51
localização de pessoas ligadas à criança ou ao adolescente, serviços especializados
assistenciais ou médicos, dentre outros.
Esse Estatuto proporcionou o surgimento de possibilidades para o
atendimento de acordo com as mais particulares demandas. E no que tange a
violência intrafamiliar, ele prevê a criação de “serviços especiais de prevenção e
atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos,
exploração, abuso, crueldade e opressão” (BRASIL, 1990). E concernente à questão
de violação de direitos da criança e do adolescente, estabelece a criação do
Conselho Tutelar em cada Município, como consta o seu artigo 131º “O Conselho
Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela
sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente,
definidos nesta Lei” (BRASIL, 1990).
No final do século XX, na década de 90, a posição do governo federal é de
efetuar cortes com gastos, se desresponsabilizando quanto às politicas sociais, as
quais foram consequências advindas da crise estrutural do capital da década de 70,
deste mesmo século. Tal fato acarretou numa significativa precarização do trabalho
e em desemprego, onde muitos profissionais foram demitidos e repassados para
ONGs, o que fomentou o crescimento e fortalecimento destas, por fim da ação da
sociedade civil22. Isto posto, ocorre assim uma correlação entre Estado, as então
chamadas organizações da sociedade civil e as empresas privadas, pois as ONGs
passam suprir o desemprego ocasionado do corte de custo do Estado, gerando
assim sua ascensão na sociedade, por outro lado o Estado economiza evita gastos,
e por fim as empresas privadas que financiam as ONGs tem o caminho livre para
fazer filantropia e abatendo nos seus impostos (PASSETTI, 2010, p.368).
É nesse cenário que surge o Movimento de Mulheres em São Gonçalo
(MMSG), uma organização não governamental fundada em 1989, com objetivo de
enfrentar todas as formas de preconceitos e discriminações. E ao longo dos anos de
lutas, esta organização desenvolveu inúmeros projetos, e um em especial recebeu
um empenho diferenciado, o Núcleo Especial de Atendimento à Criança e ao
Adolescente Vítimas de Violência Domestica e/ou Sexual de São Gonçalo, devido
aos índices elevados quanto a violência a e precarização no atendimento voltado
para crianças e adolescentes.
22 “Bobbio registra corretamente uma diferença essencial entre os conceitos em Marx e em Gramsci.
Com efeito, enquanto Marx identifica sociedade civil com base material, com a infra-estrutura
econômica, a sociedade civil em Gramsci não pertence ao momento da estrutura, mas ao da
superestrutura”(Coutinho, 2006, p.31).
52
3. CAPÍTULO II – O NEACA/SG E A DIMENSÃO SOCIOEDUCATIVA DO
SERVIÇO SOCIAL
3.1. A HISTÓRIA DO NEACA/SG
A cidade de São Gonçalo, em meados de 1950, não recebia incentivos
fiscais. E de acordo com Mendonça (2007), as consequências da crise acarretou no
agravamento das expressões da questão social, resultando no aumento expressivo
de desemprego, subemprego, miséria, violência, dentre outras. Sucateando as
políticas sociais, com crítica defasagem na educação, saúde e habitação, que
interferem diretamente na vida da população, sobretudo nas camadas mais
pauperizadas.
Decorrente desse desprovimento de infraestrutura implica que os recursos e a
arrecadação tributária não permaneçam em São Gonçalo, o que dificulta
significativamente a gestão municipal quanto aos programas de saúde, educação e
assistência social.
Com a eclosão de inúmeros movimentos progressistas no Brasil, fatores
decorrentes da luta contra a ditadura civil-militar em torno da noção de democracia,
e percebendo as dificuldades enfrentadas pelas famílias diariamente, sobretudo
mulheres que precisaram sair de suas casas para trabalhar para contribuir no
sustento de sua família, muitas vezes a única renda, a mulher mãe solteira, jornada
de trabalho intensa, gravidez, violência, dentre outras questões, que um grupo de
mulheres de São Gonçalo passou a questionar tais questões no intuito de encontrar
soluções, e assim surgiu o Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG) em
1989.
Primeiramente tratava-se de reuniões deste grupo de mulheres para debater
tais questões em prol de direitos humanos da mulher. Sendo instituído em 1991,
tornando-se uma organização não-governamental (ONG). E de acordo com a
pesquisa realizada por Rodrigues e Ohara (2010), ao longo dos anos, este grupo de
mulheres cresceu de tal forma que foi necessário reconhecer a importância de
abarcar outros temas nas discussões, não só a questão da mulher, uma questão de
gênero, mas também para com seus filhos e familiares. Assim, o MMSG cresceu,
ampliou suas ações trazendo informações por meio de palestras, cursos e
atividades, e grande parte nisso tem uma das fundadoras, a assistente social Marisa
53
Chaves, que com sua ação propagadora atraiu os interesses das mulheres do
Município para participarem deste movimento, fomentando assim a vontade dessa
parte da população de reconhecer e “lutar pela materialização dos direitos
constitucionalmente estabelecidos, para a população gonçalenses, passou a ser o
seu objetivo” (p.6), desenvolvendo ações de controle e mobilização social, defesa
dos direitos humanos de crianças, adolescentes e mulheres.
O MMSG, com área de atuação na assistência social, sobretudo na cidade de
São Gonçalo, é uma entidade organizada da sociedade civil, sem fins lucrativos, de
utilidade pública municipal e estadual, que atualmente participa ativamente dos
fóruns de debates promovidos pela sociedade civil e pelo governo, contribuindo na
elaboração e fiscalização das políticas públicas.
A sua missão principal é a defesa dos direitos humanos e proposição de
políticas sociais inclusivas, respeitando as diversidades e particularidades de cada
indivíduo com eixos norteadores como a reflexão, discussão e socialização
informações no acesso aos direitos, estimulado assim o exercício da cidadania.
Com base numa pesquisa do UNICEF no Brasil, no período entre 2000 e
2005, foram contabilizados 437 casos fatais de violência no lar, causado por
agressões físicas. E com base nesses estudos a Associação Brasileira
Multiprofissional de Proteção à Infância e a Adolescência (ABRAPIA) revela também
que incidência de violência intrafamiliar ocorreu em média dos 34,4% dos casos
analisados. E referente à violência sexual, foi constatado que 49% das crianças
vítimas deste tipo de violência, são violentadas em suas próprias residências, com
idades entre dois e cinco anos.
De acordo com a autora Homero (2007), no que corresponde ao município de
São Gonçalo, foi realizado em 2005 um estudo com alunos deste município, pela
pesquisadora Simone Gonçalves de Assis e a equipe do Centro Latino-Americano
de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli, da Fundação Osvaldo Cruz
(FIOCRUZ)23, tendo também o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo
à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)24 por meio do programa Cientista
do Nosso Estado. Este estudo foi realizado durante um tempo, iniciando na primeira
série do ensino fundamental, tendo como base o acompanhamento desses alunos, e
23 Maiores informações acessar: <http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/funda%C3%A7%C3%A3o>.
Disponível em 22/10/2016.
24 Maiores informações acessar: <http://www.faperj.br/>. Acesso em 22/10/2016.
54
um dos objetivos era delinear um quadro da violência que vitima esses alunos.
Assim, foi constatado no primeiro ano de estudo que os genitores afirmam educar
seus filhos aplicando violência física frequentemente, como ato comum. Os dados
obtidos são alarmantes:
76,5% das mães referem agressão menos intensa sobre filhos de ambos os
sexos, mas 58,2% informam agressão física severa, especialmente sobre
meninos. Em relação aos pais, 42,5% tiveram atos de agressão física mais
leve enquanto 25,5% agiram com violência severa contra as crianças,
especialmente as do sexo masculino. A severidade da violência é definida
por atitudes como bater ou tentar bater com objetos, dar murros ou chutes,
espancar, ameaçar ou usar armas ou facas contra a criança. Os dados
obtidos sinalizaram uma maior aceitação da violência física contra os
meninos (HOMERO, 2007, s/p).
No decorrer dos anos de militância, o MMSG percebeu a necessidade de
oferecer a população gonçalense uma atenção especial às crianças e adolescentes
que sofreram algum tipo de violência, pois no município de São Gonçalo havia uma
defasagem quanto às políticas públicas ou serviços de atendimento suficientes para
o acompanhamento e tratamento das vítimas que passaram por algum tipo de
violência. Cabe ressaltar o que foi constatado na pesquisa de Rodrigues e Ohara
(2010), sobre o MMSG que:
O NEACA foi criado quando o MMSG percebeu a necessidade de oferecer
uma atenção especial às crianças e adolescentes que sofreram algum tipo
de violência doméstica ou intrafamiliar. A proposta é dar continuidade ao
trabalho realizado pelo NACA. No período anterior ao NEACA, quando o
psicodiagnóstico emitido pelo NACA era conclusivo para o abuso, a criança
era encaminhada a diversos órgãos da rede de proteção, mas esses, na
maioria das vezes, só abordavam a questão da violência, devido às
exigências jurídicas e suas questões legais. Assim, a criança não recebia
acompanhamento ou tratamento e, além disso, a questão da violência não
era trabalhada com esses jovens e suas famílias (p.10).
Deste modo, em 2006, foi criado o Núcleo Especial de Atendimento às
Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência em São Gonçalo (NEACA/SG), por
Marisa Chaves, com o objetivo de trabalhar a questão da violência com as vítimas e
seus familiares, buscando reduzir as consequências resultantes do trauma
proveniente da violência perpetrada. O NEACA/SG visa o atendimento dos casos de
violência confirmados na cidade de São Gonçalo, enquanto o Núcleo de Atenção às
Crianças e ao Adolescente (NACA) supracitado está direcionado para os casos de
suspeita de violência.
55
Esse projeto pode se concretizar em decorrência do apoio fornecido pelo
Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de São
Gonçalo, que através do seu Fundo Municipal, aprovou e liberou, por dois anos
consecutivos, recursos financeiros advindos da Petrobras Distribuidora. E com esse
patrocínio a verba possibilitou a contratação de funcionários, comprar materiais e
arcar com o espaço físico para a execução do projeto NEACA.
