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Microbiologia Medica e Imunologia 10a Edição_booksmedicos.org

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Published by Marvin's Underground Latino USA, 2018-08-10 11:55:52

Microbiologia Medica e Imunologia 10a Edição_booksmedicos.org

Microbiologia Medica e Imunologia 10a Edição_booksmedicos.org

138 Warren Levinson

Diagnóstico laboratorial LISTERIA MONOCYTOGENES

O diagnóstico laboratorial envolve o isolamento do organis- Doenças
mo e a comprovação da produção de toxina. Deve-se enfa-
tizar que a opção de tratamento com a antitoxina é uma de- L. monocytogenes causa meningite e sépsis em recém-nasci-
cisão clínica e não pode aguardar os resultados laboratoriais. dos, em grávidas e em adultos imunossuprimidos. O orga-
Um swab de garganta deve ser cultivado em meio de Löffler, nismo também causa surtos de gastrenterite febril.
uma placa de telurito, e uma placa de ágar sangue. A placa
de telurito contém um sal de telúrio, o qual é reduzido a te- Propriedades importantes
lúrio elementar no interior do organismo. A típica coloração
negra-acinzentada do telúrio na colônia corresponde a um L. monocytogenes é um pequeno bacilo gram-positivo, orga-
critério indicador de diagnóstico. Quando C. diphtheriae é nizado em forma de V ou L, semelhante às corinebactérias.
recuperado a partir das culturas, a inoculação em animal ou O organismo exibe um movimento incomum em camba-
um teste de precipitina com anticorpos por difusão em gel lhota que o diferencia das corinebactérias, as quais são imó-
são realizados para verificar a produção de toxina. Um ensaio veis. As colônias em uma placa de ágar sangue produzem
de PCR para a presença do gene da toxina no organismo uma zona estreita de beta-hemólise, similar à hemólise de
isolado do paciente também pode ser utilizado. alguns estreptococos.

Esfregaços de swab de garganta devem ser corados pela Listeria exibe bom crescimento em temperaturas baixas,
coloração de Gram e por azul de metileno. Embora o diag- de modo que o armazenamento de alimento contaminado
nóstico de difteria não possa ser realizado pelo exame do no refrigerador pode aumentar o risco de gastrenterite. Esse
esfregaço, o achado de vários bacilos gram-positivos afila- crescimento paradoxal em baixa temperatura é denominado
dos e pleomórficos pode ser sugestivo. O corante azul de “intensificação pelo frio”.
metileno é excelente para revelar os grânulos metacromá-
ticos típicos. Patogênese

Tratamento As infecções por Listeria ocorrem em duas situações clínicas:
(1) no feto ou recém-nascido como resultado da transmissão
O tratamento de escolha é a antitoxina, que deve ser admi- transplacentária ou durante o parto, e (2) em mulheres
nistrada imediatamente com base na suspeita clínica, uma grávidas e adultos imunossuprimidos, especialmente pacien-
vez que há uma demora nos procedimentos de diagnóstico tes submetidos a transplante renal. (Observe que as gestantes
laboratorial. A toxina liga-se rápida e irreversivelmente às cé- apresentam uma imunidade mediada por células diminuída
lulas e, uma vez ligada, não pode ser neutralizada pela anti- durante o terceiro trimestre.)
toxina. Assim, a função da antitoxina consiste em neutralizar
a toxina não ligada presente no sangue. Pelo fato de o antis- O organismo exibe distribuição mundial nos animais,
soro ser produzido em cavalos, o paciente deve ser testado nas plantas e no solo. A partir desses reservatórios, é transmi-
quanto à hipersensibilidade, e medicações para o tratamento tido aos humanos principalmente pela ingestão de produtos
da anafilaxia devem estar disponíveis. lácteos não pasteurizados, carnes malcozidas e vegetais crus.
O contato com animais de criação e suas fezes é também
O tratamento com penicilina G ou uma eritromicina uma importante fonte desse organismo. Nos Estados Uni-
é também recomendado, porém nenhum desses fármacos dos, a listeriose é uma doença transmitida principalmente
substitui a antitoxina. Os antibióticos inibem o crescimento por alimentos, associada à ingestão de queijo não pasteuriza-
do organismo, reduzem a produção de toxina e diminuem a do e iguarias de carne.
incidência de portadores crônicos.
A patogênese de Listeria depende da capacidade de o
Prevenção organismo invadir células e sobreviver no interior delas.
A invasão das células é mediada pela internalina produzi-
A difteria é muito rara nos Estados Unidos, uma vez que as da por Listeria e pela E-caderina da superfície das células
crianças são imunizadas com o toxoide diftérico (geralmen- humanas. A capacidade de Listeria atravessar a placenta,
te administrado em uma combinação de toxoide diftérico, penetrar nas meninges, e invadir o trato gastrintestinal,
toxoide tetânico e vacina pertussis acelular, frequentemente depende da interação da internalina com a E-caderina na-
abreviada por DTaP). O toxoide diftérico é preparado pelo queles tecidos.
tratamento da exotoxina com formaldeído; esse tratamento
inativa o efeito tóxico, porém mantém intacta a antigenici- Ao penetrar na célula, o organismo produz listeriolisi-
dade. A imunização consiste em três doses, administradas na, permitindo seu escape do fagossomo para o citoplasma,
nas crinças aos 2, 4 e 6 meses de idade, com reforços aos 1 evitando, assim, sua destruição no fagossomo. Pelo fato de
e 6 anos de idade. Uma vez que a imunidade diminui, reco- Listeria crescer preferencialmente de modo intracelular, a
menda-se uma dose de reforço a cada 10 anos. A imunização imunidade mediada por células corresponde a uma defesa
não impede a presença do organismo na nasofaringe. mais importante que a imunidade humoral. A supressão da
imunidade mediada por células predispõe a infecções por
Listeria.

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Microbiologia Médica e Imunologia 139

L. monocytogenes pode deslocar-se de uma célula a outra Tratamento
por meio de foguetes de actina, um filamento de actina que O tratamento da doença invasiva, como meningite e sép-
se contrai e impulsiona as bactérias através da membrana de sis, consiste em trimetoprim-sulfametoxazol. Combinações,
uma célula humana a outra. como ampicilina e gentamicina, ou ampicilina e trimeto-
prim-sulfametoxazol, também podem ser utilizadas. Linha-
Achados clínicos gens resistentes são raras. A gastrenterite ocasionada por Lis-
teria tipicamente não requer tratamento.
A infecção durante a gravidez pode causar aborto, parto prema-
turo ou sépsis durante o período periparto. Os recém-nascidos Prevenção
infectados durante o parto podem apresentar meningite aguda A prevenção é difícil, uma vez que não há imunização.
após 1-4 semanas. As bactérias atingem as meninges através Recomenda-se limitar a exposição de mulheres grávidas e
da corrente sanguínea (bacteriemia). A mãe infectada pode ser pacientes imunossuprimidos às fontes em potencial, como
assintomática ou apresentar uma enfermidade similar à gripe. animais de criação, produtos lácteos não pasteurizados, e
As infecções por L. monocytogenes em adultos imunocompro- vegetais crus. A administração de trimetoprim-sulfame-
metidos podem manifestar-se como sépsis ou meningite. toxazol a pacientes imunocomprometidos para prevenir
a pneumonia por Pneumocystis também pode prevenir a
A gastrenterite causada por L. monocytogenes caracteriza- listeriose.
-se por diarreia aquosa, febre, cefaleia, mialgia e cólicas ab-
dominais, porém pouco vômito. Os surtos são geralmente RESUMOS DOS ORGANISMOS
causados por laticínios contaminados, mas carnes malcozi-
das, como frango e salsichas, também têm sido envolvidas Resumos sobre os organismos descritos neste capítulo ini-
entre os causadores. ciam-se na página 489. Favor consultar esses resumos para
uma rápida revisão do material essencial.
Diagnóstico laboratorial
QUESTÕES PARA ESTUDO
O diagnóstico laboratorial é realizado principalmente pela
coloração de Gram e por cultura. A detecção de bacilos As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
gram-positivos semelhantes a difteroides, bem como a for- ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
mação de colônias pequenas e cinzas, apresentando uma gia clínica) e Teste seu conhecimento.
zona estreita de beta-hemólise em uma placa de ágar sangue,
sugerem a presença de Listeria. O isolamento de Listeria é
confirmado pela presença de organismos móveis, o que os
diferencia das corinebactérias imóveis. A identificação do
organismo como L. monocytogenes é realizada por testes de
fermentação de açúcar.

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18 Bacilos Gram-Negativos Relacionados
ao Trato Intestinal

VISÃO GERAL fecção por Campylobacter jejuni predispõe à síndrome de
Guillain-Barré.
Os bacilos gram-negativos constituem um grande grupo
de organismos diversos (ver Pranchas Coloridas 8, 9 e10). Antes da descrição dos organismos específicos, é conve-
Neste livro, essas bactérias foram subdivididas em três cate- niente descrever a família Enterobacteriaceae, à qual vários
gorias clinicamente relevantes, cada uma abordada em um desses bacilos gram-negativos pertencem.
capítulo distinto, dependendo se o organismo é relaciona-
do principalmente aos tratos intestinal ou respiratório, ou a ENTEROBACTERIACEAE E ORGANISMOS
fontes animais (Tabela 18-1). Embora essa abordagem leve a RELACIONADOS
algumas sobreposições, ela deve ser útil por permitir que os
conceitos gerais sejam enfatizados. Enterobacteriaceae é uma grande família de bacilos gram-ne-
gativos, encontrados principalmente no cólon de humanos
Os bacilos gram-negativos relacionados ao trato intes- e em outros animais, muitos como membros da microbiota
tinal incluem um grande número de gêneros. Esses gêneros normal. Esses organismos são os principais anaeróbios facul-
foram, portanto, divididos em três grupos, de acordo com a tativos do intestino grosso, mas estão presentes em números
principal localização anatômica da doença, ou seja, (1) pató- relativamente pequenos quando comparados a anaeróbios
genos tanto internos quanto externos ao trato intestinal, (2) como Bacteroides. Embora os membros da família Entero-
patógenos principalmente internos ao trato intestinal e (3) bacteriaceae sejam classificados taxonomicamente como um
patógenos externos ao trato intestinal (Tabela 18-1). conjunto, causam uma variedade de doenças por diferen-
tes mecanismos patogênicos. Os organismos e algumas das
A frequência com a qual os organismos relacionados ao doenças que causam são listados na Tabela 18-5.
trato intestinal causam doença nos Estados Unidos é apre-
sentada na Tabela 18-2. Salmonella, Shigella e Campylobacter As características comuns a todos os membros dessa fa-
são patógenos frequentes do trato gastrintestinal, enquan- mília heterogênea são sua localização anatômica e os quatro
to Escherichia, Vibrio e Yersinia são menos frequentes. Li- processos metabólicos seguintes: (1) todos são anaeróbios
nhagens enterotoxigênicas de Escherichia coli são uma causa facultativos, (2) todos fermentam glicose (a fermentação de
comum de diarreia nos países em desenvolvimento, porém outros açúcares é variável), (3) nenhum possui citocromo
são menos comuns nos Estados Unidos. Os bacilos gram- oxidase (isto é, são oxidase-negativos) e (4) reduzem nitratos
-negativos de importância médica responsáveis por diarreia a nitritos como parte de seus processos geradores de energia.
são descritos na Tabela 18-3. As infecções do trato urinário
são causadas principalmente por E. coli; os outros organis- Estas quatro reações podem ser utilizadas para diferen-
mos são menos comuns. Os bacilos gram-negativos de im- ciar as Enterobacteriaceae de outros grupos de organismos
portância médica que causam infecções do trato urinário são de importância médica – os bacilos gram-negativos não fer-
descritos na Tabela 18-4. mentadores, sendo Pseudomonas aeruginosa o mais impor-
tante entre eles.1
Os pacientes infectados por patógenos entéricos, como
Shigella, Salmonella, Campylobacter e Yersinia, exibem alta 1 Os outros organismos deste grupo, isolados com menor frequência,
incidência de determinadas doenças autoimunes, como são membros dos seguintes gêneros: Achromobacter, Acinetobacter, Alcali-
síndrome de Reiter (ver Capítulo 66). Além disso, a in- genes, Eikenella, Flavobacterium, Kingella e Moraxella; ver Capítulo 27.

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Microbiologia Médica e Imunologia 141

Tabela 18-1 Categorias de bacilos gram-negativos

Capítulo Fonte do sítio de infecção Gênero

18 Trato intestinal Escherichia, Salmonella
1. Tanto interno como externo Shigella, Vibrio, Campylobacter, Helicobacter
2. Principalmente interno Grupo Klebsiella-Enterobacter-Serratia, grupo Proteus-Providencia-Morganella,
3. Somente externo
Pseudomonas, Bacteroides
19 Trato respiratório Haemophilus, Legionella, Bordetella
20 Fontes animais Brucella,Francisella, Pasteurella, Yersinia

P. aeruginosa, uma importante causa de infecção do tra- Klebsiella e Shigella. Os antígenos H de certas espécies de
to urinário e sépsis em pacientes hospitalizados, não fermen- Salmonella são incomuns, porque os organismos podem al-
ta glicose, nem reduz nitratos, sendo oxidase-positivo. Ao ternar reversivelmente entre dois tipos de antígeno H, de-
contrário das Enterobacteriaceae, esse organismo é aeróbio nominados antígenos de fase 1 e de fase 2. Os organismos
estrito e produz sua energia a partir da oxidação e não da podem utilizar essa alteração na antigenicidade para evitar a
fermentação. resposta imune.

Patogênese (3) O antígeno polissacarídico capsular ou K é parti-
cularmente proeminente em organismos intensamente cap-
Todos os membros da família Enterobacteriaceae, por se- sulados, como Klebsiella. O antígeno K é identificado pela
rem gram-negativos, contêm endotoxinas em suas paredes reação de Quellung (intumescimento capsular) na presença
celulares. Além disso, várias exotoxinas são produzidas; por de antissoros específicos, sendo utilizado na sorotipagem de
exemplo, E. coli e Vibrio cholerae secretam exotoxinas, deno- E. coli e Salmonella typhi para fins epidemiológicos. Em S.
minadas enterotoxinas, que ativam a adenilato ciclase no in- typhi, a causa da febre tifoide, é denominado antígeno Vi
terior das células do intestino delgado, provocando diarreia (ou virulência).
(ver Capítulo 7).
Diagnóstico laboratorial
Antígenos
Espécimes suspeitos de conter membros das Enterobacteria-
Os antígenos de vários membros das Enterobacteriaceae, ceae e organismos relacionados são usualmente inoculados
especialmente Salmonella e Shigella, são importantes; eles em dois meios, uma placa de ágar sangue e um meio seleti-
são utilizados para fins de identificação tanto no laboratório vo diferencial, como ágar MacConkey ou ágar eosina-azul
clínico, como em investigações epidemiológicas. Os três an- de metileno (EAM). A capacidade diferencial destes últimos
tígenos de superfície são os seguintes: meios baseia-se na fermentação de lactose, que consiste no
critério metabólico mais importante utilizado na identifica-
(1) O antígeno da parede celular (também conhecido ção desses organismos (Tabela 18-6). Nesses meios, os não
como antígeno somático ou O) corresponde à porção po- fermentadores de lactose, por exemplo, Salmonella e Shigella,
lissacarídica externa do lipopolissacarídeo (ver Figura 2-6). formam colônias incolores, enquanto os fermentadores de
O antígeno O, composto por oligossacarídeos repetidos lactose, por exemplo, E. coli, formam colônias coloridas. O
consistindo em três ou quatro açúcares repetidos 15 ou 20 efeito seletivo destes meios na supressão de organismos gram-
vezes, corresponde à base para a tipagem sorológica de vários -positivos indesejados é exercido por sais biliares ou corantes
bacilos entéricos. O número de antígenos O distintos é bas- bacteriostáticos presentes no ágar.
tante alto; por exemplo, há aproximadamente 1.500 tipos de
Salmonella e 150 tipos de E. coli. Um conjunto adicional de testes de varredura, consis-
tindo em ágar tríplice açúcar ferro (TSI, do inglês, triple su-
(2) O antígeno H encontra-se na proteína flagelar. Ape- gar iron) e ágar ureia, é realizado antes dos procedimentos de
nas organismos flagelados, como Escherichia e Salmonella, identificação definitiva. O motivo para o uso desses meios e
possuem antígenos H, ao contrário daqueles imóveis, como

Tabela 18-2 Frequência das doenças causadas por bacilos gram-negativos relacionados ao trato intestinal
nos Estados Unidos

Sítio da infecção Patógenos frequentes Patógenos menos frequentes
Trato intestinal Salmonella, Shigella, Campylobacter Escherichia, Vibrio, Yersinia
Trato urinário Escherichia Enterobacter, Klebsiella, Proteus, Pseudomonas

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142 Warren Levinson

Tabela 18-3 Bacilos gram-negativos que causam diarreia

Espécie Febre Leucócitos Dose Achados bacteriológicos ou
nas fezes infectante epidemiológicos típicos

Mediada por enterotoxina –– ? Fermenta lactose
1. Escherichia coli –– 107 Bactérias em forma de vírgula
2. Vibrio cholerae
105 Não fermenta lactose
Invasiva-inflamatória ++ 102 Não fermenta lactose
1. Salmonella, p. ex., S. typhimurium ++ 104 Bactérias em forma de vírgula ou S; cresci-
2. Shigella, p. ex., S. dysenteriae ++
3. Campylobacter jejuni mento a 42ºC
?
4. Escherichia coli (linhagens enteropatogênicas) + + ? Transmitida por hambúrguer malcozido;
5. Escherichia coli O157:H7 + +/–
causa a síndrome hemolítica-urêmica

Mecanismo incerto ++ ? Transmitido por alimentos marinhos
1. Vibrio parahaemolyticus1 ++
2. Yersinia enterocolitica1 108 Geralmente transmitida por animais de
estimação, p. ex., filhotes de cães

1Algumas linhagens produzem enterotoxina; contudo, seu papel patogênico não está claro.

as reações de vários organismos importantes são apresenta- teste de aglutinação pode ser utilizado para identificar o gê-
dos no Quadro (página 144) e na Tabela 18-7. Os resultados nero do organismo e para determinar se este é um membro
dos processos de varredura são com frequência suficientes do grupo A, B, C ou D.
para identificar o gênero de um organismo; no entanto, uma
gama de 20 ou mais testes bioquímicos são necessários para Coliformes e Saúde Pública
identificar a espécie.
A contaminação do sistema público de abastecimento de
Outra informação valiosa utilizada para identificar al- água por esgoto é detectada pela presença de coliformes na
guns destes organismos corresponde a sua motilidade, a qual água. Em um sentido geral, o termo “coliforme” inclui não
depende da presença de flagelos. As espécies de Proteus são somente E. coli, mas também outros organismos residentes
bastante móveis e caracteristicamente expandem-se sobre a do cólon, como Enterobacter e Klebsiella. Contudo, uma
placa de ágar sangue, encobrindo as colônias de outros orga- vez que apenas E. coli é um organismo exclusivamente
nismos. A motilidade é também um importante critério diag- do intestino grosso, enquanto os demais são encontrados
nóstico para a diferenciação entre Enterobacter cloacae, o qual também no meio ambiente, esse termo é empregado como
é móvel, de Klebsiella pneumoniae, um organismo imóvel. indicador de contaminação fecal. Nos testes de qualida-
de da água, E. coli é identificada por sua capacidade de
Quando os resultados dos testes de varredura sugerem fermentar lactose com a produção de ácido e gás, sua ca-
a presença de uma linhagem de Salmonella ou Shigella, um

Tabela 18-4 Bacilos gram-negativos responsáveis por infecções do trato urinário1 ou sépsis2

Espécie Fermentação da lactose Características do organismo

Escherichia coli + As colônias exibem brilho metálico em ágar EAM
Enterobacter cloacae + Causa infecções nosocomiais e frequentemente exibe resistência a fármacos
Klebsiella pneumoniae + Apresenta grande cápsula mucoide e, consequentemente, colônias viscosas
Serratia marcescens – Produção de pigmento vermelho; causa infecções nosocomiais e frequentemente é

Proteus mirabilis – resistente a fármacos
Pseudomonas aeruginosa – A motilidade causa “expansão” no ágar; produz urease
Produção de pigmento azul-esverdeado e odor de frutas; causa infecções nosoco-

miais e frequentemente é resistente a fármacos

1Diagnosticada a partir da cultura quantitativa de urina.
2Diagnosticada a partir da cultura de sangue ou pus.

EAM = eosina azul de metileno.

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Microbiologia Médica e Imunologia 143

Tabela 18-5 Doenças causadas por membros da família Enterobacteriaceae

Principal patógeno Doenças representativas Gêneros relacionados de menor importância

Escherichia Infecção do trato urinário, diarreia do viajante, meningite neonatal
Shigella
Salmonella Disenteria
Klebsiella
Enterobacter Febre tifoide, enterocolite Arizona, Citrobacter, Edwardsiella
Serratia
Proteus Pneumonia, infecção do trato urinário
Yersinia
Pneumonia, infecção do trato urinário Hafnia

Pneumonia, infecção do trato urinário

Infecção do trato urinário Providencia, Morganella

Peste, enterocolite, adenite mesentérica

pacidade de crescer a 44,5ºC e pelo tipo característico das Propriedades importantes
colônias em ágar EAM. Uma contagem de colônias de E.
coli acima de 4/dl na água potável municipal é indicativa E. coli é o organismo anaeróbio facultativo mais abundante no
de contaminação fecal inaceitável. Uma vez que E. coli e cólon e nas fezes. Entretanto, é significativamente superado
os patógenos entéricos são mortos pela cloração da água em número pelos anaeróbios obrigatórios, como Bacteroides.
potável, a obtenção desse padrão raramente representa um
problema. A desinfecção do suprimento público de água E. coli fermenta lactose, característica que a distingue
representa um dos avanços mais importantes da saúde pú- dos dois principais patógenos intestinais, Shigella e Salmo-
blica no século XX. nella. E. coli possui três antígenos utilizados para identificar o
organismo em investigações epidemiológicas: o antígeno O,
Terapia antibiótica ou de parede celular; o antígeno H, ou flagelar; e o antígeno
O tratamento apropriado de infecções causadas por mem- K, ou capsular. Uma vez que existem mais de 150 antígenos
bros da família Enterobacteriaceae e organismos relaciona- O, 50 H e 90 K, as várias combinações resultam em mais
dos deve ser vinculado individualmente à sensibilidade do de 1.000 tipos antigênicos de E. coli. Sorotipos específicos
organismo aos antibióticos. Em termos gerais, uma ampla são associados a determinadas doenças; por exemplo, O55 e
gama de agentes antimicrobianos é potencialmente efetiva, O111 causam surtos de diarreia neonatal.
por exemplo, algumas penicilinas e cefalosporinas, amino-
glicosídeos, cloranfenicol, tetraciclinas, quinolonas e sulfo- Patogênese
namidas. A escolha específica geralmente depende dos resul-
tados de testes de sensibilidade a antibióticos. O reservatório de E. coli inclui humanos e animais. A fonte
de E. coli responsável por infecções do trato urinário consiste
Observe que muitos isolados destes bacilos entéricos na própria microbiota colônica do paciente, que coloniza a
gram-negativos são altamente resistentes a antibióticos região urogenital. A fonte de E. coli que provoca meningite
devido à produção de β-lactamases e outras enzimas que neonatal é o canal de parto materno; a infecção é adquirida
modificam aos fármacos. Esses organismos frequentemente durante o nascimento. Contrariamente, a E. coli responsável
realizam conjugação, adquirindo plasmídeos (fatores R) que pela diarreia do viajante é adquirida pela ingestão de alimen-
medeiam a resistência a múltiplos fármacos. to ou água contaminados por fezes humanas. Observe que
o principal reservatório de E. coli O157 entero-hemorrágica
■ PATÓGENOS INTERNOS E EXTERNOS AO corresponde ao gado bovino, sendo o organismo adquirido
TRATO INTESTINAL através da carne malcozida.

