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Microbiologia Medica e Imunologia 10a Edição_booksmedicos.org

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Published by Marvin's Underground Latino USA, 2018-08-10 11:55:52

Microbiologia Medica e Imunologia 10a Edição_booksmedicos.org

Microbiologia Medica e Imunologia 10a Edição_booksmedicos.org

54 Warren Levinson

(5) Múltiplas toxinas são produzidas por Clostridium tos contaminados e causa intoxicação alimentar, geralmente
perfringens e outras espécies de clostrídios que causam gan- em um período de 1-6 horas após a ingestão. Os principais
grena gasosa. Foram caracterizados um total de 7 fatores le- sintomas são vômito e diarreia aquosa. Acredita-se que o vô-
tais e 5 enzimas, embora nenhuma espécie de Clostridium mito proeminente observado na intoxicação alimentar seja
sintetize todos os 12 produtos. O produto mais bem carac- causado pelas citocinas liberadas por células linfoides, que
terizado corresponde à toxina alfa, a qual é uma lecitinase estimulam o sistema nervoso entérico, o qual ativa o centro
que hidrolisa a lecitina da membrana celular, resultando na de vômito no cérebro.
destruição da membrana e na morte celular disseminada. As
outras quatro enzimas são a colagenase, protease, hialuro- (9) A esfoliatina é uma protease produzida por S. au-
nidase e desoxirribonuclease (DNase). As sete toxinas letais reus que causa a síndrome da pele escaldada. A esfoliatina
constituem um grupo heterogêneo com atividade hemolítica cliva a desmogleína, proteína presente nos desmossomos da
e necrotizante. Certas linhagens de C. perfringens produzem pele, resultando no desprendimento das camadas superfi-
uma enterotoxina que causa diarreia aquosa. Essa enteroto- ciais da pele. A esfoliatina é também denominada toxina
xina atua como um superantígeno similar à enterotoxina de epidermolítica.
S. aureus (ver a seguir).
(10) A toxina eritrogênica, produzida por S. pyogenes,
(6) Três exotoxinas são produzidas por Bacillus anthra- causa a erupção característica da escarlatina. Seu mecanismo
cis, o agente do antraz: fator de edema, fator letal e antíge- de ação é similar àquele da TSST; isto é, atua como um supe-
no protetor. As três exotoxinas associam-se entre si, porém rantígeno (ver anteriormente). O DNA que codifica a toxina
cada componente possui uma função distinta. O fator de localiza-se em um bacteriófago temperado. As bactérias não
edema é uma adenilato ciclase que aumenta a concentração lisogênicas não causam a escarlatina, embora possam provo-
de AMP cíclico no interior da célula, resultando na perda de car faringite.
íons cloreto e água, com a consequente formação de edema
no tecido (Tabela 7-12). O fator letal é uma protease que cli- B. Bactérias gram-negativas
va uma fosfoquinase necessária à via de transdução de sinal
que controla o crescimento celular. A perda da fosfoquina- As exotoxinas produzidas por bactérias gram-negativas tam-
se resulta na ausência de crescimento celular e consequente bém apresentam diferentes mecanismos de ação e produzem
morte da célula. O antígeno protetor liga-se a um receptor diferentes efeitos clínicos. Duas exotoxinas muito importan-
da superfície celular e forma poros na membrana da célula tes são as enterotoxinas de E. coli e V. cholerae (toxina coléri-
humana, permitindo que o fator edema e o fator letal pene- ca), que induzem um aumento na quantidade de AMP cícli-
trem na célula. A denominação antígeno protetor baseia-se co no interior do enterócito, resultando em diarreia aquosa
no achado de que o anticorpo contra essa proteína protege (Tabela 7-12). Os mecanismos de ação e os efeitos clínicos
contra a doença. O anticorpo bloqueia a ligação do antígeno das exotoxinas produzidas por bactérias gram-negativas são
protetor, impedindo, assim, a entrada do fator de edema e descritos a seguir.
do fator letal na célula.
(1) A enterotoxina termolábil produzida por E. coli
(7) A TSST é um superantígeno produzido princi- causa diarreia aquosa, não sanguinolenta, pela estimula-
palmente por determinadas linhagens de S. aureus, como ção da atividade da adenilato ciclase nas células do intes-
também por certas linhagens de S. pyogenes. A TSST liga-se tino delgado (Figura 7-3). O aumento resultante da con-
diretamente às proteínas do complexo principal de histo- centração de AMP cíclico causa a excreção de íons cloreto,
compatibilidade (MHC; do inglês, major histocompatilibity inibição da absorção de íons sódio e perda significativa de
complex) de classe II da superfície de células apresentadoras fluidos e eletrólitos para o lúmen do intestino. A toxina
de antígenos (macrófagos) sem o processamento intracelu- termolábil, inativada a 65ºC por 30 minutos, é composta
lar. Esse complexo interage com a cadeia β do receptor de por duas subunidades, uma subunidade B que se liga a um
células T de várias células T auxiliares (ver a discussão sobre receptor glangliosídico da membrana celular, e uma subu-
superantígenos no Capítulo 58). Isso causa a liberação de nidade A que penetra na célula e medeia a transferência de
grandes quantidades de interleucinas, especialmente inter- ADP-ribose a partir de NAD para uma proteína de ligação
leucina-1 e interleucina-2. Essas citocinas são responsáveis estimulatória (proteína Gs). Isso mantém a proteína Gs na
por vários dos sinais e sintomas do choque tóxico. A TSST posição “ativa”, estimulando continuamente a síntese de
é também um “mitógeno” de células T, isto é, induz a mul- AMP cíclico pela adenilato ciclase. Isso ativa a proteína qui-
tiplicação de células T, contribuindo para a superprodução nase AMP cíclico-dependente, uma enzima que fosforila os
de citocinas. transportadores de íons da membrana celular, resultando na
perda de água e íons pela célula. Os genes da toxina termo-
(8) A enterotoxina estafilocóccica também corresponde lábil e da toxina termoestável (ver a seguir) são carreados
a um superantígeno, contudo, pelo fato de ser ingerida, atua por plasmídeos.
localmente nas células linfoides que revestem o intestino del-
gado. A enterotoxina é produzida por S. aureus em alimen- Além da toxina lábil, há uma toxina termoestável, que
consiste em um polipeptídeo que não é inativado pela fervu-
ra por 30 minutos. A toxina termoestável afeta a guanosina

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Microbiologia Médica e Imunologia 55

ENTERÓCITO

ADP-R

cAMP Proteína Água e
quinase eletrólitos
Subunidade ativa
Toxina Subunidade de ligação
colérica

Proteína Adenilato Água, cloreto,
Gs ciclase bicarbonato
LÚMEN INTESTINAL

Diarreia

Figura 7-3 Mecanismo de ação das enterotoxinas de Escherichia coli e Vibrio cholerae. A enterotoxina, por exemplo, toxina colérica,
liga-se à superfície do enterócito por meio de sua subunidade de ligação. A subunidade ativa é uma enzima que catalisa a adição de
ADP-ribose (ADP-R) à proteína regulatória Gs. Isso estimula a adenilato ciclase a superproduzir adenosina monofosfato cíclico (AMP).
Como consequência, a atividade da proteína quinase AMP-dependente aumenta e a água e os eletrólitos deixam o enterócito, causan-
do diarreia aquosa.

monofosfato cíclico (GMP) ao invés do AMP cíclico. Esti- ferência de ADP-ribose, a partir de NAD, para uma pro-
mula a guanilato ciclase, aumentando, assim, a concentração teína G inibitória. A inativação desse regulador inibitório
de GMP cíclico, o que inibe a reabsorção de íons de sódio e apresenta dois efeitos: o primeiro consiste na estimulação da
causa diarreia. atividade da adenilato ciclase e no consequente aumento na
quantidade de AMP cíclico no interior das células afetadas
(2) A verotoxina é uma exotoxina produzida por li- (Tabela 7-12). Isso resulta em edema e outras alterações no
nhagens de E. coli do sorotipo O157:H7. Essas linhagens trato respiratório, levando à tosse da coqueluche. O segundo
entero-hemorrágicas provocam diarreia sanguinolenta e efeito consiste na inibição da via de transdução de sinal uti-
são a causa de surtos associados à ingestão de carne mal cozi- lizada por receptores de quimiocina, o que acarreta a carac-
da, especialmente hambúrgueres em lanchonetes. A toxina é terística linfocitose observada em pacientes acometidos por
assim denominada devido a seu efeito citotóxico em células coqueluche. A toxina inibe a transdução de sinal por todos
Vero (macaco) em cultura. A toxina inativa a síntese proteica os receptores de quimiocina, resultando em uma incapacida-
ao remover a adenina de um sítio específico do rRNA 28S de dos linfócitos migrarem e penetrarem no tecido linfoide
da subunidade maior do ribossomo humano. A enterotoxina (baço, linfonodos). Uma vez que os linfócitos não penetram
produzida por Shigella (toxina Shiga) e a toxina ricina, pro- no tecido, há um aumento em seu número no sangue (ver a
duzida pela planta Ricinus, exibem o mesmo mecanismo de discussão sobre quimiocinas no Capítulo 58).
ação que a verotoxina. (A ricina acoplada a anticorpos mo-
noclonais dirigidos contra antígenos tumorais humanos foi Endotoxinas
utilizada experimentalmente para matar células cancerosas
humanas.) Outra denominação para a verotoxina é toxina As endotoxinas são componentes integrais das paredes celu-
do tipo Shiga. A verotoxina é codificada por um bacteriófa- lares de bacilos e cocos gram-negativos, contrariamente às
go temperado (lisogênico). exotoxinas, que são liberadas ativamente pela célula (Tabela
7-9). Além disso, várias outras características diferenciam
Quando a verotoxina (toxina do tipo Shiga) atinge a cor- essas substâncias. As endotoxinas correspondem a LPS,
rente sanguínea, pode causar a síndrome hemolítica-urê- enquanto as exotoxinas são polipeptídeos; as enzimas que
mica (SHU). A verotoxina liga-se a receptores situados nos produzem LPS são codificadas por genes do cromossomo
rins e no endotélio de pequenos vasos sanguíneos. A inibição bacteriano, e não por plasmídeos ou DNA de bacteriófago,
da síntese proteica resulta na morte daquelas células, levando que habitualmente codificam as exotoxinas. A toxicidade
à falência renal e anemia hemolítica microangiopática. Cer- das endotoxinas é baixa quando comparada àquela das exo-
tos antibióticos, como a ciprofloxacina, podem aumentar a toxinas. Todas as endotoxinas produzem os mesmos efeitos
quantidade de verotoxina produzida por E. coli O157, pre- gerais de febre e choque, embora as endotoxinas de alguns
dispondo à SHU. organismos sejam mais eficazes que aquelas de outros (Figu-
ra 7-4). As endotoxinas são fracamente antigênicas; induzem
(3) As enterotoxinas produzidas por V. cholerae, o agente a formação de anticorpos de maneira tão pouco intensa que
da cólera (ver Capítulo 18), e Bacillus cereus, uma causa de múltiplos episódios de toxicidade podem ocorrer. Nenhum
diarreia, atuam de maneira similar àquela da toxina termolá- toxoide foi produzido a partir de endotoxinas, e as endoto-
bil de E. coli (Figura 7-3). xinas não são utilizadas como antígenos em qualquer vacina
disponível.
(4) A toxina pertussis, produzida por B. pertussis, o
agente da coqueluche, é uma exotoxina que catalisa a trans-

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56 Warren Levinson

Endotoxina
(especialmente lipídeo A)

Ativa Ativa o Ativa o
macrófagos complemento fator de Hageman

IL-1 TNF Óxido nítrico C3a C5a Cascata de
Febre Hipotensão coagulação
Febre e Edema por Quimiotaxia
hipotensão hipotensão de neutrófilos CID

Figura 7-4 Mecanismo de ação da endotoxina. A endotoxina é a causa mais importante de choque séptico, que se caracteriza princi-
palmente por febre, hipotensão e coagulação intravascular disseminada (CID). A endotoxina provoca estes efeitos ao ativar três processos
críticos: (1) ativação de macrófagos, que passam a produzir interleucina-1 (IL-1), fator de necrose tumoral (TNF) e óxido nítrico; (2) ativação
do complemento, com produção de C3a e C5a; e (3) ativação do fator de Hageman, um componente precoce da cascata de coagulação.

Os achados de febre e hipotensão são características espécie. É um importante antígeno em alguns bacilos gram-
marcantes do choque séptico. O choque séptico correspon- -negativos (antígeno “O” ou somático), sendo composta por
de a uma das principais causas de óbito em unidades de te- 3, 4, ou 5 açúcares repetidos por até 25 vezes. Devido ao gran-
rapia intensiva e exibe uma taxa de mortalidade estimada em de número de permutações possíveis nesse arranjo, existem
30-50%. As endotoxinas de bactérias gram-negativas são as muitos tipos antigênicos. Por exemplo, no caso de Salmonella,
causas mais bem estabelecidas do choque séptico, entretanto mais de 1.500 tipos antigênicos foram identificados.
moléculas de superfície de bactérias gram-positivas (que não
possuem endotoxinas) também podem causar choque sépti- Os efeitos biológicos da endotoxina (Tabela 7-14) in-
co (ver a seguir). cluem

Duas características do choque séptico interessantes: (1) Febre devido à liberação de pirogênio endógeno (in-
terleucina-1) pelos macrófagos, que atua no centro hipotalâ-
(1) Choque séptico é diferente de choque tóxico. No mico de regulação da temperatura;
choque séptico, as bactérias encontram-se na corrente san-
guínea, enquanto no choque tóxico é a toxina que se en- (2) Hipotensão, choque e prejuízo na perfusão de ór-
contra circulando no sangue. A importância clínica desta gãos essenciais, decorrente de vasodilatação induzida pela
observação reside no fato de, no choque séptico, as culturas bradicinina, permeabilidade vascular aumentada, e menor
de sangue geralmente serem positivas, enquanto no choque resistência periférica (o óxido nítrico, um potente vaso dila-
tóxico em geral são negativas. tador, também causa hipotensão);

(2) O choque séptico pode causar a morte de um pa- (3) CID decorrente da ativação do sistema de coagula-
ciente mesmo que os antibióticos tenham matado as bac- ção através do fator de Hageman (fator XII), resultando em
térias presentes no sangue do paciente, isto é, as culturas de trombose, erupção petequial ou purpúrica e isquemia tissu-
sangue tornaram-se negativas. Isso ocorre porque o choque lar, levando à falência de órgãos vitais;
séptico é mediado por citocinas, tais como TNF e interleu-
cina-1 (ver a seguir), que continuam a agir mesmo sem a (4) Ativação da via alternativa da cascata do comple-
presença das bactérias que as induziram. mento, resultando em inflamação e dano tissular;

A estrutura do LPS é apresentada na Figura 2-6. A por- (5) Ativação de macrófagos, aumentando sua capacida-
ção tóxica da molécula corresponde ao lipídeo A, que contém de fagocitária, e ativação de vários clones de linfócitos B,
vários ácidos graxos. O ácido β-hidroximirístico é sempre um aumentando a produção de anticorpos. (A endotoxina é um
dos ácidos graxos, sendo observado apenas no lipídeo A. Os ativador policlonal de células B, mas não de células T.)
demais ácidos graxos diferem de acordo com a espécie. O cer-
ne polissacarídico na porção central da molécula projeta-se O dano ao endotélio vascular desempenha um im-
a partir da superfície das bactérias e, entre membros de um portante papel na hipotensão e CID observadas no choque
gênero, exibe a mesma composição química. A unidade re- séptico. O dano ao endotélio permite o extravasamento de
petida de açúcares presente no exterior difere em cada espécie plasma e hemácias para os tecidos, resultando na perda de
e, frequentemente, difere entre as linhagens de uma mesma volume sanguíneo e consequente hipotensão. O dano endo-
telial também atua como um sítio de agregação e ativação de
plaquetas, originando os milhares de coágulos intravascula-
res manifestados na forma de CID.

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Microbiologia Médica e Imunologia 57

Tabela 7-14 Efeitos da endotoxina Tabela 7-15 Efeitos benéficos e nocivos de TNF

Achados clínicos1 Mediador ou mecanismo Efeitos benéficos de pequenas quantidades de TNF

Febre Interleucina-1 Inflamação, p. ex., vasodilatação, permeabilidade vascular aumen-
tada
Hipotensão (choque) Bradicinina e óxido nítrico
Adesão de neutrófilos ao endotélio
Inflamação Via alternativa do complemento (C3a, C5a)
Coagulação (CID)2 Ativação do fator de Hageman Maior atividade microbicida de neutrófilos

1O fator de necrose tumoral desencadeia muitas destas reações. Ativação e adesão de plaquetas
2CID, coagulação intravascular disseminada.
Maior expressão de proteína MHC de classes I e II
As evidências indicando que a endotoxina é responsável
estes efeitos decorrem dos dois seguintes achados: (1) O LPS Efeitos nocivos de grandes quantidades de TNF
purificado, desprovido de organismos, reproduz os efeitos;
e (2) o antissoro contra a endotoxina pode minimizar ou Choque séptico, p. ex., hipotensão e febre alta
bloquear esses efeitos.
Coagulação intravascular disseminada
Clinicamente, a presença de CID no paciente pode ser
avaliada pelo teste laboratorial de D-dímero. Os D-dímeros Sintomas inflamatórios de algumas doenças autoimunes
são produtos de clivagem da fibrina (produtos da quebra da
fibrina) detectados no sangue de pacientes exibindo CID. TNF = fator de necrose tumoral; MHC = complexo principal de histocompati-
bilidade.
As endotoxinas não causam esses efeitos diretamente.
Ao invés disso, promovem a produção de citocinas, como As endotoxinas podem causar uma resposta pirogêni-
a interleucina-1 e TNF, pelos macrófagos.2 TNF é o me- ca no paciente, quando presentes em fluidos intravenosos.
diador central, uma vez que TNF recombinante purifica- No passado, os fluidos intravenosos eram esterilizados por
do reproduz os efeitos da endotoxina, e anticorpos contra autoclavagem, promovendo a morte de quaisquer organis-
TNF bloqueiam os efeitos da endotoxina. A endotoxina mos presentes, porém tal processo resultava na liberação
também induz o fator inibitório da migração de macró- de endotoxinas não inativadas pelo calor. Por esse motivo,
fagos, que também desempenha um papel na indução do atualmente esses fluidos são esterilizados por filtração, que
choque séptico. remove fisicamente os organismos sem liberar sua endoto-
xina. A contaminação de fluidos intravenosos por endotoxi-
Observe que TNF em pequenas quantidades apresenta nas é detectada por um teste baseado na observação de que
efeitos benéficos, causando, por exemplo, uma resposta in- quantidades da ordem de nanogramas de endotoxina podem
flamatória diante da presença de um micróbio. Contudo, coagular extratos obtidos do caranguejo-ferradura, Limulus.
em grandes quantidades, TNF exerce efeitos prejudiciais,
causando, por exemplo, choque séptico e CID. É interes- Efeitos fisiopatológicos similares aos da endotoxina podem
sante que a ativação de plaquetas, a qual resulta na for- ocorrer também em infecções bacteriêmicas por gram-positi-
mação de coágulos e contenção de infecções, consiste no vos (p. ex., infecções por S. aureus e S. pyogenes). Uma vez que
mesmo processo que, quando amplificado, causa CID e a endotoxina está ausente nesses organismos, um componente
necrose de tumores. A capacidade de TNF ativar as pla- distinto da parede celular, ou seja, o ácido lipoteicoico, provo-
quetas é responsável pela coagulação intravascular e con- ca a liberação de TNF e interleucina-1 pelos macrófagos.
sequente infarto e morte do tecido tumoral. Os sintomas
de determinadas doenças autoimunes, como artrite reu- O choque séptico mediado por endotoxinas é a prin-
matoide, são também mediados por TNF; todavia, esses cipal causa de óbito, especialmente em hospitais. Tentati-
sintomas não são induzidos pela endotoxina, mas sim por vas de tratar o choque séptico utilizando anticorpos contra
outros mecanismos, descritos no Capítulo 66. Alguns dos o lipídeo A e TNF não foram bem-sucedidas, porém, em
importantes efeitos benéficos e nocivos de TNF estão lista- um estudo relatado em 2001, o tratamento com proteína C
dos na Tabela 7-15. (drotrecogin-alfa, Zovant) reduziu a taxa de mortalidade de
pacientes com choque séptico severo. A proteína C é uma
2 A endotoxina (LPS) induz esses fatores ao ligar-se inicialmente à pro- proteína normal de humanos, que atua como anticoagu-
teína de ligação ao LPS no soro. Em seguida, esse complexo liga-se a lante, inibindo a formação de trombina. Também aumenta a
CD14, um receptor na superfície do macrófago. CD14 interage com fibrinólise, que degrada os coágulos assim que são formados.
uma proteína transmembrânica denominada “receptor do tipo Toll”, Aparentemente, a proteína C impede a CID, prevenindo,
que ativa uma cascata de sinalização intracelular, levando à ativação de assim, a falência múltipla de órgãos frequentemente obser-
genes codificadores de várias citocinas como a interleucina-1, TNF e vada no choque séptico.
outros fatores.
5. Imunopatogênese
Em certas doenças, como a febre reumática e glomerulo-
nefrite aguda, o próprio organismo não é responsável pelos
sintomas da doença, mas sim a resposta imune à presença do
organismo. Por exemplo, na febre reumática, são formados

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58 Warren Levinson

anticorpos contra a proteína M de S. pyogenes, que reagem DIFERENTES LINHAGENS DE BACTÉRIAS
com os tecidos de articulações, coração e cérebro. A infla- PODEM CAUSAR DOENÇAS DIFERENTES
mação ocorre, resultando em artrite, cardite e coreia, que
consistem nos achados característicos desta doença. S. aureus causa doenças inflamatórias piogênicas, como
endocardite, osteomielite e artrite séptica, bem como
INFECÇÕES BACTERIANAS ASSOCIADAS doenças não piogênicas mediadas por exotoxinas, como a
AO CÂNCER síndrome do choque tóxico, síndrome da pele escaldada e
intoxicação alimentar. De que modo bactérias que perten-
O fato de determinados vírus serem capazes de causar cân- cem ao mesmo gênero e espécie causam doenças tão am-
cer é bem estabelecido, porém a observação de que algumas plamente divergentes? A resposta está no fato de bactérias
infecções bacterianas estão associadas ao câncer está apenas individuais produzirem fatores de virulências diferentes,
emergindo. Vários exemplos documentados incluem (1) a tornando-as capazes de provocar doenças diferentes. Os
associação da infecção por Helicobacter pylori com carcino- diferentes fatores de virulência são codificados em plasmí-
ma gástrico e linfoma de tecido linfoide associado à mucosa deos, transposons, no genoma de fagos temperados (liso-
(MALT; do inglês, mucosal-associated lymphoid tissue) gástri- gênicos) e ilhas de patogenicidade. Esses elementos gené-
ca; (2) a associação da infecção por Campylobacter jejuni com ticos extracromossomais transferíveis, podem ou não estar
linfoma de MALT do intestino delgado (também conheci- presentes em uma dada bactéria, sendo responsáveis pela
do como doença da cadeia alfa). A hipótese desses cânceres capacidade de causar diferentes doenças. A Tabela 7-16
serem causados por bactérias advém da observação de que descreve os distintos fatores de virulência de três dos mais
antibióticos podem promover a regressão destes cânceres importantes patógenos bacterianos: S. aureus, S. pyogenes
quando tratados em um estágio precoce. e E. coli. A Figura 7-5 descreve a importância das ilhas

Tabela 7-16 Diferentes linhagens de bactérias podem causar doenças distintas

Bactérias Doenças Fatores de virulência Mecanismo de ação

Staphylococcus aureus Síndrome do choque tóxico Toxina da síndrome do choque Superantígeno
1. Mediada por exotoxina tóxico Superantígeno
Intoxicação alimentar
2. Piogênica (gastrenterite) Enterotoxina
Streptococcus pyogenes Síndrome da pele escaldada
Abscesso na pele, osteomielite Esfoliatina A protease cliva a desmogleína
1. Mediada por exotoxina
e endocardite Enzimas que provocam inflama- Coagulase, hialuronidase, leucocidina,
2. Piogênica (Supurativa) ção e necrose lipase e nuclease
3. Não supurativa
Escarlatina Toxina eritrogênica Superantígeno
(imunopatogênica) Síndrome do choque tóxico Toxina da síndrome do choque Superantígeno

Escherichia coli estreptocóccico tóxico Hialuronidase (fator de disseminação)
1. Mediada por exotoxina Faringite, celulite e fasciite Enzimas que provocam inflama-
Os anticorpos contra a proteína M rea-
2. Piogênica necrotizante ção e necrose gem de forma cruzada com o tecido
Febre reumática Certas proteínas M do pilus cardíaco, articular e cerebral

Glomerulonefrite aguda Certas proteínas M do pilus Complexos imunes depositam-se nos
glomérulos

Diarreia aquosa, não sanguino- Toxina lábil A ativação da adenilato ciclase pro-
lenta (diarreia do viajante) Toxina do tipo Shiga (Verotoxina) voca aumento de AMP cíclico; sem
morte celular
Diarreia sanguinolenta (associa-
da a hambúrguer malcozido); A citotoxina inibe a síntese proteica;
linhagem O157:H7 ocorre morte celular

Infecção do trato urinário Pili uropáticos Os pili ligam-se a receptores Gal-Gal
Cápsula K-1 no epitélio da bexiga
Meningite neonatal
Antifagocitário

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Microbiologia Médica e Imunologia 59

PAI-A Linhagem de E. coli PAI-C
não patogênica

PAI-B

E. coli causando E. coli causando E. coli causando
diarreia aquosa infecção do meningite neonatal
trato urinário
(Linhagem (Linhagem
enterotoxigênica) (Linhagem uropática) capsular K-1)

Figura 7-5 As ilhas de patogenicidade codificam os fatores de virulência que determinam o tipo de infecção. No alto da figura é
apresentada uma linhagem não patogênica de E. coli, que não apresenta ilha de patogenicidade (PAI; do inglês, pathogenicity island)
no DNA genômico. As PAIs podem ser transferidas por conjugação ou transdução, a partir de outros bacilos entéricos gram-negativos
para a linhagem não patogênica de E. coli. A aquisição de uma PAI que codifica fatores de virulência dota a E. coli não patogênica com a
capacidade de causar doenças específicas. Nesta figura, PAI-A codifica um enterotoxina, PAI-B codifica os pili que se ligam ao epitélio do
trato urinário, e PAI-C codifica as enzimas que sintetizam o polissacarídeo capsular K-1. Isto resulta em três linhagens distintas de E.coli,
capazes de causar três infecções diferentes.

de patogenicidade na determinação dos tipos de doenças pelo organismo. Nas infecções subclínicas, bem como após
causadas por E. coli. o período de recuperação, a presença de anticorpos é fre-
quentemente utilizada para determinar a ocorrência de uma
ESTÁGIOS TÍPICOS DE UMA DOENÇA infecção.
INFECCIOSA
O ORGANISMO ISOLADO DO PACIENTE
Uma doença infecciosa aguda típica apresenta quatro está- CAUSOU DE FATO A DOENÇA?
gios:
Uma vez que os indivíduos albergam micro-organismos
(1) período de incubação, que corresponde ao período como membros da microbiota normal permanente e como
entre a aquisição do organismo (ou toxina) e o início dos passageiros transitórios, essa pode ser uma questão interes-
sintomas (este tempo varia de horas a dias ou semanas, de- sante e algumas vezes confusa. A resposta depende da situa-
pendendo do organismo); ção. Um tipo de situação relaciona-se aos problemas referen-
tes a uma doença para a qual nenhum agente foi identificado
(2) período prodrômico, durante o qual ocorrem sinto- e um organismo candidato foi isolado. Esse foi o problema
mas inespecíficos, como febre, mal estar e perda de apetite; enfrentado por Robert Koch, em 1877, quando foi um dos
pioneiros na tentativa de determinar a causa de uma doença
(3) período específico da doença, durante o qual ocor- infecciosa, no caso, antraz, no gado bovino, e tuberculose,
re a manifestação dos sinais e sintomas característicos da nos seres humanos. Sua abordagem levou à formulação dos
doença; postulados de Koch, que correspondem a critérios que, se-
gundo ele, devem ser satisfeitos a fim de confirmar o papel
(4) período de recuperação, durante o qual a doença causal de um organismo. Estes critérios são os seguintes:
regride e o paciente retorna ao estado sadio.
(1) O organismo deve ser isolado a partir de cada pa-
Após o período de recuperação, alguns indivíduos ciente acometido pela doença.
tornam-se portadores crônicos dos organismos e podem
eliminá-los, embora permaneçam clinicamente bem. Outros (2) O organismo deve ser isolado livre de todos os ou-
podem desenvolver uma infecção latente, a qual pode re- tros organismos, e ser cultivado em cultura pura in vitro.
correr da mesma maneira que a infecção primária ou mani-
festar sinais e sintomas diferentes. Embora muitas infecções (3) O organismo em cultura pura deve causar a doença
provoquem sintomas, várias outras são subclínicas; isto é, em um animal sadio suscetível.
o indivíduo permanece assintomático, embora infectado

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(4) O organismo deve ser recuperado a partir do animal a presença de muitos seria suficiente; e (2) em um paciente
inoculado. apresentando febre, os estreptococos alfa-hemolíticos na gar-
ganta são considerados parte da microbiota normal, enquanto
O segundo tipo de situação refere-se ao problema roti- os mesmos organismos presentes no sangue provavelmente
neiro e de ordem prática de um diagnóstico específico para sejam a causa de endocardite bacteriana.
uma doença do paciente. Neste caso, os sinais e sintomas da
doença geralmente sugerem uma constelação de agentes etio- Em algumas infecções, nenhum organismo é isolado do
lógicos possíveis. A recuperação de um agente em quantidade paciente, e o diagnóstico é realizado pela detecção de um
suficiente a partir do espécime apropriado geralmente é suficien- aumento no título de anticorpos contra um organismo.
te para um diagnóstico etiológico. Essa abordagem pode ser Com esse objetivo, o título (quantidade) de anticorpos na
ilustrada por dois exemplos: (1) em um paciente apresentando segunda, ou posterior, amostra de soro deve ser pelo menos
faringite, a presença de poucos estreptococos beta-hemolíticos quatro vezes o título (quantidade) de anticorpos em relação
é insuficiente para um diagnóstico microbiológico, enquanto à primeira amostra de soro, ou à anterior.