O NEACA é fruto de uma ação pública desenvolvida pela entidade Movimento
de Mulheres em São Gonçalo, criado na tentativa de atender uma lacuna na política
de proteção especial dos direitos infanto-juvenis de acompanhamento especializado
interdisciplinar psicológico e social de crianças, adolescentes, jovens e famílias em
situação de violência doméstica e/ou sexual.
O Projeto NEACA/SG está alocado na sede do MMSG, que está localizada
na Rua Rodrigues da Fonseca, 201 - Zé Garoto/São Gonçalo. E inserido nas
proximidades, que compõe seu público, estão escolas, creches, cursos, igrejas,
ONGS, dentre outros.
Gráfico 2 – Sede do MMSG
Foto autoral.
O referido projeto é composto por uma equipe interdisciplinar constituída de
psicólogos, assistentes sociais, advogada, pedagoga, educadoras sociais, e
estagiárias (os) do Serviço Social, profissionais estes que, contratados ou
voluntários, atuam em prol do objetivo do NEACA/SG, que é garantir e ampliar o
atendimento especializado, continuado e integrado em rede, às crianças,
adolescentes, jovens e famílias em situação de violência doméstica e sexual.
56
A instituição, constantemente, produz materiais informativos sobre a violência
infanto-juvenil no município, que abordam assuntos como os recortes de gênero,
étnico-racial, deficiências, orientação sexual, os quais são distribuídos nas ações de
visibilidade que promove, seja com palestras nas escolas, seminários e ações de rua
em prol da conscientização da população, ampliando assim esse público.
Segue abaixo o logotipo que representa o projeto NEACA/SG.
Gráfico 3 – Logotipo do NEACA/SG
Fonte: http://neacasg.blogspot.com.br/
3.2. O PERFIL DOS USUÁRIOS ATENDIDOS
O perfil atendido no NEACA/SG na sua maioria são pessoas de classe social
baixa, mulheres, seja por demanda espontânea, indicação de amigos ou são
encaminhadas de algum outro órgão para o atendimento. Contudo, a equipe dedica-
se mais aos casos de violência comprovada contra crianças, adolescentes e jovens
até 29 anos, identificando assim como sendo uma demanda institucional, sendo
proposto pela instituição acompanhamento psicossocial jurídico e educacional
oferecido na própria instituição.
De acordo com uma pesquisa realizada na sede do NEACA/SG, no período de
estágio obrigatório II pelas estagiárias: Tatiana de Souza Coutinho e Kênia da Costa
Santos Lopes, entre os meses setembro e fevereiro de 2015, foram atendidos 70
usuários por meio de triagens ou retornos de casos já em atendimento continuado
com a equipe. E foi constatada nesta pesquisa que na população usuária, é
57
expressiva a porcentagem de criança e adolescentes, quase equiparados, como
representado no gráfico abaixo, elaborado pelas estagiárias:
Gráfico 4 – Faixa etária dos usuários
Cabe ressaltar que dos 70 usuários atendidos, a porcentagem que se destaca
é de usuários adultos do sexo feminino devido ao fato de serem as mulheres em sua
maioria que buscam atendimento no NEACA, seja para tirar suas dúvidas ou buscar
atendimento para seus filhos. De acordo com dados do IBGE, o município de São
Gonçalo tem concentrada sua economia no setor terciário, sendo a maior renda de
01 (um) a 05 (cinco) salários mínimos, o que inclusive percebemos na pesquisa
supracitada.
Gráfico 5 – Renda famíliar dos usuários
58
E apesar de São Gonçalo ser o segundo maior colégio eleitoral do Rio de
Janeiro e ser um dos 20 municípios mais populosos, apresenta baixo índice
desenvolvimento populacional se comparado aos municípios da região, pode ser
caracterizado como de alta densidade, de baixa escolaridade, de alto índice de
pobreza, totalmente urbana, com baixa cobertura assistencial dos serviços públicos
básicos e suplementares, com alto índice de violência infanto-juvenil e contra as
mulheres e de baixa empregabilidade formal.
A cidade divide-se em 05 distritos geográficos e noventa e dois bairros oficiais
(existem sub-bairros), sendo o Jardim Catarina o maior bairro plano da América
Latina. Ressaltamos que, de acordo com a pesquisa feita no NEACA/SG, este bairro
possui maior número de usuários atendidos.
Gráfico 6 – Local de Residência dos usuários
Os serviços locais não são suficientes para atender as demandas
populacionais dos gonçalenses que vem evadindo para outros municípios, como
Niterói e Rio de Janeiro para satisfazer suas necessidades com emprego e saúde, o
que aumenta o processo de migração na cidade. Outra questão também é que a
cidade dispõe de poucas áreas de lazer e recreação fazendo com que crianças e
adolescentes fiquem a maioria do seu tempo ocioso na rua e nos espaços públicos.
59
Ainda de acordo com essa pesquisa a maior parte da população (54%) possui
menos de oito anos de estudo, o que equivale dizer que não completou o ensino
fundamental. Tal informação pode-se perceber similaridade com a pesquisa feita
com base nesses 70 usuários supracitados, onde constatamos que 70% dos
usuários não concluíram o ensino fundamental.
Gráfico 7 – Escolaridade dos usuários
Segundo dados apresentados pelo Mapa do Fim da Fome II25
(FGV/IBRE/CPS, 2003), aproximadamente um quinto da população gonçalense vivia
abaixo da linha de miséria em 2000, se comparados os indicadores com a renda
média per capita no município, concluir-se-á que a população em São Gonçalo é
mais homogeneamente pobre que os municípios vizinhos. É grande o número de
pessoas que acessam políticas de transferência de renda intergovernamentais e
outro dado é a baixa arrecadação municipal.
25 PNUD/IPEA/Fund. João Pinheiro/IBGE, 2003 e CPS/IBRE/FGV, 2003.
60
Gráfico 8 – Situação trabalhista/previdenciária dos usuários
O Mapa da Violência26 dos municípios Brasileiros de 2008, elaborado por
Julio Jacobo Waiselfisz, diretor de Pesquisas do Instituto Sangari, traz uma pesquisa
no período entre 2004 e 2006, situando São Gonçalo como um dos municípios
brasileiros com maior índice de violência: 19º com grande número de homicídios da
população total em 2006, 3º maior do estado; 27º com maior nº. de homicídios da
população jovem em 2006. Portanto, esses fatores existentes no cenário histórico,
político e social do município se acentuam ainda mais com o aumento das
desigualdades sociais que contribuem para falta de participação da sociedade civil
para um maior controle social dessas questões. Esta situação contribui cada vez
mais para o aumento da violação dos direitos das crianças e adolescentes em São
Gonçalo, o que tem ampliado o campo da violência e a falta de programas e políticas
públicas para conter as consequências da questão social. Bem como constatada
também na pesquisa dos usuários do NEACA/SG a grande incidência de violência
contra crianças e adolescentes, com destaque para a violência sexual.
26. Disponível em: <http:// lcmconsult.com.br/portal/arquivos/mapa_da_violencia_2008.pdf>. Acesso
em: 31/10/2016.
61
Gráfico 9 – Tipos de Violência (usuários do NEACA/SG)
Ainda assim, o projeto NEACA/SG, é o principal instrumento em São Gonçalo
que atua na sua demanda com atendimento psicossocial direcionado para combater
todos os tipos de violências praticadas contra crianças e adolescentes, além da
efetivação dos direitos humanos desses sujeitos sociais, e nesse cenário está o
assistente social do NEACA/SG e a sua atuação voltada para a intervenção no
campo da política de atendimento.
3.3. A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL
O Serviço Social no NEACA/SG trabalha numa perspectiva interdisciplinar, ou
seja, o assistente social não atua isolado dos outros profissionais da equipe, mas
sim em conjunto, possibilitando desta forma a troca de saberes em prol de um
atendimento adequado visando sempre a melhor estratégia para atender as
demandas trazidas pelos usuários, bem como afirma Rodrigues (1998):
a interdisciplinaridade, favorecendo o alargamento e a flexibilização no
âmbito do conhecimento, pode significar uma instigante disposição para os
horizontes do saber. (...) Penso a interdisciplinaridade, inicialmente, como
postura profissional que permite se pôr a transitar o “espaço da diferença”
com sentido de busca, de desenvolvimento da pluralidade de ângulos que
62
um determinado objeto investigado é capaz de proporcionar, que uma
determinada realidade é capaz de gerar, que diferentes formas de abordar o
real podem trazer (p.156).
Portanto é de grande relevância que o assistente social tenha a capacidade
de refletir, perceber e reconhecer a importância da presença, as contribuições com
base nos conhecimentos das demais profissões da equipe interdisciplinar.
No NEACA/SG, esse profissional busca perceber em cada atendimento as
demandas singulares que lhes são apresentadas, e segundo Iamamoto (2003):
A leitura hoje predominante da "prática profissional" é de que ela não deve
ser considerada "isoladamente", "em si mesma", mas em seus
"condicionantes" sejam eles "internos" - os que dependem do desempenho
do profissional- ou "externos" - determinados pelas circunstâncias sociais
nas quais se realiza a prática do assistente social. Os primeiros são
geralmente referidos a competências do assistente social como, por
exemplo, acionar estratégias e técnicas; a capacidade de leitura da
realidade conjuntural, a habilidade no trato das relações humanas, a
convivência numa equipe interprofissional etc. Os segundos abrangem um
conjunto de fatores que não dependem exclusivamente do sujeito
profissional, desde as relações de poder institucional, os recursos colocados
à disposição para o trabalho pela instituição ou empresa que contrata o
assistente social; as políticas sociais específicas, os objetivos e demandas
da instituição empregadora, a realidade social da população usuária dos
serviços prestados etc. (p.94).
O assistente social é um ator institucional, o qual na dinâmica institucional é
identificado como a porta de entrada do atendimento desta instituição executando as
triagens. E um dos objetivos do assistente social está na busca pela identificação da
população atendida, conhecê-la, traçando o perfil socioeconômico das pessoas que
utilizam os serviços do NEACA/SG, e é a partir da triagem efetua-se o primeiro
atendimento e escuta dos usuários, preenchendo uma ficha de registro geral.
Ademais, os atendimentos subsequentes podem ser feitos individualmente ou
em grupo, e numa escuta sensível e ativa, que será abordado mais adiante. Esse
processo ocorre juntamente com articulação sempre que possível com a rede sócio-
assistencial do município e adjacências para assim poder criar estratégias para
poder intervir em prol dos direitos dos usuários.
