinho, deixou claro que o menino era seu protegido e que daquele momento em diante estava em Sua companhia no céu. O menino saiu galopando feliz pela pastagem e há quem diga que depois disso é visto pastoreando em cima do cavalo Baio. Fraco, mas determinado a trazer de volta o cavalo Baio fujão, Negrinho saiu em busca do animal. Encontrar o bicho ele até conseguiu, mas ele deu negas no garoto que novamente voltava sem o cavalo estimado de seu patrão. Dessa vez o fazendeiro o açoitaria com mais violência do que na primeira vez. Colocou o menino em um tronco e o chicoteou até ficar em carne viva. Não satisfeito com a tortura que proporcionou ao Negrinho, seu dono decidiu jogá-lo amarrado em um enorme formigueiro já quase sem vida, para que as formiguinhas o devorassem. Negrinho era propriedade de um fazendeiro muito ruim e por não ter ninguém, sempre sofria mais que os outros escravos da senzala. Um dia ficou responsável pelo pastoreio dos cavalos da fazenda e adormeceu durante a lida. Acabou perdendo de vista um dos cavalos de seu amo. Como não eram muitos animais e por se tratar de um cavalo de estima do dono, logo ele deu pela falta do animal e castigou o Negrinho com uma surra daquelas.
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32 Criatura originaria do norte do Brasil, parece ser feito pelo mesmo criador de Frankenstein. Cheio de partes diferentes, o Capelobo possui cabeça e focinho de tamanduá-bandeira, corpo de homem, pés em formato de fundo de garrafa, muito pelo no corpo, enorme e com garras também como do mamífero sugador de formigas. Outro detalhe que ia passar despercebido é que com suas características semelhantes às do animal mencionado, ele também acaba tendo hábitos parecidos, só que no caso ligado aos seres humanos. Ao encontrar um caçador, ele o abraça, quebra seu crânio e suga o seu cérebro. Gostinho esquisito do sujeito lendário. Acredita-se que para matá-lo, seja necessário um tiro certeiro no umbigo. Seu nome é de origem indígena, onde cape quer dizer osso quebrado e lobo é o próprio animal. Por ter características do animal inimigo dos ‘’Três Porquinhos’’ e de ‘’Chapeuzinho Vermelho’’, o ser lendário é considerado como o Lobisomem dos índios e, em tribos na região do Rio Xingu, acredita-se que os anciãos indígenas, após atingirem uma idade específica, podem assumir a forma de Capelobo. Em todos os relatos populares a narrativa é que se trata de um ser extremamente horrendo. Sua existência sendo comprovada, o Capelobo se torna o maior inimigo dos donos de Clínicas e Centros Veterinários, fazendo com que eles fechem as portas por falta de clientes. A afirmação é pelo fato de acreditarem que sua dieta alimentar seja a base de filhotes de cães e gatos, mas não dispensa um sangue de seres humanos. A forma de capturar suas presas é durante sua rotina noturna, visitando barracões, casas e acampamentos em busca desses animais. Passa a noite toda percorrendo regiões ribeirinhas e soltando altos urros. Existem variações da lenda onde dizem que esse pode assumir duas formas distintas: a forma humana e a de animal. Na primeira o mais adequado é dizer que se trata de uma forma semihumana. Ele parece o quebra cabeça de partes considerando metade do corpo sendo de um homem, focinho de tamanduá e corpo arredondado. Já em sua forma animal, possui o formato de uma anta, com estatura maior que a do animal, mais ágil e com a única diferença para o focinho e a pelagem. Acredita-se ter focinho parecido com o de um cão ou de um porco e uma longa crina negra. Quando mencionado com pata em formato de garrafa, muitos dizem que tem um pé só, assim como Saci Pererê. Isso porque os que afirmam ter visto a aberração falam que sua pegada é uma só em formato redondo.
