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Contoadas é um livro de contos fruto de uma oficina de escrita criativa

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Published by todavoz editora, 2019-10-04 13:23:19

Contoadas

Contoadas é um livro de contos fruto de uma oficina de escrita criativa

Keywords: contoadas,todavoz,literatura,Pará de Minas,Terezinha Pereira

CONTOADAS
ouvir para contar

CESEC Dona Afonsina

Centro Estadual de Educação Continuada

Terezinha Pereira

(Organizadora)



CONTOADAS
ouvir para contar

Este livro é dedicado a todos aqueles
que acreditam na magia da literatura



CONTOADAS
ouvir para contar

Terezinha Pereira
(Organizadora)

Oficina semanal: leitura de contos e escrita
CESEC

(Centro Estadual de Educação Continuada)

Pará de Minas
2019

FICHA TÉCNICA

Editora
MSc. Maria de Fátima Moreira Peres

Capa e projeto gráfico
Todavoz Editora

Revisão
Neusa de Oliveira Sousa

Terezinha Pereira

Conselho Editorial
Idalila Mara de Araújo Sousa
MSc. Maria de Fátima Moreira Peres

Neusa de Oliveira Sousa
Tânia Maria Rafael Binder

Terezinha Pereira

FICHA CATALOGRÁFICA
_________________________________________________
82-9(81) CONTOADAS ouvir para contar / organização Terezinha

Pereira – Pará de Minas: Todavoz Editora, 2019.
80p.
Inclui Bibliografia
Vários autores
ISBN: 978-85-94474-08-7
1. Literatura Brasileira – Contos – Coletânea I Pereira,
Terezinha et al. II Título

CDU: 82-9(81)

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.................................................07

CESEC-Centro Estadual de Educação Continua-

da.......................................................................08
UM ENCONTRO INUSITADO... ............................ 09
Ana Maria Chaves
DIFERENÇAS......................................................11
Camila Pereira dos Santos
OS PEQUENOS INQUILINOS...............................13
Elma Leite
DOCES LEMBRANÇAS........................................15
Expedita Aparecida Xavier
QUE VIDA!.......................................................... 17
Idalila Mara de Araújo Sousa
DESPEDIDA MERECIDA..................................... 23
Idê Ferreira
UM HOMEM DE PRETO...................................... 25
Keila Fernanda de Almeida
CORRA QUE O HOMEM DO CAVALO VEM AÍ..... 27
Michael Lage
FLAGRANTE........................................................29
Neusa de Oliveira Sousa
A MAGIA DA INFÂNCIA....................................... 31
Tânia Binder

O MAIS BELO PÔR DO SOL................................ 33
Terezinha Pereira
A HISTÓRIA DE MARTA.......................................37
Valéria Malvina Costa Duarte
UMA HISTÓRIA DE AMOR...................................39
Vanessa Aparecida Alves
NA CLARIDADE DO CAMPO E NA ESCURIDÃO DA
CIDADE... 43
Wilton de Jesus Pereira
LONGA ESPERA..................................................45
Zirlei Maria Silva
ATA 40 – Quadragésimo encontro dos “contoadei-
ros” do CESEC.................................................... 47
SOBRE OS AUTORES...................................... 53
CONTOS NARRADOS NOS ENCONTROS DE
CONTOADAS....................................................... 69
AGRADECIMENTOS............................................79

APRESENTAÇÃO

Todas as dores podem ser suportadas se você as puser numa
história ou contar uma história sobre elas.
Hannah Arendt

Contoadas: ouvir para contar é uma esmerada
produção de textos literários elaborada a partir de
um sonho coletivo. Sonho, esse, que recebeu da es-
critora pará-minense, Terezinha Pereira, o incentivo
certeiro que faltava para fazer desabrochar, em cada
um dos autores que compõe este livro, aquela veia
literária adormecida no canto de seus corações.
O encanto pelas letras reuniu, de forma lú-
dica, pessoas comuns, professores e alunos que se
dispuseram a ler, a aprender e reaprender, a ouvir e
trocar experiências e conhecimentos para que, utili-
zando-se das técnicas de narrativa oral de contos e
inspirados neles, pudessem produzir uma nova his-
tória.
Contoadas tornou-se um rico projeto de escri-
ta criativa que vem comemorar e revelar nestas pá-
ginas, a sensibilidade e a competência para a arte
da palavra dos 14 autores que as ocupam – além
de Terezinha Pereira – e que passam, de agora em
diante, a serem conhecidos pelos leitores como: ES-
CRITORES.

Maria de Fátima Moreira Peres

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CESEC

(Centro Estadual de Educação Continuada)

O Centro Estadual de Educação Continuada -
CESEC Dona Afonsina, de Pará de Minas, criado em
agosto de 1984, é uma escola que faz parte da Rede
Estadual de Ensino do Estado de Minas Gerais que
presta serviços aos jovens e adultos que não cursa-
ram ou não concluíram os anos do Ensino Funda-
mental e Ensino Médio.
O CESEC Dona Afonsina tem como missão in-
centivar o acesso e a permanência dos alunos, pro-
porcionando aprendizagens significativas, no senti-
do de motivar, valorizar e despertar o senso crítico
participativo. Assim sendo, a escola atua como uma
extensão da vida em comunidade trabalhando va-
lores essenciais a vida do aluno, numa perspectiva
de transformação social, valorizando as diferenças, a
solidariedade, a dignidade, o compromisso, a união,
a criticidade, o respeito e conservação do patrimônio
público.
Endereço: Praça Frei Concórdio, 750, 3°.andar, São
Francisco. Pará de Minas/MG

