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Published by ㅤㅤㅤ ㅤㅤ, 2018-01-16 15:37:43

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Bússola 8 PERFIL

18 CAPA Brasileiro busca resolver
A real situação sobre as problemas que afligem a
Unidades de Conservação América Latina e o Caribe
no Brasil e como elas podem
estar ameaçadas 30

CONTEXTO

Brics vão
estimular o
crescimento
a partir da
inovação
tecnológica e
industrial

60 40 ANÁLISE
Como o descaso com oceanos
ESPECIAL gera graves consequências
para todo o planeta
Ciência: projeto
aumenta em SEÇÕES
até sete vezes a
produtividade do 03 Planeta 47 Ponto de vista
guaraná produzido
no Amazonas 06 Fatos&Versões 48 Artigo

44 12 Pelo mundo 50 Energia

TENDÊNCIA 14 Cotidiano 52 Panorama

Cerca de 40% dos 16 Ponto de Convergência 54 Realidade
brasileiros já trocaram
hospedagem em hotel 26 Sustentabilidade 56 Em sala
por residências
28 Ambiente 58 Ideias

33 Cidades 64 Conexão

34 Sociedade 65 Geofoteca

36 Comportamento 66 Retrato

38 Infraestrutura

4 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

Ponto de Partida

O aprendizado de crianças
com necessidades especiais?
Habilidades e limitações estão
presentes em todos os seres professor, para auxiliar nesse aprendizado
humanos; por essa razão, pre- e crescimento, entendendo as necessida-
cisamos aprender também com o conví- des de cada criança. “É nesse momento
vio diário, pois cada criança nasce e cresce que entra o professor, principalmente o
em um momento histórico de infância, o professor de educação especial, já que tais
qual se modifica. Dessa maneira, não po- habilidades e limitações, nesses casos, ne-
demos pensar no sujeito em fragmentos, cessitam de um acompanhamento especí-
mas sim nele por inteiro. fico e estratégico, com recursos e matérias
Segundo a psicopedagoga e especia- que facilitem a participação daquele alu-
lista em educação especial e em gestão no em sala”, explica a especialista.
escolar, Ana Regina Caminha Braga, o Os professores da educação especial de-
desenvolvimento cerebral infantil es- vem estar atentos em sala de aula, para que
tabelece conexões de aprendizagens o possam contribuir adequadamente com
tempo todo. Essas conexões são obtidas seus alunos e ainda possibilitar que a esco-
principalmente quando as crianças ainda la possa garantir uma aprendizagem cada
são pequenas, entre 1 e 5 anos de idade e vez melhor, de acordo com as habilidades
se desenvolvem até a adolescência. e limitações de cada criança. “Essa busca
Hoje, os alunos são expostos a uma gran- é essencial para conhecer o seu aluno no
de quantidade de informações que preci- aspecto da aprendizagem e melhorar seu
sam ser filtradas por um adulto para seu desenvolvimento, valorizando o que cada
melhor aprendizado, e é aí que entra o um pode contribuir em determinada ati-
vidade”, completa.

WEBGEO ?QUEM FALOU

https://www.jdrstudio.com/peaceispossible/# npCviaodarmaftiimndinãa,ohteaeésOnriáomdsqpooauoeqecnsautvemoeamlcdieenoeanhlnhaadedroa,.

Neste jogo, você tem a Saiba, na próxima edição, ou responda
opção de se tornar um para a nossa equipe de redação.
cidadão ativo e virar um
embaixador da paz mun- ( ( Respostadaedição73
dial, começando pela paz “A natureza fez o homem feliz e bom, mas a
aoseuredor,bairro,cidade, sociedade deprava-o e torna-o miserável.”
país e mundo. O jogador Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi
deve tomar decisões du- um importante filósofo, teórico político e
rante o jogo todo, e essas escritor suíço.
decisões ajudarão a au-
mentar o número de embaixadores da paz, enquanto deixa os stakeholders felizes,
no prazo de um ano. Ele passará por desafios pelos quais todo aquele que decide se
tornar um cidadão ativo passa: confronto com seu próprio ego, com stakeholders e
com o tempo que não para. O objetivo é claro: aumentar o número de embaixadores
da paz. No fim do jogo, o jogador terá a opção de se comprometer com a campanha
“A Paz é Possível”.

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 5

Fatos&Versões EDGAR MELO

ENERGIA investimento próprio, não
PRIMEIRA USINA SOLAR têm disponível linhas de
DO SUL DE MINAS crédito, ou preferem usar
seu dinheiro reinvestindo
Instalada entre Ouro Fino e Jacutinga, a primeira Usina Solar do no próprio core business, e
Sul de Minas Gerais vai beneficiar diretamente indústrias, além do não em infraestrutura bási-
comércio têxtil local. Juntas, 30 empresas da região deixarão de ca.Três entre os principais gargalos que atrasam o desenvolvimento
gastar R$ 140 mil reais, por ano, em suas contas de energia elétrica do setor de energia no Brasil”, explica Marco Aurélio, diretor-técnico
sem desembolsar um centavo com a implementação do sistema. da Solution Energia.
Isso é possível graças ao conceito de usinas solares, modelo de A redução de custo, que pode chegar até 90% do valor da conta de
autoconsumo remoto ou fornecimento compartilhado de energia luz, é um dos principais gatilhos para a adesão à alternativa solar. A
solar que, neste caso, contará com o financiamento do consórcio tarifa da energia solar é bem menor do que aquela paga pelo con-
Solution Energia/Ecogen e sua parceira WEG. sumo de energia convencional. Adicionalmente, cobranças extras
“As empresas beneficiadas pelo programa alugam uma fração das distribuidoras, apresentadas aos consumidores como bandeiras
ideal da usina, que produz créditos de energia. Para realizar a tarifárias amarela e vermelha, ampliam o potencial de economia do
implementação desse sistema, não é necessário nenhum tipo sistema. Outra revelante vantagem é o ganho ambiental. Energia
de alteração nas instalações das unidades consumidoras que solar é renovável e 100% livre de emissão de carbono.
recebem os créditos de energia. Esse formato é uma alternativa
atrativa para os consumidores que não contam com capital para

AVENTURA “O turismo em Alcatrazes é uma antiga reivindicação de vários setores
ICMBIO ABRE ALCATRAZES AO locais, que possibilita a apropriação e a valorização pela sociedade desse
ECOTURISMO importante patrimônio natural”, argumenta a chefe do Núcleo de Gestão
Integrada de ICMBio Alcatrazes, Kelen Luciana Leite.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICM-
Bio) abre para visitação pública mais uma Unidade de Conservação FORTALECIMENTO DO ECOTURISMO
(UC), fortalecendo o ecoturismo na região norte de São Paulo. Pouco
conhecido e com forte potencial turístico, o Refúgio deVida Silvestre Segundoela,acriaçãodorefúgiodeAlcatrazesrepresentaofortalecimen-
(RVS) do Arquipélago de Alcatrazes, localizado em São Sebastião to do ecoturismo no litoral de São Paulo, em especial para os municípios
(SP), será aberto para atividades de mergulho recreativo e passeio de São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba, Ubatuba, Bertioga, Guarujá,
embarcado para observação da fauna. São Vicente e Santos, que, juntos, possuem uma expressiva frota de
As empresas de turismo e profissionais autônomos interessados, que embarcações de esporte e recreio.
atenderem os pré-requisitos estabelecidos no documento, poderão se A demanda por visitação ao Arquipélago de Alcatrazes é histórica,
cadastrar para prestar serviços de visitação no Refúgio. A perspectiva é remonta à década de 1990, quando foram iniciadas ações em prol da
que, no início de 2018, o turismo no local esteja já em funcionamento. criação do Parque Nacional Marinho dos Alcatrazes, que propunha
o aumento da área marinha protegida e a implantação do ecotu-
rismo como opção para o desenvolvimento sustentável regional.

INFRAESTRUTURA de Resíduos e Efluentes (Abetre), Carlos (PR) como a primeira colocada no ranking de
NOSSAS CIDADES Fernandes. Segundo o executivo, o estu- municípios com mais de 250 mil habitantes
do mostra claramente que os municípios (inclusive com todas as capitais), seguida
“A segunda edição do Índice de Sustentabili- com arrecadação específica para a ges- por Niterói (RJ), Santos (SP) e Rio de Janeiro
dade da Limpeza Urbana (Islu), idealizado pelo tão de resíduos têm melhor avaliação no (RJ), respectivamente.
Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana ranking brasileiro. “Portanto, o principal O mapeamento mostra que aproximada-
no Estado de São Paulo (Selur) e pela PwC, desafio é a adoção de medidas de equi- mente 70% das cidades com arrecadação es-
refletem claramente a necessidade de se criar líbrio financeiro para a gestão correta de pecífica dispõem corretamente os resíduos,
sistemas de receita vinculada para a gestão resíduos e a consequente erradicação encaminhando-os para aterros sanitários.
correta dos resíduos urbanos no Brasil.” dos lixões”, explica. Nas localidades sem arrecadação específica,
A afirmação é do presidente da Associa- A segunda edição do Islu destaca Maringá o índice é de 28%.
ção Brasileira de Empresas de Tratamento

6 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

MORADIA foi publicado em agosto, na SocialScience& e as condições relacionadas à saúde. Além
PESQUISA MOSTRA Medicine, uma das mais respeitadas revistas disso, incorpora o contexto de moradia à
EFEITO DA SEGREGAÇÃO científicas do mundo. etiologia da hipertensão e diabetes, normal-
RESIDENCIAL A população analisada, de 10.617 indiví- mente relacionada somente a características
duos, é participante do Estudo Longitudinal individuais, como idade, obesidade e história
Uma pesquisa inédita realizada pela Fio- de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), investiga- familiar”, afirmou Dóra Chor, autora sênior do
ção longitudinal composta por funcionários artigo, pesquisadora da Fiocruz e membro da
cruz e mais cinco centros de pesquisa do de seis instituições públicas, entre elas, a coordenação do estudo na instituição.
Fiocruz, que tem como objetivo investigar “Os resultados”, ressalta a pesquisadora,“suge-
País revela que indivíduos que moram em a incidência e os fatores de risco para doen- rem que a segregação econômica, presente
ças cardiovasculares e o diabetes tipo 2, in- navizinhança,estáassociadaaumamaiorpre-
vizinhanças mais segregadas economica- cluindo determinantes sociais, ambientais, valência de hipertensão e diabetes, indepen-
ocupacionais e biológicos. dentemente de características individuais,
mente – locais com maior concentração “Até onde conseguimos identificar, esses são como idade, renda e escolaridade. Além disso,
os primeiros resultados de estudo epidemio- comparadosaosbrancos,participantespretos
de responsáveis pelo domicílio com renda lógicobrasileirodegrandeporteademonstrar e pardos moram mais frequentemente em
a associação entre a segregação residencial vizinhanças com maior nível de segregação”.
menor do que três salários mínimos – têm

26% mais chance de apresentar hipertensão

e 50% mais probabilidade de desenvolver

diabetes, comparados a pessoas que resi-

dem em áreas menos segregadas. O estudo

TECNOLOGIA Com a internet transformando todos os setores da economia global,
O FUTURO DA INTERNET as divisões digitais do futuro não aparecerão apenas no acesso à
internet, mas no hiato entre as oportunidades econômicas dispo-
A Internet Society (ISOC), uma organização sem fins lucrativos níveis a alguns e indisponíveis a outros. O elo entre segurança e
dedicada a garantir o desenvolvimento, a evolução e o uso aber- prosperidade econômica crescerá, levando a uma possível divisão
to da internet, divulgou um relatório inédito, com o objetivo de de segurança que separa as pessoas e os países que conseguem
ponderar sobre o futuro da internet. Intitulado Paths to our Digital proteger seus ativos digitais dos que não conseguem.
Future (“Caminhos para nosso futuro digital”), o Relatório Global da O relatório destaca que a implantação avançada da Internet das
Internet de 2017 analisa a internet nos próximos cinco a sete anos Coisas e da Inteligência Artificial transformará economias e socieda-
e identifica os fatores que vão moldar seu futuro. O relatório revela des inteiras nos próximos anos, com a automação e a convergência
uma mistura de desafios e oportunidades na proteção da internet dos mundos físico e digital. Essa transformação vai modificar a
para a próxima geração e faz recomendações quanto aos passos natureza da divisão digital na forma com que ela tem sido definida
que podem ser dados hoje para cumprir a promessa da internet historicamente, com as pessoas que têm acesso à Internet em
para todos, em todo lugar. contraponto às que não o têm.

EDUCAÇÃO de agosto, no campus Ecoville da Universidade em Curitiba (PR).
JOVENS QUE LÊEM JORNAIS PREFEREM Entre todos os entrevistados, apenas 12,4% já concluíram o Ensino
VERSÃO IMPRESSA, SEGUNDO REVELA Médio, e 77% terminam no fim do ano. Muito mais independentes,
PESQUISA 37% dos estudantes são de fora de Curitiba. Apenas 32% vão prestar
apenas um vestibular – a maioria (63%) planeja se inscrever em
Um estudo realizado pela Universidade Positivo (UP), de Curitiba, dois a cinco concursos. Entre os fatores que mais pesam na escolha
da universidade, o principal é o programa e a qualidade do curso
com 6.983 vestibulandos, revela o hábito de consumo de notícias (40%), seguido pela avaliação da instituição pelo MEC (26%) e a
reputação da universidade no mercado (12%). Os fatores menos
desses jovens. Mais de 60% deles utilizam as redes sociais para citados foram corpo docente (2%), localização (2%), infraestrutura
(6%), preço (8%) e reconhecimento dos egressos (6%).
se manter atualizados sobre os acontecimentos do dia a dia. O

segundo meio de comunicação mais utilizado para o consumo

de notícias por esses estudantes é a TV, com 18,4% das respostas.

Entre os 18,1% que lêem jornal, mais da metade o fazem no meio

impresso (59%), e 41% acessam os conteúdos de jornais on-line.

Os portais de notícias são o principal meio de consumo de notícia

de 3% dos vestibulandos entrevistados, e as emissoras de rádio

foram citadas por 0,4% deles.

O estudo foi realizado por meio de questionário na ficha de ins-

crição para a Mostra de Profissões da UP, que aconteceu no início

7 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

Perfil REDAÇÃO (COM APOIO DE DENISE CASATTI)

A diplomacia
da ciência
Pesquisador da USP é o único brasileiro a fazer parte de um comitê recém-criado
com o objetivo de aproximar cientistas e gestores públicos na busca pela solução
de problemas que afligem a América Latina e o Caribe

Construir redes para conectar cientistas e tomadores Ciência, que tem crescido em importância nos países de-
de decisão não é tarefa simples nem para os mais ex- senvolvidos nos últimos anos: “A Unesco possui várias ini-
perimentes cientistas da computação. Entretanto, ciativas para fortalecer a diplomacia da ciência, e a AAAI
esse é um dos desafios que o professor André de Carvalho conta com um centro dedicado ao tema. A Diplomacia da
decidiu enfrentar. Pesquisador do Instituto de Ciências Ma- Ciência estimula a colaboração científica entre países, por
temáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, considerá-la parte essencial da política externa na era do
André foi selecionado para uma vaga no comitê criado pela conhecimento”. O professor conta que, na época da Guerra
Rede Internacional para Assessoramento Científico Gover- Fria, era comum existirem militares como membros de em-
namental (INGSA, na sigla em inglês) especialmente para baixadas e consulados. Atualmente, em vários países, eles
debater os desafios da diplomacia da ciência na América La- vêm sendo substituídos pela crescente presença de diploma-
tina e no Caribe. tas cientistas.

