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Sopa de
folhas de
nabo
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e Há quem afirme que as folhas de nabo e repolho, em
qualquer de suas formas, são comida apropriada ape-
nas para aqueles de forte compleição (lavradores, car-
regadores de pedras, açougueiros) e que os inválidos,
bibliotecários, pessoas pequenas ou de digestão de-
licada deveriam manter-se afastados deles. Eu, por
outro lado, afirmo que as folhas de nabo e os repo-
lhos tornam forte uma digestão fraca, por causa da
propriedade de suas folhas, as quais já vi reviver uma
vaca moribunda e alegrar uma vaca doente. Aqueles
que crêem na primeira dessas teorias devem provar a
sopa. Deve-se fazer molhos com as folhas de nabo e os
repolhos e amarrá-los com crina de cavalo. Em segui-
da, mergulhe-os em água fervente e sal e deixe-os ali
por uma hora. O líquido obtido pode ser um prato leve
para a Quaresma.
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de Moa amêndoas descascadas e sem pele junto com um
to pouco de flores de sabugueiro e passe tudo pela pe-
neira. Cozinhe lentamente por meia hora, junte peito
de capão cozido com um pouco de mel e moa tudo. Re-
gue a mistura com água de rosas e sirva de imediato.
Este prato é de digestão muito lenta e não aconselhá-
vel para aqueles que têm a Peste e para aqueles que
querem saber por que tem este nome, questão à qual
não posso responder.
Pudim d
Natal
de
(Esta receita foi-me dada pelo meu amigo Atalante Mi-
glioitti, o músico). Remover a pele e as espinhas a sete
peixes brancos grandes, reduzir a carne a uma pasta
que se mistura com o miolo de sete pães não muito
tostados e uma trufa branca ralada. Ligar tudo com as
claras de sete ovos de galinhas e cozer ao vapor, num
saco de pano rijo, durante um dia e uma noite. Na hora
de o comer, tomar cuidado para não haver engasgade-
las com uma qualquer Santa relíquia que tenha sido
escondida no seu interior.
⋅ Se Leonardo da Vinci nunca tivesse inventado a máquina a vapor. Todos os factores necessários estavam
ao seu alcance, incluindo o pistão, mas, por uma razão ou por outra, nunca os pôs a funcionar em conjunto.
Pavão
assado
Cozinhar pavões envolve muito tempo e desaponta-
mento. Para matar um pavão, adopta-se o mesmo
procedimento usado para matar uma cabra – corta-
-se a garganta e leva-se a ponta de uma faca até ao
cérebro para fazer sair o sangue. Pendura-se depois
o animal numa figueira, durante uma noite, para lhe
amaciar as carnes, depois de lhe ter enchido o corpo
vazio com urtigas e atado pesos a ambas as pernas.16
Agora é a vez de cortar a pele à superfície, desde o
pescoço até à cauda e removê-la juntamente com as
penas e as pernas que ainda estão ligadas ao resto
do corpo. Conservá-lo cuidadosamente à parte. Colo-
car no fogão a carcaça do animal, tendo recheado o
interior com sementes de cravo, salpicado a sua su-
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perfície com ervas aromáticas e – aquilo que é mais
importante – envolvido o pescoço e a cabeça em pano
branco, mantido sempre húmido durante o tempo
de cozedura, para que não se deformem com o ca-
lor. Quando a ave estiver cozida – o que irá demorar
duas a três vezes mais do que no caso de um capão,
porque a sua carne é muito mais rija – tira-se do es-
peto, envolvendo-a depois na sua própria pele, que se
conservou. Para fazer com que o pássaro pareça estar
de pé, é conveniente montar pernas de ferro sobre o
tampo da mesa, colocando sobre elas o pavão: o ferro
deve atravessá-lo da cabeça à cauda, permanecendo,
contudo, invisível. Neste comenos, pode-se introduzir
lã e cânfora no bico da ave e pegar-lhe lume. (Gallio
não gosta de o fazer porque tem realmente medo do
fogo). É altura de fingir que se está a trinchar o pavão
para os convidados, mas o que na realidade vós lhes
ireis servir é carne de pavoas, cozinhadas em segredo
e ao mesmo tempo que o macho, cuja carne é, porém,
mais macia e por isso mais aceitável para os nossos
convidados. Não é aconselhável o consumo de pavões
a quem sofra do fígado ou do baço. A carne é pesada e
não muito nutritiva.