CONCEITOS-CHAVE

• O termo patógeno refere-se àqueles micróbios capazes de provo- • A transmissão de humano para humano pode ocorrer por contato
car doenças, especialmente quando causam doença em indivíduos direto ou indiretamente por meio de um vetor, como um inseto, es-
imunocompetentes. O termo patógeno oportunista refere-se aos pecialmente carrapatos e mosquitos. A transmissão de animal para
micróbios capazes de causar doença apenas em indivíduos imuno- humano pode também ocorrer pelo contato direto com o animal
comprometidos. ou, indiretamente, por meio de um vetor.

• A virulência é uma medida da capacidade de um micróbio causar • As principais “portas de entrada” no corpo são o trato respirató-
doença, isto é, um micróbio altamente virulento requer menor rio, trato gastrintestinal, pele e trato genital.
número de organismos para causar a doença, quando comparado
a um menos virulento. DI50 corresponde ao número de organismos • As doenças humanas nas quais os animais consistem no reservató-
necessários para causar doença em 50% da população. Uma DI50 rio são denominadas zoonoses.
baixa indica um organismo altamente virulento.
Adesão às superfícies celulares
• A virulência de um micróbio é determinada por fatores de virulên-
cia, como cápsulas, exotoxinas, ou endotoxinas. • Os pili correspondem ao principal mecanismo pelo qual as bac-
térias aderem-se às células humanas. Consistem em fibras que se
• O fato de um indivíduo ser acometido ou não por uma doença in- estendem a partir da superfície bacteriana e medeiam a ligação a
fecciosa é determinado pelo equilíbrio entre o número e a virulência receptores específicos das células.
dos micróbios e a competência das defesas daquele indivíduo.
• O glicocálix é uma “camada limosa” polissacarídica secretada por
• Muitas infecções são assintomáticas ou inaparentes porque nos- algumas linhagens de bactérias, que medeia a firme adesão a
sas defesas eliminaram o micro-organismo antes de este multipli- certas estruturas, como válvulas cardíacas, implantes prostéticos e
car-se em número suficiente para causar os sintomas da doença. cateteres.

• O termo infecção possui dois significados: (1) a presença de Invasão, inflamação e sobrevivência intracelular
micróbios no corpo e (2) os sintomas da doença. A presença dos
micróbios no corpo não resulta sempre em sintomas da doença (ver • A invasão dos tecidos é favorecida por enzimas secretadas pelas
item anterior). bactérias. Por exemplo, a hialuronidase, produzida por Strepto-
coccus pyogenes, degrada o ácido hialurônico do tecido subcutâ-
• As bactérias causam os sintomas da doença por dois mecanismos neo, permitindo a rápida disseminação do organismo.
principais: produção de toxinas (exotoxinas e endotoxinas) e in-
dução de inflamação. • A IgA protease degrada a IgA secretória, permitindo a adesão das
bactérias às membranas mucosas.
• A maioria das infecções bacterianas é transmissível, isto é, são
capazes de disseminar-se de um indivíduo a outro, enquanto outras • A cápsula que envolve as bactérias é antifagocitária, isto é, re-
não o são, p. ex., botulismo e pneumonia por Legionella. tarda a ingestão do organismo pelo fagócito. Linhagens mutantes
de vários patógenos que não produzem cápsulas não são patogê-
• Três termos epidemiológicos são frequentemente utilizados para nicas.
descrever as infecções: as infecções endêmicas são aquelas que
ocorrem em nível persistente e usualmente baixo em uma deter- • A inflamação é uma importante defesa do hospedeiro induzida
minada região geográfica, as infecções epidêmicas são aquelas pela presença de bactérias no corpo. Existem dois tipos de infla-
que ocorrem em taxa muito mais elevada que a usual, e infecções mação, piogênica e granulomatosa, e as bactérias tipicamente
pandêmicas são aquelas rapidamente disseminadas por extensas promovem um tipo ou outro. A inflamação piogênica, a defesa
regiões do globo. do hospedeiro contra bactérias piogênicas (produtoras de pus), tais
como S. pyogenes, consiste em neutrófilos (bem como anticorpos
Determinantes da patogênese bacteriana e complemento). A inflamação granulomatosa, a defesa do hos-
pedeiro contra bactérias intracelulares produtoras de granulomas,
Transmissão como Mycobacterium tuberculosis, consiste em macrófagos e cé-
lulas T CD4-positivas. O tipo de lesão inflamatória é um importante
• Os mecanismos de transmissão de micróbios incluem processos de critério diagnóstico.
humano para humano, bem como de não humano a humano.
Fontes não humanas incluem animais, solo, água e alimentos.

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Microbiologia Médica e Imunologia 61

• As bactérias são capazes de evadir de nossas defesas por um pro- Endotoxinas
cesso denominado sobrevivência intracelular, isto é, as bactérias
capazes de viver no interior das células são protegidas contra o ata- • As endotoxinas são lipopolissacarídeos (LPS) localizados na
que de macrófagos e neutrófilos. Observe que muitas dessas bacté- membrana externa apenas de bactérias gram-negativas. Não são
rias, por exemplo, M. tuberculosis, não são parasitas intracelulares secretadas pelas bactérias.
obrigatórios (capazes de crescer somente no interior das células),
exibindo, em vez disso, a capacidade de penetrar e sobreviver no • O lipídeo A é o componente tóxico do LPS. Induz a superprodução
interior das células. de citocinas, como o fator de necrose tumoral, a interleucina-1 e
óxido nítrico pelos macrófagos, causando os sintomas do choque
Exotoxinas séptico, como febre e hipotensão. Além disso, o LPS ativa a cascata
do complemento (via alternativa), resultando no aumento da
• Exotoxinas são polipeptídeos secretados por determinadas permeabilidade vascular, bem como a cascata de coagulação,
bactérias, que alteram funções celulares específicas, resultando resultando em maior permeabilidade vascular e coagulação intra-
nos sintomas da doença. Estas são produzidas por bactérias gram- vascular disseminada.
-positivas e gram-negativas, enquanto a endotoxina é observadas
apenas em bactérias gram-negativas. • As endotoxinas são pouco antigênicas não induzem antitoxinas e
não formam toxoides.
• As exotoxinas são antigênicas e induzem anticorpos denominados
antitoxinas. As exotoxinas podem ser modificadas, originando to- Estágios típicos de uma doença infecciosa
xoides, os quais são antigênicos, mas atóxicos. Os toxoides, como o
toxoide tetânico, são utilizados na imunização contra doenças. • Frequentemente existem quatro estágios distintos. O período de
incubação corresponde ao período entre o momento em que o
• Várias exotoxinas exibem uma estrutura de subunidades A-B, indivíduo sofre exposição ao micróbio (ou toxina) e a manifestação
onde a subunidade A é ativa (tóxica), e a subunidade B é respon- dos sintomas. O período prodrômico é o tempo durante o qual
sável pela ligação à membrana celular e medeia a entrada da ocorrem sintomas inespecíficos. O período específico da doença é
subunidade A na célula. o tempo durante o qual ocorrem as propriedades características da
doença. O período de recuperação é o tempo durante o qual os
• As exotoxinas possuem diferentes mecanismos de ação e diferentes sintomas regridem e a saúde é restaurada.
alvos no interior da célula e, portanto, causam uma variedade de
doenças com sintomas característicos (ver Tabelas 7-9 e 7-10.). Di- • Após o período de recuperação, alguns indivíduos tornam-se por-
versas exotoxinas são enzimas que ligam a ADP-ribose a um com- tadores crônicos do organismo, enquanto em outros, desenvol-
ponente celular (ADP-ribosilação). Algumas exotoxinas atuam vem-se infecções latentes.
por clivagem proteolítica de um componente celular, enquanto
outras atuam como superantígenos, provocando a superprodu- • Alguns indivíduos apresentam infecções subclínicas, durante as
ção de citocinas. quais permanecem assintomáticos. A presença de anticorpos revela
a ocorrência de uma infecção prévia.

QUESTÕES PARA ESTUDO

As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
gia clínica) e Teste seu conhecimento.

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8 Defesas do Hospedeiro

As defesas do hospedeiro são compostas por dois sistemas ceas cutâneas exibem atividade antibacteriana e antifúngica.
complementares e frequentemente interatuantes: (1) as defe- Acredita-se que o aumento na produção de ácidos graxos
sas inatas (inespecíficas), que protegem contra os micro-or- que ocorre na puberdade explique a maior resistência às in-
ganismos em geral, e (2) a imunidade adquirida (específi- fecções fúngicas do tipo tinha, observadas neste período. O
ca), que protege contra um micro-organismo em particular. baixo pH da pele (entre pH 3 e 5) decorrente desses ácidos
As defesas inatas podem ser classificadas em três principais graxos também exerce um efeito antimicrobiano. Embora
categorias: (1) barreiras físicas, como a pele e as membranas muitos organismos vivam sobre a pele ou dentro dela como
mucosas intactas; (2) células fagocitárias, como neutrófilos, membros da microbiota normal, eles são inofensivos desde
macrófagos e células natural killer; e (3) proteínas, como o que não penetrem no corpo.
complemento, a lisozima e o interferon. A Figura 8-1 apre-
senta o papel de vários componentes das defesas inespecíficas Uma segunda defesa importante corresponde à mem-
na resposta inicial à infecção bacteriana. As defesas adquiri- brana mucosa do trato respiratório, a qual é revestida por cí-
das são mediadas por anticorpos e linfócitos T. O Capítulo lios e recoberta por muco. A movimentação coordenada dos
57 descreve essas defesas em maiores detalhes. cílios conduz o muco até o nariz e a boca, onde as bactérias
capturadas podem ser expelidas. Esse aparato mucociliar, o
Há dois principais tipos de defesas do hospedeiro contra elevador ciliar, pode ser danificado pelo álcool, pelo fumo e
as bactérias: a resposta piogênica e a resposta granuloma- por vírus; o dano predispõe o hospedeiro a infecções bacte-
tosa. A defesa contra certas bactérias, como Staphylococcus rianas. Outros mecanismos de proteção do trato respiratório
aureus e Streptococcus pyogenes, corresponde à resposta pio- envolvem macrófagos alveolares, a lisozima das lágrimas e
gênica (produtora de pus), que consiste em anticorpos, o muco, pelos do nariz, e o reflexo de tosse que impede a
complemento e neutrófilos. Essas bactérias piogênicas são aspiração para os pulmões.
frequentemente denominadas “patógenos extracelulares”,
uma vez que não invadem as células. A defesa contra outras A perda da barreira física conferida pela pele e pelas
bactérias, como Mycobacterium tuberculosis e Listeria mo- membranas mucosas predispõe às infecções. A Tabela 8-5
nocytogenes, corresponde à resposta granulomatosa, que con- descreve os organismos que comumente causam infecções
siste em macrófagos e células T CD4-positivas (auxiliares). associadas à perda destas barreiras de proteção.
Essas bactérias frequentemente são denominadas “patógenos
intracelulares”, uma vez que podem invadir células e sobre- A proteção inespecífica do trato gastrintestinal inclui as
viver no interior delas. enzimas hidrolíticas da saliva, o ácido estomacal, assim como
várias enzimas degradativas e macrófagos do intestino delga-
IMUNIDADE INATA INESPECÍFICA do. A vagina da mulher adulta encontra-se protegida pelo
pH baixo gerado pelos lactobacilos, membros da microbiota
Pele e membranas mucosas normal.

A pele intacta corresponde à primeira linha de defesa con- A proteção adicional observada no trato gastrintestinal
tra vários organismos. Além da barreira física representada e no trato respiratório inferior é conferida por defensinas.
pela pele, os ácidos graxos secretados pelas glândulas sebá- Defensinas são peptídeos com alta carga positiva (catiôni-
cos) que originam poros nas membranas das bactérias, pro-
movendo sua morte. Os neutrófilos e as células de Paneth

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Microbiologia Médica e Imunologia 63
As bactérias penetram na pele

Ativação do complemento Fagocitose por
pela via alternativa

C3b C5, 6, 7, 8, 9 Neutrófilos Macrófagos
opsoniza formam o
C5a atrai as bactérias, complexo de
neutrófilos intensificando ataque às
a fagocitose membranas que
por neutrófilos lisa as bactérias

Produção de Apresentam
citocina epítopos
e
estimulam

O fator de necrose A interleucina-1 A interleucina-6 Quimiocinas (p. ex., Imunidade Imunidade
tumoral induz induz a febre induz proteínas IL-8, MIP) atraem mediada por mediada
a inflamação da fase aguda neutrófilos e anticorpos por células
macrófagos

Figura 8-1 Respostas precoces do hospedeiro à infecção bacteriana.

presentes nas criptas intestinais contêm um tipo de defensi- cia ocasional onde a terapia antimicrobiana elimina esses
na (α-defensinas), enquanto o trato respiratório produz de- organismos benéficos, permitindo, assim, que organismos
fensinas distintas, denominadas β-defensinas. O mecanismo como Clostridium difficile e Candida albicans causem doen-
pelo qual as defensinas diferenciam as membranas bacteria- ças, como colite pseudomembranosa e vaginite, respectiva-
nas das membranas da célula humana é desconhecido. mente.

As bactérias da microbiota normal da pele, nasofaringe, Resposta inflamatória e fagocitose
cólon e vagina ocupam esses nichos ecológicos, impedindo A presença de corpos estranhos, como bactérias, no interior
a multiplicação de patógenos nesses sítios. A importância do organismo provoca uma resposta inflamatória protetora
da microbiota normal pode ser observada na circunstân-

Tabela 8-1 O dano à pele e às membranas mucosas predispõe à infecção causada por certas bactérias

Fator predisponente Sítio de infecção Bactérias comumente causadoras de infecção
associada ao fator predisponente

Cateteres intravenosos Pele Staphylococcus epidermidis, Staphylococcus aureus

Diabetes Pele S. aureus

Queimaduras Pele Pseudomonas aeruginosa
Fibrose cística Trato respiratório P. aeruginosa1

Trauma mandibular Sulco gengival Actinomyces israelii
Extração dentária Orofaringe Estreptococos viridantes 2

Mucosite oral secundária à quimioterapia Boca, mas também todo o trato GI Estreptococos viridantes, Capnocytophaga gingivalis
contra câncer

1 Bactérias envolvidas com menor frequência incluem Burkholderia cepacia e Stenotrophomonas maltophilia.
2 Os estreptococos viridantes não causam infecção local após a extração dentária, contudo podem atingir a corrente sanguínea e provocar endocardite.

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64 Warren Levinson

(Figura 8-2). Essa resposta caracteriza-se pelos achados clíni- toxina) é outra importante proteína da fase aguda, produzi-
cos de vermelhidão, edema, calor e dor no sítio da infecção. da em resposta às bactérias gram-negativas. A interleucina-6
Esses sinais são decorrentes do maior fluxo sanguíneo, da (IL-6) é o principal indutor da resposta de fase aguda, bem
maior permeabilidade capilar e do extravasamento de fluídos como corresponde também uma citocina pró-inflamatória.
e células para os espaços tissulares. A maior permeabilida- Os macrófagos são a principal fonte de IL-6, entretanto vá-
de deve-se a vários mediadores químicos, dentre os quais os rios outros tipos celulares também a produzem. Outra cito-
mais importantes são a histamina, as prostaglandinas e os cina importante produzida por células T auxiliares ativadas
leucotrienos. Componentes do complemento, C3a e C5a, corresponde ao interferon gama, que ativa macrófagos e
também contribuem para o aumento da permeabilidade vas- aumenta sua ação microbicida.
cular. A bradicinina é um importante mediador da dor.
Os neutrófilos e os macrófagos são atraídos ao sítio de
Os neutrófilos e macrófagos, ambos fagócitos, são uma infecção por pequenos polipeptídeos denominados quimio-
importante parte da resposta inflamatória. Os neutrófilos são cinas (citocinas quimiotáticas). As quimiocinas são produ-
predominantes em infecções piogênicas agudas, enquanto os zidas por células tissulares da área infectada, por células en-
macrófagos são mais prevalentes em infecções crônicas ou doteliais locais e por neutrófilos e macrófagos residentes. A
granulomatosas. Os macrófagos realizam duas funções: são interleucina-8 é uma quimiocina que atrai principalmente
fagocitários e produzem duas importantes citocinas “pró-in- os neutrófilos, enquanto MCP-1, MIP e RANTES atraem
flamatórias”, o fator de necrose tumoral (TNF, do inglês, macrófagos e monócitos (ver Capítulo 58).
tumor necrosis factor) e interleucina-1 (IL-1). A importân-
cia da resposta inflamatória na limitação da infecção é enfati- Como parte da resposta inflamatória, as bactérias são
zada pela capacidade de os agentes anti-inflamatórios, como englobadas (fagocitadas) por neutrófilos polimorfonucleares
os corticosteroides, reduzirem a resistência à infecção. (PMNs, do inglês, polymorphonuclear neutrophils) e macró-
fagos. Os PMNs representam aproximadamente 60% dos
Certas proteínas, conhecidas coletivamente como a “res- leucócitos presentes no sangue, e seu número aumenta signi-
posta da fase aguda”, são também produzidas precocemen- ficativamente durante a infecção (leucocitose). Deve ser ob-
te na inflamação, principalmente pelo fígado. Dentre elas, servado, no entanto, que, em determinadas infecções bacte-
as mais conhecidas são a proteína C-reativa e a proteína de rianas, como a febre tifoide, observa-se uma diminuição no
ligação à manose, que se ligam à superfície das bactérias e número de leucócitos (leucopenia). O aumento nos PMNs
intensificam a ativação da via alternativa do complemento é causado devido à produção de fatores estimulatórios de
(ver Capítulo 58). A proteína C-reativa recebeu essa deno- granulócitos (G-CSF e GM-CSF [ver Capítulo 58]) pelos
minação devido a sua capacidade de ligar-se a um carboidra- macrófagos logo após a infecção.
to da parede celular de Streptococcus pneumoniae (ver página
124). A proteína de ligação ao lipopolissacarídeo (endo- Observe que, embora os PMNs e os macrófagos fago-
citem as bactérias, os PMNs não apresentam antígenos aos

Bactérias piogênicas Bactérias intracelulares
(p. ex., Staphylococcus aureus) (p. ex., Mycobacterium tuberculosis)

Complexos Superfície bacteriana Células T
bactérias-anticorpos auxiliares (CD4+)

Via Via IL-1
clássica alternativa g -interferon

Ativação do complemento Macrófagos
ativados e células T
C5a C3a, C5a auxiliares ativadas

Atrai Desencadeiam a liberação do Hipersensibilidade tardia
neutrófilos mediador (p. ex., histamina)

Induração e eritema

Proteases danificam Permeabilidade capilar Vasodilatação
o endotélio (edema) (eritema)
(edema)

Figura 8-2 Inflamação. A resposta inflamatória pode ser causada por dois mecanismos distintos. À esquerda: Bactérias piogênicas,
p. ex., Staphylococcus aureus, causam a inflamação por meio de mecanismos mediados por anticorpos e pelo complemento. À direita:
Bactéria intracelulares, p. ex., Mycobacterium tuberculosis, causam inflamação por mecanismos mediados por células.

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Microbiologia Médica e Imunologia 65

linfócitos T auxiliares, ao contrário dos macrófagos (e célu- larmente importante no caso de organismos bacterianos e
las dendríticas) (ver Capítulo 58). As células dendríticas são fúngicos cujos polissacarídeos ativam a via alternativa.
as células apresentadoras de antígeno mais importantes. A
capacidade fagocitária das células dendríticas é intensificada Por ocasião do engolfamento, uma nova via metabóli-
pela presença de receptores da proteína de ligação à manose. ca, conhecida como explosão respiratória, é desencadeada;
como resultado, há a produção de dois agentes microbicidas,
O processo de fagocitose pode ser dividido em três eta- o radical superóxido e peróxido de hidrogênio. Esses com-
pas: migração, ingestão e morte. A migração de PMNs ao postos altamente reativos (frequentemente denominados
sítio dos organismos deve-se às quimiocinas, como a inter- “intermediários reativos do oxigênio”) são sintetizados pelas
leucina-8, o componente C5a do complemento e a calicre- seguintes reações:
ína, a qual – além de ser quimiotática – consiste na enzima
que catalisa a formação de bradicinina. A adesão de PMNs O2 + e– → O2–
ao endotélio do sítio de infecção é mediada inicialmente pela 2O2– + 2H+ → H2O2 + O2
interação dos PMNs com proteínas selectinas do endotélio
e, em seguida, pela interação de proteínas integrinas, deno- Na primeira reação, o oxigênio molecular é reduzido
minadas “proteínas LFA”, localizadas na superfície do PMN, por um elétron, originando o radical superóxido, que exi-
com proteínas ICAM na superfície da célula endotelial.1 be pequena ação bactericida. Na etapa seguinte, a enzima
superóxido dismutase catalisa a formação de peróxido de
A quantidade de proteínas ICAM do endotélio é au- hidrogênio a partir de dois radicais superóxido. O peróxido
mentada pelos mediadores inflamatórios, como IL-1 e TNF de hidrogênio é mais tóxico que o superóxido, porém não é
(ver Capítulo 58), que são produzidos por macrófagos em eficiente contra organismos produtores de catalase, como os
resposta à presença das bactérias. O aumento no nível de estafilococos.
proteínas ICAM garante a adesão seletiva de PMNs ao sítio
da infecção. A permeabilidade aumentada dos capilares, de- O óxido nítrico (NO) é outro importante agente mi-
vido à presença de histamina, quininas e prostaglandinas,2 crobicida. Corresponde a um “intermediário reativo do ni-
permite a migração dos PMNs através da parede capilar a trogênio”, sintetizado por uma enzima induzível, denomina-
fim de alcançarem as bactérias. Essa migração é denominada da óxido nítrico sintetase, em resposta a estimuladores como
diapedese e demanda alguns minutos para ocorrer. as endotoxinas. A superprodução de NO contribui para a
hipotensão observada no choque séptico, uma vez que pro-
As bactérias são ingeridas por meio da invaginação da voca vasodilatação dos vasos sanguíneos periféricos.
membrana celular do PMN ao redor das bactérias, forman-
do um vacúolo (fagossomo). Esse engolfamento é potencia- A explosão respiratória também resulta na produção do
lizado pela ligação de anticorpos IgG (opsoninas) à superfí- agente microbicida – NO. O NO contém um radical livre
cie das bactérias, processo denominado opsonização (Figura que participa na morte oxidativa de micróbios ingeridos por
8-3). O componente C3b do complemento intensifica a fagocitose pelos neutrófilos e macrófagos. A óxido nítrico
opsonização. (As membranas celulares externas dos PMNs sintase, a enzima que produz NO, é induzida nessas células
e macrófagos possuem receptores para a porção Fc da IgG após a fagocitose.
e para C3b.) Mesmo na ausência de anticorpos, o compo-
nente C3b do complemento, que pode ser gerado pela via A morte do organismo no interior do fagossomo é um
“alternativa”, pode promover a opsonização. Isso é particu- processo em duas etapas, consistindo na desgranulação se-
guida pela produção de íons hipoclorito (ver a seguir), os
1 Proteínas LFA e proteínas ICAM medeiam a adesão entre vários ti- quais são provavelmente os agentes microbicidas mais im-
pos de células. Essas proteínas são descritas em maiores detalhes no portantes. Na desgranulação, os dois tipos de grânulos pre-
Capítulo 58. sentes no citoplasma do neutrófilo fundem-se ao fagossomo,
esvaziando seu conteúdo durante o processo. Esses grânulos
2 A ação anti-inflamatória da aspirina resulta de sua capacidade de são lisossomos que contêm uma variedade de enzimas essen-
inibir a ciclo-oxigenase, reduzindo, assim, a síntese de prostaglandinas. ciais para os processos de morte e degradação que ocorrem
no interior do fagolisossomo.

+ Nem anticorpo + Neutrófilo Fagocitose Figura 8-3 Opsonização. Parte superior: Uma
nem C3b pouco eficiente bactéria capsulada é fagocitada com pouca eficiência
Bactéria por um neutrófilo na ausência de anticorpos IgG ou
capsulada de C3b. Parte inferior: Na presença de anticorpos IgG
ou de C3b, ou ambos, a bactéria sofre opsonização;
ou seja, é mais facilmente fagocitada pelo neutrófilo.