ESCHERICHIA E. coli possui vários componentes claramente identifica-
dos que contribuem para sua capacidade de causar doença:
Doenças pili, uma cápsula, endotoxina, e três exotoxinas (enteroto-
E. coli é a causa mais comum de infecção do trato urinário
e sépsis associada a bacilos gram-negativos. É uma das duas Tabela 18-6 Fermentação da lactose por membros da
importantes causas de meningite neonatal e o agente asso- família Enterobacteriaceae e organismos relacionados
ciado com maior frequência à “diarreia do viajante”, uma
diarreia aquosa. Algumas linhagens de E. coli são entero-he- Fermentação da Organismos
morrágicas e provocam diarreia sanguinolenta. lactose

Ocorre Escherichia, Klebsiella, Enterobacter
Não ocorre Shigella, Salmonella, Proteus, Pseudomonas
Ocorre lentamente Serratia, Vibrio

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144 Warren Levinson

Tabela 18-7 Reações de ágar tríplice açúcar ferro (TSI)

Reações1

Superfície Base Gás H2S Gêneros representativos

Ácida Ácida + – Escherichia, Enterobacter, Klebsiella

Alcalina Ácida – – Shigella, Serratia

Alcalina Ácida + + Salmonella, Proteus
Alcalina Alcalina – – Pseudomonas2

1A produção de ácido torna amarelo o indicador vermelho de fenol; o indicador mostra-se vermelho em condições alca-
linas. A presença de FeS negro na base indica a produção de H2S. Nem todas as espécies dos vários gêneros exibirão o
aspecto acima em ágar TSI. Por exemplo, algumas linhagens de Serratia são capazes de fermentar a lactose lentamente,
apresentando uma reação ácida na superfície.
2Pseudomonas, embora não seja membro da família Enterobacteriaceae, foi incluído nesta tabela, uma vez que sua rea-
ção em ágar TSI corresponde a um critério diagnóstico útil.

xinas), duas que causam diarreia aquosa e uma que provoca ribose (um processo denominado ADP-ribosilação) à pro-
diarreia sanguinolenta e síndrome hemolítica-urêmica. teína G, que estimula a ciclase, o que ativa irreversivelmente
a ciclase. O aumento resultante na concentração de adeno-
A. Infecção do trato intestinal sina monofosfato (AMP) cíclico intracelular estimula a pro-
teína quinase dependente de AMP cíclico, que fosforila os
A primeira etapa corresponde à adesão do organismo às célu- transportadores de íons da membrana. Os transportadores
las do jejuno e íleo por meio dos pili que se projetam a partir exportam íons, causando um extravasamento de fluidos, po-
da superfície bacteriana. Uma vez aderidas, as bactérias sin- tássio e cloro a partir dos enterócitos para o lúmen intestinal,
tetizam enterotoxinas (exotoxinas que atuam no trato intes- resultando em diarreia aquosa. Observe que a toxina colérica
tinal), que atuam sobre as células do jejuno e íleo, causando possui o mesmo mecanismo de ação.
diarreia. As toxinas são marcantemente células-específicas;
as células do cólon não são suscetíveis, provavelmente por (2) A outra enterotoxina é uma toxina termoestável (ST,
serem desprovidas de receptores para a toxina. As linhagens do inglês, stable toxin) de baixa massa molecular, que estimu-
enterotoxigênicas de E. coli podem produzir uma ou ambas la a guanilato ciclase.
as enterotoxinas.
As linhagens produtoras de enterotoxina não causam
(1) A toxina termolábil (LT, do inglês, labil toxin) atua inflamação, não invadem a mucosa intestinal, e causam
estimulando a adenilato ciclase. Tanto a LT como a toxina diarreia aquosa não sanguinolenta. No entanto, certas li-
colérica atuam catalisando a adição de adenosina difosfato nhagens de E. coli são enteropatogênicas (enteroinvasivas) e

Meios sólidos para bacilos entéricos gram-negativos

Ágar tríplice açúcar ferro das, a base e a superfície apresentam-se vermelhas. A superfície
pode exibir coloração vermelho-púrpura mais intensa (mais
Os componentes importantes deste meio são sulfato ferroso e alcalina) como resultado da produção de amônia a partir da de-
os três açúcares glicose, lactose e sacarose. A concentração da saminação oxidativa de aminoácidos. (4) Quando H2S é produzi-
glicose corresponde a um décimo da concentração dos outros do, observa-se a coloração negra do sulfeto ferroso.
dois açúcares. O meio presente no tubo apresenta uma região
sólida e pouco oxigenada na porção inferior, denominada base, As reações de alguns dos organismos importantes são apre-
e uma área inclinada e bem oxigenada na porção superior, de- sentadas na Tabela 18-7. Uma vez que diversos organismos
nominada superfície. O organismo é inoculado na base e ao podem apresentar a mesma reação, o ágar TSI corresponde so-
longo da superfície. mente a um dispositivo de varredura.

A interpretação dos resultados do teste é realizada como Ágar ureia
a seguir: (1) quando a lactose (ou sacarose) é fermentada, há
produção de grande quantidade de ácido, tornando amarelo o Os componentes importantes deste meio são a ureia e o indi-
indicador vermelho de fenol, tanto na base como na superfície. cador de pH, vermelho de fenol. Se o organismo produz urease,
Alguns organismos geram gases, originando bolhas na base. (2) a ureia é hidrolisada a NH3 e CO2. A amônia torna o meio alca-
Quando a lactose não é fermentada, porém a pequena quan- lino, e a coloração do vermelho de fenol modifica-se de laranja
tidade de glicose o é, a base deficiente em oxigênio torna-se claro para roxo avermelhado. Os organismos importantes que
amarela, mas, na superfície, o ácido será oxidado a CO2 e H2O são urease-positivos correspondem a espécies de Proteus e Kle-
pelo organismo, tornando a superfície vermelha (neutra ou al- bsiella pneumoniae.
calina). (3) Quando nem a lactose nem a glicose são fermenta-

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Microbiologia Médica e Imunologia 145

causam doença não pela formação de enterotoxina, mas pela fecções em vários órgãos. Por exemplo, as linhagens de E.
invasão do epitélio do intestino grosso, provocando diarreia coli que causam meningite neonatal geralmente apresentam
sanguinolenta (disenteria) acompanhada por células infla- um tipo capsular específico, denominado antígeno K1. A
matórias (neutrófilos) nas fezes. endotoxina de E. coli corresponde ao lipopolissacarídeo da
parede celular, sendo responsável por várias características da
Determinadas linhagens entero-hemorrágicas de E. coli, sépsis por gram-negativos, como febre, hipotensão e coagu-
isto é, aquelas do sorotipo O157:H7, também causam diar- lação intravascular disseminada.
reia sanguinolenta por produzirem uma exotoxina denomi-
nada verotoxina, assim denominada por ser tóxica às células C. Infecções do trato urinário
Vero (macaco) em cultura e também às células de revesti-
mento do cólon. Essas toxinas são também denominadas to- Certos sorotipos O de E. coli causam preferencialmente
xinas do tipo Shiga, uma vez que são muito similares àque- infecções do trato urinário. Essas linhagens uropatogêni-
las produzidas por espécies de Shigella. A verotoxina atua cas caracterizam-se por pili contendo proteínas adesinas
removendo uma adenina do RNA ribossomal maior (28S), que se ligam a receptores específicos do epitélio do trato
interrompendo, assim, a síntese proteica. As verotoxinas, as- urinário. O sítio de ligação desses receptores consiste em
sim como as toxinas Shiga, são codificadas por bacteriófagos dímeros de galactose (dímeros Gal-Gal). A motilidade de
temperados (lisogênicos). E. coli pode auxiliar em sua capacidade de ascender pela
uretra até a bexiga, bem como ascender pelo ureter até o
Essas linhagens O157:H7 estão associadas a surtos de rim.
diarreia sanguinolenta decorrentes da ingestão de hambúr-
guer malcozido, frequentemente em restaurantes do tipo Achados clínicos
“fast-food”. As bactérias na superfície do hambúrguer
são mortas pela cocção, mas aquelas presentes no interior E. coli causa uma variedade de doenças tanto interna como
malcozido sobrevivem. Além disso, o contato direto com externamente ao trato intestinal. É a principal causa de in-
animais, por exemplo, visitas a fazendas e zoológicos que fecções do trato urinário adquiridas na comunidade. Tais
permitam o contato com os animais, também podem estar infecções ocorrem principalmente em mulheres, achado
associados à diarreia sanguinolenta causada por linhagens atribuído a três características que facilitam a infecção as-
O157:H7. cendente até a bexiga, ou seja, uretra curta, proximidade
entre a uretra e o ânus e colonização da vagina por mem-
Alguns pacientes acometidos por diarreia sanguinolenta bros da microbiota fecal. Esse organismo também é a causa
causada por linhagens O157:H7 também apresentam uma mais frequente de infecções nosocomiais (adquiridas em
complicação de risco à vida, denominada síndrome hemolí- hospitais) do trato urinário, as quais ocorrem com a mes-
tica-urêmica, que ocorre quando a verotoxina atinge a cor- ma frequência em homens e mulheres e são associadas ao
rente sanguínea. Essa síndrome consiste em anemia hemolí- uso de cateteres urinários de longa duração. As infecções
tica, trombocitopenia e insuficiência renal aguda. do trato urinário podem limitar-se à bexiga ou estender-se
pelo sistema coletor até os rins. Quando apenas a bexiga
A anemia hemolítica e insuficiência renal ocorrem por- está envolvida, a doença é denominada cistite, ao passo que
que há receptores para a verotoxina na superfície do endoté- a infecção renal é denominada pielonefrite. Os sintomas
lio de pequenos vasos sanguíneos, assim como na superfície mais marcantes da cistite são dor (disúria) e micção fre-
do epitélio renal. A morte das células endoteliais dos peque- quente; a pielonefrite é caracterizada por febre, calafrios e
nos vasos sanguíneos resulta em uma anemia hemolítica mi- dor no flanco.
croangiopática, em que as hemácias que atravessam a área
danificada tornam-se intensamente distorcidas (esquistóci- E. coli é também uma importante causa, juntamente
tos) e, em seguida, sofrem lise. A trombocitopenia ocorre com os estreptococos do grupo B, de meningite e sépsis em
porque as plaquetas aderem à superfície endotelial danifica- neonatos. A exposição do recém-nascido a E. coli e a estrep-
da. A morte das células epiteliais dos rins leva à insuficiên- tococos do grupo B ocorre durante o nascimento, como re-
cia renal. O tratamento da diarreia causada por linhagens sultado da colonização da vagina por esses organismos em
O157:H7 com antibióticos, como ciprofloxacina, aumenta aproximadamente 25% das mulheres grávidas. E. coli é o
o risco de desenvolvimento da síndrome hemolítica-urêmica organismo isolado com maior frequência de pacientes apre-
por aumentar a quantidade de verotoxina liberada pelas bac- sentando sépsis adquirida no hospital, que surge principal-
térias em processo de morte. mente a partir de infecções urinárias, biliares ou peritoneais.
A peritonite geralmente consiste em uma infecção mista,
B. Infecção sistêmica causada por E. coli ou outros bacilos entéricos gram-nega-
tivos e membros anaeróbios da microbiota do cólon, como
Os outros dois componentes estruturais, a cápsula e a en- Bacteroides e Fusobacterium.
dotoxina, desempenham um papel mais marcante na pa-
togênese da doença sistêmica do que na doença do trato A diarreia causada por E. coli enterotoxigênica geral-
intestinal. O polissacarídeo capsular interfere na fagocitose, mente é aquosa, não sanguinolenta, autolimitante e de curta
intensificando assim a capacidade de o organismo causar in-

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146 Warren Levinson

duração (1-3 dias). Está frequentemente associada a viagens dos sintomas. Tipicamente, apenas a reidratação é necessária
(diarreia do viajante ou “turista”).2 nessa doença autolimitante.

Infecções entero-hemorrágicas por E. coli (EHEC; Prevenção
do inglês, enterohemorragic E. coli), ao contrário, resultam
em uma síndrome similar à disenteria, caracterizada por Não há prevenção específica para infecções por E. coli, como
diarreia sanguinolenta, cólica abdominal e febre, similar imunização ativa ou passiva. Contudo, várias medidas gerais
àquela causada por Shigella. As linhagens O157:H7 de E. podem ser adotadas para prevenir certas infecções causadas
coli também causam diarreia sanguinolenta, que pode ser por E. coli e outros organismos. Por exemplo, a incidência
complicada pela síndrome hemolítica-urêmica. Essa sín- de infecções do trato urinário pode ser reduzida pelo uso
drome caracteriza-se por insuficiência renal, anemia hemo- criterioso e pela pronta remoção de cateteres e, no caso de
lítica e trombocitopenia. Ocorre particularmente em crian- infecções recorrentes, pela profilaxia prolongada com antis-
ças tratadas com fluoroquinolonas ou outros antibióticos sépticos urinários, por exemplo, nitrofurantoína ou trimeto-
por apresentarem diarreia. Por essa razão, os antibióticos prim-sulfametoxazol. O uso de suco de oxicoco para preve-
não devem ser utilizados no tratamento de diarreia causada nir infecções recorrentes do trato urinário parece basear-se
por EHEC. na capacidade de os taninos do suco inibirem a ligação dos
pili de linhagens uropatogênicas de E. coli ao epitélio da be-
Diagnóstico laboratorial xiga, e não pela acidificação da urina, que era a justificativa
anterior. Alguns casos de sépsis podem ser prevenidos pela
Espécimes suspeitos de conterem bacilos entéricos gram-ne- pronta remoção ou pela alteração do sítio de linhas endo-
gativos, como E. coli, são cultivados inicialmente em placa de venosas. A diarreia do viajante pode ser evitada algumas
ágar sangue e em meio diferencial, como ágar EAM ou ágar vezes pelo uso profilático de doxiciclina, ciprofloxacina,
MacConkey. E. coli, que fermenta a lactose, origina colônias trimetoprim-sulfametoxazol ou Pepto-Bismol. A ingestão
róseas, enquanto organismos lactose-negativos são incolores. de alimentos crus e água não purificada deve ser evitada ao
Em ágar EAM, as colônias de E. coli exibem um brilho ver- viajar-se para certos países.
de característico. Algumas das características importantes,
que auxiliam na diferenciação de E. coli de outros bacilos SALMONELLA
gram-negativos fermentadores de lactose, são as seguintes:
(1) produz indol a partir de triptofano, (2) descarboxila a Doenças
lisina, (3) utiliza acetato como única fonte de carbono e (4)
é móvel. E. coli O157:H7 não fermenta sorbitol, um im- As espécies de Salmonella causam enterocolite, febres enté-
portante critério para diferenciá-la de outras linhagens de E. ricas, como febre tifoide, e septicemia com infecções me-
coli. O isolamento de E. coli enterotoxigênicas ou entero-he- tastáticas, como a osteomielite. Estão entre as causas mais
morrágicas a partir de pacientes apresentando diarreia não é comuns de enterocolite bacteriana nos Estados Unidos.
um procedimento diagnóstico rotineiro.
Propriedades importantes
Tratamento
As salmonelas são bacilos gram-negativos que não fer-
O tratamento de infecções por E. coli depende do sítio da mentam lactose, porém produzem H2S – características
doença e do pefil de resistência do isolado específico. Por utilizadas em sua identificação laboratorial. Seus antíge-
exemplo, uma infecção não complicada do trato urinário in- nos – O de parede celular, H flagelar e Vi (virulência) cap-
ferior pode ser tratada com trimetoprim-sulfametoxazol oral sular – são importantes para fins taxonômicos e epidemio-
ou uma penicilina oral, por exemplo, ampicilina, por apenas lógicos. Os antígenos O, os polissacarídeos externos da
1-3 dias. Entretanto, a sépsis por E. coli requer tratamento parede celular, são utilizados para subdividir as salmonelas
com antibióticos parenterais (por exemplo, uma cefalospori- nos grupos A-I. Há duas formas dos antígenos H, as fases
na de terceira geração, como cefotaxima, associada ou não a 1 e 2. Somente uma das duas proteínas H é sintetizada
um aminoglicosídeo, como a gentamicina). Para o tratamen- por vez, dependendo de qual sequência gênica encontra-se
to de meningite neonatal, geralmente é administrada uma no alinhamento correto para ser transcrita em mRNA. Os
combinação de ampicilina e cefotaxima. A terapia antibió- antígenos Vi (polissacarídeos capsulares) são antifagocitá-
tica usualmente não é indicada para doenças diarreicas por rios e constituem um importante fator de virulência de S.
E. coli. Contudo, a administração de trimetoprim-sulfame- typhi, o agente da febre tifoide. Os antígenos Vi são tam-
toxazol ou loperamida (Imodium) pode diminuir a duração bém utilizados na sorotipagem de S. typhi no laboratório
clínico.
2 E. coli enterotoxigênica é a causa mais comum da diarreia do viajan-
te; contudo, outras bactérias (p. ex., espécies de Salmonella, Shigella, Existem três métodos para denominar as salmonelas.
Campylobacter e Vibrio), vírus como o Norwalk, e protozoários como Ewing divide o gênero em três espécies: S. typhi, Salmonella
espécies de Giardia e Cryptosporidium também estão envolvidos. choleraesuis e Salmonella enteritidis. Nesse esquema, há 1
sorotipo em cada uma das duas primeiras espécies e 1.500

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sorotipos na terceira. Kaufman e White conferem denomi- do hospedeiro; a gastrectomia ou o uso de antiácidos reduz
nações distintas de espécie para cada sorotipo; existem cerca significativamente a dose infectante.
de 1.500 espécies diferentes, geralmente denominadas de
acordo com a cidade onde foram isoladas. Salmonella du- (2) Na febre tifoide e em outras febres entéricas, a in-
blin, de acordo com Kaufman e White, corresponderia a S. fecção é iniciada no intestino delgado, entretanto poucos
enteritidis sorotipo dublin de acordo com Ewing. A tercei- sintomas gastrintestinais ocorrem. Os organismos penetram,
ra abordagem para a denominação de salmonelas baseia-se multiplicam-se nos fagócitos mononucleares das placas de
no grau de similaridade determinado pela análise da hibri- Peyer e, em seguida, disseminam-se até os fagócitos do fí-
dização de DNA. Nesse esquema, S. typhi não corresponde gado, da vesícula biliar e do baço. Isso leva à bacteriemia, a
a uma espécie distinta, sendo classificada como Salmonella qual está associada à manifestação de febre e outros sintomas,
enterica sorotipo (ou sorovar) typhi. Esses três esquemas de provavelmente causados pela endotoxina. A sobrevivência e
denominação encontram-se em uso. o crescimento dos organismos no interior de fagossomos
de células fagocitárias é uma propriedade marcante dessa
Em termos clínicos, as espécies de Salmonella são fre- doença, assim como a preferência pela invasão da vesícula
quentemente consideradas como duas categorias distintas, biliar, que pode resultar no estabelecimento do estado de
ou seja, as espécies tifoides, isto é, aquelas que causam febre portador, com a excreção das bactérias pelas fezes durante
tifoide, e as espécies não tifoides, isto é, aquelas que causam longos períodos.
diarreia (enterocolite) e infecções metastáticas, como oste-
omielite. As espécies tifoides são S. typhi e S. paratyphi. As (3) A septicemia representa somente cerca de 5-10%
espécies não tifoides correspondem às várias linhagens de S. das infecções por Salmonella e ocorre em uma entre duas si-
enteritidis. S. choleraesuis é a espécie envolvida com maior tuações: um paciente apresentando uma doença crônica sub-
frequência em infecções metastáticas. jacente, como anemia falciforme ou câncer, ou uma criança
apresentando enterocolite. O curso séptico é mais indolente
Patogênese e epidemiologia que aquele observado nos casos de outros bacilos gram-nega-
tivos. A bacteriemia resulta na colonização de vários órgãos,
Os três tipos de infecções por Salmonella (enterocolite, fe- sendo a osteomielite, a pneumonia e a meningite as sequelas
bres entéricas e septicemia) exibem características patogêni- mais comuns. A osteomielite em uma criança com anemia
cas distintas. falciforme é um exemplo importante desse tipo de infecção
por salmonela. Tecidos previamente lesados, como infartos
(1) A enterocolite caracteriza-se por uma invasão do te- e aneurismas, especialmente aneurismas aórticos, são os
cido epitelial e subepitelial dos intestinos delgado e grosso. sítios mais frequentes de abscessos metastáticos. O gênero
Linhagens não invasivas não causam doença. Os organismos Salmonella é também uma importante causa de infecções de
penetram através das células mucosas e entre elas até a lâmi- enxertos vasculares.
na própria, resultando em inflamação e diarreia. Uma res-
posta de leucócitos polimorfonucleares limita a infecção ao A epidemiologia das infecções por Salmonela está rela-
intestino e linfonodos mesentéricos adjacentes; a bacteriemia cionada à ingestão de alimentos e água contaminados por
é pouco frequente na enterocolite. Contrariamente à entero- excreções humanas e animais. S. typhi, a causa da febre tifoi-
colite por Shigella, em que a dose infectante é muito baixa de, é transmitida apenas por humanos, entretanto todas
(na ordem de 10 organismos), a dose requerida para Salmo- as outras espécies têm um significativo reservatório animal
nella é muito superior, de pelo menos 100.000 organismos. e humano. As fontes humanas são indivíduos que tempora-
Várias propriedades de salmonelas e shigelas são comparadas riamente excretam o organismo durante, ou logo após, um
na Tabela 18-8. O ácido gástrico é uma importante defesa acesso de enterocolite, ou portadores crônicos que excretam

Tabela 18-8 Comparação entre características importantes de Salmonella e Shigella

Característica Shigella Salmonella exceto S. typhi Salmonella typhi

Reservatório Humanos Animais, especialmente aves domésticas e ovos Humanos
Dose infectante (DI50) Baixa1 Alta Alta
Diarreia como característica proeminente Sim Sim Não
Sim
Invasão da corrente sanguínea Não Sim Sim
Não
Estado de portador crônico Não Infrequente Sim
Sim
Fermentação de lactose Não Não

Produção de H2S Não Sim
Vacina disponível Não Não

1Um organismo que apresenta DI50 baixa requer um número muito pequeno de bactérias para causar doença.

