ONEWORLD
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 1
editorial.
2 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
Bem vindo à
Edição de Verão
da ONE WORLD.
Em tempo de Verão, a ONE WORLD é a companhia
mais refrescante junto à água, seja ela salgada, doce
ou até com um pouco de cloro. Se prefere o campo
ou a serra, escolha a melhor sombra, debaixo da
árvore mais frondosa para folhear as nossas páginas.
Mas se ninguém o tira do buliço urbano, disfrute das
estórias que temos para lhe contar naquela esplanada
da cidade onde as bebidas são mais frescas. Aposta-
mos que o sussurro do papel que tem nas mãos é o
único som que vai querer ouvir nos longos dias de
estio. E se, infelizmente, as férias não passam de uma
miragem para si, não desespere. Saia do trabalho,
aproveite as últimas horas do dia e junte ao seu pôr
do sol a companhia da sua revista e a certeza de que
dias mais prazeirosos estão no horizonte. Porque a
natureza, nas suas variadas formas, é o melhor palco
da vida. E agora silêncio, que o espetáculo vai
começar.
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 3
capa.
IMAGEM DE CAPA A arte contemporânea portuguesa ganha novo fôlego com
a plasticidade das narrativas de Cristina Rodrigues. A ex-
dcmAoaeamvtráitodefoara periência da artista nascida no Porto levou-a a expor em
países como o Reino Unido, Alemanha, China, Brasil e Sri
POR SARA POLITA Lanka. Na sua obra revelam-se relações de espaço, trans-
figuradas pelo discurso artístico num universo onde objetos
4 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017 do quotidiano ganham lugar em palácios, museus e cate-
drais numa poética de esperança.
Mulheres do Meu País (2014) é a exposição que leva a ar-
tista à Catedral de Manchester. A Manta, 63 adufes unidos
por fitas de seda e rendas alia elementos tradicionais e es-
tética contemporânea de grande impacto visual, tendo sido
“O Jardim do Eden”, por Cristina Rodrigues
vista por milhares de visitantes no evento mais multicultural néis simbolizando a História comum de ambas as nações
de sempre da Catedral. através da Árvore da Vida e dos elementos Terra e Mar. No
âmbito deste projeto, que será inaugurado em setembro
Desse sucesso surge o convite para realizar uma obra de com a presença de um membro da família real britânica,
caráter permanente refletindo a ligação entre Portugal e a artista transferiu-se para Castelo Branco trabalhando em
o Reino Unido, sendo o primeiro artista português a estar colaboração com a Oficina Escola do Bordado da autar-
presente na coleção de arte da Catedral. Para o Jardim quia local.
do Éden, obra composta por sete peças têxteis de grande
dimensão em bordado de Castelo Branco que cobrirão os Uma retrospetiva da sua obra será inaugurada no Centro
altares da Catedral, a artista inspirou-se no facto de a Rai- de Cultura Contemporânea de Castelo Branco a 15 de
nha Isabel II ter recebido uma colcha de Castelo Branco julho. Aí será apresentado, em exclusivo e apenas nesse
na sua visita a Portugal em 1957. Da exuberância dos pon- dia O Jardim do Éden que depois partirá para Manchester
tos e das suas temáticas mais recorrentes nascem os pai- onde figurará como o que de melhor se faz na arte con-
temporânea portuguesa pelas mãos de Cristina Rodrigues.
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 5
editorial.
Ficha Técnica
DIRETOR: José Marques da Silva
DIRETORA-ADJUNTA: Manuela Caramujo
COORDENAÇÃO EDITORIAL: Mariana Dias
REDAÇÃO: Carla Caramujo e Maria Martins
DESIGN E PAGINAÇÃO: ONE WORLD
EXECUÇÃO: Orgal Impressores
DEPÓSITO LEGAL:
A ONE WORLD agradece a todos aqueles que colaboraram no quinto número: António Capelo, António Luís Campos, Atelier Visiunarte,
Cláudia Belchior, Cláudia Cavadas, Elisabete Matos, Francisca Carneiro Fernandes, José António Tenente, Mafalda Santos, Micaela Miranda,
Natália Leal, Paula Gomes da Costa, Rota dos Cafés com História, Sandra Correia, Sara Polita, e a todos que têm contribuído para aumentar
a nossa constelação.
A utilização das regras aplicadas pelo Acordo Ortográfico é da exclusiva responsabilidade dos autores.
6 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
ÍNDICE 1 2
focus
0 constelação
editorial 6 O Homem - Teatro 10 Atitude e determinação no feminino 34
Entrevista a António Capelo Entrevista com Sandra Correia
O Teatro
Por José Marques da Silva
Passado, presente e futuro: o Tea- 16 Regeneração da democracia 38
tro Dona Maria II em 3 atos José Marques da Silva
Entrevista com Cláudia Belchior
Comércio (in)justo 40
Teatro Nacional de S. João: Palco 22 Natália Leal
da resiliência
Francisca Carneiro Fernandes O elixir da juventude 44
Cláudia Cavadas
A real Ópera do Tejo ou a miragem 25
do iluminismo português Online Betting: o caso de sucesso 48
Carla Caramujo da Paddy Power Betfair 52
Paula Gomes da Costa
Personagens marcantes do teatro 28
português O estilista por detrás do palco
Mariana Dias José António Tenente
3 4 5
em órbita do mundo essência
O teatro como libertação 60 Reino Unido: Quatro países, Mil 68 O legado de uma vida dedicado à 78
Entrevista com Micaela Miranda encantos grande ópera
Maria Martins Entrevista com Elisabete Matos
Londres e o teatro - um binómio 72 A arte de apelo à inquietude 84
lucrativo Entrevista com Mafalda Santos
Manuela Caramujo
Théâtre Royal de Toone 88
Reportagem por Manuela Caramujo
Café Majestic: direito ao mimo e 92
ao luxo 94
Rota dos Cafés com História
360º
Na lente de António Luís Campos
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 7
editorial.
// EDITORIAL
O Teatro
Por José Marques da Silva, Diretor da ONE WORLD
A edição de Verão da ONE WORLD, que agora lhe chega mão cheia de coisas maravilhosas! Propomos-lhe uma ex-
às mãos, reúne o melhor da criatividade e energia da nossa traordinária viagem, cruzada no tempo e no espaço, pelo
Constelação. Mais de dois anos depois do seu lançamento, mundo do Teatro. Sentimos e respirámos o Teatro Nacional
ultrapassamos as 120 pessoas e instituições que, de uma de São João, visitámos o Teatro D. Maria II, demos um sal-
forma ou de outra, contribuíram para a produção da ONE to até Bruxelas para conhecer o Théâtre Royal de Toone e
WORLD. O nosso empenhado agradecimento a todos. É fomos a Londres compreender a força e a expressão do
fundamentalmente nessa disponibilidade e partilha que for- Teatro. Ousámos ir ainda mais longe e viajámos até à Pales-
talecemos a nossa determinação! tina, onde aprendemos o valor do Teatro como libertação. E
não ficámos por aqui. Ultrapassámos as barreiras do tem-
O nosso compromisso encontra-se alicerçado em valores. po e conhecemos a história da real Ópera do Tejo, numa
A Cultura e a promoção da Arte estão presentes em todo ressurreição daquele que é o maior teatro desaparecido de
o nosso trabalho. Por isso, escolhemos para tema central Portugal. Percorremos personagens marcantes do teatro
deste número o Teatro. português e pisámos o palco, numa extraordinária experiên-
cia de “teatro vivo”, com o apoio da VisiunarteAteliês, teatro
O Teatro, que deriva do grego theaomai e significa “olhar amador de Viseu, cuja peça com testemunhos sobre o mun-
com atenção”, é fundamental na afirmação da identidade e do dos palcos pode ver nas redes sociais da ONE WORLD.
na formação cultural de qualquer povo. Além de nos mos-
trar a Cultura e a forma de pensar de determinada época, Foi um trabalho intenso e muito gratificante, que prepará-
ou contexto social, é também uma das expressões artísti- mos para si com muita expectativa, pois tal como António
cas mais nobres, situando-se no ponto de encontro entre o Capelo, acreditamos que “É preciso entender que o ato
particular e o universal da experiência humana. Cada obra criativo é extremamente solitário. É preciso aprender isso
teatral é, ao mesmo tempo, um reflexo cultural de uma de- rapidamente e depois aprender uma outra coisa, que a arte
terminada época e uma criação singular da imaginação e é extremamente generosa e nós temos de conseguir parti-
criatividade humana, cujo valor deveria ser universal. lhar estes atos criativos com os outros”.
Como muito bem nos diz o Actor António Capelo, “O teatro Um agradecimento muito especial à artista plástica Cristi-
reflete a maneira como olhamos para o mundo. Esse olhar na Rodrigues, responsável pela extraordinária capa desta
pode ser ou não curioso, pode ser ou não interessante, mas edição, que reproduz um trabalho que desenvolveu para a
quanto mais interessante for, mais interessará os públicos”. Catedral de Manchester, composto por sete peças em bor-
Poderá ficar a conhecer melhor a excepcional história de dado de Castelo Branco que cobrirão os altares da cate-
determinação do Teatro do Bolhão e da Academia Contem- dral, em honra da Rainha Isabel II.
porânea do Espectáculo, neste número da ONE WORLD.
O número 5 da ONE WORLD traz-lhe (mais do que) uma Esperamos que apreciem. Boas leituras!
8 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
Os sonhos são relativos.
As boas ideias não.
Conheça as novas soluções
em consultoria de inovação
da finance xxi consulting e saiba como
transformar o seu sonho em realidade.
One world. No Barriers to your business. Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 9
editorial.
//1
focus
10 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 11
focus.