Das atividades atribuídas ao assistente social estão os atendimentos que este
realiza seja no âmbito individual, casa ou familiar, bem como coordenando reuniões,
realizando palestras intra e extra institucionais e oficinas comunitárias e institucionais
relacionadas ao enfrentamento da violência contra a criança, adolescente e
mulheres. Constam também a realização das reuniões de categoria, isto é entre
63
assistente sociais e estagiários (as) do Serviço Social, participar também das
reuniões com toda a equipe técnica, realizar visitas domiciliares e institucionais,
elaboração de relatórios e pareceres sociais, participação em Fóruns, Conselhos de
Direitos da Criança e do Adolescente, da Mulher, de Assistência Social, Rede
Mulher, Rede Criança, promover ações de sensibilização nas ruas do município.
Desta forma, para exercer seu trabalho interventivo, o assistente social
necessita fazer uso dos mais variados instrumentos técnico-operativos, previamente
elaborados, que contribuirão significativamente para sua atuação na apreensão da
realidade e para conhecer um pouco os usuários. Assim, esse profissional norteado
pelos princípios ético-políticos para atingir esses objetivos precisa atentar em
consoante com Iamamoto (2007) que essa profissão:
requisita também, um profissional versado no instrumental técnico-
operativo, capaz de potencializar as ações no nível de assessoria,
planejamento, negociação, pesquisa e ação direta, estimuladora da
participação dos sujeitos sociais nas decisões que lhes dizem respeito, na
defesa de seus direitos e no acesso aos meios de exercê-los. (p. 208)
Os instrumentais técnico-operativos mais utilizados pelo assistente social no
NEACA/SG, a saber: entrevista, onde são coletados dados importantes para
identificar as demandas e estabelecer prioridades; ficha de registro geral, onde
constam as informações iniciais de identificação utilizada na triagem; ficha de
anamnese27, a qual contribuirá na análise profissional referente a qual posição está
situada seja a criança, o(a) adolescente ou o(a) jovem no que tange aos seus
direitos fundamentais; o formulário do anexo I e II de identificação com informações
mais detalhada dos usuários e familiares; e folhas de evolução para registro dos
atendimentos realizados. Esses instrumentos são de suma importância para o
melhor atendimento e nas articulações nas reuniões de equipe.
O Movimento de Mulheres em São Gonçalo adota como metodologia de
atendimento, o conceito de Rede, que na perspectiva da implementação da política
27 Formulário com perguntas objetivas sobre a criança ou adolescente vitimado, seus familiares e
informações básicas sobre o suposto agressor. Instrumento usado em forma de uma entrevista semi-
estruturada, capaz de levantar outras situações de ameaça ou violação inicialmente não sinalizadas,
pois levanta a situação do usuário frente aos diferentes campos e direitos, a saber: saúde, educação,
assistência social, segurança, convivência familiar e comunitária, profissionalização e proteção no
trabalho, cultura e lazer, respeito e dignidade. Esse momento suscita também nos envolvidos um
processo de avaliação, fazendo-os ampliar o campo de visão sobre a realidade presente. Informações
extraídas do Plano de Estágio Institucional.
64
de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. As Redes de proteção
pressupõem28 uma forma de organização horizontal, não-hierarquizada, que permite
a reunião dos diferentes atores sociais em torno de uma proposta comum, aqui
sustentada na proteção integral de crianças e jovens.
Sendo um projeto do MMSG, o NEACA/SG também abre campo para estágio
em Serviço Social, acreditando no quão relevante é para a formação deste futuro
profissional estar nessa equipe e aprender como atua um assistente social frente às
demandas trazidas pelos usuários. Este é um grande ganho tanto para com os (as)
estagiários (as), quanto para os assistentes sociais supervisores, pois existe uma
troca de saberes e experiências, numa renovação contínua, ficando estes sob
responsabilidade do (a) assistente social.
Mas como é a metodologia do trabalho do assistente social no NEACA/SG?
A atuação do assistente social transcorre em 03 (três) etapas: acolhimento,
avaliação e intervenção.
a) O Acolhimento
Primeiramente, há várias formas de o usuário chegar ao NEACA/SG, seja por
meio da demanda espontânea, por indicação de alguém ou encaminhado por algum
órgão competente, seja pelos órgãos de proteção e defesa como os Conselhos
Tutelares, Promotorias da Infância e os Centros de Referência Especializada de
Assistência Social (CREAS).
Assim, o primeiro procedimento realizado pelo assistente social é a triagem,
na qual o profissional faz uma escuta sensível e ativa, e o que isso quer dizer?
O assistente social faz a escuta do relato, preenche a ficha de registro geral e
durante esse processo chama o usuário à reflexão sobre seu dia a dia e pensar junto
dele as formas de enfrentamento das questões trazidas por ele, e isso faz parte dos
objetivos da atuação desse profissional, que age com propósito de intermediar as
demandas dos usuários. E durante esse relato o profissional identifica se há
demanda institucional ou não.
28 - "Uma rede é um agrupamento de indivíduos, organizações ou agências organizadas em bases
não hierárquicas em torno de questões ou preocupações, as quais atuam proativamente e
sistematicamente baseadas no compromisso e confiança. (WHO 1998)".
68
suspeita de violência para que assistente social verifique junto ao usuário quais os
procedimentos foram realizados por ele até o momento. Este deve acessar a rede de
proteção e encaminhar este usuário para, a saber:
Conselho Tutelar de abrangência do bairro da residência do usuário, para
fazer saber do caso de suspeita de violência;
Delegacia, para fazer um registro de ocorrência e o exame de corpo de
delito, para obter o laudo do Instituto Médico Legal (IML), o qual pode ou
não constatar a violência;
Hospital, para realizar o exame de profilaxia na suposta vítima e saber se
houve contágio de alguma doença sexualmente transmissível (DST).
Esclarecendo a importância de cada local para os quais fora encaminhado,
norteando-o também para outros lugares para atender alguma demanda não
institucional, mas assim é uma forma que esse profissional dá meios para que este
usuário possa ir atrás de seus direitos, estimulando a autonomia e o exercício da
cidadania.
De acordo com o Guia de Atuação Frente À Violência Doméstica e Sexual
contra Crianças e Adolescentes (2015), no município de São Gonçalo, já foi
implantada a ficha de notificação compulsória29 conquista de muita mobilização
política do MMSG, portanto esta também é utilizada enquanto instrumento para
sistematizar os dados. Composta de 5 (cinco) vias, que ao serem preenchidas pelos
profissionais serão enviadas aos devidos lugares, a saber:
1) Conselho Tutelar
2) Subsecretaria de Proteção Social Especial da SMDS30/CREAS
3) Secretaria Municipal de Educação de São Gonçalo/Coordena- ção de
Orientação Pedagógica
4) Secretaria Municipal de Saúde/Superintendência de Saúde
Coletiva/SUSC - Vigilância Epidemiológica de São Gonçalo
5) Deixada no prontuário de atendimento da vítima no arquivo da
instituição/órgão que notificou (p.25).
29 A notificação das violências foi estabelecida como obrigatória por vários atos normativos e legais.
Entre eles destacam-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei nº
8.069/1990; a Lei nº 10.778/2003, que institui a 8 notificação compulsória de violência contra a
mulher; e a Lei nº 10.741/2003, Estatuto do Idoso. Informações disponíveis em: <
http://www.pncq.org.br/uploads/2014/qualinews/portaria_1271_6jun2014.pdf>. Acessado em
28/10/2016.
30 Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social.
69
Posteriormente, o assistente social junto à equipe busca articular com a rede
de proteção para ter conhecimento dos desdobramentos resultantes dos
atendimentos, os limites e possiblidades dos mesmos, visando evitar a revitimização
do usuário, isto é, o mesmo ter que repetir incontavelmente a situação da suposta
violência perpetrada contra ele. Em consonância com o que pontuam Ferreira31,
Santos32, Gomes33 e Coutinho34 (2015):
Diante da alta complexidade do trabalho de abordagem dos casos de
violência doméstica e sexual infanto-juvenis, faz-se necessário a definição
de rotinas, procedimentos e fluxos interinstitucionais para que haja
complementaridade e não duplicidade de ações (p.47).
Vale ressaltar que tal duplicidade pode potencializar as consequências
causadas pela violência quando o usuário se dirigir às instituições as quais for
encaminhado como ao Conselho Tutelar, Promotoria da Infância, Delegacia Policial,
IML, dentre outros da rede, no sentido da violência institucional.
3.4. A DIMENSÃO SOCIOEDUCATIVA DO SERVIÇO SOCIAL
3.4.1. Contextualização histórica
O mundo passou por significativas transformações, no que tange às formas
de produção nas indústrias, e um fator crucial transcorreu devido à revolução
tecnológica. Tais transformações decorreram desde a crise dos modelos de
produção capitalista Taylorismo/Fordismo, que introduziram “sistematicamente a
mudança na organização do trabalho como instrumento para aumentar a
produtividade”, conforme Dal Rosso (2008, p.61). Sendo o fordismo um modelo e o
taylorismo uma forma de gestão do trabalho, nessa junção visando a produção
massiva, com maquinaria pesada nas grandes unidades de produção e expressiva
31 Assistente Social do Movimento de Mulheres em São Gonçalo – NEACA/SG.
32 Assistente Social que já atuou na equipe do Movimento de Mulheres em São Gonçalo –
NEACA/SG.
33 Assistente Social que já atuou na equipe do Movimento de Mulheres em São Gonçalo –
NEACA/SG.
34 Assistente Social que já atuou na equipe do Movimento de Mulheres em São Gonçalo –
NEACA/SG.
70
concentração de trabalhadores para atender o consumo em massa. Além disso,
pretendiam com essa forma de produção, perpetuar a dominação sobre a classe
trabalhadora, agravando a divisão social do trabalho, oriunda do próprio
desenvolvimento do capital).
O taylorismo, modernizado pelo fordismo, é o método de administração do
trabalho aplicado durante mais de meio século, entre 1920 e 1970, no
mundo inteiro. Sua crise começou a surgir com a revolta do operariado,
articulado com o movimento estudantil, nos idos de 1968 (DAL ROSSO,
2008, p.61).