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o organismo durante anos. As fontes animais mais frequen- duas semanas da enfermidade. As culturas de medula óssea
tes são aves domésticas e ovos, porém produtos cárneos co- são frequentemente positivas. As coproculturas também po-
zidos inadequadamente também foram implicados. Cães e dem ser positivas, especialmente em portadores crônicos,
outros animais de estimação, incluindo tartarugas, cobras, nos quais o organismo é secretado na bile, atingindo o trato
lagartos e iguanas, são fontes adicionais. intestinal.

Achados clínicos As salmonelas formam colônias não fermentadoras de
lactose (incolores) em ágar MacConkey ou EAM. Em ágar
Após um período de incubação de 12-48 horas, a enteroco- TSI, são observadas uma superfície alcalina e uma base
lite manifesta-se por náusea e vômito, progredindo para dor ácida, frequentemente com gás e H2S (coloração negra na
abdominal e diarreia, que pode variar de branda a severa, base). S. typhi corresponde a uma importante exceção; este
com ou sem sangue. Geralmente a doença persiste por al- organismo não forma gás e produz somente uma pequena
guns dias, é autolimitante, causa diarreia não sanguinolenta quantidade de H2S. Quando o organismo é urease-negativo
e não requer cuidados médicos, exceto no caso de indiví- (espécies de Proteus, que podem originar uma reação similar
duos muito jovens ou bastante idosos. Indivíduos infectados em ágar TSI, são urease-positivos), o isolado de Salmonella
por HIV, especialmente aqueles com uma baixa contagem pode ser identificado e classificado pelo teste de aglutinação
de CD4, apresentam maior número de infecções por Salmo- em lâmina nos sorogrupos A, B, C, D ou E, com base em
nella, incluindo diarreia mais severa e infecções metastáticas seu antígeno O. A sorotipagem definitiva dos antígenos O,
mais graves, quando comparados àqueles não infectados por H e Vi é realizada em laboratórios especiais de saúde pública,
HIV. Salmonella typhimurium é a espécie mais comum de com fins epidemiológicos.
Salmonella responsável por enterocolite nos Estados Unidos,
porém praticamente todas as espécies foram implicadas. A salmonelose é uma doença notificável, devendo ser
realizada uma investigação para determinar sua fonte. Em
Na febre tifoide causada por S. typhi, assim como na certos casos de febre entérica e sépsis, quando é difícil a re-
febre entérica causada por organismos como S. paratyphi A, cuperação do organismo, o diagnóstico pode ser realizado
B e C (S. paratyphi B e C são também conhecidas como sorologicamente pela detecção de um aumento no título de
Salmonella schottmuelleri e Salmonella hirschfeldii, respectiva- anticorpos no soro do paciente (teste de Widal).
mente), a manifestação da doença é lenta, com predomínio
de febre e constipação, ao invés de vômitos e diarreia. A diar- Tratamento
reia pode ocorrer precocemente, porém geralmente desapa-
rece quando surgem a febre e a bacteriemia. Após a primeira A enterocolite causada por Salmonella é geralmente uma
semana, à medida que a bacteriemia se torna mais constante, doença autolimitante, que regride sem tratamento. A re-
ocorrem febre alta, delírio, abdômen sensível e esplenome- posição de fluidos e eletrólitos pode ser necessária. O trata-
galia. Manchas rosas, isto é, máculas róseas no abdômen, mento com antibióticos não diminui a duração da doença,
estão associadas à febre tifoide, contudo ocorrem raramente. nem reduz os sintomas; na realidade, ele pode prolongar a
Leucopenia e anemia são frequentemente observadas. Testes excreção dos organismos, aumentar a frequência do estado
de função hepática frequentemente mostram-se anormais, de portador e selecionar mutantes resistentes ao antibiótico.
indicando envolvimento hepático. Os agentes antimicrobianos são indicados apenas para neo-
natos ou indivíduos com doenças crônicas, que apresentam
A regressão da doença inicia-se por volta da terceira risco de septicemia e abscessos disseminados. A resistência a
semana, mas podem ocorrer complicações severas, como antibióticos mediada por plasmídeo é comum, devendo ser
hemorragia ou perfuração intestinal. Cerca de 3% dos pa- realizados testes de sensibilidade a antibióticos. Os fárma-
cientes acometidos por febre tifoide tornam-se portadores cos que retardam a motilidade intestinal (i.e., que reduzem a
crônicos. A taxa de portadores é mais elevada entre as mu- diarreia) aparentemente prolongam a duração dos sintomas
lheres, especialmente naquelas com doença prévia de vesícu- e a excreção fecal dos organismos.
la biliar ou cálculos biliares.
O tratamento de escolha para as febres entéricas, como
A septicemia é causada com maior frequência por S. febre tifoide e septicemia com infecção metastática, consiste
choleraesuis. Os sintomas iniciais consistem em febre, porém em ceftriaxona ou ciprofloxacina. A ampicilina ou ciproflo-
com enterocolite ausente ou discreta, progredindo para sin- xacina devem ser utilizadas em pacientes portadores crônicos
tomas focais associados ao órgão afetado, frequentemente de S. typhi. A colecistectomia pode ser necessária para abo-
ossos, pulmões ou meninges. lir o estado de portador crônico. Abscessos focais devem ser
drenados cirurgicamente quando possível.
Diagnóstico laboratorial
Prevenção
Na enterocolite, o organismo é mais facilmente isolado a
partir de uma amostra de fezes. Entretanto, nas febres entéri- As infecções por Salmonella são prevenidas principalmente
cas, a hemocultura é o procedimento que apresenta a maior por medidas de saúde pública e de higiene pessoal. O tra-
probabilidade de revelar o organismo durante as primeiras tamento apropriado do esgoto, o monitoramento do su-

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Microbiologia Médica e Imunologia 149

primento de água clorada em relação à contaminação por creches e instituições de saúde mental, onde a transmissão
bactérias coliformes, coproculturas de manipuladores de fecal-oral é mais provável de ocorrer. Crianças com idade in-
alimentos a fim de identificar portadores, lavagem das mãos ferior a 10 anos são responsáveis por aproximadamente me-
antes da manipulação de alimentos, pasteurização do leite, tade das coproculturas positivas para Shigella. Não há estado
bem como a cocção apropriada de aves, ovos e carnes, con- de portador prolongado associado às infecções por Shigella,
sistem em medidas importantes. diferentemente do observado nas infecções por S. typhi.

Duas vacinas encontram-se disponíveis, mas conferem As shigelas, que causam doença quase que exclusivamen-
proteção limitada (50-80%) contra S. typhi. Uma contém o te no trato gastrintestinal, produzem diarreia sanguinolenta
polissacarídeo capsular Vi de S. typhi (administração intra- (disenteria) por invadirem as células da mucosa do íleo distal
muscular) e a outra contém uma linhagem viva, atenuada, e cólon. Há uma inflamação local acompanhada de ulcera-
de S. typhi (administração oral). As duas vacinas são igual- ção, mas os organismos raramente atravessam a parede ou
mente efetivas. A vacina é recomendada para indivíduos que atingem a corrente sanguínea, diferentemente das salmone-
viajam ou residem em regiões de alto risco, bem como para las. Embora algumas linhagens produzam uma enterotoxina
aqueles cuja ocupação os coloca em contato com o orga- (denominada toxina Shiga), a invasão corresponde ao fator
nismo. Uma nova vacina conjugada contra a febre tifoide crítico na patogênese. A evidência para esta afirmação está
contendo o antígeno polissacarídico capsular (Vi) acoplado a no fato de mutantes incapazes de produzir a enterotoxina,
uma proteína carreadora é segura e imunogênica em crianças porém invasivos, serem ainda capazes de causar a doença,
pequenas, mas no momento não se encontra disponível nos enquanto mutantes não invasivos não são patogênicos. As
Estados Unidos. toxinas Shiga são codificadas por bacteriófagos lisogênicos.

■ PATÓGENOS PRINCIPALMENTE INTERNOS Achados clínicos
AO TRATO INTESTINAL
Após um período de incubação de 1-4 dias, os sintomas
SHIGELLA manifestam-se por febre e cólicas abdominais, seguidas por
diarreia, que inicialmente pode ser aquosa e, posteriormente,
Doença conter sangue e muco. A doença varia de branda a severa,
As espécies de Shigella causam enterocolite. A enterocolite dependendo de dois fatores principais: a espécie de Shigella
causada por Shigella é frequentemente denominada disente- e a idade do paciente, sendo as crianças e os idosos afetados
ria bacilar. O termo “disenteria” refere-se à diarreia sangui- de forma mais severa. Shigella dysenteriae, responsável pela
nolenta. doença mais grave, geralmente é detectada nos Estados Uni-
dos somente em viajantes que retornam do exterior. Shigella
Propriedades importantes sonnei, que causa doença branda, é isolada de aproximada-
As shigelas são bacilos gram-negativos não fermentadores mente 75% dos indivíduos apresentando shigelose, nos Es-
de lactose, que podem ser diferenciadas de salmonelas com tados Unidos. A diarreia frequentemente regride em 2 ou
base em três critérios: não produzem gás a partir da fermen- 3 dias; nos casos severos, os antibióticos podem reduzir o
tação de glicose, não produzem H2S e são imóveis. Todas as curso. Aglutininas séricas surgem após a recuperação, porém
shigelas possuem antígenos O (polissacarídeo) em suas pare- não são protetoras, uma vez que o organismo não atinge o
des celulares, e esses antígenos são utilizados para dividir o sangue. O papel protetor da IgA intestinal é incerto.
gênero em quatro grupos: A, B, C e D.
Diagnóstico laboratorial
Patogênese e epidemiologia
As shigelas são os patógenos mais efetivos dentre as bactérias As shigelas formam colônias não fermentadoras de lactose
entéricas. Apresentam uma DI50 muito baixa. A ingestão de (incolores) em ágar MacConkey ou EAM. Em ágar TSI, pro-
apenas 100 organismos causa doença, enquanto pelo menos duzem uma superfície alcalina e base ácida, sem produção de
105 células de V. cholerae ou Salmonella são necessárias para gás ou H2S. A confirmação do organismo como Shigella e a
produzir os sintomas. Várias propriedades de shigelas e sal- determinação de seu grupo são realizadas pela aglutinação
monelas são comparadas na Tabela 18-8. em lâmina.

A shigelose é uma doença apenas de humanos, isto é, Um importante coadjuvante no diagnóstico laboratorial
não há reservatório animal. O organismo é transmitido pela consiste na coloração com azul de metileno de uma amos-
via fecal-oral. Os principais fatores envolvidos na transmis- tra fecal, visando a detecção de neutrófilos. A presença de
são são os dedos, as moscas, os alimentos e as fezes. Os surtos neutrófilos indica envolvimento de um organismo invasivo,
transmitidos por alimentos superam os surtos transmitidos como Shigella, Salmonella ou Campylobacter, em vez de um
pela água na proporção de 2 para 1. Os surtos ocorrem em organismo produtor de toxina, como V. cholerae, E. coli ou
Clostridium perfringens. (Determinados vírus e o parasita
Entamoeba histolytica também podem causar diarreia sem a
presença de PMNs nas fezes.)

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150 Warren Levinson

Tratamento identificados por sua reação ao antissoro contra os antígenos
O principal tratamento para a shigelose consiste na reposição polissacarídicos O139 (antígeno O).
de fluidos e eletrólitos. Em casos brandos, não são indicados
antibióticos. Em casos severos, uma fluoroquinolona (p. ex., V. parahaemolyticus e V. vulnificus são organismos ma-
ciprofloxacina) é o fármaco de escolha. Todavia a incidência rinhos. Vivem principalmente nos oceanos, especialmente
de plasmídeos que conferem resistência a múltiplos fármacos em água salgada morna. São halófilos, isto é, requerem uma
é elevada, de modo que testes de sensibilidade a antibióticos elevada concentração de NaCl para seu crescimento.
devem ser realizados. Trimetoprim-sulfametoxazol é uma es-
colha alternativa. Fármacos antiperistálticos são contraindi- 1. Vibrio cholerae
cadas na shigelose, uma vez que prolongam a febre, diarreia
e excreção do organismo. Patogênese e Epidemiologia

Prevenção V. cholerae é transmitido por contaminação fecal da água e
A prevenção da shigelose depende da interrupção da trans- dos alimentos, principalmente a partir de fontes humanas.
missão fecal-oral por meio da coleta e do tratamento adequa- Portadores humanos são frequentemente assintomáticos e
dos do esgoto, cloração da água e higiene pessoal (lavagem incluem indivíduos em período de incubação ou convales-
das mãos pelos manipuladores de alimentos). Não há vacina centes. Os principais reservatórios animais são os crustáceos e
e o uso profilático de antibióticos não é recomendado. moluscos marinhos, como camarões e ostras. A ingestão des-
ses animais sem a cocção adequada pode transmitir a doença.
VIBRIO
Uma importante epidemia de cólera, abrangendo os anos
Doenças 1960 e 1970, iniciou-se no sudeste da Ásia e disseminou-se
Vibrio cholerae, o principal patógeno deste gênero, é o agente por três continentes, atingindo regiões da África, Europa
da cólera. Vibrio parahaemolyticus causa diarreia associada à e restante da Ásia. Uma pandemia de cólera iniciou-se no
ingestão de alimentos marinhos crus ou cozidos inadequa- Peru em 1991 e disseminou-se por vários países da América
damente. Vibrio vulnificus causa celulite e sépsis. Caracte- Central e América do Sul. O organismo isolado com maior
rísticas importantes da patogênese de V. cholerae, C. jejuni e frequência foi o biotipo El Tor de V. cholerae O1, geralmente
Helicobacter pylori são descritas na Tabela 18-9. do sorotipo Ogawa. Os fatores que predispõem as epidemias
são más condições sanitárias, má nutrição, superpopulação e
Propriedades importantes serviços médicos inadequados. Medidas de quarentena não
Os víbrios são bacilos gram-negativos curvos em forma de impediram a disseminação da doença em virtude do grande
vírgula (ver Prancha Colorida 9). V. cholerae é dividido em número de portadores assintomáticos. Em 1992, V. cholerae
dois grupos de acordo com a natureza de seu antígeno O de do sorogrupo O139 emergiu, causando uma epidemia de
parede celular. Os membros do grupo O1 causam doença cólera amplamente disseminada na Índia e em Bangladesh.
epidêmica, enquanto os organismos não pertencentes ao gru-
po O1 causam doença esporádica, ou não são patogênicos. A patogênese da cólera depende da colonização do in-
Os organismos O1 apresentam dois biotipos, denominados testino delgado pelo organismo e secreção da enterotoxina.
El Tor e cholerae, bem como três sorotipos, denominados Para que a colonização ocorra, um grande número de bacté-
Ogawa, Inaba e Hikojima. (Os biotipos baseiam-se em di- rias (aproximadamente 1 bilhão) deve ser ingerido, uma vez
ferenças nas reações bioquímicas, enquanto os sorotipos são que o organismo é particularmente sensível ao ácido gástrico.
baseados em diferenças antigênicas.) Essas propriedades são Indivíduos apresentando pouco ou nenhum ácido gástrico,
utilizadas para caracterizar isolados em investigações epide- como aqueles que tomam antiácidos ou aqueles submetidos
miológicas. Os organismos do sorogrupo O139, responsá- a gastrectomia, são mais suscetíveis. A adesão às células das
veis por uma importante epidemia ocorrida em 1992, são microvilosidades do intestino, um requerimento para a co-
lonização, está relacionada à secreção da enzima bacteriana
mucinase, a qual dissolve o revestimento glicoproteico pro-
tetor das células intestinais.

Após a adesão, o organismo multiplica-se e secreta
uma enterotoxina denominada colerágeno. Essa exotoxi-

Tabela 18-9 Características importantes da patogênese de bacilos gram-negativos curvos que afetam o trato gastrintestinal

Organismo Tipo de Doença típica Sítio de infecção Principal abordagem
patogênese terapêutica

Vibrio cholerae Toxigênica Diarreia aquosa Intestino delgado Reposição de fluidos
Diarreia sanguinolenta Cólon Antibióticos1
Campylobacter jejuni Inflamatória Gastrite; úlcera péptica Estômago; duodeno Antibióticos1

Helicobacter pylori Inflamatória

1Ver no texto os antibióticos específicos.

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Microbiologia Médica e Imunologia 151

na pode reproduzir os sintomas da cólera, mesmo na au- Para o diagnóstico de casos esporádicos nos Estados
sência de células de Vibrio. O colerágeno consiste em uma Unidos, uma cultura das fezes diarreicas contendo V. chole-
subunidade A (ativa) e uma subunidade B (de ligação). rae exibirá colônias incolores em ágar MacConkey, uma vez
A subunidade B, que corresponde a um pentâmero com- que a lactose é fermentada de forma lenta. O organismo é
posto por cinco proteínas idênticas, liga-se a um receptor oxidase-positivo, fato que o diferencia dos membros da fa-
glangliosídeo da superfície do enterócito. A subunidade A mília Enterobacteriaceae. Em ágar TSI, são observadas uma
é inserida no citosol, onde catalisa a adição de ADP-ribose superfície ácida e uma base ácida sem a presença de gás ou
à proteína Gs (Gs é a proteína G estimulatória). Esse pro- H2S, uma vez que o organismo fermenta a sacarose. Um
cesso bloqueia a proteína Gs na posição “ativa”, causan- diagnóstico presuntivo de V. cholerae pode ser confirmado
do uma estimulação persistente da adenilato ciclase. A pela aglutinação do organismo pelo antissoro polivalen-
superprodução de AMP cíclico ativa a proteína quinase te O1 ou não O1. Um diagnóstico retrospectivo pode ser
dependente de AMP cíclico, uma enzima que fosforila os realizado sorologicamente pela detecção de uma elevação
transportadores de íons na membrana celular, resultando no título de anticorpos entre o soro da fase aguda e da fase
na perda de água e íons pela célula. O efluxo aquoso al- convalescente.
cança o lúmen intestinal, resultando em intensa diarreia
aquosa que não contém neutrófilos ou hemácias. A mor- Tratamento
bidade e morte são decorrentes da desidratação e do de-
sequilíbrio eletrolítico. Entretanto, se o tratamento for O tratamento consiste na reposição imediata e adequada de
instituído prontamente, a doença segue um curso autoli- água e eletrólitos, quer oralmente quer por via endovenosa.
mitante por até 7 dias. Antibióticos, como a tetraciclina, não são necessários, porém
reduzem a duração dos sintomas e o período de excreção dos
Os genes da toxina colérica e outros fatores de virulência organismos.
são carreados em um bacteriófago de DNA de fita simples,
denominado CTX. A conversão lisogênica de linhagens não Prevenção
produtoras de toxina para produtoras de toxina pode ocorrer
quando o fago CTX realiza a transdução destes genes. Os A prevenção é realizada principalmente por medidas de saú-
pili que promovem a adesão do organismo à mucosa intesti- de pública que garantam um suprimento de água e alimen-
nal são os receptores para o fago. tos limpos. A vacina, composta por organismos mortos, é
de utilidade limitada, apresentando apenas 50% de eficácia
V. cholerae não O1 é uma causa ocasional de diarreia na prevenção da doença por 3-6 meses e não interrompe a
associada à ingestão de moluscos obtidos a partir de águas transmissão. Em certos países, há uma vacina viva disponí-
costeiras dos Estados Unidos. vel, mas isso não ocorre nos Estados Unidos. As vacinas com
organismos vivos ou mortos não são recomendadas para uso
Achados clínicos rotineiro em viajantes. O uso de tetraciclina para a preven-
ção da doença é eficaz para os contatos próximos, no entanto
A diarreia aquosa em grandes volumes corresponde à carac- não é capaz de prevenir a disseminação de uma epidemia im-
terística marcante da cólera. Não há hemácias ou leucócitos portante. A rápida identificação de portadores é importante
nas fezes. Fezes em água de arroz é a expressão frequente- para a limitação de surtos.
mente empregada para o efluente não sanguinolento. Não
há dor abdominal, e os sintomas subsequentes estão relacio- 2. Vibrio parahaemolyticus
nados à intensa desidratação. A perda de fluidos e eletrólitos
leva à insuficiência cardíaca e renal. Acidose e hipocalemia V. parahaemolyticus é um organismo marinho transmitido
também ocorrem como resultado da perda de bicarbonato pela ingestão de alimento marinho cru ou malcozido, es-
e potássio nas fezes. A taxa de mortalidade sem tratamento pecialmente moluscos, como ostras. Tal organismo é uma
é de 40%. importante causa de diarreia no Japão, onde o peixe cru é
consumido em grandes quantidades. Contudo, nos Estados
Diagnóstico laboratorial Unidos, é um patógeno pouco frequente, embora vários
surtos tenham ocorrido a bordo de navios de cruzeiro pelo
A abordagem adotada para o diagnóstico laboratorial de- Caribe. Pouco se sabe sobre sua patogênese, exceto que uma
pende da situação. Durante uma epidemia, realiza-se uma enterotoxina similar ao colerágeno é secretada e, algumas ve-
análise clínica, havendo pouca necessidade do laboratório. zes, invasão limitada ocorre.
Em uma região onde a doença é endêmica, assim como para
a identificação de portadores, emprega-se, no laboratório, O quadro clínico causado por V. parahaemolyticus varia
uma variedade de meios seletivos,3 que não são de uso co- de diarreia aquosa branda a severa, náusea e vômitos, cólicas
mum nos Estados Unidos. abdominais e febre. A doença é autolimitante, perdurando
por cerca de 3 dias. V. parahaemolyticus diferencia-se de V.
3 São utilizados meios como ágar tiossulfato-citrato-sais biliares ou cholerae principalmente com base no crescimento em NaCl:
telurito-taurocolato-gelatina. V. parahaemolyticus cresce em solução de NaCl a 8% (como