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UM ENCONTRO INUSITADO

Ana Maria Chaves

Tudo se deu em um desses sábados tranqui-
los de outono, quando fui fazer uma caminhada no
Bariri. Após algumas voltas ao redor da lagoa, depa-
rei-me com uma criatura imponente de cor branca,
grande, um pouco suja, com aparência descuidada
que, a princípio, inspirou-me um pouco de medo.
Após alguns farejos em minhas duas cachorrinhas,
a criatura demonstrou seu verdadeiro e dócil tempe-
ramento. Era um pobre cachorro que parecia meio
perdido e sem dono. Enfim, após ceder ao seu sinal
de amizade, pude acariciá-lo como demonstração de
afetividade. E assim, ele nos seguiu no restante do
percurso. Foi uma caminhada muito divertida.
Quando me preparei para irmos embora, des-
confiei que poderia ter uma situação delicada para
resolver. Entrei no carro, as cachorrinhas entraram
ligeiro. Lembrei-me da frase de Saint-Exupéry: “Tu
te tornas eternamente responsável por aquilo que
cativas”. E agora? O que fazer? Sabia que a criatura
seguiria o carro. A saída foi aumentar a velocidade
e tentar entrar numa e noutra rua. Enfim, consegui

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desviá-lo.
No entanto, dois dias depois, numa bruta se-
gunda-feira, ao chegar da escola quase na hora do
almoço, levo um tremendo susto. Bem à entrada da
garagem, encontro a tal criatura que consegui cati-
var no último sábado. Pobrezinho, pensei. Teria ela
passado o restante do sábado, do domingo e o início
da segunda-feira à procura da pessoa e das duas
cadelinhas que lhe deram carinho?

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DIFERENÇAS

Camila Pereira dos Santos
Jorge e Mateus são dois irmãos completamen-
te diferentes um do outro. Jorge não gosta de que o
irmão pegue suas coisas, briga com ele, não gosta de
dividir nada, quer tudo para si, tem ciúme dos pais
com o irmão.
Mateus sempre foi um rapaz estudioso, traba-
lhador, faz de tudo para ajudar as pessoas, ajuda até
mesmo seu irmão nas suas tarefas.
Jorge sabe que o irmão é diferente dele e, por
isso, costuma dizer:
− Como Mateus consegue ser assim tão bon-
doso! Ele dá de tudo para as pessoas, divide suas
roupas, seus sapatos, comida. Gostaria de ser como
meu irmão, mas não consigo. O que fazer?

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OS PEQUENOS INQUILINOS

Elma Leite

Seis horas. A noite se avizinha. Há silêncio lá
fora.
Sentada à varanda, ouço apenas pássaros que
depois de um dia de longo voo, retornam alegres para
dormir.

Observo atenta aquele ritual de voos circula-
res e cantos diversos, um jeito delicado de despedir
do dia.

Deixo que o meu coração se acalme nesse mo-
mento mágico em que o sol se prepara para o des-
canso e a noite majestosa desfila sob olhares de es-
trelas apressadas que se vestem de brilho.

Recordações passeiam em minha memória,
uma saudade rotineira me visita e traz de volta os
meus pequenos inquilinos, um casal de rolinha que
há muitos anos fazia num canto da cumeeira da va-
randa de minha casa, a sua morada.

Todo ano, duas ou três vezes, eu aguardava
aquele regresso e a beleza do primeiro voo daqueles
moradores, que já faziam parte da família. E sempre
que partiam, deixavam em mim, um vazio intenso e,
ao mesmo tempo me lembravam que, em algum mo-
mento, todos nós iremos partir. Então, aliviava-me.

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Nos dias que antecipavam o voo certeiro, en-
cantava-me os ensaios. Era um espetáculo gratifi-
cante vivenciar aquela busca dos pequeninos pelo
desconhecido. A persistência era tamanha, que me
fazia refletir sobre a sabedoria cronológica da vida:
nascer, crescer, lutar e alçar voos. Observá-los, era
para mim, um aprendizado.

Anualmente, a magia se repetia. Porém, em
março, não me lembro o ano, numa dessas chuvas
de verão, fortes e inesperadas; um vento com pas-
sadas ligeiras destruiu a pequena e frágil casa dos
meus hóspedes tão especiais. Ainda bem que, na-
quele dia, ela estava desabitada.

Durante os dias que seguiram, os vi por ali,
sobrevoando lentos. Sentia seus olhares meio tris-
tes, como quem procura um abrigo. Observei atenta
e vivi com eles aquele pesadelo. Senti-me impotente.
Apareceram outras vezes e depois nunca mais volta-
ram.

Ficou a tristeza da cumeeira silenciosa e o
meu coração que ainda hoje, espera que retornem.
Talvez, seja uma espera vã. Mas eu sei, que ele es-
perará até pôr em prática o que aprendeu com os
pequenos inquilinos: libertar-se e alçar um novo voo.

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DOCES LEMBRANÇAS

Expedita Aparecida Xavier

Quanta saudade do lugar onde eu morava.
Tudo era muito simples, com muita dificuldade, sem
nenhum conforto, porém recheado de amor. Vivia
em harmonia com meus pais, irmãos, vizinhos e ou-
tros parentes.
Quando chegava esse tempo de festas juninas,
a euforia e o entusiasmo eram grandes. Tínhamos
que ensaiar quadrilha. Preparar as roupas, ajudar
na organização da festa de Santo Antônio, São Pedro
e São João. Todos tinham devoção. Enfeitávamos as
bandeiras, a casa e o terreiro. Às vezes, ajudávamos
a montar a fogueira. Ficava tudo uma beleza. As
comidas típicas, quem fazia eram as senhoras cozi-
nheiras.
Chegada a noite, depois de tudo preparado,
acendíamos a fogueira e a festa começava e não ti-
nha hora de terminar. Divertíamos muito. Era tão
grande a felicidade que, até hoje, quando recordo,
quase morro de saudades das festas de meu arraial.