16. Esta passagem encontra-se praticamente palavra por palavra na edição original de Valturio, De Re Mangiare, publicada
em 1472 por Johannes Nicolai de Verona (e da qual há uma incompleta na Biblioteca do Vaticano). É omitida na tradução de
Ramusio para a edição milanesa de 1483, pelo que Leonardo da Vinci a deve ter copiado da edição original posteriormente a
1497, quando autodidacticamente se propôs aprender latim - a menos que, é claro, um amigo se tenha prestado a traduzi-la
antes dessa data.
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- Uma para depenar patos
- Uma para cortar um porco em cubos
- Uma para fazer puré
- Uma para triturar um porco
- Uma para extrair os sucos a um carneiro
Como devo, porém, accioná-las? A vento ou a água?
Rodas dentadas e manivelas? Bois ou camponeses?
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OdeCóLdeeoxnaRrodmo
Os apontamentos de cozinha redigidos por Leonardo
da Vinci e compilados de modo a constituírem o Codex
Romanoff estão longe de abordar todos os alimentos e
pratos disponíveis no seu tempo. Tudo leva a crer que
apenas apontava, arbitrariamente, aquilo que despertava
o seu interesse. As “suas” receitas são de outros, não
foram inventadas por ele – excepto no que toca à causa,
totalmente perdida, da Nouvelle Cuisine. A maior criati-
vidade é revelada pelas suas observações sobre cozinhar
e o comer e, sobretudo, pelos projectos de alterações às
cozinhas. A comida em Milão e, na verdade em toda a
Itália, durante os anos em que Leonardo da Vinci registou
estes apontamentos nos seus cadernos (e cuja maioria
se situa entre 1481 e 1500), só pode ser descrita como
absolutamente execrável. Os dias das “línguas de rou-
xinol”, dos “ovos de avestruz mexidos”, dos “porcos re-
cheados com chouriço de sangue e tordos vivos”, os dias
de gula do Império Romano, há muito que pertenciam ao
passado. A alimentação era “gótica” (querendo isto di-
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ainda conhecidos. Os utensílios de cozinha mais vulgares
eram o pilão e o almofariz: praticamente toda a carne,
peixe e criação eram esmagados até atingirem a con-
sistência de uma pasta fina, que depois era passada por
uma peneira e, por fim, misturada com mel e arroz (para
render mais). Os alimentos eram dispostos sobre uma
base de pão ázimo que, no fim, também era comido ou,
como acontecia em algumas das casas mais abastadas,
dado aos cães ou aos pobres. Os pobres só comiam uma
vez, a meio do dia. Os ricos tomavam uma refeição leve
entre as nove e as dez da manhã e deixavam o repasto
principal para o fim da tarde. Entretanto, se quisermos
ver as coisas pelo lado positivo, o esturjão era, nessa
época, o peixe mais vulgar no Mediterrâneo e, assim
sendo, nunca faltava caviar aos pobres.
Considerando as funções desempenhadas por Leonardo
da Vinci quando redigiu estes apontamentos (“Mestre de
Festas e Banquetes” na corte dos Sforza) é perfeitamen-
te compreensível que tenham um tom de superioridade,
que lhe era conferido por uma casa imensamente rica.
Assim, não é de espantar que, sendo caviar um alimento
tão “vulgar”, não apareça mencionado nas suas receitas.
A consideração que Leonardo da Vinci de-
monstra pelo caviar é ainda menor do que
pela polenta.
As principais pessoas que Leonardo da
Vinci refere nos seus apontamentos são:
- O Meu Senhor Ludovico: Ludovico Sforza,
Il Moro, governador de Milão, patrono de
Leonardo da Vinci de 1481 a 1499 e, após a
morte do inepto irmão mais novo, Giancar-
lo, em 1495, tambÈm Duque de Milão.
- A Minha Senhora Beatrice: Beatrice D’Es-
te, que casou com Ludovico Sforza em 1493.
- Salai: Discípulo-criado de Leonardo da
Vinci a partir de 1490 (cujo verdadeiro
nome era Gian Giacomo Caprotti di Oreno).
- Battista: Cozinheira de Leonardo da Vinci.
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