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152 Warren Levinson

convém para um organismo marinho), ao contrário de V. comparação a 2,3% e 1% nos casos de Salmonella e Shigella,
cholerae. Não há indicação de tratamento específico, uma vez respectivamente.
que a doença é relativamente branda e autolimitante, e pode
ser prevenida pela refrigeração e cocção apropriadas dos ali- A patogênese da enterocolite e das doenças sistêmicas
mentos marinhos. é incerta. A presença de diarreia aquosa sugere uma síndro-
me mediada por enterotoxina. Uma enterotoxina que atua
3. Vibrio vulnificus pelo mesmo mecanismo que a toxina colérica é produzida
V. vulnificus também é um organismo marinho; ou seja, por algumas linhagens. A invasão ocorre com frequência,
é encontrado em águas salgadas mornas, como o mar do acompanhada pela presença de sangue nas fezes. Infecções
Caribe. Causa infecções graves de pele e dos tecidos moles sistêmicas, por exemplo, bacteremia, ocorrem com maior
(celulite), especialmente em manipuladores de moluscos frequência em neonatos ou adultos debilitados.
marinhos, que frequentemente apresentam ferimentos na
pele. Pode também causar septicemia rapidamente fatal em Achados clínicos
indivíduos imunocomprometidos que ingeriram maris- A enterocolite, causada principalmente por C. jejuni, mani-
cos crus contaminados pelo organismo. Frequentemente festa-se com diarreia aquosa de odor fétido, seguida por fezes
são observadas bolhas hemorrágicas na pele de pacientes sanguinolentas, acompanhada por febre e dor abdominal
acometidos por sépsis causada por V. vulnificus. Doença severa. Infecções sistêmicas, mais comumente bacteriemia,
hepática crônica, por exemplo, cirrose, predispõe infecções são causadas por C. intestinalis. Os sintomas de bacteriemia,
graves. O tratamento recomendado é doxiciclina. por exemplo, febre e mal estar geral, não estão associados a
quaisquer achados físicos específicos.
CAMPYLOBACTER
A infecção gastrintestinal por C. jejuni está associada à
Doenças síndrome de Guillain-Barré, a causa mais comum de para-
Campylobacter jejuni é uma causa frequente de enteroco- lisia neuromuscular aguda. A síndrome de Guillain-Barré é
lite, especialmente em crianças. A infecção por C. jejuni uma doença autoimune, atribuída à formação de anticor-
corresponde a um antecedente comum da síndrome de pos contra C. jejuni que reagem de forma cruzada com os
Guillain-Barré. Outras espécies de Campylobacter raramente antígenos de neurônios (ver Capítulo 66). A infecção por
causam infecção sistêmica, particularmente bacteriemia. Campylobacter é também associada a duas outras doenças
autoimunes: artrite reativa e síndrome de Reiter, as quais são
Propriedades importantes também descritas no Capítulo 66.
As campilobactérias são bacilos curvos gram-negativos,
que exibem morfologia em vírgula ou S. Elas são mi- Diagnóstico laboratorial
croaerofílicas, exibindo melhor crescimento em oxigênio Se um paciente apresenta diarreia, um espécime das fezes é
a 5%, ao invés dos 20% presentes na atmosfera. C. jejuni cultivado em uma placa de ágar sangue contendo antibióti-
cresce adequadamente a 42ºC, ao contrário de Campylo- cos5 que inibem a maioria dos demais membros da micro-
bacter intestinalis4 – observação útil para o diagnóstico mi- biota fecal.
crobiológico.
A placa é incubada a 42ºC em uma atmosfera micro-
Patogênese e epidemiologia aerofílica, contendo 5% de oxigênio e 10% de dióxido de
Animais domésticos, como gado bovino, galinhas e cães, carbono, o que favorece o crescimento de C. jejuni. A iden-
atuam como fonte dos organismos para os humanos. A tificação é feita pela ausência de crescimento a 25ºC, posi-
transmissão usualmente ocorre pela via fecal-oral. Alimen- tividade para a oxidase e sensibilidade ao ácido nalidíxico.
tos e água contaminados por fezes animais são a principal Contrariamente a Shigella e Salmonella, a fermentação da
fonte da infecção em humanos. Alimentos como aves do- lactose não é utilizada como característica diferencial. Dian-
mésticas, carnes e leite não pasteurizado estão comumen- te da suspeita de bacteriemia, uma hemocultura, incubada
te envolvidos. Cães apresentando diarreia são uma fonte em condições padrão de temperatura e atmosfera, revelará o
comum para a contaminação em crianças. A transmissão crescimento de bacilos gram-negativos móveis com a carac-
entre humanos ocorre, porém é menos frequente do que a terística de morfologia em vírgula ou S. A identificação do
transmissão do animal para o ser humano. C jejuni é uma organismo como C. intestinalis é confirmada pela ausência
importante causa de diarreia nos Estados Unidos; foi recu- de crescimento a 42ºC, capacidade de crescer a 25ºC e resis-
perado de 4,6% dos pacientes acometidos por diarreia, em tência ao ácido nalidíxico.

4 Também conhecido como Campylobacter fetus subsp. fetus. 5 Por exemplo, o meio de Skirrow contém vancomicina, trimetoprim,
cefalotina, polimixina e anfotericina B.

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Microbiologia Médica e Imunologia 153

Tratamento Diagnóstico laboratorial
Eritromicina ou ciprofloxacina são utilizadas com sucesso na O organismo pode ser observado em esfregaços submetidos
enterocolite por C. jejuni. O tratamento de escolha para a à coloração de Gram de espécimes de biópsia da mucosa
bacteriemia por C. intestinalis é um aminoglicosídeo. gástrica. Pode ser cultivado nos mesmos meios em que as
campilobactérias. Contrariamente a C. jejuni, H. pylori é
Prevenção urease-positivo. A produção de urease é a base de um teste
Não há vacina ou outra medida preventiva específica. A co- diagnóstico não invasivo, denominado teste do “hálito de
leta e o tratamento adequado do esgoto, bem como a higiene ureia”. Nesse teste, ingere-se ureia radioativa. Se o organis-
pessoal (lavagem das mãos) são importantes medidas a serem mo estiver presente, a urease cliva a ureia ingerida, ocorre
consideradas. produção de CO2 radioativo, e a radioatividade é detectada
no hálito.
HELICOBACTER
Um teste para a presença do antígeno de Helicobacter
Doenças nas fezes pode ser utilizado para o diagnóstico, bem como
Helicobacter pylori causa gastrite e úlceras pépticas. A infec- para confirmar que o tratamento eliminou o organismo. A
ção por H. pylori representa um fator de risco para carci- presença de anticorpos IgG no soro do paciente pode tam-
noma gástrico e está associada a linfomas de tecido linfoide bém ser utilizada como evidência de infecção.
associado às mucosas (MALT, do inglês, mucosal-associated
lymphoid tissue). Tratamento e prevenção
O tratamento de úlceras duodenais com antibióticos, por
Propriedades importantes exemplo, amoxicilina e metronidazol, e com sais de bismu-
As helicobactérias são bacilos gram-negativos curvos, simila- to (Pepto-Bismol) resulta numa diminuição significativa da
res às campilobactérias, no entanto, uma vez que diferem su- taxa de recorrência. A tetraciclina pode ser utilizada em vez
ficientemente em determinadas características bioquímicas da amoxicilina. Não há vacina ou outra medida preventiva
e flagelares, são classificadas como um gênero distinto. Em específica.
particular, helicobactérias são fortemente urease-positivas,
ao passo que campilobactérias são urease-negativas. ■ PATÓGENOS EXTERNOS AO TRATO
INTESTINAL
Patogênese e epidemiologia
H. pylori adere-se às células secretoras de muco da mucosa GRUPO KLEBSIELLAENTEROBACTERSERRATIA
gástrica. A produção de grandes quantidades de amônia a
partir da ureia, mediada pela urease do organismo, asso- Doenças
ciada a uma resposta inflamatória, leva a danos na muco- Estes organismos são geralmente patógenos oportunistas,
sa. A perda do revestimento mucoso protetor predispõe a responsáveis por infecções nosocomiais, especialmente pneu-
gastrite e úlcera péptica. A amônia também neutraliza o monia e infecções do trato urinário. Klebsiella pneumoniae é
ácido gástrico, permitindo a sobrevivência do organismo. um importante patógeno do trato respiratório também fora
Epidemiologicamente, a maioria dos pacientes com essas dos hospitais.
doenças apresenta H. pylori em biópsias de espécimes do
epitélio gástrico. Propriedades importantes
K. pneumoniae, Enterobacter cloacae e Serratia marcescens são
O hábitat natural de H. pylori é o estômago humano, as espécies mais frequentemente envolvidas em infecções hu-
provavelmente depois de adquirido por ingestão. Entretan- manas. São encontradas com frequência no intestino gros-
to, ele não foi isolado de fezes, alimentos, água ou animais. so, mas também estão presentes no solo e água. Esses orga-
Ocorre, provavelmente, a transmissão interpessoal, uma vez nismos exibem propriedades muito similares e geralmente
que são observados vários casos de infecção em uma mesma são diferenciados com base em diversas reações bioquímicas
família. A taxa de infecção por H. pylori é muito elevada nos e na motilidade. K. pneumoniae possui uma cápsula bastan-
países em desenvolvimento, o que é compatível com a eleva- te espessa, conferindo a suas colônias um aspecto mucoide
da taxa de carcinoma gástrico naqueles países. marcante. S. marcescens forma colônias de pigmentação
vermelha (ver Prancha Colorida 20).
Achados clínicos
A gastrite e a úlcera péptica são caracterizadas por dor recor- Patogênese e epidemiologia
rente no abdômen superior, frequentemente acompanhada Dos três organismos, K. pneumoniae é provavelmente um
por sangramento no trato gastrintestinal. Não há ocorrência patógeno primário, não oportunista; essa propriedade está
de bacteriemia, nem de doença disseminada.

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relacionada a sua cápsula antifagocitária. Embora esse orga- são utilizados empiricamente até que sejam conhecidos os
nismo seja um patógeno primário, pacientes apresentando resultados dos testes. Em infecções severas por Enterobacter,
infecções por K. pneumoniae frequentemente exibem con- uma combinação de imipenem e gentamicina é frequente-
dições predisponentes, como idade avançada, doença respi- mente utilizada.
ratória crônica, diabetes ou alcoolismo. O organismo é car-
reado no trato respiratório de aproximadamente 10% dos Prevenção
indivíduos sadios, que ficam propensos à pneumonia caso as Algumas infecções hospitalares causadas por bacilos gram-
defesas forem reduzidas. -negativos podem ser prevenidas por medidas gerais como
alteração do sítio de cateteres intravenosos, remoção de ca-
Infecções por Enterobacter e Serratia estão nitidamen- teteres urinários quando não são mais necessários, e adoção
te relacionadas à hospitalização, especialmente a procedi- de cuidados adequados em relação aos dispositivos de terapia
mentos invasivos, como cateterismo intravenoso, intubação respiratória. Não há qualquer vacina.
respiratória e manipulações do trato urinário. Além disso,
surtos de pneumonia por Serratia foram associados à conta- GRUPO PROTEUSPROVIDENCIAMORGANELLA
minação da água de dispositivos de terapia respiratória. An-
tes do uso extensivo desses procedimentos, S. marcescens era Doenças
um organismo inofensivo, mais frequentemente isolado de Estes organismos causam principalmente infecções do trato
fontes ambientais, como a água. urinário, tanto adquiridas na comunidade quanto hospi-
talares.
Como observado em vários outros bacilos gram-ne-
gativos, a patogênese do choque séptico causado por esses Propriedades importantes
organismos está relacionada às endotoxinas de suas paredes Esses bacilos gram-negativos distinguem-se de outros mem-
celulares. bros da família Enterobacteriaceae por sua capacidade de
produzir a enzima fenilalanina desaminase. Além disso, pro-
Achados clínicos duzem a enzima urease, que cliva a ureia, originando NH3
e CO2. Certas espécies são bastante móveis e produzem um
Infecções do trato urinário e pneumonia são as entidades intenso efeito expansivo no ágar sangue, caracterizado por
clínicas usuais associadas a essas três bactérias, entretanto anéis expansivos (ondas) dos organismos sobre a superfície
ocorrem bacteriemia e disseminação secundária a outras do ágar (ver Prancha Colorida 21).
áreas, como as meninges. A distinção das infecções causadas
por esses organismos com base nos achados clínicos é difí- Os antígenos O da parede celular de certas linhagens
cil, com exceção da pneumonia causada por Klebsiella, que de Proteus, como OX-2, OX-19 e OX-K, reagem de forma
produz escarro espesso e sanguinolento (escarro em “geleia cruzada com os antígenos de diversas espécies de riquétsias.
de groselha”) e pode progredir para necrose e formação de Esses antígenos de Proteus podem ser utilizados em testes
abscessos. laboratoriais para detectar a presença de anticorpos contra
certas riquétsias no soro do paciente. Esse teste, denominado
Existem duas outras espécies de Klebsiella responsáveis reação de Weil-Felix, em homenagem a seus criadores, tem
por infecções humanas incomuns, raramente observadas sido utilizado com menor frequência, à medida que são de-
nos Estados Unidos. Klebsiella ozaenae está associada à rini- senvolvidos procedimentos mais específicos.
te atrófica, e Klebsiella rhinoscleromatis causa um granuloma
destrutivo do nariz e da faringe. No passado, existiam quatro espécies de Proteus de im-
portância médica. Entretanto, estudos moleculares de simi-
Diagnóstico laboratorial laridade do DNA revelaram que duas das quatro espécies
exibiam diferenças significativas. As duas foram, então, reno-
Os organismos desse grupo originam colônias fermentadoras meadas: Proteus morganii atualmente é Morganella morganii,
de lactose (coloridas) em ágar diferencial, como MacConkey e Proteus rettgeri atualmente chama-se Providencia rettgeri.
ou EAM, embora Serratia, que corresponde a um fermenta- No laboratório clínico, esses organismos são diferenciados
dor tardio de lactose, possa produzir uma reação negativa. de Proteus vulgaris e Proteus mirabilis com base em diversos
Esses organismos são diferenciados pelo uso de testes bio- testes bioquímicos.
químicos.
Patogênese e epidemiologia
Tratamento Os organismos estão presentes no cólon humano, bem como
no solo e na água. Sua tendência em causar infecções do tra-
Uma vez que a resistência a antibióticos destes organismos to urinário provavelmente seja decorrente de sua presença no
pode variar amplamente, a escolha do fármaco depende dos cólon e da colonização da uretra, especialmente em mulhe-
resultados de testes de sensibilidade. Os isolados derivados
de infecções hospitalares são frequentemente resistentes a
múltiplos antibióticos. Um aminoglicosídeo, por exemplo,
gentamicina, e uma cefalosporina, por exemplo, cefotaxima,

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Microbiologia Médica e Imunologia 155

res. A intensa motilidade de Proteus pode contribuir para sua Prevenção
capacidade de invadir o trato urinário.
Não há medidas preventivas específicas, mas várias infecções
A produção da enzima urease é uma características im- hospitalares do trato urinário podem ser prevenidas pela
portante da patogênese de infecções do trato urinário por pronta remoção de cateteres urinários.
esse grupo. A urease hidrolisa a ureia presente na urina, pro-
duzindo amônia, que eleva o pH originando urina alcalina. PSEUDOMONAS
Isso estimula a formação de pedras (cálculos) denominadas
“estruvita”, compostas por fosfato amônio magnesiano. Os Doenças
cálculos do trato urinário interrompem o fluxo de urina, da-
nificam o epitélio urinário e atuam como um ninho de in- Pseudomonas aeruginosa causa infecções (p. ex., sépsis, pneu-
fecções recorrentes por aprisionarem as bactérias no interior monia e infecções do trato urinário), principalmente em pa-
do cálculo. Uma vez que a urina alcalina também favorece o cientes apresentando baixas defesas. (Pseudomonas aeruginosa
crescimento dos organismos e maior dano renal, o tratamen- é também conhecida como Burkholderia aeruginosa.) Pseu-
to envolve a manutenção da urina com pH baixo. domonas cepacia (renomeada Burkholderia cepacia) e Pseudo-
monas maltophilia (renomeada Xanthomonas maltophilia e
Achados clínicos atualmente denominada Stenotrophomonas maltophilia) tam-
bém causam essas infecções, porém com menor frequência.
Os sinais e sintomas de infecções do trato urinário causadas Pseudomonas pseudomallei, o agente da melioidose, é descrita
por estes organismos são idênticos àqueles causados por E. no Capítulo 27.
coli ou outros membros da família Enterobacteriaceae. Espé-
cies de Proteus podem também causar pneumonia, infecções Propriedades importantes
de ferimentos e septicemia. P. mirabilis é a espécie de Proteus
responsável pela maioria das infecções hospitalares e adqui- As pseudomonas são bacilos gram-negativos que se asseme-
ridas na comunidade, porém P. rettgeri está emergindo como lham aos membros da família Enterobacteriaceae, entretanto
um importante agente de infecções nosocomiais. diferem pelo fato de serem organismos aeróbios estritos; isto
é, geram sua energia apenas pela oxidação de açúcares e não
Diagnóstico laboratorial pela fermentação. Uma vez que não fermentam a glicose,
são referidas como não fermentadores, contrariamente aos
Esses organismos em geral são intensamente móveis, exibindo membros da família Enterobacteriaceae, que fermentam a
um crescimento “expansivo” em ágar sangue, que pode frustrar glicose. A oxidação envolve o transporte de elétrons pelo ci-
os esforços para a recuperação de culturas puras de outros orga- tocromo c; isto é, são oxidase-positivas.
nismos. O crescimento em ágar sangue contendo álcool fenile-
til inibe o crescimento expansivo, permitindo, assim, a obten- As pseudomonas são capazes de crescer em água con-
ção de colônias isoladas de Proteus e de outros organismos. Eles tendo apenas traços de nutrientes, por exemplo, água de tor-
produzem colônias não fermentadoras de lactose (incolores) neira, fato que favorece sua presença no ambiente hospitalar.
em ágar MacConkey ou EAM. P. vulgaris e P. mirabilis produ- P. aeruginosa e P. cepacia exibem marcante capacidade de re-
zem H2S, escurecendo a base do ágar TSI, ao contrário de M. sistir a desinfetantes, responsável, em parte, por seu papel
morganii e P. rettgeri. P. mirabilis é indol-negativo, enquanto as nas infecções hospitalares. Observou-se seu crescimento em
outras três espécies são indol-positivas, distinção que pode ser soluções de sabão contendo hexaclorofeno, em antissépticos,
utilizada clinicamente para orientar a escolha de antibióticos. bem como em detergentes.
Essas quatro espécies de importância médica são urease-positi-
vas. A identificação desses organismos no laboratório clínico é P. aeruginosa produz dois pigmentos úteis no diagnós-
baseada em uma variedade de reações bioquímicas. tico clínico e laboratorial: (1) a piocianina, que pode tor-
nar azul o pus presente em ferimentos; e (2) a pioverdina
Tratamento (fluoresceína), pigmento amarelo-esverdeado que fluoresce
sob luz ultravioleta, propriedade que pode ser utilizada na
A maioria das linhagens é sensível aos aminoglicosídeos e detecção precoce de infecções cutâneas em pacientes quei-
trimetoprim-sulfametoxazol; contudo, já que isolados indi- mados. No laboratório, esses pigmentos se difundem pelo
viduais podem variar, testes de sensibilidade a antibióticos ágar, conferindo coloração azul-esverdeada, útil para a
devem ser realizados. P. mirabilis corresponde à espécie mais identificação. P. aeruginosa é a única espécie de Pseudomo-
frequentemente sensível à ampicilina. As espécies indol-po- nas que sintetiza piocianina (ver Prancha Colorida 22).
sitivas (P. vulgaris, M. morganii e P. rettgeri) são mais resisten-
tes a antibióticos que P. mirabilis, o qual é indol-negativo. Linhagens de P. aeruginosa isoladas de pacientes apresen-
O tratamento de escolha para as espécies indol-positivas é a tando fibrose cística exibem uma camada limosa (glicocálix)
uma cefalosporina, p. ex., cefotaxima. P. rettgeri é frequente- proeminente, conferindo a suas colônias um aspecto bastan-
mente resistente a múltiplos antibióticos. te mucoide. A camada limosa medeia a adesão do organismo
às membranas mucosas do trato respiratório e impede a liga-
ção dos anticorpos ao organismo.

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Patogênese e epidemiologia cas negras, denominadas ectima gangrenosa. Os pacientes
apresentando sépsis por P. aeruginosa exibem uma taxa de
P. aeruginosa é encontrada principalmente no solo e na água, mortalidade acima de 50%. É uma importante causa de en-
mas aproximadamente 10% dos indivíduos são portadores docardite em usuários de fármacos intravenosos.
na microbiota normal do cólon. É encontrada em regiões
úmidas da pele e pode colonizar o trato respiratório supe- Otite externa severa (otite externa maligna) e outras le-
rior de pacientes hospitalizados. Sua capacidade de crescer sões de pele (p. ex., foliculite) ocorre em usuários de piscinas
em soluções aquosas simples resultou na contaminação de e hidromassagens, nas quais a cloração é feita de forma ina-
equipamentos de terapia respiratória e anestesia, fluidos in- dequada. P. aeruginosa é a causa mais comum de osteocon-
travenosos e, até mesmo, água destilada. drite podal em indivíduos que sofrem ferimentos puntifor-
mes pelos solados de calçados de ginástica. São observadas
P. aeruginosa é principalmente um patógeno oportunis- infecções de córnea causadas por P. aeruginosa em usuários
ta, responsável por infecções em pacientes hospitalizados, de lentes de contato.
por exemplo, aqueles com queimaduras extensas, onde as
defesas da pele são destruídas; naqueles com doenças respi- Diagnóstico laboratorial
ratórias crônicas (p. ex., fibrose cística), onde os mecanismos P. aeruginosa cresce na forma de colônias não fermentadoras
normais de depuração encontram-se comprometidos; na- de lactose (incolores) em ágar MacConkey ou EAM, sendo
queles imunocomprometidos; naqueles exibindo contagem oxidase-positiva. Um típico brilho metálico observado no
de neutrófilos abaixo de 500/μl; e naqueles fazendo uso de crescimento em ágar TSI, associado ao pigmento azul-esver-
cateteres de longa duração. Além disso, esse organismo causa deado em ágar nutriente comum e um aroma de fruta, é su-
10-20% das infecções hospitalares e, em muitos hospitais, ficiente para realizar um diagnóstico presuntivo. O diagnós-
corresponde à causa mais comum de pneumonias nosoco- tico é confirmado por reações bioquímicas. A identificação
miais ocasionadas por gram-negativos. com objetivos epidemiológicos é realizada pela tipagem do
bacteriófago ou da piocina.6
A patogênese baseia-se em múltiplos fatores de viru-
lência: endotoxina, exotoxinas e enzimas. Sua endotoxina, Tratamento
assim como aquela de outras bactérias gram-negativas, causa Uma vez que P. aeruginosa é resistente a vários antibióticos,
os sintomas de sépsis e choque séptico. A exotoxina mais o tratamento deve ser orientado conforme a sensibilidade de
bem conhecida é a exotoxina A, que causa necrose tissular. cada isolado e monitorado frequentemente; linhagens resis-
Inibe a síntese proteica eucariótica pelo mesmo mecanismo tentes podem emergir durante a terapia. O tratamento de
que a exotoxina diftérica, ou seja, ADP-ribosilação do fa- escolha é uma penicilina antipseudomonal, por exemplo,
tor de elongação 2. O organismo também produz enzimas, ticarcilina ou piperacilina, com um aminoglicosídeo, por
como elastase e proteases, que são histotóxicas e facilitam a exemplo, gentamicina ou amicacina. O fármaco de escolha
invasão da corrente sanguínea. A piocianina danifica os cí- para infecções causadas por B. cepacia e S. maltophilia é o
lios e as células mucosas do trato respiratório. trimetoprim-sulfametoxazol.