CAnatpóenlioo
// O HOMEM-TEATRO
POR JOSÉ MARQUES DA SILVA
Uma inquietação natural cedo o levou a trocar a Filosofia pelas tábuas
do palco. Nunca mais saiu de cena. Mais do que um ator, António Ca-
pelo é o verdadeiro homem-teatro. Enquanto atual diretor da Academia
Contemporânea do Espetáculo e do Teatro do Bolhão, sente orgulho no
final feliz de persistência e envolvimento comunitário que este espaço
representa. Em 3,2,1 fique a conhecer o percurso fantástico e as estó-
rias de um homem que personifica a essência do teatro português.
12 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
Fotografia de Ana Margarida Pinto
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 13
focus. “A filosofia e o teatro
nãumtoitmopruanaanndnapddorseoeafloomm[dur..otm.omr]HoamMu;çoiauaãmtosooneqdoldmouoetneesengassoaee--
Frequentou o curso de Filosofia na Faculdade de
Letras da Universidade do Porto. O que leva um jo- tro tem um olhar mais
vem estudante desta área a saltar para os palcos? prático, mais intenso,
e acima de tudo mais
A filosofia e o teatro não andam muito longe um do vívido sobre a natureza
outro; ao questionarem o mundo e o papel do Homem nhchpuoueeamncmrdhiaamoeunocmepaionm.guutSrnoteaardnddlototoeaoprsqrn,oooundoddueoeeaetniuucrsaooomte.o-”ssr
na transformação desse mundo, tanto o teatro quanto
a filosofia olham criticamente para a dinâmica que tal
questionamento proporciona… Mas o teatro tem um
olhar mais prático, mais intenso, e acima de tudo mais
vívido sobre a natureza humana. Saltar de um para o
outro pode também ser um upgrade no auto conheci-
mento e no conhecimento dos outros e do mundo que
nos rodeia. Se acrescentarmos que tudo isto aconte-
ceu a seguir a uma revolução (1974), pouco depois
de se terem feito 18 anos, a inquietação adquire uma
dimensão perfeitamente entendível.
Um ator é um filósofo, ao questionar persistente-
mente o Ser Humano e a interpretá-lo nas suas múl-
tiplas facetas? Que qualidades são hoje requeridas
a um bom ator?
Hoje, como sempre, o ator deve munir-se de ferramen-
tas que lhe permitam exercer a sua profissão de forma
a partilhar com os outros a sua visão sobre o mundo.
Essas ferramentas podem ser mais técnicas (voz, mo-
vimento), ou mais emotivas (sentidos, memória); mas,
acima de tudo o ator deve ter uma opinião sobre o
mundo que o rodeia; e é essa opinião que partilha no
momento dramático da cena. Ora, hoje, o nosso mun-
do é global, é convulso, é estranho… Os homens que
o habitam parecem próximos, mas estão distantes, pa-
recem falar uns com os outros mas não comunicam.
Ora, é a estranheza deste mundo e destes homens de
hoje que é preciso entender; só dessa forma o ator
poderá caminhar no sentido da descoberta que, para
si, é a mais importante: a da Sua verdade.
É um homem do teatro, da televisão, do cinema,
mas… O teatro tem, para si, um gosto especial?
O teatro é a casa, o eterno retorno. É onde nos sen-
timos plenamente bem. Mas é, acima de tudo, onde
aprendemos, ou reaprendemos, sempre que necessá-
rio.
Fotografia de Pedro Vieira de Carvalho
14 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
Após um período de dez anos de obras, o antigo Fotografia de Francisco Ferreira Alves
Palácio do Bolhão, reabriu em 2015 como sede da
Academia Contemporânea de Espetáculo / Teatro Fotografia de Francisco Ferreira Alves
do Bolhão, dos quais é diretor. É um final feliz para Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 15
uma história de esforço e persistência?
É o final feliz e ansiado por todos, ao fim de tantos tra-
balhos. Mas deveria ser, acima de tudo, o exemplo a
seguir por todos quantos se preocupam com a causa
pública, sejam políticos, agentes culturais, ou socieda-
de civil em geral. As diversas sinergias que consegui-
mos aglutinar neste projeto são, para nós, o reconheci-
mento que nem tudo está perdido neste mundo e que
vale a pena sonhar as utopias e torná-las realidade.
O nosso mais sincero agradecimento a todos quantos
nos ajudaram nesta aventura; não podendo agrade-
cer-lhes um a um, agradeço genericamente, indepen-
dentemente do grau de envolvimento que tiveram.
A companhia de Teatro tem uma relação sinergética
com a ACE Escola de Artes. O desempenho profis-
sional dos alunos é uma das suas principais preo-
cupações, tendo em conta os enormes desafios
desta área?
A formação foi, deste sempre, uma preocupação nos-
sa. A escola tem 27 anos de existência e, não temos
disso dúvidas, contribuiu de forma decisiva para ele-
var a qualidade artística da oferta produtiva na cidade
do Porto. Juntar à escola uma unidade de produção
(Teatro do Bolhão) mantem a nossa preocupação na
formação, desta vez de públicos; a nossa programa-
ção é reflexo disso mesmo. Mas, juntamente com a
preocupação formativa, temos também a preocupa-
ção com o futuro dos nossos formandos. E, se bem
que os problemas com as saídas profissionais não são
exatamente os mesmos para os nossos três cursos (In-
terpretação; Luz, Som e Efeitos Cénicos; Cenografia,
Figurinos e Adereços) a verdade é que temos projetos
junto da Companhia que se dirigem exclusivamente
para os nossos ex-formandos. Seria impensável que
tal preocupação não fizesse parte da nossa oferta, até
porque a escola foi fundada por profissionais que co-
nhecem bem o meio e as suas vicissitudes.
focus. estruturantes nesse projeto. Aliás, pensar a cidade que
habitamos todos os dias e onde desenvolvemos o nosso
A “nova vida” que o Palácio ganhou enquanto Teatro do trabalho sempre foi preocupação nossa.
Bolhão, contribui para reforçar, em termos nacionais e
internacionais, o papel do Porto num contexto de afir- O projeto “Degrau a Degrau”, que convidou a comu-
mação da cultural? nidade a contribuir para o restauro e recuperação da
Não temos dúvidas que a afirmação do Porto, no contex- Escadaria Monumental do Palácio, mobilizou centenas
to internacional, se deve quase exclusivamente ao turismo; de pessoas e instituições. A cultura une as pessoas?
mas também não temos duvidas que a cultura é funda- A que se ficou a dever o enorme êxito dessa iniciativa?
mental na sedimentação dessa procura e no crescimento
daquilo que poderá ser um turismo cultural que assente A cultura é generosa e, portanto, geradora de consensos.
numa oferta de arte contemporânea que ultrapasse o lado Ao mesmo tempo, não teria sido possível mobilizar tanta e
institucional. Nesse sentido, o Palácio do Bolhão, enquanto tão diversificada gente para o projeto “Degrau a Degrau”,
bem material, e o Teatro do Bolhão e a Academia Contem- se não pudéssemos contar com o apoio de um amigo que
porânea do Espetáculo, enquanto bens imateriais, serão teve esta brilhante ideia e que comigo a partilhou e desen-
volveu. Por isso, o meu agradecimento ao João Ribeiro,
“A cultura que tornou a ideia apelativa para um público diverso, mas
é generosa.[Entendemos] o proje- ciente do seu papel enquanto ser social e que entendeu
to do Palácio do Bolhão como algo o projeto do Palácio do Bolhão como algo que tentámos
que tentámos desenhar para todos desenhar para todos e não só para nós. Oferecemos à
e não só para nós.” cidade do Porto um espaço que há muito estava aban-
donado e que continha em si as qualidades que nos pa-
Fotografia de Francisco Ferreira recem ainda ser essenciais para o desenvolvimento do
Alves nosso trabalho, sendo elas, de entre outras, ser patrimó-
nio edificado, ser localizado na baixa da cidade, possuir
16 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017 valências várias…
O Teatro do Bolhão é um projeto muito pessoal e um
espaço próprio. Que condições são fundamentais para
garantir a qualidade de um espetáculo e uma progra-
mação de excelência?
O Teatro do Bolhão tem uma direção artística diversa, não
é portanto tão pessoal quanto possa parecer; mas, para
todos nós, a qualidade dos espetáculos é fundamental,
assim como o critério de programação, no sentido de fi-
xarmos e formarmos os mais amplos e diversos públicos.
Como já referi anteriormente esta questão é transversal a
toda a nossa ideia de programação: espetáculos dirigidos
a públicos específicos (infância, juventude), espetáculos
que se debrucem sobre a dramaturgia mais contemporâ-
nea e, finalmente, uma outra linha de programação que
se prende com a revisitação dos clássicos. O Teatro do
Bolhão tem também equipas artísticas próprias nos mais
diversos sectores da produção teatral (cenógrafos, figuri-
nistas, aderecistas, desenhadores de luz), o que lhe con-
fere uma unidade e autonomia artística muito particulares.
Vivemos uma cultura cada vez mais instantânea. O Tea- Ainda são muitas as conquistas por fazer, “degrau a de-
tro mantém o seu papel de intervenção e educação so- grau”? Quais os desafios que se seguem para o Teatro
cial? do Bolhão e para o ator António Capelo?