Neste modelo estrutural, que perdurou concomitantemente ao estado de bem
estar social, as máquinas ditavam o ritmo da produção, baseada em divisão de
tarefas simplificadas, concentração de trabalhadores, maquinaria pesada, produção
e consumo em massa, com o intuito de aumentar a produtividade em menos tempo
e, assim, elevar a taxa de lucro.
Desta maneira, ocorreu uma superprodução para pouco consumo, o que
ocasionou a queda da taxa de consumo, e por consequência a queda da
rentabilidade. Para enfrentar tal crise, o capital, no final da década de 60 (séc. XX),
precisou elaborar respostas, visando recuperar a taxa de lucro. De acordo com Dal
Rosso (2008), as respostas do capital se aplicaram da seguinte forma:
Na esfera política, a implantação do Estado Neoliberal (Neoliberalismo), que
visava a desresponsabilização do Estado, dando liberdade à ação do capital. Essa
medida trouxe como consequência a desregulamentação da relação entre capital e
trabalho, do comércio e do fluxo do capital financeiro. Bem com privatizações,
redução dos gastos públicos, austeridade fiscal, combate à inflação, dentre outros
fatores;
Na esfera da produção, estabelecer a reestruturação produtiva, pois era
necessário reformular a produção, tornando-a mais ágil, flexível e racionalizada, ou
seja, com menos custos. Assim, nessa medida, o Taylorismo/Fordismo foi
substituído por volta de 1970 pelo Toyotismo, que se baseia na integração de tarefas
e na flexibilidade de mão-de-obra, em que se tem uma concepção "enxuta" de
romper com a produção em série e produzir somente de acordo com as
necessidades do consumidor. Substitui também a forma de organização produtiva,
que se baseia em envolver os trabalhadores com os objetivos empresariais
71
valorizando, assim, o trabalhador participativo, inovador e polivalente, que
desempenha várias funções.
As tarefas repetitivas deram lugar às máquinas programadas e o mundo
passou a exigir um trabalhador mais flexível que acompanhasse a evolução
tecnológica. Desta forma, surgiu a necessidade de incorporar mudanças na
organização produtiva por meio de uma reestruturação, que redefine socialmente o
processo de produção de mercadorias. Entretanto, segundo Mota e Amaral (2000), o
conceito da reestruturação produtiva vai além, pois:
Estas mudanças - seja em termos de ajustes, seja em termos de
reestruturação industrial – determinam novas formas de domínio do capital
sobre o trabalho, realizando uma verdadeira reforma intelectual e moral,
visando a construção de outra cultura do trabalho e de uma nova
racionalidade política e ética compatível com a sociabilidade requerida pelo
atual projeto do capital [...] Estas novas formas de domínio supõem a
socialização de valores políticos, sociais, éticos e a produção de padrões de
comportamento compatíveis com as necessidades de mudança na esfera
da produção e na da reprodução social (p.29).
Portanto, era de suma relevância recuperar a lucratividade com tais medidas,
adaptando a produção às necessidades do mercado, combatendo o desperdício e
superando o desinteresse dos trabalhadores, findando as greves, retomando, assim,
o controle sobre estes. E com a redução de gastos, na produção por demanda,
houve a redução do número de trabalhadores, os quais precisaram ser polivalentes,
trabalhando mais intensamente, como expresso nas palavras de Iamamoto (2008):
A reestruturação produtiva afeta radicalmente a organização dos processos
de trabalho: o consumo e gestão da força de trabalho, as condições e
relações de trabalho, assim como o conteúdo do próprio trabalho. Envolve a
intensificação do trabalho e a ampliação da jornada, a redução dos postos
de trabalho e a precarização das condições e dos direitos do trabalho (p.
143-144).
Essas mudanças afetaram tanto a esfera da produção, quanto às relações
sociais, gerando o agravamento da questão social, pois aumentaram as exigências
por trabalhadores mais qualificados, o que causou fragmentação e desmobilização
desta classe, reduzindo, consequentemente, sua capacidade de organização
política, e ocasionando a perda do sentimento de pertencimento a uma classe. A alta
competição entre os trabalhadores acarretou impactos em sua saúde física e mental,
devido à redução do tempo da produção ocorrida, precarizando assim as condições
de trabalho e diminuição do custo da força de trabalho.
72
Em decorrência da consolidação e expansão do neoliberalismo e da
reestruturação produtiva, ocorreram perdas dos direitos sociais já conquistados,
elevando a precariedade das condições de vida e de trabalho da classe
trabalhadora, do salário e, por consequência, aumentou a miséria, o trabalho
informal, o subemprego e o desemprego. O Estado se desresponsabiliza dos
investimentos em políticas sociais, o que configura, atualmente, mais um dos
desafios dos assistentes sociais.
Inicia-se, neste momento, por parte das empresas, uma preocupação em
desenvolver estratégias de envolvimento dos trabalhadores com os objetivos das
mesmas, programas e treinamento de produtividade e qualidade dos produtos,
esperando que o trabalhador se sinta de fato um colaborador da entidade em todos
os processos. Conforme apontado por Mota e Amaral, as estratégias das empresas
objetivam:
[...] o compromisso do trabalhador com o cliente-consumidor, a qualidade
total dos produtos e a produtividade e competitividade das empresas. Trata-
se de uma cultura que indiferencia os interesses dos trabalhadores e dos
capitalistas e inflexiona os comportamentos políticos dos primeiros (MOTA e
AMARAL, 2000, p. 38).
As indústrias precisaram, assim, inovar seu modelo de gestão investindo em
maquinários, flexibilizando os contratos de trabalho com adesão da terceirização,
implantação do programa de qualidade total, do sistema de benefícios, incentivos à
produtividade, capacitação e treinamentos, porém tem como exigências um
trabalhador polivalente e participativo, intensificação do ritmo de trabalho e execução
das tarefas.
Neste momento, com base na lógica neoliberal, com a desresponsabilização
do Estado e a restrição de recursos para as políticas sociais públicas, tidas como
uma das grandes causas para a crise do Estado, o assistente social será chamado a
intervir na relação “classe trabalhadora e empregador”, exatamente em questões
relacionadas às condições de vida, relacionamento familiar, à disciplina fabril e à
inadaptação ao trabalho. Este profissional é chamado “a implementar e viabilizar
direitos sociais e os meios de exercê-los”, porém, em meio às circunstâncias, “vê-se
tolhido em suas ações, que dependem de recursos, condições e meios de trabalho
cada vez mais escassos para operar as políticas sociais” (IAMAMOTO, 2008, p.149).
Por isto, é de suma importância a intervenção deste profissional nas mediações,
73
para que possa realizar o trabalho solicitado pela instituição, porém, e
principalmente, sem deixar de buscar atender a real demanda dos trabalhadores,
considerando os limites de sua inserção na divisão social do trabalho.
Cabe ressaltar a relevância do assistente social em se perceber enquanto
classe trabalhadora também, sensível a todas as mudanças atinentes a um
trabalhador assalariado. Portanto, “a reestruturação produtiva redefine socialmente o
processo de produção de mercadorias” (MOTA e AMARAL, 2000, p.34), pois pensar
no cotidiano, no mundo do trabalho, buscar conhecer suas particularidades, e com
base nisso construir estratégias e propostas de trabalho buscando sempre ser
inovador, e não só um executor, faz parte do conjunto de desafios que o assistente
social enfrenta no dia-a-dia do seu fazer profissional. Tendo em vista que seu
trabalho está condicionado nas relações entre o Estado e a Sociedade Civil, e que
este também precisa se enxergar enquanto classe trabalhadora, pois o mesmo
vende sua força de trabalho por um salário.
Deste modo, o assistente social, a todo o momento, deve buscar estratégias
para potencializar os valores do código de ética da profissão, observando e
refletindo acerca das expressões do seu objeto de ação, a questão social, bem como
considerando as atribuições privativas do Serviço Social para, então, gerar
possibilidades de mediações no ambiente de trabalho.
3.4.2. Conceituando a dimensão socioeducativa
O trabalho socioeducativo é uma prática substancialmente histórica do
Serviço Social. Vale ressaltar que no âmbito mundial, essa profissão sempre esteve
associada às práticas educativas:
Os trabalhos pioneiros de educação familiar e social de Octavia Hill e seus
colaboradores constituíram importantes referências para o desenvolvimento
da ação social com famílias de operários. A influência de Florence
Nightingale, situando um dos mais importantes instrumentos para a
realização de ações educativas, foi também marcante no processo de
racionalização da assistência e de sua organização em bases científicas
(MARTINELLI, 2000, p.103).
74
Com base no Código de Ética de 194735, o serviço social era considerado
como uma profissão voltada para o público feminino, e foi no período da revolução
industrial, o qual a classe operária passou a se organizar para reivindicar melhores
condições de trabalho. Tal fato fora associado como uma questão moral e religiosa,
portanto, uma ameaça à ordem social. Neste momento, o assistente social é
chamado a intervir no controle da questão social, isto é, para conter as massas e
seus movimentos reivindicatórios.
A partir de 1940 que o Serviço Social assumiu de fato um traço educativo,
com objetivo de esclarecer questões atinentes à vida social, visando à educação
popular36 com famílias de operários:
Educar a classe operária constituía-se em fornecer-lhe regras de bom senso
e razões práticas de moralidade, corrigir seus preconceitos, discipliná-los
nos seus trajes, nos lares, nos orçamentos domésticos, na maneira de
pensar, o que acabava, de certa forma, desqualificando sua maneira de
viver (NETTO, apud ELIAS e OLIVEIRA, 2008, p.68).
E, assim, poder interferir e adaptar a vida da população de acordo com as
normas impostas pela sociedade capitalista, com ajustes no cotidiano ou com
questões familiares e/ou laborais. Entretanto, “as ações profissionais dos assistentes
sociais atendiam muito mais aos interesses do capitalista do que aos do proletariado
enquanto classe” (MARTINELLI, 1991, p. 130).
No ano de 1957, o Serviço Social foi regulamentado como profissão por meio
da lei nº 3252. Com o passar dos anos, devido a inúmeras transformações
societárias, foi preciso uma nova regulamentação para a profissão, a lei nº 8662/93.