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34 Em sua existência como um ser real em meio à natureza, o animal tem como dieta pequenos roedores, artrópodes e mamíferos. Seus ninhos são nidificados em cavidades de árvores e quando botam, são no máximo dois ovos por vez. A Murucututu também pode ser conhecida pelos nomes de “Murucutu”, “Coruja-do-Mato”, “Corujão”, “Corujão-Orelhudo”, “Mocho-Mateiro” e “Moruja-de-Garganta-Preta”. A “Mãe do Sono” ou “Ave Sonolenta”, como é conhecida na mitologia brasileira, não tem a sua participação única e exclusivamente no campo dos cochilos. Coitada! Bom seria se sua participação no clã folclórico parasse por aí, mas não. Em algumas tribos indígenas acredita-se que ela adivinha quando o sujeito está para morrer e anuncia através de seu canto. Por isso algumas pessoas acreditam tratar-se de uma alma amaldiçoada condenada a vagar pelas florestas. Há ainda quem acredita que o animal indefeso também pode ser considerado como o portador da boa sorte. Vai entender: pra uns, ser do bem, pra outros, do mal. Sua participação no universo das lendas é principalmente por acreditarem ser a “Mãe do Sono” e conseguir emprestá-lo às crianças que não conseguem dormir. Por esse fato, tornou-se protagonista de uma canção de ninar. É como se fosse um sonífero, aqueles homeopáticos, que tem eficácia contra as noites mal dormidas e não causam mal algum à saúde. Assim como várias outras lendas, tem sua aparição em uma obra literária e nesse caso é a protagonista. Nesta obra a avó conta a história para a netinha. Ocasionalmente essa criança consegue fazer amizade com a Murucututu e viver experiências com ela. Verdade verdadeira! Diferente dos demais seres lendários do folclore brasileiro os quais não se sabe se existem realmente, a Murucututu de fato é real. Ela é uma espécie de coruja encontrada em todo o Brasil. Mede cerca de 48 centímetros, uma das maiores das américas. Possui o dorso de penas pretas e uma mancha branca na cara que se assemelha com a letra X. A marca branca começa acima dos olhos caracterizando uma monocelha e vai diminuindo até chegar à parte inferior de seu curto bico. Seu nome foi dado por causa do som que emite, um canto grave e longo.
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36 Cientistas deram o nome dele a dois microssatélites, nerds colocaram-no em jogos. Tornou-se símbolo das forças armadas, ganhou o título de mascote de time de futebol e ainda por cima ganhou um dia dedicado a ele como forma de contrapor a influência folclórica internacional, 31 de outubro, Dia do Saci. O mesmo dia é considerado como o Dia das Bruxas em vários lugares do mundo. Como nada na vida é eterno, ele tem prazo de validade de setenta e sete anos e como não é único, sempre depois de sete anos do nascimento de um broto em uma moita de bambu, lá está mais um exemplar dele para atazanar a vida alheia. Nem depois de morto para de ser problema. Vira uma planta orelha de pau ou um cogumelo bastante venenoso que coloca em risco a vida de animais e crianças curiosas. Quase toda a sua vida é dentro da floresta e com isso, se tornou um exímio manipulador de ervas e plantas medicinais. Conhece mais da flora que muitos biólogos juntos e cura mais que muito médico. Quem dera que sua fama fosse pelo fato de possuir conhecimentos múltiplos e benéficos, mas foi construída pelas peraltices feitas ao longo dos anos. Sempre acompanhado de um barulhento redemoinho está o danado Saci. Muito travesso gosta de pregar peças em pessoas e animais. Esconde objetos, faz o feijão queimar, troca o sal pelo açúcar, joga o dedal de costureiras em buracos e trança o pelo dos animais. É uma missão quase que impossível capturá-lo, mas se tiver uma boa mira, joga uma peneira sobre o redemoinho e o moleque está pego. Fica inerte. Só assim para vê-lo quieto e se depois de tudo isso não arrancar de sua cabeça o capuz vermelho, foi tempo perdido e trabalho desperdiçado. Em seu gorro está sua força e seus poderes mágicos. Feito