O teatro continua a ser um espaço de relevo para a discus- O futuro é sempre uma incógnita; mas não podemos andar
são do mundo, do Homem e da sua vida. Desde os primór- a ensinar aos alunos que o mundo de cada um se constrói
dios gregos que o teatro mantém esta luz sobre os dilemas dia-a-dia, e que o caminho se faz a caminhar, sem que isso
da vida humana. Hoje, esses dilemas, essas inquietações, seja também o nosso maior desafio. Um dia de cada vez,
continuam a atormentar as mentes do teatro, desde aqueles degrau a degrau, no sentido de subir em direção aos an-
que o escrevem, aqueles que o interpretam e até aqueles seios que sempre nos atormentaram: procurar o ideal de
que o assistem. Torna-se pois, essencial, tomar este nosso qualidade no trabalho de cada um de nós e termos a co-
tempo como elemento de inspiração para novas correntes ragem de partilhar as pequenas descobertas que vamos
estéticas e para refletir o mundo a partir do dia-a-dia do fazendo na solidão dos nossos atos criativos.
ser humano. Como na Grécia antiga, o espaço do contacto
entre as pessoas é público (a Ágora nas cidades gregas, stcooNesSondnesdneaaa“pam“osAmmgecpiagepcsoe-itmotlrnprmoaaeshperd”foeqraa,iqon,csuprruonaoaaeapeeãngnrcsoieaéaaaanemgl“saqiivmeaãaa,êeuenso…éeosseosvnttaoaáaeieertstp.orenlqnot[oeesosd.ruãvstr.i”..oooee---”].
a Internet nos tempos contemporâneos) e isso confere um
lado político a toda a comunicação, por ser pública… por
ser humana.
Há alguma personagem que tenha sido difícil “despir”?
Não; para mim, as personagens ensinam-me, não “as visto”.
Sempre que se vê o rosto da personagem, é o rosto do ator
que ali está. Sempre que a personagem “acende a boca”,
nos versos do Herberto Hélder, é a voz do ator que irrompe
límpida, sonora, pelo espaço. Na minha opinião a persona-
gem fica na mente do espectador e é a este que se “cola”,
para que a leve consigo para casa… e não ao ator.
Fotografia de Ana Margarida Pinto
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 17
focus.
Fotografia de Filipe Ferreira
18 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
BCelálcuhdioiar
// PASSADO, PRESENTE E FUTURO:
O TEATRO D. MARIA II EM TRÊS ATOS
POR MARIANA DIAS
Teatro Nacional Dona Maria II (TNDM II), ano de 2017. Em cena
apresenta-se Cláudia Belchior, presidente do Conselho de Admi-
nistração do TNDM II. Afirma-se como uma privilegiada ao aliar o
seu trabalho a uma das coisas que mais gosta de fazer desde ado-
lescente: entrar numa sala para assistir a um espetáculo. Está à
frente de um dos principais palcos de teatro do país desde Junho
de 2016, herdando com este cargo 171 anos de História de cultura
portuguesa. Tem a responsabilidade de olhar o futuro e preparar o
TNDM II para os desafios do século XXI, com os pés bem assentes
nos seus princípios fundadores, intemporais e intactos. Passado,
presente e futuro unem-se numa história em três atos.
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 19
focus. II ATO
I ATO O Presente
O Passado
Foi nomeada Presidente do Conselho de Administração Do séc. XVI ao séc. XX, o Teatro assumiu-se como uma
do TNDM II em Junho de 2016, mas a sua ligação à arte das principais fontes de entretenimento. Com o surgi-
não é nova. Como surge este gosto pelo mundo do es- mento do cinema, da televisão e mais recentemente da
petáculo? internet, torna-se mais difícil captar a atenção do público.
Como é que o Teatro supera este desafio?
A minha formação académica é em História e durante anos
trabalhei como arqueóloga. Paralelamente trabalhava em O projeto artístico-cultural do TNDM II destina-se a um
produção de espetáculos. A partir de 1996, desenvolvi o conjunto de públicos alargados, de várias idades e prove-
meu percurso profissional em torno das artes performati- niências sociais, da Grande Lisboa, de todo o território na-
vas. Nos últimos 20 anos passei por grandes instituições cional e internacional onde circulam as nossas produções,
como a Fundação Calouste Gulbenkian e o Centro Cultural passando pelo público escolar. Em 2016 tivemos cerca de
de Belém e tive a oportunidade de trabalhar em quase to- 84.500 espetadores a assistirem aos nossos espetáculos
das as áreas relacionadas com a construção de espetácu- em Portugal e no estrangeiro. Entre 2015 e 2017 definimos
los como a direção de cena, a produção, planeamento, or- três eixos que correspondem a segmentos de público es-
çamento e gestão. Sinto-me imensamente privilegiada pois tratégicos. Primeiro, aproximar o público da criação teatral,
consigo aliar a minha vida profissional a uma das coisas através de debates, organização de eventos, acolhimento
que mais gosto de fazer desde adolescente: entrar numa de simpósios, conferências e lançamentos de publicações
sala e sentir verdadeiro prazer a ver um espetáculo ou ouvir dedicadas à área teatral. O segundo eixo corresponde ao
um concerto. público infantojuvenil e adolescente. Neste âmbito tivemos
excelentes resultados com as propostas Boca Aberta e Visi-
O TNDM II abriu portas ao público em 1846, mas a sua ta Escocesa. Em 2016 trabalhámos com 160 escolas e cerca
história inicia-se dez anos antes da inauguração. Como de 700 professores. Por último, programamos espelhando
tudo começou? os princípios da abertura e exclusão, responsabilidade so-
cial e igualdade. Destacamos a programação para públicos
Efetivamente em 1836 Passos Manuel, ministro do Reino, vulneráveis (séniores, crianças e jovens em risco, adultos
encarrega Almeida Garrett de apresentar "sem perda de em percurso de exclusão) e com necessidades especiais:
tempo, um plano para a fundação e organização de um sessões com interpretação em Língua Gestual Portuguesa
teatro nacional, o qual, sendo uma escola de bom gosto, e Sessões Descontraídas, para espectadores com deficiên-
contribua para a civilização e aperfeiçoamento moral da cias cognitivas. O compromisso do TNDM II para com a de-
nação portuguesa". A sociedade intelectual da época vinha mocratização do acesso à oferta cultural está refletido no
reclamando a criação de um "teatro português", por opo- preçário do teatro, com condições vantajosas de acesso, em
sição às peças traduzidas. Após muita polémica, o Teatro particular no público jovem e grupos economicamente mais
Nacional foi construído sobre os escombros do palácio dos vulneráveis.
Estaús, antiga sede da Inquisição. Curiosamente, o primei-
ro espetáculo apresentado no Teatro de D. Maria II foi a Nas palavras de Leonardo Coimbra, “a primeira educa-
29 de outubro de 1845, sete meses antes da inauguração ção deve ser artística”. O público procura esta educação
oficial, para uma antestreia comemorativa do aniversário de artística?
D.Fernando.
É responsabilidade do TNDM II facultar à infância a aquisi-
(fim do I Acto) ção de competências performativas, criativas e de fruição,
numa lógica de formação de públicos, estimulando o pensa-
20 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017 mento crítico e participativo, algo que faz parte da sua mis-
são e que está escrito nos estatutos do Teatro. Pretendemos espetáculos em circulação com salas esgotadas. Este ano
também fortalecer as relações entre artistas e professores, iremos selecionar mais um teatro parceiro para as próximas
nomeadamente através de ações de formação coordena- três temporadas. A relação muito próxima com o município
das por artistas no contexto escolar, oferecendo ferramen- de Lisboa e seus equipamentos culturais é fundamental
tas pedagógicas aos professores para continuar a trabalhar para o desenvolvimento de projetos conjuntos. São disso
no contexto da sala de aula após as turmas terem passado exemplos a iniciativa Clube dos Poetas Vivos, em parceria
pelo Teatro. O caso do projeto Boca Aberta que envolveu com a Casa Fernando Pessoa; a colaboração com o Insti-
2800 crianças é um bom exemplo. É um projeto que leva 4 tuto do Cinema e Audiovisual e os Teatros Municipais São
pequenas peças do Teatro Nacional D. Maria II a 34 salas Luiz e Maria Matos para colmatar a falta de espaços de en-
de aula de 11 jardins de infância do centro histórico de Lis- saios; o projeto Com Arte, que leva espetáculos aos jardins
boa, trazendo também os seus alunos ao teatro. de infância da zona histórica da cidade; ou o Entrada Livre,
com o apoio da EGEAC, E.M. em parceria com a Junta de
Atualmente, uma das prioridades do TNDM II é abrir o Freguesia de Santa Maria Maior, um evento com a duração
Teatro à comunidade, atraindo e formando novos públi- de três dias com múltiplos espetáculos, concertos, exposi-
cos. De que forma cumpre este objetivo educacional? ções, leituras e outras intervenções que pretende celebrar
o nosso reencontro com o público, assinalando a abertura
Reforçando a criação e apresentação de espetáculos e da temporada.
outras atividades para os públicos jovens, com destaque
para o contexto escolar e a relação entre Arte e Educação. A responsabilidade institucional é também um foco do
A linha Cresce e Aparece destina-se a atrair o público in- TNDM II. O que vos distingue na forma como acolhem a
fantojuvenil e adolescente. E pretendemos criar, em cada comunidade artística e técnica, muitas vezes pouco va-
temporada, um espetáculo para a infância e/ou juventude. lorizada pela sociedade?
