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Published by , 2018-09-23 20:35:12

Não podemos viver sem o ritmo pdf 2

Não podemos viver sem o ritmo pdf 2

Não Podemos
Viver Sem O

Ritmo

Um conto de
Sabrina Vilanova



Capítulo Único

Em uma das ruas mais pacatas da cidade, a garota de cachecol cor-de-rosa tentava
encontrar o irmão mais novo dentre os brinquedos do parque. Sua mãe já havia chamado
seus nomes algumas vezes, era hora de dormir, onde estava ele? Os olhos da menina
brilharam quando captaram o verde do casaco do garotinho, ela caminhou até o
escorregador e, balançando a cabeça negativamente, pegou o garoto dorminhoco no colo
e o levou para casa.

Do outro lado da cidade, sentado sozinho em uma poltrona, estava Frederico
Maverik. O adolescente segurava um copo vermelho de bebida alcoólica, colocado ali por
um de seus amigos malucos, enquanto tentava desviar o olhar das pessoas se atracando
no sofá. Realmente não sabia o que havia passado por sua cabeça quando aceitou ir àquela
festa, não estava com ânimo para aquilo. Mas David, como sempre, tinha conseguido
convencê-lo.

—Você tem que ir —disse David.

—Okay, eu já sei que tenho que ir, mas não discutimos aquela pequena parte do
"eu não quero".

—É porque ela não existe. Você vai e vai com vontade.

—Ah, é mesmo? E se isso não acontecer?

—A Trisha vai tá lá e você quer pegar essa menina desde o dia em que pisou
naquela escola. —Semicerrou os olhos. —É a sua grande chance.

Aquele nome pareceu despertar seu espírito festeiro, soube que a garota tinha
terminado o namoro há pouco tempo, talvez ele pudesse consolá-la. Por que não ir? Era
só uma festa.

—Você é um desgraçado —xingou.

—Eu sei. —Sorriu.

E então, ele aceitou, só para descobrir que a pessoa em questão era a dona da festa
e que ela estava muito bem resolvida com o seu namorado musculoso de três metros de
altura. Suspirou resignado, David era mesmo um idiota. Além de tê-lo enganado, deixou-
o ali sozinho, apenas observando aquelas pessoas esparramadas no sofá. Com uma careta
desgostosa, bebeu todo o líquido existente no copo vermelho, a bebida já estava quente.

Levantou decidido a ir embora, mas toda a sua confiança acabou quando o sorriso
imbecil de Pietro Ferrari foi captado por seus olhos. O desgraçado estava mais lindo que
nunca, parecia a droga de um príncipe em sua coroação. Comparar o Idiota Ferrari com
um príncipe em sua coroação? Por que diabos tinha o comparado com um príncipe? Era
muito patético, com certeza, parecia uma garota aos suspiros esperando um cara em um
cavalo branco para salvá-la (e sim, ele sabia que sua definição dos desejos de uma garota
estava desatualizada, mas ninguém poderia culpá-lo, no momento, Frederico estava sendo
bastante ridículo).

Respirando fundo, tomou coragem e andou até a cozinha. Abriu a porta da geladeira
gigante e pegou uma cerveja. Aquela seria uma longa noite.

Bebeu alguns goles do líquido amarelado, pensando se deveria ou não voltar à sala.
A verdade era que Frederico queria voltar para casa, o ânimo dele para festas vinha caindo
nos últimos tempos, talvez fosse a hora de sossegar —mesmo que ainda fosse um
adolescente cheio hormônios. Observou um pouco o lugar, era bem espaçoso, típico de
uma casa de gente com tanto dinheiro que não sabia mais onde colocar.

A sensação de tédio se alastrou por sua mente e quando fez menção em pegar o
celular no bolso esquerdo para passar o tempo com algum jogo, lembrou que o mesmo
havia sido furtado por David, que também pegou as chaves do carro, assegurando-se de
que ele não iria embora tão cedo. Que não acontecesse nada com suas coisas, senão faria
com que David pagasse por tudo! E Frederico conhecia bem o amigo para saber que ele
preferiria ser espancado mil vezes a pagar por algo tão caro. Entretanto, não era hora para
aquilo, brigaria com seus amigos depois, quando estivessem sóbrios o suficiente para
entenderem, ao menos, uma palavra que saísse da sua boca.