Linhagens de P. aeruginosa que possuem um “sistema de Prevenção
secreção de tipo III” são significativamente mais virulentas A prevenção de infecções por P. aeruginosa envolve manu-
que aquelas que não possuem esse sistema. Este sistema de tenção da contagem de neutrófilos acima de 500/μl, pronta
secreção transfere a exotoxina da bactéria diretamente ao in- remoção de cateteres de longa duração, adoção de cuidados
terior da célula humana adjacente, permitindo que a toxina especiais no caso de pele queimada e adoção de outras me-
evite os anticorpos neutralizantes. Os sistemas de secreção didas similares para limitar a infecção em pacientes exibindo
do tipo III são mediados por bombas de transporte da mem- defesas reduzidas.
brana celular bacteriana. Das quatro exoenzimas conhecida-
mente transportadas por esse sistema de secreção, a Exo S BACTEROIDES E PREVOTELLA
é a mais claramente associada à virulência. Exo S apresenta
vários mecanismos de ação, dos quais o mais importante é a Doenças
ADP-ribosilação de uma proteína Ras, levando a danos ao Os membros do gênero Bacteroides correspondem à cau-
citoesqueleto. sa mais comum de infecções anaeróbias graves, como, por
exemplo, sépsis, peritonite e abscessos. Bacteroides fragilis é
Achados clínicos o patógeno mais frequente; Prevotella melaninogenica é tam-

P. aeruginosa pode causar infecções em virtualmente qual- 6 A piocina é um tipo de bacteriocina produzida por P. aeruginosa. Di-
quer região do corpo, sendo predominantes infecções do ferentes linhagens produzem piocinas variadas, as quais podem servir
trato urinário, pneumonia (especialmente em pacientes para a diferenciação dos organismos.
apresentando fibrose cística) e infecções de ferimentos
(especialmente queimaduras). A partir desses sítios, o orga-
nismo pode atingir o sangue, causando sépsis. As bactérias
podem disseminar-se até a pele, onde causam lesões necróti-

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Microbiologia Médica e Imunologia 157

bém um patógeno importante. P. melaninogenica era ante- abscessos localizados. Abscessos pélvicos, fasciite necrosante
riormente denominada Bacteroides melaninogenicus, sendo e bacteriemia também ocorrem. Abscessos na cavidade oral,
ambas as denominações ainda encontradas. na faringe, no cérebro e no pulmão são causados com mais
frequência por P. melaninogenica, um membro da microbio-
Propriedades importantes ta oral normal, entretanto B. fragilis é encontrado em cerca
de 25% dos abscessos pulmonares. Em geral, B. fragilis causa
Bacteroides e Prevotella são bacilos gram-negativos, anaeró- doença abaixo do diafragma, enquanto P. melaninogenica é
bios e não formadores de esporos. Dentre as várias espécies responsável por doenças acima do diafragma.
de Bacteroides, duas são patógenos de humanos: B. fragilis7 e
Bacteroides corrodens. Diagnóstico laboratorial
As espécies de Bacteroides podem ser isoladas anaerobiamen-
Os membros do grupo B. fragilis são os organismos pre- te em placas de ágar sangue contendo canamicina e vanco-
dominantes do cólon humano, alcançando aproximadamen- micina para inibir organismos indesejados. São identificadas
te 1011/g de fezes, sendo encontrados na vagina de aproxima- por reações bioquímicas (p. ex., fermentações de açúcares)
damente 60% das mulheres. P. melaninogenica e B. corrodens e pela produção de certos ácidos orgânicos (p. ex., ácidos
são encontrados principalmente na cavidade oral. fórmico, acético e propiônico), que são detectados por cro-
matografia gasosa. P. melaninogenica origina colônias negras
Patogênese e epidemiologia características (ver Prancha Colorida 23).

Uma vez que espécies de Bacteroides e Prevotella são mem- Tratamento
bros da microbiota normal, as infecções são endógenas, Os membros do grupo B. fragilis são resistentes a penicilinas,
geralmente surgindo a partir de uma ruptura na superfí- cefalosporinas de primeira geração e aminoglicosídeos, po-
cie mucosa, não sendo transmissíveis. Esses organismos sicionando-os entre as bactérias anaeróbias mais resistentes
causam uma variedade de infecções, como abscessos locais a antibióticos. A resistência à penicilina resulta da produção
no sítio de uma ruptura na mucosa, abscessos metastáti- de β-lactamase. O metronidazol corresponde ao fármaco de
cos decorrentes de disseminação hematogênica a órgãos escolha, sendo a cefoxitina, a clindamicina e o cloranfenicol
distantes, ou abscessos pulmonares devidos à aspiração da fármacos alternativos. Os aminoglicosídeos são frequente-
microbiota oral. mente combinados para o tratamento de bacilos gram-nega-
tivos facultativos em infecções mistas. O fármaco de escolha
Fatores predisponentes, como cirurgia, trauma e doença para infecções por P. melaninogenica é o metronidazol ou a
crônica, desempenham um importante papel na patogêne- clindamicina. Linhagens de P. melaninogenica produtoras de
se. Necrose tissular local, suprimento sanguíneo deficitário e β-lactamase foram isoladas de pacientes. A drenagem cirúr-
crescimento de anaeróbios facultativos no sítio contribuem gica de abscessos geralmente acompanha a terapia antibióti-
para as infecções anaeróbias. Os anaeróbios facultativos, ca, mas os abscessos pulmonares frequentemente regridem
como E. coli, utilizam o oxigênio, promovendo, assim, sua sem drenagem.
redução a um nível que permite o crescimento dos organis-
mos anaeróbios Bacteroides e Prevotella. Como resultado, Prevenção
diversas infecções anaeróbias contêm uma microbiota mista A prevenção de infecções por Bacteroides e Prevotella cen-
de facultativos e anaeróbios. Esse fato tem importantes im- tra-se na administração pré-operatória de uma cefalosporina,
plicações na terapia; tanto os anaeróbios facultativos como frequentemente cefoxitina, no caso de cirurgia abdominal
os anaeróbios devem ser tratados. ou pélvica. Não existe vacina.

A cápsula polissacarídica de B. fragilis é um importante RESUMO DOS ORGANISMOS
fator de virulência. Muitos dos sintomas da sépsis por Bac-
teroides são similares àqueles da sépsis causada por bactérias Resumos concisos sobre os organismos descritos neste capí-
apresentando endotoxina, mas o lipopolissacarídeo de Bac- tulo iniciam-se na página 491. Favor consultar esses resumos
teroides é quimicamente distinto da endotoxina típica. Não para uma rápida revisão do material essencial.
foram detectadas exotoxinas.
QUESTÕES PARA ESTUDO
Achados clínicos
As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
O grupo de organismos B. fragilis é mais frequentemente ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
associado a infecções intra-abdominais, quer peritonite quer gia clínica) e Teste seu conhecimento.

7 B. fragilis é dividido em cinco subespécies, das quais a mais importan-
te é B. fragilis subsp. fragilis. As outras quatro subespécies são B. fragilis
subsp. distasonis, ovatus, thetaiotamicron e vulgatus. Desse modo, é mais
apropriado referir-se a grupo B. fragilis do que simplesmente B. fragilis.

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19 Bacilos Gram-Negativos Relacionados
ao Trato Respiratório

Existem três bacilos gram-negativos de importância médica Patogênese e epidemiologia
tipicamente associados ao trato respiratório, Haemophilus in-
fluenzae, Bordetella pertussis e Legionella pneumophila (Tabela H. influenzae infecta somente os humanos; não há reserva-
19-1). H. influenzae e B. pertussis são encontrados apenas em tório animal. Penetra no corpo por meio do trato respira-
humanos, enquanto L. pneumophila é encontrado principal- tório superior, resultando em colonização assintomática
mente em fontes de água ambientais. ou em infecções como otite média, sinusite ou pneumo-
nia. O organismo produz uma IgA protease que degrada
HAEMOPHILUS a IgA secretória, facilitando assim a adesão à mucosa res-
piratória. Após estabelecer-se no trato respiratório supe-
Doenças rior, o organismo pode atingir a corrente sanguínea (bac-
teriemia) e disseminar-se até as meninges. A meningite é
H. influenzae era a principal causa de meningite em crianças, causada principalmente por linhagens capsuladas (95%
porém o uso da vacina “conjugada” altamente eficaz reduziu das quais possuem cápsula do tipo b), apesar de linhagens
significativamente a incidência de meningite causada por acapsuladas estarem frequentemente envolvidas em otite
esse organismo, o qual ainda é uma importante causa de in- média, sinusite e pneumonia. A patogênese envolve a cáp-
fecções do trato respiratório superior (otite média, sinusite e sula antifagocitária e a endotoxina; não há produção de
epiglotite) e sépsis em crianças. Causa também pneumonia exotoxina.
em adultos, particularmente naqueles com doença pulmo-
nar obstrutiva crônica. Haemophilus ducreyi, o agente do A maioria das infecções ocorre em crianças com idades
cancroide, é discutido no Capítulo 27. entre 6 meses e 6 anos, com maior incidência na faixa etária
de 6 meses a 1 ano. Essa distribuição etária é atribuída a um
Propriedades importantes declínio na quantidade de IgG materna na criança, associa-
do à incapacidade de a criança gerar anticorpos suficientes
H. influenzae é um bacilo gram-negativo pequeno (cocoba- contra o antígeno polissacarídico capsular até atingir a idade
cilo) com uma cápsula polissacarídica (ver Prancha Colorida aproximada 2 anos.
10). É um dos três importantes piogênicos capsulados, jun-
tamente com os pneumococos e meningococos. A tipagem Achados clínicos
sorológica baseia-se na antigenicidade do polissacarídeo cap-
sular. Dos seis sorotipos, o tipo b causa a maioria das doenças A meningite causada por H. influenzae não pode ser dife-
invasivas severas, como meningite e sépsis. A cápsula do tipo renciada clinicamente daquela causada por outros patóge-
b é composta por polirribitol fosfato. Linhagens acapsuladas, nos bacterianos, por exemplo, pneumococos ou menin-
e que, portanto, não podem ser tipadas, podem também cau- gococos. A rápida manifestação de febre, cefaleia e rigidez
sar doença, especialmente doenças do trato respiratório supe- de nuca, juntamente com sonolência, é típica. A sinusite
rior, como sinusite e otite média, mas geralmente não são in- e a otite média causam dor na região afetada, opacifica-
vasivas. O crescimento do organismo em meios laboratoriais ção dos seios infectados, e vermelhidão e abaulamento da
requer a adição de dois componentes, heme (fator X) e NAD membrana timpânica. H. influenzae é secundária somente
(fator V), visando a produção adequada de energia. em relação aos pneumococos como causa dessas duas in-
fecções.

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Microbiologia Médica e Imunologia 159

Tabela 19-1 Bacilos gram-negativos associados ao trato respiratório

Espécie Principais doenças Fatores X e V requeridos Vacina Profilaxia para
Diagnóstico laboratorial para o crescimento disponível contatos

H. influenzae Meningite1; otite média, sinu- Cultura; polissacarídeo cap- + + Rifampina
site, pneumonia, epiglotite sular no soro ou liquor

B. pertussis Coqueluche (pertussis) Anticorpo fluorescente em – + Eritromicina
secreções; cultura

L. pneumophila Pneumonia Sorologia; antígeno urinário; – – Nenhuma
cultura

1Em países onde a vacina conjugada de Haemophilus influenzae b foi administrada, a vacina reduziu significativamente a incidência de meningite causada por este
organismo.

Outras infecções graves causadas por esse organismo in- damente 90%. As infecções do trato respiratório superior por
cluem artrite séptica, celulite e sépsis, esta última ocorrendo H. influenzae, como otite média e sinusite, são tratadas com
especialmente em pacientes esplenectomizados. A epiglo- amoxicilina-clavulanato ou trimetoprim-sulfametoxazol.
tite, que pode obstruir a via aérea, raramente ocorre. Essa
doença infantil de risco à vida é causada quase que exclusi- Prevenção
vamente por H. influenzae. A pneumonia em adultos mais A vacina contém o polissacarídeo capsular de H. influen-
idosos, especialmente aqueles apresentando doença respira- zae do tipo b conjugado ao toxoide diftérico ou a outra
tória crônica, pode ser causada por linhagens não tipáveis de proteína carreadora. Dependendo da proteína carreadora,
H. influenzae. a vacina é administrada entre as idades de 2 e 15 meses.
Essa vacina é significativamente mais eficaz em crianças
Diagnóstico laboratorial pequenas que a vacina não conjugada e reduziu a incidên-
cia de meningite causada por esse organismo em aproxi-
O diagnóstico laboratorial depende do isolamento do orga- madamente 90% das crianças imunizadas. A meningite
nismo em ágar sangue aquecido (“chocolate”) enriquecido em contatos próximos do paciente pode ser prevenida com
com dois fatores de crescimento necessários à respiração rifampina. A rifampina é utilizada por ser secretada na sa-
bacteriana, ou seja, fator X (um composto heme) e fator V liva em maior extensão que a ampicilina. A rifampina re-
(NAD). O sangue utilizado no ágar chocolate é aquecido a duz o porte respiratório do organismo, reduzindo, assim,
fim de inativar inibidores inespecíficos do crescimento de H. a transmissão.
influenzae.
BORDETELLA
Um organismo capaz de crescer apenas na presença de
ambos os fatores de crescimento é presumivelmente iden- Doença
tificado como H. influenzae; outras espécies de Haemophi- B. pertussis causa coqueluche (pertussis).
lus, como Haemophilus parainfluenzae, não requerem ambos
os fatores. A identificação definitiva pode ser realizada por Propriedades importantes
meio de testes bioquímicos ou pela reação de intumescimen- B. pertussis é um bacilo gram-negativo pequeno, cocobacilar
to capsular (Quellung). Outras formas de identificação de e capsulado.
linhagens acapsuladas incluem a coloração do organismo
com anticorpo fluorescente e testes de contraimunoeletrofo- Patogênese e epidemiologia
rese ou aglutinação do látex, que detectam o polissacarídeo B. pertussis, um patógeno apenas de humanos, é transmiti-
capsular. do por gotículas disseminadas pelo ar, produzidas duran-
te episódios severos de tosse. Os organismos aderem-se ao
Tratamento epitélio ciliado do trato respiratório superior, contudo não
invadem o tecido subjacente. A redução da atividade ciliar,
O tratamento de escolha para a meningite e outras infecções seguida da morte das células epiteliais ciliadas, são aspectos
sistêmicas graves causadas por H. influenzae é a ceftriaxona. importantes da patogênese.
De 20% a 30% dos isolados de H. influenzae do tipo b pro-
duzem uma β-lactamase que degrada β-lactâmicos sensíveis A coqueluche é uma doença altamente contagiosa que
à penicilinase, como a ampicilina, mas não a ceftriaxona. É ocorre principalmente em bebês e crianças pequenas, e exibe
importante instituir prontamente o tratamento antibióti- distribuição mundial. Ocorre raramente nos Estados Unidos
co, uma vez que a incidência de sequelas neurológicas, por em decorrência do amplo uso da vacina. No entanto, um
exemplo, empiema subdural, é alta. A meningite por H. in-
fluenzae não tratada exibe taxa de mortalidade de aproxima-

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160 Warren Levinson

aumento no número de casos durante os anos 2000-2003 O quadro clássico da coqueluche descrito acima ocorre
levou à recomendação da administração de uma imunização principalmente em crianças pequenas. Em adultos, a infec-
de reforço adicional (ver Prevenção). ção por B. pertussis manifesta-se frequentemente por tosse
paroxística de gravidade variável, perdurando por semanas.
Vários fatores desempenham papel na patogênese: Com frequência, o “grito” característico é ausente, o que di-
ficulta o reconhecimento da tosse como sendo causada por
(1) A adesão do organismo aos cílios das células epite- esse organismo. Em uma conduta clínica correta, adultos
liais é mediada por uma proteína presente nos pili, denomi- apresentando tosse por várias semanas (frequentemente re-
nada hemaglutinina filamentosa. Anticorpos contra a hema- ferida como tosse de 100 dias) devem ser avaliados quanto à
glutinina filamentosa inibem a adesão e protegem contra a presença de infecção por B. pertussis.
doença.
Diagnóstico laboratorial
(2) A toxina pertussis estimula a adenilato ciclase ao
catalisar a adição de adenosina difosfato ribose, um processo O organismo pode ser isolado a partir de swabs nasofarín-
denominado ADP-ribosilação, à subunidade inibitória do geos coletados durante o estágio paroxístico. O meio de
complexo proteína G (proteína Gi). Isto resulta em estimu- Bordet-Gengou,1 utilizado com esse propósito, contém por-
lação prolongada da adenilato ciclase e uma consequente centagem elevada de sangue (20-30%) a fim de inativar os
elevação de adenosina monofosfato (AMP) cíclico e da ati- inibidores presentes no ágar.
vidade da proteína quinase dependente de AMP cíclico. A
toxina também possui um domínio que medeia sua ligação A identificação do organismo isolado pode ser realizada
a receptores da superfície das células epiteliais do trato res- por aglutinação com o antissoro específico ou por coloração
piratório. com anticorpo fluorescente. Contudo, o organismo cresce
de forma muito lenta em cultura, de modo que a coloração
A toxina pertussis também causa uma acentuada linfo- direta com anticorpo fluorescente dos espécimes nasofarín-
citose no sangue dos pacientes acometidos por coqueluche. geos é frequentemente utilizada para o diagnóstico. Testes
A toxina inibe a transdução de sinal pelos receptores de qui- baseados na reação de polimerização em cadeia são altamen-
miocina, resultando na incapacidade de os linfócitos pene- te específicos e sensíveis, devendo ser empregados quando
trarem no tecido linfoide, como baço e linfonodos. Uma vez disponíveis.
que os linfócitos não penetram no tecido linfoide, há um
aumento em seu número no sangue (ver a discussão sobre O isolamento do organismo em pacientes apresentando
quimiocinas no Capítulo 58). A inibição da transdução de tosse prolongada é frequentemente difícil. Testes sorológicos,
sinal pelos receptores de quimiocinas também é causada pela que detectam a presença do anticorpo no soro do paciente,
ADP-ribosilação da proteína Gi. podem ser utilizados para o seu diagnóstico.

(3) Os organismos também sintetizam e exportam ade- Tratamento
nilato ciclase. Essa enzima, quando captada por células fa-
gocitárias (p. ex., neutrófilos), pode inibir sua atividade bac- A eritromicina reduz o número de organismos na garganta e
tericida. Mutantes bacterianos desprovidos de atividade de diminui o risco de complicações secundárias, mas tem pouca
ciclase são avirulentos. influência no curso da doença, uma vez que as toxinas já
causaram danos à mucosa respiratória. Cuidados de apoio,
(4) A citotoxina traqueal é um fragmento do peptideo- como, por exemplo, terapia oxigênica e sucção do muco du-
glicano bacteriano, que danifica as células ciliadas do trato rante o estágio paroxístico, são importantes, especialmente
respiratório. A citotoxina traqueal aparentemente atua em em bebês.
conjunto com a endotoxina, induzindo óxido nítrico, que
mata as células epiteliais ciliadas. Prevenção

Achados clínicos Existem duas vacinas: uma vacina acelular contendo proteí-
nas purificadas derivadas do organismo e uma vacina morta
Coqueluche é uma traqueobronquite aguda que se inicia contendo B. pertussis inativados. A vacina acelular, consis-
com sintomas brandos do trato respiratório superior, segui- tindo em cinco antígenos purificados do organismo, atual-
dos por severa tosse paroxística, que perdura de 1 a 4 sema- mente encontra-se em uso nos Estados Unidos. O principal
nas. O padrão paroxístico caracteriza-se por crises de tosse imunógeno dessa vacina é a toxina pertussis inativada (to-
espasmódica, acompanhadas pela produção de quantidades xoide pertussis). O toxoide presente na vacina consiste na
copiosas de muco, terminando com uma inspiração em “gri- toxina pertussis inativada geneticamente pela introdução de
to”, à medida que o ar passa pela glote estreitada. Apesar da duas modificações de aminoácidos, eliminando sua atividade
gravidade dos sintomas, o organismo restringe-se ao trato de ADP-ribosilação, porém mantendo sua antigenicidade.
respiratório e as hemoculturas são negativas. Uma leuco-
citose acentuada é observada, com até 70% de leucócitos. 1 Os cientistas franceses pioneiros no isolamento do organismo em
Embora anóxia do sistema nervoso central e exaustão pos- 1906.
sam ocorrer como resultado da tosse severa, o óbito deve-se
principalmente à pneumonia.