+ Anticorpo + Neutrófilo Fagocitose
e/ou C3b intensificada
Bactéria
capsulada

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66 Warren Levinson

(1) Os grânulos lisossomais maiores, que constituem Os macrófagos também migram, engolfam e matam as
cerca de 15% do total, contêm a importante enzima mie- bactérias utilizando essencialmente os mesmos processos que
loperoxidase, assim como a lisozima e várias outras enzimas os PMNs, porém existem várias diferenças a serem conside-
degradativas. (A mieloperoxidase, que exibe coloração verde, radas.
contribui significativamente para a cor do pus.)
(1) Os macrófagos não apresentam mieloperoxidase e,
(2) Os grânulos menores, que constituem os 85% res- desse modo, são incapazes de produzir íon hipoclorito; no
tantes, contêm lactoferrina e enzimas degradativas adicio- entanto, produzem peróxido de hidrogênio e superóxido na
nais, como proteases, nucleases e lipases. Os grânulos lisos- explosão respiratória.
somais podem extravasar para o espaço extracelular, bem
como para o fagossomo. Externamente à célula, as enzimas (2) Determinados organismos, como os agentes da tu-
degradativas podem atacar estruturas muito grandes para berculose, brucelose e toxoplasmose, são preferencialmente
serem fagocitadas, como micélios fúngicos, e também bac- ingeridos pelos macrófagos, ao invés de PMNs, e podem
térias extracelulares. permanecer viáveis e multiplicar-se no interior dessas célu-
las; os granulomas formados durante essas infecções contêm
O real processo de morte dos micro-organismos ocorre vários desses macrófagos.
por uma variedade de mecanismos, os quais são classificados
em duas categorias: dependentes e independentes de oxigê- (3) Os macrófagos secretam um ativador de plasmino-
nio. O mecanismo dependente de oxigênio mais importante gênio, uma enzima que converte a pró-enzima plasminogê-
envolve a produção da molécula bactericida, íon hipoclori- nio na enzima ativa plasmina, a qual dissolve coágulos de
to, de acordo com a seguinte reação: fibrina.

Cl– + H2O2 → ClO– + H2O A importância da fagocitose como um mecanismo de
defesa do hospedeiro é enfatizada pelas seguintes observa-
A mieloperoxidase catalisa a reação entre o íon cloreto e ções (Tabela 8-2).
o peróxido de hidrogênio, o qual foi produzido pela explo-
são respiratória, originando o íon hipoclorito, na presença (1) Infecções repetidas ocorrem em crianças com defei-
de mieloperoxidase. O próprio hipoclorito danifica as pare- tos genéticos relacionados ao processo de fagocitose. Dois
des celulares, contudo pode também reagir com o peróxido exemplos desses defeitos são a doença granulomatosa crôni-
de hidrogênio, originando oxigênio singleto que danifica as ca, onde o fagócito não é capaz de matar as bactérias inge-
células ao reagir com as ligações duplas dos ácidos graxos dos ridas devido a um defeito na NADPH oxidase e uma con-
lipídeos de membrana. sequente deficiência na geração de H2O2; e a síndrome de
Chédiak-Higashi, quando são formados grânulos lisossomais
Poucos indivíduos são geneticamente deficientes em anormais incapazes de fundir-se ao fagossomo, de modo que,
mieloperoxidase, no entanto seus sistemas de defesa são apesar de as bactérias serem ingeridas, elas sobrevivem.
capazes de matar as bactérias, embora de forma mais lenta.
Nesses indivíduos, a explosão respiratória, que produz peró- (2) Infecções frequentes ocorrem em pacientes neutro-
xido de hidrogênio e íon superóxido, parece ser suficiente, pênicos, especialmente quando a contagem de PMNs atinge
porém há duas ressalvas: se um organismo produz catalase, valores abaixo de 500/μL como resultado de fármacos imu-
o peróxido de hidrogênio será ineficaz; e se um organismo nossupressores ou irradiação. Essas infecções frequentemente
produz superóxido dismutase, o superóxido será ineficaz. são causadas por organismos oportunistas, isto é, organismos
que raramente causam doença em indivíduos com o sistema
Os mecanismos independentes de oxigênio são impor- imune normal.
tantes em condições anaeróbias. Esses mecanismos envolvem
a lactoferrina, a qual quela o ferro das bactérias; a lisozima, (3) A esplenectomia remove uma importante fonte tan-
que degrada o peptideoglicano da parede celular bacteriana; to de fagócitos como de imunoglobulinas, predispondo à
proteínas catiônicas, que danificam as membranas celulares; sépsis causada por três bactérias piogênicas capsuladas: S.
e pH baixo. pneumoniae, Neisseria meningitidis e Haemophilus influen-

Tabela 8-2 A fagocitose reduzida predispõe à infecções causadas por certas bactérias

Tipo de redução Causa da redução Bactérias comumente causadoras de infecção
associada ao tipo de redução

Número reduzido de neutrófilos Quimioterapia contra câncer, irradiação Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa
corporal total
Função reduzida dos neutrófilos S. aureus
Função reduzida do baço Doença granulomatosa crônica Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis,

Esplenectomia, anemia falciforme Haemophilus influenzae

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zae. S. pneumoniae é responsável por aproximadamente A imunidade passiva tem a importante vantagem de
50% dos episódios de sépsis em pacientes esplenectomi- suas capacidades protetoras estarem presentes de imediato,
zados. Pacientes com anemia falciforme e outras anemias ao passo que a imunidade ativa ocorre dentro de poucos
hereditárias podem autoinfartar seu baço, resultando em dias a poucas semanas, dependendo de tratar-se de uma
perda da função esplênica e predisposição à sépsis causada resposta primária ou secundária. Contudo, a imunidade
por essas bactérias. passiva apresenta a importante desvantagem da concentra-
ção de anticorpos sofrer rápida redução à medida que as
(4) Indivíduos com diabetes melito, especialmente proteínas são degradadas, de modo que a proteção persiste
aqueles exibindo baixo controle da glicose ou episódios de usualmente por apenas um mês ou dois. A administração
cetoacidose, apresentam maior número de infecções, assim de anticorpos pré-formados pode resultar na sobrevivên-
como infecções mais graves, quando comparados a indiví- cia de indivíduos acometidos por determinadas doenças,
duos não diabéticos. O principal defeito das defesas nesses como botulismo e tétano, causadas por exotoxinas poten-
pacientes é a função reduzida dos neutrófilos, especialmente tes. Globulinas séricas administradas por via endovenosa
quando ocorre a acidose. consistem em uma medida profilática para pacientes com
hipogamaglobulinemia ou submetidos a transplante de
Duas doenças específicas altamente associadas ao dia- medula óssea. Além disso, elas podem minimizar os sinto-
betes são a otite externa maligna, causada por Pseudomonas mas de certas doenças, como a hepatite causada pelo vírus
aeruginosa, e mucormicose, causada por bolores perten- da hepatite A, apesar de aparentemente terem pouco efeito
centes aos gêneros Mucor e Rhizopus. Além disso, há maior no caso de doenças bacterianas cuja patogênese é de natu-
incidência, bem como maior gravidade, de pneumonias reza invasiva.
adquiridas na comunidade, causadas por bactérias como
S. pneumoniae e S. aureus, e também de infecções do trato A imunidade ativa adquirida é uma proteção baseada
urinário causadas por organismos como Escherichia coli e na exposição ao agente na forma de doença aparente; in-
C. albicans. A vulvovaginite por cândida é também mais fecção subclínica, isto é, uma infecção sem sintomas; ou
comum em diabéticos. Os indivíduos diabéticos também uma vacina. Essa proteção desenvolve-se mais lentamente,
apresentam muitas infecções nos pés, uma vez que a ateros- porém é de maior duração que a imunidade passiva. A res-
clerose compromete o suprimento sanguíneo, promovendo posta primária usualmente demanda 7-10 dias para que
a necrose tissular. Infecções de pele, como úlceras e celulite os anticorpos se tornem detectáveis. Uma importante van-
são comuns e podem estender-se aos ossos subjacentes, cau- tagem da imunidade ativa está no fato de ocorrer uma res-
sando osteomielite. S. aureus e um grupo de bactérias ana- posta anamnéstica (secundária); isto é, há uma rápida res-
eróbias e facultativas correspondem às causas mais comuns posta (aproximadamente 3 dias) caracterizada por grandes
dessas infecções. quantidades de anticorpos contra um antígeno ao qual o
sistema imune foi previamente exposto. A imunidade ativa
Febre é mediada tanto por anticorpos (imunoglobulinas) como
por células T:
A infecção provoca um aumento na temperatura corporal
atribuído ao pirogênio endógeno (IL-1) liberado pelos ma- (1) Os anticorpos protegem contra os organismos por
crófagos. A febre pode ser uma resposta protetora, uma vez uma variedade de mecanismos – neutralização de toxinas,
que uma variedade de bactérias e vírus crescem mais lenta- lise de bactérias na presença do complemento, opsonização
mente em temperaturas elevadas. das bactérias para facilitar a fagocitose e interferência na ade-
são de bactérias e vírus às superfícies celulares. Quando a
IMUNIDADE ADQUIRIDA ESPECÍFICA concentração de IgG atinge valores inferiores a 400 mg/dl
(normal = 1000-1500), aumenta o risco de infecções piogê-
A imunidade adquirida resulta da exposição ao organis- nicas causadas por bactérias como estafilococos.
mo (imunidade ativa) ou do recebimento de anticorpos
pré-formados, produzidos em outro hospedeiro (imunida- Uma vez que os anticorpos, especialmente IgG, são
de passiva). detectáveis por dias a semanas após a infecção, acredita-se
que os anticorpos não desempenhem um papel principal
A imunidade passiva adquirida consiste em uma pro- no combate à infecção primária no sítio inicial da infecção
teção temporária contra um organismo, sendo adquirida (geralmente a pele ou membrana mucosa), protegendo, ao
pela administração de soro contendo anticorpos pré-forma- invés disso, contra a disseminação hematogênica do orga-
dos oriundos de outro indivíduo ou animal. A imunização nismo para sítios corporais distantes, e contra uma segunda
passiva ocorre naturalmente na forma de imunoglobulinas infecção por aquele organismo no futuro.
transferidas da mãe para a criança através da placenta (IgG)
ou do leite materno (IgA). Essa proteção é muito importante (2) As células T medeiam uma variedade de reações,
durante os primeiros dias de vida, quando a criança apresen- incluindo a destruição citotóxica de células infectadas por
ta capacidade reduzida de desenvolver uma resposta ativa.

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Tabela 8-3 Mecanismos essenciais de defesa do hospedeiro contra as bactérias

Mecanismo de defesa Tipo de bactérias ou toxina Exemplos importantes
essencial do hospedeiro

Mediado por anticorpos Bactérias piogênicas capsuladas Streptococcus pneumoniae, Streptococcus pyogenes, Staphylococcus aureus,
(imunidade humoral) Neisseria meningitidis, Haemophilus influenzae, Pseudomonas aeruginosa
Exotoxinas
Mediado por anticorpos Bactérias intracelulares Corynebacterium diphtheriae, Clostridium tetani, Clostridium botulinum

Mediado por células Mycobacterium tuberculosis, micobactérias atípicas, Legionella pneumo-
phila, Listeria monocytogenes

vírus e de bactérias, ativação de macrófagos e hipersensibi- corpos estranhos, como cateteres de longa duração ou dis-
lidade tardia. As células T também auxiliam as células B na positivos prostéticos. Os corpos estranhos são predispo-
produção de anticorpos contra vários antígenos, mas não nentes uma vez que as defesas do hospedeiro não atuam
todos. eficientemente na presença destes. A Tabela 8-4 descreve
as condições predisponentes e os organismos mais comuns
A Tabela 8-3 descreve os principais mecanismos de de- responsáveis por infecções quando essas condições estão
fesa do hospedeiro contra as bactérias. Esses mecanismos presentes.
incluem a imunidade humoral contra bactérias piogênicas
e exotoxinas, bem como a imunidade mediada por células Certas doenças e anomalias anatômicas também
contra diversas bactérias intracelulares. predispõem às infecções. Por exemplo, pacientes com
diabetes frequentemente apresentam infecções por S. au-
FALHAS NAS DEFESAS DO HOSPEDEIRO reus, talvez por duas razões: esses pacientes apresentam
PREDISPÕEM ÀS INFECÇÕES expressiva aterosclerose, a qual provoca relativa anóxia
tissular, bem como aparentemente exibem um defeito na
A frequência ou gravidade das infecções é aumentada função dos neutrófilos. Pacientes com anemia falciforme
diante de certas condições predisponentes. Essas condições frequentemente apresentam osteomielite por Salmonella,
predisponentes classificam-se em duas categorias princi- provavelmente porque as células de morfologia anormal
pais: os pacientes são imunocomprometidos ou possuem

Tabela 8-4 Condições que predispõem a infecções e os organismos que habitualmente causam tais infecções

Condição predisponente Organismos comumente causadores da infecção

Estado imunocomprometido Bactérias piogênicas, p. ex., Staphylococcus aureus, Streptococcus pneumoniae
Baixos títulos de anticorpos Bactérias piogênicas, p. ex., S. aureus, S. pneumoniae
Pequena quantidade de complemento (C3b) Neisseria meningitidis
Pequena quantidade de complemento (C6, 7, 8, 9) Bactérias piogênicas, p. ex., S. aureus, S. pneumoniae
Pequeno número de neutrófilos S. aureus e Aspergillus fumigatus
Baixa atividade de neutrófilos, como na DGC Várias bactérias, p. ex., micobactérias; vários vírus, p. ex., CMV; e vários fungos, p. ex.,
Pequeno número de células CD4, como na AIDS
Candida

Presença de corpos estranhos Escherichia coli
Cateteres urinários Staphylococcus epidermidis, Candida albicans
Cateteres intravenosos S. epidermidis, C. albicans
Válvulas cardíacas prostéticas S. epidermidis
Articulações prostéticas S. epidermidis, S. aureus, Salmonella enterica
Enxertos vasculares

DGC = doença granulomatosa crônica; CMV = citomegalovírus.

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Microbiologia Médica e Imunologia 69

obstruem os pequenos capilares dos ossos. Isso aprisiona cardite causada por estreptococos viridantes. Os neutrófilos
as Salmonella no interior do osso, aumentando o risco de têm dificuldade em penetrar nas vegetações formadas nas
osteomielite. válvulas na endocardite. Pacientes com aneurisma aórtico
são propensos às infecções vasculares causadas por espécies
Pacientes com determinados defeitos cardíacos congêni- de Salmonella.
tos ou danos valvulares reumáticos são predispostos à endo-

CONCEITOS-CHAVE

• As defesas do hospedeiro contra as infecções bacterianas incluem • Em resposta à maioria das infecções bacterianas, há um aumento
defesas inatas e adaptativas (adquiridas). As defesas inatas são no número de neutrófilos no sangue. Esse aumento é causado
inespecíficas, isto é, são efetivas contra vários organismos diferen- pela produção de fatores de estimulação de granulócitos pelos
tes. As defesas inatas incluem barreiras físicas, como a pele e as macrófagos.
membranas mucosas intactas; células, como neutrófilos e macró-
fagos; e proteínas, como o complemento e lisozima. As defesas • Tanto os neutrófilos como os macrófagos fagocitam as bactérias;
adaptativas (adquiridas) são altamente específicas em relação ao contudo, os macrófagos (bem como células similares, denomina-
organismo e incluem anticorpos e células como linfócitos T auxi- das células dendríticas) também apresentam antígenos às células
liares CD4-positivos e linfócitos T citotóxicos CD8-positivos. T (auxiliares) CD4-positivas, ao contrário dos neutrófilos. As células
dendríticas provavelmente correspondem às células apresen-
Imunidade Inata tadoras de antígenos mais importantes do corpo.

• A pele e as membranas mucosas intactas constituem uma barreira • Após os neutrófilos serem atraídos pelas quimiocinas ao sítio
física contra a infecção. A perda da integridade da pele, p. ex., em infectado, eles se ligam ao endotélio, utilizando inicialmente as
uma queimadura, predispõe à infecção. O baixo pH da pele, do es- selectinas presentes no endotélio e, em seguida, pela interação
tômago e da vagina também protege contra a infecção. de integrinas (proteínas LFA) presentes nos neutrófilos com as
proteínas ICAM no endotélio. A concentração de proteínas ICAM
• O trato respiratório, porta de entrada muito importante para mi- é aumentada pelas citocinas liberadas por macrófagos ativados,
cróbios, é protegido pelo elevador ciliar, por macrófagos alveola- resultando na atração de neutrófilos para o sítio infectado.
res, pela lisozima, por pelos do nariz e pelo reflexo de tosse.
• Os neutrófilos então migram através do endotélio (diapedese) e
• A microbiota normal da pele e as membranas mucosas ocupam os ingerem as bactérias. IgG e C3b são opsoninas que intensificam a
receptores, reduzindo a possibilidade de adesão dos patógenos, um ingestão das bactérias. Existem receptores para a cadeia pesada de
processo denominado resistência à colonização. A supressão da IgGs e para C3b na superfície dos neutrófilos.
microbiota normal por antibióticos predispõe à infecção por
determinados organismos. Dois importantes exemplos são a supres- • A morte das bactérias no interior do neutrófilo é causada por hipo-
são da microbiota do cólon, predispondo à colite pseudomembra- clorito, peróxido de hidrogênio e superóxidos. Os lisossomos
nosa causada por Clostridium difficile, e a supressão da microbiota contêm várias enzimas degradativas e fundem-se com o fagosso-
vaginal, predispondo à vaginite causada por Candida albicans. mo, originando um fagolisossomo, no interior do qual ocorre a
morte bacteriana.
• A inflamação, isto é, vermelhidão, edema, calor e dor, corresponde
a uma importante defesa do hospedeiro. A vermelhidão, o edema e • Infecções piogênicas recorrentes e graves ocorrem em indivíduos
o calor resultam do aumento do fluxo sanguíneo e do aumento que apresentam neutrófilos inadequados. Por exemplo, indiví-
da permeabilidade vascular, que apresentam o efeito de condu- duos com neutrófilos defectivos, indivíduos exibindo menos de 500
zir as células e proteínas de nossas defesas até o sítio da infecção. neutrófilos/μl, submetidos a esplenectomia ou que apresentam
O aumento do fluxo sanguíneo e da permeabilidade vascular são diabetes melito, têm maior risco de infecções piogênicas.
causados por mediadores, como a histamina, as prostaglandi-
nas e os leucotrienos. Imunidade adquirida

• As células fagocitárias predominantes na inflamação são os neu- • A imunidade passiva refere-se à proteção baseada na transfe-
trófilos e macrófagos. Os neutrófilos são observados na resposta rência de anticorpos pré-formados de um indivíduo (ou animal) a
inflamatória piogênica contra bactérias como Staphylococcus outro. A imunidade passiva propicia proteção imediata, mas de
aureus e Streptococcus pyogenes, enquanto os macrófagos são curta duração (persistindo por poucos meses). Exemplos de imuni-
observados na resposta inflamatória granulomatosa contra bacté- dade passiva incluem a administração de antitoxina, transferência
rias como Mycobacterium tuberculosis. de IgGs da mãe para o feto através da placenta e transferência de
IgAs da mãe para o recém-nascido pelo aleitamento.
• A resposta de fase aguda consiste em proteínas, como proteína
C-reativa, proteína de ligação à manose, e proteína de ligação ao • A imunidade ativa refere-se à proteção baseada na formação
LPS, que intensificam a resposta do hospedeiro às bactérias. A inter- de imunidade mediada por anticorpos e por células após a
leucina-6 é o principal indutor dessa resposta. exposição ao próprio micróbio (com ou sem o desenvolvimento da
doença), ou aos antígenos do micróbio em uma vacina. A imunida-
• Os neutrófilos e os macrófagos são atraídos para o sítio da infecção de ativa confere proteção de longa duração, porém não é efe-
por quimiocinas, que consistem em pequenos polipeptídeos pro- tiva nos dias subsequentes à exposição ao micróbio. Na resposta
duzidos pelas células no sítio infectado. A interleucina-8 e o C5a primária, o anticorpo surge em 7-10 dias, enquanto na resposta
são importantes quimiocinas para os neutrófilos. secundária, o anticorpo surge em aproximadamente 3 dias.

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70 Warren Levinson

• As principais funções dos anticorpos consistem em neutralizar protegem contra bactérias intracelulares, enquanto as células T
as toxinas bacterianas e os vírus, opsonizar as bactérias, citotóxicas matam células infectadas por vírus.
ativar o complemento, formando um complexo que ataca a
membrana, capaz de promover a morte das bactérias, e interferir Defesas reduzidas do hospedeiro
com a adesão às superfícies mucosas. As IgGs correspondem ao
principal anticorpo opsonizante, IgG e IgM ativam o complemento, • As defesas reduzidas do hospedeiro resultam em aumento
e IgA interfere na adesão à mucosa. na frequência e na gravidade das infecções. As principais causas
incluem várias imunodeficiências genéticas, a presença de corpos
• As principais funções da imunidade mediada por células con- estranhos, e a existência de certas doenças crônicas, como diabetes
sistem na proteção contra bactérias intracelulares e morte de melito e insuficiência renal.
células infectadas por vírus. As células T auxiliares (e macrófagos)

QUESTÕES PARA ESTUDO

As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
gia clínica) e Teste seu conhecimento.

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Diagnóstico Laboratorial 9

O diagnóstico laboratorial de doenças infecciosas envolve Gram e da obtenção de uma “cultura pura” do organismo.
duas abordagens principais: uma consiste na abordagem Entretanto, algumas vezes o organismo não é recuperado
bacteriológica, na qual o organismo é identificado por meio em uma cultura, sendo necessário o emprego de outras
de técnicas de coloração e cultivo, enquanto a outra consiste técnicas. A Tabela 9-2 descreve algumas abordagens para
na abordagem imunológica (sorológica), na qual o orga- a realização do diagnóstico quando as culturas são nega-
nismo é identificado pela detecção de anticorpos contra o tivas. Uma abordagem comumente utilizada consiste no
organismo no soro do paciente. teste sorológico, que determina a presença de anticorpos
específicos contra o organismo. Na maioria dos casos, um
Na abordagem bacteriológica de diagnóstico de doenças aumento de quatro vezes no título de anticorpos entre as
infecciosas, várias etapas importantes antecedem o trabalho amostras de soro da fase aguda e da fase de convalescência é
laboratorial propriamente dito, ou seja: (1) escolha do espé- considerado significativo.
cime apropriado a ser examinado, o que requer um enten-
dimento a respeito da patogênese da infecção; (2) coleta do A obtenção de uma cultura pura envolve o cultivo do
espécime de modo apropriado, a fim de evitar a contami- organismo em um ágar bacteriológico. Inicialmente, o ágar
nação pela microbiota normal; (3) transporte do espécime sangue é utilizado, pois permite o cultivo de várias bactérias
rapidamente ao laboratório, ou sua armazenagem correta; e e a observação do tipo de hemólise.
(4) fornecimento de informações essenciais para orientar os
profissionais do laboratório. O ágar sangue contém hemácias, porém deve ser obser-
vado que os vírus e as bactérias intracelulares obrigatórias,
Em geral, o trabalho desenvolvido no laboratório bacte- como Chlamydia e Rickettsia, não crescem em ágar sangue.
riológico adota três abordagens: As hemácias não possuem um núcleo funcional e, portanto,
são incapazes de sustentar o crescimento de vírus ou de bac-
(1) Observação do organismo ao microscópio após co- térias intracelulares obrigatórias.
loração;
O ágar sangue contém inibidores de certas bactérias,
(2) Obtenção de uma cultura pura do organismo pela como membros dos gêneros Neisseria e Haemophilus, sendo
inoculação em um meio bacteriológico; necessário o aquecimento do sangue a fim de inativar estes
inibidores. Desse modo, essas bactérias são cultivadas em
(3) Identificação do organismo por intermédio de rea- ágar sangue cozido ou ágar chocolate (assim denominado
ções bioquímicas, crescimento em meios seletivos, sondas de porque o sangue aquecido assume a coloração de chocola-
DNA, ou reações com anticorpos específicos. Tanto a esco- te). Outros meios contêm fatores de crescimento específicos
lha das abordagens a serem utilizadas como a sequência em necessários ao crescimento das bactérias, ou contêm antibi-
que serão empregadas dependem do tipo do espécime e do óticos que inibem a microbiota normal, permitindo que as
organismo. Após o crescimento do organismo em cultura bactérias patogênicas obtenham nutrientes suficientes para
pura, sua sensibilidade em relação a vários antibióticos é de- o crescimento.
terminada pelos procedimentos descritos no Capítulo 11.
Determinados meios, chamados de meios “seletivos,
Uma abordagem geral para o diagnóstico de uma in- diferenciais”, são frequentemente utilizados. Esses meios
fecção bacteriana é descrita na Tabela 9-1. Essa aborda- são seletivos porque contêm compostos que permitem o
gem enfatiza a importância da realização da coloração de

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72 Warren Levinson

Tabela 9-1 Abordagem geral para o diagnóstico de uma infecção bacteriana

1. Obtenção de um espécime a partir do sítio infectado.
2. Coloração do espécime empregando o procedimento apropriado, p. ex., coloração de Gram ou coloração acidorresistente. Quando são ve-

rificadas bactérias na amostra submetida à coloração de Gram, devem ser observados sua forma (p. ex., cocos ou bacilos), seu tamanho, sua
organização (p. ex., cadeias ou agrupamentos) e se correspondem a organismos gram-positivos ou gram-negativos. Também é importante
determinar se um ou mais tipos de bactérias encontram-se presentes. O aspecto microscópico não é suficiente para determinar a espécie
de um organismo, mas frequentemente permite uma suposição confiável quanto ao gênero do organismo e, portanto, orienta a terapia
empírica.
3. A cultura do espécime em meios apropriados, p. ex., placas de ágar sangue. Na maioria dos casos, as placas devem ser semeadas de modo
que permitam a obtenção de colônias isoladas, isto é, uma “cultura pura”. As placas devem ser incubadas na presença ou ausência de oxigê-
nio, de acordo com o caso.
4. Identificação do organismo por meio de testes apropriados, p. ex., fermentação de açúcares, sondas de DNA, testes baseados em anticorpos
como aglutinação ou imunofluorescência. Observar características especiais como hemólise e produção de pigmentos.
5. Realização de testes de suscetibilidade a antibióticos.

cultivo seletivo de determinadas bactérias e diferenciais sangue obtido é adicionado a 100 mL de um meio de cul-
porque contêm outros compostos que permitem a dife- tura rico, como caldo infusão de cérebro-coração. A opção
renciação entre um tipo de bactéria e outro, com base em de inocular-se um ou dois frascos varia entre os hospitais.
alguma reação bioquímica. A Tabela 9-3 apresenta uma Quando dois frascos são utilizados, um é mantido em con-
relação de vários meios sólidos bacteriológicos comumen- dições anaeróbias e o outro não. Quando apenas um frasco
te utilizados no diagnóstico laboratorial, bem como sua é utilizado, a baixa tensão de oxigênio no fundo do frasco
função. permite o crescimento de anaeróbios.

MÉTODOS BACTERIOLÓGICOS As hemoculturas são verificadas diariamente quanto à
turbidez ou produção de CO2 durante 7 dias ou mais. Se
Hemoculturas houver crescimento, são realizados a coloração de Gram,
As hemoculturas são realizadas com maior frequência diante o subcultivo e testes de sensibilidade a antibióticos. Se
da suspeita de sépsis, endocardite, osteomielite, meningite não houver crescimento após um ou dois dias, o subcul-
ou pneumonia. Os organismos mais frequentemente isola- tivo cego em outros meios pode revelar os organismos. As
dos a partir de hemoculturas são dois cocos gram-positivos, culturas devem ser mantidas por 14 dias quando houver
Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae, e três baci- suspeita de endocardite infecciosa, fungemia ou infecção
los gram-negativos, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e por bactérias de crescimento lento, como, por exemplo,
Pseudomonas aeruginosa. Brucella.