Ele e mais cerca de 60 pesquisadores e gestores públicos No início de agosto, André recebeu a notícia de que havia
se reuniram em Buenos Aires, na Argentina, para partici- sido selecionado para fazer parte do seleto comitê, que con-
par do Workshop da América do Sul para Assessoramento ta apenas com oito membros. Ele é o único brasileiro a fazer
Científico Governamental, organizado pelo Ministério da parte do time, do qual participam dois cientistas argentinos,
Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva da Argentina, em dois chilenos, uma colombiana, uma peruana e uma vene-
conjunto com a INGSA e a Associação Americana para o zuelana. Diretor do Centro de Aprendizado de Máquina em
Avanço da Ciência (AAAI). Financiado pela Organização Análise de Dados (NAP-AMDA), André também é vice-
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura -diretor do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas a
(UNESCO) e pelo Centro Internacional de Pesquisa para o Indústria (CeMEAI) e ganhou o Prêmio Jabuti em 2012 na
Desenvolvimento, o evento analisou as contribuições que a categoria Tecnologia e Informática, com o livro Inteligência
ciência pode prover para o aprimoramento de políticas pú- Artificial: Uma Abordagem de Aprendizado da Máquina.
blicas em diferentes áreas, além de promover uma troca de
experiências entre os participantes e discutir os desafios que Nesta entrevista, o professor fala sobre a relevância de par-
devem ser enfrentados.  ticipar desse comitê recém-criado pela INGSA, dá exemplos
de como a análise de dados pode ser relevante para a constru-
Segundo o professor André, as atividades do centro es- ção de políticas públicas mais bem-sucedidas e explica como
tão muito ligadas a uma área conhecida por Diplomacia da pretende promover a diplomacia científica no Brasil.

8 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

Geografia CP – Qual a relevância JOÃO TERAZAMI / CEMEAI
de se tornar membro do comitê cria-
do pela INGSA especialmente para a contribuam mais com o governo na solução dos
América Latina e para o Caribe? problemas que afetam a população. Não adianta
convencer só uma dessas partes. Em vez de fi-
André de Carvalho – A INGSA é uma ins- carem discutindo entre elas, é preciso entender
tituição internacional que procura fortalecer que uma parte precisa da outra e que, no fim,
os laços entre academia e Sstado. Isso é mui- é o País que se beneficia dessa relação. Então,
to forte no Reino Unido, lá todo primeiro- talvez esse esforço já possa criar uma consciên-
-ministro tem um cientista-chefe que faz essa cia maior no Brasil da importância dessa inter-
interlocução. Ele não vai responder todas as locução. Nesses países em que a Diplomacia da
dúvidas do primeiro-ministro e aconselhá- Ciência é bem estabelecida, há uma forte comu-
-lo sozinho. Sua função é saber quem, na co- nicação do governo com a academia de ciências
munidade científica, pode ajudar o governo a dos países. Nós temos uma academia de ciências
resolver certos desafios. A ideia é dar soluções aqui no Brasil, a Academia Brasileira de Ciên-
científicas, fundamentadas em evidências, para cias (ABC), que pode ser um importante inter-
a solução dos problemas enfrentados por um locutor do Estado.
país. A INGSA também possui importantes
contribuições na diplomacia da ciência. Esse GEO CP – Existem algumas ações
tipo de diplomacia já é realizado de forma efe- que você pretende desenvolver aqui no
tiva no Reino Unido, na Nova Zelândia, no Brasil para promover essa aproximação
Japão e no Canadá. Algumas embaixadas, pelo entre cientistas e gestores públicos?
menos dos países mais desenvolvidos, contam
com um cientista. Porque muitas discussões André de Carvalho – Primeiro, minha in-
que ocorrem entre os países estão relacionadas tenção é discutir com a ABC essa iniciativa
a descobertas científicas, colaborações, paten- da criação do comitê da INGSA. Depois, vou
tes e propriedade intelectual.  procurar interlocutores no governo, não só no
âmbito executivo, mas também no legislativo,
GEO CP – No workshop de que você para mostrar que existe essa necessidade de co-
participou na Argentina, houve exem- nectarmos academia e Estado. Porque isso acaba
plos de como a Diplomacia da Ciência beneficiando a população inteira, com melhores
pode contribuir com o desenvolvimen-
to dos países?

André de Carvalho – No workshop, houve
várias atividades práticas. Por exemplo: imagi-
ne que está acontecendo uma catástrofe em um
país, como a epidemia do zika vírus. Como o
cientista pode sugerir ao governo políticas para
lidar com esse problema? É claro que os gesto-
res públicos não vão, necessariamente, seguir
os conselhos dos cientistas, mas pelo menos
precisam saber que os cientistas podem ajudar
a resolver esses problemas com base científica. É
necessário reconhecer que os governos podem
tomar decisões fundamentadas em evidências. 

GEO CP – Quais são os principais
desafios no começo desta sua nova
jornada?

André de Carvalho – A primeira questão é
sensibilizar o governo para a importância de
ouvir os cientistas e sensibilizá-los para que

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 9

Perfil REDAÇÃO (COM APOIO DE DENISE CASATTI)

políticas públicas para a saúde, para lidar com e outro país está indo muito bem porque está
catástrofes que possam ocorrer e para planejar fazendo de outro jeito”.
o futuro também. Quer dizer, não sou eu que
vou tomar decisão nenhuma, eu só quero ajudar A análise de dados também é fundamental
a conectar essas duas pontas.  para planejarmos o futuro e melhorarmos algu-
ma política pública que não está dando certo.
GEO CP – Você poderia dar alguns Por exemplo: atualmente, a segurança no Rio de
exemplos sobre como a área científica Janeiro é um problema muito grave. Então, po-
em que você atua, o campo da ciên- demos estudar os dados e empregar técnicas de
cia de dados, pode contribuir com o ciência de dados para propor uma nova política
desenvolvimento de políticas públicas pública. Existem várias pesquisas que aplicam
mais bem-sucedidas? técnicas de ciência de dados para analisar a se-
gurança. No entanto, esses estudos ficam restri-
André de Carvalho – Os cientistas de dados tos à academia e não chegam ao conhecimento
podem, por exemplo, avaliar dados para fazer dos gestores públicos. Isso não tem que ser uma
predições de catástrofes ou de epidemias. Ou- iniciativa de um governo, tem que haver uma
tra possibilidade é a análise de dados educa- atitude do Estado, você não pode ficar à mercê
cionais, que nos permitem avaliar as ações que do governante da vez. 
estão trazendo bons resultados e as que preci-
sam ser realizadas de outra forma. É assim que GEO CP – Qual é a diferença entre
podemos chegar a conclusões do tipo: “a gente uma política de governo e uma política
está indo mal porque estamos fazendo assim, de Estado?

JOÃO TERAZAMI / CEMEAI

10 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

André de Carvalho – Quando você tem política de gover- Os cientistas
no, acaba tendo política de curto prazo. Por isso, é comum de dados podem, por
que, quando entre um novo governo, ele não continue o que exemplo, avaliar dados
o anterior fez. Já a política de Estado independe de partido para fazer predições
político, de viés ideológico. É aonde a gente quer chegar. É de catástrofes ou de
claro, cada um pode achar que um caminho é mais interes- epidemias. Outra
sante do que o outro, mas tem que haver um método em co- possibilidade é a análise de
mum com alguns submétodos no caminho. Cada um dá seu dados educacionais...”
“tempero” quando está no governo, mas a política de Esta-
do deve ser uma só. Por exemplo, se estabelecermos que, em lhar para mudar o nosso país. Eu entendo os dois lados. No
vinte anos, a gente tem que acabar com o analfabetismo, isso entanto, posso apontar exemplos bem-sucedidos, como o
passa a ser uma meta, independentemente de quem esteja no da Nova Zelândia. O País está crescendo, a população tem
governo. qualidade de vida. Como eles estão conseguindo fazer isso?
Estão usando a ciência. Quando surgiu um boato de que
GEO CP – Você acredita que, se houvesse uma um vulcão entraria em erupção lá e haveria um grande terre-
política de Estado para a ciência, não estaríamos moto em uma determinada cidade, a população entrou em
passando pela atual crise de falta de recursos? pânico. O que o governo fez? Chamou o comitê de cientis-
tas que o assessora para pedir sugestões. A proposta desse
André de Carvalho – Eu acho que sim. Porque o governo comitê foi enviar a equipe do governo para aquela cidade
hoje está olhando a ciência como se fosse um luxo. Não en- no dia previsto para a tragédia acontecer. Dessa forma, eles
xerga a ciência no longo prazo. Isso também tem a ver com passaram a mensagem para a população de que confiavam
a forma como alguns políticos pensam o País, enxergando nos cientistas, os quais diziam que não haveria erupção nem
apenas o curto prazo, a próxima eleição. Precisamos pensar terremoto. Com todos os ministros na cidade, a população
no longo prazo e levar em conta toda a população, em vez de foi tranquilizada.
nossos próprios interesses. Eu sempre penso que a gente tem
que olhar primeiro para o mundo, depois para o País, a seguir GEO CP – Durante a última reunião da So-
para o Estado de São Paulo, para a universidade e, só então, ciedade Brasileira para o Progresso da Ciência,
para nós mesmos. No entanto, as pessoas fazem o contrário. alguns cientistas lançaram a ideia de criar um
partido político no Brasil em prol da defesa da ci-
GEO CP – Em sua opinião, a falta de Diploma- ência. Você acredita que essa é a melhor solução
cia da Ciência contribuiu para chegarmos à crise para a atual crise?
de credibilidade que a área vive hoje em âmbito
mundial? André de Carvalho – Eu acho que não. Porque esse par-
tido político seria setorizado. Nesse caso, precisaríamos ter
André de Carvalho – Sim. Quando existe uma crise eco- um partido para cada tema importante para a população. Em
nômica, por exemplo, os gestores públicos nem levam em minha opinião, a preocupação com a ciência e o apoio aos
conta chamar um cientista para ajudar a pensar na direção cientistas precisam existir em todos os partidos.
que se deve seguir. As decisões são apoiadas no que o político
pensa, e não em conceitos sólidos da ciência, em evidências. Colaboração: Assessoria de Comunicação do ICMC-USP.
A ideia é termos uma governança mais fundamentada em evi-
dências do que em dogmas, é isso o que alguns países desen-
volvidos estão tentando fazer. E isso é olhar no longo prazo
também. Não adianta gerar riqueza, se você destrói o planeta,
se as pessoas não têm boa qualidade de vida.

GEO CP – Muitos cientistas estão deixando o
Brasil porque não estão enxergando uma pers-
pectiva futura promissora no campo da ciência.
Você vê de maneira otimista o futuro da ciência
no nosso país?

André de Carvalho – Sim. A gente não pode largar nos-
so país para deixar que o destruam. Eu não critico quem
quer sair do Brasil, mas, por outro lado, você pode traba-

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 11

Pelo Mundo REINALDO DIAS*

IMAGE,M: SHUTTERSTOCK, INC

O fenômeno da turismofobia

O verão europeu de 2017 ficará mar- O turismo é, hoje, uma das principais ati-
cado pela emergência de um novo vidades econômicas do planeta, considerado
fenômeno social, a turismofobia, uma das mais importantes geradoras de empre-
associado a manifestações de repúdio à presença go e renda. Tem sido o instrumento utilizado
de turistas em diversas cidades. A fobia é uma por diversas localidades para promover o de-
aversão exagerada a algo ou a alguém; nesse senvolvimento local, pela sua característica de
caso, o alvo são os turistas. O fato é que o turis- envolvimento de toda a comunidade que pode
mo, por mais que seja caracterizado como uma se beneficiar do fluxo sazonal de turistas. No
atividade dinâmica e que traz riquezas aos locais entanto, neste ano, os problemas sociais vincu-
que são destinos dos viajantes, alardeado como lados ao turismo afloraram de tal maneira que
uma verdadeira indústria sem chaminés, quan- não se pode ignorá-los.
do mal planejado, também traz problemas para
as comunidades. O problema que emergiu em alguns desti-
nos foi provocado pelo excessivo número de

12 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

viajantes que afloraram em algumas cidades, A turismofobia é
acarretando o colapso em diversos serviços decorrência da falta
essenciais e o aumento de forma abusiva do de planejamento da
aluguel de residências e de produtos oferecidos política turística que
pelo comércio. As cidades receberam os turis- não define com clareza
tas, num primeiro momento, com euforia, sem a capacidade de carga
controle do fluxo de visitantes, e recebendo um dos destinos...”
volume que excede sua capacidade de suporte,
desembocou, em seguida, para o conflito. Con- fora não respeita os códigos de comportamento * REINALDO DIAS é
tribuiu também para essa situação a falta de ci- da comunidade residente, muitas vezes porque professor do Mackenzie,
vilidade de muitos turistas, caracterizada pelo os desconhece. Essa falta de civilidade é repu- sociólogo, doutor em
mau comportamento, pela falta de educação diada na maioria dos destinos de todo o mundo, Ciências Sociais e mestre
e por manifestações ruidosas, prejudicando a revela falta de educação e desrespeito aos hábi- em Ciências Políticas pela
convivência harmônica com a população local. tos e costumes locais. Unicamp, além de autor de
vários livros e artigos na
O noticiário recente mostra que a situação A turismofobia é decorrência da falta de área de turismo.
tem se agravado em algumas cidades, tradu- planejamento da política turística que não
zindo-se em agressões aos turistas. Em Bar- define com clareza a capacidade de carga dos
celona, que recebe 23 milhões de turistas por destinos, de tal modo que a comunidade local
ano (18 milhões de estrangeiros e 5 milhões de receba os benefícios da atividade, e não os pro-
espanhóis) numa população de 5  milhões em blemas que podem descaracterizar a localida-
sua área metropolitana, as manifestações têm de, tornando-a mesmo pouco atrativa para fu-
sido particularmente violentas, com pichações turos visitantes. Uma política pública de turis-
em muros, manifestações de rua e atividades mo sustentável deve levar em consideração não
repentinas, visando a assustar os viajantes. A somente o aspecto quantitativo de aumento do
população reclama da dificuldade em alugar fluxo turístico, mas privilegiar a qualidade da
imóveis para moradia, pois, para os proprie- visitação tanto no que diz respeito ao turista
tários, é mais vantajoso oferecê-los aos turistas quanto à comunidade local.
que pagam até quatro vezes mais pelo aluguel.
GESTÃO
MOTIVAÇÕES
O modelo tradicional do turismo de mas-
O turismo generalizou-se como atividade sa caracteriza-se pela monocultura turística,
de lazer e entretenimento, já não é patrimônio privilegia a indústria turística e ignora a ne-
de uma elite, mas se popularizou de tal modo, cessidade de manter a qualidade de vida da
que pode ser acessado pela maioria da popula- população local. Esse turismo de negócios
ção. É decorrência direta da emergência de uma deve ser substituído por uma política pública
classe média global e do baixo custo das com- de turismo visando à sua sustentabilidade, que
panhias aéreas e dos meios de hospedagem. O privilegie a manutenção da qualidade de vida,
que antes era um privilégio, agora é percebido da cultura e da natureza local, que, na realida-
como uma necessidade, física e mental, e quase de, formam o atrativo que permitiu o afluxo
um direito, convertendo-se num hábito social. de visitantes a essas localidades. Não é demais
Por essa razão, não é difícil prever que o turismo repetir: sem planejamento público, não há
continuará crescendo. atividade turística sustentável.