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Microbiologia Médica e Imunologia 161

Essa é a primeira vacina a conter um toxoide inativado ge- L. pneumophila é responsável por aproximadamente
neticamente. Outros antígenos pertussis presentes na vacina 90% das pneumonias atribuídas a legionelas. Existem cer-
são hemaglutinina filamentosa, pertactina e fímbrias do tipo ca de 30 outras espécies de Legionella que causam pneu-
2 e 3. A vacina acelular acarreta menos efeitos colaterais do monia; no entanto, a maioria dos demais 10% de casos é
que a vacina morta. causada por duas espécies, Legionella micdadei e Legionella
bozemanii.
A vacina contra a coqueluche é geralmente administrada
em combinação com os toxoides diftérico e tetânico (DTaP) Patogênese e epidemiologia
em três doses, a partir dos 2 meses de idade. Recomenda-
-se uma dose de reforço aos 12-15 meses de idade e outra As legionelas estão associadas principalmente a fontes am-
por ocasião do ingresso da criança na escola. Devido à ocor- bientais de água, como aparelhos de ar condicionado e
rência de surtos durante os anos 2000-2003, especialmente torres de resfriamento de água. Surtos de pneumonia em
entre adolescentes, recomenda-se uma dose de reforço àque- hospitais foram atribuídos à presença do organismo em tor-
les com idade entre 10 e 18 anos. Essa vacina, denominada neiras, pias e chuveiros. A porta de entrada é o trato respi-
Boostrix, também contém os toxoides diftérico e tetânico. ratório, e as alterações patológicas ocorrem principalmente
Uma segunda vacina, denominada Adacel, também contém no pulmão. Entretanto, em casos severos, ocorre bacteriemia
os toxoides diftérico e tetânico, sendo aprovada para uso não acompanhada por danos do endotélio vascular em múltiplos
somente em adolescentes, mas também em adultos com ida- órgãos, especialmente cérebro e rins. O principal fator de
de até 64 anos. virulência do organismo é o lipopolissacarídeo (endotoxina).
Não são produzidas exotoxinas.
A vacina morta não é mais recomendada nos Estados
Unidos devido a suspeitas de causar vários efeitos colaterais, O candidato típico para a doença dos legionários seria
incluindo encefalopatia pós-vacinal em uma taxa de aproxi- um homem idoso, fumante e consumidor de quantidades
madamente um caso por milhão de doses administradas. A substanciais de álcool. Pacientes com AIDS, câncer, trans-
vacina morta é utilizada em vários outros países. plantados (especialmente transplantes renais) ou pacientes
submetidos a tratamento com corticosteroides são predis-
A eritromicina é útil na prevenção da doença em indiví- postos à pneumonia por Legionella, indicando que a imu-
duos não imunizados e expostos. Também deve ser adminis- nidade mediada por células corresponde ao mecanismo de
trada em crianças imunizadas, com idade abaixo de 4 anos, defesa mais importante. Apesar da transmissão do organismo
que foram expostas, uma vez que a imunidade induzida pela pelo ar, a disseminação interpessoal não ocorre, conforme
vacina não confere proteção total. demonstrado pela não ocorrência de casos secundários em
contatos próximos dos pacientes.
LEGIONELLA
Achados clínicos
Doença
O quadro clínico pode variar desde enfermidade branda si-
L. pneumophila (e outras legionelas) causa pneumonia em milar à gripe até uma pneumonia severa, acompanhada de
pacientes imunocomprometidos, tanto na comunidade confusão mental, diarreia não sanguinolenta, proteinúria e
quanto em hospitais. O gênero recebeu a denominação de- hematúria microscópica. Embora a tosse seja um sintoma
vido ao famoso surto de pneumonia entre os participantes proeminente, o escarro é frequentemente reduzido e não
da convenção da Legião Americana na Filadélfia em 1976 purulento. A hiponatremia (sódio sérico ≤ 130 mEq/l) é
(doença dos legionários). um importante achado laboratorial, observado com maior
frequência em pneumonias causadas por Legionella do que
Propriedades importantes naquelas causadas por outras bactérias. A maioria dos casos
regride espontaneamente em 7-10 dias, mas, em idosos ou
As legionelas são bacilos gram-negativos que se coram fra- pacientes imunocomprometidos, a infecção pode ser fatal.
camente pela coloração de Gram padrão. Possuem, no en-
tanto, uma parede celular do tipo gram-negativa e um maior A legionelose é uma pneumonia atípica2 e deve ser di-
tempo do contracorante safranina aumenta a visibilidade. ferenciada de outras pneumonias similares, como pneumo-
As legionelas presentes em seções de biópsia pulmonar não nia por Mycoplasma, pneumonia viral, psitacose e febre Q.
são coradas pelo método padrão de hematoxilina e eosina
(HeE); assim, métodos especiais, como a coloração de Die- A febre Pontiac é uma forma branda, similar à gripe, de
terle de impregnação pela prata, são utilizados para visualizar infecção por Legionella, que não resulta em pneumonia. A
os organismos. denominação “Pontiac” é derivada da cidade de Michigan,
que foi sítio de um surto em 1968.
Durante o surto de 1976, as primeiras tentativas de cul-
tivo dos organismos em meios de cultura comuns falharam, 2 Uma pneumonia é atípica quando seu agente etiológico não pode ser
isso porque o organismo requer uma alta concentração de isolado em meios laboratoriais comuns, ou quando seu quadro clínico
ferro e cisteína. Os meios de cultura suplementados com es- não se assemelha àquele da pneumonia pneumocóccica típica.
tes nutrientes propiciam o crescimento.

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162 Warren Levinson

Diagnóstico laboratorial contra L. pneumophila, mas também contra Mycoplasma
pneumoniae e Streptococcus pneumoniae. O organismo fre-
Colorações de Gram de escarro revelam diversos neutrófilos, quentemente produz β-lactamase, de modo que as penici-
porém com ausência de bactérias. O organismo não cresce linas e as cefalosporinas são menos eficazes.
em meios comuns em uma cultura de escarro ou sangue,
porém crescerá em ágar carvão-levedura, um meio especial, Prevenção
suplementado com ferro e cisteína. O diagnóstico geralmen- A prevenção envolve a redução do consumo de cigarros e
te depende da observação de um aumento significativo no álcool, eliminação de aerossóis oriundos de fontes de água e
título de anticorpos no soro da fase convalescente por meio redução da incidência de Legionella nos suprimentos de água
do ensaio de imunofluorescência indireta. A detecção de an- em hospitais por meio de temperaturas elevadas e hiperclo-
tígenos de L. pneumophila na urina é uma forma rápida de ração. Não há vacina.
realizar-se o diagnóstico. Havendo disponibilidade de tecido,
é possível demonstrar a presença de antígenos de Legionella RESUMO DOS ORGANISMOS
em tecido pulmonar infectado utilizando-se a coloração com Breves resumos sobre os organismos descritos neste capítulo
anticorpo fluorescente. O título de aglutinação a frio não se iniciam-se na página 496. Favor consultar esses resumos para
eleva na pneumonia por Legionella, ao contrário da pneumo- uma rápida revisão do material essencial.
nia por Mycoplasma.
QUESTÕES PARA ESTUDO
Tratamento As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
Azitromicina ou eritromicina (com ou sem rifampina) cor- gia clínica) e Teste seu conhecimento.
respondem ao tratamento de escolha. Certas fluoroquinolo-
nas, como levofloxacina e trovafloxacina, são também fár-
macos de escolha. Esses fármacos são efetivos não somente

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Bacilos Gram-Negativos Associados a Fontes 20
Animais (Organismos Zoonóticos)

As zoonoses são doenças causadas por organismos adquiri- quando os polissacarídeos do antígeno O são perdidos pela
dos a partir de animais. Existem zoonoses bacterianas, virais, porção externa da endotoxina, o organismo perde sua viru-
fúngicas e parasitárias. Alguns organismos zoonóticos são lência. Não há produção de exotoxinas.
adquiridos diretamente do reservatório animal, enquanto
outros são transmitidos por vetores, como mosquitos, pulgas Um queijo importado, produzido a partir de leite de ca-
ou carrapatos. bra não pasteurizado no México ou na região do Mediterrâ-
neo, foi uma fonte de infecção por B. melitensis nos Estados
Há quatro bacilos gram-negativos de importância mé- Unidos. A doença ocorre em nível mundial, sendo, contudo,
dica associados a importantes reservatórios animais: espécies rara nos Estados Unidos, uma vez que a pasteurização do
de Brucella, Francisella tularensis, Yersinia pestis e Pasteurella leite mata o organismo.
multocida (Tabela 20-1).
Achados clínicos
BRUCELLA
Após um período de incubação de 1-3 semanas, ocorrem
Doença sintomas inespecíficos, como febre, calafrios, fadiga, mal-
As espécies de Brucella causam a brucelose (febre ondulante). -estar geral, anorexia e perda de peso. A manifestação pode
ser aguda ou gradativa. O padrão de febre ondulante (eleva-
Propriedades importantes ção e redução), que dá nome à doença, ocorre em uma mi-
As brucelas são bacilos gram-negativos acapsulados. Há três noria de pacientes. Linfonodos, fígado e baço aumentados
importantes patógenos de humanos e seus reservatórios são frequentemente observados. A pancitopenia ocorre. As
animais são Brucella melitensis (caprinos e ovinos), Brucella infecções por B. melitensis tendem a ser mais severas e pro-
abortus (gado bovino) e Brucella suis (suínos). longadas, enquanto aquelas causadas por B. abortus são au-
tolimitantes. A osteomielite é a complicação mais frequente,
Patogênese e epidemiologia e a disseminação secundária interpessoal é rara.
Os organismos penetram no corpo pela ingestão de pro-
dutos lácteos contaminados ou pela epiderme devido ao Diagnóstico laboratorial
contato direto em ambientes de trabalho, como um abate-
douro. Localizam-se no sistema reticuloendotelial, isto é, A recuperação do organismo requer o uso de meios de cultu-
linfonodos, fígado, baço e medula óssea. Vários organismos ra enriquecidos e incubação em atmosfera com 10% de CO2.
são mortos por macrófagos, porém alguns sobrevivem no in- O organismo pode ser presumivelmente identificado com o
terior dessas células, onde são protegidos dos anticorpos. A uso do teste de aglutinação em lâmina com antissoro con-
resposta do hospedeiro é de natureza granulomatosa, com tra Brucella, sendo a espécie identificada por meio de testes
linfócitos e células epitelioides gigantes, podendo progredir bioquímicos. Quando organismos não são isolados, a análise
para a formação de abscessos focais e caseificação. O meca- de uma amostra de soro do paciente visando a detecção de
nismo de patogênese desses organismos não está bem defi- um aumento no título de anticorpos contra Brucella pode ser
nido, exceto quanto ao envolvimento da endotoxina; isto é, utilizada para realizar o diagnóstico. Na ausência de um espé-
cime de soro da fase aguda, um título de pelo menos 1:160
na amostra de soro da fase convalescente é diagnóstico.

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164 Warren Levinson

Tabela 20-1 Bacilos gram-negativos associados a fontes animais

Espécie Doença Fonte da infecção em Mecanismo de transmissão do animal Diagnóstico
humanos para o humano

Espécies de Brucella Brucelose Suínos, gado bovino, caprinos, Laticínios; contato com tecidos animais Sorologia ou cultura
ovinos
Francisella tularensis Tularemia Sorologia
Yersinia pestis Peste Coelhos, veados, carrapatos Contato com tecidos animais; carrapatos Imunofluorescência

Pasteurella multocida Celulite Roedores Picada de pulga ou cultura
Cultura do ferimento
Gatos, cães Mordedura por gato ou cão

Tratamento quência ao serem picados pelo vetor, ou pelo contato da pele
O tratamento de escolha é tetraciclina e rifampina. Não há com o animal durante a remoção do couro. Em casos raros,
resistência significativa a esses fármacos. o organismo é ingerido na carne infectada, causando tulare-
mia gastrintestinal, ou inalado, causando pneumonia. Não
Prevenção ocorre disseminação interpessoal. Nos Estados Unidos, o
A prevenção da brucelose envolve a pasteurização do leite, principal tipo de tularemia corresponde à tularemia transmi-
a imunização de animais e o abate dos animais infectados. tida por carrapato a partir de um coelho reservatório.
Não há vacina para humanos.
O organismo penetra através da pele, formando, na
FRANCISELLA maioria dos casos, uma úlcera no sítio de entrada. Em se-
guida, localiza-se nas células do sistema reticuloendotelial,
Doença originando granulomas. Necrose caseosa e abscessos também
Francisella tularensis causa tularemia. podem ocorrer. Os sintomas são causados principalmente
pela endotoxina. Não foram identificadas exotoxinas.
Propriedades Importantes
F. tularensis é um bacilo gram-negativo, pequeno e pleo- Achados clínicos
mórfico. Ele apresenta um único tipo sorológico. Existem A doença apresenta-se de formas variadas, desde a manifes-
dois biotipos, A e B, diferenciados principalmente por sua tação súbita de uma síndrome similar à gripe até uma ma-
virulência e epidemiologia. O tipo A é mais virulento, sendo nifestação prolongada, com febre baixa e adenopatia. Apro-
encontrado principalmente nos Estados Unidos, enquanto ximadamente 75% dos casos são do tipo “ulceroglandular”,
o tipo B é menos virulento e encontrado principalmente na em que o sítio de entrada sofre ulceração e os linfonodos lo-
Europa. cais apresentam-se intumescidos e dolorosos. Outras formas
menos frequentes de tularemia incluem a forma glandular,
Patogênese e epidemiologia oculoglandular, tifoide, gastrintestinal e pulmonar. A doença
F. tularensis é notável devido à ampla variedade de animais geralmente confere imunidade permanente.
que infecta e a amplitude de sua distribuição nos Estados
Unidos. Esse organismo é enzoótico (endêmico em animais) Diagnóstico laboratorial
em todos os estados americanos, contudo a maioria dos ca- Raramente são realizadas tentativas de cultivo do organismo
sos em humanos ocorre na área rural de Arkansas e Missouri. em laboratório, devido ao elevado risco de infecção dos pro-
O organismo foi isolado de mais de 100 espécies diferentes fissionais laboratoriais por inalação e à rara disponibilidade
de animais silvestres, dos quais os mais importantes são co- do meio de cultura especial com cisteína requerido para o
elhos, veados e uma variedade de roedores. As bactérias são crescimento. O método diagnóstico empregado com maior
transmitidas entre esses animais por vetores, como carrapa- frequência é o teste de aglutinação empregando amostras de
tos, ácaros e piolhos, especialmente carrapatos Dermacentor soro da fase aguda e convalescente. A coloração com anticor-
que se alimentam do sangue de coelhos silvestres. O carrapa- po fluorescente do tecido infectado pode ser utilizada quan-
to mantém a cadeia de transmissão ao transmitir as bactérias do disponível.
a sua descendência pela via transovariana. Nesse processo,
as bactérias são transmitidas por meio dos estágios de ovo, Tratamento
larva e ninfa até os carrapatos adultos, capazes de transmitir A estreptomicina é o fármaco de escolha. Não há resistência
a infecção. significativa a antibióticos.

Os humanos são hospedeiros acidentais, considerados Prevenção
“becos sem saída”, que adquirem a infecção com mais fre- A prevenção envolve evitar tanto ser picado por carrapatos
quanto a manipulação de animais silvestres. Há uma vaci-

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Microbiologia Médica e Imunologia 165

na bacteriana viva, atenuada, administrada apenas em indi- sugar o sangue de um roedor bacteriêmico. O sangue co-
víduos cuja ocupação os coloca em contato próximo com agula-se no estômago da pulga como resultado da ação da
animais silvestres, como caçadores. A vacina é experimental, enzima coagulase, sintetizada pelas bactérias. As bactérias
não sendo comercializada, mas pode ser obtida no US Army são aprisionadas pela fibrina e proliferam, atingindo gran-
Medical Research Command (Comando de Pesquisa Médica des números. A massa de organismos e fibrina bloqueiam o
do Exército de US), Fort Detrick, em Maryland. Essa vacina proventrículo do trato intestinal da pulga, e, durante picada
e a vacina com o bacilo de Calmette-Guérin (BCG) contra seguinte, a pulga regurgita os organismos no outro animal.
tuberculose são as duas únicas vacinas bacterianas vivas uti- Uma vez que o proventrículo encontra-se bloqueado, a pul-
lizadas em humanos. ga não consegue se nutrir, torna-se mais faminta, perde sua
seletividade pelos roedores hospedeiros naturais, passando a
YERSINIA picar mais prontamente humanos.

Doença Os organismos inoculados durante a picada dissemi-
nam-se para os linfonodos locais, que se tornam intumes-
Yersinia pestis é o agente da peste, também conhecida como cidos e sensíveis. Esses linfonodos intumescidos são os
peste negra, o flagelo da Idade Média. É também uma doença bubões, que conferiram a denominação peste bubônica à
contemporânea, ocorrendo no oeste dos Estados Unidos, as- doença. Os organismos podem atingir altas concentrações
sim como em vários outros países do mundo. Duas espécies no sangue (bacteremia) e disseminam-se, originando absces-
de menor importância, quais sejam, Yersinia enterocolitica e sos em vários órgãos. Os sintomas relacionados à endoto-
Yersinia pseudotuberculosis, são descritas no Capítulo 27. xina, incluindo coagulação intravascular disseminada e he-
morragias cutâneas, provavelmente deram origem ao termo
Propriedades importantes peste negra.

Y. pestis é um bacilo gram-negativo pequeno que exibe colo- Além dos ciclos de transmissão silvestre e urbano, pode
ração bipolar, isto é, assemelha-se a um alfinete de seguran- ocorrer a transmissão do organismo por gotículas respirató-
ça, com uma área central clara. Organismos recém-isolados rias derivadas de pacientes com peste pneumônica.
possuem uma cápsula composta por um complexo polissaca-
rídeo-proteína. A cápsula pode ser perdida após repiques no O organismo apresenta vários fatores que contribuem
laboratório, sendo a perda da cápsula acompanhada da perda para sua virulência: (1) o antígeno capsular do envelope, de-
de virulência. É uma das bactérias mais virulentas conheci- nominado F-1, que protege contra a fagocitose, (2) endoto-
das, exibindo uma DI50 extremamente baixa; ou seja, 1-10 xina, (3) uma exotoxina, e duas proteínas conhecidas por (4)
organismos são capazes de causar a doença. antígeno V e (5) antígeno W. Os antígenos V e W permitem
que o organismo sobreviva e cresça intracelularmente, porém
Patogênese e epidemiologia seu mecanismo de ação é desconhecido. A ação da exotoxina
é desconhecida.
O bacilo da peste foi endêmico em roedores silvestres da
Europa e da Ásia por milhares de anos, mas foi introduzi- Outros fatores que contribuem para a extraordinária
do na América do Norte por volta de 1900, provavelmente patogenicidade de Y. pestis são um grupo de fatores de viru-
carreado por um rato trazido por navio até um porto da Ca- lência, coletivamente denominados Yops (do inglês, Yersina
lifórnia. Atualmente, é endêmico em roedores silvestres do outer proteins, proteínas externas de Yersinia). Essas pro-
oeste dos Estados Unidos, embora 99% dos casos de peste teínas são injetadas na célula humana por meio de sistemas
ocorram no sudeste da Ásia. de secreção do tipo III e inibem a fagocitose e a produção
de citocinas pelos macrófagos e neutrófilos. Por exemplo,
O ciclo enzoótico (silvestre) consiste na transmissão en- uma das proteínas Yop (YopJ) é uma protease que cliva duas
tre roedores silvestres por meio das pulgas. Nos Estados proteínas de vias de transdução de sinal requeridas para a
Unidos, os cães selvagens são o principal reservatório. Os indução da síntese do fator de necrose tumoral. Isso inibe a
roedores são relativamente resistentes à doença; a maioria é ativação de nossas defesas e contribui para a capacidade do
assintomática. Os humanos são hospedeiros acidentais e, nos organismo replicar-se rapidamente no interior do indivíduo
Estados Unidos, os casos de peste ocorrem como resultado infectado.
da picada por uma pulga que faça parte do ciclo silvestre.
Achados clínicos
O ciclo urbano, que não ocorre nos Estados Unidos,
consiste na transmissão das bactérias entre ratos urbanos, A peste bubônica, que é a forma mais frequente, manifesta-se
tendo como vetor a pulga de rato. Esse ciclo predomina em por dor e intumescimento dos linfonodos localizados próxi-
situações de sanitização inadequada, por exemplo, em pe- mos ao sítio da picada da pulga e sintomas sistêmicos, como
ríodos de guerra, quando os ratos proliferam e estabelecem febre alta, mialgia e prostração. Os linfonodos afetados au-
contato com as pulgas do ciclo silvestre. mentam e tornam-se bastante sensíveis. Esses bubões são um
achado inicial característico. Choque séptico e pneumonia
Os eventos que ocorrem no interior da pulga são fas- são os principais eventos subsequentes de risco à vida. A pes-
cinantes e também essenciais. A pulga ingere a bactéria ao

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166 Warren Levinson

te pneumônica pode ser decorrente da inalação de aerossóis Propriedades importantes
ou a partir de êmbolos sépticos que atingem os pulmões. P. multocida é um bacilo gram-negativo curto e capsulado,
A peste bubônica não tratada é fatal em aproximadamente que exibe coloração bipolar.
metade dos casos, ao passo que a peste pneumônica quando
não tratada é invariavelmente fatal. Patogênese e epidemiologia
O organismo é membro da microbiota normal da cavidade
Diagnóstico laboratorial oral de diversos animais, particularmente gatos e cães domés-
O esfregaço e a cultura de sangue ou pus oriundos do bubão ticos, sendo transmitido pela mordedura. Cerca de 25% das
consistem no melhor procedimento diagnóstico. Cuidados mordeduras por animais são infectadas pelo organismo, com
extremos devem ser adotados pelo médico durante a aspi- as suturas atuando como um fator predisponente à infecção.
ração do pus, assim como pelos profissionais do laboratório A maioria das infecções por mordedura é polimicrobiana, ha-
durante o cultivo, a fim de não criar aerossóis capazes de vendo a presença de uma variedade de organismos anaeróbios
transmitir a infecção. A coloração de Giemsa ou Wayson facultativos e anaeróbios, além de P. multocida. A patogênese
revela a típica aparência de alfinete de segurança do orga- não é totalmente conhecida, exceto quanto ao fato de a cáp-
nismo, de forma mais eficiente que a coloração de Gram. A sula ser um fator de virulência e a endotoxina encontrar-se na
coloração com anticorpo fluorescente pode ser utilizada para parede celular. Não são produzidas exotoxinas.
identificar o organismo em tecidos. Uma elevação no título
de anticorpos contra o antígeno do envoltório pode ser útil Achados clínicos
retrospectivamente. Uma celulite de disseminação rápida no sítio de uma mor-
dedura por animal é indicativa de infecção por P. multocida.
Tratamento O período de incubação é curto, geralmente inferior a 24
O tratamento de escolha consiste em uma combinação de horas. A osteomielite pode ser uma complicação especial-
estreptomicina e tetraciclina, embora a estreptomicina possa mente em casos de mordeduras por gatos, uma vez que os
ser administrada de forma isolada. Não há resistência signifi- dentes proeminentes e afiados dos gatos podem inocular o
cativa a antibióticos. Diante da rápida progressão da doença, organismo sob o periósteo.
o tratamento deve ser iniciado antes dos resultados da cul-
tura bacteriológica. Geralmente, a incisão e drenagem dos Diagnóstico laboratorial
bubões não são necessárias. O diagnóstico é realizado com base na observação do or-
ganismo em cultura de uma amostra coletada do sítio do
Prevenção ferimento.
A prevenção da peste envolve o controle da disseminação
de ratos em áreas urbanas, a prevenção da entrada de ratos Tratamento
no país por navio ou avião, bem como a prevenção de pica- A penicilina G é o tratamento de escolha. Não há significati-
das por pulgas e do contato com roedores silvestres mortos. va resistência a antibióticos.
Um paciente acometido por peste deve ser mantido em iso-
lamento rigoroso (quarentena) por 72 horas após o início Prevenção
da terapia antibiótica. Apenas os contatos próximos devem Indivíduos que sofreram mordedura por gato devem rece-
receber tetraciclina profilática, embora todos os contatos de- ber ampicilina a fim de prevenir a infecção por P. multocida.
vam ser monitorados quanto ao surgimento de febre. Ainda, As mordeduras por animais, especialmente mordeduras por
deve ser obrigatória a notificação, às autoridades de saúde gato, não devem ser suturadas.
pública, da ocorrência de um caso de peste.
RESUMO DOS ORGANISMOS
Uma vacina consistindo em organismos mortos por
formalina confere proteção parcial contra a peste bubônica, Resumos sucintos sobre os organismos descritos neste capí-
mas não contra a peste pneumônica. Essa vacina foi utiliza- tulo iniciam-se na página 497. Favor consultar esses resumos
da pelas Forças Armadas durante a guerra do Vietnã, mas para uma rápida revisão do material essencial.
não é recomendada para turistas que viajam para o sudeste
asiático. QUESTÕES PARA ESTUDO

PASTEURELLA As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
Doença gia clínica) e Teste seu conhecimento.
Pasteurella multocida causa infecções de ferimentos associa-
das a mordeduras por gatos e cães.