É importante obter-se pelo menos três amostras de 10 Culturas de garganta
mL de sangue durante um período de 24 horas, uma vez que
o número de organismos pode ser pequeno e sua presença, As culturas de garganta são utilizadas principalmente para
intermitente. O sítio da punção venosa deve ser limpo com detectar a presença de estreptococos beta-hemolíticos do
iodo 2% para impedir a contaminação por membros da mi- grupo A (Streptococcus pyogenes), uma causa importante e tra-
crobiota da pele, geralmente Staphylococcus epidermidis. O tável de faringite. Também são utilizadas diante da suspeita
de difteria, faringite gonocóccica ou monilíase (Candida).

Tabela 9-2 Como diagnosticar uma infecção bacteriana quando a cultura for negativa

1. Detectar anticorpos no soro do paciente. A detecção de anticorpos IgM indica uma infecção em curso. Um aumento de quatro vezes ou
mais no título de anticorpos entre a amostra de soro da fase aguda e a amostra de soro da fase de convalescência também indica uma infec-
ção em curso. (Uma importante desvantagem do uso de amostras de soro da fase aguda e de convalescência está no fato de a amostra da
fase convalescente ser geralmente colhida 10-14 dias após a amostra da fase aguda. Neste momento, o paciente frequentemente encontra-
-se recuperado e o diagnóstico assume caráter retrospectivo.) Um único título de anticorpos IgG é de difícil interpretação, uma vez que não
esclarece se representa uma infecção corrente ou prévia. Em certas doenças, um único título de magnitude suficiente pode ser utilizado
como evidência presuntiva de uma infecção corrente.

2. Detectar antígenos no espécime do paciente. Utilizar anticorpos conhecidos para detectar a presença de antígenos dos organismos, p. ex.,
anticorpo fluorescente para detectar antígenos no tecido, aglutinação de látex para detectar antígenos dos polissacarídeos capsulares no
liquor.

3. Detectar ácidos nucleicos no espécime do paciente. Utilizar a reação de polimerização em cadeia (PCR, do inglês, polymerase chain reaction)
e sondas de DNA para detectar o DNA ou RNA do organismo.

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Microbiologia Médica e Imunologia 73

Tabela 9-3 Meios sólidos bacteriológicos comumente utilizados e suas funções

Denominação do ágar Bactérias isoladas neste ágar Função ou propriedades do ágar

Sangue Várias bactérias Detecção de hemólise
Bordet-Gengou Bordetella pertussis A maior concentração de sangue permite o crescimento
Carvão-extrato de levedura Legionella pneumophila A maior concentração de ferro e cisteína permite o crescimento
Chocolate Neisseria meningitidis e Neisseria gonor- O aquecimento do sangue inativa os inibidores de crescimento

Ágar chocolate adicionado rhoeae a partir de sítios estéreis Os fatores X e V são requeridos para o crescimento
dos fatores X e V Haemophilus influenzae

Gema de ovo Clostridium perfringens A lecitinase produzida pelo organismo degrada a gema de ovo,
originando um precipitado insolúvel
Eosina-azul de metileno
Vários bacilos entéricos gram-negativos Seletivo contra bactérias gram-positivas e diferencia entre fermen-
Löwenstein-Jensen tadores e não fermentadores de lactose

MacConkey Mycobacterium tuberculosis Seletivo contra bactérias gram-positivas da microbiota do trato
respiratório e contém lipídeos necessários ao crescimento
Telurito
Thayer-Martin Vários bacilos entéricos gram-negativos Seletivo contra bactérias gram-positivas e diferencia entre fermen-
tadores e não fermentadores de lactose
Tríplice açúcar ferro (TSI, do
inglês, triple sugar iron) Corynebacterium diphtheriae O telurito é metabolizado a telúrio que exibe coloração negra

N. gonorrhoeae a partir de sítios não Ágar chocolate contendo antibióticos para inibir o crescimento da
estéreis microbiota normal

Vários bacilos entéricos gram-negativos Diferencia os fermentadores dos não fermentadores de lactose e
os produtores dos não produtores de H2S

Durante a coleta do espécime, o swab deve tocar a re- mais de 25 leucócitos e menos de 10 células epiteliais por
gião posterior da faringe, bem como as tonsilas ou fossas campo, em um aumento de 100 x. Uma amostra não confiá-
tonsilares. O material do swab é inoculado em uma placa vel pode levar a equívocos, devendo ser rejeitada pelo labora-
de ágar sangue e semeado de modo a permitir a obtenção de tório. Se o paciente não for capaz de tossir e se a necessidade
colônias isoladas. Se forem observadas colônias de estrepto- de um diagnóstico microbiológico for premente, a indução
cocos beta-hemolíticos após 24 horas de incubação a 35ºC, do escarro, a aspiração transtraqueal, a lavagem brônquica
um disco de bacitracina é utilizado para determinar a possi- ou a biópsia pulmonar podem ser necessárias. Uma vez que
bilidade de o organismo corresponder a um estreptococo do esses procedimentos evitam a microbiota normal das vias
grupo A. Se houver inibição do crescimento ao redor do dis- aéreas superiores, apresentam maior probabilidade de propi-
co, trata-se de um estreptococo do grupo A; caso contrário, ciar um diagnóstico microbiológico preciso. Uma avaliação
trata-se de um estreptococo beta-hemolítico não pertencente preliminar da causa da pneumonia pode ser realizada por
ao grupo A. meio da coloração de Gram se um grande número dos orga-
nismos típicos for observado.
Observe que a coloração de Gram tipicamente não é
realizada em um swab de garganta, uma vez que é impossível A cultura do escarro em ágar sangue frequentemente
diferenciar, com base no aspecto, os estreptococos da micro- revela colônias características, sendo a identificação reali-
biota normal de S. pyogenes. zada por vários testes sorológicos ou bioquímicos. Cultu-
ras de Mycoplasma são realizadas com pouca frequência; o
Culturas de escarro diagnóstico geralmente é confirmado por um aumento no
título de anticorpos. Quando existe suspeita de pneumonia
As culturas de escarro são realizadas principalmente quan- por Legionella, o organismo pode ser cultivado em ágar car-
do há suspeita de pneumonia ou tuberculose. A causa mais vão-levedura, o qual contém a elevada concentração de ferro
frequente de pneumonia adquirida na comunidade corres- e enxofre necessária ao crescimento.
ponde a S. pneumoniae, enquanto S. aureus e bacilos gram-
-negativos, como K. pneumoniae e P. aeruginosa são causas Diante da suspeita de tuberculose, deve-se realizar de
comuns de pneumonias adquiridas em hospitais. imediato uma coloração acidorresistente, assim como a cul-
tura do escarro em meios especiais, que são incubados por
É importante que o espécime a ser cultivado seja de fato pelo menos seis semanas. Para o diagnóstico de pneumonia
escarro, e não saliva. O exame de um esfregaço do espécime, por aspiração e de abscessos pulmonares, as culturas anaeró-
submetido à coloração de Gram, frequentemente revela se bias são importantes.
o espécime é satisfatório. Um espécime confiável apresenta

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74 Warren Levinson

Cultura de liquor Para a cultura de Salmonella e Shigella, é utilizado um
meio diferencial e seletivo, como ágar MacConkey ou ágar
Culturas de liquor são realizadas principalmente quando eosina-azul de metileno (EMB, do inglês, eosin-methylene
existe suspeita de meningite. Espécimes de liquor obtidos blue). Esses meios são seletivos porque permitem o cresci-
de casos de encefalite, abscesso cerebral e empiema subdural mento de bacilos gram-negativos, porém inibem vários or-
geralmente revelam culturas negativas. As causas mais im- ganismos gram-positivos. Suas propriedades diferenciais ba-
portantes de meningite bacteriana aguda são três organismos seiam-se no fato de Salmonella e Shigella não fermentarem a
capsulados: Neisseria meningitidis, S. pneumoniae e Haemo- lactose, ao contrário de vários outros bacilos gram-negativos
philus influenzae. entéricos. Quando são observadas colônias não fermentado-
ras de lactose, o ágar tríplice açúcar ferro (TSI) é utilizado
Uma vez que a meningite aguda corresponde a uma para distinguir Salmonella de Shigella. Algumas espécies de
emergência médica, o espécime deve ser transportado Proteus assemelham-se a Salmonella em ágar TSI; contudo,
imediatamente ao laboratório. O esfregaço do sedimento podem ser diferenciadas pelo fato de produzirem a enzima
da amostra centrifugada submetido à coloração de Gram urease, ao contrário de Salmonella. O organismo é adicional-
orienta o tratamento empírico imediato. Se forem obser- mente identificado como uma espécie de Salmonella ao Shi-
vados organismos similares a N. meningitidis, H. influenzae gella com o uso de antissoros específicos para o antígeno O
ou S. pneumoniae, o teste de Quellung ou de imunoflu- da parede celular do organismo em um teste de aglutinação.
orescência com antissoros específicos podem identificar Esse procedimento é geralmente realizado em laboratórios
rapidamente o organismo. As culturas são realizadas em hospitalares; contudo, a identificação precisa das espécies é
ágar sangue e ágar chocolate, sendo incubadas a 35ºC em realizada em laboratórios da rede pública de saúde.
atmosfera contendo 5% de CO2. A hematina e a nicotina-
mida adenina dinucleotídeo (NAD) (fatores X e V, respec- Campylobacter jejuni é cultivado em meios contendo
tivamente) são adicionadas para intensificar o crescimento antibióticos, p. ex., ágar de Skirrow, a 42ºC em atmosfera
de H. influenzae. contendo 5% de O2 e 10% de CO2. O organismo exibe
bom crescimento nessas condições, diferentemente de vá-
Nos casos de meningite subaguda, Mycobacterium tuber- rios outros patógenos intestinais. Embora existam técnicas
culosis e o fungo Cryptococcus neoformans são os organismos disponíveis, as culturas de fezes não são realizadas com fre-
mais comumente isolados. Colorações acidorresistentes do quência para organismos como Yersinia enterocolitica, Vi-
liquor devem ser realizadas, embora M. tuberculosis pos- brio parahaemolyticus, e E. coli enteropatogênicas ou toxigê-
sa não ser observado, uma vez que pode estar presente em nicas. Apesar de sua presença em grande número nas fezes,
pequenos números. O fluido deve ser cultivado, sendo as anaeróbios raramente são patógenos no trato intestinal e,
culturas mantidas por um período mínimo de seis semanas. portanto, culturas anaeróbias de amostras de fezes são des-
C. neoformans, uma levedura com brotamento que possui necessárias.
cápsula proeminente, pode ser observada no liquor quando
tinta nanquim é utilizada. Culturas de urina

Testes imunológicos para detectar a presença de antíge- As culturas de urina são realizadas principalmente dian-
no capsular no fluido espinal podem ser utilizados na iden- te da suspeita de pielonefrite ou cistite. A causa mais fre-
tificação de N. meningitidis, S. pneumoniae, H. influenzae, quente de infecções do trato urinário corresponde a E. coli.
estreptococos do grupo B, E. coli e C. neoformans. Os dois Outros agentes comuns são Enterobacter, Proteus e Entero-
testes mais frequentemente utilizados são a aglutinação de coccus faecalis.
partículas de látex e a contraimunoeletroforese.
Em um indivíduo sadio, a urina presente na bexiga é es-
Cultura de fezes téril, porém adquire organismos da microbiota normal à me-
dida que atravessa a porção distal da uretra. Para evitar esses
As culturas de fezes são realizadas principalmente em casos organismos, um espécime do jato intermediário, eliminado
de enterocolite. Os patógenos bacterianos mais comuns res- após a higiene do orifício externo, é utilizado em culturas de
ponsáveis por diarreias nos Estados Unidos são Shigella, Sal- urina. Em situações especiais, a aspiração suprapúbica ou a
monella e Campylobacter. cateterização podem ser requeridas para a obtenção de um
espécime. Pelo fato de a urina corresponder a um bom meio
Um exame microscópico direto das fezes pode ser in- de cultura, é essencial que as culturas sejam realizadas até
formativo sob dois pontos de vista: (1) coloração com azul uma hora após a coleta ou armazenadas em um refrigerador
de metileno, que revela muitos leucócitos, indica o envol- a 4ºC por, no máximo, 18 horas.
vimento de um organismo invasivo, em vez de toxigêni-
co; e (2) coloração de Gram pode revelar grandes números É habitualmente aceito que uma contagem bacteria-
de certos organismos, como estafilococos, clostrídios ou na de pelos menos 100.000/mL deve ser encontrada para
campilobactérias. Habitualmente, a coloração de Gram concluir que uma bacteriúria significativa encontra-se pre-
das fezes não é realizada, uma vez que o grande número de sente (em indivíduos assintomáticos). Há evidências de
bactérias da microbiota normal do cólon pode dificultar a
interpretação.

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Microbiologia Médica e Imunologia 75

que uma contagem de somente 100/mL seja significati- detectar ácidos nucleicos clamidiais, são utilizados com fre-
va no caso de pacientes sintomáticos. Tal determinação é quência para o diagnóstico de doenças sexualmente transmi-
realizada por meio de culturas quantitativas ou semiquan- tidas causadas por esse organismo.
titativas. Existem várias técnicas. (1) Uma alça calibrada,
que comporta 0,001 mL de urina, pode ser utilizada para Uma vez que Treponema pallidum, o agente da sífilis,
semear a cultura. (2) Diluições decimais seriadas podem não pode ser cultivado, o diagnóstico é realizado por micros-
ser preparadas, realizando-se a semeadura das amostras das copia e sorologia. A presença de espiroquetas móveis, com
diluições. (3) Um procedimento de varredura adequado características morfológicas típicas, observados por micros-
ao uso no consultório médico envolve uma “espátula” re- copia de campo escuro em fluido oriundo de lesão genital
coberta por ágar, a qual é mergulhada na urina. Após a indolor, é suficiente para o diagnóstico. Os testes sorológi-
incubação da espátula, a densidade das colônias é compa- cos enquadram-se em dois grupos: os testes com anticorpos
rada a gráficos-padrão, a fim de obter-se uma estimativa da não treponêmicos, como o teste do Veneral Disease Research
concentração de bactérias. Laboratory (VDRL) ou o teste de reagina plasmática rápida
(RPR, do inglês, rapid plasma reagin), e os testes com an-
Culturas do trato genital ticorpos treponêmicos, como o teste de absorção de anti-
corpos treponêmicos fluorescentes (FTA-ABS, do inglês,
As culturas do trato genital são realizadas principalmente fluorescent treponemal antibody-absorption). Esses testes são
com espécimes coletados de indivíduos que apresentam se- descritos na página 76.
creções anormais, ou em espécimes dos contatos assintomá-
ticos de um indivíduo portando uma doença sexualmente Culturas de ferimentos e abscessos
transmitida. Um dos patógenos mais importantes do trato
genital é Neisseria gonorrhoeae. O diagnóstico laboratorial de Uma grande variedade de organismos está envolvida em
gonorreia é realizado pelo exame microscópico de um es- infecções de ferimentos e abscessos. As bactérias mais fre-
fregaço submetido à coloração de Gram e pela cultura do quentemente isoladas diferem de acordo com o sítio anatô-
organismo. mico e os fatores predisponentes. Abscessos no cérebro, nos
pulmões e no abdômen são frequentemente causados por
Os espécimes são obtidos por meio de um swab do organismos anaeróbios, como Bacteroides fragilis, e cocos
canal uretral (para homens), do cérvix (para mulheres) ou gram-positivos, como S. aureus e S. pyogenes. As infecções
do canal anal (para homens e mulheres). A secreção uretral de ferimentos traumáticos abertos são causadas principal-
peniana é frequentemente utilizada. Pelo fato de N. gonor- mente por membros da microbiota do solo, como Clos-
rhoeae ser um organismo muito delicado, o espécime deve tridium perfringens; as infecções de feridas cirúrgicas são
ser inoculado diretamente em placa de ágar Thayer-Mar- usualmente causadas por S. aureus. As infecções no sítio de
tin chocolate ou em meio de transporte especial (p. ex., mordedura de cães ou gatos são comumente decorrentes
Trans-grow). de Pasteurella multocida, enquanto as mordeduras huma-
nas envolvem principalmente os organismos anaeróbios da
Diplococos gram-negativos encontrados intracelular- cavidade oral.
mente em neutrófilos em um esfregaço de uma secreção
uretral masculina apresentam uma probabilidade superior a Uma vez que os anaeróbios estão frequentemente en-
90% de corresponderem a N. gonorrhoeae. Uma vez que os volvidos nesses tipos de infecção, é importante acondicionar
esfregaços realizados a partir de swabs do endocérvix e canal o espécime em tubos de coleta anaeróbios e realizar rapida-
anal serem menos confiáveis, as culturas são necessárias. A mente seu transporte para o laboratório. Pelo fato de muitas
observação de apenas diplococos extracelulares sugere que dessas infecções serem decorrentes de múltiplos organismos,
essas neissérias podem ser membros da microbiota normal incluindo misturas de anaeróbios e não anaeróbios, é im-
e que o paciente pode estar acometido por uretrite não go- portante cultivar o espécime em vários meios distintos, bem
nocóccica. como em diferentes condições atmosféricas. A coloração de
Gram pode fornecer informações valiosas quanto à gama de
A uretrite não gonocóccica e a cervicite são também organismos em consideração.
infecções extremamente comuns. A causa mais frequente
corresponde a Chlamydia trachomatis, incapaz de crescer em MÉTODOS IMUNOLÓGICOS
meios artificiais, devendo ser cultivada em células vivas. Com
esse objetivo, são utilizadas culturas de células humanas ou a Os métodos imunológicos são descritos em maiores detalhes
gema de ovos embrionados. A descoberta de inclusões intra- no Capítulo 64. Contudo, é interessante apresentarmos nes-
citoplasmáticas típicas ao utilizar-se a coloração de Giemsa te momento informações sobre como as reações sorológicas
ou anticorpos fluorescentes permite o diagnóstico. Devido auxiliam no diagnóstico microbiológico. Existem essencial-
à dificuldade no cultivo de C. trachomatis, atualmente mé- mente duas abordagens básicas: (1) utilização de anticorpos
todos não bacteriológicos, como ensaio imunoabsorvente conhecidos para identificar o micro-organismo e (2) utili-
ligado a enzimas (ELISA) para detectar antígenos clamidiais zação de antígenos conhecidos para detectar a presença de
em exsudatos ou urina, ou ensaios com sondas de DNA para anticorpos no soro do paciente.

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76 Warren Levinson

Identificação de um organismo utilizando fluorescente, o qual é detectado visualmente ao microscó-
antissoro conhecido pio de luz ultravioleta. Vários métodos podem ser utilizados,
como as técnicas diretas e indiretas (ver Capítulo 64).
A. Reação de intumescimento capsular (Quellung)
Identificação de anticorpos séricos utilizando
Várias bactérias podem ser identificadas diretamente em es- antígenos conhecidos
pécimes clínicos por esta reação, que se baseia na observação
microscópica do intumescimento da cápsula, quando na pre- A. Teste de aglutinação em lâmina ou tubo
sença de antissoro homólogo. Antissoros contra os seguintes
organismos encontram-se disponíveis: todos os sorotipos de Neste teste, diluições seriadas na base dois de uma amostra
S. pneumoniae (Omniserum), H. influenzae tipo b e N. me- do soro do paciente são misturadas a suspensões bacteria-
ningitidis dos grupos A e C. nas padrão. A maior diluição do soro capaz de promover a
aglutinação das bactérias corresponde ao título do anticorpo.
B. Teste de aglutinação em lâmina Como ocorre na maioria dos testes que envolvem anticorpos
do paciente, uma elevação de pelo menos quatro vezes no
Antissoros podem ser utilizados para identificar Salmonella e título entre as amostras precoce e tardia deve ser demons-
Shigella por meio da aglutinação (agregação) do organismo trada para que se faça o diagnóstico. Este teste é utilizado
desconhecido. Os antissoros dirigidos contra antígenos O principalmente para auxiliar no diagnóstico de febre tifoi-
da parede celular de Salmonella e Shigella são comumente de, brucelose, tularemia, peste, leptospirose e doenças por
utilizados em laboratórios hospitalares. Antissoros contra riquétsias.
antígenos H flagelares e antígeno Vi capsular de Salmonella
são utilizados em laboratórios da rede de saúde pública com B. Testes sorológicos para sífilis
objetivos epidemiológicos.
A detecção de anticorpos no soro do paciente é frequen-
C. Teste de aglutinação de látex temente utilizada no diagnóstico de sífilis, uma vez que T.
pallidum não cresce em meios laboratoriais. Existem dois
Esferas de látex revestidas com anticorpos específicos sofrem tipos de testes:
aglutinação na presença de bactérias ou antígenos homó-
logos. Este teste é utilizado para determinar a presença do (1) Os testes não treponêmicos utilizam uma mistura de
antígeno capsular de H. influenzae, N. meningitidis, várias cardiolipina-lectina-colesterol como antígeno e não um an-
espécies de estreptococos e da levedura C. neoformans. tígeno do organismo. A cardiolipina (difosfatidil-glicerol) é
um lipídeo extraído do coração bovino normal. A floculação
D. Teste de contraimunoeletroforese (agregação) da cardiolipina ocorre na presença de anticorpos
contra T. pallidum. Os testes VDRL e RPR são testes não
Neste teste, o antígeno bacteriano desconhecido e um an- treponêmicos comumente utilizados como procedimentos
ticorpo específico conhecido deslocam-se um em direção de varredura. Não são específicos para a sífilis, contudo são
ao outro em um campo elétrico. Se os dois forem homólo- de baixo custo e de fácil realização.
gos, forma-se um precipitado no interior da matriz de ágar.
Uma vez que os anticorpos são carregados positivamente (2) Os testes treponêmicos utilizam T. pallidum como
no pH empregado no teste, apenas antígenos carregados antígeno. Os dois testes treponêmicos mais amplamente
negativamente, geralmente polissacarídeos capsulares, po- utilizados são os testes FTA-ABS e MHA-TP (micro-hema-
dem ser avaliados. O teste pode ser utilizado para detectar glutinação para Treponema pallidum). No teste FTA-ABS,
a presença de antígenos capsulares de H. influenzae, N. me- a amostra do soro do paciente, previamente absorvida com
ningitidis, S. pneumoniae e estreptococos do grupo B no treponemas diferentes de T. pallidum para remover anticor-
liquor. pos inespecíficos, é submetida a uma reação com T. pallidum
não viáveis em uma lâmina. Em seguida, anticorpos contra
E. Ensaio imunoabsorvente ligado a enzimas a imunoglobulina G (IgG) humana marcados com fluo-
resceína são utilizados a fim de determinar se o anticorpo
Neste teste, uma enzima de fácil detecção é ligada a um an- IgG contra T. pallidum está ligado ao organismo. No teste
ticorpo específico, o qual é utilizado para detectar a presença MHA-TP, a amostra de soro do paciente é submetida a uma
do antígeno homólogo. Uma vez que várias técnicas foram reação com eritrócitos de carneiro revestidos com antígenos
desenvolvidas na implementação deste princípio, as etapas de T. pallidum. A hemaglutinação ocorre se houver a presen-
específicas utilizadas não podem ser detalhadas aqui (ver ca- ça de anticorpos.
pítulo 64). Este teste é útil para a detecção de uma ampla
variedade de infecções bacterianas, virais e fúngicas. C. Teste da aglutinina fria

F. Testes com anticorpos fluorescentes Pacientes com infecções por Mycoplasma pneumoniae de-
senvolvem anticorpos autoimunes que aglutinam hemá-
Uma variedade de bactérias pode ser identificada pela expo-
sição a um anticorpo conhecido marcado com um corante

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Microbiologia Médica e Imunologia 77

cias humanas no frio (4ºC), porém não a 37ºC. Esses sibilidade do teste é significativamente mais alta que aquela
anticorpos ocorrem em certas doenças distintas das in- dos testes que não envolvem a amplificação. Muitas bactérias
fecções por Mycoplasma; assim, podem ocorrer resultados podem ser identificadas com o uso desses testes, mas eles são
falso-positivos. especialmente úteis na detecção de Chlamydia trachomatis e
Neisseria gonorrhoeae em amostras de urina, em clínicas de
MÉTODOS BASEADOS EM ÁCIDOS NUCLEICOS DSTs.

Existem três tipos de testes baseados em ácidos nucleicos uti- Os testes que utilizam sondas de ácido nucleico têm
lizados no diagnóstico de doenças bacterianas: testes de am- como finalidade detectar o DNA ou RNA bacterianos di-
plificação do ácido nucleico, sondas de ácido nucleico e aná- retamente (sem amplificação), empregando uma sonda de
lise da sequência do ácido nucleico. Os testes baseados em DNA ou RNA marcada que se hibridizará especificamente
ácidos nucleicos são altamente específicos, bastante sensíveis com o ácido nucleico bacteriano. Esses testes são de realiza-
(especialmente os testes de amplificação) e mais rápidos que ção mais simples que os testes de amplificação, porém são
o cultivo do organismo. Esses testes são especialmente úteis menos sensíveis.
para bactérias de difícil cultivo, como espécies de Chlamydia
e Mycobacterium. A análise da sequência do ácido nucleico é utilizada para
identificar as bactérias com base na sequência do RNA ri-
Os testes de amplificação de ácido nucleico utilizam a bossomal do organismo. Um organismo nunca antes culti-
PCR (reação de polimerização em cadeia) ou outro processo vado, Tropheryma whippelii, foi identificado com o uso dessa
de amplificação para aumentar o número de moléculas de abordagem.
DNA ou RNA específicos da bactéria, de modo que a sen-

CONCEITOS-CHAVE

• O diagnóstico laboratorial de doenças infecciosas inclui testes • As culturas de urina são utilizadas para determinar a causa de
bacteriológicos, imunológicos (sorológicos) e moleculares (ba- pielonefrite ou cistite.
seados em ácidos nucleicos).
• As culturas do trato genital são utilizadas mais frequentemente
Testes bacteriológicos para o diagnóstico de gonorreia e cancroide. O cultivo de Chla-
mydia trachomatis é difícil, de modo que métodos não bacterioló-
• Os testes bacteriológicos são tipicamente iniciados pela colora- gicos, como ELISA e sondas de DNA, são atualmente utilizados com
ção do espécime do paciente e pela observação do organismo maior frequência que as culturas. O agente da sífilis ainda não foi
ao microscópio. Em seguida, realiza-se a cultura do organismo, cultivado, portanto o diagnóstico é realizado sorologicamente.
tipicamente em ágar sangue, e, em seguida, são realizados vários
testes para identificar o organismo causal. A obtenção de uma • Ferimentos e abscessos podem ser causados por uma grande va-
cultura pura das bactérias é essencial para um diagnóstico preciso. riedade de organismos. As culturas devem ser incubadas tanto na
presença como na ausência de oxigênio, uma vez que anaeróbios
• As hemoculturas são úteis nos casos de sépsis e outras doenças frequentemente estão envolvidos.
onde o organismo é frequentemente encontrado na corrente san-
guínea, como endocardite, meningite, pneumonia e osteomielite. Testes imunológicos (sorológicos)

• As culturas de garganta são bastante úteis no diagnóstico de • Os testes imunológicos (sorológicos) podem determinar se anticor-
faringite causada por Streptococcus pyogenes (faringite estrep- pos estão presentes no soro do paciente, assim como detectar os
tocóccica), entretanto são também utilizadas no diagnóstico de antígenos do organismo em tecidos ou fluidos corporais.
difteria, faringite gonocóccica, e monilíase causada pela levedura
Candida albicans. • Nestes testes, os antígenos do organismo causal podem ser
detectados pelo uso de anticorpos específicos, frequentemente
• As culturas de escarro são utilizadas principalmente para diag- marcados com um corante, tal como a fluoresceína (testes com
nosticar a causa de pneumonias, mas também são utilizadas em anticorpos fluorescentes). A presença do anticorpo no soro do
casos suspeitos de tuberculose. paciente pode ser detectada utilizando-se antígenos derivados
do organismo. Em alguns testes, o soro do paciente contém anti-
• As culturas de liquor são bastante úteis em casos suspeitos de corpos que reagem com um antígeno não derivado do organismo
meningite. Essas culturas geralmente são negativas nos casos de causal, como o teste VDRL, onde a cardiolipina de coração bovino
encefalite, abscessos cerebrais e empiema subdural. reage com anticorpos presentes no soro de pacientes apresentan-
do sífilis.
• As culturas de fezes são úteis principalmente diante da queixa de
diarreia sanguinolenta (disenteria, enterocolite), em vez de diar-
reia aquosa, frequentemente causada por enterotoxinas ou vírus.