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QUE VIDA!

Idalila Mara de Araújo Sousa

Maria, sei lá do que, como tantas outras Ma-
rias, casara-se cedo, como as demais moças da épo-
ca.
O pretendente mostrava-se à altura de sua
beleza. Um homem alto, esguio, metido, sempre en-
fiado em um terno muito engomadinho de casimira,
camisa de seda, os cabelos muito arrumados, cada
fio em seu lugar presos com o famoso gumex e os
sapatos... como eram bonitos! De tão escovados, pa-
reciam de verniz, com um brilho que causava inveja.
Não ficaria para titia e ainda conquistara um moço
cobiçado por todas as solteiras da região. O jovem,
que tinha já alguns carros de aluguel, procurara seu
pai e então conseguiu o consentimento para cortejar
a linda Maria. Afinal que pai não iria querer tão bom
partido para a filha? Homem bem-apessoado, muito
limpo e ainda por cima tinha um futuro promissor
nos negócios que iniciara. Era a sorte grande!
Os preparativos para o casório já tiveram iní-
cio nos primeiros dias do namoro. As expectativas
foram crescendo na medida em que os meses pas-
savam. Maria quase explodia de alegria preparando
o enxoval com carinho, um bordado aqui, um cro-

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chê ali, uma pintura lá, afinal os pais não tinham
muitas posses e para garantir boa aparência com di-
nheiro minguado, era necessário mostrar seus dotes
de moça prendada. A cada dia, o moço se mostrava
mais galante, carinhoso, atencioso e muito cuidado-
so com Maria.
O casamento chegou. Cerimônia simples, mas
muito bonita. O padre que gostava muito de Maria
cuidou para que seu sermão fosse lindo e inesquecí-
vel. Os doces preparados cuidadosamente pela mãe
foram degustados por todos.
Então era a lua de mel... Seu homem apresen-
tou-se como um lorde ou um príncipe. A noite fora
inesquecível, daquelas de contos de fadas. Depois
daqueles deliciosos momentos de amor, os dois ca-
íram em sono profundo. Fazia um friozinho quando
os primeiros raios do sol começavam a iluminar a
janela ainda sem cortinas, porém, o despertar do so-
nho de fadas veio com o dia! Aquele cavalheiro talvez
tivesse perdido sua roupagem de cortesia e delicade-
za durante as peripécias do amor e, o que era doce,
melou-se.
Ao lado de Maria, amanheceu um homem
rude, carrancudo e mandão que, rispidamente, pe-
diu-lhe seu café dizendo que deveria sair, que não
teria tempo para ficar em casa e que, quem ficava em
casa era vagabundo. Maria assustou-se porque dor-
mira com um cavalheiro e acordara com um cavalo...
Daí para frente começou seu martírio... Ela, como
nunca havia trabalhado fora de casa e como o ma-
rido não haveria de deixar que trabalhasse porque,
segundo ele, lugar de mulher era em casa, não tinha

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outra coisa a fazer senão suportar o que viria pela
frente. Sua vida virou um martírio: lavar, passar,
cozinhar, aguentar a rabugice, os xingamentos, as
traições, o descaso, a fome que passava devido à so-
vinice do marido e ainda cuidar dos dois filhos que
tiveram. O primeiro, desde cedo, mostrou-se muito
parecido com o pai e João, o segundo, crescia cada
dia mais parecido com ela, em todos os sentidos. Era
frágil, sentimental, triste, cabisbaixo, o que desper-
tava sentimentos cada vez piores no pai. Maria sofria
como ela só, por tudo que passava e ainda por ver a
diferença que o pai fazia entre os irmãos. Ela não via
saída para melhorar a própria vida. O que fazer? Não
teria como se sustentar e ainda teria que levar o filho
porque o marido não o aceitaria...
O marido ficava cada vez mais rico, cada vez
mais galante e cada vez mais mulherengo. Maria,
ao contrário, ficava presa em casa, triste, chorosa,
usando cada trapo que poderiam compará-la à “Gata
Borralheira”. Os filhos cresciam e a desigualdade
de tratamento aumentava o sofrimento e fragilizava
cada vez mais aquela mulher.
O mais velho seguia os passos do pai e já es-
tava engajado nos negócios e o mais novo não su-
portara a indiferença. Deixou a casa e foi morar na
capital, onde, depois de se formar, Tornou-se um
respeitado jornalista. A mãe passava tempos sem
notícias, porque o pai o proibira de voltar. Era mui-
to sofrimento para uma pessoa só! O que ela fizera
de tão grave para ser punida tão severamente? Que
vida miserável ela tinha... Como suportar tudo aqui-
lo? Dava pena ver que, de tanto sofrimento que pas-