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Micobactérias 21

As micobactérias são bacilos (bastonetes) aeróbios acidor- Propriedades importantes
resistentes (ver Prancha Colorida 11). Esses organismos
não são gram-positivos, nem gram-negativos, isto é, são fra- M. tuberculosis cresce lentamente (i.e., seu tempo de gera-
camente corados pelos corantes utilizados na coloração de ção corresponde a 18 horas, contrariamente à maioria das
Gram. As micobactérias são, virtualmente, as únicas bacté- bactérias, que são capazes de duplicar seu número em 1 hora
rias acidorresistentes. (Com a exceção de Nocardia asteroides, ou menos). Pelo fato de o crescimento ser tão lento, as cul-
a principal causa de nocardiose, que também é acidorresis- turas de espécimes clínicos devem ser mantidas por 6-8 se-
tente.) O termo “acidorresistente” refere-se à capacidade de manas antes de serem consideradas negativas. M. tuberculosis
um organismo reter o corante carbolfucsina, apesar do trata- pode ser cultivado em meios bacteriológicos, ao contrário de
mento subsequente com uma mistura etanol-ácido clorídri- M. leprae. Os meios utilizados para seu crescimento (p. ex.,
co. O elevado teor lipídico (aproximadamente 60%) de sua meio de Löwenstein-Jensen) contêm nutrientes complexos
parede celular torna as micobactérias acidorresistentes. (p.ex., gema do ovo) e corantes (p. ex., verde malaquita).
Os corantes inibem a microbiota normal indesejada presente
Os principais patógenos são Mycobacterium tuberculosis, em amostras de escarro.
a causa da tuberculose, e Mycobacterium leprae, o agente da
hanseníase. Micobactérias atípicas, como o complexo Myco- M. tuberculosis é um organismo aeróbio obrigatório,
bacterium avium-intracellulare e Mycobacterium kansasii, po- o que explica sua preferência em causar doenças em tecidos
dem causar doença similar à tuberculose, porém são patóge- altamente oxigenados como o lobo superior do pulmão e
nos menos frequentes. Micobactérias de crescimento rápido, rins. Sua parede celular contém vários lipídeos complexos:
como Mycobacterium chelonei, causam doença em pacientes (1) ácidos graxos de cadeia longa (C78-C90), denominados
imunocomprometidos de forma ocasional ou em indivíduos ácidos micólicos, que contribuem para a acidorresistência
que receberam dispositivos prostéticos implantáveis (Tabela do organismo; (2) cera D, um dos componentes ativos do
21-1). As características clínicas de três importantes mico- adjuvante de Freund, empregado para intensificar a respos-
bactérias são descritas na Tabela 21-2. ta imune contra vários antígenos em animais experimen-
tais; e (3) fosfatídeos, que desempenham papel na necrose
MYCOBACTERIUM TUBERCULOSIS caseosa.

Doença O fator corda (dimicolato de trealose) está correlacio-
nado à virulência do organismo. Linhagens virulentas cres-
Este organismo causa a tuberculose. Em nível mundial, M. cem em um padrão característico, similar a uma corda com
tuberculosis causa mais mortes do que qualquer outro agen- aspecto de “serpentina”, não observado em linhagens não
te microbiano. Aproximadamente um terço da população virulentas. O organismo também contém diversas proteí-
mundial encontra-se infectada por esse organismo. Anual- nas que, quando combinadas com as ceras, promovem uma
mente, estima-se que 3 milhões de pessoas morrem devido à hipersensibilidade tardia. Essas proteínas são os antígenos
tuberculose, com a ocorrência de 8 milhões de novos casos utilizados no teste cutâneo de PPD (do inglês, purified
a cada ano. protein derivative, derivado proteico purificado) (também
conhecido como teste cutâneo de tuberculina). Um lipídeo

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168 Warren Levinson

Tabela 21-1 Micobactérias de importância médica

Crescimento em meios Temperatura preferencial Fonte ou mecanismo de
bacteriológicos
Espécie in vivo (ºC) transmissão

M. tuberculosis Lento (semanas) 37 Gotículas respiratórias
37 Leite de animais infectados
M. bovis Lento (semanas) 32 Contato próximo prolongado

M. leprae Ausente 37 Solo e água
Lento (semanas) 32 Água
Micobactérias atípicas1 37 Solo e água
M. kansasii 37 Solo e água

M. marinum Lento (semanas)

Complexo M. avium– intracellulare Lento (semanas)

Complexo M. fortuitum-chelonei Rápido (dias)

1Apenas exemplos representativos são apresentados.

localizado na parede celular bacteriana, denominado tiocerol exceto quando pasteurizado, pode causar tuberculose gas-
dimicoserosato, é requerido para a patogênese no pulmão. trintestinal em humanos. A tuberculose ocorre somente em
um pequeno número de indivíduos infectados. Nos Esta-
M. tuberculosis é relativamente resistente a ácidos e ál- dos Unidos, a maioria dos casos de tuberculose está asso-
calis. NaOH é utilizado para concentrar espécimes clínicos; ciada à reativação em homens idosos mal nutridos. O risco
destrói bactérias indesejadas, células humanas e muco, po- de infecção e doença é maior em indivíduos de baixo poder
rém não o organismo. M. tuberculosis é resistente à desidra- sócio-econômico, com moradia precária e má nutrição. Es-
tação, de modo que sobrevive em escarro expectorado seco; ses fatores, em vez de fatores genéticos, são provavelmente
essa propriedade pode ser importante em sua transmissão responsáveis pela alta taxa de infecção entre americanos nati-
por aerossóis. vos, afro-americanos e esquimós.

Linhagens de M. tuberculosis resistentes ao principal fár- Patogênese
maco antimicobacteriano, a isoniazida (hidrazida de ácido
isonicotínico, INH; do inglês, isonicotinic acid hydrazide), M. tuberculosis não produz exotoxinas, assim como não con-
bem como linhagens resistentes a múltiplos antibióticos (de- tém endotoxina em sua parede celular. De fato, nenhuma
nominadas linhagens resistentes a múltiplos fármacos ou micobactéria produz toxinas. O organismo infecta preferen-
MDR; do inglês, multidrug resistant), tornaram-se um pro- cialmente macrófagos e outras células reticuloendoteliais.
blema mundial. Essa resistência é atribuída a uma ou mais M. tuberculosis sobrevive e multiplica-se no interior de um
mutações cromossomais, uma vez que não foram encon- vacúolo celular, denominado fagossomo. O organismo sin-
trados plasmídeos nesse organismo. Uma dessas mutações tetiza uma proteína denominada “proteína repetitiva expor-
ocorre em um gene envolvido na síntese de ácido micólico, tada” que impede a fusão do fagossomo com o lisossomo,
enquanto outra ocorre no gene de catalase-peroxidase, enzi- permitindo, assim, que o organismo escape das enzimas de-
ma necessária à ativação da INH no interior da bactéria. gradativas do lisossomo.

Transmissão e epidemiologia As lesões são dependentes da presença do organismo e
da resposta do hospedeiro, havendo dois tipos:
M. tuberculosis é transmitido interpessoalmente por aeros-
sóis respiratórios, sendo o pulmão o sítio inicial de infecção. (1) Lesões exsudativas, que consistem em uma resposta
No corpo, o micro-organismo localiza-se principalmente no inflamatória aguda e ocorrem principalmente nos pulmões,
interior de células reticuloendoteliais, por exemplo, macró- no sítio inicial da infecção;
fagos. Os humanos correspondem ao reservatório natural
de M. tuberculosis; não há reservatório animal. A transmis- (2) Lesões granulomatosas, que consistem em uma área
são ocorre principalmente por aerossóis gerados pela tosse central com células gigantes contendo bacilos tuberculosos,
de indivíduos com “esfregaço-positivo”, isto é, aqueles cujo circundada por uma zona de células epitelioides. Essas célu-
escarro contém bacilos detectáveis pela coloração acidorre- las gigantes, denominadas células gigantes de Langhans,
sistente. No entanto, cerca de 20% dos indivíduos são infec- são um importante achado patológico das lesões tuberculo-
tados por aerossóis produzidos pela tosse de indivíduos com sas. Um tubérculo consiste em um granuloma circundado
“esfregaço-negativo”. por tecido fibroso que sofreu necrose caseosa central. Os tu-
bérculos cicatrizam por fibrose e calcificação.
Nos Estados Unidos, a tuberculose é uma doença pra-
ticamente exclusiva de humanos. Em países em desenvolvi- A lesão primária da tuberculose usualmente ocorre nos
mento, Mycobacterium bovis também causa tuberculose em pulmões. A lesão exsudativa parenquimal e os linfonodos
humanos. M. bovis é encontrado em leite de vaca, o qual, adjacentes são conjuntamente denominados complexo de

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Microbiologia Médica e Imunologia 169

Tabela 21-2 Características clínicas de micobactérias importantes

Principal sítio de Teste cutâneo Uso de terapia com Disponibilidade
múltiplos fármacos de vacina
Organismo infecção em uso
Sim
M. tuberculosis Pulmões Sim Sim Não
M. avium-intracellulare Pulmões Não Sim Não
M. leprae Pele, nervos Não Sim

Ghon. As lesões primárias geralmente ocorrem nos lobos in- que não apresenta fatores de risco conhecidos. A induração
feriores, enquanto as lesões por reativação geralmente ocor- de 10 mm ou mais é positiva para um indivíduo que apre-
rem nos ápices. As lesões de reativação ocorrem também em senta fatores de alto risco, como um indivíduo desabrigado,
outros sítios bem oxigenados, como rins, cérebro e ossos. A usuários de fármacos intravenosos, ou residentes de asilos.
reativação é observada principalmente em pacientes imuno- A induração de 5 mm ou mais é positiva para um indivíduo
comprometidos ou debilitados. que apresenta deficiência na imunidade mediada por célu-
las, por exemplo, pacientes com AIDS, ou indivíduos que
A disseminação do organismo pelo corpo ocorre por estabeleçam contato próximo com uma pessoa apresentando
dois mecanismos: tuberculose ativa.

(1) Um tubérculo pode erodir em um brônquio, per- Um teste cutâneo positivo indica infecção prévia
der seu conteúdo caseoso e, desse modo, disseminar o or- pelo organismo, porém não necessariamente doença ativa.
ganismo para outras regiões dos pulmões, para o trato gas- O teste de tuberculina mostra-se positivo 4-6 semanas após
trintestinal, se deglutido, e para outros indivíduos quando a infecção. A imunização com a vacina BCG (ver página
expectorado. 166) pode provocar um teste positivo, porém as reações ge-
ralmente apresentam 5-10 mm e tendem a diminuir com
(2) Pode se disseminar através da corrente sanguínea até o tempo. Indivíduos apresentando reações de PPD com
vários órgãos internos. A disseminação pode ocorrer em um 15 mm ou mais são consideradas infectadas por M. tuber-
estágio precoce se a imunidade mediada por células for inca- culosis, mesmo que tenham recebido a vacina BCG. Um
paz de conter a infecção inicial, ou em um estágio tardio se o teste cutâneo positivo reverte-se para negativo em cerca de
indivíduo tornar-se imunocomprometido. 5-10% dos indivíduos. Atualmente, a reversão para negati-
vo é mais comum nos Estados Unidos que há alguns anos,
Imunidade e hipersensibilidade uma vez que, nos dias atuais, existe menor probabilidade
de um indivíduo ser exposto ao organismo e, consequente-
Após a recuperação da infecção primária, a resistência ao or- mente, menor probabilidade de receber um estímulo para
ganismo é mediada pela imunidade celular, isto é, por cé- o sistema imune.
lulas T CD4-positivas e macrófagos. Anticorpos circulantes
também são formados, porém não desempenham qualquer O teste cutâneo por si não induz uma resposta positiva
papel na resistência e não são utilizados para fins diagnósti- em uma pessoa que não tenha sido exposta ao organismo.
cos. Pacientes com deficiências na imunidade celular, como Este pode, no entanto, “estimular” uma resposta fraca ou ne-
pacientes com AIDS, exibem maior risco de tuberculose dis- gativa em um indivíduo que tenha sido exposto, produzindo
seminada e de risco à vida. Mutações no gene do receptor de uma reação positiva. As implicações clínicas desse “efeito de
γ-interferon são outra causa de imunidade celular defectiva reforço” estão além do objetivo deste livro.
que predispõe à tuberculose severa, o que enfatiza a impor-
tância da ativação de macrófagos por γ-interferon na defesa A reatividade à tuberculina é mediada pelo ramo celu-
do hospedeiro contra M. tuberculosis. lar do sistema imune, e pode ser transferida por células T
CD4-positivas, mas não pelo soro. A infecção pelo vírus do
A infecção prévia pode ser detectada por um resultado sarampo pode suprimir a imunidade mediada por células,
positivo no teste cutâneo de tuberculina, o qual é decor- resultando em uma perda de reatividade ao teste cutâneo de
rente de uma reação de hipersensibilidade tardia. O PPD é tuberculina e, em algumas circunstâncias, na reativação de
utilizado como antígeno no teste cutâneo de tuberculina. A organismos dormentes e da doença clínica.
preparação de PPD de intensidade intermediária, que con-
tém 5 unidades de tuberculina, é geralmente utilizada. O Um gene denominado Nramp determina a resistência
teste cutâneo é avaliado medindo-se o diâmetro da indura- natural à tuberculose. Indivíduos que apresentam mutações
ção ao redor do sítio do teste cutâneo. Observe que deve ser no gene Nramp exibem taxa muito mais elevada de tubercu-
encontrada induração (espessamento), e não apenas eritema lose clínica em comparação àqueles com o alelo normal. A
(vermelhidão). proteína NRAMP localiza-se na membrana do fagossomo
de macrófagos e desempenha importante papel na morte do
O diâmetro necessário para julgar o teste como positivo organismo no interior do fagossomo.
depende do estado do indivíduo submetido ao teste. Indu-
rações de 15 mm ou mais são positivas para um indivíduo

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170 Warren Levinson

Achados clínicos ção rápida, o corante auramina, que pode ser visualizado por
microscopia de fluorescência, pode ser utilizado.
Os achados clínicos são múltiplos e vários órgãos podem es-
tar envolvidos. Febre, fadiga, suores noturnos e perda de peso Após a digestão do espécime pelo tratamento com
são comuns. A tuberculose pulmonar provoca tosse e hemop- NaOH e concentração por centrifugação, o material é culti-
tise. A escrófula corresponde à adenite cervical micobacteria- vado em meios especiais, como ágar Löwenstein-Jensen, por
na que se apresenta na forma de linfonodos intumescidos e até 8 semanas. Esse micro-organismo não cresce em placa de
que não são sensíveis, geralmente com distribuição unilate- ágar sangue. No meio líquido BACTEC, metabólitos radio-
ral. Tanto M. tuberculosis como Mycobacterium scrofulaceum ativos são incorporados e o crescimento pode ser detectado
causam escrófula. O eritema nodoso, caracterizado por nó- pela produção de dióxido de carbono radioativo em cerca de
dulos sensíveis ao longo das superfícies extensoras da tíbia e 2 semanas. Um meio líquido é preferido para o isolamen-
da ulna, é uma manifestação de infecção primária observada to, uma vez que o organismo cresce de forma mais rápida
em pacientes que estão controlando a infecção por meio de e reprodutível que em meio sólido. Se houver crescimento,
uma resposta potente mediada por células. A tuberculose mi- o organismo pode ser identificado por meio de testes bio-
liar caracteriza-se por múltiplas lesões disseminadas, similares químicos. Por exemplo, M. tuberculosis produz niacina, ao
a grãos de alpiste. A meningite tuberculosa e a osteomielite contrário de praticamente todas as demais micobactérias,
tuberculosa, especialmente a osteomielite vertebral (doença sintetizando, também, catalase. Testes de identificação mais
de Pott), são importantes formas disseminadas. rápidos, que empregam sondas de DNA, encontram-se tam-
bém disponíveis.
A tuberculose gastrintestinal caracteriza-se por dor
abdominal e diarreia, acompanhadas por sintomas mais ge- Uma vez que a resistência a fármacos, especialmente
rais de febre e emagrecimento. Pode ocorrer obstrução ou contra INH (ver a seguir), representa um problema, testes
hemorragia intestinal. A região ileocecal corresponde ao sí- de suscetibilidade devem ser realizados. Todavia, o organis-
tio mais frequentemente envolvido. A tuberculose do trato mo cresce de forma muito lenta e os testes de suscetibilidade
GI pode ser causada por M. tuberculosis deglutido após ter geralmente demandam várias semanas, período muito longo
sido expectorado a partir de uma lesão pulmonar, ou por para orientar a escolha inicial dos fármacos. O ensaio de lu-
M. bovis ingerido a partir de produtos lácteos não pasteuri- ciferase, capaz de detectar em poucos dias organismos resis-
zados. A tuberculose orofaríngea tipicamente apresenta-se tentes a fármacos, consiste em um importante avanço. A lu-
na forma de uma úlcera indolor, acompanhada por adeno- ciferase é uma enzima isolada de vagalumes, que produz luz
patia local. na presença de adenosina trifosfato (ATP). Se o organismo
isolado do paciente for resistente, este não será danificado
Na tuberculose renal, ocorrem disúria, hematúria e pelo fármaco, isto é, produzirá quantidade normal de ATP, e
dor de flanco. A “piúria estéril” é um achado característico. a luciferase produzirá a quantidade normal de luz. Quando o
A urina contém leucócitos, no entanto as culturas de pa- organismo for sensível ao fármaco, haverá menor produção
tógenos bacterianos comuns do trato urinário não exibem de ATP, bem como de luz.
crescimento. Entretanto, as culturas micobacterianas são fre-
quentemente positivas. Há duas abordagens para o diagnóstico de infecções la-
tentes. Uma consiste no teste cutâneo de PPD, conforme
Observe que a maioria (aproximadamente 90%) das descrito anteriormente neste capítulo, na seção “Imunida-
infecções por M. tuberculosis são assintomáticas. Embora de e Hipersensibilidade”. Uma vez que existem dificuldades
possam existir algumas diferenças quanto à virulência entre para a interpretação do teste PPD, assim como para o retor-
linhagens do organismo, o determinante de maior impor- no do indivíduo para a leitura do teste cutâneo, um teste la-
tância da manifestação da doença corresponde à adequação boratorial quantitativo mostra-se útil. Esse teste laboratorial
da resposta imune mediada por células do hospedeiro. Por consiste no teste de liberação de interferon gama, denomina-
exemplo, pacientes com AIDS exibem uma taxa muito ele- do QuantiFERON-TB. Nesse ensaio, as células sanguíneas
vada de reativação a partir de uma infecção assintomática do paciente são expostas a antígenos de M. tuberculosis, sen-
prévia, com rápida progressão da doença. Nesses pacientes, a do medida a quantidade de interferon gama liberada pelas
doença causada por M. tuberculosis não tratada exibe taxa de células.
mortalidade de 50%. Além disso, a administração de infli-
ximab, um anticorpo monoclonal que neutraliza o fator de Tratamento e resistência
necrose tumoral (TNF, do inglês, tumor necrosis factor), pro-
moveu a ativação de tuberculose latente em alguns pacientes. A terapia com múltiplos fármacos é utilizada para prevenir
Infliximab é utilizado no tratamento de artrite reumatoide a emergência de mutantes resistentes a fármacos durante a
(ver Capítulo 66). longa duração do tratamento (de 6 a 9 meses). (Organismos
que se tornam resistentes a um dos fármacos serão inibidos
Diagnóstico laboratorial pela outro.) A isoniazida (INH), um fármaco bactericida,
corresponde à base do tratamento. O tratamento da maioria
A coloração acidorresistente do escarro ou de outros espé- dos pacientes acometidos por tuberculose pulmonar é rea-
cimes corresponde ao teste inicial usual. Para fins de avalia-

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Microbiologia Médica e Imunologia 171

lizado com três fármacos: INH, rifampina e pirazinamida. da não adesão corresponde à terapia diretamente observada
INH e rifampina são administradas por 6 meses, entretanto (TDO), na qual profissionais da área de saúde observam o
o tratamento com pirazinamida é interrompido após 2 me- paciente que está recebendo a medicação.
ses. Em pacientes imunocomprometidos (p. ex., pacientes
com AIDS), que apresentam doença disseminada, ou que As linhagens de M. tuberculosis resistentes a INH, ri-
provavelmente albergam organismos resistentes a INH, um fampina, uma fluoroquinolona e, pelo menos, um fármaco
quarto fármaco, o etambutol, é acrescentado, sendo todos adicional são denominadas linhagens XDR (altamente re-
os quatro fármacos administrados por um período de 9-12 sistentes a fármacos, do inglês, extensively drug resistant). As
meses. Embora a terapia seja geralmente administrada du- linhagens XDR emergiram em 2005 na África do Sul, entre
rante meses, o escarro do paciente torna-se não infeccioso pacientes infectados por HIV.
no período de 2-3 semanas. A necessidade de terapia pro-
longada é atribuída (1) à localização intracelular do orga- Prevenção
nismo, (2) ao material caseoso, que bloqueia a penetração
do fármaco, (3) ao crescimento lento do organismo, e (4) às A incidência da tuberculose começou a diminuir significati-
formas “persistentes” metabolicamente inativas no interior vamente antes mesmo do advento da terapia medicamentosa
da lesão. Uma vez que os organismos metabolicamente inati- nos anos 1940. Esse fato é atribuído às melhores condições
vos podem não ser mortos pelos fármacos antituberculose, o de moradia e nutrição, que aumentaram a resistência dos
tratamento pode não erradicar a infecção, podendo ocorrer a hospedeiros. Atualmente, a prevenção da disseminação do
reativação da doença no futuro. organismo depende, em grande parte, da rápida identifica-
ção e do tratamento adequado de pacientes que expelem o
O tratamento de infecções latentes (assintomáticas) con- organismo pela tosse. O uso de máscaras e outros procedi-
siste na administração de INH por 6-9 meses. (Esse regime mentos de isolamento respiratório para impedir a dissemina-
era considerado profilático por reduzir o risco de surgimento ção da doença para os profissionais médicos também é im-
de infecção sintomática no futuro.) Essa abordagem é em- portante. A identificação de indivíduos expostos a pacientes
pregada com maior frequência em pacientes assintomáticos, com doença pulmonar ativa com tosse deve ser realizada.
cujo teste cutâneo de PPD converteu-se recentemente a um
resultado positivo. O risco de infecção sintomática é maior Um componente importante da prevenção consiste na
nos primeiros 2 anos após a infecção, de modo que a INH é aplicação do teste cutâneo de PPD a fim de detectar con-
particularmente indicada para estes “convertidos recentes”. vertidos recentes e realizar o tratamento de infecções laten-
A INH é também utilizada em crianças expostas a pacientes tes conforme descrito anteriormente. Grupos que devem
com tuberculose sintomática. Pacientes que recebem INH ser avaliados com o teste cutâneo de PPD incluem indi-
devem ser avaliados quanto à presença de hepatite induzida víduos com infecção por HIV, contatos próximos de pa-
por fármacos, especialmente aqueles com idade acima de 35 cientes com tuberculose ativa, populações de baixa renda,
anos. A rifampina pode ser utilizada em indivíduos expostos alcoólatras e usuários de fármacos intravenosos, presidiários
a linhagens resistentes a INH. Uma combinação de rifampi- e indivíduos estrangeiros oriundos de países com alta inci-
na e pirazinamida não deve ser utilizada, uma vez que esta dência de tuberculose.
foi responsável por elevada taxa de dano hepático severo.
Uma vez que existem alguns problemas associados aos
A resistência à INH e a outros fármacos antituberculo- testes cutâneos de PPD, como a medida e interpretação dos
se é observado com frequência crescente nos Estados Uni- resultados, e a inconveniência do paciente precisar retornar
dos, especialmente em imigrantes do sudeste asiático e da para a leitura do teste cutâneo, foi desenvolvido um teste
América Latina. Linhagens de M. tuberculosis resistentes a laboratorial para detectar infecções latentes. Esse teste, de-
múltiplos fármacos (linhagens MDR) emergiram, princi- nominado QuantiFERON-TB (QFT), mede a quantidade
palmente em pacientes com AIDS. O padrão mais comum de γ-interferon liberada pelos linfócitos do paciente após a
corresponde à resistência à INH e a rifampina, mas alguns exposição ao PPD em cultura celular. O teste QFT requer
isolados são resistentes a três ou mais fármacos. O tratamen- apenas um único espécime de sangue e determina a quanti-
to de organismos MDR geralmente envolve o uso de qua- dade de γ-interferon por meio de um teste ELISA.
tro ou cinco fármacos, incluindo ciprofloxacina, amicacina,
etionamida e cicloserina. As recomendações exatas depen- A vacina BCG pode ser utilizada para induzir resistência
dem do padrão de resistência do isolado e não fazem parte parcial à tuberculose. A vacina contém uma linhagem de M.
do objetivo deste livro. bovis viva e atenuada, denominada bacilo de Calmette-Gué-
rin. A vacina é eficaz na prevenção do surgimento de tuber-
O tratamento prévio contra a tuberculose predispõe à culose na forma de uma doença clínica, especialmente em
seleção desses organismos MDR. A não adesão ao trata- crianças, embora não previna a infecção por M. tuberculosis.
mento, isto é, pacientes que não completam o curso total da No entanto, um importante problema em relação à vacina é
terapia, representa um fator importante para a sobrevivência sua efetividade variável, que pode variar de 0% a 70%. É uti-
de organismos resistentes. Uma abordagem para o problema lizada principalmente em regiões do mundo onde a incidên-
cia da doença é elevada. A vacina geralmente não é utilizada
nos Estados Unidos em virtude de sua efetividade variável e