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78 Warren Levinson única amostra poderia ser decorrente de uma infecção anterior,
portanto um aumento significativo (quatro vezes ou mais) no título
• Em muitos testes nos quais são detectados anticorpos no soro do é utilizado para indicar a existência de uma infecção em curso.
paciente, coleta-se uma amostra do soro na fase aguda e na fase O anticorpo IgM também pode ser utilizado como indicador de
de convalescência, e um aumento de pelos menos quatro vezes infecção em curso.
no título entre a amostra da fase aguda e de convalescência deve
ser observado para realizar-se um diagnóstico. A razão desses
critérios serem utilizados é que a presença de anticorpos em uma

QUESTÕES PARA ESTUDO

As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
gia clínica) e Teste seu conhecimento.

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10Fármacos Antimicrobianos: Mecanismo de Ação

O conceito mais importante que fundamenta a terapia anti- ■ ATIVIDADE BACTERICIDA E
microbiana corresponde à toxicidade seletiva, isto é, a inibi- BACTERIOSTÁTICA
ção seletiva do crescimento do micro-organismo sem danos
ao hospedeiro. A toxicidade seletiva é obtida explorando-se Em algumas situações clínicas, é essencial utilizar-se um
as diferenças entre o metabolismo e estrutura do micro- fármaco bactericida em vez de bacteriostático. Um fárma-
-organismo e as características correspondentes das células co bactericida mata as bactérias, enquanto um fármaco
humanas. Por exemplo, as penicilinas e cefalosporinas são bacteriostático inibe seu crescimento, mas não causa
agentes antibacterianos eficazes porque impedem a síntese sua morte. As características marcantes do comportamen-
de peptideoglicano, inibindo, assim, o crescimento das célu- to dos fármacos bacteriostáticos são: (1) as bactérias po-
las bacterianas, mas não das células humanas. dem voltar a crescer quando o fármaco é retirada, e (2) os
mecanismos de defesa do hospedeiro, como a fagocitose,
Existem quatro sítios principais na célula bacteriana que são necessários para matar as bactérias. Os fármacos bac-
a diferem o suficiente da célula humana, de modo que po- tericidas são particularmente úteis em determinadas infec-
dem atuar como a base da ação de fármacos clinicamente ções, como, por exemplo, aquelas que representam risco
efetivos: parede celular, ribossomos, ácidos nucleicos e mem- imediato à vida, aquelas em pacientes cuja contagem de
brana celular (Tabela 10-1). leucócitos polimorfonucleares esteja abaixo de 500/μl, e,
na endocardite, onde a fagocitose encontra-se limitada pela
Existem muito mais fármacos antibacterianos que fár- rede fibrinosa das vegetações e os fármacos bacteriostáticos
macos antivirais. Isso é uma consequência da dificuldade não promovem a cura.
de desenvolver-se um fármaco capaz de inibir seletivamen-
te a replicação viral. Pelo fato dos vírus utilizarem muitas ■ MECANISMOS DE AÇÃO
das funções celulares normais do hospedeiro em seu cres-
cimento, não é simples desenvolver um fármaco que iniba INIBIÇÃO DA SÍNTESE DA PAREDE CELULAR
especificamente as funções virais, sem causar danos à célula
hospedeira. 1. Inibição da síntese da parede celular bacteriana

Antibióticos de amplo espectro são ativos contra vá- Penicilinas
rios tipos de micro-organismos; por exemplo, as tetraciclinas As penicilinas (e cefalosporinas) atuam inibindo as trans-
são ativas contra diversos bacilos gram-negativos, clamídias, peptidases, enzimas que catalisam a etapa final das ligações
micoplasmas e riquétsias. Os antibióticos de pequeno es- cruzadas durante a síntese de peptideoglicano (ver Figura
pectro são ativos contra um ou poucos tipos; por exemplo, a 2-5). Por exemplo, em Staphylococcus aureus, a transpepti-
vancomicina é utilizada principalmente contra certos cocos dação ocorre entre o grupo amino na extremidade da liga-
gram-positivos, isto é, estafilococos e enterococos. ção cruzada de pentaglicina e o grupo carboxiterminal da
D-alanina da cadeia lateral do tetrapeptídeo. Uma vez que a
Os fármacos antifúngicos estão incluídos neste capítulo
porque exibem sítios de ação únicos similares, como paredes
celulares, membranas celulares e síntese de ácidos nuclei-
cos. Informações adicionais sobre fármacos antifúngicos são
apresentadas no Capítulo 47.

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80 Warren Levinson

Tabela 10-1 Mecanismo de ação de importantes fármacos antibacterianos e antifúngicas

Mecanismo de ação Fármacos

Inibição da síntese da parede celular Penicilinas, cefalosporinas, imipenem, aztreonam, vancomicina
1. Atividade antibacteriana Cicloserina, bacitracina
Inibição das ligações cruzadas (transpeptidação) do peptideoglicano
Inibição de outras etapas da síntese de peptideoglicano Caspofungina
2. Atividade antifúngica
Inibição da síntese de β-glicano

Inibição da síntese proteica Cloranfenicol, eritromicina, clindamicina, linezolide
Ação sobre a subunidade ribossomal 50S Tetraciclinas e aminoglicosídeos
Ação sobre a subunidade ribossomal 30S

Inibição da síntese de ácido nucleico Sulfonamidas, trimetoprim
Inibição da síntese de nucleotídeos Quinolonas
Inibição da síntese de DNA Rifampina
Inibição da síntese de mRNA

Alteração da função da membrana celular Polimixina, daptomicina
Atividade antibacteriana Anfotericina B, nistatina, cetoconazol
Atividade antifúngica

Outros mecanismos de ação Isoniazida, metronidazol, etambutol, pirazinamida
1. Atividade antibacteriana Griseofulvina, pentamidina
2. Atividade antifúngica

estereoquímica da penicilina é similar àquela de um dipep- toplasto. A exposição da célula bacteriana à lisozima, pre-
tídeo, D-alanil-D-alanina, a penicilina pode ligar-se ao sítio sente nas lágrimas humanas, resulta na degradação do pep-
ativo da transpeptidase e inibir sua atividade. tideoglicano e ruptura osmótica similar àquela causada pela
penicilina.
Dois fatores adicionais estão envolvidos na ação da pe-
nicilina. A penicilina é bactericida, entretanto mata as células
apenas quando as células se encontram em fase de cresci-
(1) O primeiro é o fato da penicilina ligar-se a uma va- mento. Durante o crescimento celular, há a síntese de novo
riedade de receptores da membrana celular e parede celular peptideoglicano e ocorre a transpeptidação. No entanto,
bacterianas, denominados proteínas de ligação à penicilina em células que não se encontram em crescimento, não são
(PBPs, do inglês, penicillin-binding proteins). Algumas PBPs requeridas novas ligações cruzadas e a penicilina mostra-se
são transpeptidases; a função de outras é desconhecida. As inativa. Desse modo, as penicilinas são mais ativas duran-
alterações nas PBPs são responsáveis, em parte, por um orga- te a fase log do crescimento das células bacterianas do que
nismo tornar-se resistente à penicilina. durante a fase estacionária (ver, no Capítulo 3, o ciclo de
crescimento da célula bacteriana).
(2) O segundo fator é o fato de enzimas autolíticas,
denominadas mureína hidrolases (mureína é um sinônimo As penicilinas (e cefalosporinas) são denominados
de peptideoglicano), serem ativadas em células tratadas com fármacos β-lactâmicos devido à importância do anel
penicilina, degradando o peptideoglicano. Algumas bacté- β-lactâmico (Figura 10-1). Uma estrutura intacta do anel é
rias, por exemplo, linhagens de S. aureus, são tolerantes à essencial à atividade antibacteriana; a clivagem do anel por
ação da penicilina, por essas enzimas autolíticas não serem penicilinases (β-lactamases) inativa o fármaco. O com-
ativadas. Um organismo tolerante é inibido, mas não morto, posto de ocorrência natural mais importante corresponde
por um fármaco usualmente bactericida, como a penicilina à benzilpenicilina (penicilina G), a qual é composta pelo
(ver página 97). núcleo de ácido 6-aminopenicilânico, presente em todas
as penicilinas, e de uma cadeia lateral benzil (ver Figura
Células tratadas com penicilina morrem por ruptura 10-1). A penicilina G encontra-se disponível em três for-
resultante do influxo de água para o interior da célula bacte- mas principais:
riana, de alta pressão osmótica. Quando a pressão osmótica
do meio é aumentada em cerca de três vezes, pela adição de (1) Penicilina G aquosa, a qual é metabolizada mais ra-
quantidade suficiente de KCl, por exemplo, a ruptura não pidamente;
ocorre e o organismo pode sobreviver na forma de um pro-

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Microbiologia Médica e Imunologia 81

Sítio da hidrólise ácida

H S CH3 O
a C CH3 R C CH C
R N CH CH
cb CH COOH C
CN
B. penicilina G (benzilpenicilina)
O Sítio de ação da penicilinase
(clivagem do anel β-lactâmico)

A. Ácido 6-aminopenicilânico

RO
CC

OC2H5
C. Nafcilina (etoxinaftamidopenicilina)

Figura 10-1 Penicilinas. A: O núcleo de ácido 6-aminopenicilânico é composto por um anel tiazolidina (a), um anel β-lactâmico (b),
e um grupo amino (c). Os sítios de inativação pelos ácidos gástricos e pela penicilinase estão indicados. B: O grupo benzil, que forma a
benzilpenicilina (penicilina G) quando ligado em R. C: O grande anel aromático substituinte que forma a nafcilina, penicilina resistente à
β-lactamase, quando ligado em R. O grande anel bloqueia o acesso da β-lactamase ao anel β-lactâmico.

(2) Penicilina G procaína, onde a penicilina G é conju- A segunda importante desvantagem – hidrólise ácida no
gada à procaína. Essa forma é metabolizada mais lentamente, estômago – também foi minimizada, por meio de modifi-
assim como é menos dolorosa quando injetada por via intra- cações da cadeia lateral. O sítio da hidrólise ácida consiste
muscular, uma vez que a procaína atua como anestésico; na ligação amida entre a cadeia lateral e o núcleo de ácido
penicilânico (ver Figura 10-1). Modificações sutis da cadeia
(3) Penicilina G benzatina, onde a penicilina G é conju- lateral naquela região, como a adição de um oxigênio (pro-
gada à benzatina. Essa forma é metabolizada de forma mui- duzindo penicilina V) ou um grupo amino (para produzir
to lenta, sendo frequentemente denominada preparação de ampicilina), impedem a hidrólise, permitindo a administra-
“depósito”. ção oral do fármaco.

A benzilpenicilina é um dos antibióticos mais eficazes e A inativação da penicilina G pelas β-lactamases é ou-
mais amplamente utilizados. Entretanto, ela exibe quatro des- tra desvantagem importante, especialmente no tratamen-
vantagens, três das quais foram superadas com sucesso pela to de infecções por S. aureus. O acesso da enzima ao anel
modificação química da cadeia lateral. As três desvantagens β-lactâmico é bloqueado modificando-se a cadeia lateral pela
são (1) eficácia limitada contra vários bacilos gram-negativos; a adição de grandes anéis aromáticos contendo grupos me-
(2) hidrólise pelos ácidos gástricos, de modo que não pode til ou etil (meticilina, oxacilina, nafcilina, etc. Figura 10-1).
ser administrada oralmente; e (3) inativação por β-lactamases. Outra defesa contra as β-lactamases consiste em inibidores
A quarta desvantagem, comum a todas as penicilinas e que como o ácido clavulânico e sulbactam. Esses inibidores são
ainda não foi superada, é a hipersensibilidade, especialmente análogos estruturais da penicilina que exibem pouca ativida-
anafilaxia, observada em alguns receptores do fármaco. de antibacteriana, mas ligam-se fortemente às β-lactamases
e, dessa forma, protegem a penicilina. Combinações como
A eficácia das penicilinas contra bacilos gram-negativos amoxicilina e ácido clavulânico (Augmentin), apresentam
foi aumentada por meio de uma série de modificações quí- uso clínico. Algumas bactérias resistentes a essas combina-
micas na cadeia lateral (Tabela 10-2). Pode-se observar que ções foram isoladas a partir de espécimes de pacientes.
a ampicilina e a amoxicilina exibem atividade contra vários
bacilos gram-negativos, que penicilinas anteriores não apre- As penicilinas geralmente são atóxicas em níveis clinica-
sentam. Contudo, esses fármacos não são úteis contra Pseu- mente eficazes. A principal desvantagem desses compostos é
domonas aeruginosa e Klebsiella pneumoniae. Desse modo, a hipersensibilidade, que ocorre em cerca de 1-10% dos pa-
outras penicilinas foram introduzidas. Em termos gerais, à cientes. As reações de hipersensibilidade incluem anafilaxia,
medida que a atividade contra bactérias gram-negativas au- erupções cutâneas, anemia hemolítica, nefrite e febre indu-
menta, a atividade contra bactérias gram-positivas diminui.

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82 Warren Levinson

Tabela 10-2 Atividade de penicilinas selecionadas

Fármaco Principais organismos1

Penicilina G Cocos gram-positivos, bacilos gram-positivos, Neisseria, espiroquetas como Treponema pallidum, e diversos
anaeróbios (exceto Bacteroides fragilis), porém nenhum dos bacilos gram-negativos listados a seguir
Ampicilina ou amoxicilina
Certos bacilos gram-negativos, como Haemophilus influenzae, Escherichia coli, Proteus, Salmonella e Shigella,
Carbenicilina ou ticarcilina mas não Pseudomonas aeruginosa
Piperacilina
Nafcilina ou dicloxacilina P. aeruginosa, especialmente quando utilizada em combinação sinergística com um aminoglicosídeo

Similar à carbenicilina, porém com maior atividade contra P. aeruginosa e Klebsiella pneumoniae

Staphylococcus aureus produtores de penicilinase

1O espectro de ação encontra-se intencionalmente incompleto. Este foi simplificado para o aluno iniciante, a fim de ilustrar a cobertura expandida dos organismos
gram-negativos com sucessivas gerações e não aborda todos os usos clínicos possíveis.

zida por fármacos. A anafilaxia, a complicação mais grave, nos reações de hipersensibilidade que as penicilinas. Apesar
ocorre em 0,5% dos pacientes. O óbito decorrente de anafi- da semelhança estrutural, um paciente alérgico à penicilina
laxia é observado em 0,002% (1:50.000) dos pacientes. apresenta somente 10% de possibilidade de ser hipersensí-
vel também às cefalosporinas. A maioria das cefalosporinas
Cefalosporinas é produto de bolores do gênero Cephalosporium; algumas,
como as cefoxitina, são produzidas pelo actinomiceto Strep-
As cefalosporinas são fármacos β-lactâmicos que atuam da tomyces.
mesma maneira que as penicilinas; isto é, são agentes bacte-
ricidas que inibem as ligações cruzadas do peptideoglicano. Carbapenem
As estruturas, no entanto, são diferentes: as cefalosporinas
apresentam um anel de seis membros adjacente ao anel Carbapenens são fármacos β-lactâmicos, estruturalmente
β-lactâmico e são substituídas em duas regiões no núcleo de distintos das penicilinas e cefalosporinas. Por exemplo, imi-
ácido 7-aminocefalosporânico (Figura 10-2), enquanto as penem (N-formimidoiltienamicina), o carbapenem atual-
penicilinas apresentam um anel de 5 membros e são substi- mente em uso, apresenta um grupo metileno no anel em
tuídas somente em uma região. substituição ao enxofre (Figura 10-3). O imipenem possui
o maior espectro de ação dentre os fármacos β-lactâmicos.
As cefalosporinas de primeira geração são ativas princi- Apresenta excelente atividade bactericida contra diversas
palmente contra cocos gram-positivos. De forma similar às bactérias gram-positivas, gram-negativas e anaeróbias. Este
penicilinas, novas cefalosporinas foram sintetizadas, tendo é eficaz contra a maioria dos cocos gram-positivos, por
como objetivo de expandir a atividade contra bacilos gram- exemplo, estreptococos e estafilococos, a maioria dos co-
-negativos. Essas novas cefalosporinas foram classificadas em cos gram-negativos, por exemplo, Neisseria, diversos bacilos
segunda, terceira e quarta geração, com cada geração exibin- gram-negativos, por exemplo, Pseudomonas, Haemophilus e
do atividade expandida contra certos bacilos gram-negativos. membros da família Enterobacteriaceae, como E. coli; e vá-
As cefalosporinas são eficazes contra uma ampla gama de or- rios anaeróbios, por exemplo, Bacteroides e Clostridium. Este
ganismos, e geralmente são bem toleradas, produzindo me- fármaco é prescrito em combinação com a cilastatina, que
é um inibidor da desidropeptidase, uma enzima renal que
R1 C NH S inativa o imipenem. O imipenem não é inativado pela maio-
O ria das β-lactamases. Outros dois carbapenens, ertapenem e
O N CH2 R2 meropenem, encontram-se disponíveis.
COOH
A Monobactâmicos

R1 R2 Os monobactâmicos são também fármacos β-lactâmicos, es-
truturalmente distintas das penicilinas e cefalosporinas. Os
CH2 Cefalotina O monobactâmicos caracterizam-se por um anel β-lactâmico
S OC sem estrutura adjacente em anel contendo enxofre; isto é,
B são monocíclicos (Figura 10-3). O aztreonam, atualmente
CH3 o monobactâmico de maior utilidade, exibe excelente ati-
vidade contra vários bacilos gram-negativos, como Entero-
Figura 10-2 Cefalosporinas. A: O núcleo de ácido 7-aminoce- bacteriaceae e Pseudomonas, porém é inativo contra bacté-
falosporânico. B: Os dois grupos R do fármaco cefalotina. rias gram-positivas e anaeróbias. É resistente à maioria das
β-lactamases e extremamente útil em pacientes hipersensí-
veis à penicilina, pois não há reação cruzada.

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Microbiologia Médica e Imunologia 83

OH CH3
N O C COOH
NH
S C CH3 CH3
N NHC N CONH N
OH H2N S
COOH SO3
O
A B

Figura 10-3 A: Imipenem. B: Aztreonam.

Vancomicina o β-glicano. O β-glicano é um polissacarídeo composto por
cadeias longas de D-glicose, componente essencial de deter-
A vancomicina é um glicopeptídeo que inibe a síntese da minados patógenos fúngicos de importância médica.
parede celular ao bloquear a transpeptidação, porém por
um mecanismo diferente daquele dos fármacos β-lactâmicos. A caspofungina inibe o crescimento de Aspergillus e
A vancomicina liga-se diretamente à porção D-alanil-D-ala- Candida, mas não de Cryptococcus ou Mucor. A caspofun-
nina do pentapeptídeo, bloqueando a ligação da transpepti- gina é utilizada no tratamento de candidíase disseminada,
dase, enquanto os fármacos β-lactâmicos ligam-se à própria assim como no tratamento de aspergilose invasiva que não
transpeptidase. A vancomicina também inibe uma segunda responde à anfotericina B. A micafungina é aprovada para
enzima, a transglicosilase bacteriana, que também atua na o tratamento de candidíase esofágica e na profilaxia de in-
síntese de peptideoglicano, contudo a inibição desta parece fecções invasivas por Candida em pacientes submetidos a
ser menos importante que a inibição da transpeptidase. transplante de medula óssea. Em 2006, a anidulafungina foi
aprovada para o tratamento de candidíase esofágica e outras
A vancomicina é um agente bactericida efetivo contra infecções graves por Candida.
algumas bactérias gram-positivas. Sua utilização mais im-
portante está no tratamento de infecções por linhagens de S. INIBIÇÃO DA SÍNTESE PROTEICA
aureus resistentes às penicilinas penicilinase-resistentes, como
a nafcilina. Observe que a vancomicina não é um fármaco Diversos fármacos inibem a síntese proteica de bactérias, sem
β-lactâmico e, portanto, não é degradada pela β-lactamase. interferir significativamente na síntese proteica das células
A vancomicina é também utilizada no tratamento de infec- humanas. Essa seletividade é decorrente das diferenças entre
ções causadas por Staphylococcus epidermidis e enterococos. as proteínas ribossomais, RNAs e enzimas associadas bacte-
Linhagens de S. aureus, S. epidermidis e enterococos com re- rianas e humanas. As bactérias apresentam ribossomos 70S,1
sistência parcial ou total à vancomicina foram recuperadas com as subunidades 50S e 30S, enquanto as células humanas
de pacientes. exibem ribossomos 80S, com subunidades 60S e 40S.

Cicloserina e bacitracina Cloranfenicol, eritromicina, clindamicina e linezolide
atuam sobre a subunidade 50S, enquanto as tetraciclinas e
A cicloserina é um análogo estrutural da D-alanina, que aminoglicosídeos atuam sobre a subunidade 30S. Um resu-
inibe a síntese do dipeptídeo D-alanil-D-alanina da parede mo dos mecanismos de ação desses fármacos é apresentado
celular. É utilizada como um fármaco de segunda linha no na Tabela 10-3, e um resumo de sua atividade de utilidade
tratamento da tuberculose. A bacitracina é um antibiótico clínica é apresentado na Tabela 10-4.
polipeptídico cíclico que impede a desfosforilação do fos-
folipídeo que transporta a subunidade do peptideoglicano 1. Fármacos que atuam sobre a subunidade 30S
através da membrana celular. Isso bloqueia a regeneração
do carreador lipídico e inibe a síntese da parede celular. A Aminoglicosídeos
bacitracina é um fármaco bactericida útil no tratamento de Os aminoglicosídeos são fármacos bactericidas especialmente
infecções cutâneas superficiais, entretanto é excessivamente úteis contra vários bacilos gram-negativos. Certos aminogli-
tóxica para uso sistêmico. cosídeos são utilizados contra outros organismos. A estrep-
tomicina, por exemplo, é utilizada na terapia multifármacos
2. Inibição da síntese da parede celular fúngica da tuberculose, e a gentamicina é utilizada em combinação

Equinocandinas, como caspofungina (Cancidas) e micafun- 1 S refere-se a unidades Svedberg, uma medida da velocidade de sedi-
gina (Mycamine), são lipopeptídeos que bloqueiam a síntese mentação em um gradiente de densidade. A velocidade de sedimenta-
da parede celular fúngica por inibirem a enzima que sintetiza ção é proporcional à massa da partícula.

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Tabela 10-3 Mecanismos de ação de antibióticos que inibem a síntese proteica

Antibiótico Subunidade ribossomal Mecanismo de ação Bactericida ou bacteriostático

Aminoglicosídeos 30S Bloqueia o funcionamento do complexo de iniciação Bactericida
e provoca a leitura incorreta do mRNA
Bacteriostático
Tetraciclinas 30S Bloqueia a ligação do tRNA ao ribossomo Ambos1
Principalmente bacteriostático
Cloranfenicol 50S Bloqueia a peptidiltransferase Principalmente bacteriostático
Ambos1
Eritromicina 50S Bloqueia a translocação Ambos1
Ambos1
Clindamicina 50S Bloqueia a formação da ligação peptídica

Linezolide 50S Bloqueia a etapa inicial da formação do ribossomo

Telitromicina 50S Idêntico a outros macrolídeos, p. ex., eritromicina

Estreptograminas 50S Causa liberação prematura da cadeia peptídica

1Podem ser bactericidas ou bacteriostáticos dependendo do organismo.

com a penicilina G contra enterococos. Os aminoglicosídeos ocorrem; o primeiro processo provavelmente é mais impor-
são assim denominados devido ao componente aminoaçúcar tante para a atividade bactericida do fármaco. Um complexo
da molécula, o qual é conectado por uma ligação glicosídica de iniciação composto por uma subunidade 30S tratada com
a outros derivados de açúcar (Figura 10-4). estreptomicina, uma subunidade 50S e um mRNA não atu-
ará – isto é, não serão formadas ligações peptídicas, nem po-
Os dois importantes mecanismos de ação de aminogli- lissomos, resultando em um “monossomo de estreptomicina”
cosídeos foram mais bem documentados em relação à estrep- congelado. A leitura incorreta da trinca do códon do mRNA,
tomicina; outros aminoglicosídeos provavelmente atuam de de modo que o aminoácido incorreto é inserido na proteína,
forma similar. Tanto a inibição do complexo de iniciação também ocorre em bactérias tratadas com estreptomicina.
como a leitura incorreta do RNA mensageiro (mRNA)

Tabela 10-4 Espectro de ação de antibióticos que inibem a síntese proteica

Antibiótico Atividade clinicamente útil Comentários

Aminoglicosídeos Tuberculose, tularemia, peste, brucelose Ototóxica e nefrotóxica.
Estreptomicina Várias infecções por bacilos gram-negativos, incluindo Pseudo- Aminoglicosídeos mais amplamente utilizados.
Gentamicina e
tobramicina monas aeruginosa Eficaz contra alguns organismos resistentes à
Amicacina A mesma da gentamicina e tobramicina gentamicina e tobramicina.

Neomicina Preparação pré-operatória do intestino Muito tóxica para uso sistêmico; uso oral, desde
que não absorvida.
Tetraciclinas Infecções por riquétsias e clamídias, Mycoplasma pneumoniae
Não devem ser administradas durante a gravidez,
nem em crianças.

Cloranfenicol Meningite por Haemophilus influenzae, febre tifoide, infecções A toxicidade para a medula óssea limita o uso a
anaeróbias (especialmente por Bacteroides fragilis) infecções severas.

Eritromicina Pneumonia causada por Mycoplasma e Legionella, infecções por Geralmente bem tolerada, porém pode provocar

cocos gram-positivos em pacientes alérgicos à penicilina diarreia.

Clindamicina Anaeróbios, como Clostridium perfringens e Bacteroides fragilis Colite pseudomembranosa é um importante
efeito colateral.

Linezolide Enterococos resistentes à vancomicina, Staphylococcus aureus e Geralmente bem tolerado.
Telitromicina Staphylococcus epidermidis resistentes à meticilina, e pneumo-
cocos resistentes à penicilina

Pneumonias adquiridas na comunidade causadas por várias Muitas bactérias resistentes a outros macrolídeos
bactérias, incluindo Steptococcus pneumoniae resistentes a são suscetíveis à telitromicina.
múltiplos fármacos

Estreptograminas Bacteriemia causada por Enterococcus faecium resistentes à van- Sem resistência cruzada entre estreptograminas e

comicina outros fármacos inibidoras da síntese proteica.