Apostamos na escrita e na oralidade para produzir con-
teúdos para e com o público adolescente. Um exemplo, a Temos o privilégio de conseguir oferecer bons meios de
apresentação da Oficina Judite, onde Rui Catalão convida- produção às companhias e artistas independentes que nos
va jovens e escolas a participar nos ensaios com o elenco visitam. Somos dos poucos teatros que conseguem apoiar
profissional do espetáculo Judite, podendo depois assistir os criadores em áreas essenciais como a confeção de figu-
e intervir na peça. E na temporada de 2017-2018, estreará rinos, cenários e adereços, tendo ainda capacidade para
Montanha-russa, um musical sobre a adolescência. ceder espaço e tempo para ensaios. Além disso, temos uma
equipa de profissionais invisíveis ao olhar do espetador mas
De que forma o TNDM II tem procurado potenciar a rela- fundamentais para que toda a engrenagem funcione. Estou
ção do Teatro com a cidade de Lisboa e com o país? a falar, por exemplo, dos contra regras que coordenam to-
dos os movimentos de cena, dos pontos que documentam
Com a linha de trabalho Missão Nacional, pretendemos cada movimento e deixas de cada ator e ainda descrevem
aproximar o teatro às populações de todo o território con- pormenorizadamente cada cena de um espetáculo, das
tinental e ilhas, através da difusão de espetáculos e ativi- costureiras que confecionam peças que possam ser troca-
dades de divulgação e formação. Temos uma rede de cir- das em segundos, envelhecem ou tingem tecidos para con-
culação de produções e coproduções do Teatro Nacional cretizar uma ideia de um criador, ou ainda de carpinteiros
por teatros de zonas culturalmente carenciadas a que cha- possuidores de um saber adquirido através de gerações.
mámos Rede Eunice, em homenagem a Eunice Muñoz. O
seu arranque, em parceria com os municípios de Vila Real, (fim do II Acto)
Sardoal e Funchal foi muito auspicioso, apresentando-se os
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 21
focus. Salão Nobre TNDM II
Fotografia de Ana Paula Carvalho
III ATO
O Futuro
Quais os objetivos que o TNDM II se propõe a
cumprir nos próximos anos? Que desafios vêm
aí?
Passados 171 anos, os princípios que presidiram à
fundação do TNDM II permanecem intemporais, in-
tactos e bem definidos nos seus estatutos. Quando
em janeiro de 2015 a atual Direção entrou no Teatro,
fizemos um exercício de interpretação da missão
do Teatro e desenhámos um projeto artístico, iden-
tificando cinco linhas estratégicas de atuação. Em
primeiro lugar, definimos o TNDM II enquanto Casa
da Cultura Teatral para dar a conhecer as grandes
obras da dramaturgia universal e portuguesa. Des-
tacamos a sua Missão Nacional, através da Rede
Eunice, que pretende a aproximação do teatro às
populações de todo o território continental e regiões
autónomas. Quanto à Internacionalização, estamos
a investir de forma determinante na apresentação
e coprodução internacional de produções próprias.
Entre 2017 e 2020 o TNDM II é parceiro da APAP
– Performing Europe 2020, financiado pelo progra-
ma Europa Criativa que permitirá a colocação de
artistas portugueses no circuito europeu, para além
do acolhimento de programação internacional. A In-
fância e Juventude é outra das grandes apostas da
programação. Queremos, como referi anteriormente,
fortalecer a presença do TNDM II em contexto es-
colar. Finalmente, na Formação e Inovação vamos
continuar com o programa de estágios de atores
recém-licenciados pela Escola Superior de Teatro e
Cinema, permitindo a seis atores integrarem anual-
mente o elenco do TNDM II. Queremos também in-
tensificar o programa de oficinas e masterclasses
dirigidos por artistas nacionais e internacionais.
(fim do III Acto)
Fim
22 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
“Uma obra ímpar no universo
da azulejaria portuguesa”
9,90€
+ portes de
envio
“Impressiona ver os testemunhos fotográficos das várias etapas bem planeadas, organizadas e sis-
tematizadas desta gigantesca empreitada levada a cabo por amadores e que envolveu tantas entida-
des e pessoas, num trabalho aparentemente desmesurado que aos poucos foi tomando forma, não
sem momentos de ansiedade, mas também proporcionando aos envolvidos uma enorme satisfação e
um merecido orgulho final. Impressiona o colorido da obra em si e a sua celebração pura da infân-
cia, com uma simplicidade que a não deixa cair no kitsch fácil de tantos amadorismos, mantendo-a
no registo imponderável da grande frescura e espontaneidade infantis.”
Leonor Sá, autora do prefácio (Coordenadora do ‘Projeto SOS Azulejo’)
Confraria de S. Bento das Peras Informações e encomendas:
Rua de São Bento, Apartado 288 | 4815-469 Caldas de Vizela 965 756 214 | [email protected]
focus.
S Ã OTEATRO
J O Ã ONACIONAL
// PALCO DA RESILIÊNCIA
“Nos últimos dez anos, o Teatro Nacional S. João (TNSJ)
sofreu inúmeras e profundas transformações e vicissitudes.
Posso afirmar que se reinventou, sobrevivendo a todas elas,
mantendo o foco na prossecução de serviço público que lhe
cabe, na convicção da absoluta primazia da arte a que dá
corpo e vida e que a todos na Organização sem exceção,
servem de alguma forma.”
Fotografia de João Tuna
24 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
FRANCISCA CARNEIRO FERNANDES
Presidente do Conselho de Administração
do Teatro Nacional São João
Há precisamente dez anos atrás, o TNSJ – até então Insti- problemas que o TNSJ enfrentava, inventaram uma forma de
tuto Público, cuja autonomia financeira se tinha perdido em dar cumprimento às regras económico-financeiras e legais
2002 – foi transformado em Entidade Pública Empresarial, vigentes, garantindo uma simplificação de trabalho diário em
iniciando-se então uma profunda reestruturação interna ao toda a Organização, que funciona até hoje.
nível dos mecanismos de funcionamento administrativo-fi-
nanceiro existentes. A partir do desenho de um modelo de O sucesso ao nível da implementação deste sistema, bem
contabilidade analítica e de ferramentas informáticas relati- como de todos os demais processos que consubstanciaram
vamente simples, foi então desenvolvido e cuidadosamente a reinvenção mencionada, deve-se ainda a um admirável
implementado um novo sistema de controlo de gestão. É empenho e profissionalismo dos trabalhadores da Casa, que
de destacar que o desenvolvimento deste sistema relativa- se revelaram aptos a concretizar significativas melhorias a ní-
mente complexo a partir de ferramentas consideravelmente vel dos processos internos e dos pretendidos ganhos a nível
simples, apenas foi possível graças à dedicação de três di- de eficácia e da eficiência no desenvolvimento da atividade
rigentes da Casa que, colocando as suas valências e empe- da Organização. Quer isto dizer, que o sucesso que os resul-
nho ao serviço exclusivo da necessidade de superação de tados têm vindo a demonstrar, jamais poderia ter acontecido
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 25
focus. “[O TNSJ tem sabido]
sobreviver aos proble-
sem a dedicação, o profissionalismo e a capacidade de trabalho verda- mas que têm surgido,
deiramente fora do vulgar que os membros da equipa de trabalhadores
que é o TNSJ revelaram sempre e que, sendo chamados e diretamente afirmando-se como
envolvidos na procura de solução para os problemas que a Organiza- uma Instituição sau-
ção foi enfrentando, superaram sempre os seus próprios limites e todos dável, aberta e pujante,
os receios, permitindo a este Teatro Nacional o cumprimento da missão marco fundamental da
que lhe cabe apesar de todos os obstáculos enfrentados. vida cultural do País e
do cosmopolitismo da
Das vicissitudes dos últimos anos, cumpre destacar o corte de 1.200.000
euros, ocorrido em 2012, no financiamento anual proveniente do orça- cidade do Porto.”
mento de Estado, o que significava então cerca de 22% do nível de
orçamento anual desta Organização. Ou seja, o nível de financiamen-
to que a Instituição recebia anualmente do Estado para prosseguir a
sua missão de serviço público “apenas” no Teatro S. João, e que até
2012 era de cerca de 4,9 milhões de euros anuais, passou a ter que ser
suficiente para a Organização passar a gerir, manter e programar três
espaços: o Teatro S. João, o Teatro Carlos Alberto (integrado em 2003) e
o Mosteiro de S. Bento da Vitória (afeto ao TNSJ a partir de 2007). Tudo
isto, vendo a equipa de trabalhadores que em 2002 era de 92 membros
quando apenas exigia a obrigação de gerir e programar um espaço, re-
duzida hoje a 87 trabalhadores que asseguram o funcionamento (muitas
vezes simultâneo) dos três espaços afetos ao TNSJ.
Apesar disso e de todas as consequências negativas que o decrés-
cimo de financiamento naturalmente implicou para a nossa afirmação
nacional e internacional, conseguimos alcançar um número anual de
espetadores que está agora (no fecho de 2016), 3% acima do registado
em 2008 e uma taxa de ocupação de sala que cresceu 6 % entre 2008
e 2016, e 11% entre 2012 e 2016. Em plena crise, conseguimos juntar
esforços de inúmeras Instituições e realizar a obra de restauro do Teatro
S. João concluída há quase três anos atrás, e que permitiu devolver à
cidade este Monumento Nacional em todo o seu esplendor e beleza,
suscitando o natural aumento de visitantes e, consequentemente, de
espetadores.
Estou pois convicta que a excelência de profissionalismo e o excecio-
nal empenho dos membros da equipa que faz o TNSJ é, sem dúvida,
a principal qualidade que tem permitido à Organização reinventar-se
e sobreviver aos problemas que têm surgido, afirmando-se como uma
Instituição saudável, aberta e pujante, marco fundamental da vida cultu-
ral do País e do cosmopolitismo da cidade do Porto.
26 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
Teatros desaparecidos
A REAL ÓPERA DO TEJO OU A MIRAGEM DO ILUMINISMO PORTUGUÊS
POR CARLA CARAMUJO
Em tempos de intensa política de mecenato cultural, D. José manda construir em Lisboa
aquela que viria a ser, na época, a mais grandiosa “Casa da Música”europeia. O Monumen-
tal Teatro Real do Paço da Ribeira, ou Ópera do Tejo, erguia-se entre a Praça do Comércio e
o Cais do Sodré. Seis meses após a sua inauguração era totalmente engolido pelas ondas
gigantescas e fogo resultantes de uma das maiores catástrofes naturais dos últimos 300
anos, o terramoto de Lisboa de 1755.