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sava, envelhecia a cada dia... As rugas “acabando”
brotando, os cabelos se esbranquiçando mostravam
certo desleixo com sua aparência. A estatura encur-
vada demonstrava o peso que carregava por tantos
anos de um casamento medíocre.
Maria fazia todo o serviço da casa. Naquela
tarde, como de costume, estava a arrumar a cozi-
nha, com um vestido de estampa desbotada, pano
na cabeça, chinelos surrados, quando a campainha
tocou. Ela, apreensiva foi logo abrir. Adentraram
pela casa dois parentes que quase não via. Ao olhar
para eles, que pareciam brancos como leite, Maria
imaginou que se tratava de coisa muito séria. Ela foi
logo dizendo:
− O que aconteceu? Podem me dizer...
E o silencio ainda permaneceu por alguns mi-
nutos, até que um deles, sem muita coragem, come-
çou com voz rouca e embaraçada:
− Sabe o que é Maria, o Waldemar... E parou.
Ela estatelou os olhos e perguntou:
− O que aconteceu com meu marido???
O outro emendou:
− O Waldemar teve um ataque! Sabe como é,
né, ele não se cuidava, bebia, fumava, ficava noita-
das sem dormir...
Ela soltou um grande grito:
− O meu marido morreu???
E a confirmação veio... Aos berros, ela pediu
que eles saíssem de sua casa, fechou e trancou as
portas e janelas. Os dois ficaram muito preocupados
com a reação de Maria, mas atenderam seu pedido e
foram então tomar providencias dos assuntos fune-

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rários. A família ficou aflita. Afinal, a esposa Maria
sumiu, não deu as caras. No entanto, ao lado do cai-
xão, outras viúvas choravam a perda de seu homem.
E olha que não eram poucas... E Maria, o que estava
acontecendo? Alguns corajosos chegaram a ir até a
casa dela, para ver se a encontravam e saber o que
estava acontecendo. E nada. A casa estava fechada e
ninguém atendia a campainha ou aos chamados.
Faltava cerca de meia hora para o cortejo fú-
nebre sair rumo ao cemitério, o padre já havia feito a
encomendação do corpo e o clima não estava muito
tranquilo diante de tantas amantes, quando aparece
no recinto uma mulher elegantemente vestida, ma-
quiada e penteada, com uma roupa que lhe contor-
nava a silhueta mostrando um belo corpo, apesar da
idade... Meias finas alongavam suas pernas que iam
dar em um sapato escolhido com muito gosto, de sal-
tos altos, elegantes. Quem seria ela? Um véu por de-
baixo do chapéu escondia seu rosto. Seria mais uma
amante? Todos os olhares se voltaram para aquela
misteriosa dama. Ela entrou, passou por todos sem
conversar, de cabeça baixa, parecia estar numa tris-
teza de cortar o coração. Ao se aproximar da cabeça
do defunto, ela retirou o véu que lhe escondia o rosto
e em alto e bom tom começou sua conversa com o
finado.
− Sabe, Waldemar, aquelas vans que você
comprou... pois é, são todas minhas! Sabe, o prédio
onde estão seus escritórios que você nem me deixava
entrar... É meu! Sua casa caindo aos pedaços... é
minha! O dinheiro que está no banco... também é
meu! Toda a riqueza que você prezava e acumulava

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tanto... é todinha minha. Agora Waldemar, vou pe-
gar um ônibus, visitar meu filho na capital e de lá
vou passar um mês naquela praia à qual que sempre
te pedi para me levar e que você nunca teve tem-
po. Agora posso comer direito, me arrumar, viajar e
aproveitar a vida, porque você está aí, né Waldemar,
e eu estou aqui. Viúvas para te velar não faltam, por-
tanto você não precisa de mim para isso e eu não
vou me prestar a esse papel.
Maria então se virou sem olhar para as outras
pessoas, endireitou o corpo e saiu sem olhar para
trás... deixando apenas o suave traço de seu perfu-
me maravilhoso no ar.

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DESPEDIDA MERECIDA

Idê Ferreira

O encontro era no Bar do Pinguela. Era tão
sagrado que, o dia em que algum frequentador não
aparecia, podia-se saber: estava doente. A música de
chegada era Boemia (interpretada por Nelson Gon-
çalves) e, quando não estavam muito bêbados, até
que cantavam afinados. Junto com a música, sua
outra paixão era a dança.
Às sextas, ele tomava banho, o que era uma
raridade, passava creme nos cabelos, despedia-se
da mulher já resignada pelas saídas costumeiras do
marido e dirigia-se para a Casa de Dança.
A notícia de seu falecimento chegou ao bar. O
Zé se foi? Os amigos ficaram num silêncio de mor-
te. Chico Sanfoneiro, depois de tomar uma cachaça,
perguntou:
− “A gente num vai cantá pro Zé não”?
A turma se animou e combinou de ir à noite
para o velório na casa dele. Lá, encontraram o cai-
xão na sala, a viúva sentada ao lado. Nas paredes
havia fotos de artistas de novelas misturadas com
quadros de santos e um retrato do casal, feito a lá-
pis.
Chico chegou carregando a sanfona, Raimun-

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dinho, o violão e Zarollho, o pandeiro. Respeitosa-
mente perguntaram à viúva se ela permitia tocar
uma musiquinha para alegrar o defunto. Ela con-
cordou, sabendo da paixão dele pela música. Aliás,
ele sempre teve várias paixões sem ser ela...
A música iniciou mansa como se dissesse à
ele: “− amigo, ocê acha que nós num vinha”?
Com o passar do tempo, começou-se a anima-
ção ajudada por um garrafão da branquinha escon-
dida debaixo do banco. As pessoas não resistiram e
começaram a dançar. Algumas rodopiavam enquan-
to outras batiam palmas. O defunto, quieto, só escu-
tava.
Quando iniciou a caminhada até o cemitério,
a música ia acompanhando a procissão. Na rua do
comércio as lojas abaixavam suas portas quando o
caixão passava, em respeito ao morto.
Quando tudo terminou, a viúva ficou sozinha,
em silêncio, ao lado da sepultura a repassar os anos
vividos juntos. Agora estava velha, sem filhos, o que
iria fazer? Depois de algum tempo, passou as mãos
pela saia, levantou a cabeça e pensou: onde Deus
passa, nada embaraça. Vou dar um jeito!
Debaixo de uma árvore Chico Sanfoneiro, es-
perava calmamente por ela, fumando seu cigarro de
palha.