isso, é só colocá-lo em uma garrafa com uma rolha de cortiça, e usá-lo como um belo suvenir de penteadeira. O problema é aguentá-lo pedindo o tempo todo para sair. Surgiu de origens indígenas do sul do Brasil e hoje é a lenda mais popular do Olimpo Tupiniquim. Essa popularidade, que foi adquirida ao longo dos anos, o fez ainda menos modesto do que era. Com um nome tão conhecido, Saci já apadrinhou duas espécies da fauna brasuca, uma já extinta, o fóssil de um dinossauro encontrado em Agudo no Rio Grande do Sul faltando o fêmur esquerdo que ganhou o nome de Sacisaurus Agudoensise e uma nova espécie de anfíbio nomeada de Adenomera Saci. Essa espécie de sapo ganhou esse nome por possuir um assovio peculiar e irritante como se acredita ser o do Saci. Dizem que ele utiliza desse seu barulhento assobio para confundir os viajantes que cruzam seus caminhos pelas matas. A primeira vez que foi mencionada a sua existência, era um garoto de pele negra, endiabrado, com duas pernas e entre elas existia um rabo. Com a influência da mitologia africana, deixou de ter rabo, perdeu uma perna na roda de capoeira e ainda ganhou um pito no canto da boca que é ilustrado como um cachimbo fumegante. Seu gorro vermelho veio depois, também por influência da mitologia estrangeira, só que agora dos patrícios portugueses, referência essa retirada do lendário Trasgo. Saci é um dos mais conhecidos personagens do folclore brasileiro. Agora chamado por um nome curto de duas silabas, já foi popularmente conhecido como “Saci-Pererê”, “Saci-Cererê”, “Matimpererê”, “Matita Perê”, “Saci-Saçurá” e “Saci-Trique”. Ainda hoje encontra quem o chame por estes nomes, mas em expressiva minoria. Saci Pererê
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38 Médicos e estudiosos afirmam ser um estado conhecido como “Paralisia do Sono”, onde o indivíduo que se alimentou em demasia antes de dormir acaba sofrendo. O que faz com que isso aconteça é o fato de o cérebro acordar antes de todo o corpo e bloquear funções que poderiam fazer a pessoa se debater e machucar. Em muitos casos, causa alucinações. Chegada a hora do sono, ela desce de seu esconderijo onde vive e sobe com os dois pés, como um cachorro em cima do contemplado da noite. A vítima, ao sentir sua presença, desperta do sono, toma conhecimento do que está acontecendo, se apavora, entra em estado de choque e não consegue pronunciar uma palavra para pedir socorro. Enquanto a Pisadeira asfixia sua vítima com seu peso não condizente ao porte físico, solta uma gargalhada maléfica deixando à vista os terríveis dentes esverdeados. A vítima em estado de paralisia tenta se desvencilhar da inimiga, e quando ela está terminando o ataque, a pessoa consegue gritar espantando-a do quarto. Ninguém da casa a não ser a própria vítima consegue ouvir as gargalhadas. Algumas mortes ocorridas durante o sono já foram atribuídas à lenda. Chegada a noite, para ser mais exato, no horário de janta, a Pisadeira acompanha a movimentação da casa de cima do telhado e observa quem mais se fartou de comer. Essa será a sua vítima. Talvez sua magreza seja por falta de uma boa alimentação e, por isso, acaba odiando pessoas que cometam o pecado da gula. Provedora de uma feiura descomunal, a criatura noturna mais parece um cruzamento de ‘’cruz-credo’’ com ‘’Deus me livre’’. Pernas curtas, magra em pele e ossos, cabelos brancos e desgrenhados, estatura baixa, nariz grande e envergado para baixo, queixo enorme, olhos grandes e vermelhos, dentes esverdeados e unhas grandes e sujas são as características que descrevem a Pisadeira e a torna assustadora. Em lugares pacatos como no interior de Minas Gerais e ou São Paulo, são contadas as suas histórias. A Pisadeira ocupa seu tempo em rotinas noturnas assombrando a população. Difícil é saber como ela se divide entre os dois estados brasileiros, mas isso não importa. O importante é querer melhorar os hábitos alimentares noturnos e evitar uma indesejada visita da lenda tenebrosa durante o sono.