No passado, os turistas que tinham deter-
minados lugares para ficar e visitar nas cidades,
atualmente se misturam com as pessoas das co-
munidades locais. É um fato positivo, pois eles
se mesclam com pessoas de origem e culturas
distintas, provocando o enriquecimento cultu-
ral e o aumento da tolerância para com o outro.
No entanto, ocorrem excessos, resultando em
atrito provocado quando aquele que vem de

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 13

Cotidiano CHRISTIAN GERONASSO E PATRICK SILVA*

O fim do
dinheiro como
o conhecemos
Entre tantas revoluções pelas quais o di- Exemplo das criptomoedas, os bitcoins
nheiro já passou, desde as moedas de são virtuais, independentes e sem regulação
ouro e prata ao cartão de crédito, volta- de qualquer entidade, não existem em
mos, agora, a atenção para um movimento de locais virtuais, como correios eletrônicos ou
mudança radical. Graças aos avanços tecno- armazenamentos em nuvem, e muito menos
lógicos, chegamos às criptomoedas. Tal qual em locais físico/virtuais, como um hard drive
às convencionais, as criptomoedas podem ser ou um pendrive. Para “materializar” um bitcoin
compradas e negociadas, e, a partir daí, ser uti- ou visualizar o balanço de sua conta-corrente,
lizadas para adquirir desde serviços on-line até é necessário relacionar diferentes registros de
apartamentos, matéria-prima etc. No Brasil, transação dispostos em uma rede de bloco vir-
os estabelecimentos comerciais ainda resistem, tual (blockchain), que só podem ser consolida-
mas, ao redor do mundo, alguns países já estão dos mediante uma chave privada. No Fórum
inclusive regulando a utilização da moeda. Econômico Mundial de 2017, as criptomoedas
e o blockchain foram relacionados com temas
A criptomoeda é considerada uma moeda como confiança nas negociações, mudanças
fiduciária, ou seja, não possui lastro em metal, nos serviços financeiros e outros impactantes
não tem representação física e é controlada por para o cenário econômico mundial. A discussão
meio da tecnologia blockchain, que garante a se- iniciou-se principalmente pelo potencial que
gurança do sistema. Especialistas estimam que, essa tecnologia tem para dificultar tentativas de
até 2027, cerca de 10% do PIB mundial estará esconder ou de disfarçar transações.
armazenado em tecnologia .

SHUTTERSTOCK.COM

14 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

...a criptomoeda já Se esse modelo for aplicado, atividades
é uma possibilidade hoje muito presentes tendem a desaparecer.
disseminada de Muitos dos especialistas que anteciparam e an-
investimento, e tecipam movimentos do mercado, como Don
vemos o reflexo disso e Alex Tapscott, autores do livro Blockchain
nos seus preços.” Revolution, apontam grandes mudanças em
modelos de negócio que exigem intermedia-
VIRTUAL ção, como os cartórios, que realizam atividades
para garantir que as informações apresentadas
Apesar de uma pesquisa da consultoria PwC por cada uma das partes em uma negociação
mostrar que menos de 5% dos bancos estão bem sejam verdadeiras.
familiarizados com o assunto, em agosto de
2016, os bancos Bank of America e HSBC reve- Em breve, ao adquirir um imóvel, automó-
laram ter construído uma aplicação para melho- vel ou uma laranja orgânica, poderemos consul-
rar transações com letras de crédito. A atenção tar um blockchain que possuirá todas as infor-
das instituições financeiras tem motivos, pois o mações históricas, sem a necessidade de uma
blockchain permite que grandes volumes mone- entidade intermediadora. Será possível, a partir
tários sejam arrecadados sem taxas ou desvios e de um smartphone, realizar a leitura de um QR
em tempo real. Sem dúvida o blockchain irá im- Code que detalhará todas as manutenções rea-
pactar bancos, seguradoras e intermediadoras lizadas no imóvel, todas as vezes que o seguro
de pagamentos, mas existem infindáveis possibi- de um automóvel foi acionado e até mesmo se
lidades em marketing, serviços sociais e vendas, a fazenda que vende orgânicos realizou recente-
a exemplo do que ocorreu com serviços como mente a aquisição de agrotóxicos.
Uber, Airbnb e eBay.
Como se não bastasse, a criptomoeda já é
uma possibilidade disseminada de investimen-
to, e vemos o reflexo disso nos seus preços. A co-
tação da moeda virtual bitcoin, em comparação
com o real, saiu do patamar negociados abaixo
de R$ 1 mil reais, em 2015, para a cotação de
R$ 18 mil, mais de 1,8 mil por cento em apenas
dois anos. Ao que tudo indica, o título deste ar-
tigo não contém exageros..

*CHRISTIAN GERONOSSO e
PATRICK SILVA são membros
do Comitê Macroeconômico
do ISAE - Escola de Negócios.
GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 15

Ponto de Convergência DANIEL MEDEIROS*

Para que serve, afinal,
o ensino de História?
Para entender. Entender por que tivemos
habitantes nesse território há milhares to”, essas populações formavam a maior parte
de anos e só termos sido “descobertos” da população; para entender por que Domin-
em 1500; para entender por que havia milhões gos Calabar foi o primeiro “traidor” da pátria,
de habitantes nas primeiras décadas após o tal se ele viveu em uma época na qual o território
“descobrimento” e, depois disso, ficaram restri- que hoje é parte do Brasil pertencia à Espanha
tos a algumas dezenas de milhares; para enten- e estava sob domínio holandês.
der por que é comum falar em “descobrimento
do Brasil”, se não havia um “Brasil”; para en- Para entender por que D. Pedro I era por-
tender por que os negros e os índios “contribu- tuguês e nobre e foi a pessoa que trouxe a “in-
íram” na formação da sociedade brasileira, se, dependência” ao Brasil; entender por que, logo
em boa parte da história após o “descobrimen- depois, ele fecha a constituinte e impõe um
texto feito sob encomenda, manda matar seus
desafetos, envolve o País em uma guerra inútil

16 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

com a Argentina, arruína a economia nacional, GEOGRAFIA E COMPORTAMENTO *DANIEL MEDEIROS é doutor em
é praticamente expulso e, até hoje, seu nome é Educação Histórica pela UFPR e
lembrado em um feriado nacional; para enten- Para entender por que Castelo Branco as- professor de História do Brasil no
der por que seu filho, D. Pedro II, manteve a sumiu prometendo uma transição rápida, e os Curso Positivo.
escravidão por 48 dos 49 anos que governou militares ficaram vinte e um anos no poder; en-
e, mesmo assim, é conhecido como um sábio; tender por que a lei de anistia passou, apagando
entender por que a República não teve parti- também os crimes dos torturadores; entender
cipação popular; por que uma das primeiras por que as Diretas Já não foram nem para vo-
medidas do governo de Deodoro foi censurar a tação, depois de milhões de pessoas terem dito
imprensa; por que, durante a República Velha, “queremos votar para presidente”; entender por
a questão social “era um caso de polícia”; por que os planos econômicos de Sarney e Collor
que Getúlio Vargas é lembrado e homenagea- não deram certo, e ninguém foi responsabiliza-
do, mesmo tendo sido um ditador sombrio e do por isso; entender  por que os preços pagos
violento na maior parte de  seu governo; para pelas estatais vendidas no governo Fernando
entender por que, na primeira experiência de- Henrique foram tão baixos; entender por que o
mocrática do País, entre 1946 e 1964, dos cin- PT prometeu um governo ético e caiu na vala
co presidentes, um se matou, outro renunciou comum das transações mesquinhas.
e outro foi derrubado.
O entendimento é a razão de se ensinar e
aprender História. Entendimento que passa a
funcionar como orientador em relação ao futu-
ro. Chave de compreensão e definição de pos-
turas. Afinal, estamos no mundo para mantê-lo
e para transformá-lo. E, para isso, precisamos
entender o que se passou até aqui. Como quem
chega a um filme começado. Como quem
chega atrasado em uma reunião. Como quem
não estva prestando atenção e por isso perdeu
uma oportunidade importante. A História é
esse resgate e, ao mesmo tempo, esse roteiro.
Entender o que se passou para compreender a
bagunça do presente e balizar as ações. Por que
o agir é a razão de existir no espaço público. E
o agir é a Política. E, para agir, é preciso enten-
der. Por isso é que é tão importante o ensino da
História. Simples assim.

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 17

Capa BALBINO CAVALCANTE*

TaemrreaaçadaUnidadesdeConservaçãonoBrasil:
entre o real e o ideal na proteção
da natureza

A criação de áreas protegidas vem
se constituindo numa das princi-
pais estratégias para a conserva-
ção da natureza. Isso se explica,
por um lado, pela degradação
ambiental crescente, especial-
mente por causa dos impactos da expansão ur-
bano-industrial e da devastação das florestas e,
por outro, pela disponibilidade de fundos inter-
nacionais para a preservação e a possibilidade
de geração de renda por meio do ecoturismo.
Este texto tem por objetivo analisar alguns as-
pectos da relação humana com a natureza, a fim
de pontuar elementos da base ideológica que
levaram à institucionalização de áreas naturais
protegidas ou parques. Em seguida, apresenta
algumas faces da problemática povos/parques e

18 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

as controvérsias mais comuns a essa modalida- Conforme Morsello (2006), o termo “Uni-
de de unidade de conservação de uso restritivo, dade de Conservação” é tratado de forma am-
mais precisamente no caso brasileiro. pla, referindo-se a uma porção de terra em que,
na prática, têm sido adotadas medidas restri-
Desde meados do século 19, a criação de tivas de uso do solo, mesmo que essa área não
áreas protegidas vem se constituindo em uma tenha sido legalmente instituída. É, portanto,
das principais estratégias para a conservação utilizado como sinônimo de área protegida, as-
da natureza (MORSELLO, 2006). Isto se ex- sim como de área de conservação.
plica, por um lado, pela degradação ambiental
crescente, especialmente em razão dos impactos Diante desse contexto, o presente texto tem
da expansão urbano-industrial e da devastação como objetivo analisar alguns aspectos da rela-
das florestas e, por outro, pela disponibilidade ção humana com a natureza, a fim de pontuar
de fundos internacionais para a preservação e elementos da base ideológica que levaram à ins-
pela possibilidade de geração de renda por meio titucionalização de áreas naturais protegidas ou
do ecoturismo. De um ponto de vista genérico, parques. Apresenta também algumas faces da
Unidades de Conservação (UCs) ou áreas natu- problemática povos/parques e as controvérsias
rais protegidas são espaços legalmente instituí- mais comuns a essa modalidade de Unidade de
dos com o objetivo de preservar a biodiversida- Conservação de uso restritivo, mais precisamen-
de e as belezas paisagísticas de uma dada região te no caso brasileiro.
ou a utilização sustentada dos ecossistemas e seus
recursos naturais. Para a fundamentação do estudo, utilizamos
pesquisa e revisão bibliografia teórico-conceitu-
al da temática supracitada, a saber: Geografia,
Meio Ambiente, Legislação Ambiental.

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 19

Capa BALBINO CAVALCANTE*

QUESTÃO AMBIENTAL E INVENÇÃO dominante de representação da nature-
DOS ESPAÇOS PROTEGIDOS za, principalmente por intermédio da
pintura.” (SERRANO, 2001, p. 104)
A criação do Parque Nacional de Yellowsto- Certamente, as raízes dessa (re)valorização
ne, nos Estados Unidos, em 1872, converteu-se do mundo natural e da paisagem visual de con-
no marco inicial do processo de criação de áreas templação não se restringiram à conjuntura nor-
protegidas no mundo. A institucionalização do te-americana. Na Europa, por conta da Revolu-
Yellowstone tratou-se da demarcação de uma ção Industrial, a vida nas cidades passa a ser cri-
área em que os recursos naturais seriam protegi- ticada e a vida no campo idealizada, sobretudo,
dos da ação depredadora do homem, no qual os por aquelas classes não diretamente envolvidas
povos indígenas já existentes e integrados à na- na produção agrícola.
tureza foram completamente desconsiderados Nesse contexto, muito influenciada pelos
no processo de desenho de reserva natural. Serra- escritos de Henry David Thoreau, a perspec-
no (2001) entende que essa iniciativa, apesar de tiva preservacionista, representada pela noção
inédita em termos de relação homem-natureza, de wilderness (vida natural/selvagem), vai per-
não aconteceu isoladamente: manecer subjacente à criação de parques como
grandes áreas não habitadas, principalmente
“[...] ela se dá em meio a um amplo após a expulsão ou o extermínio das popula-
questionamento do antropocentrismo ções indígenas.
que, ao longo de toda a história da cul- O “mito moderno da natureza intocada”,
tura ocidental, tem predominado como para Diegues (2008), diz respeito a uma repre-
orientador de representações e práticas sentação simbólica pela qual existiriam áreas
humanas em relação à natureza. No pe- naturais intocadas e intocáveis pelo homem,
ríodo entre os séculos XVI e XIX, du- apresentando componentes num estado “puro”
rante a transição que leva ao estabeleci- ou selvagem, anterior ao seu aparecimento. En-
mento da economia capitalista, tal ques- tretanto, essa condição praticamente inexiste,
tionamento e a consequente mutação de pois as regiões naturais usualmente correspon-
posturas que ele desencadeia vão levar a dem às áreas que foram ou são manipuladas de
novas relações dos homens com os ani- forma extensiva com a natureza. Por esse viés,
mais e plantas e à idealização da vida no entende-se que a biodiversidade – comumente
campo e sua imagem. Esse período in- atribuída aos fatores unicamente “naturais” –
venta também a paisagem como forma decorre também da manipulação do meio natu-
ral por parte de certas populações humanas.
ALF RIBEIRO / SHUTTERSTOCK.COM Desse modo, o “modelo Yellowstone” re-
sultou de uma ideologia preservacionista que
vê nos parques a única forma de salvar peda-
ços da natureza. Serrano (2001) argumen-
ta que a instituição suscita um paradoxo, ao
vincular a proteção ambiental, implicando o
afastamento de qualquer atividade de explo-
ração dos recursos, ao usufruto para o lazer
e, por extensão, para o turismo. Mais do que
uma estratégia governamental de conserva-
ção, o modelo traduz de forma emblemática
um tipo de relação homem-natureza.
Concordamos com Dubos (1981, p. 29),
quando afirma que a necessidade de proteger os
ecossistemas naturais é também uma expressão
de profundos valores humanos: “não vivemos
em regiões selvagens, mas necessitamos delas

20 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

para nosso bem-estar biológico e psicológico.” Metas cada vez mais distantes
Para o autor, a experiência dentro do ambiente
selvagem ajuda-nos a reconsiderar nosso pró- O Brasil e outros mais de 150 países ratificaram o Acordo
prio primitivismo, contribuindo para o nosso de Paris de 2015 e se comprometeram a reduzir a emissão
autoconhecimento e para a revelação de poten- de gases que intensificam o aquecimento global. Uma
cialidades latentes. das metas dos compromissos nacionais é zerar o desma-
tamento ilegal na Amazônia até 2030. O ideal é que os
Por outro lado, problemas e conflitos de- países comprometidos promovam mudanças para que
correm quando tais necessidades traduzem-se o aumento da temperatura na Terra não supere 1,5°C. O
em ideologias e instituições que se sobrepõem Brasil foi protagonista nas negociações que concretizaram
àquelas pertinentes a outros grupos humanos o Acordo de Paris e se comprometeu a reduzir em 37%
(indígenas, extrativistas, caçadores de sub- as emissões de gases de efeito estufa até 2025; e 43% até
sistência, pescadores artesanais, agricultores 2030 em relação às emissões de 2005.
itinerantes etc.) que vivem nesses locais por
sucessivas gerações, violentando seus direitos e
modos de vida.

Desse modo, ao ter sido exportado, o
“modelo Yellowstone” recriou a dicotomia
“povos/parques”. Nos países do Terceiro

A criação do
Parque Nacional de
Yellowstone, nos
Estados Unidos, em
1872, converteu-se
no marco inicial do
processo de criação
de áreas protegidas
no mundo.”