E uma década depois, ocorreu no Brasil e na América Latina, o movimento de
reconceituação do Serviço Social, no qual os assistentes sociais passaram a
contestar o modo como se dava o exercício profissional e a interpretação da
realidade. "Tal movimento possibilitou a construção da renovação do Serviço Social
brasileiro e latino-americano, deflagrando outras possibilidades de construção
interventiva, dentre elas, o trabalho socioeducativo” (TORRES, 2014, p.4). Com esse
35Maiores informações acerca deste assunto disponíveis em
<http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_1947.pdf>. Acesso em 16/11/2016.
36“A educação popular foi e prossegue sendo uma sequência de ideias e de propostas de um estilo de
educação em que tais vínculos são reestabelecidos em diferentes momentos da história, tendo como
foco de sua vocação um compromisso de ida-e-volta nas relações pedagógicas de teor político
realizadas através de um trabalho cultural estendido a sujeitos das classes populares compreendidos
75
fortalecimento de novas bases teóricas para a profissão, um caráter educativo foi
sendo configurado ao Serviço Social, atrelado às medidas da pedagogia
emancipatória, com influências de Paulo Freire e Antonio Gramsci (CARVALHO,
1983). Em contrapartida, há autores, como Faleiros (1999), que associam o conceito
de empowerment37 na elaboração de ações socioeducativas, afirmando que esse
conceito visa:
[...] aumentar a defesa dos Direitos; implementar novos contratos em prol da
ampliação da Cidadania; prestar informações de interesse do usuário
acerca das políticas públicas; articular as pressões e as expressões do
usuário; ampliar recursos administrativos e jurídicos para a defesa do
usuário; integrar níveis de intervenção e formar redes de ação em favor do
usuário; abrir canais de diálogo e participação etc. (FALEIROS, apud LIMA
e MIOTO, 2011 p.221).
Contudo, há autores que criticam o conceito de empoderamento, por
considerá-lo vago e ambíguo, e sim como um artefato:
Daí a noção de empoderamento social (empowerment) aparece, então,
como um tipo de instrumento de interdependência entre Estado e Sociedade
Civil, no sentido de munir os cidadãos de recursos que lhes permitam ter
capacidade para tomarem as próprias decisões. É uma abordagem que
coloca as pessoas e o poder no centro do desenvolvimento e um processo
em quem indivíduos, organizações da sociedade civil e comunidades tomam
para si o controle e monitoramento de seus assuntos e de suas vidas e
reconhece suas habilidades e competência para criar e produzir (SANTOS
JUNIOR, apud MAURIEL, 2013, p. 107).
Desta maneira, quando alguém recebe poder, existe grande probabilidade
deste indivíduo ser estimulado a lutar por direitos individualmente e não
coletivamente, como incita as ações do Banco Mundial. Isto é, são auferidos ao
indivíduo poderes, e isso acarreta em liberdades, com medidas voltadas para
superação da pobreza. Entretanto, tais medidas estimularão a criação de políticas
sociais compensatórias com finalidade de reparar os danos devido às vantagens
concedidas para causas individuais. Envolve também o questionamento acerca dos
limites do empoderamento em uma sociedade que tem como fundamento a não
liberdade concreta. O sujeito pode ser empoderado, mas continua sujeito às leis do
capital.
como não beneficiários tardios de um “serviço”, mas como protagonistas emergentes de um
processo” (BRANDÃO, 2002, pp.141-142).
37 O termo empowerment significa empoderamento na tradução fidedigna para a língua portuguesa e,
conforme Pinto (2011, p.18), a palavra empowerment, deriva da palavra power, que na língua
76
A dimensão socioeducativa pensada de forma critica emerge de transição dos
modelos de produção capitalista com a crise do capital na década de 70 (séc. XX).
Mas como isso foi identificado nesse contexto histórico?
Segundo Abreu (2002), a prática socioeducativa do Serviço Social foi
reconhecida na atuação do assistente social para com os trabalhadores das
indústrias, quando chamados a intervir no processo de adaptação e aceitação do
modo de vida, ou seja, passivando a classe trabalhadora com base numa cultura do
sistema capitalista de produção, situando-os da taxa elevada de desemprego e das
consequências, caso não se adaptassem. Em consonância com esse pensamento
estão Oliveira e Elias (2005, pp. 54-55) quando afirmam que:
[...] a instrumentalização política e intelectual dos sujeitos não garantem sua
emancipação. Embora os trabalhadores tivessem adquirido uma cultura
elaborada, ou seja, um patamar mais universal de compreensão do mundo,
com possibilidades mais amplas de ação, as condições materiais de
trabalho no modo de produção capitalista continuariam direcionando a
classe que vive do trabalho para a fragmentação e fragilização. Além de que
as mesmas continuariam moldando os padrões de sociabilidade sob a
hegemonia dos detentores do capital.
O Serviço Social é uma profissão, segundo Iamamoto e Carvalho (1996, p.
94), que está "inscrita na divisão social do trabalho, situa-se no processo de
reprodução das relações sociais" e a este conceito Netto (1991) acrescenta a
inserção do Serviço Social no contexto da produção/reprodução das relações sociais
da sociedade capitalista. No que tange a atuação interventiva deste profissional,
existem múltiplas dimensões norteadoras e constitutivas do Serviço Social, como a
teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa.
Previamente, cabe mencionar a respeito do termo “dimensão”, que Santos
(2002) o associa ao sentido de serem propriedades de algo, neste caso específico a
fatores inerentes e basilares à concretização do Serviço Social como profissão.
"Essas dimensões encontram-se presentes nas diferentes expressões do exercício
profissional: formativa, investigativa, organizativa e interventiva", existindo entre
estas uma relação de unidade, isto é, ainda que o Serviço Social seja uma profissão
interventiva repleta de particularidades e especificidades, tais dimensões têm uma
relação que as concatenam uma às outras. E “o que caracteriza esta prática
interventiva é o compromisso com a classe subalterna e o esforço por romper com a
portuguesa significa poder, “sendo esta a sua partícula central”. Bem como, “na língua portuguesa,
empoderecer, empoderar ou empoderamento também vêm de poder”.
77
proposta conservadora ainda presente no exercício profissional do assistente social”
(TORRES, 2009, s/p).
Assim, na ação interventiva do assistente social, a dimensão teórico-
metodológica lida com os mais diversificados conceitos que puder agregar para
conhecer e analisar a realidade de um usuário, por exemplo. Já a dimensão ético-
política está atrelada à percepção, de forma reflexiva e crítica, além da escolha
política, respeitando as normas estabelecidas no seu projeto ético-político e código
de ética da profissão38, bem como aos valores existentes na situação exposta pelos
indivíduos, estejam eles apresentados de forma direta ou indireta. Quanto à
dimensão técnico-operativa, esta diz respeito à parte prática da ação, em que ocorre
o desempenho da dinâmica observada, analisada, com base nos valores percebidos,
sendo, portanto, uma inter-relação entre dimensões citadas anteriormente, que
unidas contribuem para a criação de planos de ação para atender as demandas do
usuário.
No que se refere à palavra socioeducativo, de acordo com o dicionário
Michaelis online39, trata-se de um termo que “envolve aspectos sociais e
educativos”, em consonância com os estudos realizados sobre as obras de Paulo
Freire, em que se menciona a importância da estrutura da formação das palavras,
“de um ponto de vista semântico, sabemos que as palavras têm um sentido de base
e um sentido contextual. É o contexto em que se encontra a palavra que delimita um
de seus sentidos potenciais ou virtuais” (LIMA e CARLOTO, 2009, p.128). Isto é, o
sentido do termo é relativo e está diretamente relacionado com o contexto. Esses
autores afirmam que, embora Freire nunca tenha usado o termo socioeducativo, ele
o associa à ação cultural, numa espécie de troca de saberes, de cultura da
sociedade. E ressaltam que:
Embora as ações socioeducativas estejam bastante difundidas no âmbito
das políticas sociais como uma ferramenta de promoção da inclusão social
e possuam, no âmbito da política de assistência social, uma descrição
metodológica sistematizada em documento do Ministério do
Desenvolvimento Social, não se verifica clareza de concepção teórica (LIMA
E CARLOTO, 2009, p.128).
38 Entendendo que o código expressa a ética normativamente. No entanto, ética vai muito além do
código.
39 In: DICIONÁRIO Michaelis. Editora Melhoramentos Ltda, 2015. Disponível em
<http://michaelis.uol.com.br/busca?id=0LMvo>. Acessado em 05/12/2016.9
78
No entanto, concernente à dimensão socioeducativa, qual seria sua
definição? Como ela transcorre?
Como citado anteriormente, o fazer profissional do assistente social é
composto de múltiplas dimensões constitutivas, sendo uma destas a dimensão
socioeducativa, a qual visa o trabalho socioeducativo como um fator que oportuniza
a concretização de seu trabalho interventivo, considerada uma perspectiva de
intervenção na realidade social dos usuários, sendo solicitado tanto na esfera
pública, quanto na esfera privada.
No que tange a legislação social do Brasil, o trabalho socioeducativo é muito
citado e requisitado. Alguns exemplos, a saber:
No Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei nº 8.069/90, refere-
se que é dever de todos zelar pela dignidade de crianças e adolescentes, em
qualquer situação de violação de direitos. Frisando a educação também como direito
de todos. Assim:
Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e
cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante,
como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto,
pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos
agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer
pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
Na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)40, a lei nº 8.742/93, que
estabelece a assistência social como um “direito do cidadão e dever do Estado, é
Política de Seguridade Social não contributiva, (...) para garantir o atendimento às
necessidades básicas.” Desta maneira:
Art. 24-C. Fica instituído o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(Peti), de caráter intersetorial, integrante da Política Nacional de Assistência
Social, que, no âmbito do Suas, compreende transferências de renda,
trabalho social com famílias e oferta de serviços socioeducativos para
crianças e adolescentes que se encontrem em situação de trabalho.
Na Política Nacional da Assistência Social (PNAS/2004), a proteção
social atua na produção de “aquisições materiais, sociais, socioeducativas ao
cidadão e cidadã e suas famílias para suprir suas necessidades de reprodução
social de vida individual e familiar”; visando também a promoção do protagonismo e
79
autonomia do indivíduo, buscando desenvolver suas capacidades e talentos na
sociedade. Dentre essas ações, a PNAS/2004 estabelece serviços socioeducativos
a serem promovidos pelos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS),
como os “serviços socioeducativos para crianças, adolescentes e jovens na faixa
etária de 6 a 24 anos, visando sua proteção, socialização e o fortalecimento dos
vínculos familiares e comunitários”.