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40 Apesar dos pesares não se trata de um ser modesto, pois tem seu nome escrito na história do Brasil através dos relatos antigos do Padre José de Anchieta. Possui uma estátua em sua homenagem no horto florestal de São Paulo e também um dia dedicado a ele, 17 de julho. Não vale a pena querer experimentar de sua ira, pois o anão possui poderes sobrenaturais como emitir assobios estridentes, força descomunal, criação de ilusões e encantamentos. Uma das coisas que mais gosta de fazer é ficar descansando à sombra das mangueiras e saboreando seus frutos. Talvez seja daí o surgimento da expressão “o cão chupando manga”, utilizada para dizer que a pessoa é totalmente desprovida de beleza. Outra de suas peripécias e, com certeza a pior delas, é que o danado encanta crianças inocentes e leva-as para morar com ele na floresta. É literalmente um sequestro, mas o que o torna diferente de terríveis sequestradores é que ele não causa mal nenhum a sua vítima. Ensina-a a preservar a natureza e após sete anos de convívio, devolve-a ao seio de sua família. Conhecido de longa data, tem seu nome escrito em relatos do padre jesuíta espanhol José de Anchieta, em 1560. Curupira tem a fama de diabo das florestas. Há quem diz que ele açoita caçadores e seringueiros que colocam a vida da floresta em risco. Apesar de seu nome ser de origem Tupi-guarani que significa “corpo de menino”, ele de menino não tem nada. Onde já se viu uma criança gostar de beber e fumar como ele? Tanto que índios, caçadores e seringueiros deixam oferendas a ele nas trilhas como garrafas de pinga e fumo de rolo a fim de ter o endiabrado bem longe deles. Outra boa maneira de mantê-lo entretido é criando um novelo feito de cipós onde a ponta esteja muito bem escondida. Assim, como curioso que é, fica procurando a ponta e acaba se esquecendo dos visitantes da floresta. Não bastasse a fama de esquentadinho, para completar o Curupira tem os cabelos vermelhos que muitos dizem ser de labaredas de fogo. Para ser bem sincero, nada em sua aparência se encaixa em padrões de normalidade. Além do cabelo de cor flamejante, trata-se de um anão de porte forte e com os pés virados ao contrário. Isso mesmo, para trás. Dedos para as costas e calcanhares para frente. A explicação para tamanha aberração é que, por gostar tanto das florestas e dos animais que nelas vivem, ele usa suas pegadas invertidas para confundir qualquer um que venha ameaçar seu habitat. Por não gostar da vida movimentada da cidade, tudo de que precisa para viver está entre o verde.
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42 Por se tratar de uma lenda bastante conhecida em todo o Brasil, o personagem pode ser chamado por vários nomes e até mesmo ser confundido com outras lendas como da ‘’Cuca’’, mas cada um é cada um. ‘’Papa-Gente’’, ‘’Papão’’, ‘’Cuca’’, ‘’Papa-Figo’’, ‘’Tutu’’, ‘’Bitu’’, ‘’Boitatá’’, ‘’Manjaléu’’ e ‘’Mumuca’’ são alguns dos nomes ou apelidos, como preferir, dados ao Bicho-Papão. Pais mais tiranos, que querem resultados mais imediatos quanto ao comportamento dos filhos, ameaça-os com a possível visita do Bicho-Papão, falam que o nome da criatura é uma analogia ao fato dele gostar de comer crianças malcriadas. Mentira! Seus hábitos alimentares não são esses. Não se trata de um monstro canibal, mas sim de um assaltante de geladeiras em busca de comida. Enquanto os pais colocam os filhos para dormir rezando ou contando uma historinha, ele visita a cozinha da casa. Come de tudo, mas sua preferência é por guloseimas como bolachas recheadas, sanduíches, chocolates, sorvetes e frituras em geral. Precisa manter a comilança e a forma física para executar com louvor a profissão de causador de medo. Um dos artifícios encontrado pelos pais, para terem seus pestinhas sob controle, é entoando a famosa cantiga de ninar dedicada ao Bicho-Papão. É bonitinha e não convida o monstro a entrar, mas ainda assim, causa medo. O Bicho-Papão já foi mais famoso e possuía local de destaque na calçada das lendas, mas com a intervenção de pedagogos e psicólogos, na modernização de ações pedagógicas, o monstrengo acabou perdendo um pouco do foco dos holofotes da fama. O Monstro é obeso, feio, grande, peludo, de olhos vermelhos e bastante aterrorizante. Além de tantos adjetivos ruins, ele possui o poder de se transformar em qualquer bicho que queira, dando ainda mais força ao seu trabalho de assustar criancinhas indefesas. É contratado por pais que querem que o filho obedeça e durma, então o mencionam como forma de amedrontá-las. Tem doido para tudo por querer acreditar que o Bicho-Papão mora no telhado. Impossível! Fazendo juízo ao nome de batismo, o que ele mais gosta de fazer é papar. Palavra essa utilizada pelas mães de crianças como forma carinhosa de incentivá-las a comer. Para outras pessoas seu esconderijo pode ser debaixo da cama, dentro do armário ou atrás da porta. A última opção com certeza é a mais adequada, no caso dele, pois o bicho é gordo e bem provável que nas outras não caiba ou entale.