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 21

Capa BALBINO CAVALCANTE*

Mundo, em virtude da existência de popula- as normas para criação, implantação e gestão
ções tradicionais no interior ou no entorno das Unidades de Conservação. Em seu artigo
das extensas áreas abrangidas pelos parques 4º, são descritos os objetivos do Sistema, entre
e reservas (86% dos parques da América do os quais, destacam-se:
Sul contêm populações tradicionais), desen-
cadearam-se inúmeros conflitos de ordem II - Proteger as espécies ameaçadas de extin-
social, econômica, política, territorial e cul- ção no âmbito regional e nacional, contribuir
tural. Os problemas incluíam desde as restri- para a preservação e a restauração da diversidade
ções de acesso e uso dos recursos naturais – de ecossistemas naturais.
impostos pelo poder público – até a retirada
forçada dos moradores de seus territórios an- VI - Proteger paisagens naturais pouco alte-
cestrais (DIEGUES, 2008). radas de notável beleza cênica.

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO VII - Proteger as características relevantes
BRASIL: AVANÇOS E DESAFIOS de natureza geológica, geomorfológica, espele-
ológica, arqueológica, paleontológica e cultural.
A criação das Unidades de Conservação
no mundo e no Brasil tem-se configurado
em uma das principais formas de interven-
ção do Estado na proteção de consideráveis e
representativas áreas territoriais dos biomas,
diante do acelerado processo de apropriação
e exploração do meio ambiente imposto pelo
sistema capitalista. Paradoxalmente, tem sido
esse mesmo Estado que vem agindo de modo
a fomentar a expansão desse sistema. Portanto,
as UCs podem constituir objeto privilegiado
de investigação sobre as relações entre Estado,
sociedade e meio ambiente no País.

No caso do Brasil, o Estado sempre foi o
condutor da política de implantação e gestão de
áreas protegidas, mesmo quando marcadas por
processos de mobilização popular. Para Castro
Júnior; Coutinho; Freitas (2009, p. 47), até
fins da década de 1980, “esse papel era fruto de
uma visão de apropriação de recursos naturais e
controle territorial”. Desde então, esses autores
argumentam que a perspectiva do Estado bra-
sileiro viria se alterando, ao incorporar a “noção
estratégica de meio ambiente”, na qual a biodi-
versidade passa a ser o conceito central na polí-
tica de conservação

Considerado uma conquista da legislação
ambiental brasileira, o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), Lei nº
9.985, de 18 de julho de 2000, completou 14
anos em 2014, como um modelo inovador,
complexo e desafiante para a política brasileira
de conservação da natureza. O SNUC inclui
todas as Unidades de Conservação brasilei-
ras, nos âmbitos federal, estadual e municipal.
Compete ao SNUC estabelecer os critérios e

22 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

X - Proporcionar meios e incentivos para fúgio da Vida Silvestre). O segundo grupo de
atividades de pesquisa científica, estudos e mo- unidades é constituído pelas “Unidades de Uso
nitoramento ambiental. Sustentável” ou de uso direto dos recursos (Área
de Proteção Ambiental, Reserva Extrativista,
XII - Favorecer condições e promover a Floresta Nacional, Área de Relevante Interesse
educação e interpretação ambiental, a recrea- Ecológico, Reserva de Fauna, Reserva de De-
ção em contato com a natureza e com o turis- senvolvimento Sustentável, Reserva Particular
mo ecológico. do Patrimônio Natural).

O SNUC classifica as Unidades de Conser- Para Matos de Souza et al (2011), o SNUC
vação brasileiras em duas categorias de manejo. contribui para os avanços na política de expan-
O primeiro grupo abrange as “Unidades de Pro- são e gestão da área protegida por Unidades de
teção Integral” ou de uso indireto dos recursos Conservação nas três esferas de governo (fede-
naturais (Parque Nacional, Reserva Biológica, ral, estadual e municipal) e oferece uma visão in-
Estação Ecológica, Monumento Natural e Re-

DA REDAÇÃO

Mineração na Amazônia: os impactos sociais e ambientais que não podem ser deixados de lado

Após a decisão do Governo Federal dores que chegarem à região trarão exploração poderão causar grande
de revogar o Decreto nº 1.942 e edi- consigo problemas clássicos desse impacto em áreas de floresta hoje
tar um novo, especificando as áreas tipo de empreendimento: doenças, altamente preservadas.
que serão exploradas pela mineração violência, alcoolismo, prostituição e A primeira ação, de acordo com o
na Amazônia, o assunto voltou à tona ruptura de estruturas sociais nas co- governo, será de pesquisa e levanta-
com força. O maior bioma do Brasil munidades estabelecidas”. mento do potencial da região. Estu-
tem sido foco de notícias, especu- Outra questão levantada por Young dos geológicos preliminares indicam
lações e de muita preocupação por é o modelo seguido pela economia que a área é rica em ouro, manganês,
parte da sociedade. No entanto, o brasileira, cada vez mais dependen- ferro e outros minérios de alto valor
que pouco tem sido falado é sobre as te da agropecuária e da mineração. econômico. Oliveira lembra que, para
reais consequências dessa decisão, “Estamos buscando matérias-pri- a mineração do ouro, por exemplo,
não só ambientais, mas também so- mas e energia sem considerar os é utilizado mercúrio no processo do
ciais e econômicas. custos socioambientais. Isso reforça garimpo, elemento altamente tóxico
Em uma área equivalente ao Estado a exclusão social, pois os bene- e cancerígeno, cuja utilização pode
do Espírito Santo, com 46,5 mil km², fícios são concentrados em um comprometer toda a cadeia de orga-
a Reserva Nacional do Cobre e seus pequeno grupo de pessoas, mas a nismos aquáticos que, por sua vez,
Associados (Renca) terá espaço degradação ambiental é deixada acaba consumida por predadores
suficiente para abrigar impactos para todos nós, sem distinção”, e até mesmo pelas pessoas. Isto é,
que grande parte da população ressalta o economista, que faz uma como o peixe é base da dieta na re-
desconhece. Segundo o economista, análise ampla do governo: “a visão gião, a sua contaminação coloca em
membro da Rede de Especialistas (falaciosa) de que crescimento eco- risco a saúde dos ribeirinhos, dos indí-
em Conservação da Natureza e nômico e preservação ambiental genas e até mesmo da população ur-
coordenador do Grupo de Economia são essencialmente antagônicos bana da região. “Não existe atividade
do Meio Ambiente (GEMA) da UFRJ, prevalece junto aos tomadores de de mineração como essa sem impac-
Carlos Eduardo Young, o primeiro decisão”. Com essas ações, o meio to, ainda mais no interior de forma-
problema é a falta de debate com a ambiente também será fortemente ções florestais especialmente frágeis
sociedade, entre muitos outros. “A atingido, direta e indiretamente. e complexas como as que ocorrem
mineração pouco contribui para a in- A necessidade da construção de naquela região, variando desde áreas
clusão social, pois são poucos os em- vias para escoamento mineral e montanhosas até planícies e ecossis-
pregos locais gerados. Os trabalha- rodovias para acesso aos locais de temas de várzeas e igapós”, analisa.

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 23

Capa BALBINO CAVALCANTE*

tegrada do conjunto de Unidades de Conserva- A problemática
ção no território brasileiro. A relação entre o Es- das Unidades de
tado, os cidadãos e o meio ambiente ganha força Conservação está
com a criação de mecanismos que ampliam a longe de se resumir
participação da sociedade na gestão do sistema. à definição e à
institucionalização de
Segundo o Ministério do Meio Ambien- áreas e ecossistemas a
te (MMA), até o ano de 2011, o SNUC serem protegidos.”
era composto por 310 Unidades Federais,
397 Estaduais, 60 Municipais e 973 RPPN Para a consolidação do planejamento e ad-
- Reserva Particular do Patrimônio Natural ministração das UCs, Vallejo (2005, p. 28) afir-
(MMA, 2011); sendo que as de uso indireto ma que a “forma de organização institucional
dos recursos naturais somavam 503 unidades. dos governos é fundamental”. Desse modo, o
Em área, as Unidades de Conservação brasi- autor acrescenta:
leiras abrangiam, até aquela data, 1.299.182
km² do território continental e marinho na- “A administração de muitas UCs en-
cional. Do total, 748.397 km² pertencem volve diversos setores institucionais de
à esfera federal; 546.523 km², à estadual; e forma direta e indireta (meio ambiente,
4.262 km², à municipal. turismo, agricultura, mineração, urba-
nismo etc.) e a adequada comunicação
Desse modo, o modelo de planejamento e interinstitucional é condição essencial.
gestão das Unidades de Conservação brasileiras Além disso, deve-se considerar a orga-
é um importante desafio, pois atualmente ainda nização intrainstitucional para se evitar,
apresenta caráter mais administrativo do que por exemplo, a excessiva centralização
de manejo da conservação. A falta de planos de das agências gestoras das UCs.”
manejo em 78% das Unidades de Conservação Assim, embora evidenciados avanços na
federais e estaduais é uma clara limitação para a gestão das UCs brasileiras, ainda é necessário
sua efetiva implementação (MMA, 2011). fortalecer a participação social nesse proces-
so, de forma que a população local e setores
Entretanto, desde a publicação do SNUC, envolvidos compreendam os serviços e bene-
houve significativos avanços nesse ponto, pois fícios ambientais, sociais e econômicos po-
64 planos de manejo de Unidades de Conser- tenciais dessas unidades e contribuam para
vação federais foram elaborados, e 103 estão em aperfeiçoá-los. É certo que, se esses espaços
fase de elaboração, o que totalizará cerca de 201 são geridos de forma realmente participati-
Unidades de Conservação federais realizando va, os conselhos gestores tendem a colaborar
sua gestão com subsídios de planos de manejo com a resolução dos conflitos e com a própria
(MMA, 2011). A realidade dos Estados é pre-
ocupante, pois, das 397 Unidades de Conserva-
ção estaduais, 340 unidades ainda não contam
com plano de manejo, sendo que apenas dois
estão em fase de elaboração (MMA, 2011).

Outro avanço ocorreu com a criação dos
conselhos gestores das unidades, que, apesar de
estarem instituídos apenas em 179 Unidades de
Conservação federais e 77 estaduais, foi somen-
te com o SNUC que esses espaços democráticos
passaram a ser obrigatórios na gestão de uma
Unidade de Conservação. A lei considera a im-
portância da gestão participativa; cada Unidade
de Conservação deve ter seu conselho gestor, o
qual deve ser constituído por representantes de
órgãos públicos, organizações da sociedade civil,
da população local, entre outros atores que este-
jam envolvidos de alguma forma com a unidade.

24 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

ROMAN STETSYK / SHUTTERSTOCK.COM REFERÊNCIAS

eficácia das Unidades de Conservação dentro BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000.
dos objetivos para os quais foram criadas. Sistema Nacional de Unidades de Conservação

PRESERVAÇÃO? SNUC. Brasília: PLANALTO, 2002. Disponível em:

A problemática das Unidades de Conser- < http://www.planalto.gov.br/civil_03/LEIS/
vação está longe de se resumir à definição e L9985.htm >. Acesso em 30 nov. 2009.
à institucionalização de áreas e ecossistemas
a serem protegidos. Tais etapas não são sufi- CASTRO JÚNIOR, Evaristo de; COUTINHO, Bruno
cientes para garantir a preservação e/ou ma- Henriques; FREITAS, Leonardo Esteves. Gestão da
nejo sustentado dos diversos ecossistemas, Biodiversidade e Áreas Protegidas. In: GUERRA,
que, para serem alcançados, dependem de Antonio José Teixeira; COELHO, Maria Célia
prioridades políticas. Nunes. (Orgs.). Unidades de Conservação:
abordagens e características geográficas. Rio de
Em meio à ausência dessas prioridades, cabe Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
à sociedade reivindicar o efetivo cumprimento
da política ambiental dentro da problemática DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da
tratada aqui, no que concerne à implantação e natureza intocada. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 2008.
à gestão efetiva das Unidades de Conservação.
DUBOS, René. Namorando a Terra. São Paulo:
Finalmente, sobre a categoria “parque”, Melhoramentos, 1981.
entende-se que se por um lado, como sugerem
alguns autores, ela se coloca como um arqué- MATOS SOUZA et al. Dez anos de história:
tipo de ideais e valores mediante os quais a avanços e desafios do Sistema Nacional de
sociedade, como um todo, não tem condições Unidades de Conservação da Natureza. In:
de viver; de outro, suas potencialidades em MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA. Dez
termos de preservação da diversidade natu- anos do Sistema Nacional de Unidades de
ral/cultural e de interação homem-natureza, Conservação da Natureza: lições do passado,
embora controversas, estão apenas começan- realizações presentes e perspectivas para o
do a ser consideradas. futuro. Brasília: MMA, 2011.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA. Dez
anos do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza: lições do passado,
realizações presentes e perspectivas para o
futuro. Brasília: MMA, 2011.

MORSELLO, C. Áreas Protegidas Públicas e
Privadas: seleção e manejo. 2. ed. São Paulo:
Annablume, 2006.

SERRANO, Célia Maria de Toledo. A Vida e os
parques: proteção ambiental, turismo e conflitos
de legitimidade em unidades de conservação.
In; BRUHNS, Heloísa Turini. (Orgs.). Viagens à
natureza: turismo, cultura e ambiente. 4 ed.
Campinas: Papirus, 2001.

VALLEJO, Luiz Renato. Políticas Públicas e
Conservação Ambiental: territorialidades em
conflito nos Parques Estaduais da Ilha Grande,
da Serra da Tiririca e do Desengano (RJ). 2005.
342 f. Tese (Doutorado em Geografia), Instituto de
Geociências, Universidade Federal Fluminense,
Niterói, 2005.

*BALBINO CAVALCANTE é geógrafo, mestre em
Geografia pela UFRN e professor do Programa
de Pós-Graduação Lato Sensu das Faculdades
Integradas de Patos (FIP).

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 25

SHUTTERSTOCK.COM Sustentabilidade REINALDO DIAS*

Assumir a preservação
ambiental é inevitável
para as empresas

Há vinte anos, poucos empresários
consideravam importante o respei-
to ao meio ambiente. Atualmente,
esse é um elemento central na atividade e cada
vez mais essencial na estratégia das empresas.
O mesmo ocorria com a questão social, que se
limitava à filantropia e ignorava até a comunida-
de do entorno imediato das empresas. Hoje, o
setor privado não só compreende a necessidade
de adotar critérios fundamentados na sustenta-
bilidade – ambiental e social – em suas decisões,
como também de que fazê-lo é importante para
a continuidade e o pleno desenvolvimento de
seus negócios.