Avistou a porta que dava para os fundos da casa, já havia estado ali algumas
centenas de vezes para saber que aquela área era proibida para as pessoas da festa. Porém
não se considerava um participante daquele circo de horrores, estava mais para um
prisioneiro, já que fora arrastado até ali por seus amigos imbecis. Respirou fundo antes
de seguir até melhor parte da casa, onde existia uma piscina grande e grama, muita grama.

Sentou no chão, bebendo mais um gole da cerveja. O céu estava estrelado naquela
noite, o tempo frio fazia sua pele arrepiar e a música estava mais baixa com a distância
da parte da frente da casa. Um paraíso.

O tempo passava lentamente para o garoto com os olhos vidrados no céu, não via
tantas estrelas desde as férias de verão na fazenda dos avós. Estava muito confortável,
obrigado, apesar do cheiro de cloro advindo da piscina. Então, fechou os olhos, não iria
dormir, só queria aproveitar aquele conforto mais um pouco. Estranhou a luminosidade
em seu rosto e abriu um pouco os olhos para saber o que estava acontecendo. A porta por
onde havia passado estava aberta, o que era bem estranho, já que lembrava que tinha
fechado.

Ouviu passos na grama e, quando girou a cabeça para ver quem era, mãos cobriram
seus olhos.

—Quem é o babaca que tá tirando a minha habilidade de enxergar? —perguntou
em alta voz, ouviu um risadinha rouca próxima ao ouvido. Poderia permanecer naquela
brincadeira boba por bastante tempo, se quisesse. Mas a questão era que ele realmente
não queria, a paciência era pouca e estava louco para esmurrar a cara de qualquer pessoa
que aparecesse em sua frente.

—Bom, alguém muito foda que trouxe mais cerveja que para a moça deitada na
grama, achando que é colchão. —A voz grave chegou aos seus ouvidos, fazendo com que
os pelos da nuca arrepiassem. Merda de voz bonita.

—Será que o imbecil em questão pode tirar as mãos da minha cara?

—Talvez.

—Tira logo, merda. —Irritou-se. —Tá achado que é quem, desgraça?

—Uh, a jovem moça está irritada. —Frederico estapeou o braço do outro,
impaciente. O garoto parecia não perceber que aquela, com certeza, não era uma boa hora
para ele. —Tudo bem, tudo bem.

Ele tirou vagarosamente as mãos dos olhos pretos de Rico, que relaxou o corpo
quando voltou a ver o lugar onde estava. Respirou fundo, por que estava tão estressado
mesmo? O cara não tinha feito nada contra si, estava descontando tudo nele.

—Cadê a minha cerveja? —perguntou, por fim. Pietro franziu o cenho e balançou
a cabeça negativamente, sorrindo. Esse cara muda de humor muito rápido, pensou.

—Na geladeira —respondeu. —Não sou garçom, levanta e pega.

—Cê não disse que tinha trazido uma pra mim?

—Não, eu disse que tinha trazido uma cerveja para a moça, não estou vendo moça
nenhuma aqui —falou num tom desafiador e riu ao ver o rosto de Frederico adquirir uma
expressão irritada. Sim, ele mudava de humor muito rápido. —Ok, a princesa não precisa
ficar irritada, eu trouxe uma pra você.

Frederico continuou com os olhos semicerrados, porém aceitou a cerveja, tirou a
tampa e tomou um longo gole da bebida. —O que cê tá fazendo aqui? Pensei que essa
área era "proibida para as pessoas que estão na festa".

—A porta estava aberta e tinha um ser humano semimorto no gramado, achei que
era um cenário bem interessante. —Coçou a cabeça, logo depois, colocando um dos
cachos do cabelo loiro atrás da orelha. —E a questão é, se é proibido, o que você está
fazendo aqui?

—Ah, a festa tá meio merda, aí, pensei que era melhor ficar aqui do que lá dentro.

—Um bom motivo, certamente. —Frederico riu. —O que?

—Sei lá, é que isso foi meio formal, sabe?

—O "certamente"? —perguntou.