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Microbiologia Médica e Imunologia 85

R1 NH2 três grupos R (Figura 10-5). As várias tetraciclinas (p. ex.,
NH2 doxiciclina, minociclina, oxitetraciclina) exibem atividade
HC NCR2 antimicrobiana similar, porém propriedades farmacológicas
O distintas. Em geral, as tetraciclinas apresentam baixa toxici-
dade, contudo estão associadas a dois importantes efeitos co-
O OH laterais. Um consiste na supressão da microbiota normal do
trato intestinal, podendo levar à diarreia e crescimento abun-
NH2 O dante de bactérias e fungos resistentes ao fármaco. O outro
consiste na formação de manchas marrons na dentição de
HO O fetos e crianças de pouca idade, como resultado da deposição
do fármaco nos dentes em desenvolvimento; as tetraciclinas
NHCH3 são fortes quelantes de cálcio. Por essa razão, a tetraciclina é
H3C contraindicada para mulheres grávidas e crianças com idade
abaixo de 8 anos.
OH
2. Fármacos que atuam sobre a subunidade 50S
Figura 10-4 Aminoglicosídeos. Os aminoglicosídeos consis-
tem em amino açúcares unidos por uma ligação glicosídica. É Cloranfenicol
apresentada a estrutura da gentamicina.
O cloranfenicol é ativo contra uma ampla gama de orga-
O sítio da ação na subunidade 30S inclui uma proteína ri- nismos, incluindo bactérias gram-positivas e gram-negativas
bossomal e o RNA ribossomal (rRNA). Como resultado da (inclusive anaeróbias). Tem efeito bacteriostático contra
inibição da iniciação e de leitura incorreta, ocorrem danos certos organismos como Salmonella typhi, entretanto exibe
à membrana e morte bacteriana. (Em 1993, outro possível atividade bactericida contra os três importantes organismos
mecanismo de ação foi descrito, isto é, os aminoglicosídeos capsulados que causam meningite: Haemophilus influenzae,
inibem o auto-splicing do rRNA mediado pela ribozima.) Steptococcus pneumoniae e Neisseria meningitidis.

Os aminoglicosídeos apresentam certas limitações quan- O cloranfenicol inibe a síntese proteica ligando-se à
to ao uso. (1) Têm efeito tóxico sobre os rins e porções audi- subunidade ribossomal 50S e bloqueando a ação da pep-
tiva e vestibular do oitavo nervo craniano. Para evitar a toxi- tidiltransferase, o que impede a síntese de novas ligações
cidade, os níveis do fármaco no soro, e de nitrogênio ureico peptídicas. O fármaco inibe seletivamente a síntese proteica
e creatinina sanguíneos devem ser medidos. (2) São pouco bacteriana, uma vez que se liga ao sítio catalítico da trans-
absorvidos a partir do trato gastrintestinal e não podem ser ferase na subunidade ribossomal 50S bacteriana, mas não
administrados oralmente. (3) Exibem pequena penetração da transferase da subunidade ribossomal 60S humana. O
no liquor e devem ser administrados intratecalmente no tra- cloranfenicol inibe a síntese proteica nas mitocôndrias das
tamento da meningite. (4) São ineficazes contra anaeróbios, células humanas em certo grau, uma vez que as mitocôndrias
uma vez que seu transporte para o interior da célula bacteria- apresentam uma subunidade 50S (acredita-se que as mito-
na requer oxigênio. côndrias evoluíram a partir de bactérias). Essa inibição pode
ser responsável pela toxicidade dose-dependente do cloranfe-
Tetraciclinas nicol em relação à medula óssea (discutida posteriormente).

As tetraciclinas constituem uma família de antibióticos com O cloranfenicol é uma molécula comparativamente
atividade bacteriostática contra uma variedade de bactérias simples, com um núcleo de nitrobenzeno (Figura 10-6).
gram-positivas e gram-negativas, micoplasmas, clamídias e O próprio nitrobenzeno é um depressor da medula óssea,
riquétsias. Inibem a síntese proteica ligando-se à subunida- portanto a porção nitrobenzeno da molécula pode estar
de ribossomal 30S e bloqueando a entrada do aminoacil
RNA de transferência (tRNA) no sítio aceptor do ribos- OH O OH O O
somo. No entanto, a ação seletiva da tetraciclina sobre as OH C
bactérias não ocorre em nível ribossomal, uma vez que, in OH NH2
vitro, a tetraciclina inibe igualmente a síntese proteica em
ribossomos purificados de células tanto bacterianas quanto R R1 OH R2 H N(CH3)2
humanas. Sua seletividade baseia-se em sua captação signi- H
ficativamente aumentada em células bacterianas suscetíveis
em comparação às células humanas. Figura 10-5 Estrutura da tetraciclina. A estrutura em quatro
anéis está ilustrada com seus três sítios R. A clortetraciclina, por
As tetraciclinas, conforme a denominação indica, pos- exemplo, apresenta R = Cl, R1 = CH3, e R2 = H.
suem quatro anéis cíclicos com diferentes substituintes nos

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86 Warren Levinson

OH CH2 OH O Clindamicina

O2N C C N C CHCl2 A atividade clínica mais útil deste fármaco bacteriostático
ocorre contra anaeróbios, tanto bactérias gram-positivas,
HHH como Clostridium perfringens, quanto gram-negativas, como
Bacteroides fragilis.
Figura 10-6 Cloranfenicol.
A clindamicina liga-se à subunidade 50S e bloqueia a
envolvida nos problemas hematológicos relatados em rela- formação de ligações peptídicas por um mecanismo indeter-
ção a esse fármaco. O principal efeito colateral do cloranfe- minado. Sua especificidade em relação às bactérias deve-se a
nicol consiste na toxicidade para a medula óssea, com dois sua incapacidade de ligar-se à subunidade 60S dos ribosso-
tipos. Um consiste na supressão dose-dependente, que tem mos humanos.
maior probabilidade de ocorrer em pacientes que recebem
doses elevadas por longos períodos, sendo reversível quan- O efeito colateral mais importante da clindamicina cor-
do a administração do fármaco é interrompida. O outro responde à colite pseudomembranosa, a qual, de fato, pode
tipo consiste na anemia aplástica, causada por uma reação ocorrer com virtualmente qualquer antibiótico, quer admi-
idiossincrática ao fármaco. Essa reação não é dose-depen- nistrado por via oral quer por via parenteral. A patogênese
dente, podendo ocorrer semanas após a interrupção na ad- dessa complicação potencialmente severa consiste na supres-
ministração do fármaco e não é reversível. Felizmente, essa são da microbiota normal do intestino causada pelo fárma-
reação é rara, ocorrendo em cerca de 1:30.000 pacientes. co e pelo crescimento abundante de uma linhagem de Clos-
tridium difficile resistente ao fármaco. O organismo secreta
Uma manifestação tóxica específica do cloranfenicol é a uma exotoxina que produz a pseudomembrana no cólon e
síndrome do “bebê cinza”, na qual a pele da criança apresen- causa diarreia severa, frequentemente sanguinolenta.
ta coloração cinza, ocorrendo vômitos e choque. Isso decorre
da atividade reduzida da glucuronil transferase em crianças, Linezolide
resultando na concentração tóxica de cloranfenicol. A glucu-
ronil transferase é a enzima responsável pela destoxificação Linezolide é útil no tratamento de enterococos resistentes à
do cloranfenicol. vancomicina, S. aureus e S. epidermidis resistentes à meticili-
na, e pneumococos resistentes à penicilina. É bacteriostático
Eritromicina contra enterococos e estafilococos, porém bactericida contra
A eritromicina é um fármaco bacteriostático de amplo es- pneumococos.
pectro. É o tratamento de escolha para a pneumonia causada
por Legionella (bacilo gram-negativo) e Mycoplasma (bactéria Linezolide liga-se ao RNA 23S da subunidade ribosso-
desprovida de parede), sendo também uma alternativa eficaz mal 50S e inibe a síntese proteica, apesar de seu mecanismo
contra uma variedade de infecções causada por cocos gram- exato ser desconhecido. Aparentemente, ele bloqueia alguma
-positivos em pacientes alérgicos à penicilina. Eritromicina, etapa precoce (iniciação) da formação do ribossomo.
azitromicina e claritromicina são membros de um grupo de
fármacos denominados macrolídeos, devido a sua grande TELITROMICINA
estrutura de anel (Figura 10-7).
A telitromicina (Ketek) corresponde ao primeiro membro
A eritromicina liga-se à subunidade 50S e bloqueia a de utilidade clínica do grupo dos antibióticos cetolídeos. É
síntese proteica ao impedir a liberação do tRNA descarrega- similar aos macrolídeos quanto à estrutura geral e ao meca-
do a partir do sítio doador após a formação da ligação peptí- nismo de ação, porém distinta quimicamente o suficiente,
dica. Apresenta uma estrutura macrolídea composta por um de modo que organismos resistentes aos macrolídeos podem
grande anel de 13 carbonos, ao qual dois açúcares são unidos ser sensíveis à telitromicina. Esta exibe amplo espectro de
por ligações glicosídicas (Figura 10-7). A eritromicina é uma atividade contra uma variedade de bactérias gram-positivas
dos fármacos menos tóxicos, havendo apenas algum descon- e gram-negativas (incluindo pneumococos resistentes a ma-
forto gastrintestinal associado ao uso oral. crolídeos), sendo utilizada no tratamento de pneumonia ad-
quirida na comunidade, bronquite e sinusite.
Dois derivados da eritromicina, a azitromicina e cla-
ritromicina, exibem o mesmo mecanismo de ação que a ESTREPTOGRAMINAS
eritromicina, contudo são eficazes contra uma gama mais
ampla de organismos, e possuem maior meia-vida, indi- Uma combinação de duas estreptograminas, a quinopris-
cando que podem ser administradas apenas uma ou duas tina e dalfopristina (Synercid), é utilizada no tratamento
vezes ao dia. de infecções sanguíneas causadas por Enterococcus faecium
resistentes à vancomicina (mas não Enterococcus faecalis re-
sistentes à vancomicina). Também é aprovada para uso em
infecções cutâneas causadas por Streptococcus pyogenes e por
Staphylococcus aureus resistentes à meticilina.

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Microbiologia Médica e Imunologia 87

H OH OH H O CH3 CH3 H CH3 H CH3 O
CH3CH2C CCCC C CH2 CCCC CC
H OH O H O
CH3 H CH3 H
O H3C OH
N OO
CH3
H3C CH3 H3C
O CH3
OH

Figura 10-7 Eritromicina.

As estreptograminas provocam liberação prematura mas que o sintetizam. Assim, as células humanas desviam-se
da cadeia peptídica em crescimento a partir da subunida- da etapa em que as sulfonamidas atuam. As bactérias capazes
de ribossomal 50S. A estrutura e o mecanismo de ação das de utilizar o ácido fólico pré-formado são igualmente resis-
estreptograminas diferem de todos os demais fármacos que tentes às sulfonamidas.
inibem a síntese proteica, e não há resistência cruzada entre
as estreptograminas e estes outros fármacos. O grupo p-amino da sulfonamida é essencial a sua ati-
vidade. Assim, modificações são realizadas na cadeia lateral
INIBIÇÃO DA SÍNTESE DE ÁCIDO NUCLEICO do ácido sulfônico.

1. Inibição da síntese de precursores As sulfonamidas são de baixo custo e raramente causam
efeitos colaterais. No entanto, podem ocorrer febre relacio-
Sulfonamidas nada ao fármaco, erupções e supressão da medula óssea.

Quer isoladamente quer em combinação com trimetoprim, Trimetoprim
as sulfonamidas são úteis em uma variedade de doenças
bacterianas, como infecções do trato urinário causadas por O trimetoprim também inibe a produção de ácido tetrai-
Escherichia coli, otite média causada por S. pneumoniae ou drofólico, porém por um mecanismo diferente daquele das
H. influenzae em crianças, shigelose, nocardiose e cancroi- sulfonamidas, isto é, inibe a enzima di-hidrofolato reduta-
de. Em combinação, também são os fármacos de escolha se (Figura 10-8). Sua especificidade em relação às bactérias
utilizados para o tratamento de duas doenças causadas por baseia-se em sua maior afinidade pela redutase bacteriana do
protozoários, a toxoplasmose e pneumonia por Pneumocys- que pela enzima humana.
tis. As sulfonamidas correspondem a uma grande família de
fármacos bacteriostáticos produzidos por síntese química. O trimetoprim é mais frequentemente utilizado de for-
Em 1935, o composto parental, a sulfanilamida, tornou-se o ma associada ao sulfametoxazol. Observe que ambos os fár-
primeiro agente antimicrobiano clinicamente eficaz. macos atuam sobre a mesma via – porém em sítios diferentes
– a fim de inibir a síntese de tetraidrofolato. As vantagens da
O mecanismo de ação das sulfonamidas consiste em combinação são (1) mutantes bacterianos resistentes a um
bloquear a síntese de ácido tetraidrofólico, o qual é reque- dos fármacos serão inibidos pelo outro e (2) os dois fármacos
rido como um doador de metil na síntese dos precursores podem atuar sinergisticamente, isto é, quando utilizados
de ácido nucleico adenina, guanina e timina. As sulfonami- conjuntamente, provocam inibição significativamente maior
das são análogos estruturais do ácido p-aminobenzoico que a soma da inibição causada por cada fármaco separada-
(PABA, do inglês, p-aminobenzoic acid). PABA condensa-se mente.
a um composto de pteridina, originando ácido di-hidropte-
roico, um precursor do ácido tetraidrofólico (Figura 10-8). Trimetoprim-sulfametoxazol tem utilidade clínica no
As sulfonamidas competem com PABA pelo sítio ativo da tratamento de infecções do trato urinário, de pneumonia
enzima di-hidropteroato sintetase. Essa inibição competitiva por Pneumocystis e shigelose. Também é utilizado profila-
pode ser suplantada por um excesso de PABA. ticamente em pacientes granulopênicos, a fim de prevenir
infecções oportunistas.
A base da ação seletiva das sulfonamidas em relação às
bactérias está no fato de muitas bactérias sintetizarem seu áci- 2. Inibição da síntese de DNA
do fólico a partir de precursores contendo PABA, enquanto
as células humanas requerem ácido fólico pré-formado como Quinolonas
um nutriente exógeno, uma vez que são desprovidas das enzi-
As quinolonas são fármacos bactericidas que bloqueiam a
síntese de DNA bacteriano pela inibição da DNA girase
(topoisomerase). As fluoroquinolonas, como ciprofloxacina

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88 Warren Levinson

COOH SO2NH2 H2N N NH2
N

H2C

NH2 NH2 H3CO OCH3
A B OCH3

Sulfonamida Trimetoprim
Pteridina-H2
Purinas
+ Pirimidinas
Aminoácidos
PABA FAH2 FAH4 + C1
+

Ácido glutâmico

Apenas micro-organismos Micro-organismos e humanos
C

Figura 10-8 Sulfonamida e trimetoprim. A: Comparação entre PABA (à esquerda) e sulfonamida (à direita). B: Trimetoprim. C: Ini-
bição da via do ácido fólico pela sulfonamida e trimetoprim (FAH2 = di-hidrofolato; FAH4 = tetraidrofolato). (Modificado e reproduzido,
com permissão, de Corcoran JW, Hahn FE [editores]: Mechanism of Action of Antimicrobial Agents. Vol. 3 of Antibiotics. Springer-Verlag,

1975. Gentilmente cedido por Springer Business Media.)

(Figura 10-9), norfloxacina, ofloxacina e outras, são ativas como na profilaxia de contatos próximos de pacientes com
contra uma ampla gama de organismos que causam infec- meningite causada por N. meningitidis ou H. influenzae. É
ções do trato respiratório inferior, do trato intestinal, do tra- também utilizada em combinação com outros fármacos no
to urinário e de tecidos esqueléticos e moles. As fluoroqui- tratamento de endocardite associada a válvulas prostéticas
nolonas não devem ser administradas em mulheres grávidas causada por S. epidermidis. Com exceção da profilaxia de
e crianças, uma vez que danificam ossos em crescimento. O curto prazo da meningite, a rifampina é administrada em
ácido nalidíxico, que não é uma fluoroquinolona, é muito combinação com outros fármacos, uma vez que mutantes
menos ativo, sendo utilizado apenas no tratamento de infec- resistentes surgem em uma taxa elevada quando esta é utili-
ções do trato urinário. As quinolonas não são recomendadas zada isoladamente.
para crianças e mulheres grávidas por danificarem cartilagens
em crescimento. O mecanismo de ação seletivo da rifampina é baseado
no bloqueio da síntese de mRNA pela RNA polimerase
Flucitosina bacteriana, sem afetar a RNA polimerase das células huma-
nas. A rifampina é vermelha, de modo que a urina, a saliva e
A flucitosina (fluorocitosina, 5-FC) é um fármaco antifúngi- o suor de pacientes fazendo uso de rifampina frequentemen-
co que inibe a síntese de DNA. É um análogo nucleosídico,
o qual é metabolizado a fluorouracila, que inibe a timidilato HN N N
sintetase, limitando, assim, o fornecimento de timidina. É F
utilizada em combinação com anfotericina B no tratamento COOH
de infecções disseminadas por cândida ou criptocóccicas, es- O
pecialmente meningite criptocóccica. Não é utilizada isola-
damente, uma vez que mutantes resistentes emergem muito Figura 10-9 Ciprofloxacina. O triângulo indica um grupo ciclo-
rapidamente. propil.

3. Inibição da síntese de mRNA

A rifampina é utilizada principalmente no tratamento da
tuberculose, em combinação com outros fármacos, assim

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Microbiologia Médica e Imunologia 89

te assumem coloração laranja, o que é desagradável, porém 2. Alterações de membranas celulares fúngicas
inócuo. A rifampina é excretada em altas concentrações na
saliva, fato responsável por seu sucesso na profilaxia da me- A anfotericina B, o fármaco antifúngico mais importante, é
ningite bacteriana, uma vez que os organismos encontram-se utilizada no tratamento de uma variedade de doenças fúngi-
presentes na garganta. cas disseminadas. É classificada como um composto polieno
porque apresenta um conjunto de sete ligações duplas insa-
A rifabutina, derivado da rifampina com o mesmo me- turadas na estrutura de seu anel macrolídeo (poli significa
canismo de ação, é útil na prevenção de doenças causadas muitos e o sufixo –eno indica a presença de ligações duplas;
por Mycobacterium avium-intracellulare em pacientes com Figura 10-10). Ainda, rompe a membrana celular de fun-
número muito reduzido de células T auxiliares, como, por gos devido a sua afinidade por ergosterol, componente das
exemplo, pacientes com AIDS. membranas fúngicas, mas não das membranas de células
bacterianas ou humanas. Fungos resistentes à anfotericina
ALTERAÇÃO DA FUNÇÃO DA MEMBRANA B raramente foram recuperados a partir de espécimes de pa-
CELULAR cientes. A anfotericina B apresenta significativa toxicidade
renal e medidas dos níveis séricos de creatinina são realiza-
1. Alteração das membranas celulares bacterianas das para monitorar a dose. A nefrotoxicidade é reduzida de
forma significativa quando o fármaco é administrado em
Existem poucos compostos antimicrobianos que atuam veículos lipídicos como lipossomos. Todavia, essas formula-
sobre a membrana celular, uma vez que as semelhanças es- ções são de alto custo. Febre, calafrios, náusea e vômitos são
truturais e químicas das membranas celulares bacterianas e efeitos colaterais comuns.
humanas dificultam a existência de toxicidade seletiva su-
ficiente. A nistatina é outro agente antifúngico polieno, que, em
virtude de sua toxicidade, é utilizado topicamente em infec-
As polimixinas são uma família de antibióticos poli- ções causadas pela levedura Candida.
peptídicos, dos quais o composto de maior utilidade clíni-
ca é a polimixina E (colistina), que é ativa contra bacilos Os azóis são fármacos antifúngicos que atuam inibin-
gram-negativos, especialmente P. aeruginosa. As polimixi- do a síntese de ergosterol. Eles bloqueiam a desmetilação
nas são peptídeos cíclicos compostos por 10 aminoácidos, citocromo P-450-dependente do lanosterol, o precursor
6 dos quais são ácido diaminobutírico. Os grupos amino do ergosterol. Fluconazol, cetoconazol, voriconazol, po-
livres de carga positiva atuam como um detergente cati- saconazol e itraconazol são utilizados no tratamento de
ônico, rompendo a estrutura fosfolipídica da membrana doenças fúngicas sistêmicas; clotrimazol e miconazol são
celular. utilizados apenas topicamente, pois são muito tóxicos para
serem administrados sistemicamente. Os dois anéis azol
A daptomicina é um lipopeptídeo cíclico que rompe contendo nitrogênio do fluconazol podem ser observados
as membranas celulares de cocos gram-positivos, como S. na Figura 10-11.
aureus, S. epidermidis, S. pyogenes, E. faecalis e E. faecium,
incluindo linhagens de S. aureus e S. epidermidis resistentes O cetoconazol tem utilidade no tratamento de blasto-
à meticilina, bem como linhagens de E. faecalis e E. fae- micose, candidíase mucocutânea crônica, coccidioidomicose
cium resistentes à vancomicina. É aprovada para uso em e infecções cutâneas causadas por dermatófitas. O fluconazol
infecções severas de pele e tecidos moles causadas por essas é útil no tratamento de infecções por cândida e criptocócci-
bactérias. cas. Itraconazol é utilizado no tratamento de histoplasmo-

OH O OH OH OH OH O
OH O
HOOC
OH
HO

O
O

HO OH
NH2

Figura 10-10 Anfotericina B.

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90 Warren Levinson

OH N efeito colateral consiste na toxicidade hepática. O fármaco é
N administrada associada à piridoxina a fim de prevenir com-
plicações neurológicas.
N CH2 C CH2 N
O metronidazol (Flagyl) é bactericida contra bactérias
N N anaeróbias. (Também é eficaz contra determinados protozo-
F ários, como Giardia e Trichomonas.) Este fármaco exibe dois
possíveis mecanismos de ação, não estando claro qual o mais
F importante. O primeiro, que explica sua especificidade por
anaeróbios, corresponde a sua capacidade de atuar como de-
Fluconazol pósito de elétrons. Ao captar os elétrons, o fármaco priva o
organismo do poder redutor necessário. Além disso, quando os
Figura 10-11 Fluconazol. elétrons são adquiridos, o anel do fármaco é clivado e forma-se
um intermediário tóxico que provoca danos ao DNA. A natu-
se e blastomicose. Posaconazol é utilizado no tratamento reza precisa do intermediário e sua ação são desconhecidas. A
de candidíase orofaríngea e na prevenção de infecções por estrutura do metronidazol é apresentada na Figura 10-12.
Candida e Aspergillus em indivíduos imunocomprometidos.
Miconazol e clotrimazol, dois outros imidazóis, são úteis no O segundo mecanismo de ação do metronidazol consis-
tratamento tópico de infecções por Candida e dermatofito- te em sua capacidade de inibir a síntese de DNA. O fármaco
ses. Fungos resistentes a azóis raramente foram recuperados liga-se ao DNA e provoca clivagem nas fitas, impedindo sua
a partir de espécimes de pacientes. atuação adequada como um molde para a DNA polimerase.

MECANISMOS ADICIONAIS DOS FÁRMACOS Etambutol é um fármaco bacteriostático ativo contra
M. tuberculosis e várias micobactérias atípicas. Acredita-se
1. Atividade antibacteriana que atua inibindo a síntese de arabinogalactano, que pro-
A isoniazida, ou hidrazida de ácido isonicotínico (INH, do move a ligação entre os ácidos micólicos e o peptideoglicano
inglês, isonicotinic acid hydrazide), é um fármaco bactericida do organismo.
altamente específico para Mycobacterium tuberculosis e ou-
tras micobactérias. É utilizada em combinação com outros A pirazinamida (PZA) é um fármaco bactericida utili-
fármacos no tratamento da tuberculose, e isoladamente na zado no tratamento da tuberculose, mas não no tratamento
prevenção de tuberculose em indivíduos expostos. Uma vez da maioria das infecções micobacterianas atípicas. PZA é
que penetra bem em células humanas, é eficaz contra os or- particularmente eficiente contra organismos semidormen-
ganismos que crescem no interior de macrófagos. A estrutu- tes presentes na lesão, os quais não são afetados por INH
ra da isoniazida é apresentada na Figura 10-12. ou rifampina. PZA atua inibindo um ácido graxo sintetase,
impedindo a síntese de ácido micólico. PZA é convertida no
INH inibe a síntese de ácido micólico, o que explica intermediário ativo, o ácido pirazinoico, por uma amidase
sua especificidade por micobactérias e sua relativa atoxicida- de micobactérias.
de para humanos. O fármaco inibe a redutase necessária à
síntese de ácidos graxos de cadeia longa denominados ácidos 2. Atividade antifúngica
micólicos, os quais são constituintes essenciais das paredes
celulares de micobactérias. O fármaco ativa provavelmente A griseofulvina é um fármaco antifúngico útil no tratamen-
corresponde a um metabólito de INH, formado pela ação to de infecções nos cabelos e unhas causadas por dermató-
da catalase-peroxidase, uma vez que a deleção dos genes des- fitos. Ela se liga à tubulina dos microtúbulos e pode atuar
tas enzimas resulta em resistência ao fármaco. Seu principal impedindo a formação do fuso mitótico.

N NO2 A pentamidina é ativa contra fungos e protozoários.
N N CH2CH2OH É amplamente utilizada na prevenção ou no tratamento de
CONHNH2 pneumonia causada por Pneumocystis carinii. Inibe a síntese
A. Isoniazida CH3 de DNA por um mecanismo desconhecido.
B. Metronidazol
QUIMIOPROFILAXIA
Figura 10-12 A: Isoniazida. B: Metronidazol.
Na maioria dos casos, os agentes antimicrobianos descritos
neste capítulo são utilizados no tratamento de doenças infec-
ciosas. Entretanto, há ocasiões em que eles são empregados
para prevenir a ocorrência de doenças, processo denominado
quimioprofilaxia.

A quimioprofilaxia é utilizada em três circunstâncias:
antes de procedimentos cirúrgicos, em pacientes imuno-
comprometidos e em indivíduos apresentando imunidade
normal que foram expostos a determinados patógenos. A

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Microbiologia Médica e Imunologia 91

Tabela 10-5 descreve os fármacos e as situações em que são Acredita-se que a quimioprofilaxia não seja necessária em in-
utilizados. Para maiores informações, ver os capítulos sobre divíduos com implante de cateteres de diálise, marca-passo
os organismos individuais. ou derivação ventrículo-peritoneal.

De particular importância é a prevenção de endocardite PROBIÓTICOS
em pacientes submetidos a cirurgias odontológicas, do trato
GI ou trato GU e que apresentam danos em válvulas cardía- Ao contrário dos antibióticos químicos previamente descri-
cas ou uma válvula cardíaca prostética. Pacientes submetidos tos neste capítulo, os probióticos consistem em bactérias vi-
a cirurgia odontológica são suscetíveis à endocardite causada vas e não patogênicas, que podem ser eficazes no tratamento
por estreptococos viridantes, devendo receber amoxicilina ou prevenção de certas doenças humanas. A base sugerida
como tratamento pré-operatório. Pacientes submetidos a para o possível efeito benéfico reside no fornecimento de re-
cirurgia do trato GI ou trato GU exibem risco de endocar- sistência à colonização, em que o organismo não patogênico
dite causada por enterococos, devendo receber ampicilina e impede a ligação do organismo patogênico aos sítios da mu-
gentamicina como tratamento pré-operatório. Observe que cosa, na intensificação da resposta imune contra o patógeno
outros regimes de fármacos para a quimioprofilaxia de endo- ou na redução da resposta inflamatória contra o patógeno.
cardite nesses pacientes também são efetivos. Por exemplo, a administração oral de Lactobacillus rhamno-
sus da linhagem GG vivos reduz significativamente o núme-
A prevenção de infecções em pacientes portando arti- ro de casos de diarreia nosocomial em crianças. Além disso,
culações prostéticas ou enxertos vasculares submetidos a ci- a levedura Saccharomyces boulardii reduz o risco de diarreia
rurgia odontológica, do trato GI ou do trato GU também é associada a antibióticos causada por Clostridium difficile.
importante. São empregados regimes antibióticos similares.

Tabela 10-5 Uso quimioprofilático dos fármacos descritos neste capítulo

Fármaco Número do capítulo
para informação

Uso adicional

Penicilina 1. Prevenir faringite recorrente em indivíduos que apresentaram febre reumática 15
2. Prevenir sífilis em indivíduos expostos a Treponema pallidum 24
Ampicilina 3. Prevenir sépsis pneumocóccica em crianças esplenectomizadas 15
1. Prevenir sépsis e meningite neonatal em crianças nascidas de mães portadoras de estrepto- 15
Amoxicilina
Cefazolina cocos do grupo B 15
Ceftriaxona 2. Prevenir endocardite enterocóccica em indivíduos com válvulas cardíacas danificadas e sub-
Ciprofloxacina 15
metidos a cirurgia do trato GI ou GU (utilizada em combinação com gentamicina)
Rifampina Prevenir endocardite causada por estreptococos do grupo viridans em indivíduos com válvulas 15
Isoniazida 16
Eritromicina cardíacas danificadas e submetidos a cirurgia odontológica 16
Prevenir infecções estafilocóccicas de feridas cirúrgicas 17
Tetraciclina Prevenir gonorreia em indivíduos expostos a Neisseria gonorrhoeae 68
Fluconazol 1. Prevenir meningite em indivíduos expostos a Neisseria meningitidis 16, 19
Clotrimazol 2. Prevenir antraz em indivíduos expostos a Bacillus anthracis 21
Trimetoprim-sulfa- 3. Prevenir infecções em pacientes neutropênicos
Prevenir meningite em indivíduos expostos a N. meningitidis e Haemophilus influenzae 19
metoxazol Prevenir a progressão de Mycobacterium tuberculosis em indivíduos recentemente infectados e 16, 25
Pentamidina 20
assintomáticos1 50
1. Prevenir coqueluche em indivíduos expostos a Bordetella pertussis 50
2. Prevenir conjuntivite gonocóccica e clamidial em recém-nascidos
Prevenir a peste em indivíduos expostos a Yersinia pestis 52
Prevenir meningite criptocóccica em pacientes com AIDS 18
Prevenir monilíase em pacientes com AIDS e outros indivíduos com imunidade mediada por 52

células reduzida
1. Prevenir pneumonia por Pneumocystis em pacientes com AIDS
2. Prevenir infecções recorrentes do trato urinário
Prevenir pneumonia por Pneumocystis em pacientes com AIDS

GI: gastrintestinal, GU: genitourinário.
1A quimioprofilaxia com isoniazida é também considerada como tratamento de indivíduos assintomáticos (ver Capítulo 21).

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92 Warren Levinson

CONCEITOS-CHAVE similar àquele das penicilinas e cefalosporinas, isto é, inibe as
transpeptidases.
• Para que um antibiótico seja clinicamente útil, ele deve apresentar
toxicidade seletiva; isto é, a inibição de processos bacterianos • A caspofungina é um lipopeptídeo que inibe a síntese da parede
deve ser significativamente superior à inibição de processos das celular fúngica ao bloquear a síntese de β-glicano, componente
células humanas. polissacarídico da parede celular.

• Há quatro alvos principais para os fármacos antibacterianas: pare- Inibição da síntese proteica
de celular, ribossomos, membrana celular e ácidos nucleicos.
Os seres humanos não são afetados por esses fármacos, uma vez • Os aminoglicosídeos e as tetraciclinas atuam em nível da subu-
que não apresentam parede celular e possuem ribossomos, enzi- nidade ribossomal 30S, enquanto o cloranfenicol, eritromicinas e
mas de ácidos nucleicos e esteróis de membrana distintos. clindamicina atuam em nível da subunidade ribossomal 50S.

• Fármacos bactericidas provocam a morte das bactérias, enquanto • Os aminoglicosídeos inibem a síntese proteica bacteriana ligan-
os fármacos bacteriostáticos inibem o crescimento das bactérias, do-se à subunidade 30S, o que bloqueia o complexo de iniciação.
mas não causam sua morte. Os fármacos bacteriostáticos depen- Não são formadas as ligações peptídicas nem os polissomos. Os
dem dos fagócitos do paciente para matar o organismo. Quando aminoglicosídeos constituem uma família de fármacos que inclui a
um paciente exibe poucos neutrófilos, os fármacos bactericidas gentamicina, tobramicina e estreptomicina.
devem ser utilizados.
• As tetraciclinas inibem a síntese proteica bacteriana bloqueando
Inibição da síntese da parede celular a ligação do aminoacil-tRNA à subunidade ribossomal 30S. As te-
traciclinas correspondem a uma família de fármacos; a doxiciclina
• As penicilinas e cefalosporinas atuam inibindo as transpeptida- é utilizada com maior frequência.
ses, as enzimas responsáveis pelas ligações cruzadas do peptideo-
glicano. As transpeptidases são também referidas como proteínas • O cloranfenicol inibe a síntese proteica bacteriana bloqueando
de ligação à penicilina. Diversas bactérias de importância médica a peptidil transferase, a enzima responsável pela adição do novo
como, por exemplo, Streptococcus pneumoniae, manifestam aminoácido ao polipeptídeo em crescimento. O cloranfenicol pode
resistência às penicilinas baseadas em mutações nos genes codifi- causar supressão da medula óssea.
cadores das proteínas de ligação à penicilina.
• A eritromicina inibe a síntese proteica bacteriana bloqueando
• A exposição às penicilinas ativa enzimas autolíticas que degradam a liberação do tRNA após este ter transferido seu aminoácido ao
as bactérias. Quando essas enzimas autolíticas não são ativadas, polipeptídeo crescente. A eritromicina é um membro da família dos
por exemplo, em certas linhagens de Staphylococcus aureus, as macrolídeos, que inclui a azitromicina e claritromicina.
bactérias não são mortas e a linhagem é referida como tolerante.
• A clindamicina liga-se ao mesmo sítio ribossomal que a eritromici-
• As penicilinas matam as bactérias em fase de crescimento, isto é, na e acredita-se que atue da mesma maneira. É eficaz contra várias
quando estão sintetizando novo peptideoglicano. Assim, as penici- bactérias anaeróbias. A clindamicina é um dos antibióticos que
linas são mais ativas durante a fase log do crescimento bacteria- predispõem à colite pseudomembranosa causada por Clostridium
no do que durante a fase lag ou fase estacionária. difficile, sendo utilizada com pouca frequência.

• As penicilinas e cefalosporinas são fármacos β-lactâmicos, isto Inibição da síntese de ácidos nucleicos
é, um anel β-lactâmico intacto é necessário à atividade. As
β-lactamases, como, por exemplo, penicilinases e cefalosporina- • Sulfonamidas e trimetoprim inibem a síntese de nucleotídeos, as
ses, clivam o anel β-lactâmico, inativando o fármaco. quinolonas inibem a síntese de DNA, e a rifampina inibe a síntese
de RNA.
• A modificação da cadeia lateral adjacente ao anel β-lactâmico
dota esses fármacos de novas propriedades, como atividade • Sulfonamidas e trimetoprim inibem a síntese de ácido tetrai-
expandida contra bacilos gram-negativos, possibilidade de admi- drofólico, o principal doador dos grupos metil necessários à síntese
nistração oral e proteção contra a degradação por β-lactamases. de adenina, guanina e timina. As sulfonamidas são análogos
Por exemplo, a penicilina original (benzilpenicilina, penicilina G) estruturais do ácido para-aminobenzoico, o qual é um componente
não pode ser administrada oralmente, uma vez que o ácido gás- do ácido fólico. O trimetoprim inibe a di-hidrofolato redutase,
trico hidrolisa a ligação entre o anel β-lactâmico e a cadeia lateral. a enzima que reduz o ácido di-hidrofólico a ácido tetraidrofólico.
Ao contrário, a ampicilina e amoxicilina podem ser administradas Uma combinação de sulfametoxazol e trimetoprim é frequente-
oralmente, pois apresentam cadeia lateral diferente. mente utilizada porque as bactérias resistentes a um dos fármacos
serão inibidas pela outra.
• A hipersensibildade a penicilinas, especialmente a anafilaxia
mediada por IgE, representa ainda um problema importante. • As quinolonas inibem a síntese de DNA em bactérias bloqueando
a DNA girase (topoisomerase), a enzima que desenrola as fitas de
• As cefalosporinas são estruturalmente similares às penicilinas: DNA de modo que possam ser replicadas. As quinolonas correspon-
ambas possuem um anel β-lactâmico. As cefalosporinas de primei- dem a uma família de fármacos que inclui ciprofloxacina, ofloxaci-
ra geração são ativas principalmente contra cocos gram-positivos, na e levofloxacina.
e as de segunda, terceira e quarta geração exibem abrangência
expandida contra bacilos gram-negativos. • A rifampina inibe a síntese de RNA em bactérias bloqueando a
RNA polimerase, a qual sintetiza mRNA. A rifampina é tipicamente
• Carbapanens, como imipenem, e monobactâmicos, como aztreo- utilizada em combinação com outros fármacos, uma vez que há
nam, são também fármacos β-lactâmicos, porém são estrutural- uma elevada taxa de mutação do gene da RNA polimerase,
mente distintos das penicilinas e cefalosporinas. resultando em rápida resistência ao fármaco.

• A vancomicina é um glicopeptídeo, isto é, não corresponde a um
fármaco β-lactâmico; contudo, seu mecanismo de ação é muito

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Microbiologia Médica e Imunologia 93

Alteração da função da membrana celular isoniazida é um pré-fármaco que requer uma peroxidase (catala-
se) bacteriana para ativar a isoniazida ao metabólito que inibe a
• Os fármacos antifúngicos predominam nesta categoria. Esses fár- síntese de ácido micólico. A isoniazida é o fármaco mais importante
macos exibem toxicidade seletiva, uma vez que as membranas ce- utilizado no tratamento da tuberculose e outras doenças micobac-
lulares fúngicas contêm ergosterol, enquanto as membranas de terianas.
células humanas possuem colesterol. As bactérias, com exceção
de Mycoplasma, não apresentam esteróis em suas membranas • O metronidazol é efetivo contra bactérias anaeróbias e certos
sendo, portanto, resistentes a estes fármacos. protozoários porque atua como depósito de elétrons, captan-
do os elétrons necessários à sobrevivência dos organismos. Tam-
• A anfotericina B rompe as membranas celulares fúngicas ligan- bém forma intermediários tóxicos que causam danos ao DNA.
do-se ao sítio do ergosterol na membrana. É utilizada no trata-
mento das doenças fúngicas sistêmicas mais graves, entretanto Quimioprofilaxia
apresenta efeitos colaterais significativos, especialmente nos rins.
• Os fármacos antimicrobianos são utilizados para prevenir as
• Os azóis são fármacos antifúngicos que inibem a síntese de er- doenças infecciosas, assim como em seu tratamento. Fármacos qui-
gosterol. A família dos azóis inclui fármacos como cetoconazol, mioprofiláticos são administrados principalmente em três circuns-
fluconazol, itraconazol, e clotrimazol. São úteis no tratamento de tâncias: prevenir infecções de feridas cirúrgicas, prevenir infecções
infecções sistêmicas, assim como de infecções de pele e membranas oportunistas em pacientes imunocomprometidos e prevenir infec-
mucosas. ções em indivíduos expostos a patógenos responsáveis por doenças
infecciosas graves.
Mecanismos adicionais das fármacos

• A isoniazida inibe a síntese de ácido micólico, um ácido graxo
de cadeia longa encontrado na parede celular de micobactérias. A

QUESTÕES PARA ESTUDO

As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
gia clínica) e Teste seu conhecimento.

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11 Fármacos Antimicrobianos: Resistência

Há quatro mecanismos principais que medeiam a resistên- pitalares são frequentemente resistentes a múltiplos antibi-
cia das bactérias aos fármacos (Tabela 11-1). (1) As bactérias óticos. Essa resistência geralmente decorre da aquisição de
produzem enzimas que inativam o fármaco, e, por exem- plasmídeos carreando vários genes que codificam as enzimas
plo, β-lactamases podem inativar penicilinas e cefalospori- mediadoras da resistência.
nas pela clivagem do anel β-lactâmico do fármaco. (2) As
bactérias sintetizam alvos modificados, contra os quais os A Tabela 11-2 descreve determinadas bactérias de im-
fármacos não têm efeito; por exemplo, uma proteína mutan- portância médica e os principais fármacos aos quais são re-
te na subunidade ribossomal 30S pode resultar em resistên- sistentes. Observe que, embora essas bactérias sejam também
cia à estreptomicina, assim como um rRNA 23S metilado resistentes a outros fármacos, para simplificar, apenas os fár-
pode resultar em resistência à eritromicina. (3) As bactérias macos mais característicos estão listados na tabela.
reduzem sua permeabilidade de modo que uma concentra-
ção intracelular efetiva do fármaco não é obtida; por exem- BASE GENÉTICA DA RESISTÊNCIA
plo, modificações nas porinas podem reduzir a quantidade
de penicilina que penetra na bactéria. (4) As bactérias expor- Resistência mediada por cromossomos
tam os fármacos ativamente empregando uma “bomba de
resistência a múltiplos fármacos” (bomba MDR, ou bomba A resistência cromossomal deve-se a uma mutação no gene
de “efluxo”). A bomba MDR (do inglês, multidrug resistan- que codifica o alvo do fármaco ou o sistema de transporte de
ce) importa prótons e, em uma reação do tipo permutação, membrana que controla a captação do fármaco. A frequên-
exporta uma variedade de moléculas exógenas, incluindo cia de mutações espontâneas geralmente varia de 10-7 a 10-9,
certos antibióticos, como as quinolonas. valores muito inferiores à frequência de aquisição de plasmí-
deos de resistência. Desse modo, a resistência cromossomal
Grande parte da resistência ao fármaco deve-se a uma representa um problema clínico menor do que a resistência
modificação genética do organismo, quer seja uma mutação mediada por plasmídeos.
cromossomal quer a aquisição de um plasmídeo ou trans-
poson. Modificações não genéticas, de menor importância, O tratamento de certas infecções utilizando-se dois
são discutidas nas páginas 97-98. ou mais fármacos baseia-se no seguinte princípio. Se a fre-
quência em que uma bactéria sofre mutação, tornando-se
Há uma probabilidade significativamente aumentada de resistente ao antibiótico A, for 10-7 (1 em 10 milhões) e a
infecções hospitalares serem causadas por organismos resis- frequência em que a mesma bactéria sofre mutação tornan-
tentes a antibióticos, quando comparadas às infecções adqui- do-se resistente ao antibiótico B for 10-8 (1 em 100 milhões),
ridas na comunidade. Esse fato é especialmente verdadeiro a possibilidade de a bactéria tornar-se resistente a ambos os
no caso de infecções hospitalares causadas por Staphylococcus antibióticos (assumindo que os antibióticos atuem por me-
aureus e bacilos entéricos gram-negativos, como Escherichia canismos diferentes) corresponde ao produto das duas pro-
coli e Pseudomonas aeruginosa. Os organismos resistentes a babilidades, ou 10-15. Assim, é altamente improvável que a
antibióticos são comuns em ambientes hospitalares, uma vez bactéria se torne resistente a ambos os antibióticos. Dito de
que a ampla utilização de antibióticos em hospitais promove outra maneira, embora um organismo possa ser resistente a
a seleção destes organismos. Além disso, as linhagens hos- um antibiótico, é provável que seja tratado eficazmente pelo
outro antibiótico.

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Microbiologia Médica e Imunologia 95

Tabela 11-1 Mecanismos de resistência a fármacos

Mecanismo Exemplo importante Fármacos comumente afetados

Inativação do fármaco Clivagem pela β-lactamase Fármacos β-lactâmicos, como penicilinas
e cefalosporinas

Modificação do alvo do fármaco nas 1. Mutação nas proteínas de ligação à penicilina Penicilinas
bactérias

2. Mutação na proteína da subunidade ribossomal 30S Aminoglicosídeos, como a estreptomicina

3. Substituição da alanina por lactato no peptideoglicano Vancomicina

4. Mutação na DNA girase Quinolonas

5. Mutação na RNA polimerase Rifampina

6. Mutação na catalase-peroxidase Isoniazida

Redução na permeabilidade ao fármaco Mutação nas proteínas porinas Penicilinas, aminoglicosídeos e outras

Exportação do fármaco pelas bactérias Bomba de resistência a múltiplos fármacos Tetraciclinas, sulfonamidas

Resistência mediada por plasmídeos somais e circulares que carreiam os genes de uma variedade
Do ponto de vista clínico, a resistência mediada por plasmí- de enzimas capazes de degradar antibióticos e modificar os
deos exibe grande importância por três razões: sistemas de transporte de membrana (Figura 11-1). A Tabela
11-3 descreve os principais mecanismos de resistência a vá-
(1) Ocorre em várias espécies diferentes, especialmente rios fármacos importantes.
em bacilos gram-negativos;
Os fatores R podem carrear um gene de resistência a
(2) Os plasmídeos frequentemente medeiam a resistên- antibióticos ou podem carrear dois ou mais desses genes.
cia a múltiplos fármacos; A implicação médica de um plasmídeo carrear mais de um
gene de resistência é dupla: primeiro, e mais óbvio, é o
(3) Os plasmídeos exibem uma alta taxa de transferência fato de uma bactéria contendo aquele plasmídeo poder
de uma célula a outra, geralmente por conjugação. ser resistente a mais de uma classe de antibióticos (p. ex.,
penicilinas e aminoglicosídeos), e, segundo, o uso de um
Plasmídeos de resistência (fatores de resistência, fa-
tores R) são moléculas de DNA de fita dupla extracromos-

Tabela 11-2 Bactérias de importância médica que exibem significativa resistência a fármacos

Tipo de bactérias Resistência a fármacos clinicamente significativa

Cocos gram-positivos Penicilina G, nafcilina
Staphylococcus aureus Penicilina G
Streptococcus pneumoniae Penicilina G, aminoglicosídeos, vancomicina
Enterococcus faecalis

Cocos gram-negativos Penicilina G
Neisseria gonorrhoeae

Bacilos gram-positivos
Nenhum

Bacilos gram-negativos Ampicilina
Haemophilus influenzae β-lactâmicos,1 aminoglicosídeos
Pseudomonas aeruginosa β-lactâmicos,1 aminoglicosídeos
Enterobacteriaceae2

Micobactérias Isoniazida, rifampina
M. tuberculosis3 Isoniazida, rifampina e várias outras
M. avium-intracellulare

1β-lactâmicos são as penicilinas e as cefalosporinas.
2A família Enterobacteriaceae inclui bactérias como Escherichia coli, Enterobacter cloacae, Klebsiella pneumoniae e Serratia
marcescens.
3Algumas linhagens de M. tuberculosis são resistentes a mais de dois fármacos.

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96 Warren Levinson

G enes de transferência de resistência o qual controla a transferência do cromossomo bacteriano
[ver Capítulo 4]).
Tet Gent
Os fatores R são encontrados em duas amplas catego-
Strep Eritro rias quanto ao tamanho: plasmídeos grandes, com massa
molecular de aproximadamente 60 milhões, e plasmídeos
Pen Cloro pequenos, com massa molecular de cerca de 10 milhões. Os
Genes de resistência a fármacos plasmídeos grandes correspondem a fatores R conjugativos,
os quais contêm o DNA adicional para codificar o processo
Figura 11-1 Plasmídeo de resistência (plasmídeo R, fator R). A de conjugação. Os fatores R pequenos não são conjugativos
maioria dos plasmídeos de resistência possui dois conjuntos de e contêm apenas os genes de resistência.
genes: (1) genes de transferência de resistência que codificam o
pilus sexual e outras proteínas mediadoras da transferência do Além de conferir resistência a antibióticos, os fatores R
DNA plasmidial durante a conjugação e (2) genes de resistência a transmitem duas outras características: (1) resistência a íons
fármacos que codificam as proteínas mediadoras da resistência a metálicos (p. ex., codificam uma enzima que reduz íons mer-
fármacos. A metade inferior da figura ilustra, da esquerda para a cúricos a mercúrio elementar) e (2) resistência a certos vírus
direita, os genes que codificam a resistência a tetraciclina, estrep- bacterianos por codificarem endonucleases de restrição que
tomicina, penicilina (β-lactamase), cloranfenicol, eritromicina e degradam o DNA de bacteriófagos infectantes.
gentamicina.
Resistência mediada por transposon
antibiótico que seleciona um organismo resistente a outro
antibiótico selecionará um organismo resistente a todos Os transposons são genes transferidos no interior do DNA
os antibióticos cujos genes de resistência sejam carreados ou entre grandes segmentos deste, como o cromossomo bac-
pelo plasmídeo. Por exemplo, se um organismo possui o teriano e os plasmídeos. Um típico transposon de resistência
plasmídeo R ilustrado na Figura 11-1, o uso de penici- a fármacos é composto por três genes flanqueados em ambos
lina selecionará um organismo resistente não somente à os lados por sequências de DNA mais curtas, geralmente
penicilina, mas também a tetraciclinas, aminoglicosídeos uma série de bases repetidas invertidas que medeiam a inte-
(como estreptomicina e gentamicina), cloranfenicol e eri- ração do transposon com o DNA maior (ver Figura 2-7). Os
tromicina. três genes codificam (1) a transposase, enzima que catalisa a
excisão e reintegração do transposon, (2) um repressor que
Além da produção de resistência a fármacos, os fatores regula a síntese da transposase, e (3) o gene de resistência ao
R apresentam duas propriedades muito importantes: (1) fármaco.
podem replicar-se independentemente do cromossomo bac-
teriano; assim, uma célula pode conter várias cópias, e (2) MECANISMOS ESPECÍFICOS DE RESISTÊNCIA
podem ser transferidos não somente a células da mesma es-
pécie, mas também a outras espécies e gêneros. Observe que Penicilinas e Cefalosporinas. Existem vários mecanismos
essa transferência por conjugação encontra-se sob o controle de resistência a estes fármacos. A clivagem por β-lactamases
dos genes do plasmídeo R e não do plasmídeo F (fertilidade, (penicilinases e cefalosporinases) corresponde ao mais impor-
tante desses mecanismos (ver Figura 10-1). As β-lactamases
produzidas por vários organismos apresentam propriedades
diferentes. Por exemplo, a penicilinase estafilocóccica é in-
dutível pela penicilina, sendo secretada no meio. Contraria-
mente, algumas β-lactamases produzidas por diversos bacilos
gram-negativos são produzidas constitutivamente, situam-se
no espaço periplasmático próximo ao peptideoglicano e não
são secretadas no meio. As β-lactamases produzidas por vá-
rios bacilos gram-negativos exibem especificidades distintas;

Tabela 11-3 Mecanismos de resistência mediados pelo fator-R

Fármaco Mecanismo de resistência
Penicilinas e cefalosporinas Clivagem do anel β-lactâmico pela β-lactamase
Aminoglicosídeos Modificação por acetilação, adenililação ou fosforilação
Cloranfenicol Modificação por acetilação
Eritromicina Modificação do receptor por metilação do rRNA
Tetraciclina Captação reduzida ou exportação aumentada
Sulfonamidas Exportação ativa para fora da célula e afinidade reduzida da enzima

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Microbiologia Médica e Imunologia 97

algumas são mais ativas contra cefalosporinas, outras contra no interior das bactérias. Isso decorre de processos codifica-
as penicilinas. O ácido clavulânico e o sulbactam são análo- dos por plasmídeos, que reduzem a captação do fármaco ou
gos de penicilina que se ligam fortemente às β-lactamases, aumentam seu transporte para fora da célula.
inativando-as. Combinações desses inibidores e penicilinas,
por exemplo, ácido clavulânico e amoxicilina (Augmentin), Cloranfenicol. A resistência ao cloranfenicol é decor-
podem sobrepujar a resistência mediada por muitas das rente de uma acetiltransferase codificada por plasmídeo, que
β-lactamases, mas não todas. acetila o fármaco, promovendo, assim, sua inativação.

A resistência às penicilinas também pode ocorrer devi- Eritromicina. A resistência à eritromicina deve-se prin-
do a modificações nas proteínas de ligação à penicilina da cipalmente a uma enzima codificada por plasmídeo, que me-
membrana celular bacteriana. Essas alterações são responsá- tila o rRNA 23S, bloqueando, assim, a ligação do fármaco.
veis pela resistência à penicilina G, em baixo nível e em alto Uma bomba de efluxo, que reduz a concentração de eritro-
nível exibida por Streptococcus pneumoniae, bem como pela micina no interior da bactéria, causa resistência em baixo
resistência de S. aureus à nafcilina e a outras penicilinas resis- nível ao fármaco.
tentes à β-lactamase. A relativa resistência de Enterococcus fa-
ecalis às penicilinas pode ocorrer em virtude de proteínas de Sulfonamidas. A resistência às sulfonamidas é media-
ligação à penicilina modificadas. A resistência em baixo nível da principalmente por dois mecanismos: (1) um sistema de
de Neisseria gonorrhoeae à penicilina é atribuída à baixa per- transporte codificado por plasmídeo que exporta ativamen-
meabilidade ao fármaco. A resistência em alto nível decorre te o fármaco para fora da célula, e (2) uma mutação cromos-
da presença de um plasmídeo codificador de penicilinase. somal no gene codificador da enzima alvo di-hidropteroato
sintetase, que reduz a afinidade de ligação do fármaco.
Alguns isolados de S. aureus demonstram, ainda, ou-
tra forma de resistência, denominada tolerância, em que o Trimetoprim. A resistência ao trimetoprim ocorre
crescimento do organismo é inibido pela penicilina, porém principalmente devido a mutações no gene cromossomal
não é morto. Atribui-se esse fato a uma falha na ativação que codifica a di-hidrofolato redutase, a enzima que reduz
das enzimas autolíticas, mureína hidrolases, que degradam di-hidrofolato a tetraidrofolato.
o peptideoglicano.
Quinolonas. A resistência às quinolonas deve-se princi-
Vancomicina. A resistência à vancomicina é causada palmente a mutações cromossomais que modificam a DNA
por uma modificação do componente peptídico do pepti- girase bacteriana. A resistência pode também ser causada por
deoglicano de D-alanil-D-alanina, que corresponde ao sítio modificações nas proteínas de membrana externa da bacté-
normal de ligação da vancomicina, para D-alanina-D-lac- ria, resultando em captação reduzida do fármaco para o in-
tato, ao qual o fármaco não se liga. Dos quatro loci gênicos terior das bactérias.
mediadores da resistência à vancomicina, VanA é o mais im-
portante. É carreado por um transposon em um plasmídeo e Rifampina. A resistência à rifampina deve-se a uma
confere resistência em alto nível contra a vancomicina e tei- mutação cromossomal no gene da subunidade β da RNA
coplanina. (A teicoplanina é utilizada na Europa, entretan- polimerase bacteriana, resultando em uma ligação ineficaz
to seu uso não foi aprovado nos Estados Unidos.) O lócus do fármaco. Uma vez que a resistência ocorre com alta fre-
VanA codifica as enzimas que sintetizam D-ala-D-lactato, quência (10-5), a rifampina não é prescrita isoladamente no
assim como várias proteínas regulatórias. tratamento de infecções, mas utilizada isoladamente na pre-
venção de certas infecções por ser administrada apenas por
Linhagens de enterococos resistentes à vancomicina um curto período (ver Tabela 10-5).
(VRE, do inglês, vancomycin-resistant enterococci) foram re-
cuperadas a partir de espécimes clínicos. Raros isolados de Isoniazida. A resistência de Mycobacterium tuberculosis à
S. aureus exibindo resistência à vancomicina também foram isoniazida deve-se a mutações no gene da catalase-peroxidase
recuperados de espécimes de pacientes. Raros isolados de S. do organismo. A atividade da enzima catalase ou peroxidase
pneumoniae exibindo tolerância à vancomicina foram tam- é necessária para sintetizar o metabólito da isoniazida, o qual
bém recuperados. inibe de fato o crescimento de M. tuberculosis.