Na PNAS/2004, o trabalho socioeducativo é bastante mencionado, tido como
uma ação norteadora, o qual clarifica as alternativas pertinentes ao atendimento com
os usuários atendidos na rede da assistência social, seja acompanhando idosos,
mulheres, crianças ou adolescentes em situação de violência doméstica,
adolescentes em medidas socioeducativas, dentre outros. Em concordância com
essa ideia, Torres (2009, s/p) aponta que o trabalho socioeducativo é uma das
possibilidades para a materialização do exercício da profissional do assistente social.
Entretanto, a autora acredita que “o reconhecimento do trabalho socioeducativo, por
parte dos assistentes sociais, é controverso: uma parcela o reconhece associado à
matriz crítica41 e outra como prerrogativa da prestação de serviços na área das
políticas públicas”.
De acordo com Yasbek (1999, p.90), “[...] o Serviço Social participa tanto do
processo de reprodução dos interesses de preservação do capital, quanto das
respostas às necessidades de sobrevivência dos que vivem do trabalho”. Desta
forma, a ação interventiva do profissional é crucial na reprodução da vida dos
sujeitos, incitando a transformação social, ou seja, estimulando uma reflexão da
realidade social em conjunto, numa relação assistente social/usuário. Portanto,
“reflete uma proposta de prática vinculada aos interesses da população, voltada para
a perspectiva da transformação social [...] numa busca de superação do
paternalismo” (SILVA e SILVA, 2002, pp. 175 – 177), práticas essas que nos dias
atuais vêm sendo altamente aplicadas nos atendimentos, sobretudo na proteção
sociofamiliar.
O debate quanto à dimensão socioeducativa é um evento de grande
relevância exaltado por Oliveira e Elias (2005, pp. 41-42) que afirmam que esta:
40 Maiores informações disponíveis em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8742compilado.htm>. Acesso em 12/11/2016.
41 A matriz crítica está fundamentada na teoria social crítica de Marx. Assunto aprofundado em
IAMAMOTO, Marilda Vilela. A questão social no capitalismo. Revista Temporalis, nº 3, 2001 –
ABEPSS.
85
de encaminhar o usuário para algum órgão com objetivo de sanar determinada
demanda, ele elucida para o mesmo sobre a função e a importância de cada lugar, o
instruindo para, assim, poder tomar suas próprias decisões e fazê-las valer, para que
seja cumprido o que lhe é de direito.
Destarte, os procedimentos supracitados podem ser caracterizados como
ações socioeducativas, sobretudo porque propiciam que o usuário venha a ser um
multiplicador dessas informações, seja sobre os conceitos, direitos ou lugares e suas
especificidades.
Para tanto, despertar o conhecimento crítico da realidade e a mobilização dos
sujeitos sociais é fundamental que ocorra essas práticas educativas em conjunto dos
usuários do NEACA/SG.
Cardoso e Maciel (2000, p.143) relacionam também o trabalho socioeducativo
a uma questão cultural conveniente à classe dominante, detentora do capital, pois os
trabalhadores eram enquadrados para obedecer a regras como “[...] difusão de
normas de conduta, base de sustentação das estratégias de controle do capital
sobre o trabalho”. Assim, em concordância com o que afirma Abreu (2002), a
dimensão socioeducativa pode, inclusive, impulsionar para o esclarecimento político
dos sujeitos, estimulando a desmistificação da realidade imposta, que fomenta
também a reflexão do sujeito, que inicialmente pensa individualmente, voltando-se,
agora, para um olhar no coletivo.
Todavia, além do que ocorre nos atendimentos, quais são as práticas
socioeducativas que ocorrem/ocorreram no NEACA/SG nos últimos anos?
1) A equipe do NEACA/SG cria grupos interativos com oficinas, tanto para
crianças e adolescentes, quanto para os seus respectivos responsáveis, como nos
exemplos abaixo:
“Projeto grupo com adolescentes – NEACA”
Grupo criado com objetivo de proporcionar um espaço propício à troca de
conhecimentos e reflexão entre os adolescentes sobre temas como violência,
direitos da criança e do adolescente e assuntos referentes à adolescência. A equipe
envolvida traz questionamentos e incita que os usuários reflitam assuntos comuns
86
aos seus interesses, objetivos pessoais e profissionais, seus anseios e dificuldades,
visando criar em conjunto alternativas a seguir e formas de enfrentamento das
questões e, assim, fazer com que estes percebam a importância da
responsabilidade e que são sujeitos de direitos capazes de tomar decisões,
exercendo sua autonomia e cidadania.
“Grupo informativo para os pais e responsáveis do NEACA”
Grupo criado com objetivo de estabelecer uma roda de conversa com os
responsáveis de crianças/adolescentes atendidos no NEACA, sobre prevenção da
violência e promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes. O trabalho
socioeducativo aqui ocorre com os pais e responsáveis, logo, o alcance às crianças
e aos adolescentes ocorre de forma indireta. E neste grupo os usuários são
informados sobre as caracterizações das violências, que muitos ainda
desconhecem, estimulando a reflexão, ampliando seus conhecimentos, incitando,
assim, um posicionamento;
“Grupo Empodera Jovem: trabalhando a empregabilidade e
perspectiva de futuro”
Grupo criado com objetivo de promover reflexão, despertar interesses e
viabilizar o acesso a informações que ampliem suas chances na busca por
oportunidades profissionais. O trabalho socioeducativo ocorre de forma direta com
os usuários, abordando assuntos diferenciados a cada encontro, dentre eles: direitos
humanos; a prevenção e o enfrentamento à violência; o despertar da consciência
crítica; atitudes éticas; compreensão de direitos e deveres; conhecimento de suas
potencialidades e limitações e como ter uma postura empreendedora que resulte em
relações sociais saudáveis, as profissões, cursos, o ensino superior,
empregabilidade, entre outros.
Os temas são abordados por meio de rodas de conversas descomplicadas e
interativas, com oficinas e videodebates, oportunizando aos usuários uma visão mais
abrangente de possibilidades que muitos não acreditam ter direito; ampliar a
consciência da visão de mundo e, ademais, a forma como se enxergam nele,
estimulando o protagonismo juvenil; visando prover estratégias de combate às
87
possíveis lacunas que o trauma constrói, a naturalização da violência e a reprodução
da mesma, bem como a transgeracionalidade da violência, ou seja, a reprodução
desta através de gerações; a partir desse combate, ter uma forma de motivar para
transformar e que esses usuários sejam os protagonistas.
2) A equipe do NEACA/SG elabora campanhas socioeducativas, de âmbito intra e
extra-institucionais, assim como oficinas comunitárias e institucionais relacionadas
ao enfrentamento da violência contra a criança, adolescente, como:
Realização de palestras, oficinas e vídeo-debates comunitários e
institucionais relacionadas ao enfrentamento da violência contra crianças
e adolescentes, bem como sobre direitos e deveres dos mesmos;
“NEACA Prevenindo Violência e debatendo sexualidade” – um projeto
criado com a intenção de estender a atuação da equipe do Serviço
Social do NEACA/SG para além dos muros do MMSG, adentrando as
escolas de São Gonçalo. O trabalho socioeducativo aqui ocorre de
forma direta, com o objetivo geral de levar o debate para adolescentes,
acerca da detecção e prevenção precoce de violência. Dentre os
assuntos que a equipe visa abordar estão: a importância de falar sobre a
violência e seus possíveis agravos, questões de gênero, sexualidade,
DST/HIV, entre outros assuntos;
Elaboração, confecção e distribuição de materiais educativos
distribuídos em estabelecimentos como escolas, cursos, equipamentos
públicos, assim como nas ruas pela equipe do NEACA/SG, quando
ocorrem eventos no município na luta pelo combate a violência contra a
criança e o adolescente, promovendo, assim, ações de sensibilização
nas ruas do município.
3) Passeios culturais a museus, teatros e cinemas, dentre outros eventos, são
organizados visando oportunizar crianças e adolescentes usuárias do NEACA/SG a
sair do ambiente costumeiro, como casa e escola, para conhecer lugares e agregar
conhecimentos importantes para seu desenvolvimento.
88
4) Idas em Fóruns, Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, e
grandes eventos com temática condizente à luta pelos direitos da criança e do
adolescente. A equipe se organiza e convida os usuários para participarem, onde
são informados, estimulados a querer conhecer os órgãos em que são tratados os
seus direitos, contribuindo para o seu fortalecimento, amadurecimento e visão
crítica.
No NEACA/SG o assistente social não é um mero executor de ações
socioeducativas, assim como o usuário não é um mero receptor destas. O que de
fato ocorre é uma troca de saberes nessa relação profissional/usuário. Portanto,
essa prática repleta de reflexões, informações e orientações, de forma crítica e
construtiva, se caracteriza como ações da dimensão socioeducativa da atuação do
assistente social, a qual é considerada mediadora nas relações sociais, contribuindo
para consolidação do projeto ético-político do Serviço Social e para a transformação
social do indivíduo. O Serviço Social tem o papel fundamental nesse processo, pois
de acordo com o Código de Ética Profissional (Lei 8.662/93), no item das relações
com os usuários/as, o assistente social pode contribuir para:
c- democratizar as informações e o acesso aos programas disponíveis no
espaço institucional, como um dos mecanismos indispensáveis à
participação dos/as usuários/as.
Nesse sentido, os estudos acerca da dimensão socioeducativa são
necessários a fim de colocar em debate o modo como os assistentes sociais
realizam e reconhecem este tipo de trabalho, seus objetivos e sua importância, o
que será abordado no próximo capítulo.
89
4. CAPÍTULO III - A DIMENSÃO SOCIOEDUCATIVA SOB A ÓTICA DOS
ASSISTENTES SOCIAIS DO NEACA/SG
4.1. AS INQUIETAÇÕES DOS PROFISSIONAIS
Partindo da perspectiva de que os conceitos e as categorias para serem
compreendidos implica entendê-los como historicamente construídos. E no contexto
de violação de direitos, sabendo o quanto isso pode trazer ressonâncias
profundamente nefastas à autoestima e às perspectivas de futuro dos usuários,
como o Assistente Social pode contribuir na vida de crianças e adolescentes que
passaram por algum tipo de violência?