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44 Visto que não há mais tempo para tantos rodeios, o Boto convida a moça para uma conversa mais afastada e por estar enfeitiçada por ele, aceita seu convite de ir namorar no fundo do rio. A manhã chega, o encanto acaba, o homem toma a forma de animal como de costume e a moça volta pra casa sem entender muito do que aconteceu. Nove meses depois? BINGO! Mais uma nova mamãe vítima dos galanteios do animalzinho indefeso. Na região amazônica quando uma moça se torna mãe solteira e diz não reconhecer a paternidade da criança, justifica o caso como sendo mais um filho do Boto Cor de Rosa. Coitado, não sabe se ele que é a lenda ou a história esfarrapada das mulheres que usam desse artifício. Se fosse para pagar todas as pensões, heim Boto? Após escolhida a vítima, ele se apresenta como novo na região, joga seu charme e convida a pobre moça para uma dança. O rapaz dança tão bem, talvez seja uma espécie de dança do acasalamento, que encanta de forma avassaladora as ribeirinhas. A escolhida da noite estava no papo. Nunca ganhou um fora sequer, mas em todo desfecho de sucesso tem um porém: o jovem rapaz é uma versão masculina inversa da Cinderela. Nesse caso, se amanhecer, ele ganha sua forma original e morre por ser um peixe fora d’água, ou melhor, um mamífero. Noite adentro a comunidade festeja os santos, principalmente Santo Antônio por ter a fama de ser casamenteiro, e o Boto Cor de Rosa, agora em forma de um jovem Caboclo bastante bem apanhado, espera só o momento certo para fazer sua vítima daquela noite. Em sua transformação de um bichinho aquático fofinho da família dos golfinhos para homem bípede, ele se torna forte de porte atlético, tem um bigode muito bem encerado, usa um terno branco impecável que parece ter sido feito sob medida e exala um cheiro misto de lavanda junto ao feromônio. O que o difere dos outros homens, além da roupa na estica* e o bico doce de conquistador de quinta categoria, é um chapéu bastante estiloso. É bem verdade que seu Chapéu Palheta dá um toque especial no figurino, mas o que todos não sabem é que por baixo dele está o orifício respiratório que não desaparece com a transformação mal feita. E ainda há quem acredita na desculpa de filho do Boto. Está mais para conto da Carochinha ou história para boi dormir. No Brasil são comuns festas para homenagear os Santos Antônio, João e Pedro. É regada com muita dança, comidas típicas, uma fogueira enorme para espantar o frio e enfeites que alegram ainda mais o ambiente. Por serem ambas no mês de junho, a festa ganhou o nome de Festa Junina. No norte do Brasil essa tradição é ainda mais forte que outras regiões, fazendo até seres lendários saírem da toca, ou melhor, dos rios, para bagunçar a vida do povo ribeirinho. É que nessas noites festivas que o Boto Cor de Rosa, em uma beca mais alinhada, sai de um rio amazônico para cortejar garotas ribeirinhas. * Termo utilizado popularmente para designar alguém bem vestido. boto cor
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46 O bicho foi tão ordinário que até a terra o devolveu como forma de rejeição. Também pudera. Quem pode gostar de alguém que passou a vida inteira maltratando e espancando os pais? Não se sabe quem, mas de tão odiado que era em vida, acabou sendo assassinado e se tornou a lenda do Corpo Seco. Para conseguir sair de seu exílio, o Corpo Seco atrai pescadores que passam por ali. Inventa a história de um possível tesouro que seria dado caso a pessoa lhe dê uma carona até a outra margem e após conseguir convencê-lo, afoga a vítima naquelas águas ou pega-o à traição e tira sua vida. Algumas pessoas já disseram tê-lo visto em estradas de terra, sempre à meia noite das sextas-feiras, que é quando ele entra em ação. Felizmente os que relataram isso, saíram com vida, diferente de tantos outros que passaram pelo local. Nessa situação ele age como um vampiro e suga todo o sangue da vítima, deixando-a estrebuchando no chão até a morte. A única forma de se manter perambulando na terra é se abastecer de sangue