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 27
focus.
Em tempos que nos parecem imaginários, houve em Por- um edifício bastante mais discreto em dimensão e luxo.
tugal uma autêntica política de mecenato cultural ao ponto
de muitos artistas estrangeiros, em especial italianos, serem David Perez estrearia ainda uma segunda ópera na Real
convidados a residir no nosso país. Estes eram contratados ópera do Tejo, A Clemência de Tito, mas a terceira enco-
para criar mas, sobretudo, ensinarem os artistas nacionais. menda, a cargo do compositor António Mazzoni, Antigono,
Na sua maioria, os melhores pintores, escultores e músicos foi a última obra a ser admirada naquele magnífico teatro.
europeus eram altamente patrocinados pela casa Real Por- Seis meses após a sua inauguração a 2 de Abril de 1755,
tuguesaa contribuírem para a criação de uma importante es- era totalmente engolido pelas ondas gigantescas e pelo fogo
cola artística nacional. resultantes daquele que viria a ser apelidado de uma das
maiores catástrofes naturais dos últimos 300 anos, o terra-
D. José, na continuação da tradição iniciada por seu pai D. moto que devastou Lisboa a 1 de Novembro de 1755.
João V, manda construir em Lisboa aquela que viria a ser
no seu tempo a mais grandiosa “Casa da Música” Europeia. O fenómeno de minutos, varreu vidas e edifícios mas tam-
O Monumental Teatro Real do Paço da Ribeira, conhecido bém uma época dourada da história de Portugal à qual
como a Ópera do Tejo por se situar junto ao rio, erguia-se nunca se regressou. O contexto social lisboeta, após terra-
onde hoje se encontra o Arsenal da marinha, entre a Praça moto, era muito pesado e os meios clericais aproveitaram a
do Comércio e o Cais do Sodré. situação catastrófica para expandir um sentimento de culpa
pela procura da luxúria e das actividades mundanas como
O edifício da Ópera do Tejo representava a estratégia po- a ópera. Fatalmente o Real Teatro era um excelente mote,
lítica para as artes e a música em particular, mas também tinha sido inaugurado no dia de Páscoa e destruído no dia
simbolizava a benevolência, a educação esmerada, o bom de todos os Santos pela ira divina! A sua reconstrução era,
gosto e o poder (e opulência) dos soberanos. Em 1752 o assim, adiada ad eternum.
projecto era encomendado a um arquiteto Italiano – Giovanni
Carlo Bibiena, filho do famoso arquiteto Francisco Bibiena. mer3c“geloSmAouímadeoats.mmrneeuscCpa1emsiteailasm47c,eesasperau,9adstodlonovmeom3oiqriisifiRssd,sroaíuaãa,ccicveeroeatsiroieáanineooensemxarlrsabteitsbiTloroudeapu,soeeasngeoeaexv6as.pmusfgreotct0Oiaaaarlurca.0a”otanldiámibicrnadlvtird-oeu-emaaeaose--as--e
Todos os documentos que chegaram aos nossos dias, nos
diversos cantos da Europa, salientam a imponência, sump-
tuosidade e superioridade técnica e estética deste teatro em
comparação com tudo o que se havia construído até então.
A abertura da casa de ópera decorreu ao som de outro Italia-
no – David Perez – ao serviço da corte portuguesa. Compôs
para a ocasião a ópera Alexandre na Índia com libreto de
Pietro Metastasio, outro dos grandes nomes do Olimpo das
Artes e Literatura do Séc. XVIII. Documentos comprovam que
a encenação desta ópera levou à aparição de 25 cavalos
em palco representando uma falange de Macedónios! Mas
não era o palco o único sector deste teatro com enormes
dimensões. A plateia teria 600 lugares a que se seguiam 3
ou 4 ordens de camarotes, uma extensa área de apoio sob o
palco com camarins, oficinas e acessos vários. Todos os que
nela entravam podiam admirar as esplêndidas decorações
em branco e dourado. O belíssimo Real Teatro de S. Carlos,
inaugurado em 1793, comparativamente, viria a revelar-se
28 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
Muitos artistas estrangeiros saíram de Portugal, horrorizados São Carlos em 1793. Aquando das invasões francesas foi
com a perspectiva de outra calamidade se abater sobre o completamente abandonada, tendo sofrido um incêndio que
país, nomeadamente Caffarelli, estrela dos castrati Italianos devastou irremediavelmente os edifícios do teatro e do paço
contratado para a estreia das óperas de David Perez na real que lhe era adjacente.
Real Ópera do Tejo, que se junta a Farinelli, outra das estre-
las operáticas europeias, então em Madrid. Curiosamente, A miragem do magnificente Real Teatro do Paço da Ribeira e
Perez, cujos relatos escritos acerca da sua personalidade do desconhecido Real Teatro de Salvaterra de Magos, ape-
revelam ter sido hipocondríaco, continua em Lisboa, ao ser- sar de diáfana, permanece no pensamento daqueles que
viço da corte portuguesa até ao final dos seus dias. Outras teimam em recuperar a memória de um património histórico
das suas óperas foram levadas a cena no Real Teatro de inigualável, assumindo-se hoje, de uma importância muito
Salvaterra de Magos, localidade onde a família real se des- relevante para o desenvolvimento da cultura portuguesa, da
locava periodicamente. Este teatro, inaugurado em 1753 e afirmação da nossa identidade e sua consequente difusão
mandado construir também por D. José, praticamente em no mundo. A realidade que esta miragem revela e inspira,
simultâneo que a ópera do Tejo, era um polo de atração cul- é a de uma época absolutamente de oiro, de luzes, em que
tural na época. Continuou em plena actividade mesmo após Portugal estava na dianteira das Artes, da cultura e do co-
o terramoto, existindo hoje o registo de pelo menos 60 títulos nhecimento mundial. Nostalgia da Ópera do Tejo? Não, von-
operáticos aí produzidos. A Casa de Ópera de Salvaterra de tade de a ressuscitar!
Magos foi perdendo importância com a abertura do Teatro
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 29
Pdoertseoantraogepnosrtmugaurcêasntes
POR MARIANA DIAS
INÊS DE CASTRO, “A Castro” (1587)
Dividida em 5 atos, a peça de António Ferreira
é uma das primeiras tragédias clássicas portuguesas. Dona Inês, fidalga galega
e protagonista de uma das mais trágicas histórias de amor portuguesas é aqui
também personagem principal, centralizando em si os amores de D. Pedro e os
ódios de D. Afonso IV e seus conselheiros, que temem pela independência na-
cional. Mesmo antes da peça atingir o clímax quando Inês suplica a clemência
do rei, para si e para os seus filhos, existem prenúncios de morte no sonho que
a aterrorizada Inês confidencia à sua Ama. Apesar da hesi-
tação de D. Afonso IV, dividido entre o seu coração de pai
e a sua posição de chefe de Estado, a tragédia é consu-
mada pelos seus conselheiros e Inês é executada em
Coimbra. A peça culmina com a descoberta de Pedro
da morte de Inês e com a promessa de vingança
contra os assassinos da sua amada.
ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA, “O Judeu” (1981)
O Judeu é uma obra de Bernardo Santareno, considerado um dos maiores dramaturgos portu-
gueses do século XX. A narrativa dramática em 3 atos, estreada no Teatro Nacional D. Maria II,
retrata o calvário do judeu António José da Silva, dramaturgo do século XVIII. A peça inicia-se
com o encarceramento e tortura de António José da Silva devido ao tom satírico das suas obras,
comédias e óperas, que incomoda o Santo Ofício. O judeu é condenado a morrer na fogueira e
a peça desenrola-se em torno do seu julgamento. O auto de fé representado destaca a retórica
manipulatória do sermão do sacerdote de acusação, símbolo de um Portugal obscurecido e
intolerante. Durante o processo, o Judeu é defendido pelo Cavaleiro de Oliveira, um escritor
português exilado no estrangeiro, que critica a situação do país afirmando “Que Portugal seja um
relógio, em muitos anos atrasado da hora que segue a Europa civilizada”. A sua argumentação
é em vão e, no final da peça, o Judeu é imolado pelo fogo.
30 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
Nas páginas no teatro português encontramos as histórias dramáticas daqueles que morreram por amor,
pelas suas convições políticas ou até por motivos religiosos. Descobrimos aqueles que travaram batalhas
contra o esquecimento e aqueles cuja simplicidade e inocência os salvaram da perdição. Nesta edição
especial dedicada ao Teatro, conheça o nosso “palco vivo” e recorde algumas das mais marcantes perso-
nagens do teatro português.
GOMES FREIRE DE ANDRADE, “Felizmente há luar!” (1961)
Personagem da obra do dramaturgo Luís de Sttau Monteiro, pu-
blicada em 1961 e adaptada ao teatro pelo próprio autor. A peça
relata a tentativa frustrada de uma revolta liberal em 1817, lidera-
da por Gomes Freire de Andrade. A ação desenvolve-se em dois
atos que acabam por conduzir à detenção e execução por enfor-
camento de Gomes Freire no Forte de S. Julião da Barra. Apesar
de nunca aparecer em cena, Gomes Freire está sempre presente
nas palavras das outras personagens e é a figura central de todo
o enredo. Símbolo da modernidade e do progresso, é caracteri-
zado como um herói liberal, lúcido e inteligente e idolatrado pelo
povo”. A obra utiliza a metáfora das revoltas liberais do século XIX
para criticar a sociedade e regime opressivo vigentes na década
de 60 do século XX, despertando a consciência do espetador
enquanto agente de mudança. Por tal razão, foi censurada pelo
Estado Novo e apenas encenada em Portugal em 1975.