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UM HOMEM DE PRETO

Keila Fernanda de Almeida
Certa vez um jovem estava na cidade com seus
amigos curtindo a noite. As horas iam passando.
Quando ele resolveu ir embora, já era mais de meia
noite. Sua casa era bem distante da cidade. Na es-
trada só havia plantações de cana. Ele ia andando, ia
andando. De repente, ele começou a ouvir uns pas-
sos. Toc.. toc... toc... Mas ele não se atreveu a olhar
para trás, pois estava com muito medo. Começou a
correr. Quanto mais ele corria, mais os passos iam
se aproximando. Então ele olhou para trás e viu um
homem alto todo de preto. O desespero tomou conta
dele.
Chegou em sua casa tremendo, sem cor, sem
voz. Decidiu nunca mais voltar para casa sozinho.

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CORRA QUE O HOMEM DO
CAVALO VEM AÍ

Michael Lage

Em uma bela tarde de sábado do ano de
2004, eu e mais 5 amigos fomos nadar em um lugar
chamado Cachoeirinha, que fica perto do distrito da
Matinha, onde fica a nascente do Ribeirão Paciência.
Ronivom, Ronivaldo, Marcos Vinicius, Mario Vitor,
Henrique, e eu, Michael, adorávamos aquele lugar.
Passávamos os sábados e domingos sempre lá, na-
dando e nos refrescando do calor.

Anoitecia quando decidimos ir embora. Pe-
gamos o caminho que passa por dentro da fazenda.
Porém, antes de chegar à porteira, avistamos uma
plantação de cana e resolvemos pegar algumas. Eu,
o mais fominha, peguei muitas canas e as carreguei
debaixo do braço. Meus amigos falaram pra não pe-
gar muitas pois se o homem do cavalo visse, ele cor-
reria atrás de nós. Eu falei que não estava nem aí,
que mesmo se ele pedisse eu não as devolveria para
ele. Chegamos à porteira e, de repente, o tal homem
do cavalo aparece e começa a falar sobre as canas.
Depois de algumas palavras, ele pega o celular que
mais parecia um tijolo e ameaça chamar a polícia.
Meus amigos soltaram as canas, pularam a porteira
e saíram correndo. O homem do cavalo abriu a por-

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teira e correu atrás deles. Fiquei parado. Quando o
homem do cavalo fechou a porteira, eu me abaixei,
peguei as canas que meus amigos haviam jogado no
chão e sai andando, abri a porteira, passei por ela,
fechei-a e fui-me embora rindo como se nada hou-
vesse acontecido.

Seguindo as trilhas em direção a cidade, po-
dia ver meus amigos correndo e o homem do cavalo
atrás deles. Depois de algum tempo andando rindo e
chupando as canas, eu cheguei na entrada da cida-
de, sentei-me e esperei por eles chupando as canas.

Após um certo tempo de espera, pude ver um
por um aparecendo, sujos, machucados, suados e
assustados. Não tinha coisa melhor pra eu rir.

Até hoje, quando nos encontramos, lembra-
mos dessa história e rimos muito.

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FLAGRANTE

Neusa de Oliveira Sousa

Fui agraciado com uma beleza angelical, sem-
pre ouvi elogios e acostumei-me com a bajulação. Mi-
nhas tias e avós enchiam-me de presentes, dizendo
que eu seria modelo ou ator e por isso estava sempre
bem arrumado, com roupas caras que todos faziam
questão de me dar. Na escola sempre era escolhido
para as apresentações e muito disputado pelas me-
ninas nas danças.
Na adolescência, alguma coisa mudou, a ga-
rota por quem me apaixonei, não se apaixonou por
mim, gostava de outro menino sem beleza e sem di-
nheiro. Não aceitei, estava acostumado com todos
a meus pés. Impressioná-la tornou-se minha obses-
são.
Tinha apenas dezesseis anos, mas meu pai já
me deixava dirigir e eu frequentemente ia de carro
para escola, dava carona a outros colegas que em
troca levavam bebidas para consumirmos após as
aulas, queria ser o mais descolado.
Um dia, alguém apareceu com maconha, di-
zendo que faríamos uma viagem louca e nós que já
tínhamos ingerido álcool, não hesitamos em experi-
mentar.

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A partir daí, roupas, carro, tudo perdeu o va-
lor, queria dinheiro para sustentar meus vícios...
aquela cachorra... não me interessava mais.
No princípio, minha família me abastecia, mas
com o tempo, todo tanto era pouco e para ajudar
passei a servir de aviãozinho.
Hoje, estou aqui no parque, a entrega será fei-
ta no banco escondido entre as árvores, minha mo-
chila de marca está recheada. “Meus Deus! É a polí-
cia, acho que fui descoberto, estão vindo em minha
direção.”
Seguro a mochila com força, tento desviar,
eles passam adiante e vão revistar um negro que fa-
zia caminhada.