—Exato —falou, levando a garrafa à boca. —Mas por que não tá aproveitando a
festa? Eu tô ligado no lance do semimorto aqui. —Apontou para o próprio rosto. —Mas
não é possível que essa festa esteja tão merda pra você quanto tá pra mim.

—Ah, sei lá. Eu vim com o Thiago, mas ele encontrou com a namorada dele e me
abandonou.

Frederico suspirou, volvendo o olhar para o céu. Um silêncio desconfortável se
instalou e ele não fez questão de quebrá-lo, terminou a bebida e voltou a deitar na grama,

colocando as mãos atrás da cabeça. Estava cansado, queria estar em sua cama assistindo
alguma das suas séries favoritas na Netflix. Maldita hora da vida que ele resolveu ter
amigos idiotas, cerrou os punhos, colocando-o nos bolsos do moletom preto que usava,
estava frio.

—Sabe, todas as estrelas estão mortas. —Começou. —A gente, literalmente, olha
pro passado delas.

—Valeu aí, Google, pela curiosidade —ironizou. —Eu já sabia dessa, agora vai
dizer que Plutão é um planeta-anão ou que o Sol vai sugar a Terra quando eclodir?

—Qual é o seu problema, cara? Eu só estou tentando puxar assunto, não precisa ser
agressivo —resmungou.

—O problema é que eu não quero puxar assunto, ok? Eu só quero curtir a grama e
a droga do céu em paz, pode ser?

—Tudo bem. —Deu de ombros.

Pietro olhou para os lados e levantou, limpou a calça e sentou um pouco mais
próximo ao lugar onde Frederico estava. Deitou-se, colocando a cabeça cheia de fios
claros sobre o braço do garoto de cabelos pretos, sentiu o corpo de Frederico enrijecer
com aquele ato inesperado, acabou sorrindo com a reação, ele era tão previsível.

Frederico engoliu em seco, não sabia como agir, por que ele estava deitado tão
próximo? E por que ele tinha colocado uma mão sobre seu peito? A cabeça do garoto
estava tão nublada com perguntas que se deixou levar pelo cheiro dos cabelos cacheados
de Pietro, colocando o nariz entre os fios. Quando percebeu o que fazia, se afastou
bruscamente, assustando o garoto.

—O que está fazendo? —perguntou, afastando-se. Ele não podia estar ali com
Pietro, nunca. Era praticamente uma afronta a sua dignidade, mas era tão bom, ele já tinha
perdido as contas de quantas vezes se imaginou em um momento como aquele. Estava
sendo patético, de novo.

—Neste momento? Curtindo a grama e a droga do céu. Em paz —repetiu,
debochado. —Não era isso que você queria?

—Não exatamente. Eu quis dizer "sozinho", não com você deitado em mim. –
Prendeu a respiração ao falar a última frase, estava com vergonha. Merda, ele estava
mesmo com vergonha. A risadinha de Pietro serviu como um gatilho; logo, seu rosto
estava tão vermelho quanto um pimentão maduro. Merda, merda, merda.

—Eu não estava deitado em você, só estava procurando ficar mais confortável.
Além do mais, lavei meu cabelo hoje, como você acabou de comprovar com seu nariz
intrometido, e não queria sujar —falou em um tom inocente, fazendo um biquinho
ofendido.

—Então, se afasta, não sou travesseiro. —Ignorou a parte do "como acabou de
comprovar". Ele tinha percebido? Frederico estava tão envergonhado que queria enfiar a

cabeça na areia. Não conseguia parar de falar besteira? Virou o corpo de costas para
Pietro.

O som da notificação fez com que ele soltasse o ar, aquilo tiraria a atenção dele.
Mandou-lhe um olhar de canto, observando o outro mexer no celular e responder à
mensagem que haviam lhe mandado.

—Bom, parece que Thiago foi embora. —Riu. —Bastardo, me abandonando de
novo.

Frederico não respondeu, não era como se ele quisesse falar, mal conseguia olhar
para o rosto de Pietro. Suspirou, cansado, talvez devesse ir embora sem os outros. Aquela
noite estava durando tempo demais. Levantou vagarosamente, olhou nos olhos do outro,
dizendo um "até mais" e começando a andar para a cozinha.