26 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

Historicamente, as empresas surgiram no Os governos, em todos os níveis, estão buscan- *REINALDO DIAS é professor
mundo para fazer dinheiro, e a maximização do soluções regulatórias para a solução de proble- do Mackenzie, sociólogo,
da rentabilidade quase sempre era sinônimo de mas ambientais. Regulamentação do governo chi- mestre em Ciência Política e
ganância. Atualmente, sabe-se que as empresas nês, que entrará em vigor no próximo ano, dispõe doutor em Ciências Sociais pela
que se adaptarem a essa revolução nos negócios que todas as montadoras produzam uma cota de Unicamp, além de especialista
competirão, no futuro, por algumas das melho- veículos elétricos. França e Reino Unido proibirão em Ciências Ambientais.
res oportunidades e provavelmente se conecta- a venda de veículos a gasolina e a diesel a partir de
rão com maior força aos seus próprios valores, 2040. A Noruega só permitirá a venda de automó-
aos de seus clientes e aos de seus funcionários. veis elétricos e híbridos a partir de 2025. Dando
continuidade a um acordo assinado em 2016 por
Para o setor privado, é essencial entender inúmeros prefeitos, as municipalidades alemãs de
que a humanidade está atravessando uma ver- Berlim, Bremen, Dresden, Essen, Frankfurt, Ham-
dadeira revolução socioambiental, a qual busca burgo, Hannover e outras começaram a proibir a
soluções para os problemas que nos colocam em entrada de veículos a diesel em 2017; Barcelona
risco permanente. E é inevitável que uma grande fará o mesmo em 2019; Paris, em 2020; Madri e a
parte da agenda da sustentabilidade recaia sobre capital mexicana, em 2015.
as empresas. São sinais claros dessas mudanças
a unanimidade global que vai se formando em Diante desse panorama, as empresas devem
torno da necessidade de substituição dos com- se preocupar, cada vez mais, em adotar medidas
bustíveis fósseis como fonte de energia, o que para se tornar sustentáveis. Em primeiro lugar, fa-
tem provocado um rápido envolvimento das lar de sustentabilidade dentro da empresa deve ser
grandes montadoras de veículos na fabricação um tema prioritário. Tanto o fator humano como
de carros elétricos. o ambiental são dois elementos que mantêm as
atividades que uma organização realiza; portan-
NOVOS RUMOS to, converter-se em uma empresa sustentável não
somente é uma forma de investir no futuro das
As empresas automobilísticas vêm adotan- próximas gerações, mas também um meio para
do medidas visando à crescente substituição da conseguir maior permanência no mercado.

forma tradicional de produção energé- SOCIEDADE
tica por outras menos poluentes. A
multinacional sueca Volvo anun- Como todo processo dentro da organiza-
ciou que, a partir de 2019, todos ção, a sustentabilidade deve ser encaminhada de
os veículos de modelo novo que acordo com um plano de gestão estratégica de
produzirá serão 100% elétricos sustentabilidade. É fundamental que os objeti-
ou híbridos. A Toyota começará vos se identifiquem com a missão e a visão da
as vendas de seu carro elétrico em empresa e que possam ser integrados ao seu pla-
2022. A Renault-Nissan, a Ford e a no estratégico. Metas e ações propostas devem
Volkswagen anunciaram planos para estar vinculadas com os aspectos sociais, econô-
micos e ambientais nos contextos local, nacio-
produzir carros elétricos em parceria nal e internacional. É vital que as organizações
com empresas chinesas. A empresa britâni- assumam a responsabilidade com o seu entorno,
ca Jaguar Land Rover informou que, a partir no qual desenvolverão suas ações de geração de
de 2020, toda a sua linha terá motores híbridos valor social, ambiental e econômico, num hori-
– combinando combustão e eletricidade – ou zonte de curto, médio e longo prazos.
100% elétricos. E a alemã BMW produzirá car-
ros elétricos em massa a partir de 2020. Como resultado da adoção de uma estraté-
Muitas empresas estão se empenhando em gia voltada para a sustentabilidade, a empresa
encontrar resultados concretos para a proble- torna-se uma organização que gera valor agrega-
mática ambiental e consolidar boas práticas de do e que contribui para a mudança de mentali-
gestão sustentável. A sociedade, por sua vez, está dade de toda a comunidade e do mercado, com
mais consciente de sua responsabilidade, modi- uma rentabilidade superior.
ficando comportamentos e hábitos de consumo.

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 27

Ambiente REDAÇÃO

SHUTTERSTOCK.COM

Riqueza que
vem do mar
Pequenos negócios são responsáveis por metade do peixe produzido no País
O brasileiro teve a oportunidade, ao
longo de toda a primeira quinzena de pequenos negócios vêm aumentando a par-
de setembro, de comprar peixe ou ticipação neste mercado há quatro anos e, hoje,
de consumir pratos produzidos à base do pro- são responsáveis por cerca de metade de todo o
duto com melhores preços, além de conhecer peixe produzido no País. Esses produtores res-
as vantagens nutricionais desse tipo de alimen- pondem por, aproximadamente, 640 mil tone-
to. Aconteceu, em todo o País, uma campanha ladas de peixe e movimentam cerca de R$ 4 bi-
que já se firmou no calendário nacional e se es- lhões por ano.
tabeleceu como um dos três mais importantes
períodos de venda de peixe no Brasil. Os donos O Sebrae tem participado das mobilizações
em torno da Semana Nacional do Peixe, com o
Comitê da Cadeia Produtiva da Pesca e Aqui-

28 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

cultura (Compesca), para estimular o aumento OCEANOS
do consumo do produto no País. Nos últimos
quatro anos, quando se intensificou a partici- dMaicfraoupnláasmticaorisnahmaeeamçatmod5o2o9mesupnédcoies
pação das pequenas empresas no segmento da
Aquicultura e Pesca, o Sebrae atendeu 6,8 mil Centenas de espécies da fauna 220 espécies que os absorvem,
empreendedores do meio rural do segmento da marinha, como peixes, molus- algumas delas muito impor-
piscicultura em programas e consultorias, com cos e outras, estão sendo ame- tantes no comércio mundial,
investimento de cerca de R$ 31 milhões. aças pela ingestão do lixo que como os mexilhões, as lagos-
se acumula no mar em forma tas, os camarões, as sardinhas
Nos últimos anos, a aquicultura brasileira de microplásticos, sem que até e o bacalhau.
tem experimentado constantes transformações, o momento se saiba a fundo Relatório recente da Organi-
consolidando-se como uma das principais ati- suas causas e consequências. zação da ONU para a Alimen-
vidades do agronegócio brasileiro e, segundo Os últimos estudos mostram tação e a Agricultura (FAO)
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Es- que até 529 espécies selva- alertou para as consequências
tatística (IBGE) e de outros órgãos do Governo gens já foram afetadas pelos desses resíduos para a pesca
Federal, a produção nacional de pescado, em resíduos, um risco mortal que e a aquicultura. “Ainda que
2014, foi de 1.326.726 toneladas, sendo que, se soma aos outros já enfrenta- nos preocupe a ingestão de
desse total, 765.287 toneladas foram de origem dos por dezenas delas em pe- microplásticos por parte das
da pesca, representando 57,68%; e 561.439 to- rigo de extinção. A informação pessoas por meio dos frutos
neladas advindos da aquicultura, isto é, 42,31%. é da agência de notícias EFE. do mar, ainda não temos
Por menores que sejam, os evidências científicas que
CULTURA microplásticos (de até 5 milí- confirmem os efeitos prejudi-
metros de diâmetro e presen- ciais em animais selvagens”,
A tilápia é a variedade de peixe mais produ- tes em vários produtos, como explicou à Agência EFE uma
zida no País e onde os pequenos negócios mais os cosméticos) representam das autoras do estudo, a pes-
têm se destacado. O Estado do Paraná é, atual- uma ameaça para as mais de quisadora Amy Lusher.
mente, o maior produtor brasileiro e é onde se
verifica uma forte atuação de cooperativas que de empresas de pequeno porte no campo usam
têm conseguido levar sua produção para todo o celulares para acessar a web, o que facilita tam-
País. Somente nas cidades de Toledo e Cascavel bém o desenvolvimento de seus negócios.
(na região oeste do Paraná) existem 22 frigorífi-
cos de peixes de cultivo. No âmbito da gestão, o esforço do Sebrae
tem sido o de promover a transferência de tec-
A atuação do Sebrae está focada em quatro nologia que permita aos donos de pequenas
aspectos principais: aprimorar a qualidade do pisciculturas – em um cenário de crise hídrica
produto brasileiro; elevar os níveis de produti- – produzir mais com menos água e com susten-
vidade das empresas; difundir práticas ambien- tabilidade. Já quanto às práticas sustentáveis, a
talmente sustentáveis; e fortalecer a gestão des- instituição atua na orientação do licenciamento
ses empreendimentos. Um exemplo da ação do ambiental, já que, para a maioria dos aquiculto-
Sebrae foi a criação, em 2014, de um software res, a regularização ambiental é um gargalo na
voltado a facilitar a gestão e o manejo da produ- produção. Nos últimos anos, o Sebrae desen-
ção, tornando o empresário rural mais competi- volveu, em parceria com entidades estratégicas,
tivo no mercado. como a Embrapa Pesca e Aquicultura, soluções
para o segmento no âmbito nacional e a produ-
A importância da Tecnologia da Infor- ção de material técnico sobre como comprar,
mação no agronegócio já foi comprovada em armazenar e preparar peixes nativos do Brasil.
pesquisa recente do Sebrae, que ouviu mais de
4.460 produtores rurais: quase a totalidade de-
les (96%) usa telefones celulares, e uma quanti-
dade significativa utiliza smartphones para aces-
sar a internet. Um total de 71% dos donos de
microempresas rurais e 85% dos proprietários

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 29

Contexto REDAÇÃO

Unidos pelo
progresso

Países dos Brics vão
estimular o crescimento
a partir da inovação

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul Segundo Prata, a inovação dominou a pri-
aprovaram um plano de ação para co- meira edição chinesa do encontro anual entre
operação em inovação de 2017 a 2020, as pastas científicas das cinco economias emer-
segundo informou o secretário de Desenvolvi- gentes. “Cada ministro apresentou e discutiu as
mento Tecnológico e Inovação do Ministério da políticas nacionais e as estratégias adotadas para
Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações promover o crescimento a partir da inovação,
(MCTIC), Alvaro Prata, que participou do 5o a fim de trocar experiências e traçar possibili-
Encontro Ministerial de Ciência, Tecnologia dades de cooperação”, explica. “Fizemos um
e Inovação do Fórum de Diálogo dos Brics em panorama do nosso investimento público e pri-
Hangzhou. No encontro, também foi atualizada vado em pesquisa e desenvolvimento [P&D] e
a agenda de trabalho do grupo até 2018, com três exploramos as iniciativas brasileiras de apoio ao
eventos previstos para cidades brasileiras. empreendedorismo de base tecnológica, ao des-
tacar o nosso esforço por meio de programas de
startups e da Empresa Brasileira de Pesquisa e
Inovação Industrial [Embrapii].”

30 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

O secretário ressaltou o amadurecimento da Os cinco ministérios ainda revisaram e atu-
China em ciência e tecnologia, expresso pelo alto alizaram o Plano de Trabalho de 2015 a 2018,
investimento em P&D, e as preocupações huma- firmado em Moscou, na Rússia, durante o 3o En-
nitárias da África do Sul, próximo país a presidir contro de Ministros em outubro de 2015. A nova
o grupo. “A ministra sul-africana de Ciência e versão do documento estabelece uma agenda de
Tecnologia, Naledi Pandor, trouxe isso na pers- 17 eventos até o fim do ano que vem. A lista prevê
pectiva de que os avanços em desenvolvimento a realização de três reuniões de Grupos de Traba-
tecnológico e inovação devem ser inclusivos e lho (GTs) dos Brics em cidades brasileiras.
contemplar questões raciais e de gênero”, relata.
Campinas (SP) deve receber, em março de
COMPROMISSOS 2018, o 2o Encontro do GT em Infraestruturas
de Pesquisa e Projetos de Megaciência. O Cen-
Prata assinou com os ministros dos outros tro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais
quatro países três documentos. O mais novo de- (CNPEM) organiza o evento em função do Si-
les é o Plano de Ação dos Brics para Cooperação rius, em construção pelo Laboratório Nacional
em Inovação, válido de 2017 a 2020. Proposta de Luz Síncrotron (LNLS). Quando estiver
em 2016 pela Índia para estender a cooperação pronta, a infraestrutura científica será a maior
multilateral além de objetivos puramente aca- e mais complexa já erguida no País, planejada
dêmicos, a Parceria de Empreendedorismo em para ocupar a liderança mundial entre os equi-
Ciência, Tecnologia e Inovação (Stiep, na sigla pamentos de sua classe.
em inglês) responsabiliza-se por duas metas
principais neste momento inicial. Já em abril de 2018, o Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
“A primeira delas é a criação de redes de (CNPq) realiza, em Brasília (DF), o 4o Encon-
parques científicos e incubadoras de negócios, tro do Programa-Quadro dos Brics em Ciência,
promovendo o apoio a pequenas e médias em- Tecnologia e Inovação (Brics STI), ocasião na
presas de base tecnológica”, detalha o secretário. qual podem ser selecionados os projetos a se-
“A segunda meta seria estimular a capacitação rem financiados pela segunda chamada pública
de talentos em um contexto ampliado, cultural- coordenada para apoiar pesquisas conjuntas,
mente diversificado, porque cada país tem seu com previsão de lançamento simultâneo neste
próprio ambiente de inovação, sobretudo em semestre por agências dos cinco países.
busca de converter ideias em soluções de Tec-
nologias da Informação e comunicação [TICs], Em Hangzhou, os ministros definiram seis
materiais, recursos hídricos, saúde, energia e re- áreas temáticas para a chamada pública: preven-
siliência a desastres naturais.” ção e monitoramento de desastres naturais; re-
cursos hídricos e tratamento da poluição; ener-
gias novas e renováveis e eficiência energética;
biotecnologia e biomedicina, incluindo saúde
humana e neurociências; ciência de materiais,
com nanotecnologia; e TICs e computação de
alto desempenho.

O CNPq lançou, em agosto de 2016, a pri-
meira chamada pública nacional do Brics STI,
que representa um fundo multilateral formado
por agências de fomento. De acordo com Prata,
o programa recebeu 320 propostas em dez áreas
temáticas. “Os cinco ministérios selecionaram

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 31

Contexto REDAÇÃO

Histórico O CNPq
lançou,
Desde o 1o Encontro de Ministros, na Cidade do Cabo, na África em agosto
do Sul, em fevereiro de 2014, cada país lidera uma área temática: de 2016, a primeira
prevenção e mitigação de desastres naturais, sob responsabilidade chamada pública
brasileira; recursos hídricos e tratamento da poluição, por conta da nacional do Brics STI,
Rússia; tecnologia geoespacial e suas aplicações para o desenvol- que representa um
vimento, da Índia; fontes renováveis de energia e seu uso eficiente, fundo multilateral
da China; e astronomia, com liderança sul-africana. formado por agências
Brasília recebeu o 2o Encontro de Ministros, em março de 2015, de fomento.”
quando os países assinaram um memorando de entendimento
para institucionalizar a cooperação no âmbito do bloco. Um dia
antes, também na capital federal, a 4ª Reunião de Altas Autoridades
de Ciência, Tecnologia e Inovação dos Brics discutiu prioridades
para o plano de trabalho firmado em Moscou, na Rússia, durante o
3o Encontro de Ministros. O secretário Prata esteve ainda no 4o En-
contro de Ministros, em outubro de 2016, em Jaipur, na Índia.