todas as sextas. Pedro Vicente, um dos poucos amigos que o defunto teve em vida, se encarregou da difícil missão de transportar em um balaio os restos mortais do Corpo Seco até o local determinado. Com medo que ele pudesse se rebelar contra o amigo, o Padre sugeriu que Pedro levasse consigo uma vara de marmelo. Caso o coisa ruim atentasse contra o amigo, ele poderia usar a vara para uma boa surra e assim conseguir chegar ao destino final. Como era de se esperar, o morto tentou levar o amigo para seu novo mundo, mas foi repelido a varadas. Como mico em zoológico, o colocaram por recomendação do Padre da paróquia em um lugar ermo e delimitado por um córrego. Por saberem que a entidade não atravessava água nem até as canelas, o colocaram nessa gruta em uma ilha. Ao chegar no firmamento e também no inferno, não foi aceito por lá e foi impedido que permanecesse nos dois lugares. Com isso a sepultura também não quis e jogou-o para fora. Zé Maximiano era um morador do município de Monteiro Lobato, na região da Serra da Mantiqueira, no Estado de São Paulo e após sua morte começou a atormentar a vida dos vizinhos do Cemitério Municipal.
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48 Honorato após ganhar a fama de algo que nunca havia feito, pois se alimentava de cardumes e nada fazia contra a vida dos ribeirinhos, decidiu tirar a vida da malfeitora de toda a história. Nonato matou a irmã Maria. Nas noites de luar ele sempre saiu da água com a quebra parcial do encantamento em forma de um rapaz bem apanhado e sempre temia o final do encantamento pela manhã seguinte. Não queria voltar a ser Boiúna e muito menos viver nas águas doces amazônicas, mas para isso alguém deveria quebrar o encantamento enquanto estivesse em forma de Cobra Grande. Bastaria que alguém derramasse leite na boca da sucuri e fizesse um ferimento em sua cabeça que chegasse a sangrar. Para sorte de Honorato um soldado de Cametá, município do Pará lhe fez esse favor e o libertou do encantamento. Daí em diante pode viver novamente com sua família. A magia presente na lenda é conseguir se transformar em qualquer tipo de embarcação, seja ela pequena ou muito grande. Se o Titanic tivesse afundado em águas amazônicas, com certeza poderia se considerar o Boiúna como uma das possíveis causas. Nessa empreitada ele se alimentaria muito bem diga-se de passagem. Ao se movimentar nas águas, a cobra emite um barulho semelhante ao de hélices de grandes embarcações e movimenta as águas em grandes ondas. Os olhos do Boiúna são grandes proporcionais ao resto do corpo, luminosos como faróis e são utilizados para confundir pequenos barcos. Pescadores que se aproximam acreditando se tratar de grandes embarcações ao ver a luz dos olhos, acabam percebendo que a morte será certa e que é tarde demais. O barco é virado pela cobra grande e eles se tornam comida de sucuri. O Boiúna nome também dado aos filhos, é uma cobra enorme, muito brilhante capaz de refletir o luar em sua pele e que tem como morada o boiaçuquara no fundo do rio. Nonato não se revoltou quanto a atitude da mãe, mas Maria sim. Ela seguiu os hábitos do pai e se transformou em uma autêntica Boiúna. O pai Boiúna não conseguiu perder o encantamento de forma definitiva e quando envelheceu, precisou sair da água e viver em terra firme. Por se tratar de um ser mítico muito grande e desajeitado, para conseguir viver em ambiente terrestre, precisou de uma centopeia de cinco metros de comprimento para ajudá-lo a conseguir comida. Já seus filhos foram condenados ao mesmo destino, porém com finais diferentes. É uma lenda com diversas variações e se for compilá-la, a história começa com uma índia amazônica que decidiu dar “bola” para o Boiúna, que na língua indígena significa “Cobra Grande”. Desse relacionamento nasceram duas crianças-cobras gêmeas, um menino de nome Honorato ou Nonato e a menina Maria. A progenitora decidiu jogar os filhos n’água já que se tratavam de aberrações, frutos de um relacionamento com uma cobra, o pai, que perdia encantamento e vinha visitá-la em noites de luar.