ROMEIRO, “Frei Luís de Sousa” (1843) O PARVO ,“Auto da Barca do Inferno” (1531)
O Romeiro ou D. João de Portugal é uma personagem do drama Joane ou “O Parvo” é uma das personagens mais reco-
em 3 atos de Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, estreado em nhecidas da peça satírica Auto da Barca do Inferno de
1843. D. João é o primeiro marido de Dona Madalena, julgado Gil Vicente. A cena desenrola-se no purgatório entre o
como morto em Alcácer Quibir. Apesar de fisicamente ausente Céu e o Inferno, simbolizado por um cais com duas bar-
nos dois primeiros atos da peça, a sua presença é constantemen- cas: a barca da Glória e a barca do Diabo. À medida que
te evocada por Dona Madalena e por Telmo, o velho aio. A hipó- as várias personagens vão chegando ao cais e os seus
tese do seu regresso – ao jeito Sebastianista – paira como uma pecados terrenos vão sendo denunciados, quase todas
ameaça e aterroriza a supersticiosa Dona Madalena que teme a acabam por ser conduzidas para a barca do Diabo. As
ilegitimidade do seu segundo casamento com D. Manuel de Sou- únicas exceções são o Parvo e os quatro Cavaleiros que
sa, fruto do qual nasceu Maria de Noronha. Vinte anos mais tarde, morreram a combater pela fé cristã. Joane é caracteri-
D. João regressa disfarçado de Romeiro e é interrogado pela sua zado pela sua inocência e ingenuidade. Acaba por ser
identidade. Numa das mais célebres passagens do teatro portu- autorizado a entrar na barca do Anjo pois os pecados co-
guês, o Romeiro apresenta-se como “Ninguém”, ao perceber que metidos em vida não foram feitos com maldade. A sua
perdeu o seu lugar no seio da sua família e do seu país. Com a cena tem uma forte componente de crítica social e realça
destruição da família (Dona Maria morre de desgosto e os pais in- o facto de as pessoas mais simples serem mais merece-
gressam em conventos), a D. João de Portugal resta-lhe a solidão doras do Paraíso.
e a certeza de pertencer a um passado histórico e glorioso que
não existe mais.
A ONE WORLD agradece ao Atelier Visiunarte e aos atores Sandra Correia, Rafael Cardoso, Ricardo Cálix, Simão Bernardo e Micael de
Almeida que personificam a essência do teatro amador em Portugal. Um agradecimento especial ao Auditório Mirita Casimiro, em Viseu,
pela simpatia com que nos acolheu em sua “casa”.
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 31
32 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
Showroom [email protected]
Rua Amália Luazes, 13, 4200-052 Antas, Porto – Portugal gneisse.pt
T: (+351) 225 509 061 / (+351) 225 505 301
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 33
editorial.
//2
constelac, a~o
34 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 35
constelação.
36 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
SCaonrrderiaa
// ATITUDE E DETERMINAÇÃO
NO FEMININO
POR MARIA MARTINS
Resiliência, capacidade de sonhar e de concretizar são algumas das
suas características. A incapacidade de parar também. Em 2013, foi
selecionada para representar Portugal no programa New Beginning de-
senvolvido pelo antigo Presidente Obama. Após um percurso brilhante
na Pelcor, abraçou um novo desafio, o Detox Me, devido à sua necessi-
dade de constante renovação. Desafia os portugueses a “sair da casca”
e procurar ser melhores, sem medos. Conheça agora Sandra Correia, a
mulher forte do empreendedorismo português.
Empreendedora, inovadora, destemida. É assim que muitos a veem… Mas como
é que a Sandra se vê a si própria?
Eu vejo-me como uma pessoa resiliente, sonhadora e concretizadora! No fundo é tam-
bém como as pessoas me vêem - empreendedora, inovadora e destemida - porque
é isso que eu sou (risos). É bom quando as pessoas vêem o que realmente somos.
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 37
constelação.
Representa a terceira ge- “[Aos portugueses] fal-
ração de uma família ligada ta-nos arriscar, sair da
ao mundo da cortiça, nomeada-
mente à Novacortiça. Como conse- “casca”! Sabermos ir
guiu marcar a diferença no negócio? sem medos, com con-
fiança e acreditarmos
Pela inovação e por uma pergunta que me fazia a
mim própria: se a pele de cortiça já existia, porque “eu vou e já é tão
nunca ninguém pensou em criar uma marca de aces- bom ir, indepen-
sórios de moda desta matéria prima única e “levá-la” por
este mundo fora? E foi a busca da resposta a esta pergunta dentemente do
que me levou a marcar a diferença no negócio. resultado.”
O início da Pelcor foi marcado pela criação de um guar- em NY, já ex-
da-chuva e outros objetos de moda em cortiça. Como portávamos
surgiu a ideia de inovar a partir de um produto tão tradi- para vários paí-
cional como a cortiça? ses, tínhamos criado
o que ninguém criou,
Surgiu porque eu sou a terceira geração de uma empresa mas com este prémio abri-
familiar nesta indústria. A nossa empresa é o sonho do meu ram-se inúmeras portas, cá
pai, logo eu quis inovar e criar algo diferente e, por esta ra- dentro e no estrangeiro.
zão, nasceu a Pelcor. Por outro lado, nasceu de um momento
menos bom no sector do champanhe. Tivemos de nos adap- Em 2013, foi selecionada para representar Por-
tar e criar uma oportunidade para o excedente de matéria- tugal no programa "New Beginning", uma inicia-
-prima de qualidade que tínhamos em casa, nesta época. tiva do antigo Presidente Obama dirigida a 28
Logo, de um momento de crise, nasceu uma oportunidade. empreendedores do mundo inteiro. O que reti-
rou desta experiência única?
A aposta na Pelcor surgiu numa época de crise, mas que
a Sandra preferiu ver como uma oportunidade. O otimis- Foi uma das melhores experiências da minha vida!
mo é a sua marca pessoal no mundo dos negócios? Estar durante três semanas com empreendedores
que ainda não conhecia, de 27 países distintos,
Sim, o optimismo é a minha marca pessoal, porque acre- num país estrangeiro, foi realmente uma aprendi-
dito no produto (ou serviço) e digo sempre aos novos em- zagem fantástica. Conhecer o empreendedorismo
preendedores: “se a vossa ideia, o vosso negócio for bom, e as empresas dos Estados Unidos, assim como
o dinheiro é o que menos interessa, porque ele vai aparecer o método de trabalho e as motivações destes em-
sempre”. Mas quando também nos apercebemos que afinal preendedores do mundo inteiro, oriundos de cultu-
a nossa ideia não é assim tão boa ou rentável, aconselho ras tão diferentes foi, de facto, notável. Foi tão bom
sempre a abandonar e seguir outro caminho. Nunca perder que quis replicar no nosso país! Em 2013, Portugal
tempo, mas sim ganhá-lo. estava imerso numa crise social desmotivadora e
quando regressei, pedi autorização ao Departa-
Em 2011 venceu o primeiro grande prémio da sua carrei- mento de Estado Americano e criei o A New Be-
ra: “Melhor Empresária da Europa”. Este reconhecimento ginning for Portugal até 2015. Foi maravilhoso con-
fê-la querer chegar ainda mais além? seguir juntar 400 empreendedores e concretizar
10% das suas ideias em negócios.
Este reconhecimento trouxe-me notoriedade, não só a mim,
mas também à Pelcor. O meu trabalho já era reconhecido lá
fora, mas em Portugal ainda não. Nós já estávamos no MoMA
38 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
Com a venda de 100% da Pelcor em 2016, arriscou numa Já falámos na Sandra empreendedora e empresária,
área nova e lançou o Detox Me, um programa que reúne mas sabemos que há uma causa que acarinha com es-
o tratamento do corpo, mente e espírito. O trabalho de pecial atenção: a importância da mulher na sociedade.
uma empreendedora está em permanente renovação? O Como tem contribuído para esta causa, ao nível pessoal
que nos pode dizer deste projeto? e profissional?
Com a Pelcor eu atingi tudo o que queria atingir, os objec- Enquanto empresária de topo e com todas as distinções
tivos estavam alcançados, para mim já não existia motiva- que tenho tido na minha carreira, sou convidada para mui-
ção... Nesta área estava tudo feito e eu queria “mudar de tas conferências e eventos e quando me apercebia, era
vida”. Assim, vendi a Pelcor e criei o Detox Me com mais sempre a única mulher presente! Concluí que esta cons-
duas empreendedoras, no Algarve. É um programa de três tância acontecia porque faltavam oportunidades para as
dias, que assenta num equilíbrio entre Corpo (alimentação/ mulheres serem conhecidas, assim como o seu trabalho e
terapias de corpo), Espírito (mindfulness) e Mente (junção feitos. Por tudo isto, com as ferramentas que tenho, resolvi
das três áreas), para promover uma nova forma de vida, ajudar outras mulheres a procurarem uma maior igualdade
uma nova forma de estar e criar ferramentas para conse- na sua vida profissional e social. O objectivo é que elas
guirmos manter o nosso equilíbrio no dia a dia. Foi assim também tenham as oportunidades que eu tive e deixe de
que eu consegui o meu equilíbrio na minha vida de globe ser sempre eu a “convidada”. Por isso, nasceu o Women’s
trotter. O Detox Me é uma forma de passar para as pessoas Club e o A new Beginning for Portugal, que promove a
essas mesmas ferramentas. Sim, é verdade, os empreen- Igualdade de Género, o networking, o empreendedorismo
dedores nunca param, estão em constante renovação. Faz e a união, enfim, o todo.
parte. E quando concretizamos um objetivo, já estamos a
pensar no próximo. Os portugueses são naturalmente empreendedores e
ambiciosos? O que nos falta?