Quais as limitações que o Assistente Social encontra na dimensão
socioeducativa? Quais estratégias podem ser aderidas no enfrentamento dessas
limitações?
O profissional pode também propor alternativas interventivas com base na
análise das condições observadas na realidade de vida do usuário, tendo como base
a rede de proteção e de atendimento socioassistencial?
Destarte, partindo destas inquietações e de uma análise prévia acerca da
literatura que discute esta temática, observou-se que as políticas públicas voltadas
para o combate da violência contra criança e adolescente não são eficazes o
suficiente para dirimir suas consequências, visto que existem agravantes para
ocorrer, ainda, um aumento exponencial de suas vítimas. Mas que violências seriam
essas?
Baseado no conceito de Chauí (1985, p.35) em relação à violência, o que
ocorre é um fenômeno que traz uma relação desigual entre dominação e coisificação
humana. Assim, “esta se caracteriza pela inércia, pela passividade e pelo silêncio de
modo que quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, há
violência”.
Entretanto, há estudos mais aprofundados que classificam o conceito de
violência, que atinge crianças e adolescentes, em violência intrafamiliar e violência
doméstica. De acordo com Azevedo e Guerra (2005) a intrafamiliar corresponde à
violência que ocorre entre pessoas que possuem laços consanguíneos,
independente do local onde suceder. Já a violência doméstica, não se atém a
parentesco, podendo ser praticado por qualquer pessoa no espaço doméstico, que:
90
[...] sendo capaz de causar à vítima dor ou dano de natureza física, sexual
e/ou psicológica implica, de um lado, uma transgressão do poder/dever de
proteção do adulto e, de outro, numa coisificação da infância. Isto é, numa
negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como
sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. (AZEVEDO e
GUERRA, 2005, p.16)
Importante mencionar que ainda existem mais tipificações de violências contra
criança e adolescentes, e as mais mencionadas são: física, sexual, psicológica e
negligência. E em conformidade com o que pontuam Day et al. (2003, p.10):
Violência física: “ocorre quando alguém causa ou tentar causar dano por
meio da força física, de algum tipo de arma ou instrumento que possa causar
lesões internas, externas ou ambas”;
Violência sexual: “é toda ação na qual uma pessoa, em situação de poder,
obriga uma à outra à realização de práticas sexuais, utilizando-se da força
física, influência psicológica ou uso de armas ou drogas”;
Violência psicológica: “inclui toda ação ou omissão que causa ou visa
causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa”;
Negligência: “é a omissão de responsabilidades de um ou mais membros da
família em relação a outro, sobretudo àqueles que precisam de ajuda por
questões de idade ou alguma condição física, permanente ou temporária”.
4.2. A METODOLOGIA UTILIZADA
Deste modo, com o objetivo de analisar a atuação do Assistente Social numa
equipe interdisciplinar no NEACA/SG junto à rede de atendimento às crianças e
adolescentes vítimas de violência doméstica e/ou sexual no Município de São
Gonçalo no Rio de Janeiro, que direcionei e desenvolvi este estudo sob os moldes
da pesquisa qualitativa.
O método qualitativo foi escolhido devido à interação do pesquisador ao
fenômeno investigado, permitindo conhecer de perto a realidade social nas suas
particularidades, extraídas das falas ou convivência com os sujeitos, processo
91
essencial para que se possa interpretar e/ou compreender a totalidade do objeto a
ser estudado. Segundo Minayo (2012), a pesquisa qualitativa:
[...] responde a questões muito particulares [...] ela trabalha com o universo
dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e
das atitudes. Esse conjunto de fenômenos é entendido aqui como parte da
realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por
pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da
realidade vivida e partilhada com seus semelhantes (MINAYO, 2012, p.21).
Uma vez que não se têm muitos estudos sobre o tema proposto na referida
instituição, será adotada uma pesquisa de caráter exploratório, utilizando as técnicas
de entrevistas semiestruturadas, com vistas a obter informações sobre o Serviço
Social e a atuação do assistente social com crianças e adolescentes que passaram
por algum tipo de violência. Assim, a pesquisa de campo será desenvolvida junto
aos assistentes sociais da instituição que atendem este segmento populacional no
referido município. Sendo assim, de acordo com Minayo “é a pesquisa que alimenta
a atividade de ensino e a atualiza frente à realidade do mundo [...] embora seja uma
prática teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação” (MINAYO, 2012, p.16).
Considerando o perfil e as concepções dos assistentes sociais como peças
fundamentais para este estudo, foi solicitada autorização à direção do MMSG para
realizar entrevistas com estes profissionais. E assim que esta foi concedida, 07
(sete) assistente sociais, que trabalharam e/ou trabalham atualmente no NEACA/SG
foram cogitados para participar. Sendo que destes 07 apenas 05 (cinco)
profissionais foram convidados devido à inviabilidade de contato, haja vista não
fazem mais parte da equipe atual do NEACA/SG. Não obstante, estes 05 (cinco)
profissionais foram convidados e receberam o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, o qual convidava e esclarecia o tema do estudo e os objetivos desta
pesquisa. Bem como a liberdade de aceitar ou não participar e das garantidas à
confidencialidade e a privacidade das informações prestadas.
Um profissional que, a princípio aceitou participar, contudo passou a não
responder as tentativas de contato. Por fim alegou não acreditar que pudesse
contribuir com o estudo devido ao pouco tempo de atuação no NEACA/SG. No
entanto, foi esclarecido a este profissional que a entrevista para esse estudo não
tinha caráter avaliativo, e sim informativo. E que as percepções dos profissionais
independente do tempo de atuação neste núcleo eram fundamentais. Assim, embora
este profissional tivesse mostrado compreensão sobre o objetivo do estudo e
92
concordado em participar, não obtive mais repostas do mesmo. Desta maneira, sua
postura foi respeitada. Portanto, apenas 04 (quatro) profissionais se dispuseram a
contribuir para essa pesquisa.
Desta forma, as entrevistas ocorreram por meio de correio eletrônico e
gravações, devido à incompatibilidade de horários e distância. Os profissionais
participantes foram muito solícitos, interessados e empenhados para agregar à
pesquisa seus conhecimentos e percepções. E para o levantamento dos dados,
foram-lhes direcionadas perguntas fechadas sobre escolaridade, cargo, função,
tempo de trabalho na instituição, vínculo empregatício, entre outros. Além de
perguntas abertas com a finalidade de coletar informações e capturar, com mais
detalhes, as especificidades da prática profissional na atenção a este segmento
populacional, suas concepções e problematizações, além de relatar o grau de
satisfação no trabalho realizado com os usuários. O que demonstra estar em
conformidade com Triviños, pois a entrevista semiestruturada “[...] favorece não só a
descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de
sua totalidade [...]” (TRIVIÑOS, 1987, p.152).
Para tratar do contexto histórico, social e político, na qual se insere o objeto
deste estudo, foi utilizada, ainda, consulta bibliográfica em livros, teses, dissertações
e artigos de jornais, revistas e de internet que tenham relação com o tema proposto.
E tendo como base as palavras de Minayo (2012:27):
Ou seja, análise qualitativa não é uma mera classificação de opinião dos
informantes, é muito mais. É a descoberta de seus códigos sociais a partir
das falas, símbolos e observações. A busca de compreensão e da
interpretação à luz da teoria aporta uma contribuição singular e
contextualizada do pesquisador.
Ao longo desse estudo, foi utilizado um diário de campo para registrar o
cotidiano da instituição cujas anotações serviram de confronto entre os relatos das
entrevistas e os fenômenos observados durante o período de estágio. Portanto, os
dados coletados serão problematizados dentro do contexto histórico e social.
É de suma relevância para este trabalho de conclusão de curso conhecer as
percepções do profissional do NEACA/SG em relação à dimensão socioeducativa e
suas práticas. Para tanto, o roteiro de entrevistas foi estruturado em três partes: o
93
perfil do profissional, as funções do assistente social e as possibilidades e
impossibilidades no contexto de violação de direitos.
4.3. O PERFIL DO PROFISSIONAL
Partindo do princípio que este estudo visa identificar e esclarecer a dimensão
socioeducativa da atuação do assistente social na equipe do NEACA/SG, é
essencial conhece-los profissionalmente. Iniciando as entrevistas foi constatado que
todos os profissionais já estão formados há mais de 02 (dois) anos, sendo que 03
(três) dos entrevistados se formaram em Unidades de Ensino Superior Público e 01
(um) se formou numa Unidade de Ensino Superior Particular.
Dos assistentes sociais 02 (dois) possuem alguma especialização, onde um
profissional é especialista em Gestão de Pessoas e o outro em Atendimento a
Crianças e Adolescentes Vítimas da Violência Doméstica. E ambos com
especialização em instituições de ensino superior particular, fator relevante haja vista
que há escassez de ofertas de especializações deste tipo em instituições públicas.
Todos os entrevistados trabalharam mais de 01 (um) ano no NEACA, alguns
com vínculo empregatício celetista e outros em alguns momentos no voluntariado
devido às limitações financeiras enfrentadas pela instituição.
4.4. AS FUNÇÕES DO ASSISTENTE SOCIAL
Referente às funções que exerce ou exerceu como assistente social, todos os
profissionais afirmaram que lhes atribuem/atribuíram fazer:
Triagem;
Atendimento individual e em grupo;
Planejamento das ações a serem realizadas junto aos usuários (as) a
partir das demandas apresentadas por estes (as) durante os atendimentos;
Articulação e mobilização junto à rede sócio-assistencial do município e
adjacências;
Palestras intra e extra institucionais;
Reuniões entre assistente sociais;
94
Reunião com corpo técnico institucional;
Visitas domiciliares e institucionais;
Elaboração de relatórios e pareceres sociais;
Controle Social (participação em Fóruns, Conselhos de Direitos da
Criança e do Adolescente, da Mulher, de Assistência Social, Rede Mulher,
Rede Criança);
Ações de sensibilização;
Registro das informações através das fichas de atendimento;
Supervisão de estagiário.