26 projetos, com presença de pelo menos três em Hangzhou, na semana anterior ao encon-
países cada, e oito deles têm participação brasi- tro ministerial, com mais de cem pesquisado-
leira”, lembra. Ao todo, US$ 9,4 milhões devem res dos cincos países. “Não conseguimos enviar
ser investidos nas pesquisas conjuntas. ninguém para a primeira edição, em 2016, em
Bangalore, na Índia, mas, na China, tivemos
A última reunião dos Brics marcada para seis representantes, quatro deles com apoio do
2018, em uma cidade brasileira ainda não de- MCTIC”, observou. “São eventos nos quais os
finida, é o 2o  Encontro do GT em Ciência e participantes apresentam o estado da arte das
Tecnologia Oceânica e Polar, previsto para ju- suas respectivas áreas em seus países. O objetivo
nho. Na África do Sul, sem data determinada, o maior é promover intercâmbio, compartilhar
Centro Nacional de Monitoramento e Alertas experiências, estabelecer vínculos e disseminar a
de Desastres Naturais (Cemaden) organiza o cooperação internacional.”
3o Encontro do GT em Prevenção de Riscos e
Mitigação de Desastres Naturais. Participaram do Fórum de Jovens Cientistas
os pesquisadores Eduardo Lucas Konrad Burin,
ENVOLVIMENTO da Universidade Federal do Paraná (UFPR),
pela área de energia; Gisele Aparecida Amaral
Prata também assinou, na China, a Declara- Labat, da Universidade de São Paulo (USP),
ção de Hangzhou, para reafirmar o compromis- por materiais; Helder Takashi Imoto Nakaya,
so do Brasil com a cooperação e dar sequência da USP, por biotecnologia; Rodrigo Arantes
aos projetos conjuntos iniciados. “Esse docu- Reis, da UFPR, por políticas de populariza-
mento reconhece as decisões de uma grande ção da ciência; Carla Kazue Nakao Cavaliero,
quantidade de eventos realizada ao longo do da Universidade Estadual de Campinas (Uni-
último ano”, diz. camp); e David Tsai, do Instituto de Energia e
Meio Ambiente (Iema).
O secretário enalteceu a presença do Brasil
no 2o  Fórum de Jovens Cientistas dos Brics,

32 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

Cidades REDAÇÃO

Perigo no ar
Adensamento urbano ao redor
dos aeroportos é preocupante

A tragédia com o voo 3054 da TAM, JOA SOUZA / SHUTTERSTOCK.COM
no dia 17 de julho de 2007, vitimou
199 pessoas e deixou um legado de li- PO USO TRANQUILO FONTE
ções para o setor aeronáutico do País. Pistas em Shailon Ian é engenheiro
áreas densamente urbanizadas e equipamentos Os aeroportos brasileiros precisam ainda de aeroespacial pelo ITA,
desatualizados eram alguns problemas enfrenta- equipamentos modernos já utilizados em ou- serviu como tenente
dos naquela data.   tras localidades do mundo e que permitam um durante cinco anos na
pouso por instrumentos mais tranquilo. “Essas Força Aérea Brasileira
 “O Brasil continua uma ‘ilha de segurança’ ferramentas guiam o avião, em total seguran- (FAB), trabalhou na
na América Latina”, avalia  Shailon Ian, enge- ça, até o solo em qualquer condição climática”, Agência Nacional de
nheiro aeronáutico formado pelo Instituto Tec- explica Shailon Ian. Hoje, em casos de neblina, Aviação Civil (Anac) e
nológico de Aeronáutica (ITA) e presidente da por exemplo, aeroportos são fechados até alcan- teve a oportunidade de
Vinci Aeronáutica. Segundo ele, embora o nú- çarem condições adequadas para pousos.  trabalhar em mais de 200
mero de pousos e decolagens tenha aumentado auditorias de aeronaves
no Brasil, o número de acidentes envolvendo a   O engenheiro ressalta ainda que, nos úl- e empresas em todo o
chamada “aviação regular” é reduzido e faz esse timos dez anos, não foi registrado nenhum mundo.
setor no País ser considerado um dos mais segu- acidente nas mesmas proporções do voo 3054.
ros no mundo. “Entretanto, se fatores semelhantes se repeti-
rem, podemos ter uma tragédia nas mesmas
  “A aviação deve ser segmentada para que proporções”, aponta Shailon Ian. Ele conside-
as análises sejam efetivas. Assim, nós dividimos ra a área de escape nas cabeceiras das pistas de
a indústria de acordo com o porte das aerona- Congonhas insuficientes para evitar uma tra-
ves sendo operadas e a atividade econômica. A gédia. “Numa pista maior e com área de escape
aviação regular envolve as operações com ae- adequada, a tripulação teria mais tempo para
ronaves de grande porte com fins comerciais”, entender o que estava acontecendo com os mo-
explica o engenheiro.   tores e reagir adequadamente.” Esse não era nem
é o caso de Congonhas.
 Uma área de escape reduzida foi considera-
da um dos fatores contribuintes para o acidente.
O problema de Congonhas repete-se em outras
capitais brasileiras e deve ser enfrentado pelas
autoridades do País em outras localidades. “Um
aeroporto atrai naturalmente atividades ao seu
redor. Por isso, é preciso um planejamento e
ações para impedir o adensamento urbano nes-
sas regiões”, observa o especialista. 

 Shailon Ian lembra ainda que o uso de groo-
ving  – ranhuras produzidas no asfalto do
aeroporto para manter o contato permanente
entre o pneu e a superfície do pavimento, além
de acelerar o escoamento da água durante as
chuvas – já havia sido indicado para a pista.
“Depois do acidente, refizeram a operação”, ex-
plica o engenheiro aeronáutico. 

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 33

Sociedade REDAÇÃO

Novas
ideias

O que os jovens fariam
se fossem presidentes
das empresas onde atuam

SHUTTERSTOCK.COM

Quem nunca imaginou quais mudanças soluta, ou seja, 86,51% (26.874 respondentes),
faria se fosse o presidente da organi- a primeira atitude a ser tomada seria “mudar
zação onde trabalha, atire a primeira vários processos”. De acordo com a analista de
pedra. É comum as pessoas terem treinamento do Nube, Greici Daniel, essa é, cla-
visões diferentes e modos variados de agir dian- ramente, uma característica da Geração Y. “Eles
te das situações. Por isso, em muitas ocasiões, as são criativos, inovadores e imediatistas, além
críticas à gestão aparecem. Contudo, essas pes- de muito mais antenados e globalizados. Com
soas estariam preparadas para assumir a posição isso, são impacientes, desejam retorno rápido
máxima no mundo corporativo? Uma pesquisa e têm certa dificuldade para se adaptar princi-
do Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube) fez o palmente aos processos mais burocráticos”, ex-
seguinte questionamento a jovens entre 15 e 26 plica. Logo, fica clara a insatisfação e vontade
anos: “Se pudesse ser presidente da sua empresa, de propor mudanças e melhorias. “Todavia, é
o que você faria?”. O resultado mostrou como necessário, antes de reclamar ou pontuar falhas,
a arte de apontar os erros não é suficiente para conhecer a corporação, entender o motivo de
levar um empreendimento ao sucesso. suas decisões e por que os processos foram im-
plantados”, recomenda.
VISÃO
Para 7,35% (2.284), a medida adotada não
O estudo foi realizado em todo o Brasil, de poderia ser diferente de “aumentar o salário dos
24 de julho a 4 de agosto, e contou com a par- meus amigos”. Apesar de parecer, na visão dessas
ticipação de 31.063 votantes. Para a maioria ab- pessoas, uma boa iniciativa, o ato causaria gran-

34 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

SDeAguRnEdDoAIÇpÃeaO, jovens são os mais afetados pela crise econômica

Os movimentos do mercado de gindo um nível bem abaixo do trabalhadores com idade entre
trabalho mostram que a crise observado no início da pesquisa, 18 e 24 anos que estavam ocupa-
econômica atinge com mais in- em 2012, que foi de 37%. As dos e foram dispensados, passou
tensidade os jovens, os quais têm análises são feitas com base nos de 5,2% para 7,2%.
mais dificuldade de conseguir microdados extraídos da Pesquisa “Os dados salariais revelam que,
emprego e mais chance de ser Nacional por Amostra de Domicí- além de receber as menores re-
demitidos. A informação foi di- lios Contínua (Pnadc), divulgada munerações, o grupo dos traba-
vulgada pelo Instituto de Pesqui- pelo Instituto Brasileiro de Geo- lhadores mais jovens apresenta
sa Econômica Aplicada (Ipea), na grafia e Estatística (IBGE). queda de salário [de 0,5% na
seção “Mercado de Trabalho” do Os pesquisadores destacam que, comparação com o mesmo pe-
blog da Carta de Conjuntura. além disso, entre os que per- ríodo de 2016]. Na outra ponta,
De abril a junho de 2017, apenas deram o emprego, o segmento os empregados com mais de 60
25% dos desempregados com dos mais jovens forma o grupo anos elevaram em 14% seus ga-
idade entre 18 e 24 anos foram com maior perda percentual de nhos salariais, na mesma base de
recolocados no mercado, atin- ocupação. De 2012 a 2017, os comparação”, diz o documento.

de mal-estar no ambiente de trabalho. “É neces- abrir mão da presença de seu time, enquanto ou-
sário parar e refletir um pouco sobre os pontos a tros poderiam liberar apenas uma parte da equi-
serem considerados ao rever uma remuneração. pe, fazer um rodízio. Para chegar a essa conclu-
Antes de levar em conta a proximidade, é fun- são, antes de qualquer impulso, é fundamental
damental analisar a competência, o comprome- um planejamento prévio”, comenta.
timento e os resultados apresentados por cada
integrante do time”, ressalta a especialista. O es- Para os mais liberais, “ninguém teria horário
perado de um bom gestor é que ele pese sempre nem regras para trabalhar”. Essa opção recebeu
o lado profissional de todos e que ofereça condi- 2,20% dos votos (684) e mostrou inexperiência
ções para o desenvolvimento de cada um, inde- por parte de quem ainda está em início de car-
pendentemente do grau de amizade envolvido. reira. Afinal, os processos burocráticos, muitas
vezes, são necessários para auxiliar na realização
FLEXIBILIDADE das tarefas. “Sempre deve haver um direciona-
mento e uma padronização, caso contrário po-
Na lista de decisões, entraria também “deixar dem surgir dúvidas na execução do trabalho,
todos trabalharem de casa”, escolhido por 2,77% comprometendo os resultados”, enfatiza Greici.
(860 pesquisados). O home office, de fato, pode
ser considerado uma tendência, e as empresas Por fim, 1,16% (361) “demitiria muitas
estão aderindo a esse sistema. “É uma forma de pessoas”. Entretanto, essa deve ser a última
diminuir custos, gerando economia de água, ação de um líder. “Diversos fatores são leva-
luz, transporte e alimentação e, em contraparti- dos em consideração antes do desligamento.
da, oferecendo muito mais qualidade de vida ao É papel do gerente orientar e desenvolver seus
funcionário”, enfatiza a analista. Portanto, nesse colaboradores, oferecer feedback e ter clareza
caso, seria interessante verificar o segmento da com relação aos seus pontos positivos e quais
organização e estudar quão viável é essa possibi- merecem mais atenção”, orienta a especialista.
lidade. “Muitos estabelecimentos não tem como O corte só é considerado quando todas as ten-
tativas forem esgotadas.

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 35

Comportamento EDGAR MELO

Fugindo da guerra

Violência faz cariocas trocarem
“Cidade Maravilhosa”pelos Estados Unidos

O Rio de Janeiro é conhecido por suas TENDÊNCIA
belas praias, espaços para atividades
físicas e pontos turísticos. Entre- O mercado de imóveis na região de Orlando e
tanto, a procura por segurança tem se tornado Miami tem ficado aquecido não apenas pelos ca-
cada vez mais recorrente, fazendo com que os riocas. Brasileiros em geral estão com malas pron-
brasileiros saiam do País por causa da violência. tas para os condomínios e prédios que existem na
Os dados sobre roubos no Rio assustam: de ju- América. O volume de transações imobiliárias fei-
lho a dezembro de 2016, o total de assaltos foi de tas por brasileiros, em 2016, chegou a US$ 2,8 bi-
68 mil, cerca de 340 assaltos por dia. Em busca lhões de dólares. A FB  Capital também soube
de segurança, estabilidade financeira e qualidade explorar bem o mercado. “Nós nos especializamos
de vida, os cariocas deixam o Rio e levam toda a em atender um público que exige atenção rápida,
família para os Estados Unidos. Do total de bra- personalizada e, principalmente, segura, para que
sileiros que optam por ter um imóvel naquele tudo esteja de acordo com as normas do Banco
país, 53% decidem comprar na região do sul da Central e da Receita Federal”, ressalta. No último
Flórida, composta pelas cidades de Miami, Fort ano, a empresa intermediou mais de US$ 50 mi-
Lauderdale e Palm Beach. “Clientes cariocas que lhões no segmento de imóveis. Foram mais de 1,2
amam sua cidade estão preferindo mudar para mil operações para mais de 700 clientes, e ele não
outro país, como os Estados Unidos, para fugir vê uma grande “paralisação” nas futuras transações.
de assaltos, sequestros e de toda a insegurança. “Agora, com o que ocorreu com a economia no
Com isso, acabam por trocar a qualidade de vida Brasil, deve haver uma queda nas transações, mas
que têm no Brasil por Miami, por exemplo”, co- o investidor que tenha real interesse não perderá a
menta Fernando Bergallo, diretor de Operações chance de ter um imóvel fora do País e voltará a
de Câmbio da FB Capital, empresa líder de mer- investir”, finaliza Bergallo.
cado no envio de remessas financeiras para o ex-
terior no segmento imobiliário. PREJUÍZO

Como diretor de operações, Bergallo tem O comércio varejista do município do Rio
visto a mudança na atitude de alguns investi- gastou R$  996  milhões com segurança de ja-
dores que preferiam ir para a região do Sul da neiro a junho deste ano. O número foi apre-
Flórida, pelo estilo de vida próximo ao brasileiro sentado na pesquisa “Gastos com segurança
e pela oportunidade de mercado e investimento, em estabelecimentos comerciais”, do Centro
mas, agora, o motivo é outro. “Com a crise bra- de Estudos do Clube de Diretores Lojistas do
sileira e as inúmeras inseguranças, temos, além Rio de Janeiro (CDLRio).
do fluxo de pessoas que querem levar o capital
para fora do País, para aqueles que estão ven- Dos 750 lojistas entrevistados, 180 já tive-
dendo os ativos em razão da insegurança social, ram seus estabelecimentos assaltados, furtados
a intenção tem sido de morar. O gasto médio de ou roubados – número cerca de 20% maior do
um imóvel é acima de US$ 650 mil e, por causa que o do mesmo período do ano passado.
deste valor, muitos estão optando por uma nova
vida nos Estados Unidos”, afirma o diretor de Do total dos gastos, R$ 667 milhões foram
Câmbio da FB Capital. com segurança privada e vigilantes, R$ 289 mi-
lhões com equipamentos de vigilância eletrônica
e R$ 40 milhões com gradeamento, blindagens,
reforços de portas e de vitrines e com seguros.

36 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

Os dados sobre roubos no Rio assustam:
de julho a dezembro de 2016, o total
de assaltos foi de 68 mil, cerca de 340
assaltos por dia.”

ANTONIO SCORZA / SHUTTERSTOCK.COM

Para o presidente do Clube de Diretores cidade (76% a mais do que no mesmo período
Lojistas do Rio de Janeiro, Aldo Gonçalves, é do ano passado) e mais de 9,7  mil no Estado
como se fosse mais um tributo pago pelos lojis- do Rio (55% a mais do que no mesmo período
tas, que já sofrem com a burocracia e a carga tri- de 2017), conforme destacou Gonçalves.
butária. “A violência urbana na cidade do Rio de
Janeiro vem prejudicando bastante o comércio, O dirigente lamentou a crise das Unidades
já afetado pelo quadro econômico do País e, em de Polícia Pacificadora (UPPs), projeto cuja
especial, pela crise do Estado do Rio, que tem implantação trouxe esperança para a população
influenciado profundamente o comportamento e animou os comerciantes, especialmente na
do consumidor, o qual, por um lado, fica com Zona Norte da capital fluminense. “Na época,
medo de sair de casa e, por outro, reduz seus gas- no lugar de inúmeras lojas fechadas nos bairros
tos, entre eles, as compras”, afirmou. adjacentes àquelas comunidades, surgiram no-
vos estabelecimentos, com decoração e vitrines
Mais de 4.150 estabelecimentos comerciais modernas, retomando a geração de emprego e
fecharam suas portas entre janeiro e junho na movimentando a economia local”, lembrou.

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 37

Infraestrutura REINALDO DIAS*

Construção de
termoelétrica ameaça
região importante

A área de proteção Cananeia-Iguape- Peruíbe é uma Estância Balneária e seu de-
-Peruíbe foi criada em 1984 e se lo- senvolvimento está associado ao turismo de ve-
caliza no litoral sul do Estado de São raneio, ao comércio e serviços. O município é
Paulo. A área de proteção foi criada tendo com considerado um dos melhores destinos ecoturís-
a premissa básica de que os recursos naturais que ticos do mundo, por integrar a riqueza da mata
a formam constituem uma reserva estratégica atlântica ao patrimônio histórico-arqueológico
fundamental de biodiversidade. Constitui uma da área e à cultura de comunidades de caiçaras,
das regiões de maior riqueza biológica de aves do
planeta e abriga centenas de espécies de mamí-
feros, répteis e anfíbios, alguns em risco de de-
saparecimento. Entre as espécies ameaçadas de
extinção, estão: a onça-pintada (Panthera onca),
o mono-carvoeiro (Brachyteles arachnoides), o
papagaio da cara roxa (Amazona brasiliensis) e o
jaó-do-litoral (Crypturellus noctivagus).