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A MAGIA DA INFÂNCIA

Tânia Binder

Dia após outro e as crianças seguem firmes em
seus propósitos, brincar, brincar o mais possível...
Marina, num dia lindo e quente de verão encontrava-
-se, à tardinha, antes que o Sol se pusesse mais um
dia, em uma praça da cidade, aquela em que Nossa
Senhora Aparecida vela permanentemente pelos pa-
rá-minenses, cujo nome lembra um fato importante
de nossa história brasileira, a Independência.
Quantos barulhinhos vindos de todas as cinco
direções que culminam no miolinho da praça. Pes-
soas conversando, assobiando, andando com seus
passos apressados pela lida diária, pássaros can-
tando, carros buzinando, crianças gritando e suas
mães e/ou suas babás acudindo umas e outras, ora
gritando, ora falando baixinho que tomem cuidado
para que não se machuquem e que protejam as bo-
las, principalmente, pois podem cair nas ruas e um
desavisado atropelar alguma criança. Que desastre
seria, que tristeza, as brincadeiras interrompidas
num dia tão lindo...

Marina, com seus olhos curiosos e atentos
ao movimento, percebeu que um jovem, sentado em
um banco, lia o jornal “Estado de Minas”. Era sába-

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do e no jornal desse dia havia sempre um encarte
infantil, o “Gurilândia” que ela amava ler, mas que
tinha de ganhar de alguém, já que sua família não
era assinante e nem tinha o hábito de comprar jor-
nais nem mesmo esporadicamente.

Marina, com seu jeito acanhado, mas de-
terminado, foi se achegando de mansinho e depois
de alguns minutos, buscando dentro de si coragem,
pediu que o jovem lhe emprestasse o “Gurilândia”.
Ele, muito gentil, não só emprestou, mas lhe deu o
jornalzinho. Que alegria, que felicidade Marina sen-
tiu... mais um material para leitura, para sonhar e
poder degustar cada palavra, cada entretenimento,
cada comentário e desenho colorido que o “Gurilân-
dia” trazia. E, enquanto muitas crianças brincavam
com carrinhos, bolas, jogos de dama, ludo, bonecas,
patins, pique-esconde, Marina, em um cantinho en-
cantado, lia e viajava na imaginação, feliz, muito fe-
liz.

32

O MAIS BELO PÔR DO SOL

Terezinha Pereira

Estava com dezessete anos quando, em 1966,
fui conhecer Brasília. Uma excursão da turma do
último ano do curso de magistério do colégio onde
estudava. O que mais poderia desejar um grupo de
adolescentes de uma cidade do interior de Minas
Gerais? Para a maioria de nós, era a primeira via-
gem feita em grupo. A chegada à cidade deu-se num
amanhecer ensolarado, após alvoroçada viagem de
ônibus, noite inteira sem dormir. Éramos mais de
trinta moças acompanhadas de dois casais, pais de
duas colegas, que naquela semana seriam os pais de
todas.
Naquela época, Brasília era festiva menina de
seis anos. Pareceu que me sorria quando a vi ao de-
sembarcamos na rodoviária. Ainda comendo um pe-
daço de pão do café da manhã no bar da rodoviária,
fui a última a entrar no ônibus que estava à nos-
sa espera, o qual tornou-se cúmplice em andanças
pela cidade, a partir daquele momento. Havia muito
a desbravar durante uma semana naquela terra so-
nhada por Dom Bosco.
Em alguns minutos de puro deslumbramento,
chegamos ao local onde ficaríamos hospedados. Cor-

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ri o olhar pelas redondezas. Estávamos defronte ao
Palácio da Alvorada. Ah! O Paranoá! O primeiro gran-
de lago que via. O Brasília Pálace Hotel, na época, o
mais luxuoso hotel da cidade. Deus, quanta bele-
za para um olhar adolescente! Tenho alguns flashes
de lembranças. O alojamento onde nos hospedamos
chamavam de Anexo. Era um dormitório para umas
cinquenta pessoas ou mais, com dois banheiros,
anexo ao Brasília Pálace. Parecia o dormitório das
alunas internas de nosso colégio. No prédio, havia
também um refeitório onde podíamos comer bem e
pagar pouco. Disseram que aquele local servira de
alojamento para os trabalhadores que construíram a
cidade.
Ah. Nem meia hora foi preciso para que guar-
dássemos as bagagens, trocássemos de roupa e de
novo entrássemos no ônibus. Queríamos conhecer
a Esplanada dos Ministérios. E mais uma porção de
monumentos, palácios e edifícios públicos.
Nos dias seguintes... uma glória! Perambular
pelos andares do Brasília Pálace Hotel. Salve, Nie-
meyer, que o projetou. Chamá-lo de gênio? É pou-
co, para um ser humano de tamanha grandeza. Os
passeios pela W-3 Sul. Viva, Lúcio Costa! Os jardins
nunca vistos antes. Ave, Burle Marx! A Biblioteca de
Brasília, nas proximidades da rodoviária. Nunca ha-
via visto uma casa de livros tão bonita e tão grande.
O Cine Brasília. Dio, Come Ti Amo, o filme da semana!
(Era a nossa época do "água-com-açúcar".) Saímos
do cinema cantando Non Ho L'Etá. Tinha idade sim,
pensava eu. Idade suficiente para estar fascinada
com Brasília. A igrejinha de Nossa Senhora de Fáti-

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ma em formato de chapéu de freira com uma parede
de azulejos ornados de anjos. E a vista do mirante da
torre? Haja fôlego para contemplar a amplitude da
cidade avião! Um passeio de lancha pelo Lago Para-
noá. Esquecer, como hei de? A longa caminhada até
à Catedral! Enganou-nos o nosso olhar por aquela
vastidão de cidade naquela tarde em que resolvemos
ir a pé a Catedral. Chegamos lá arfantes e com os
pés empoeirados. Lá, a grande surpresa. Sob a bela
armação de pilares de concretos que se juntam em
forma de coroa na cúpula do edifício, havia um enor-
me buraco redondo na terra. Mais nada. No entanto,
como valeu ver aquele esqueleto de edifício com seus
pilares curvas ainda nus de vitrais, apontando para
cima − nada dos anjos voadores que hoje lá são vis-
tos. O anúncio de mais uma bela obra de arte. Ah,
o horizonte de Brasília... Pelos diversos pontos da
cidade por onde passávamos ao entardecer, a im-
pressão que tínhamos era de que o Sol entrava terra
adentro.
Entretanto, o mais esplendoroso momento fi-
cara para nosso último fim de tarde em Brasília. O
pôr-do-sol visto da Ermida de Dom Bosco. Da sin-
gularidade da Ermida, eu nada sabia. Uma singela
capelinha em forma de oratório triangular com uma
bela cruz no vértice. Traços limpos e seguros. Obra
de arte da arquitetura moderna brasileira. Embasba-
quei-me com o espetáculo da natureza. Posso jurar,
de pés juntos que, naquele instante, vi um inigualá-
vel pôr de sol. Tão belo, jamais vi outro até hoje.

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A HISTÓRIA DE MARTA

Valéria Malvina Costa Duarte

Marta era uma mulher que nunca reclamava
de nada na sua vida. De todas as formas tentava
mostrar que era uma pessoa feliz. Mas, no fundo dos
seus olhos dava para ver que escondia alguma tris-
teza.
Na sua adolescência conheceu João, um rapaz
bem mais velho do que ela e começaram a namorar.
O pai quis que se casassem! O que aconteceu pou-
cos meses depois. Logo, logo, já estavam com duas
filhas, Ana e Helena. Com o passar do tempo João
mostrou que era um homem bruto, covarde, que vi-
via batendo em Marta. Ana, a filha mais velha, quan-
do o pai chegava do serviço, chamava a irmã e se
fechavam dentro do quarto. Sabia que, sempre que
o pai chegava, era raro o dia em que ele não batia na
mãe delas. Como Marta era muito mais nova do que
João, ele morria de ciúmes da mulher. Ela mal podia
chegar a cara no portão de sua casa. Se chegasse,
era coro na certa. Além disso, ele costumava quebrar
as coisas dentro de casa, mesmo sendo um homem
que não bebia.
O tempo foi passando, as coisas foram mais
se complicando, as filhas crescendo, presenciando

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tudo que acontecia em casa. Até que um dia Ana fa-
lou:
− Mãe, vamos fugir de casa, já não aguenta-
mos mais ver você apanhar tanto e você ainda o trata
como se nada estivesse acontecendo. Toda noite dor-
me com ele no mesmo quarto, cuida dele tão bem...
Marta respondeu que não tinha outra saída.
Um dia, Ana conheceu um rapaz e começou a
namorar. Quando contou à mãe que estava namo-
rando, ela quase ficou louca. Sabia que o pai jamais
iria permitir. Mesmo assim o namoro continuou. O
maior sonho de Ana era casar-se e levar a mãe e a
irmã para morarem com ela. Quando o pai soube
que Ana namorava escondido, aí sim, a violência au-
mentou. Ele passou a bater também em Ana.
Com tudo que acontecia, Ana pensou em se
engravidar para ter que casar e assim fez. Mas,
como podemos imaginar, o casamento não deu cer-
to. O marido não aceitou que ela levasse a mãe e a
irmã para morar com eles. E mais, o marido não lhe
batia mas acabou traindo-a com outras mulheres.
Como já não aguentava mais, pensou em se separar,
apesar de estar grávida novamente...
Com a separação, voltou para a casa dos pais
com duas crianças. E o pai continuou a violência
que só parou naquela casa quando ele morreu.

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UMA HISTÓRIA DE AMOR

Vanessa Aparecida Alves

Em uma fazenda na cidade de Goiás morava
um fazendeiro rico com sua família.
Esse fazendeiro tinha duas filhas, Ana e Ma-
ria. Ana, a filha mais velha, com seus 20 anos e Ma-
ria com seus 5 anos de idade.
O fazendeiro João e sua esposa Doroteia ama-
vam o lugar luxuoso onde viviam. Doroteia gostava
de cuidar do seu jardim florido, cada flor mais bela
do que a outra. Ana também adorava as flores. To-
das as tardes, a família passeava com Maria pelo jar-
dim.
Em um belo dia, quando Ana passeava no jar-
dim com Maria, avistou um rapaz alto, forte e mus-
culoso chegando na fazenda montando em um cava-
lo, foi atrás do pai e lhe perguntou:
− Pai, pai, quem é aquele moço que está ali.
Não o tinha visto ainda. Ele é de outra fazenda
aqui da região?
− Não, filha, ele é o novo empregado da fazen-
da. Ele é quem vai cuidar dos cavalos e das vacas.
Ana, deslumbrada, não parava de pensar no
moço.

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E assim, ela sempre chamava Maria para ir
ver as vacas. No entanto, seu pai já estava descon-
fiado das atitudes dela, disse-lhe:
− Não quero saber de você perto do curral, cer-
to?
Ana respondeu-lhe que sim. Ela sabia que o
pai era rigoroso. Nos primeiros dias, ela obedeceu-
-lhe, mas como não parava de pensar no rapaz , aca-
bou dando um jeito de falar com ele. Esperou que
o pai e a mãe fossem para a cidade fazer algumas
compras e aproveitou pra dar uma volta pela fazenda
com Maria. Chegando ao curral, ela avistou o rapaz
e o chamou. Ele aproximou-se dela, sem saber de
nada. Ela perguntou-lhe o nome.
− Paulo. E o seu?
− Ana.
Papo vai, papo vem, os dois ficaram de conver-
sa a tarde toda.
O tempo foi passando. E Ana foi ficando cada
vez mais apaixonada por Paulo e ele também foi gos-
tando dela. No entanto, Ana e Paulo sabiam que o
amor deles era impossível, pois os pais da moça não
aceitavam o romance deles pelo motivo de o rapaz
ser muito pobre.
Assim, ficaram se encontrando às escondidas.
Toda noite, Ana esperava seus pais dormirem e saía
para se encontrar com Paulo. Quando se encontra-
vam era linda a noite... Apreciavam a lua a brilhar
no céu iluminando o momento em que estavam jun-
tos, o caminho por onde andavam.
O tempo foi passando e Paulo e Ana não acha-
vam um jeito de contar aos pais de Ana. E resolveram

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permanecer a viver um amor às escondidas, com a
lua a iluminar seus momentos. Um amor eterno?

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NA CLARIDADE DO CAMPO E NA
ESCURIDÃO DA CIDADE

Wilton de Jesus Pereira

Sebastião, nascido e criado na roça, hoje ho-
mem que toma conta da fazenda Estrela de Ouro.
Todos os dias levanta às três horas da manhã
e vai para o pasto escuro, não dá para ver nada, mas
Tião conhece cada pedacinho onde passa. Assim co-
meça a reunir o gado gritando pelo pasto escuro, boi!
Boi! Boi! O gado já conhece a voz de Tião e rapida-
mente o acompanha até o curral, e assim é o dia a
dia de Tião. Seu patrão o admira e fala com todos os
amigos da cidade:
− Vocês precisam conhecer Tião Peão, bom de
serviço, não tem medo de nada. Levanta todos os
dias de madrugada, eu não teria coragem. É muito
escuro!
Dr. Jacinto conhece pouco de sua fazenda,
quando chega um comprador logo manda falar com
o Tião.
Mas Tião tem medo da cidade, aquele vai e
vem de pessoas, carros, barulho de som. Ele fica
com muito medo e confuso.
Na claridade da cidade, Tião se sente em uma
imensa escuridão.

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LONGA ESPERA

Zirlei Maria Silva

No final do ano de 2006, tive enorme prazer de
conhecer Renilda, uma pessoa muito especial. Gos-
tava de ser chamada de Renna.
Renna era mãe de Johnny, casado com minha
sobrinha Janaína. Quando os dois estavam nos ale-
gres preparativos para o casamento, receberam uma
triste notícia. Renna havia sido diagnosticada com
um câncer de mama em estado avançado. Teria que
fazer a retirada e mama e iniciar o tratamento com
quimioterapia. Foi como uma bomba para toda fa-
mília, principalmente para seu filho que estava às
vésperas do casamento.
Renna gostaria de entrar na igreja, toda linda,
com seu filho. Devido ao tratamento, começou a per-
der seus belos cabelos. Não se deixou abalar. Cortou
o que restava e pediu à Janaína que mandasse pro-
videnciar uma peruca com seus próprios cabelos.
No dia do casamento, Renna entrou na igreja
deslumbrante, vestida de vermelho, muito bem pro-
duzida. Era uma das mulheres mais lindas da ce-
rimônia. Chamou a atenção de todos e não deixou
transparecer em momento nenhum tudo o que esta-
va passando, a dor, o desconforto. Lembro-me que

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parecia que ela era a noiva, radiante por causa de
sua vontade de estar viva.
Um tempo depois fiquei sabendo de um fato
através de uma carta escrita por Renna e encontrada
nos seus pertences, em que ela dizia: “Hoje me sinto
a mulher mais feliz do mundo pois, soube por uma
amiga de quarto, que iriam fazer um teste com um
remédio doado para pesquisas avançadas no trata-
mento do câncer.
No entanto, por causa da burocracia, o hospi-
tal demorou a chamar Renna para o tratamento. Sua
doença agravou-se e não houve mais nada a se fazer.
Ela não suportou tanta dor e faleceu. Duas semanas
depois de seu enterro recebemos a notícia da libe-
ração do tratamento e que ela poderia ser internada
para se tratar.
Para nós foi muito triste, pois, quem sabe ela
poderia estar junto de nós, gozando de boa saúde.
Sua amiga de quarto recebeu o medicamento e se
recuperou. Conforme lhe disse o médico, ela está to-
talmente curada.
No entanto, há um detalhe que muda tudo,
pois a família dela, por ser de classe média alta, ban-
cou o tratamento, pois pelo SUS não seria possível
fazer. No caso de Renna, que pedia a Deus pela li-
beração de seu tratamento, que sonhava curar-se,
ver seus netinhos crescerem... Se ela tivesse podido
pagar pelo tratamento, teria sido diferente?

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Ata 40 - Quadragésimo encontro
dos “Contoadeiros” do CESEC
20 de junho de 2018

Atagrafada por Tânia Binder

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