Somos sim. Mas falta-nos não ter medo e ir em frente, falta-
-nos arriscar, sair da “casca”! Sabermos ir sem medos, com
confiança e acreditarmos “eu vou e já é tão bom ir, indepen-
dentemente do resultado”. Ir traz sempre uma experiência
para a próxima vez”.
Há um ditado Chinês que diz: “para quem não sabe onde
vai qualquer caminho serve”. A Sandra sabe qual é o seu
destino? Quais os próximos passos da caminhada?
Sei sim, ou melhor, sei onde quero estar daqui a uns anos.
Mas para chegar lá, tenho de construir o meu novo caminho
e é isso que estou a fazer, com todas as curvas e contra-
-curvas da vida... Mas sei que tenho de estar lá, naque-
le local e naquele tempo. O porquê, só irei saber quando
esse momento chegar, agora não é importante, porque o
mais interessante é mesmo o caminho para chegar até lá. E
mesmo que esse caminho seja difícil, e vai ser, eu vou agra-
decer cada momento, porque cada um deles é importante
na construção e realização do objectivo final. E não vou
sozinha, porque neste caminho, tenho todos estes homens
e mulheres e esta bela geração que me acompanha e a
qual eu vou ajudando a trilhar o seu caminho. Não estamos
sozinhos, estamos Juntos como um TODO.
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 39
constelação.
Regeneração
da democracia
A democracia representativa (por oposição à democracia ciais na Áustria, legislativas na Holanda e presidenciais e
directa) é o regime político dominante nos países da Eu- legislativas em França) que, parece não se concretizar. Os
ropa Ocidental no princípio do sec. XXI. Este sistema de recentes resultados eleitorais nos países de UE se são uma
governo respondeu com sucesso aos desafios autoritários causa de satisfação, não nos devem fazer esquecer que
e totalitários que ensanguentaram o século XX, tais como o grau de afastamento e de insatisfação dos cidadãos é
o fascismo e o comunismo. No princípio do sec. XXI, ca- considerável e que a única certeza é a incerteza.
racterizado pela “terceira vaga” de globalização e as suas
sequelas de desemprego e perda de rendimentos dos Indicadores como o grau de satisfação com a democracia
sectores menos qualificados da população, bem como representativa; a credibilidade das instituições democráti-
pelo acréscimo da desigualdade interna, o regime da de- cas; as taxas de abstenção; o afastamento dos eleitores
mocracia representativa enfrenta novos desafios, entre os dos partidos políticos e, em particular, dos mais jovens ou
quais o “populismo”. as perdas acentuadas de filiados nos partidos, apontam
para a necessidade urgente de se reinventar e regenerar
Com as vitórias de Trump nas eleições presidenciais dos a democracia representativa. Estaremos à altura deste de-
EUA e do “Brexit” no referendo no Reino Unido tudo pare- safio? A sociedade e os media irão empenhar-se nesse im-
cia antecipar, como uma nova teoria do dominó, uma onda portante debate? Os partidos, tradicionalmente conserva-
avassaladora de populismo na Europa (eleições presiden- dores, fechados e corporativos, vão permitir essa reforma
e abrir-se a novas formas de representação?
40 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
No plano teórico, a crise da representação democrática que
vivemos, deveria criar as condições para a regeneração da
democracia e oportunidades para novas formas de partici-
pação e de governo. É certo que o ritmo a que essa trans-
formação está a ocorrer não é uniforme, nem se faz sentir
da mesma forma, ou com a mesma intensidade, em todos
os sistemas. Portugal, por vários motivos, encontra-se entre
os países que mais têm resistido a essa mudança. Contudo,
apesar de um claro desfasamento entre a alteração do ritmo
de mudança e a nossa capacidade para desenvolver novos
mecanismos e sistemas de representação e de governo,
essa via acabará por se impor, também, entre nós. Um sinal
claro disso mesmo é a crescente relevância dos independen-
tes nas eleições autárquicas.
A eleição de Rui Moreira para presidente da Câmara Munici- JOSÉ MARQUES DA SILVA
pal do Porto, apoiado pelo movimento independente “Porto,
O Nosso Partido” e mais recentemente o processo político Economista
que levou esse mesmo movimento a prescindir do apoio do
PS, na recandidatura do actual presidente da Câmara às elei- recusando a visão de uma política dominada por políticos
ções de outubro, é bem sintomático das tensões que existem profissionais, afastados dos problemas reais da sociedade
na relação entre partidos e movimentos independentes. Nas civil, não se revendo na tradicional dicotomia esquerda-di-
palavras de um conceituado comentador político: “os últimos reita, numa aparente onda de “desideologização” da política
temem ser absorvidos pelos primeiros, estes não querem que promete tornar o exercício político mais representativo,
que os segundos ganhem muito espaço e autonomia”. responsável e eficaz.
Parece hoje claro que um dos principais sinais das próximas Perante este quadro, que nos chega fundamentalmente do
autárquicas poderá vir não dos partidos e da sua contabilida- exterior, há quem antecipe mesmo o fim dos partidos e a
de dos votos, mas sim do desempenho relativos dos “inde- emergência de uma nova era marcada por novos formatos
pendentes” e do número e do peso das freguesias e Câma- de participação e intervenção social e política, contudo essa
ras que estes possam ganhar. Os partidos não podem ficar à visão parece exagerada. Os partidos políticos possuem um
margem desta realidade ou ignorá-la como se não existisse. conjunto de características e, desde logo a carga ideológi-
ca que transportam, ou a sua capacidade de institucionali-
No contexto internacional, a eleição de Emmanuel Macron zação, que não parecem ser ainda passíveis de replicação
para Presidente da França, em maio passado, numa vitória pelos movimentos de cidadãos. Mas essas circunstâncias,
sólida sobre a candidata presidencial da extrema-direita, e a associadas ao protecionismo e regime de privilégios que os
maioria absoluta nas legislativas que se sucedeu, em junho, partidos gozam não podem, de modo algum, ser utilizadas
deixou os grandes partidos tradicionais franceses à beira do como escudo para que os partidos nada façam, ou permitam
colapso. Os partidos parecem ter esgotado a suas receitas fazer.
tradicionais e não souberam adaptar os seus discursos, com
novas mensagens programáticas capazes de convencer um É cada vez mais evidente que a nossa democracia repre-
eleitorado cansado de décadas de promessas não cumpri- sentativa necessita, urgentemente, de regeneração. Se os
das, representadas pelas mesmas caras e métodos de sem- partidos políticos, que têm tido entre nós o quase monopólio
pre. da representação democrática, não a promoverem, serão os
primeiros penalizados e tal como em França, ou num primeiro
Macron, inicialmente apoiado por um movimento indepen- movimento em Itália, caminharem para o colapso.
dente, que passados poucos meses se veio a transformar
em partido político, La Repúblique En Marche! (LREM), Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 41
apresentou-se aos eleitores franceses como independente,
constelação.
C(ionm)juérsctioo
42 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
NATÁLIA LEAL
Directora Executiva da Organização
Mundial de Comércio Justo (WFTO)
Vivemos num mundo economicamente injusto; um facto que busca de maior equidade no comercial internacional”. De
tem um impacto diferenciado em comunidades distintas. Se facto, existem hoje centenas de organizações que assumi-
alguns têm dificuldade em encontrar fundos para manter os ram o compromisso público e duradouro de respeitar um
pagamentos da hipoteca ou das propinas dos filhos, outros conjunto de valores em todas as suas actividades econó-
há que acordam todos os dias sem saber se terão sequer micas quotidianas: criação de oportunidades económicas
o que comer1. Num contexto mundial repleto de desafios para os mais desfavorecidos; transparência e accounta-
económicos, o comércio dito justo surgiu como um instru- bility; práticas comerciais justas (incl. pré-financiamento e
mento para tentar apoiar os mais desfavorecidos na sua luta relações de longo-termo); pagamento de um preço justo;
diária por uma vida com dignidade. Com as suas raízes ge- inexistência de trabalho infantil ou forçado; não-discrimina-
ralmente associadas a iniciativas religiosas e/ou de carác- ção, igualdade de género e empoderamento económico
ter caridoso nos anos 40 e 50, o comércio justo é hoje um de mulheres, e liberdade de associação; boas condições
movimento global que representa 2.5 milhões de artesãos, de trabalho; desenvolvimento de competências; promoção
produtores e agricultores, já para não mencionar todos os do comércio justo em si; e respeito pelo ambiente. Estes
seus parceiros comerciais ao longo da cadeia de produção são os (10) Princípios do Comércio Justo, onde a noção de
e abastecimento. dignidade humana e sustentabilidade têm sido primordiais,
muito antes dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável
A definição internacionalmente aceite fala de “uma parceria terem sido acordados.
comercial baseada no diálogo, transparência e respeito, em
1 Estudos da Oxfam, por exemplo, mostram que 1 em cada 7 pessoas se deitam com fome todos os dias e as 8 pessoas mais ricas do planeta
têm uma riqueza equivalente aos 50% mais pobres da população.
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 43
constelação.