—Rico. –Escutou. —Espera!

—Que foi?

—Eu também estava de saída, vou dar uma volta por aí e...—falou, embolado.

—E? —perguntou, com curiosidade demais na voz.

—Eu queria perguntar se... —Ponderou por alguns segundos, pensando se aquela
seria a melhor decisão. —Você quer ir comigo? —completou, com entusiasmo.

—Posso saber o porquê do convite repentino?

—Sei lá, eu só quis chamar. Se você não quiser, tudo bem. —Deu de ombros.

—Não, eu quero! —Odiou-se por sua voz ter saído tão desesperada, ele não queria
ir tanto assim. —Quer dizer, por que não?

Pietro sorriu largamente, Frederico mal sabia que aquele seria o motivo dos seus
suspiros em muitas noites solitárias.

[...]

O Mustang azul percorria as estradas vazias da grande cidade. A música que Pietro
havia escolhido era muito boa, apesar de estranha, era uma música sobre liberdade e
música. O garoto de tez negra ao seu lado cantarolava num tom bastante afinado. Além
de ser bonito, o desgraçado é afinado também? pensou.

—Make the bomb, bomb beat. I'll give you melody —cantou. —Make the song so
sweet, you gon' come home with me, oh.

Frederico não conseguia tirar os olhos de Pietro, era engraçado, há poucos minutos
estava insultando-o, porém, naquele momento, não conseguia parar de olhá-lo. O carro
estacionou e Frederico observou a fachada do estabelecimento.

—Gosta de café? —Ouviu.

—Aram.

—Okay, vou mudar a pergunta. Quer tomar café?

—Bom, você não me deu muita opção, né? —Apontou para o lugar a frente deles.
—Você paga.

—Isso é extorsão —acusou, com uma careta falsamente ofendida.

—Não, você me trouxe aqui e, como você é um cavalheiro, vai me pagar um
macchiato maravilhoso para a minha pessoa.

—Tudo bem, eu pago, só porque eu sou um cavalheiro. —Piscou.

Não demoraram muito no café, logo Frederico estava sentado no banco de couro
novamente, sentindo o vento entrar pela janela e bater em seu rosto. Estavam fora da
cidade, em uma estrada conhecida que levava à zona rural do município. Não sabia
exatamente o que estava fazendo ali, mas Pietro havia prometido que iriam para um lugar
legal, só lhe restou acreditar.

Quinze minutos depois, entraram em uma estrada de terra. Tinha começado a
considerar que aquele poderia ser o cenário da sua morte, talvez Pietro tivesse um pé de
cabra no porta-malas e desse uma coronhada em sua cabeça. Era muito jovem para
morrer, principalmente, pelas mão do garoto do qual estava a fim. Seria um final trágico.

—Que está caducando aí? —perguntou, tirando o adolescente de seus pensamentos.

—Nada —respondeu de imediato.

—Certo, não vou julgar os seus nadas —caçoou, abrindo a porta. —Você não vai
descer?

—Onde estamos?

—Num lugar bem legal, você vai ver.

Assim que os olhos de Frederico focaram na área onde estavam, eles brilharam.
Era perfeito, havia um lago de águas cristalinas ali, refletia a luz do luar. Simplesmente
perfeito para o que mais gostava de fazer, observar o céu. Se as estrelas estavam mortas,
ele não se importava, nunca se importaria em olhar para o passado delas, era esse passado
que o fazia suspirar e se, num futuro distante, elas parassem de brilhar, estariam dando
espaço para que mais estrelas aparecerem em seu céu repleto de pontos brancos. Piscou
algumas vezes, faltava música, música para o seu coração bater rapidamente, feliz.
Escutou Moonlight Sonata tocar, Pietro parecia ter ouvido seus pensamentos.

—Agora sim, tudo está completo. É bonito, não é?

—É muito bonito —respondeu, maravilhado.

—Vem. —Ele segurou sua mão, puxando-o até a beira do lago. —Pode ficar
tranquilo, não tem animais perigosos aqui.

—Eu não tava pensando nisso, mas comecei a pensar agora que você falou –
confessou, olhando para os lados, antes de sentar na grama.