Embora os entrevistados tenham identificado, em concordância, quanto às
atribuições do assistente social no NEACA/SG, quando questionados se existiu ou
existe funções imputadas indevidamente, por não serem de competência do
profissional do Serviço Social, apenas um profissional respondeu afirmativamente.
Tive vários embates com a coordenação por conta de tarefas/funções que
eram exigidas “a todos”, sob o discurso de colaboração em prol da
instituição. Contudo, esta colaboração era sempre cobrada para equipe do
Serviço Social (Entrevistado 01).
Em contrapartida, um dos entrevistados justificou sua negativa, alegando que
os profissionais têm liberdade nas ações neste núcleo, e que podem optar por
realizar ou não realizar atividades que não são da competência do assistente social.
Este ainda citou exemplos como colaborar com as atividades de equipes de outra
categoria, seja nas oficinas ou passeios com os usuários. E fez a seguinte
afirmação:
“isso não me tira do lugar de assistente social, até porque a gente trabalha
em equipe então tem algumas coisas que às vezes vai necessitar da gente
estar presente, mas isso vai da sensibilidade de cada um” (Entrevistado 04).
De acordo com este profissional essa colaboração é importante para um
melhor funcionamento da instituição, entretanto não pode ser tratada como uma
obrigação, fato este que na visão deste entrevistado não ocorre. Em conformidade
com o que está preconizado no Código de Ética do Assistente Social, dos direitos e
das responsabilidades gerais, que traz: no Art. 2, “h - ampla autonomia no exercício
da Profissão, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais incompatíveis com
as suas atribuições, cargos ou funções”.
Com base nesses relatos, foram observadas divergências quanto a esse olhar
para a atuação profissional, pois há indicativos da existência de uma correlação de
forças totalmente verticalizada, devido a uma questão de hierarquia. O Entrevistado
95
01 questiona uma colaboração cobrada, com maior intensidade sobre a equipe do
Serviço Social. E citou exemplos como entrega de documentações em outras
instituições, recepcionar os usuários na ausência da recepcionista, dentre outras
atividades.
Desta forma, cabe ressaltar que estas situações são bem recorrentes em
ONGs, onde podem ocorrer cobranças de formas diretas ou indiretas, sob forma de
cooperação da equipe em prol da militância pelo funcionamento institucional e pelos
direitos do usuário. Entretanto quando é cobrado como uma obrigação do
profissional é um fator bastante contraditório com base no Código de Ética
profissional. São assistentes sociais tolhidas de autonomia, bem como nos traz
Montaño (1999), sobre a importância do empenho destes profissionais pela sua
legitimação, buscando constantemente revestir-se de saberes atinente a profissão,
atualizando-se e qualificando-se para atender as demandas dos usuários da forma
mais adequada possível. O assistente social no terceiro setor sofre os impactos na
sua atuação, que para trabalhar com as expressões da questão social poderá
enfrentar condições diferenciadas desde as demandas até referente ao espaço
institucional. Portanto, quanto a essas condições:
“é importante salientar que elas chegam, por vezes, a extrapolar o que está
previsto na lei de regulamentação da profissão (8.662/93) no tocante as
competências e atribuições profissionais, principalmente a partir da difusão
dos princípios da ajuda e solidariedade o que pode “levar à
desprofissionalização do atendimento social” (ALENCAR, 2009, p.458).
No que tange as principais demandas do NEACA/SG ao Serviço Social, os
assistentes sociais entrevistados não destoaram nas suas percepções e apontaram
a violência contra criança e adolescente como objeto do trabalho neste núcleo, e
como atuam diante das demandas:
Tendo este profissional a capacidade de reconhecimento da realidade para
além do aparente, neste campo de atuação, o assistente social acolhe a
demanda, procurando analisá-la à luz das interrelações com os outros
fatores condicionantes da situação (Entrevistado 01).
Identificamos que a porta de entrada é a violência doméstica e sexual contra
crianças e adolescentes, porém o NEACA-SG trabalha de forma sistêmica,
isto é, compreende um trabalho de escuta ativa e sensível, utilizando-se de
todos os recursos possíveis, além da demanda trazida, esta é acolhida e
avaliada, recebendo as orientações e encaminhamentos internos e externos
96
devidos, seja ela relacionada à saúde, saúde mental, assistência, moradia,
educação, entre outras, do atendido e seus familiares (Entrevistado 02).
Direcionando a entrevista com a intenção de aproximá-la à dimensão
socioeducativa do setor de Serviço Social do NEACA/SG, é fundamental saber como
os profissionais apreendem o trabalho socioeducativo neste espaço institucional, os
quais pontuaram que:
O trabalho socioeducativo se dá através dos atendimentos e desenvolve-se
no decorrer dos encontros, como também nas atividades de grupo
(Entrevistado 03).
Tanto no NEACA como em qualquer outro espaço, o assistente social tem
no seu fazer profissional, um trabalho socioeducativo, mesmo que não
perceba. E esse caráter socioeducativo do assistente social se expressa na
orientação, no acompanhamento, na socialização das informações e no
processo reflexivo que fazemos nas nossas intervenções/atendimentos
(Entrevistado 01).
Foi constatado que os entrevistados pontuaram de maneiras muito próximas,
compreendendo que este trabalho pode ocorrer desde o primeiro atendimento, seja
de forma individual ou em grupo, voltado para ações de orientação, prevenção da
violência contra crianças e adolescentes e na promoção de formas de enfrentamento
da mesma, estimulando o exercício da cidadania, em concordância com o que foi
pontuado anteriormente no tópico 2.4 deste trabalho. E relativamente aos objetivos
das ações desta dimensão foram sucintos e diretos ao discorrerem que são
essenciais para:
(...) o trabalho preventivo da violência contra criança e adolescente, como
também na formação de uma cultura baseada na não violência, enfim, na
contribuição da efetivação dos direitos humanos (Entrevistado 01).
Viabilizar o acesso à informação necessária para garantir a construção de
conceito e opinião, além do empoderamento para o enfrentamento das
questões sociais (Entrevistado 03).
Já o Entrevistado 04 pontuou a importância de fortalecer a família do usuário
diante da situação de fragilidade e violências, informando os direitos que lhes são
constitucionais e orientando-os com intenção de viabilizar o acesso a esses direitos.
Assim, sucintamente afirmou:
97
Eu entendo que o nosso trabalho o tempo inteiro é socioeducativo
(Entrevistado 04).
E como exemplo, citou que até mesmo quando a demanda não é institucional
o trabalho socioeducativo acontece no NEACA/SG. E com base no que já fora
abordado no tópico 2.4, embora a demanda não seja institucional, o assistente social
se empenha para apontar algum serviço na Rede do Município e adjacências,
esclarecendo para o usuário do que se trata este serviço, para que serve e como
ocorre o atendimento no local para onde está encaminhando-o, por exemplo.
Diante da questão conceitual suscitada sobre a dimensão socioeducativa e
suas práticas, foi constatada a importância de esclarecer três pontos.
O primeiro ponto a ser retratado é apontar que foi observado como é escassa
a produção teórica acerca do tema deste estudo. Portanto, cabe ressaltar a
dificuldade para encontrar bibliografia para discorrer sobre o referido tema.
O segundo ponto trata-se da atribuição de termos variados para fazer
referência ao mesmo assunto, como é o caso das ações socioeducativas, do
trabalho socioeducativo e das práticas socioeducativas Termos usados que
correspondem a opção de cada autor pesquisado, portanto é relevante esclarecer a
equivalência dos mesmos para não atrapalhar na compreensão deste estudo.
O terceiro ponto reporta-se a uma percepção durante as entrevistas com os
assistentes sociais e na academia, com os colegas discentes. Cabe relatar que ao
mencionar a dimensão socioeducativa da atuação do assistente social, ocorreram
inúmeras vezes a associação deste termo às medidas socioeducativas. Desta forma,
fica nítida a importância do debate sobre o referido assunto.
Portanto, e aproveitando o ensejo, é de suma relevância que nesse espaço
seja feito um breve esclarecimento. Primeiramente, citar o que está preconizado no
ECA sobre o conceito de ato infracional, caracterizado como todo crime ou
contravenção penal, isto é, a violação de alguma lei. E a Justiça prevê medidas
condizentes a faixa etária, devido às pessoas com idade menor que dezoito anos
serem penalmente inimputáveis45 Deste modo, vale ressaltar que crianças são
consideradas aquelas com idade entre 0 e 12 anos incompletos, e à esses o ECA
estabelece medidas protetivas em consequência de sua conduta como consta no
seu Art. 101 que quando verificado um ato infracional a autoridade responsável fará:
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I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de
responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à
criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX - colocação em família substituta.
Entretanto, quando verificado o ato infracional cometido por um adolescente,
ou seja, pessoas com idade entre 12 anos (completos) e 18 anos, o ECA prevê no
seu Art. 112, que sejam aplicadas as medidas socioeducativas de acordo com a
gravidade da infração cometida, as quais variam entre:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
De acordo com o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo46: Diretrizes
e Eixos Operativos para o SINASE, profissionais de várias esferas estão envolvidos
no processo de aplicação das medidas socioeducativas, os quais trabalham para
que “o processo de responsabilização do adolescente adquira um caráter educativo,
de modo que as medidas socioeducativas (re) instituam direitos, interrompam a
trajetória infracional e permitam aos adolescentes a inclusão social, educacional,
cultural e profissional.” E conforme este Plano:
A socioeducação é imprescindível como política pública específica para
resgatar a imensa dívida histórica da sociedade brasileira com a população
adolescente (vítima principal dos altos índices de violência) e como
45 Imputar: Atribuir (a alguém) a responsabilidade de assacar, responsabilizar. IN: Dicionário
Michaellis Online.
46 O Plano Nacional é a expressão operacional dos marcos legais do Sistema Socioeducativo,
traduzida por meio de uma matriz de responsabilidades e seus eixos de ação. Com essa
conformação, ele orientará o planejamento, a construção, a execução, o monitoramento e a avaliação
dos Planos Estaduais, Distrital e Municipais Decenais do SINASE, além de incidir diretamente na
construção e/ou no aperfeiçoamento de indicadores e na elaboração do Plano Plurianual, Lei de
Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual.