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Universidade Pública e Formação em Serviço Social em tempos de contrarreforma

Quando lançamos o edital deste número entre 1º de outubro de 2018 e 15 de março de 2019, não estava em cena o atual governo do Brasil, nem as suas radicais medidas de ataque a direitos sociais e de desmonte da universidade pública em nosso país.
O Edital assim convocava:

artigos que, baseados em pesquisas teóricas e/ou empíricas, problematizem sobre a transformação do ensino superior, no âmbito do ensino de graduação e de pós-graduação, a partir de um duplo movimento articulado: a configuração atual do mercado privado da educação superior e as políticas públicas no campo da contrarreforma da educação. Nessa linha de intenção o edital visa também estimular a captação de artigos que analisem as transformações nas condições e relações de trabalho docente e os desafios atuais e futuros da universidade pública e da formação profissional em Serviço Social, a partir da transformação da universidade pública em uma “universidade operacional” (CHAUI,1999) e da expansão do ensino superior privado no Brasil, especialmente da modalidade não presencial.

Estavam ali colocadas as preocupações em trazer a público um debate em torno da formação profissional em Serviço Social, diante do crescimento dos cursos na modalidade de ensino à distância, assim como os processos de transformação na universidade pública, que já se faziam sentir, principalmente a partir do golpe de 2016.
No entanto, no fim de abril, o governo anunciou o congelamento de R$ 1,7 bi dos gastos das universidades, de um total de R$ 49,6 bi. “No total, considerando todas as universidades, o corte é de R$ 1,7 bilhão, o que representa 24,84% dos gastos não obrigatórios (chamados de discricionários) e 3,43% do orçamento total das federais”.
A esses cortes, a sociedade respondeu com dois grandes atos públicos, onde professores, estudantes e trabalhadores de diversas categorias protestaram em mais de 200 cidades do país, no dia 15/05/19, e em torno de 130 cidades, no dia 30/05/19.
Novo ataque por parte deste governo se dá em 17/07/19, quando anuncia o programa “Future-se”, que altera a estrutura financeira das universidades públicas federais para a captação de recursos privados.
Esses ataques radicais ao caráter público e democrático da universidade pública, somam-se às ameaças do governo anterior quando alterou a consulta pública para indicação de reitores, o que torna ainda mais instável o processo de escolha dos reitores nas universidades públicas.
É neste quadro de retrocesso de um projeto ainda em construção, o qual reivindica uma universidade pública, gratuita, democrática e socialmente referenciada, que trazemos a público mais um número da nossa Revista. Este número, em especial, revela também o impacto destas medidas sobre os docentes e pesquisadores que, entre alguns, atônitos, e outros sugados pela necessidade da luta em defesa da universidade pública, trazem em seus textos os desafios para se pensar a Universidade e a formação profissional. Este número da Revista Em Pauta expressa também, pela sua publicação com financiamento público, um ato de resistência ao atual desmonte da estrutura de pesquisa e inovação que tem se expressado no âmbito da pós-graduação das universidades públicas.
Assim, convidamos os nossos leitores à reflexão a partir dos oito artigos que formam o Eixo Temático, sendo quatro deles sobre as transformações que afetam a Universidade Pública no Brasil, desde os governos do Partido dos Trabalhadores, dois acerca de questões referentes ao ensino do Serviço Social no Brasil e dois sobre esta temática no Chile. Os artigos do eixo contemplam os processos desencadeados pela contrarreforma no ensino superior e os impactos sobre a Universidade Pública, inclusive sobre as repercussões sobre a saúde. Abordam as repercussões desse processo sobre a formação profissional, entre elas a intensificação do ensino a distância (EAD).
Na Sessão Tema Livre, temos um primeiro bloco de três artigos que abordam o debate sobre o papel das famílias na racionalidade que opera as políticas sociais de proteção social; um segundo bloco de três artigos sobre a temática do trabalho, envolvendo a relação entre geração e mercado de trabalho e, também, a precarização do trabalho dos assistentes sociais no âmbito das empresas; um terceiro bloco de dois artigos sobre Serviço Social na área da saúde e as demandas postas aos profissionais neste segmento. Por fim, dois últimos artigos em que um aborda o contexto político do Brasil nos últimos anos que redundaram no golpe de 2016, e o último sobre as relações de raça, gênero e classe que informam a política de proteção social na África do Sul.
Que as reflexões e debates aqui presentes possam suscitar novos diálogos acadêmicos, assim como afirmar a defesa da Universidade Pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada, enquanto elemento fundamental de afirmação da democracia em nossa sociedade.

Rio de Janeiro, setembro de 2019.

Comitê Editorial da Revista Em Pauta
Elaine Marlova Venzon Francisco - Editora-Chefe
Carla Cristina Lima de Almeida
Felipe Demier
Isabel Cristina da Costa Cardoso
Marilda Villela Iamamoto
Monica de Jesus Cesar
Mônica Maria Torres de Alencar

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Published by REVISTA EM PAUTA, 2019-10-18 13:32:43

REVISTA EM PAUTA Nº44

Universidade Pública e Formação em Serviço Social em tempos de contrarreforma

Quando lançamos o edital deste número entre 1º de outubro de 2018 e 15 de março de 2019, não estava em cena o atual governo do Brasil, nem as suas radicais medidas de ataque a direitos sociais e de desmonte da universidade pública em nosso país.
O Edital assim convocava:

artigos que, baseados em pesquisas teóricas e/ou empíricas, problematizem sobre a transformação do ensino superior, no âmbito do ensino de graduação e de pós-graduação, a partir de um duplo movimento articulado: a configuração atual do mercado privado da educação superior e as políticas públicas no campo da contrarreforma da educação. Nessa linha de intenção o edital visa também estimular a captação de artigos que analisem as transformações nas condições e relações de trabalho docente e os desafios atuais e futuros da universidade pública e da formação profissional em Serviço Social, a partir da transformação da universidade pública em uma “universidade operacional” (CHAUI,1999) e da expansão do ensino superior privado no Brasil, especialmente da modalidade não presencial.

Estavam ali colocadas as preocupações em trazer a público um debate em torno da formação profissional em Serviço Social, diante do crescimento dos cursos na modalidade de ensino à distância, assim como os processos de transformação na universidade pública, que já se faziam sentir, principalmente a partir do golpe de 2016.
No entanto, no fim de abril, o governo anunciou o congelamento de R$ 1,7 bi dos gastos das universidades, de um total de R$ 49,6 bi. “No total, considerando todas as universidades, o corte é de R$ 1,7 bilhão, o que representa 24,84% dos gastos não obrigatórios (chamados de discricionários) e 3,43% do orçamento total das federais”.
A esses cortes, a sociedade respondeu com dois grandes atos públicos, onde professores, estudantes e trabalhadores de diversas categorias protestaram em mais de 200 cidades do país, no dia 15/05/19, e em torno de 130 cidades, no dia 30/05/19.
Novo ataque por parte deste governo se dá em 17/07/19, quando anuncia o programa “Future-se”, que altera a estrutura financeira das universidades públicas federais para a captação de recursos privados.
Esses ataques radicais ao caráter público e democrático da universidade pública, somam-se às ameaças do governo anterior quando alterou a consulta pública para indicação de reitores, o que torna ainda mais instável o processo de escolha dos reitores nas universidades públicas.
É neste quadro de retrocesso de um projeto ainda em construção, o qual reivindica uma universidade pública, gratuita, democrática e socialmente referenciada, que trazemos a público mais um número da nossa Revista. Este número, em especial, revela também o impacto destas medidas sobre os docentes e pesquisadores que, entre alguns, atônitos, e outros sugados pela necessidade da luta em defesa da universidade pública, trazem em seus textos os desafios para se pensar a Universidade e a formação profissional. Este número da Revista Em Pauta expressa também, pela sua publicação com financiamento público, um ato de resistência ao atual desmonte da estrutura de pesquisa e inovação que tem se expressado no âmbito da pós-graduação das universidades públicas.
Assim, convidamos os nossos leitores à reflexão a partir dos oito artigos que formam o Eixo Temático, sendo quatro deles sobre as transformações que afetam a Universidade Pública no Brasil, desde os governos do Partido dos Trabalhadores, dois acerca de questões referentes ao ensino do Serviço Social no Brasil e dois sobre esta temática no Chile. Os artigos do eixo contemplam os processos desencadeados pela contrarreforma no ensino superior e os impactos sobre a Universidade Pública, inclusive sobre as repercussões sobre a saúde. Abordam as repercussões desse processo sobre a formação profissional, entre elas a intensificação do ensino a distância (EAD).
Na Sessão Tema Livre, temos um primeiro bloco de três artigos que abordam o debate sobre o papel das famílias na racionalidade que opera as políticas sociais de proteção social; um segundo bloco de três artigos sobre a temática do trabalho, envolvendo a relação entre geração e mercado de trabalho e, também, a precarização do trabalho dos assistentes sociais no âmbito das empresas; um terceiro bloco de dois artigos sobre Serviço Social na área da saúde e as demandas postas aos profissionais neste segmento. Por fim, dois últimos artigos em que um aborda o contexto político do Brasil nos últimos anos que redundaram no golpe de 2016, e o último sobre as relações de raça, gênero e classe que informam a política de proteção social na África do Sul.
Que as reflexões e debates aqui presentes possam suscitar novos diálogos acadêmicos, assim como afirmar a defesa da Universidade Pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada, enquanto elemento fundamental de afirmação da democracia em nossa sociedade.

Rio de Janeiro, setembro de 2019.

Comitê Editorial da Revista Em Pauta
Elaine Marlova Venzon Francisco - Editora-Chefe
Carla Cristina Lima de Almeida
Felipe Demier
Isabel Cristina da Costa Cardoso
Marilda Villela Iamamoto
Monica de Jesus Cesar
Mônica Maria Torres de Alencar

Keywords: Revista,Em Pauta,Teoria Social,Realidade Contemporânea,UERJ,Universidade Pública,Educação,Formação,Serviço Social,Contrarreforma

} SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE – BARBOSA, V. C. }
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desejo de aprofundamento do tema, não apresentando resultados específicos,
e sim o objetivo de promover reflexões que possam nos direcionar na busca
pela defesa da saúde como política pública e na defesa de nossas atribuições
e competências profissionais.

Algumas considerações

Mediante o exposto neste breve artigo, apresentamos alguns ele-
mentos para reflexão acerca do papel do assistente social como trabalhador
da saúde, esta compreendida como um direito de todos e dever do Estado.
A definição de necessidades de saúde vai além do acesso a serviços e tra-
tamentos médicos, pois, de acordo com Nogueira e Mioto (2007), para
compreensão e definição destas necessidades é necessário levar em conta
que elas são produtos das relações sociais, e destas com o meio físico, cultural
e social. Nessa direção, é importante ter o olhar para a totalidade dos fe-
nômenos sociais.

É fundamental ser um profissional crítico, que tenha clareza acerca
de suas atribuições, competências, direitos e deveres, que apreenda a prática
profissional em Serviço Social no conjunto das condições e relações sociais
que atribuem sentido histórico à profissão, de forma que a mesma possa se
legitimar como possível e necessária, atentando-se para as dimensões teórico-
metodológica, técnico-operativa e investigativa, assim como com o compro-
misso ético-político assumido. Para que a prática profissional nas instituições
não se reduza ao atendimento imediato das demandas, faz-se necessária
uma ruptura com atividades burocráticas e rotineiras: ir além das rotinas
institucionais e buscar apreender o movimento da realidade, para detectar
tendências e possibilidades nela presentes, passíveis de serem impulsionadas
pelo profissional (IAMAMOTO, 2006).

O rompimento com essas práticas não se dá por acaso, de forma
automática, como num passe de mágica. Depende do potencial de luta da
categoria na tentativa de romper com a compreensão de que a profissão é
uma espécie de evolução da filantropia, reiterando práticas conservadoras.

Todavia, como parte do processo reflexivo acerca das principais
demandas apresentadas nesse estudo, é importante ater-se a elementos essen-
ciais, com vistas a superar determinadas ações demandadas aos assistentes
sociais nos hospitais universitários:

1. É imprescindível superar as ações emergenciais e burocráticas
desenvolvidas pelos assistentes sociais. Essa superação só pode ser realizada
a partir do fortalecimento da categoria e da clareza em relação ao significado
social da profissão;

2. Ainda sobre as demandas emergenciais, os Parâmetros para a
atuação de assistentes sociais na saúde (CFESS, 2010) nos indicam que, se
estas não forem reencaminhadas para os setores competentes por meio do

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planejamento coletivo elaborado na unidade, vão impossibilitar ao assistente
social o enfoque nas suas ações profissionais. Por vezes, o receio em dizer
não a uma determinada demanda coloca o assistente social num dilema
maior (embora não deveria), que é a defesa de quais são as atividades de
sua competência para os demais membros da equipe;

3. Sendo o hospital universitário um local de ensino, é fundamental
a defesa pelo direito de qualificação desses profissionais. O 10º princípio
de nosso código de ética nos direciona à defesa desse direito: compromisso
com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento
intelectual, na perspectiva da competência profissional. O direto à qua-
lificação profissional requer, entre outros fatores, entendimento com a equipe
sobre sua importância para o trabalho realizado, incluindo a compreensão
de que, em determinado período, a equipe deve se organizar para garantir
esse direito ao profissional, assim como o atendimento das demandas apre-
sentadas no cotidiano;

4. Outro elemento importante nesse processo é o estabelecimento
de reuniões periódicas para organização e planejamento do trabalho a ser
realizado. Esse, sem dúvida, é um trabalho em equipe, tendo em vista que o
usuário não “pertence” a um determinado profissional. A sistematização da
prática é fundamental nesse contexto;

5. Por fim, é necessário que os profissionais estejam em projetos
de pesquisa e extensão, o que, no referido hospital, ainda é mínimo. Acre-
ditamos que essa realidade possa ser superada através da maior participação
da universidade, com programas de assessoria aos profissionais, com vistas
ao desenvolvimento de estudos e publicações de artigos e afins, dando visi-
bilidade ao trabalho realizado, que dificilmente ultrapassa os muros institu-
cionais.

A questão é que a defesa de nossas reais atribuições e com-
petências no campo da saúde exigem enfrentamentos que nem sempre o
profissional quer ou pode ter, seja pela manutenção de seu emprego ou
mesmo de sua prática de cunho conservador. Contrário a esses aspectos,
reforça-se o compromisso de garantir espaços de debates e reuniões com as
equipes de saúde, a fim de dar visibilidade ao trabalho que deve ser realizado,
em favor dos usuários dos serviços de saúde. A tarefa é árdua, mas a luta é
contínua.

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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Programa de Pós-Graduação
em Serviço Social, ESS/UFRJ, 2017. Mimeografado.

DOI: 10.12957/rep.2019.45242
Recebido em 31 de agosto de 2017.
Aprovado para publicação em 31 de janeiro de 2018.

A Revista Em Pauta: Teoria Social e Realidade Contemporânea está licenciada com uma Licença Creative
Commons Atribuição 4.0 Internacional.

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O Serviço Social na atenção
primária à saúde

Social Work in primary healthcare

Andréia de Oliveira*
Reginaldo Ghiraldelli**

Resumo – O artigo aborda particularidades do exercício profissional de
assistentes sociais na atenção primária à saúde no Distrito Federal. Por
meio de revisão de literatura e pesquisa empírica, com aplicação de ques-
tionários e entrevistas semiestruturadas, objetivou-se, de modo qualitativo,
compreender as ações desenvolvidas, as atribuições, as competências
profissionais e as condições laborativas de assistentes sociais nesse espaço
ocupacional. O cenário brasileiro atual, de aprofundamento da crise
político-econômica, erosão dos direitos sociais, ataques aos direitos hu-
manos, avanço do conservadorismo, criminalização das lutas sociais,
censura ao pensamento crítico, adoecimento, intensificação e preca-
rização no mundo do trabalho revela inúmeros desafios para a categoria
profissional.
Palavras-chave: Serviço Social; política de saúde; atenção primária à
saúde; ações profissionais; direitos sociais.

Abstract – This article deals with particularities of the professional practice
of social workers in primary health care in the Federal District. Through
literature review and empirical research, with the application of ques-
tionnaires and semi-structured interviews, the objective was to understand
qualitatively the actions taken, the attributions, the professional com-
petences, and the working conditions of social workers in this occupational
space. The current Brazilian scenario, comprised of a deep political-
economic crisis, the erosion of social rights, attacks on human rights, the
advancement of conservatism, the criminalization of social struggles,
censorship of critical thinking, sickness, and intensification and preca-
riousness in the world of labor, reveal numerous challenges for this pro-
fessional category.
Keywords: social work; health policy; primary health care; professional
actions; social rights.

..............................................................................
* Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade
de Brasília (UnB). Assistente social, mestre em saúde púbica pela UFSC e doutora em Serviço Social pela PUC/
SP. Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Sociabilidade e Serviço Social (TRASSO). E-mail: andreiao
[email protected]. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-875.
** Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Uni-
versidade de Brasília (UnB). Assistente social, mestre e doutor em Serviço Social pela Unesp. Coordena o Grupo
de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Sociabilidade e Serviço Social (TRASSO). E-mail: [email protected].
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9229-7686.

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} O SERVIÇO SOCIAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA – OLIVEIRA, A.; GHIRALDELLI, R. }
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Introdução

O Serviço Social é reconhecido como uma profissão da área da
saúde e, por isso, se insere nos processos coletivos de trabalho em saúde,
contribuindo para as respostas e demandas advindas do conjunto das neces-
sidades humanas1. Essas respostas, expressas no cotidiano da ação profissio-
nal – mesmo que em diversas situações circunstanciais ocorram em dimen-
sões imediatas–, requerem profissionais com capacidade crítico-intelectual
para decifrar necessidades sociais que se dão em relações mediatizadas
pela totalidade social e sintonizadas com o seu tempo histórico. A profissão,
absorvida pela área da saúde desde a sua origem no Brasil, passou ao longo
desses anos por mudanças significativas no que diz respeito à formação e
ao trabalho profissional, especialmente a partir do Movimento de Recon-
ceituação.

Para Matos (2009), o Serviço Social se insere inicialmente nos
serviços de saúde por meio de um exercício profissional baseado no modelo
médico clínico, ou seja, como um trabalhador complementar da atividade
médica, por isso também chamado de “paramédico” – profissionais não
médicos que atuavam nos serviços de saúde. No que se refere ao Movimento
de Reconceituação, desencadeado na década de 1960 em âmbito latino-
americano e marcado por rupturas e permanências, Netto (2001) diz que
esse processo assume três direções no Brasil, denominando-as: modernização
conservadora, de cariz tecnocrático e neopositivista; reatualização do conser-
vadorismo, de inspiração fenomenológica e que confere à intervenção profis-
sional traços microscópicos; e intenção de ruptura, caracterizada pela aproxi-
mação à tradição marxista. É importante registrar que nesse mesmo período
de revisão das bases do Serviço Social estava em pauta, no cenário brasileiro
o Movimento de Reforma Sanitária, que questionava o modelo sanitário vi-
gente, até então baseado na tradição da clínica-médica em um formato cu-
rativo-hospitalocêntrico.

O reconhecimento dessa profissão como sendo da área da saúde
se faz pela contribuição e inserção histórica do Serviço Social nessa área,
tendo em vista sua capacidade de atender com competência crítica e propo-
sitiva às demandas e necessidades emergentes que circundam a vida em
sociedade e que rebatem direta e indiretamente nas condições de existência
e reprodução da população. Ademais, o Serviço Social é requisitado em
todos os níveis de complexidade da saúde para atender às múltiplas ex-
pressões da “questão social”. Nesse sentido, também compõe a equipe pro-
fissional da atenção primária à saúde (APS), que, juntamente com outras

..............................................................................
1 A Resolução n. 218, de 6 de março de 1997, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), regulamenta as profissões

de saúde; dentre elas, o Serviço Social. São reconhecidas as seguintes categorias: assistentes sociais, biólogos,
profissionais de educação física, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, médicos
veterinários, nutricionistas, odontólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais.

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profissões, contribui para o atendimento e o acesso da população à política
de saúde.

A “questão social” emerge na cena pública na primeira metade
do século XIX, a partir da organização coletiva e luta da classe trabalhadora
ao reivindicar direitos de cidadania. Desse modo, a “questão social”, vin-
culada às lutas de classes, assume dimensão política e precisa ser analisada
com base no processo de acumulação e reprodução capitalista, pois, con-
traditoriamente, na medida em que a produção da riqueza se torna cada
vez mais coletivizada, o seu resultado final é sempre apropriado de maneira
privada (IAMAMOTO, 2008).

Assim, a pesquisa sobre o Serviço Social na APS no Distrito Federal
advém da necessidade de estudos sobre o cotidiano de trabalho de assistentes
sociais nesse espaço ocupacional, com o objetivo de identificar ações
desenvolvidas, atribuições, competências, condições de trabalho, referências
e abordagens teórico-práticas presentes nos processos de trabalho em saúde,
em conjugação com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde
(SUS), da Reforma Sanitária e do projeto ético-político da profissão. Isso sig-
nifica apreender o trabalho de assistentes sociais sintonizado com os precei-
tos e direcionamentos do projeto profissional, o que pressupõe compreender
a trama histórica, contraditória e tensa das relações sociais no capitalismo,
sobretudo em um contexto de crise, de radicalização da “questão social” e
de banalização do humano (IAMAMOTO, 2008).

O projeto ético-político do Serviço Social tem como referência o
Código de Ética do Assistente Social de 1993, a Lei n. 8662/93 de Regula-
mentação da Profissão e as Diretrizes Curriculares da Abepss de 1996. Se-
gundo Netto (2007, p. 4), os projetos profissionais apresentam

[...] a auto-imagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam
socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam
os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício,
prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabele-
cem as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as
outras profissões e com as organizações e instituições sociais privadas e
públicas.

Bravo e Matos (2007) afirmam que na saúde existem dois projetos
em disputa: o projeto privatista e o projeto da Reforma Sanitária. O primeiro
deles tem requisitado assistentes sociais para desenvolver seleção socioeco-
nômica de usuários com ênfase no aconselhamento, em ações fiscalizatórias
de planos de saúde, no assistencialismo embasado na ideologia do favor e
no predomínio de práticas individuais. Já o segundo se orienta pela demo-
cratização do acesso às unidades e aos serviços de saúde, pelo atendimento
humanizado, pelas estratégias de interação da instituição de saúde com a
realidade, com ênfase nas abordagens grupais e multidisciplinares, bem
como pelo acesso democrático às informações e estímulo à participação

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cidadã. Diante disso, evidencia-se que o projeto ético-político do Serviço
Social está sintonizado com os preceitos do projeto da Reforma Sanitária.

Historicamente, o Serviço Social se constitui como uma profissão
dotada de competência teórica, metodológica, técnica e ético-política, com-
prometida com as necessidades sociais e humanas da população. A profissão,
a partir de uma direção social crítica balizada por um projeto ético-político,
e tendo na “questão social” seu objeto investigativo e interventivo, pode
contribuir de forma efetiva para o acesso da população às políticas públicas
e aos direitos sociais, como é o caso da saúde.

Tal contribuição se faz cada vez mais necessária e ao mesmo
tempo desafiante, considerando o contexto brasileiro recente de ruptura
democrática após a consolidação do golpe parlamentar-judicial-midiático-
empresarial de 2016, que, desde então, tem apresentado consequências
deletérias e nefastas em relação aos ataques aos direitos, garantias e proteção
social. De fato, a deposição da presidenta Dilma Rousseff (PT), por meio de
um golpe, demonstrou os limites de uma política de conciliação de classes
no cerne da democracia brasileira de traço burguês. Isso já estava formulado
pelos conspiradores do golpe antes mesmo da sua consolidação, como pode
ser observado no plano denominado “Uma Ponte para o Futuro”, apresen-
tado pelo PMDB. Este consistia na programática da ordem e progresso, na
lógica da eficiência, eficácia e racionalização do aparelho de Estado, assim
como em medidas de privatização de serviços e setores públicos.

O que se observa nesse cenário brasileiro de ameaça aos valores
democráticos é o avanço do conservadorismo ultrarreacionário e o aprofun-
damento de medidas neoliberais que atingem visceralmente as condições
existenciais de vida e de trabalho da população. O governo de Michel Temer,
mesmo com dificuldades de governabilidade, baixos índices de aprovação
e popularidade, em um amplo acordo com o Congresso Nacional, aprovou
de forma célere medidas regressivas e de austeridade fiscal, contribuindo
para o acirramento das desigualdades sociais, elevados índices de desem-
prego, redução e cortes de gastos sociais com políticas públicas. Demonstra-
se, assim, o propósito do governo de aniquilamento dos direitos sociais,
transferindo para a iniciativa privada tal responsabilidade, como é o caso
das políticas de saúde, educação, assistência social, previdência, dentre
outras.

Em dois anos à frente da presidência do país, dentre as medidas
regressivas, estão a Emenda Constitucional n. 95, de 2016, que estabelece
o teto dos gastos públicos, ou seja, o congelamento durante 20 anos dos
investimentos com as políticas sociais, atingindo brutalmente direitos como
saúde e educação. Houve também a Contrarreforma Trabalhista (Lei n.
13.467/2017), que se apresenta falaciosamente com um discurso de “moder-
nização das relações de trabalho”. Mas, na realidade, esfacela e viola os
direitos sociais do trabalho, abrindo caminhos para um amplo, aberto e
profundo processo de degradação e intensificação de formas laborativas

258 EM PAUTA, Rio de Janeiro _ 2o Semestre de 2019 - n. 44, v. 17, p. 255 - 273
Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro




















































































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