A área representa uma das maiores concen-
trações de porção contínua de vegetação preser-
vada da Mata Atlântica, sendo considerada uma
das reservas naturais de maior diversidade gené-
tica do mundo. Sua importância foi reconheci-
da pela Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e Cultura (Unesco), que a
considera, desde 1992, Reserva da Biosfera e,
desde 1999, como Sítio do Patrimônio Históri-
co Natural da Humanidade.

Na região ocupada pela área de proteção
encontra-se a cidade de Peruíbe, cujo território
está incluído em sete Unidades de Conservação
(UCs) ambiental, em especial a Estação Ecoló-
gica de Jureia-Itatins, uma UC de Proteção In-
tegral voltada para a preservação da natureza e a
realização de pesquisas científicas. Ela apresenta
inúmeras espécies endêmicas e aves migratórias
que utilizam as áreas protegidas para reprodução.

38 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

quilombolas e índios Guaranis, que praticam contribuem para o aumento do efeito estufa na
atividades artesanais como meio de sobrevivên- atmosfera, que causa o aquecimento global.
cia, entre elas, a pesca e o extrativismo.
O sistema de esfriamento dessas usinas em-
DEMANDA prega um alto volume de água que, ao ser devol-
vido ao meio ambiente, eleva a temperatura da
No entanto, uma ameaça paira sobre essa água natural, alterando significativamente as
área de proteção ambiental: o projeto de cons- comunidades de plantas e animais que vivem
trução de uma usina termoelétrica a gás pela em- no meio aquático, favorecendo os organismos
presa Gastrading, com a justificativa da necessi- que se adaptam a temperaturas mais elevadas.
dade de atender à demanda energética da Baixa- Qualquer método de esfriamento que se utilize
da Santista e também de geração de empregos. implica algum consumo de água.

Usinas termoelétricas utilizam combustíveis Há inúmeros impactos negativos advindos
fósseis e são consideradas fontes importantes de da construção de usinas termoelétricas que são
emissões atmosféricas que podem afetar a qua- provenientes das atividades de preparação do lo-
lidade do ar na região onde elas se localizam. cal, movimento de terras, drenagem, dragagem
A combustão que ocorre nos projetos termoe- de áreas úmidas, desmatamento e construção de
létricos emite dióxido sulfuroso (SO2), óxidos aterro sanitário.
de nitrogênio (NOx), monóxido de carbono
(CO), dióxido de carbono (CO2) e particu- PONTO A PONTO
lados diversos. Esses gases contribuem para a
precipitação de chuva ácida que acelera a dete- Outro impacto importante das termoelé-
rioração de edifícios e monumentos; altera radi- tricas se relaciona com a afluência de trabalha-
calmente os ecossistemas aquáticos e prejudica dores durante o período de construção. São
a vegetação de mata nativa. Além disso, os gases necessários milhares de trabalhadores que,
durante alguns anos, se estabelecem no local e
FREDY THUERIG / SHUTTERSTOCK.COM posteriormente são reduzidos a centenas para a *REINALDO DIAS é professor
sua operação. O crescimento rápido e o desen- do Mackenzie, sociólogo,
volvimento induzido podem gerar efeitos ne- mestre em Ciência Política e
gativos importantes na infraestrutura existente doutor em Ciências Sociais,
no município. De qualquer modo, a afluência além de especialista em
de trabalhadores de outras regiões mudará os Ciências Ambientais.
modelos demográficos e alterará os valores so-
cioculturais e os costumes de vida locais.

São inúmeros os aspectos negativos da im-
plantação de uma usina termoelétrica em área
ambiental de valor inestimável, porém o mais
significativo deles é o risco de acidentes que
passa a existir. Por mais garantias que possam
existir, a possibilidade sempre existirá, e basta
um para que o ambiente limítrofe seja afetado
de forma irreversível.

Não há argumento que possa justificar a
construção de uma usina que coloque em risco
um patrimônio da humanidade, uma reserva da
biosfera de reconhecimento mundial. No mudo
todo, há um movimento crescente no sentido de
abandonar a utilização de combustíveis fósseis
e substituí-los por fontes renováveis de geração
de energia. Persistir na construção da usina
termoelétrica em Peruíbe é condenar as futuras
gerações a lidar com um problema que ainda
podemos evitar.

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 39

Análise EDGAR MELO

SHUTTERSTOCK.COM Ação e reação

Descaso com oceanos gera consequências para todo o planeta

O que inundações no Sul do Brasil, vência da humanidade. “São eles que garantem
o aumento da frota de automóveis a produção do oxigênio e recursos para nossa
e a crescente produção de lixo têm alimentação e desenvolvimento econômico,
em comum? Para os oceanos, tudo! É na por- como produção de óleo e gás. A biodiversidade
ção aquática do planeta que os efeitos das ações aquática é imensa e grande parte ainda desco-
cotidianas dos seres humanos são sentidos e nhecida. É por via marítima que fazemos co-
também causam reações. Engana-se quem pensa nexão entre diferentes continentes, comércio e
que um papel jogado pela janela, o uso excessivo integração, além de proporcionar uma excelente
de produtos descartáveis e combustíveis fósseis fonte de lazer, esportes e, acima de tudo, paz e
não influenciam nos mares do planeta – e, con- tranquilidade”, analisa a bióloga, que também é
sequentemente, no clima e na qualidade de vida membro da Rede de Especialistas em Conserva-
de onde mora. ção da Natureza.

O grande problema é que estamos matan- Os mares e os oceanos são considerados os
do de forma silenciosa a maior parte de nosso verdadeiros pulmões do mundo, pois abrigam
planeta, já que 71% da Terra é coberta de água espécies de algas marinhas e cianobactérias res-
em estado líquido. Segundo a pesquisadora da ponsáveis pela maior parte da produção de oxi-
Universidade Federal do Paraná (UFPR) e vice- gênio disponível na atmosfera. Também atuam
-presidente da Associação Mar Brasil, Camila no equilíbrio climático do planeta, absorvendo
Domit, os oceanos são a base para a sobrevi- grande parte do calor que tem sido gerado com

40 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

a intensificação do efeito estufa, como explica o os oceanos estão se aquecendo a uma taxa 13%
analista ambiental do Instituto Chico Mendes mais rápida do que imaginávamos e em regiões
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e cada vez mais profundas”, explica.
membro da Rede de Especialistas em Conser-
vação da Natureza, Luiz Faraco. “Os oceanos A consequência do aumento do calor ar-
têm uma relação ‘de mão dupla’ com o clima: in- mazenado nos oceanos afeta a temperatura
fluenciam fortemente na temperatura do plane- da superfície da água, as correntes marítimas
ta, e ao mesmo tempo são afetados pela mudan- e também o nível do mar, além de a mudan-
ça climática. Estudos recentes demonstram que ça climática estar entre as principais causas
de perda de biodiversidade no mundo, com a
A consequência do aumento do degradação de habitats e a invasão biológica
calor armazenado nos oceanos por espécies exóticas, conforme explica André
afeta a temperatura da superfície Ferretti, gerente de estratégias de conservação
da água, as correntes marítimas e da Fundação Grupo Boticário de Proteção à
também o nível do mar...” Natureza. O aquecimento provoca mudanças
nas correntes marítimas e massas de ar, o que
aumenta a frequência e a intensidade de gran-
des tempestades, furações e tufões, além de
influenciar o maior derretimento de geleiras,
aumento do nível do mar e extinção de muitas
espécies vegetais e animais. Mesmo que fosse
possível parar todas as causas de mudança cli-
mática hoje, ainda assim teríamos que lidar
com todo o impacto que já causamos e que nos
afeta diretamente”, analisa Ferretti.

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 41

Análise EDGAR MELO

CDaAmRpEaDnAhaÇÃglOobal declara guerra a plásticos nos oceanos

A ONU Meio Ambiente (UN Environ- Mais plástico do que peixe A UN Environment calcula que, neste
ment) lançou, no início do ano, uma A agência das Nações Unidas alerta prazo, 99% das aves marinhas terão
iniciativa global para eliminar uma para o fato de que até 80% de todo o ingerido plástico. Ainda este ano, a cam-
grande fonte de lixo marinho até 2022: lixo nos oceanos é feito de plástico. De panha #MaresLimpos anunciará“me-
as embalagens de plástico e os plásti- acordo com algumas estimativas, no didas ambiciosas”por parte de países e
cos em geral. A campanha #CleanSeas ritmo em que itens como garrafas, sa- empresas para eliminar microplásticos
[#MaresLimpos] foi lançada durante a colas e copos de plástico estão sendo de produtos de cuidado pessoal, banir
Cúpula Mundial dos Oceanos realizada jogados fora após terem sido usados ou colocar impostos sobre sacolas des-
em Bali; na Indonésia, e apela aos go- apenas uma vez, até 2050, os oceanos cartáveis e reduzir“dramaticamente”ou-
vernos do mundo que aprovem políti- terão mais plástico do que peixes. tros produtos de plástico de uso único.
cas de redução do material plástico.
A ação também é voltada à indústria,
para que minimize embalagens plásti-
cas e redesenhe produtos no sentido
de minimizar o uso do material. A
campanha pede ainda a consumido-
res que mudem seus hábitos de pro-
dução de lixo antes que eles causem
“danos irreversíveis” aos mares.
Segundo a ONU Meio Ambiente, a
cada ano, mais de 8 milhões de tone-
ladas de plástico acabam nos oceanos,
causando grande prejuízo a animais
marinhos, à pesca e ao turismo e pro-
vocando pelo menos US$ 8 bilhões
em danos aos ecossistemas marinhos.

INTERESSES ECONÔMICOS prejudica a qualidade da água e afeta a existência
E HÁBITOS DE VIDA de diversas espécies. Camila Domit alerta que,
hoje, vivemos o processo inverso, de tentar reme-
Referência internacional em bodysurf, Hen- diar uma situação que poderia ser evitada. “O lixo
rique Pistilli, surfou, ao longo de sua carreira, as que está nos oceanos, levando várias espécies a
cinco maiores e mais perigosas ondas do mun- óbito, direta ou indiretamente, não chegou lá so-
do. O atleta, conhecido como “Homem-Peixe”, zinho e é o efeito de cada um de nós, que, somado,
também tem notado alterações ambientais em leva a um efeito gigantesco”, reforça. Ela explica
diversos lugares, entre eles, nas correntes de ar que grande parte do dinheiro e do tempo gasto
em Florianópolis (SC), na vegetação em Fer- poderia ser evitado ou corrigido com mudanças
nando de Noronha (PE), e ainda na vida mari- de comportamento, como consumo consciente e
nha da Bahia de Guanabara (RJ), da Indonésia, responsável. “Não podemos mais remediar. Temos
e do Havaí. “Os ciclos estão mudando. Já nota- que evoluir e seguir adiante. Já passou da hora de
mos chuva em época de seca em Noronha, por investirmos em um sistema de energia limpa e le-
exemplo, e fases em que não deveria haver ondas, var o pensamento sustentável para a indústria, as
como de junho a novembro, além de vermos um universidades, as cidades e o comércio”, afirma ela.
mar bem movimentado nessa época”, descreve.
Henrique Pistilli soma forças com os espe-
Essas mudanças observadas por Pistilli são cialistas ao afirmar: “Estamos assassinando o
agravadas por problemas como a poluição, que

42 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

mar. O oceano não tem fronteiras. Encontrei luntários. Entre as mais de 1,3  mil iniciativas Para ter acesso
lixo de outros continentes na praia em Fernan- cadastradas por organizações de todo o mundo, ao relatório
do de Noronha, e esse lixo remoto é que traz o a brasileira Fundação Grupo Boticário de Pro- completo, visite
alerta de que está tudo conectado e que a gente teção à Natureza apresentou quatro estratégias o seguinte
precisa tomar as rédeas dos nossos comporta- para proteger a área marinha brasileira, que endereço: https://
mentos. O problema está debaixo do nosso na- conta com apenas 1,5% de área legalmente pro- www2.deloitte.
riz, e meu receio é termos um oceano vazio, um tegida – enquanto os compromissos assumidos com/global/en/
cemitério de águas”, aponta.    pelo País no âmbito das Metas de Aichi da Con- pages/energy-
venção das Nações Unidas sobre Diversidade and-resources/
Henrique Pistili soma vozes à Ferretti e fala Biológica (CDB) determinam que pelo menos articles/tracking-
sobre o papel das instituições no processo de 10% de áreas marinhas e costeiras deverão ser the-trends.html
combate à mudança climática. “A indústria e a conservadas por meio de sistemas de áreas pro-
economia acham que crescer é igual a se desen- tegidas até 2020.
volver, mas estão consumindo o mundo natural.
Uma pesquisa do Projeto Tamar mostra que, até Os quatro compromissos assumidos pela
2050, vai haver mais lixo do que peixe nas águas”, Fundação Grupo Boticário são: o apoio à cria-
fala. Para ele, a sociedade é agente central na bus- ção e à implementação de Unidades de Conser-
ca por uma vida mais sustentável e precisa estar vação Marinhas por meio de políticas públicas;
atenta aos seus hábitos. “As pessoas estão míopes, o apoio a projetos de conservação marinha e
só vendo o mar como abastecimento de água. geração de informação científica de qualidade;
A natureza é muito sábia, cria embalagens no a realização de um simpósio dedicado ao tema
tempo que precisam durar, como uma casca de de Unidades de Conservação (UC) marinhas e
fruta que se reintegra rapidamente ao ambiente. a mobilização da sociedade por meio de estraté-
Por que usamos um copo ou uma garrafa plásti- gias de conservação.
ca que vai levar mil anos para se decompor? O
consumo do ser humano moderno é mimado, Na opinião de Malu Nunes, diretora-exe-
aperta um botão e acende a luz, abre a torneira e cutiva da Fundação Grupo Boticário, esse é um
sai água, vivendo dentro de uma caixa fechada na caminho para mobilizar os diferentes setores da
cidade, achando que tudo isso é infinito. É preci- sociedade em prol da proteção dos oceanos. “A
so trabalhar a visão de mundo”, conclui.    conservação da natureza não passa apenas pelas
florestas e a Conferência dos Oceanos é a ma-
FUTURO SUSTENTÁVEL terialização disso. Apoiar e viabilizar iniciativas
que promovam a proteção e a conservação da
Em junho deste ano, a ONU realizou, pela biodiversidade é vital para a sobrevivência da
primeira vez, a Ocean Conference. O evento, nossa sociedade e do bem-estar de todo o pla-
que aproveitou a data do Dia Mundial dos Oce- neta”, finaliza.
anos, foi realizado em Nova York (EUA), para
discutir o 14º item dos Objetivos de Desenvol-
vimento Sustentável (ODS) – uma agenda es-
tabelecida pela Organização das Nações Unidas
(ONU), composta por 17 objetivos e que deve
ser implementada por todos os países até 2030.
Entre os temas abordados, estão a erradicação
da fome, a igualdade de gênero, crescimento
econômico ordenado e a conservação e o uso
sustentável da natureza. O 14º objetivo diz res-
peito à “Conservação e uso sustentável dos oce-
anos, dos mares e dos recursos marinhos para o
desenvolvimento sustentável”.