—Você quer uma cerveja?

—Mais cerveja? Não combina com o momento ou o lugar. A gente já bebeu demais
por hoje. —Sorriu, tornando a olhar para o céu. —Esse lugar merece um café.

—Sério? Acho que acabamos de sair de um lugar que vende café. —Revirou os
olhos. —Por que não falou antes?

—Cê tá mesmo perguntando isso? —Talvez Pietro houvesse esquecido que ele não
sabia para onde iriam. —Deixa pra lá. Que lugar é esse?

—Faz parte da propriedade do meu tio —explicou Pietro. —Eu gosto de vir aqui
de vez em quando, é muito bom pra fugir do resto do mundo.

—Parece ser um bom lugar para isso —murmurou. —Será que eu seria preso por
invasão de propriedade se eu viesse aqui algumas vezes?

—Acho que não, meu tio é bem de boa com esse tipo de coisa e não existem muitas
pessoas que conhecem esse lugar —esclareceu. —Ele só não se responsabiliza se você
morrer e, ah, você não pode dormir aqui, acampar, acender fogueiras ou trazer pessoas
pra cá. Tudo bem?

—Informação demais —falou, soltando a respiração. —Espera, alguém já dormiu
aqui? Não, alguém já morreu aqui?

—Sim e não. Ninguém morreu aqui, não depois que meu tio comprou a
propriedade, pelo menos —Levou a mão no queixo, pensativo. —E, bem, ele já me
encontrou dormindo aqui, me deu uma bronca gigantesca, então, não repita o erro. —Riu,
coçando a cabeça.

—Então, está tudo bem mesmo eu vir aqui? —Pietro assentiu, com um sorriso sem
dentes.

O garoto de tez negra sentou ao seu lado, pegou uma pedra e jogou no lago. Esse
ato repetiu-se algumas vezes antes de desatarem a falar sobre mil assuntos diferentes.
Sobre música, jogos, animes, sobre ódio. Conversaram sobre o que havia acontecido na
boate LGBT em Orlando. E conversaram sobre a esperança de que dias melhores
chegariam, todos tinham um coração, tinham uma alma e, mesmo que o mundo gritasse
"não" com toda a força, eles acreditavam. Acreditavam que um dia tudo aquilo seria
apenas um passado vergonhoso.

A playlist em que Pietro tinha colocado era composta por músicas instrumentais
em diferentes tons. Frederico percebeu que havia uma separação gritante entre elas,
enquanto as primeiras músicas eram mais pesadas, como se o alguém da música

carregasse uma mágoa tão grande que não caberia em seu coração, a segunda parte era
mais alegre, como uma separação. Então, a playlist voltava para um ritmo mais triste,
mesmo que as músicas fossem mais leves, era como se o personagem estivesse perdido,
tentando se encontrar. E o último conjunto de músicas era mais feliz, como
se ele houvesse se encontrado.

Uma música em especial chamou a sua atenção, uma sensação de inquietação subiu
por sua coluna, chegando a nuca. Ele conhecia bem aquela música.

—Lembra dela? —perguntou Pietro.

—Já ouvi em algum lugar.

—Talvez no palco, enquanto você dançava com uma garota —falou em um tom
divertido. –Aliás, gostei muito da dança.

—Como você...? —Começou a perguntar, porém foi cortado pela risada alta do
outro garoto. Ele tinha visto?

—Ah, eu estava lá. Na primeira fila e tudo mais. Achei a coreografia bem bonita,
acho que vocês que tinham que ter vencido —falou ao aproximar-se um pouco mais de
onde Frederico estava. —Mas Swan Lake venceu.

—Pela terceira vez seguida. —Revirou os olhos.

—Você estava muito bonito lá em cima. Quer dizer, a garota estava maravilhosa,
mas você... brilhava.

O garoto de cabelos negros sorriu minimamente, estava com vergonha. Pôs o braço
sobre o rosto, tentando esconder a vermelhidão que cobriu sua face, contudo, Pietro pegou
a sua mão, fazendo-o olhar em seus olhos. —Obrigado, falou.

—Rico, eu acho que eu quero te beijar —sussurrou, Frederico estremeceu,
levantou-se com rapidez e deu passos longos até onde o carro estava. Idiota, quem ele
pensava que era para dizer algo assim?

—Qual é, cara? Para de fugir de mim —gritou. —Frederico, droga.

—Eu não estou fugindo. Só quero ir pra casa, pode ser?

—Por quê? O clima estava tão bom —falou, abraçando-o. —Merda, merda, merda.
Eu passo um tempão pensando em como deveria dar uma iniciativa e você me dá um fora.
Ótimo!

Rico calou-se. Não tinha o que falar, o cara de quem estava a fim gostava dele
também e ele estava fugindo. O que tinha na cabeça? Soltou-se do abraço e volveu o
corpo, ficando cara a cara com o adolescente loiro. Tocou seu rosto e, lentamente,
encostou seus lábios contra os de Pietro, beijando-o.

O garoto de pele negra voltou a abraçá-lo. Estava feliz, muito feliz. Sorriu quando
o beijo acabou e percebeu que os olhos do garoto estavam vidrados em seu rosto. Beijou
sua bochecha.

—O que foi? —perguntou.

—Você tem sardas —respondeu, tocando a face do outro.

—Pois é.

—Pois é. —Sorriu. —E agora?

—Bom, agora, eu vou continuar te beijando até você cansar, o que eu duvido que
vá acontecer, mas... —Antes que completasse, Frederico voltou a beijá-lo, talvez pudesse
se acostumar a fazer aquilo com ele.

[...]

Pietro não parava de olhá-lo de canto, o que não deveria ser um incômodo tão
grande, aprendera a não sentir vergonha dos olhares sobre si no primeiro espetáculo de
balé que participou, mas com ele ali, observando-o, não podia negar que o ar havia saído
de seus pulmões. Os dedos foram levados aos cabelos do outro, eram tão bonitos. Quase
não reparou o sorriso nos lábios do garoto ao seu lado, Pietro tirou a atenção da estrada
por alguns milésimos de segundo, selando seus lábios rapidamente.

—Maluco —vociferou Frederico.

—A vida não é nada sem adrenalina.

—Você podia matar a gente, desgraçado.

—E, mesmo assim, estamos aqui, vivinhos da Silva.

Mexeu no rádio, colocando a mesma música de antes, cantarolou junto. Nesse meio
tempo, conversaram mais um pouco. Falaram sobre super-heróis e sobre quais
superpoderes eles queriam ter. Os dois concordaram que a melhor opção seria voar, aquilo
representava a liberdade para eles, sem amarras, livres como um pássaro.

Os minutos se passaram e Frederico percebeu que havia uma caixa de cerveja no
banco traseiro do carro. —Por que cê tem essa quantidade de cerveja aqui?

—Ah, era pra ter deixado na casa da Trisha, mas não deu —disse, sorrindo. —Que
noite!

—Que noite —repetiu.

—Descobrimos que você é um super-herói, tem um S no peito e voa por aí com a
Marilyn Monroe nos braços.

—Que, no caso, é você —brincou

—Cala a boca —disse, antes de voltar ao raciocínio. —Eu tenho a luz, que é o farol
do carro e a garrafa de bebida.

— E há quem diga que não existe esperança para esse mundo. Mas, olha só, aqui
temos o Superman e o Homem-Cerveja.

Pietro revirou os olhos, enquanto estacionava em frente à casa do garoto ao seu
lado.

—Nos vemos amanhã?

—Com certeza. —Riu.

—O que é engraçado? —Arqueou as sobrancelhas, confuso.

—Sabe o que eu percebi? Você é um Maverick e tá dentro de um Mustang.

—Ah, vai à merda —falou, abrindo a porta. —Você quer falar de quem,
hein, Ferrari?

Gargalhou.

—Espera. —E puxou-o para mais um beijo, este que não demorou muito, pois as
luzes da casa foram ligadas e o nome de Frederico foi chamado. O garoto saiu o carro,
mandando o dedo do meio para o outro.

Pietro sorriu, lembrando do que ele dissera entre beijos, quando estavam
encostados no carro. Você brilha. E realmente brilhava, como as estrelas de quem tanto
gostava.

We can't live on without the rhythm.

We can't live on without the rhythm.


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