Apesar de todos os desafios, ampliados pelas caraterísti- Mas o principal desafio continua a ser relativamente simples:
cas do sistema económico capitalista em que vivemos, há estabelecer a ligação entre a procura e a oferta disponíveis,
motivos para algum optimismo. Quer por parte dos deci- bem como assegurar a confiança nas credenciais sociais,
sores políticos quer do lado dos cidadãos-consumidores, económicas e ambientais de cada produto. Cremos normal-
há uma consciencialização crescente da importância das mente que esta oferta não existe ou é muito limitada, mas a
escolhas que fazemos: escolhas que não são meramente gama de produtos de comércio justo vai desde o chocolate e
económicas, mas também actos políticos com um impacto o café, até ao vestuário e acessórios de moda, peças decora-
sobre a vida de milhões de pessoas. Há uma consciência tivas, instrumentos musicais, cartões postais, ou mesmo cai-
crescente de que o preço monetário de um produto rara- xões. E existem vários selos de garantia no mercado (como
mente expressa devidamente o seu custo real (ambiental, o da WFTO ou Fairtrade) que distinguem estes produtos de
social, humano). Há um consumidor progressivamente outros cujo marketing se baseia apenas no fair-washing.
ético, que faz mais perguntas: de onde vem o que como,
quem produziu a minha roupa, qual o nível de poluição Mais do que uma simples troca comercial, o comércio justo
gerado ou os recursos utilizados, quanto recebeu o tra- prova que é possível maior justiça no comércio internacional,
balhador? Simultaneamente, na União Europeia (UE) os sublinha a necessidade de alterar as regras e práticas con-
contractos públicos podem dar preferência a produtos de vencionais em vigor, mostra como uma empresa de sucesso
comércio justo. Em 2015 a Suécia declarou oficialmente pode colocar as pessoas em primeiro lugar e representa um
que pretende ser um País de Comércio Justo e em 2018 contributo tangível na luta contra a pobreza, as alterações cli-
a UE lança o 1º Prémio para cidades de comércio justo e máticas e a crise económica.
ético.
qdphuerueneqmsífusavaeaeznlodmdoep)eav.riipHesdçqoHpáaolumeuuámarimeungçonuãmtncotoneoaertgntoaecáescsorsru:enaiedobmduseecdoicuidoeêuonoonuusrdtcmtooperiasarrvpboercereaagrmocellrdhuse(oacusarmessqdtnioouovbstarreeia?umecrntoaeitlmmnaizltoe,ae,nsdéqototecuisciea,aoxll,,-o
44 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
ESPO
SemEprNeenDdedoEr
• Eco-sistema empreendedor
• Rede de mentoring
• Apoio & capacitação
• Advising
• Bolsa de oportunidades de negócio
• Concurso de ideias empreendedoras
• Bootcamp empreendedor
o melhor local para começar!
esposendeempreendedor.pt
Largo Comandante Oliveira Martins, n º 12 e 13, 4740-211 Esposende | acice.pt | [email protected] | +351 253 965 769
Cofinanciado: Promotor:
constelação.
O elixir da juventude
em busca do envelhecimento saudável personalizado
46 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
CLÁUDIA CAVADAS
Professora auxiliar da Faculdade de Farmácia
Investigadora do Centro de Neurociências e
Biologia Celular na Universidade de Coimbra
Em quase todos os países, a proporção de pessoas com ter as suas capacidades físicas e intelectuais de modo a
mais de 60 anos tem crescido mais rapidamente do que garantir o seu bem-estar. De uma forma simplificada, ter
qualquer outro grupo etário. E segundo a Organização Mun- um envelhecimento saudável pode ser visto como chegar
dial de Saúde (OMS) estima-se que em 2050 mais de 25% a uma idade avançada e poder continuar a fazer as coisas
da população mundial terá mais de 60 anos. Este fenóme- que queremos e gostamos, de forma autónoma. E como
no de envelhecimento da população pode ser visto como o conseguir ter este envelhecimento saudável, e se possível
resultado do sucesso das políticas públicas de saúde (me- ser “jovem quase para sempre”?
dicina preventiva, higiene, antibióticos, alimentação, entre
outros). Em média, e em números redondos, as pessoas vi- Para responder a esta pergunta teremos de perceber me-
vem mais 20 anos do que há 50 anos atrás. Mas estes anos lhor o processo de envelhecimento e as razões por que
adicionais de vida aumentam o risco de aparecimento de envelhecemos de forma e velocidade diferente. O envelhe-
diversas doenças (como a doença de Alzheimer, doenças cimento consiste na disfunção das nossas células ao longo
cardiovasculares, osteoarticulares, cancro e diabetes), o do tempo. Com o tempo, as células dos nossos orgãos e
risco de fragilidade, depêndencia e incapacidade. Por isso tecidos (pele, cérebro, músculo, estômago, entre outros)
não basta viver mais tempo, o mais importante mesmo é sofrem alterações estruturais e moleculares. Por exemplo,
ter um envelhecimento saudável. E a OMS considera que as células têm capacidade de eliminar ou limpar restos de
um indivíduo com envelhecimento saudável deverá man- proteínas e de estruturas, de modo que não acumulem no
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 47
constelação.
seu interior. A este processo de “limpeza ou reciclagem” ce- idade como grande fator de risco.
lular chamamos autofagia. Numa célula envelhecida o pro-
cesso de autofagia já não funciona de forma eficaz, o lixo vai E será que a investigação científica já deu alguma pista para
acumulando, e contribui para que essa célula não funcione o “elixir da juventude”? No laboratório é possível aumentar
da mesma forma que uma célula jovem. Assim, alguma es- a longevidade de diferentes espécies animais (ratos, mos-
tratégia que faça com que as células mantenham a sua ca- cas, peixes, entre outros). A estratégia é simples e consiste
pacidade de autofagia ao longo do tempo, poderá ser uma apenas em diminuir a quantidade de calorias que esses ani-
estratégia de atrasar o aparecimento do envelhecimento. O mais comem – a restrição calórica. Para além de aumentar a
conhecimento de todos os fenómenos moleculares do enve- longevidade, os investigadores observaram que os animais
lhecimento das células pode contribuir para a descoberta em restrição calórica (alimentados com menos 30-40% das
de estratégias para intervir nesses processos e que venham calorias que necessitam para manter o peso) apresentavam
a ser úteis para atrasar aparecimento do envelhecimento. menos alterações relacionadas com doenças cardiovascu-
No fundo, estaremos a tentar encontrar o “elixir da juven- lares, doenças neurodegenerativas, e alguns tipos de tumo-
tude”. E atrasar o aparecimento do envelhecimento poderá res. Diversos grupos de investigação têm contribuído para
contribuir para adiar o aparecimento de doenças que têm a o conhecimento dos processos celulares e moleculares que
48 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017
explicam os benefícios da restrição calórica na longevida- de depressão e diminuir a capacidade reprodutiva do indi-
de. No nosso grupo de investigação no Centro de Neuro- víduo. Por isso, possíveis estratégias que imitem os efeitos
ciências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra benéficos da restrição calórica, sem ter que a praticar, po-
mostramos que a restrição calórica aumenta a capacidade derá vir a ser um possível “elixir da juventude”.
dos neurónios de ratinhos de uma área cerebral (o hipotála-
mo) realizarem a autofagia. Além disso, observámos que Mas encontrar o elixir da juventude para cada um de nós
uma molécula produzida por esses neurónios (o neuropep- ainda não foi possível. Isto deve-se ao facto do processo de
tídeo Y) é uma das responsáveis pelo aumento da autofagia envelhecimento ser muito diferente de pessoa para pessoa
induzida por restrição calórica. Com estes resultados, e de e depende de diversos fatores que se vão acumulando ao
outros grupos de investigação, colocamos a hipótese de longo da nossa vida. O processo de envelhecimento não
que o neuropeptídeo Y, pelo menos em parte, imita os efei- se inicia apenas quando a idade avança, inicia-se no nas-
tos benéficos da restrição calórica. Assim, nos últimos anos, cimento, ou mesmo antes, com a nossa herança genética.
parte da nossa investigação no laboratório tem tido como Mas apenas cerca de 25% da diversidade de longevidade
objetivo investigar se o neuropeptídeo Y é relevante para a pode ser explicado por fatores genéticos. Os restantes 75%
prevenção do processo de envelhecimento e de doenças podem resultar de diversos fatores que resultam da nossa
associadas ao envelhecimento. interação com o ambiente que nos rodeia, com o nosso es-
tilo de vida, nomeadamente a alimentação saudável, prática
Apesar de ainda não ter sido possível mostrar que a restri- de exercício físico, qualidade do sono, ambiente socioeco-
ção calórica aumenta a longevidade em pessoas, diversas nómico, e cuidados de saúde.
publicações científicas descrevem que esta melhora diver-
sos parâmetros ou biomarcadores de envelhecimento. Mas Encontrar elixir da juventude ou o envelhecimento saudável
praticar restrição calórica não é tarefa fácil e sem efeitos personalizado é uma tarefa diária de cada um de nós, mas
indesejáveis. A diminuição de calorias deve ser adaptada a investigação científica continuará certamente a dar contri-
às condições de saúde e atividade física de cada um de butos relevantes.
nós. Além disso, a restrição calórica pode aumentar o risco
Em média, as pessoas vivem mais 20 anos do que há 50 anos.
Estima-se que em 2050, mais de 25% da população terá mais de 60 anos.
Apenas 25% da longevidade poderá ser explicada por fatores genéticos.
Os outros 75% dependerão do seu estilo de vida e ambiente que o rodeia.
Dependerão de si.
Segundo testes em laboratório, animais em restrição calórica (menos
30%-40% de calorias necessárias para manter o peso) apresentam menos
alterações relacionadas com doenças cardiovasculares, doenças neuro-
degenerativas e tumores.
Julho 2017 | nº 5 | ONE WORLD | 49
constelação.
Obenttliinnge
o caso de sucesso da Paddy Power Betfair
50 | ONE WORLD | nº 5 | Julho 2017