Aminoglicosídeos. A resistência a aminoglicosídeos Etambutol. A resistência de M. tuberculosis ao etambu-
ocorre por três mecanismos: (1) modificação dos fármacos tol é decorrente de mutações no gene codificador da arabi-
por enzimas de fosforilação, adenililação e acetilação (o me- nosil transferase, a enzima que sintetiza arabinogalactano na
canismo mais importante) codificadas por plasmídeo; (2) parede celular do organismo.
mutação cromossomal, por exemplo, uma mutação no gene
codificador da proteína-alvo na subunidade 30S do ribosso- Pirazinamida. A resistência de M. tuberculosis à pira-
mo bacteriano; e (3) diminuição da permeabilidade da bac- zinamida (PZA) deve-se a mutações no gene que codifica
téria ao fármaco. a amidase bacteriana, a enzima que converte PZA à forma
ativa do fármaco, o ácido pirazinoico.
Tetraciclinas. A resistência às tetraciclinas resulta da in-
capacidade de o fármaco atingir uma concentração inibitória BASE NÃO GENÉTICA DA RESISTÊNCIA

Existem várias razões não genéticas para a impossibilidade de
os fármacos inibirem o crescimento de bactérias.

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98 Warren Levinson

(1) As bactérias podem ser isoladas no interior de uma (2) Em muitos países, os antibióticos são vendidos sem
cavidade de um abscesso, na qual o fármaco não é capaz de receita médica ao público em geral; essa prática encoraja o
penetrar efetivamente. A drenagem cirúrgica é, portanto, ne- uso indevido e indiscriminado dos fármacos.
cessária como adjunto à quimioterapia.
(3) Os antibióticos são empregados em rações animais
(2) As bactérias podem encontrar-se em estado de la- para prevenir infecções e promover o crescimento. Isso sele-
tência, isto é, sem crescimento, sendo, portanto, insen- ciona organismos resistentes nos animais e pode contribuir
síveis aos inibidores da parede celular, como penicilinas para o pool de organismos resistentes em humanos.
e cefalosporinas. De modo similar, M. tuberculosis pode
ficar dormente nos tecidos por vários anos, permanecendo TESTE DE SENSIBILIDADE AOS ANTIBIÓTICOS
insensível aos fármacos durante este período. Se houver
diminuição nas defesas do hospedeiro, as bactérias come- Concentração mínima inibitória
çam a se multiplicar e tornam-se novamente suscetíveis
aos fármacos, indicando que não ocorreu modificação ge- Em muitas infecções, os resultados dos testes de sensibili-
nética. dade são importantes para a escolha do antibiótico. Esses
resultados são comumente relatados como concentração
(3) Em determinadas circunstâncias, organismos que se- mínima inibitória (MIC, do inglês, minimal inhibitory
riam habitualmente mortos pela penicilina podem perder sua concentration), sendo definida como a menor concentra-
parede celular, sobrevivendo como protoplastos, insensíveis ção do fármaco capaz de inibir o crescimento do orga-
a fármacos ativas contra a parede celular. Posteriormente, se nismo. A MIC é determinada por meio da inoculação do
esses organismos sintetizarem sua parede celular, tornam-se organismo, isolado a partir do paciente, em uma série de
totalmente suscetíveis a esses fármacos. tubos ou frascos contendo diluições do fármaco na base
dois (Figura 11-2). Após incubação a 35ºC por 18 horas,
(4) A presença de corpos estranhos torna mais difícil o a menor concentração do fármaco que impede o cresci-
tratamento antibiótico bem-sucedido. Isso se aplica a corpos mento visível do organismo corresponde à MIC. Isso for-
estranhos como implantes cirúrgicos e cateteres, bem como nece ao médico uma concentração precisa do fármaco,
a materiais que penetram no corpo por ocasião de ferimen- orientando na escolha tanto do fármaco como da dosagem
tos penetrantes, como farpas e estilhaços. a ser usada.

(5) Vários artefatos podem dar a impressão de que os Um segundo método para determinar a sensibilidade
organismos sejam resistentes, por exemplo, a administração ao antibiótico consiste no método de difusão em disco, em
de fármaco incorreto ou da dosagem incorreta, ou incapa- que discos impregnados com antibióticos variados são po-
cidade de o fármaco atingir o sítio apropriado do corpo. sicionados na superfície de uma placa de meio sólido que
(Um bom exemplo desta última corresponde à pequena foi inoculada com o organismo isolado do paciente (Figura
penetração de várias cefalosporinas das primeiras gerações, 11-3). Após incubação a 35ºC por 18 horas, período em que
no liquor.) Falha do paciente em relação ao uso do fármaco o antibiótico se difunde a partir do disco, determina-se o
(desobediência, não participação) é um exemplo da outra diâmetro da zona de inibição. O tamanho da zona de inibi-
circunstância. ção é comparado a padrões a fim de determinar a sensibili-
dade do organismo ao fármaco.
SELEÇÃO DE BACTÉRIAS RESISTENTES POR
USO EXAGERADO E USO INCORRETO DE Concentração mínima bactericida
ANTIBIÓTICOS
Em determinadas infecções, como endocardite, é impor-
Graves surtos de doenças causadas por bacilos gram-negati- tante conhecer a concentração do fármaco que de fato
vos resistentes a múltiplos antibióticos ocorreram em vários mata o organismo, em vez da concentração que simples-
países em desenvolvimento. Na América do Norte, muitas mente inibe seu crescimento. Essa concentração, deno-
infecções hospitalares são causadas por organismos exibindo minada concentração mínima bactericida (MBC, do
resistência múltipla. Três aspectos principais do uso exagera- inglês, minimal bactericidal concentration), é determinada
do e incorreto de antibióticos aumentam a probabilidade da coletando-se uma pequena amostra (0,01 ou 0,1 mL) dos
ocorrência desses problemas por intensificarem a seleção de tubos utilizados para o ensaio de MIC e semeando-a sobre
mutantes resistentes: a superfície de uma placa de ágar sangue desprovida do
fármaco (Figura 11-2). Quaisquer organismos que forem
(1) Alguns médicos utilizam múltiplos antibióticos inibidos, mas não mortos, exibem a possibilidade de cres-
quando apenas um seria suficiente, prescrevem a terapia an- cer, uma vez que o fármaco foi diluído significativamen-
tibiótica por um período desnecessariamente longo, utilizam te. Após a incubação a 35ºC por 48 horas, a menor con-
antibióticos em infecções autolimitantes em que antibióticos centração que reduziu o número de colônias em 99,9%,
não são necessários e fazem uso excessivo de antibióticos na comparando-se ao controle desprovido do fármaco, cor-
profilaxia pré e pós-operatória.

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Microbiologia Médica e Imunologia 99

Fármaco 50 25 12,5 6,2 3,1 1,5 0,75 Ausência Ausência de
(mg/mL) 0,1 mL do fármaco bactérias
3,1
Controle
Ausência de bactéria

12,5 6,2

Figura 11-2 Determinação da concentração mínima inibitória (MIC) e concentração mínima bactericida (MBC). Parte superior: O
organismo recuperado do paciente é adicionado a tubos contendo quantidades decrescentes do antibiótico. Após a incubação a 37ºC
por uma noite, o crescimento das bactérias é observado visualmente. A menor concentração de fármaco capaz de inibir o crescimento,
isto é, 3,1 μg/mL, corresponde à MIC. Contudo, neste momento, não se sabe se as bactérias foram mortas ou se o fármaco apenas inibiu
seu crescimento. Para determinar se aquela concentração do fármaco é bactericida, ou seja, para determinar sua MBC, uma alíquota
(0,1 mL) dos tubos é inoculada em uma placa de meio sólido que não contenha qualquer fármaco. A concentração do fármaco que ini-
be pelo menos 99,9% das colônias bacterianas, isto é, 6,2 μg/mL, corresponde à MBC.

responde à MBC. Os fármacos bactericidas geralmente Crescimento Discos de
exibem MBC igual, ou muito similar, à MIC, ao passo que bacteriano antibióticos
os fármacos bacteriostáticos geralmente apresentam MBC
significativamente superior à MIC. N Zona de
C Au inibição do
Atividade bactericida do soro crescimento
No tratamento da endocardite, pode ser útil a determinação
da efetividade do fármaco, avaliando-se a capacidade de o PS
fármaco presente no soro do paciente matar o organismo.
Esse teste, denominado atividade bactericida do soro, é Te Cl
realizado de maneira similar àquela da determinação da 012345
MBC, exceto pelo fato de uma amostra de soro do paciente,
em vez de uma solução padrão do fármaco, ser diluída em Medida
série, na base dois. Após um inóculo padrão do organismo
ter sido adicionado e a mistura incubada a 35ºC por 18 Figura 11-3 Teste de sensibilidade ao antibiótico. Uma zona
horas, uma pequena amostra é subcultivada em placas de de inibição circunda vários discos contendo antibiótico. Uma
ágar sangue, determinando-se a diluição do soro capaz de zona exibindo determinado diâmetro, ou superior, indica que o
matar 99,9% dos organismos. Experimentos clínicos de- organismo é sensível. Alguns organismos resistentes crescerão
monstraram que um pico1 de atividade bactericida do soro próximos ao disco, p. ex., o disco N. (Fig. 29.2, p. 237 de Labo-
de 1:8 ou 1:16 é adequado para uma terapia bem-sucedida ratory Exercises in Microbiology, 5th por George A. Wistreich e
da endocardite. Max D. Lechtman. Copyright © 1984 por Macmillan Publishing
Company. Reimpresso e modificado com permissão de Pearson
1 Uma variável deste teste depende de o soro ter sido coletado logo Education, Inc.)
após a administração do fármaco (na “concentração pico”) ou pouco
antes da dose seguinte (na “baixa”). Outra variável corresponde ao ta-
manho do inóculo.

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100 Warren Levinson

Produção de β-Lactamase Dois fármacos podem interagir de uma dentre várias
maneiras (Figura 11-4), as quais são geralmente indiferentes
Em infecções graves causadas por determinados organis- entre si, ou seja, apenas aditivas. Algumas vezes ocorre uma
mos, como S. aureus e Haemophilus influenzae, é importan- interação sinergística, em que o efeito dos dois fármacos em
te saber, o mais breve possível, se o organismo isolado do conjunto é significativamente maior que a soma dos efei-
paciente está produzindo β-lactamase. Com esse propósito, tos dos dois fármacos agindo separadamente. Raramente, o
ensaios rápidos para detectar a enzima podem ser utilizados efeito dos dois fármacos em conjunto é antagonista, onde
para obter uma resposta em poucos minutos, ao contrário o resultado corresponde a uma atividade significativamente
de um teste MIC ou teste de difusão em disco, que deman- menor que a soma das atividades dos dois fármacos separa-
dam 18 horas. damente.

Um procedimento habitualmente utilizado consiste no Um efeito sinergístico pode resultar de uma série de
método do β-lactâmico cromogênico, em que um fármaco mecanismos. Por exemplo, a combinação de uma penicili-
β-lactâmico colorido é adicionado a uma suspensão dos or- na e um aminoglicosídeo, como a gentamicina, exibe ação
ganismos. Se houver produção de β-lactamase, a hidrólise sinergística contra enterococos (E. faecalis), uma vez que a
do anel β-lactâmico provoca alteração na cor do fármaco em penicilina causa danos suficientes à parede celular de modo a
2-10 minutos. Discos impregnados com β-lactâmico cro- intensificar a entrada do aminoglicosídeo. Quando adminis-
mogênico também podem ser utilizados. trados separadamente, nenhum dos fármacos é eficaz. Um
segundo exemplo corresponde à combinação de uma sulfo-
USO DE COMBINAÇÕES DE ANTIBIÓTICOS namida com trimetoprim. Nessa situação, os dois fármacos
atuam sobre a mesma via metabólica, de modo que, se um
Na maioria dos casos, o melhor agente antimicrobiano deve dos fármacos não inibe suficientemente a síntese de ácido fó-
ser selecionado para o uso, uma vez que minimiza os efeitos lico, segundo fármaco confere a inibição efetiva ao bloquear
colaterais. No entanto, existem várias circunstâncias em que uma etapa subsequente da via.
dois ou mais fármacos são habitualmente administrados:
Embora o antagonismo entre dois antibióticos seja inco-
(1) Para tratar infecções graves antes que a identidade mum, um exemplo exibe importância clínica: envolve o uso
do organismo seja conhecida; de penicilina G com o fármaco bacteriostático tetraciclina
no tratamento de meningite causada por S. pneumoniae. O
(2) Para obter um efeito inibitório sinergístico contra antagonismo ocorre porque a tetraciclina inibe o crescimen-
certos organismos; to do organismo, impedindo, assim, o efeito bactericida da
penicilina G, a qual provoca a morte apenas de organismos
(3) Para prevenir a emergência de organismos resisten- em crescimento.
tes. (Se as bactérias tornarem-se resistentes a um dos fárma-
cos, o segundo fármaco promoverá sua morte, impedindo,
assim, a emergência de linhagens resistentes.)

Log do número de bactérias viáveis por mL Indiferente Sinergismo Antagonismo

Sem fármaco Sem fármaco Sem fármaco
Fármaco B Fármaco B Fármaco B

Fármaco A Fármaco A A+B
A+B A+B Fármaco A

0 12 0 12 0 12
Horas após a inoculação

Figura 11-4 Interação de fármacos. As linhas contínuas representam a resposta das bactérias ao fármaco A isoladamente, fármaco B
isoladamente, ou nenhum fármaco. As linhas pontilhadas representam a resposta à combinação dos fármacos A e B.

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Microbiologia Médica e Imunologia 101

CONCEITOS-CHAVE

• Os quatros principais mecanismos de resistência a antibióticos são • A resistência a tetraciclinas é frequentemente causada pela per-
(1) a degradação enzimática do fármaco, (2) modificação do meabilidade reduzida ou pela exportação ativa do fármaco pela
alvo do fármaco, (3) permeabilidade reduzida do fármaco e (4) bactéria.
exportação ativa do fármaco.
• A resistência a eritromicinas é causada principalmente por uma
• Na maior parte das vezes, a resistência aos fármacos resulta de enzima codificada por plasmídeo, a qual promove a metilação do
uma alteração genética no organismo, causada por uma mutação RNA ribossomal 23S, bloqueando, assim, a ligação do fármaco.
cromossomal ou pela aquisição de uma plasmídeo ou transposon.
• A resistência a sulfonamidas deve-se principalmente a enzimas
Base genética da resistência codificadas por plasmídeo que exportam ativamente o fármaco a
partir da bactéria.
• As mutações cromossomais tipicamente modificam o alvo do
fármaco, de modo que o fármaco não se liga a este, ou modificam • A resistência a quinolonas é causada principalmente por mutações
a membrana, de modo que o fármaco não é capaz de penetrar no gene codificador da DNA girase bacteriana.
adequadamente na célula. As mutações cromossomais ocorrem
com baixa frequência (talvez 1 em 10 milhões de organismos), e • A resistência à rifampina é causada principalmente por mutações
frequentemente afetam apenas um fármaco ou uma família de no gene codificador da RNA polimerase bacteriana.
fármaco.
• A resistência à isoniazida deve-se principalmente à perda da pero-
• Os plasmídeos causam resistência a fármacos pela codificação xidase (catalase) bacteriana que ativa a isoniazida ao metabólito
de enzimas que as degradam ou modificam. A resistência media- que inibe a síntese de ácido micólico.
da por plasmídeo ocorre em frequência maior que as mutações
cromossomais, em geral afetando múltiplos fármacos ou famílias Base não genética da resistência
de fármacos.
• As razões não genéticas das bactérias não serem inibidas por
• Plasmídeos de resistência (plasmídeos R, fatores R) usualmente antibióticos estão no fato de os fármacos não atingirem bactérias
carreiam dois conjuntos de genes. Um conjunto codifica as enzimas localizadas no centro de um abscesso, e de certos fármacos, como
que degradam ou modificam os fármacos, enquanto o outro codi- penicilinas, não afetarem bactérias que não se encontram em
fica as proteínas que medeiam a conjugação, o principal processo crescimento. Além disso, a presença de corpos estranhos torna mais
pelo qual os genes de resistência são transferidos de uma bactéria difícil o tratamento antibiótico bem-sucedido.
a outra.
Teste de sensibilidade aos antibióticos
• Os transposons são pequenos segmentos de DNA que se deslo-
cam de uma sítio a outro do cromossomo bacteriano ou a partir • A concentração mínima inibitória (MIC) corresponde à menor
do cromossomo bacteriano para o DNA plasmidial. Transposons concentração do fármaco capaz de inibir o crescimento de bac-
frequentemente carreiam genes de resistência a fármacos. térias isoladas do paciente. Não se sabe se, neste teste, as bactérias
Muitos plasmídeos R carreiam um ou mais transposons. inibidas foram mortas ou apenas interromperam o crescimento.

Mecanismos específicos de resistência • A concentração mínima bactericida (MBC) corresponde à menor
concentração do fármaco capaz de matar as bactérias isoladas do
• A resistência a penicilinas e cefalosporinas é mediada por três paciente. Em certas doenças, como a endocardite, é frequentemen-
mecanismos principais: (1) degradação por β-lactamases, (2) te necessária a utilização da concentração bactericida do fármaco.
mutações nos genes das proteínas de ligação à penicilina e (3) per-
meabilidade reduzida. A degradação por β-lactamases é o mais Uso de combinações de antibióticos
importante.
• Dois ou mais antibióticos são utilizados em determinadas circuns-
• A resistência à vancomicina é causada por uma modificação na tâncias, como infecções de risco à vida, antes de a causa ser identi-
porção D-ala-D-ala do peptídeo do peptideoglicano para ficada; para prevenir a emergência de bactérias resistentes durante
D-ala-D-lactato, resultando na incapacidade da vancomicina regimes de tratamentos prolongados, e para obter um efeito siner-
ligar-se a este. gístico (aumentado).

• A resistência a aminoglicosídeos é mediada por três mecanismos • Um efeito sinergístico é aquele em que o efeito de dois fármacos
principais: modificação do fármaco por enzimas de fosfori- administrados em conjunto é superior à soma dos efeitos dos dois
lação, adenililação e acetilação, mutações nos genes codifi- fármacos administrados individualmente. O melhor exemplo de
cadores de uma das proteínas ribossomais 30S, e a redução da sinergia corresponde ao marcante efeito de morte de enterococos
permeabilidade. observado na combinação de uma penicilina com um aminoglico-
sídeo, em comparação ao pequeno efeito de cada fármaco admi-
nistrado isoladamente.

QUESTÕES PARA ESTUDO

As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
gia clínica) e Teste seu conhecimento.

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12 Vacinas Bacterianas

As doenças bacterianas podem ser prevenidas pelo uso de Um problema em potencial em relação ao uso da va-
imunizações que induzem a imunidade ativa ou passiva. A cina pneumocóccica contendo 7 sorotipos corresponde à
imunidade ativa é induzida por vacinas preparadas a partir substituição do sorotipo. A vacina reduzirá a incidência
de bactérias ou seus produtos. Este capítulo apresenta um da doença causada pelos sorotipos presentes na vacina, po-
resumo dos tipos de vacinas (Tabela 12-1); a informação rém não a incidência geral de doença pneumocóccica, uma
detalhada referente a cada vacina é apresentada nos capí- vez que outros sorotipos ausentes na vacina poderão agora
tulos que abordam os organismos específicos. A imunida- causar a doença? Dados atuais indicam que a substituição
de passiva é fornecida pela administração de anticorpos do sorotipo não ocorreu em grau significativo, entretanto a
pré-formados, em preparações denominadas imunoglobu- possibilidade ainda está sendo avaliada.
linas. As imunoglobulinas úteis contra doenças bacterianas
são descritas a seguir. A imunidade passiva-ativa envolve (2) A vacina de Neisseria meningitidis contém polissaca-
a administração de imunoglobulinas para conferir prote- rídeos capsulares de quatro tipos importantes (A, C, W-135,
ção imediata e uma vacina para fornecer proteção a longo e Y). Duas formas da vacina encontram-se disponíveis: uma
prazo. Essa abordagem é descrita a seguir, na seção sobre a contém os polissacarídeos conjugados a uma proteína carrea-
antitoxina tetânica. dora (toxoide diftérico), enquanto a outra contém apenas os
polissacarídeos. É administrada quando existe risco elevado
Imunidade ativa de meningite, por exemplo, durante um surto, quando os
estudantes ingressam na faculdade e moram em alojamen-
As vacinas bacterianas são compostas por polissacarídeos cap- tos, quando recrutas militares ingressam nos campos de trei-
sulares, exotoxinas proteicas inativadas (toxoides), bactérias namento ou quando indivíduos viajam para regiões onde a
mortas ou bactérias vivas atenuadas. As vacinas bacterianas meningite é hiperendêmica.
disponíveis e suas indicações são descritas a seguir. A Tabela
12-2 relaciona as vacinas bacterianas (e virais) recomendadas (3) A vacina de Haemophilus influenzae contém o polis-
para crianças de 0 a 6 anos em 2007. sacarídeo do tipo b conjugado ao toxoide diftérico ou outra
proteína carreadora. É administrada em crianças com idade
A. Vacinas de polissacarídeos capsulares entre 2 e 15 meses para prevenir a meningite. O polissa-
carídeo capsular individualmente é pouco imunogênico em
(1) A vacina de Streptococcus pneumoniae contém os crianças, porém a associação deste a uma proteína carrea-
polissacarídeos capsulares dos 23 tipos mais prevalentes. É dora aumenta significativamente a imunogenicidade. Uma
recomendada para indivíduos com idade acima de 60 anos vacina combinada, consistindo nesta vacina mais as vacinas
e pacientes em qualquer idade que apresentem doenças de difteria, coqueluche e tétano (DPT, do inglês, diphtheria,
crônicas, como diabete e cirrose, ou com função esplênica pertussis, tetanus), encontra-se disponível.
comprometida ou esplenectomizados. Uma segunda vacina,
contendo o polissacarídeo capsular de 7 sorotipos pneumo- (4) Uma das vacinas contra a febre tifoide contém o po-
cóccicos associado a uma proteína carreadora (toxoide difté- lissacarídeo capsular de Salmonella typhi. Ela é indicada para
rico), encontra-se disponível para a proteção de crianças que indivíduos que vivem ou viajam para áreas onde há alto risco
não respondem adequadamente à vacina não conjugada. de febre tifoide, bem como para indivíduos em contato pró-
ximo com pacientes infectados ou portadores crônicos.

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Tabela 12-1 Vacinas bacterianas atuais (2006) Microbiologia Médica e Imunologia 103

Uso Bactéria Doença Antígeno
Difteria Toxoide
Uso comum Corynebacterium diphtheriae Tétano Toxoide
Clostridium tetani Coqueluche Acelular (proteínas purificadas) ou organismos mortos
Bordetella pertussis Meningite Polissacarídeo capsular conjugado a uma proteína carreadora
Haemophilus influenzae Pneumonia Polissacarídeo capsular, ou polissacarídeo capsular conjuga-
Streptococcus pneumoniae
Meningite do a uma proteína carreadora
Neisseria meningitidis Polissacarídeo capsular, ou polissacarídeo capsular conjuga-
Febre tifoide
Situações especiais Salmonella typhi Cólera do a uma proteína carreadora
Vibrio cholerae Peste Organismos vivos ou polissacarídeo capsular
Yersinia pestis Antraz Organismos mortos
Bacillus anthracis Tuberculose Organismos mortos
Mycobacterium bovis (BCG) Tularemia Proteínas parcialmente purificadas
Francisella tularensis Tifo Organismos vivos
Rickettsia prowazekii Febre Q Organismos vivos
Coxiella burnetii Organismos mortos
Organismos mortos

B. Vacinas de toxoides as bactérias mortas inteiras. Atualmente recomenda-se, nos
Estados Unidos, a vacina acelular. O principal antígeno da
(1) A vacina de Corynebacterium diphtheriae contém o vacina acelular consiste na toxina pertussis inativada (to-
toxoide (exotoxina tratada com formaldeído). A imunização xoide pertussis); porém, outras proteínas, como a hema-
contra difteria é indicada para todas as crianças, sendo ad- glutinina filamentosa e pertactina, são também requeridas
ministrada em três doses, aos 2, 4 e 6 meses de idade, com para a proteção total. A toxina pertussis utilizada na vacina
reforços administrados após 1 ano e em intervalos subse- é inativada geneticamente pela introdução de duas altera-
quentes. ções de aminoácidos a fim de eliminar sua atividade tóxica
(ADP-ribosilação), porém mantendo sua antigenicidade.
(2) A vacina de Clostridium tetani contém o toxoide te- Esta é a primeira vacina a conter um toxoide inativado ge-
tânico, sendo administrada a todos os indivíduos precoce- neticamente. A vacina é indicada a todas as crianças como
mente e, em seguida, na forma de reforços como proteção proteção contra coqueluche. É geralmente administrada em
contra o tétano. combinação com os toxoides diftérico e tetânico (vacina
DPT ou DTaP).
(3) A vacina de Bordetella pertussis contém o toxoide
pertussis, entretanto inclui também outras proteínas. Por- (2) A vacina de Bacillus anthracis contém o “antígeno
tanto, é descrita na próxima seção. protetor” purificado a partir do organismo. É administrada
a indivíduos cuja ocupação os coloca em risco de exposição
C. Vacinas de proteínas purificadas ao organismo.

(1) Existem dois tipos de vacinas de B. pertussis: vacina
acelular contendo proteínas purificadas e vacina contendo

Tabela 12-2 Vacinas recomendadas para crianças com idade entre 0-6 anos (2007)1

Vacinas Bacterianas Vacinas Virais2

Toxoide diftérico, toxoide tetânico, pertussis acelular (DTaP) Hepatite A
Haemophilus influenzae do tipo b (Hib)
Meningocóccica Hepatite B
Pneumocóccica
Gripe

Sarampo, caxumba, rubéola (MMR, do inglês, measles, mumps, rubella)
Poliovírus, inativados
Rotavírus
Varicela

1Uma descrição completa do esquema de vacinação encontra-se disponível no website do CDC, www.cdc.gov.
2A vacina do vírus do papiloma humano é recomendada para mulheres com idade de 11-12 anos.

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