Mais do que apenas teoria, a conferência
realizou uma “chamada para ação” de parceiros
e voluntários para apoiar a implementação do
Objetivo  14, por meio de compromissos vo-

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 43

Tendência REDAÇÃO

Consumo
colaborativo
Aproximadamente 40% dos
brasileiros já trocaram hotel por
residência de terceiros

Q uem poderia imaginar, há alguns AVALIAÇÃO
anos, que um turista estaria dis-
posto a se hospedar na casa O levantamento também revela que, para
de um estranho, em vez de determinadas categorias de produtos, os brasi-
recorrer a um hotel? Ou então alugar o pró- leiros acreditam que vale mais a pena alugar em
prio carro em períodos ociosos para aqueles vez de adquirir um novo, como livros (56%),
que precisam e podem pagar – encontrando, equipamentos de ginástica (53%), artigos es-
assim, uma nova fonte de renda? Na era da portivos (53%), itens de jardinagem (51%) e
economia compartilhada, histórias como es- instrumentos musicais (50%). Levando em con-
sas estão se tornando cada vez mais comuns sideração os últimos 12 meses, 24% dos con-
no Brasil. Um levantamento realizado pelo sumidores venderam alguma peça do próprio
Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) guarda-roupa e 22% repassaram seu celular para
e pela Confederação Nacional de Dirigentes terceiros mediante uma venda.
Lojistas (CNDL) em todas as capitais do
País revela que as modalidades de consumo “Os resultados indicam que os brasileiros
colaborativo mais conhecidas e utilizadas pe- começam a despertar interesse pelo consumo
los brasileiros são o aluguel de casas e aparta- colaborativo, mas ainda aderem a ele de manei-
mentos em contato direto com o proprietário ra tímida. Talvez porque a economia compar-
(40%), as caronas para o trabalho ou para a tilhada traduza, essencialmente, um jeito novo
faculdade (39%) e aluguel de roupas (31%). de encarar as coisas, e nem sempre as pessoas
estão abertas a mudanças tão significativas em
Outras formas de economia compartilha- seus hábitos de consumo”, afirma o presidente
da as quais os consumidores já recorreram são da CNDL, Honório Pinheiro.
o aluguel de bicicletas espalhadas pela cida-
de (17%), o aluguel de quartos para terceiros,
como viajantes, por exemplo (16%), a locação
de carros particulares (15%) e o compartilha-
mento de moradias em estilo comunitário, tam-
bém conhecido como cohousing (15%).

De acordo com a pesquisa, 79% dos brasi-
leiros concordam que o consumo colaborativo
torna a vida mais fácil e funcional, e 68% ima-
ginam-se participando de práticas nesse sentido
em, no máximo, daqui a dois anos.

44 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

Quando indagados
sobre as principais
vantagens do consumo
colaborativo, a
economia de dinheiro
aparece em primeiro
lugar: opinião de
47% dos consumidores.”

Quando indagados sobre as principais van- tivo (43%), aluguel de itens esportivos (43%),
tagens do consumo colaborativo, a economia de aluguel de brinquedos (41%) e do aluguel de
dinheiro aparece em primeiro lugar: opinião de eletrônicos que não estão em uso (40%). Já a
47% dos consumidores. Em seguida, aparecem recomendação de amigos ou conhecidos é mais
opções como evitar o desperdício (46%), com- comum para quem usufrui de caronas (47%),
bater o consumo em excesso (45%) e o fato de recorre a aluguel de casas e apartamentos dire-
poder ajudar o próximo (38%). Outros dizem tamente com o proprietário para temporadas
que se trata de promover o incentivo à troca (44%), ou ao aluguel de roupas (44%).
de experiência com outras pessoas (34,0%),
contribuir para a preservação do meio ambien- As práticas de consumo colaborativo que
te (31%), além da oportunidade de conhecer os brasileiros nunca fizeram, mas já ouvi-
gente nova, fazer novas redes de relacionamen- ram falar e se mostram mais propensos a ade-
to (30%) ou de melhorar a qualidade de vida rir, são o aluguel de bicicletas comunitárias,
(29%). Há ainda 28% de entrevistados que geralmente em pontos espalhados pela cidade, e
veem no consumo colaborativo uma oportuni- o compartilhamento do ambiente de trabalho,
dade para ganhar dinheiro. conhecido como co-working – ambos com 36%
de menções. Outras ações que despertam inte-
BUSCA resse dos consumidores são o aluguel de itens es-
portivos (33%), de quartos para terceiros, como
As formas mais mencionadas para conhecer viajantes (32%) e de brinquedos (31%).
as práticas de compartilhamento são os sites –
principalmente no caso do financiamento cole- Já as práticas menos utilizadas e às quais os
entrevistados igualmente estariam menos pro-
pensos a realizar dizem respeito à hospedagem
de animais de estimação em sua própria residên-
cia (41%), o cohousing – quando pessoas alugam
uma casa e dividem as despesas vivendo num es-
tilo comunitário (37%) e o aluguel de utensílios
e móveis da casa (36%).

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 45

Tendência REDAÇÃO

O crescimento do sugerem os resultados da pesquisa. Quase a me-
consumo colaborativo tade (47%) dos entrevistados relatou o medo de
no Brasil, contudo, ainda ser ‘passada para trás’ ao aderir a alguma dessas
enfrenta barreiras pela práticas. Outros 42% disseram ter medo de li-
falta de confiança entre dar diretamente com estranhos e 37% citaram a
as pessoas...” falta de garantias no caso de não cumprimento
de acordos. No geral, 71% dos consumidores
“Na chamada economia compartilhada ou pensam que ações de economia compartilhada
consumo colaborativo, em lugar de ‘ter’, o que podem enfrentar problemas no Brasil pelo fato
importa é poder desfrutar dos benefícios de de as pessoas não serem confiáveis.
produtos e serviços pelo tempo que for neces-
sário – se possível, impactando e mudando para A pesquisa descobriu que o receio de lidar
melhor a vida de todos os envolvidos. Dividir, com estranhos desponta como o maior receio
reciclar ou reutilizar passam a ser alternativas ao dos consumidores, principalmente, no caso do
ato de simplesmente acumular e comprar cada aluguel de quartos para outras pessoas (47%),
vez mais”, explica o educador financeiro do por- compartilhamento do local de moradia – cohou-
tal Meu Bolso Feliz, José Vignoli. Exemplo disso sing (41%), caronas para locais como o trabalho,
é que 71% dos consumidores ouvidos no levan- faculdade ou em viagens (38%), financiamentos
tamento admitem que, em determinados casos, coletivos – crowdfunding (28%) e no compar-
possuir muitas coisas pode mais atrapalhar do tilhamento do espaço e dos itens de escritório
que ajudar no dia a dia. – coworking (28%).

O crescimento do consumo colaborativo no “O consumo colaborativo é uma poderosa
Brasil, contudo, ainda enfrenta barreiras pela força econômica e cultural em curso, capaz de
falta de confiança entre as pessoas, conforme reinventar não apenas o que consumimos, mas
principalmente a forma como consumimos as
coisas. Evidentemente, tanto quem oferece um
serviço quanto quem contrata um serviço assu-
me riscos, mas, com o crescimento dessa práti-
ca, naturalmente, surgem mais mecanismos de
salvaguardas, despertando mais confiança entre
seus usuários”, acrescenta a economista-chefe
do SPC Brasil, Marcela Kawauti.

46 | GEOGRAFIA | Conhecimento Prático

Ponto de Vista RODRIGO BERTÉ*

Massacre de indígenas
no Amazonas

Enquanto em outros países as culturas de populações
isoladas são preservadas, o Brasil carece de referências

Mais um episódio trágico está sendo SHUTTERSTOCK.COM
investigado pelo Ministério Públi-
co Federal do Amazonas. É o caso A Fundação Nacional do Índio (Funai),
de dois supostos massacres de indígenas – um órgão responsável pela proteção dos índios no
ocorrido em maio e outro em agosto – no Vale Brasil, depois de ter ouvido alguns relatos sobre
do Javari, a aproximadamente mil quilômetros o episódio, expediu um comunicado pedindo
da capital Manaus. Os índios fazem parte de aos procuradores do Ministério Público Federal
uma etnia isolada chamada Warikama Djapar e que investiguem e examinem o assunto.
moram nas proximidades dos Rios Jandiatuba e
Jutaí, na fronteira do Brasil com o Peru. COMBATE

Essa ação teria sido promovida por garim- Uma ONG que atua na região chegou a
peiros em busca de lavras de ouro nesses locais. afirmar em nota que ao menos dez pessoas fo-
É sabido que por mais que o solo amazônico seja ram mortas, entre adultos e crianças. Também
pobre para algumas culturas, o subsolo é rico em ainda não há provas materiais dos assassinatos,
minérios, o que atrai os garimpos clandestinos, de acordo com as autoridades, mas, caso sejam
em especial na lavra de ouro. Por outro lado, há confirmadas as mortes, este seria um dos maiores
uma hipótese de que o mandante desse massacre massacres de indígenas que não têm contato com
seja um produtor agrícola da região, mas ainda se o homem branco desde o assassinato de 16 índios
trata de especulação. Na área, que corresponde a ianomâmis em Roraima em 1993.
duas vezes o tamanho do Estado do Rio de Janei-
ro, há indícios de grilagem e invasão de terras. É importante que esse relato seja investigado
pelas autoridades, e que os responsáveis por esse
ANTON_IVANOV / SHUTTERSTOCK.COM possível episódio trágico sejam punidos. Ano a *RODRIGO BERTÉ é diretor
ano, o Brasil perde parte da sua cultura ecoló- da Escola Superior de
gica pela ausência de políticas públicas adequa- Saúde, Biociências, Meio
das aos diferentes grupos étnicos. Enquanto em Ambiente e Humanidades
outros países aspectos etnoecológicos são pre- do Centro Universitário
servados como patrimônio nacional e cultural, Internacional Uninter.
nosso país carece de referências.

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 47

Artigo GILSON ALBERTO NOVAES*

Agressão a
professores

Sou professor há cinquenta anos e já vivi Hoje, professores e funcionários são verda-
muitas experiências em todos os níveis deiros reféns de “gangues” dentro das escolas de
de ensino, exceto na Pré-Escola. Nessa Ensino Fundamental e Médio. Os professores
fase, treinei com os filhos e, hoje, com os ne- estão com medo, e parece que ninguém faz
tos! Uma delícia. nada! Recentemente, assisti a um vídeo em que
uma criança de Pré-Escola, destruía – literal-
Sempre tive o maior respeito pela figura do mente destruía – sua sala de aula, diante da pro-
professor. Lembro-me dos meus primeiros pro- fessora e da coordenadora. Quando alguém quis
fessores e nós, os alunos, tínhamos verdadeira impedir a criança de derrubar tudo, foi alertado
admiração por eles. Eram reverenciados e res- de que não podia tocar nela.
peitados pela função educadora.
Um caso recente que chocou a opinião
Antigamente, nos cursos primários, lembro- pública foi o da professora em Santa Catarina
-me bem, cantávamos o Hino Nacional e outros violenta e brutalmente agredida por um aluno
cânticos cívicos logo cedo, em pé, enfileirados, de 15 anos. A forma com a qual ela foi agredida
antes de entrarmos nas classes. Os professores fi- deformou o seu rosto, mostrado pelos jornais.
cavam na frente das filas e cantavam junto! Não
me venham dizer que isso era coisa dos milita- O fato ganhou o noticiário e as redes sociais.
res, porque, de 1955 até 1958, os militares ainda Parece que ficou nisso.
estavam só na caserna.
As agressões contra professores de que temos
Mais tarde, lecionei numa escola de Ensi- conhecimento são aquelas que a imprensa divul-
no Médio em Piracicaba na qual os professores ga, mas muitas não chegam sequer a ter boletim
eram mais idosos. Eu ainda era muito jovem e de ocorrência lavrado. Por outro lado, nem todas
via o respeito e o carinho dos alunos por todos aquelas levadas à polícia são noticiadas.
nós. Ainda hoje, esses alunos se encontram para
lembrar os bons tempos e a agradável convivên- QUADRO GRAVE
cia com seus professores.
É crescente e assustador o que ocorre dentro
REALIDADE das salas de aula. Os professores não conseguem
um mínimo de respeito, disciplina e atenção dos
O tempo passou, e o respeito pelos professo- alunos. O nível de ensino cai assustadoramente.
res foi embora. Que triste! Hoje, vemos profes- A falta de interesse, a forma como eles se diri-
sores serem agredidos pelos seus alunos dentro gem aos mestres, os atritos entre os próprios
das salas de aula. Há uns anos, isso seria impen- alunos, o desrespeito entre eles, os xingamentos
sável. Algo precisa ser feito pela dignidade da com palavras de baixo calão em plena sala de
classe, mas parece que nossas autoridades educa- aula são coisas que a minha geração de professo-
cionais estão mais preocupadas com a aprovação res não acredita estar ocorrendo.
automática e com os números das estatísticas do
que com a formação de nossos adolescentes. É claro que isso é reflexo de uma sociedade
desestruturada, cujas famílias não impõem limi-

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É crescente e assustador o que ocorre dentro das
salas de aula. Os professores não conseguem
um mínimo de respeito, disciplina e atenção dos
alunos. O nível de ensino cai assustadoramente.”

tes dentro de casa. O garoto que agrediu a pro- ainda vemos escolas de Ensino Fundamental e
fessora havia agredido a própria mãe dentro de Médio em que os docentes “tiram água de pedra”.
casa. É claro que isso é reflexo de uma TV que Conseguem ensinar aqueles que querem aprender.
ensina tudo errado e reflexo também do que
eles veem diariamente nas ruas. A verdade é que Lamentavelmente, no meio de muitos
os pais esperam que os professores eduquem que não querem nada, há aqueles que querem
seus filhos, numa inversão total dos papéis. aprender e cursar uma faculdade. É por esses
que os professores ainda lutam.
Estamos pagando um alto preço por tolerar
a impunidade, dentro e fora escolas. Ao mesmo tempo em que parabenizamos os
professores, damos “nota zero” para os gestores
Alunos desinteressados, malcriados, violen- da Educação que “não prestam atenção” no que
tos... Professores com medo... Nesse cenário, está ocorrendo.

*GILSON ALBERTO NOVAES
é professor de Direito Eleitoral
do Mackenzie e coordenador
Acadêmico do Centro de Ciências
e Tecnologia.

GEOGRAFIA | Conhecimento Prático | 49

Energia EDGAR MELO

Sem luz
Falta de investimento em energia custará
caro ao Brasil nos próximos anos

Espera-se que o anúncio do pacote de pri- demandará cada vez mais energia, o que pode
vatizações feito pelo Governo Federal gerar preocupação para os próximos anos. Além
traga incentivos para o setor elétrico. A disso, se antes as termoelétricas, que aumentam
equipe econômica estima que, nos próximos o preço da energia pelo uso de combustível,
cinco anos, terá rendimento de R$  44  bilhões eram o backup do sistema hidráulico, agora já
com as desestatizações. Boa parte do capital será entram em operação com maior frequência. Isso
para ajustar as contas fiscais, que terão déficit significa que o custo da energia será cada vez
de R$ 159 bilhões em 2017. Uma das questões mais alto”, ressalta Vicente Koki, analista-chefe
que os analistas estão aguardando é se have- da DMI Group.
rá investimento no setor, pois um dos grandes
entraves ao crescimento econômico é a falta de Investimentos no setor foram feitos desde
infraestrutura. “Acreditamos que a privatização o último alerta de racionamento, o que au-
da Eletrobras, apesar de boa para a empresa, não mentou a potência para produção de energia,
será interessante para o setor elétrico. Se, no mo- alcançando mais de 151,5  mil  MW, um cres-
mento, o risco de um racionamento de energia cimento de 4,2% ao ano. Entretanto, sendo a
elétrica está totalmente afastado, pois houve matriz predominante hidráulica, é possível que
ampliação da capacidade de geração de energia o País passe por uma nova crise de energia, caso
elétrica e das linhas de transmissão no País, por não ocorra a quantidade de chuva esperada.
outro lado, a atividade econômica está voltan- “Entendemos que tal crescimento de geração
do a demonstrar sinais de crescimento, e isso foi suficiente até o momento, porque a econo-
mia tem apresentado baixa atividade econômi-

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