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172 Warren Levinson

porque a incidência da doença é baixa, não compensando, Grupo I (Fotocromogênicos)
portanto, seu custo.
M. kansasii causa doença pulmonar clinicamente semelhante
A reatividade do teste cutâneo, induzida pela vacina à tuberculose. Por ser antigenicamente similar a M. tubercu-
administrada em crianças, desaparece com o tempo, e a losis, os pacientes apresentam teste cutâneo de tuberculina
interpretação da reação do teste cutâneo em adultos não é positivo com frequência. Seu hábitat no meio ambiente é
alterada pela vacina. Por exemplo, reações ao teste cutâneo desconhecido, mas as infecções causadas por esse organismo
de 10 mm ou mais não devem ser atribuídas à vacina, exce- são observadas nos estados do centro-oeste e Texas. É susce-
to quando esta foi administrada recentemente. Nos Estados tível aos fármacos antituberculose padrão.
Unidos, o uso da vacina limita-se a crianças pequenas que se
encontram em contato próximo com indivíduos apresentan- Mycobacterium marinum causa “granuloma da piscina”,
do tuberculose ativa, e aos militares. A vacina BCG não deve também conhecido como “granuloma do aquário”. Essas le-
ser administrada em indivíduos imunocomprometidos uma sões ulcerantes granulomatosas ocorrem na pele no sítio de
vez que os organismos BGC vivos podem causar doença dis- abrasões ocorridas em piscinas e aquários. O hábitat natural
seminada. do organismo é a água doce e salgada. O tratamento com
uma tetraciclina, como minociclina, é eficaz.
A vacina BCG também é utilizada no tratamento de
câncer de bexiga. A vacina é instilada na bexiga e atua na Grupo II (Escotocromogênicos)
estimulação inespecífica da imunidade mediada por células,
a qual pode inibir o crescimento das células do carcinoma. M. scrofulaceum causa escrófula, uma adenite cervical granu-
lomatosa, geralmente em crianças. (M. tuberculosis também
A pasteurização do leite e a eliminação do gado bovino causa escrófula.) O organismo penetra através da orofaringe
infectado são importantes para a prevenção de tuberculose e infecta os linfonodos adjacentes. Seu hábitat natural com-
intestinal. preende fontes de água ambientais, mas foi também isolado
como um saprófita do trato respiratório humano. A escrófu-
MICOBACTÉRIAS ATÍPICAS la frequentemente pode ser curada pela excisão cirúrgica dos
linfonodos afetados.
Várias espécies de micobactérias são caracterizadas como
atípicas, uma vez que diferem em certos aspectos do pro- Grupo III (Acromogênicos)
tótipo, M. tuberculosis. Por exemplo, micobactérias atípicas
são amplamente distribuídas no meio ambiente e não são O complexo M. avium-intracellulare (MAI, MAC) é com-
patogênicas para cobaias, enquanto M. tuberculosis é encon- posto por duas espécies, M. avium e M. intracellulare, cuja
trado apenas em humanos, sendo altamente patogênico para diferenciação por meio de testes laboratoriais padrão é bas-
cobaias. tante difícil. Elas causam doença pulmonar clinicamente
indistinguível da tuberculose, principalmente em pacientes
As micobactérias atípicas são classificadas em quatro imunocomprometidos, como aqueles com AIDS que apre-
grupos, de acordo com sua taxa de crescimento e se produ- sentam contagem de células CD4 inferior a 200/μl. MAI
zem pigmento em determinadas condições (Tabela 21-3). Os corresponde à causa bacteriana mais comum de doença em
organismos do grupo I formam colônias com pigmentação pacientes com AIDS. Os organismos são amplamente dis-
amarelo-laranja somente quando expostos à luz (fotocromo- tribuídos no meio ambiente, incluindo água e solo, parti-
gênicos), enquanto os organismos do grupo II produzem o cularmente no sudeste dos Estados Unidos. São altamente
pigmento principalmente na ausência de luz (escotocromo- resistentes a fármacos antituberculose e frequentemente é ne-
gênicos). As micobactérias do grupo III produzem pouco cessária a combinação de até seis fármacos para o tratamento
ou nenhum pigmento amarelo-laranja, independentemente adequado. Os atuais fármacos de escolha são a claritromicina
da presença ou ausência de luz (acromogênicos). Contraria- e um ou mais dos seguintes fármacos: etambutol, rifabutina
mente aos organismos dos três grupos anteriores, que cres- ou ciprofloxacina. A claritromicina atualmente é recomen-
cem lentamente, os organismos do grupo IV exibem cresci- dada na prevenção da doença em pacientes com AIDS.
mento rápido, produzindo colônias em menos de 7 dias.

Tabela 21-3 Classificação de Runyon de micobactérias atípicas

Formação de pigmento

Grupo Taxa de crescimento Claro Escuro Espécies típicas

I Lenta + – M. kansasii, M. marinum
II Lenta + + M. scrofulaceum
III Lenta – – Complexo M. avium-intracellulare
IV Rápida – – Complexo M. fortuitum-chelonei

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Microbiologia Médica e Imunologia 173

Grupo IV (Micobactérias de antibiótica deve ser mantida por um longo período, geral-
crescimento rápido) mente por vários anos.

O complexo Mycobacterium fortuitum-chelonei é compos- Transmissão
to por duas espécies similares, M. fortuitum e M. chelonei.
Esses organismos são saprófitas, encontrados principal- A infecção é adquirida por contato prolongado com pa-
mente no solo e na água, raramente causando doença em cientes acometidos por hanseníase lepromatosa, que expe-
humanos. As infecções ocorrem principalmente em duas lem grandes números de M. leprae nas secreções nasais e a
populações: (1) pacientes imunocomprometidos e (2) in- partir das lesões cutâneas. Nos Estados Unidos, a hanseníase
divíduos com articulações prostéticas de quadril e fazendo ocorre principalmente no Texas, em Louisiania, na Califór-
uso de cateteres de longa duração. Infecções de pele e te- nia e no Havaí. A maioria dos casos ocorre em imigrantes
cidos moles ocorrem no sítio de ferimentos puntiformes. oriundos do México, das Filipinas, do sudeste da Ásia e da
Esses organismos são frequentemente resistentes à terapia Índia. A doença ocorre em nível mundial, sendo a maioria
antituberculose; a terapia com múltiplos fármacos em com- dos casos observados nas regiões tropicais da Ásia e África.
binação, associada à excisão cirúrgica, pode ser requerida Possivelmente o tatu não corresponde a um reservatório im-
para o tratamento efetivo. Os atuais fármacos de escolha portante, uma vez que não é encontrado em várias regiões do
são amicacina e doxiciclina. mundo onde a hanseníase é endêmica.

Mycobacterium abscessus é outra micobactéria de cresci- Patogênese
mento rápido adquirida a partir do meio ambiente. Causa
infecções pulmonares, bem como infecções de pele, ossos O organismo replica-se intracelularmente, tipicamente no
e articulações. O organismo é altamente resistente a anti- interior de histiócitos cutâneos, células endoteliais, e células
bióticos. de Schwann. Há duas formas distintas de hanseníase – tu-
berculoide e lepromatosa – com várias formas intermediá-
Mycobacterium smegmatis é uma micobactéria de cres- rias entre os dois extremos (Tabela 21-4).
cimento rápido, não associada a doenças humanas. O or-
ganismo é membro da microbiota normal do esmegma, o (1) Na hanseníase tuberculoide, a resposta imune me-
material que se acumula abaixo do prepúcio. diada por células (CMI, do inglês, cell-mediated immune)
ao organismo limita seu crescimento, são observados pou-
MYCOBACTERIUM LEPRAE quíssimos bacilos acidorresistentes, e formam-se granulomas
contendo células gigantes.
Doença
A resposta CMI consiste principalmente em célu-
Este organismo é o agente da hanseníase. las CD4-positivas e um perfil Th-1 de citocinas, ou seja,
γ-interferon, interleucina-2 e interleucina-12. A resposta
Propriedades importantes CMI é responsável pelos danos aos nervos observados na
hanseníase tuberculoide.
M. leprae não foi cultivado em laboratório, quer em meios
artificiais quer em cultura celular. Pode ser cultivado em pa- O resultado do teste cutâneo da lepromina é positivo.
tas de camundongos ou em tatus. O teste cutâneo da lepromina é similar ao teste da tubercu-
lina (ver anteriormente). Um extrato de M. leprae é injetado
Os humanos são os hospedeiros naturais, embora o tatu intradermicamente, sendo observada a induração após 48
possa corresponder a um reservatório para a infecção huma- horas naqueles indivíduos em que a resposta imune mediada
na. A temperatura ótima de crescimento (30ºC) é inferior por células contra o organismo encontra-se presente.
à temperatura corporal; desse modo, o organismo cresce
preferencialmente na pele e em nervos superficiais. Cresce (2) Na hanseníase lepromatosa, a resposta mediada
muito lentamente, apresentando um tempo de geração de por células contra o organismo é fraca, as lesões cutâneas
14 dias, o que o torna o patógeno bacteriano de humanos de e de membranas mucosas contêm pequeno número de or-
crescimento mais lento. Como consequência disso, a terapia ganismos, são observados histiócitos esponjosos ao invés de

Tabela 21-4 Comparação entre a hanseníase tuberculoide e lepromatosa

Característica Hanseníase tuberculoide Hanseníase lepromatosa
Tipo de lesão Várias lesões, com marcante destruição tissular
Uma ou poucas lesões, com pouca
Número de bacilos acidorresistentes destruição tissular Muitos
Probabilidade de transmissão de hanseníase Alta
Resposta mediada por células contra M. leprae Poucos Reduzida ou ausente
Teste cutâneo da lepromina Baixa Negativo
Presente
Positivo

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granulomas, e o resultado do teste cutâneo da lepromina é resistente das lesões de pele ou dos raspados nasais. Macrófa-
negativo. Observe que, na hanseníase lepromatosa, apenas gos repletos de lipídeos, denominados “células esponjosas”,
a resposta mediada por células contra M. leprae é defectiva, que contêm vários bacilos acidorresistentes são observados
isto é, o paciente é anérgico a M. leprae. A resposta media- na pele. Na forma tuberculoide, são observados poucos orga-
da por células contra outros organismos não é afetada, e a nismos e o aparecimento de granulomas típicos é suficiente
resposta humoral contra M. leprae encontra-se intacta. En- para o diagnóstico. As culturas são negativas, uma vez que
tretanto, esses anticorpos não são protetores. A resposta de o organismo não cresce em meios artificiais. Nenhum teste
células T consiste principalmente de células Th-2. sorológico é útil. Resultados falsos positivos em testes so-
rológicos inespecíficos para sífilis, como os testes VDRL e
Achados clínicos RPR, ocorrem frequentemente em pacientes apresentando
hanseníase lepromatosa.
O período de incubação perdura por vários anos e a manifes-
tação da doença é gradual. Na hanseníase tuberculoide, são Tratamento
observadas lesões cutâneas de natureza macular hipopigmen- A base da terapia consiste em dapsona (diaminodifenilsul-
tada ou em placa, nervos superficiais espessados e anestesia fona); contudo, com a emergência de resistência suficiente
significativa das lesões cutâneas. Na hanseníase lepromatosa, ao fármaco, atualmente recomenda-se a terapia combina-
são observadas múltiplas lesões cutâneas nodulares, resul- da, por exemplo, dapsona, rifampina e clofazimina para a
tando na típica face leonina (similar à face leonina). Após hanseníase lepromatosa, e dapsona e rifampina para a forma
o início da terapia, pacientes com hanseníase lepromatosa tuberculoide. O tratamento é administrado por pelo menos
frequentemente desenvolvem eritema nodoso leprótico 2 anos ou até que as lesões estejam desprovidas de organis-
(ENL), interpretado como sinal de restabelecimento da mos. A talidomida é o tratamento de escolha para reações
imunidade mediada por células. O ENL caracteriza-se por graves de ENL.
nódulos dolorosos, especialmente ao longo das superfícies
extensoras da tíbia e ulna, neurite e uveíte. Prevenção
O isolamento de todos os pacientes acometidos por hansení-
O aspecto desfigurante da doença resulta de vários fa- ase lepromatosa, associado à quimioprofilaxia com dapsona
tores: (1) a anestesia cutânea resulta em queimaduras e ou- em crianças expostas, é necessário, não havendo vacina.
tros traumas, que frequentemente se tornam infectados; (2)
a reabsorção óssea leva à perda de características como do RESUMOS DOS ORGANISMOS
nariz e extremidades dos dedos; e (3) a infiltração da pele e
dos nervos leva ao espessamento e pregueamento da pele. Na Breves resumos sobre os organismos descritos neste capítulo
maioria das pacientes apresentando lesão cutânea simples, iniciam-se na página 497. Favor consultar esses resumos para
a doença regride espontaneamente. Pacientes acometidos uma rápida revisão do material essencial.
por formas intermediárias da doença, entre as formas tuber-
culoide e lepromatosa, podem progredir para qualquer dos QUESTÕES PARA ESTUDO
extremos.
As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
Diagnóstico laboratorial ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
gia clínica) e Teste seu conhecimento.
Na hanseníase lepromatosa, a presença dos bacilos pode ser
facilmente demonstrada realizando-se uma coloração acidor-

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Actinomicetos 22

Os actinomicetos são bactérias verdadeiras (relacionadas Diagnóstico laboratorial
às corinebactérias e micobactérias), mas formam longos O diagnóstico laboratorial é realizado por (1) observação de
filamentos ramificados que se assemelham às hifas fúngi- bacilos ramificados gram-positivos, especialmente na presen-
cas (ver Prancha Colorida 12). São gram-positivos, porém ça de grânulos de enxofre e (2) observação de crescimento
alguns (como Nocardia asteroides) são também fracamente quando espécimes de pus ou tecidos são cultivados em con-
acidorresistentes (Tabela 22-1). Há dois organismos de im- dições anaeróbias. Os organismos podem ser identificados
portância médica, Actinomyces israelii e N. asteroides. por imunofluorescência. Não há testes sorológicos.

ACTINOMYCES ISRAELII Tratamento e prevenção
O tratamento consiste em administração prolongada de pe-
Doença nicilina G, associada à drenagem cirúrgica. Não ocorre resis-
Actinomyces israelii causa actinomicose. tência significativa à penicilina G. Não há disponibilidade
de vacina ou fármaco profilática.
Propriedades importantes e patogênese
A. israelii é um organismo anaeróbio, membro da microbio- NOCARDIA ASTEROIDES
ta normal da cavidade oral. Após um trauma local, como
uma fratura mandibular ou extração dental, este pode inva- Doença
dir os tecidos, formando filamentos circundados por áreas Nocardia asteroides causa nocardiose.
de inflamação. Grânulos endurecidos e amarelos (grânulos
de enxofre) compostos por uma massa de filamentos são Propriedades importantes e patogênese
formados no pus. As espécies de Nocardia são aeróbias, encontradas no meio
ambiente, particularmente no solo. Em indivíduos imuno-
Achados clínicos comprometidos, podem causar infecção pulmonar, bem como
A actinomicose manifesta-se por um intumecimento en- podem disseminar-se. Em tecidos, as espécies de Nocardia são
durecido e não doloroso, que se desenvolve de forma lenta evidenciadas como filamentos delgados ramificados, gram-
e eventualmente drena pus através de fístulas. Em cerca -positivos. Muitos isolados de N. asteroides são fracamente
de 50% dos casos, a lesão inicial envolve a face e pescoço; acidorresistentes, isto é, o processo de coloração utiliza uma
nos demais casos, o sítio corresponde ao tórax ou ao ab- solução de ácido clorídrico mais fraca que aquela utilizada
dômen. A actinomicose pélvica pode ocorrer em mulheres para corar micobactérias. Quando se utiliza ácido na concen-
que fazem uso de um dispositivo intrauterino por longo tração regular, eles não se apresentam acidorresistentes.
período. A. israelii e espécies de Arachnia são as causas
mais comuns de actinomicose em humanos. A doença não Achados clínicos
é transmissível. N. asteroides e Nocardia brasiliensis são as causas mais comuns
de nocardiose humana. A doença manifesta-se como uma

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Tabela 22-1 Actinomicetos

Espécie Doença Hábitat Crescimento Diagnóstico Tratamento
em meios

A. israelii Actinomicose (abscessos com Cavidade oral Anaeróbios estritos Filamentos ramificados gram-po- Penicilina G
fístulas) Aeróbios sitivos; “grânulos de enxofre” no
pus; cultura (anaeróbia)
N. asteroides Nocardiose (abscessos no cére- Meio ambiente
bro e rins em pacientes imu- Filamentos ramificados gram-po- Sulfonamidas
nodeficientes, pneumonia) sitivos; frequentemente acidor-
resistentes; cultura (aeróbio)

infecção pulmonar e pode progredir formando abscessos e nalmente ocorre resistência a fármacos. Não há vacina nem
fístulas. Diferentemente de A. israelii, não são formados grâ- fármaco profilático disponível.
nulos de enxofre. Em indivíduos imunocomprometidos, o
organismo pode disseminar-se para o cérebro, a pele ou os RESUMOS DOS ORGANISMOS
rins. A doença não é transmissível. Resumos breves sobre os organismos descritos neste capítulo
iniciam-se na página 499. Favor consultar esses resumos para
Diagnóstico laboratorial uma rápida revisão do material essencial.
O diagnóstico laboratorial envolve (1) observação de baci-
los ou filamentos ramificados gram-positivos ou fracamente QUESTÕES PARA ESTUDO
acidorresistentes e (2) observação de crescimento aeróbio em As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
meios bacteriológicos em poucos dias. ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
gia clínica) e Teste seu conhecimento.
Tratamento e prevenção
O tratamento é realizado com trimetoprim-sulfamatoxazol.
A drenagem cirúrgica pode também ser necessária. Ocasio-

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Micoplasmas 23

Os micoplasmas consistem em um grupo de organismos mente exibe uma forma característica de “ovo frito”, com o
muito pequenos e desprovidos de parede celular, dentre centro mais elevado e uma porção externa mais delgada.
os quais Mycoplasma pneumoniae corresponde ao principal
patógeno. Patogênese e epidemiologia

MYCOPLASMA PNEUMONIAE M. pneumoniae, um patógeno apenas de humanos, é trans-
mitido por gotículas respiratórias. Nos pulmões, o organis-
Doença mo apresenta forma bacilar, com extremidades afiladas que
M. pneumoniae causa pneumonia “atípica”. contêm proteínas específicas que atuam como o ponto de
adesão ao epitélio respiratório. A mucosa respiratória não so-
Propriedades importantes fre invasão, contudo a movimentação ciliar é inibida e ocor-
Os micoplasmas são os menores organismos de vida livre; re necrose epitelial. O mecanismo pelo qual M. pneumoniae
vários apresentam diâmetro de somente 0,3 μm. Sua carac- causa inflamação é incerto. Sabe-se que produz peróxido de
terística mais marcante corresponde à ausência da parede hidrogênio, o que contribui para o dano às células do trato
celular.1 respiratório.

Consequentemente, os micoplasmas coram-se fra- M. pneumoniae apresenta somente um sorotipo, anti-
camente pela coloração de Gram, e os antibióticos que genicamente distinto de outras espécies de Mycoplasma. A
inibem a síntese de parede celular, por exemplo, penicili- imunidade é incompleta, podendo ocorrer outros episódios
nas e cefalosporinas, são ineficazes. Sua superfície externa da doença. Durante a infecção por M. pneumoniae são pro-
consiste em uma membrana celular flexível de três cama- duzidos anticorpos contra hemácias (aglutininas frias) e
das; desse modo, esses organismos são capazes de assumir células cerebrais, pulmonares e hepáticas. Esses anticorpos
uma variedade de formas. Sua membrana citoplasmática é podem estar envolvidos em algumas manifestações extrapul-
a única membrana bacteriana que contém colesterol, um monares da infecção.
esterol geralmente encontrado em membranas de células
eucarióticas. As infecções por M. pneumoniae ocorrem em nível mun-
dial, com um aumento da incidência durante o inverno. Esse
Os micoplasmas podem ser cultivados em laboratório organismo corresponde à causa mais frequente de pneumo-
em meios artificiais, porém apresentam exigências nutricio- nia em adultos jovens, sendo também responsável por surtos
nais complexas, incluindo diversos lipídeos. Os micoplasmas em grupos que estabelecem contatos próximos, como famí-
apresentam crescimento lento, requerendo pelo menos 1 se- lias, militares e universitários. Estima-se que apenas 10% dos
mana para originar uma colônia visível. A colônia frequente- indivíduos infectados são de fato acometidos por pneumo-
nia. A pneumonia por Mycoplasma corresponde a 5-10% de
1 Outros tipos de bactérias, na presença de penicilina, podem existir todas as pneumonias adquiridas na comunidade.
em um estado desprovido de parede, denominado “forma L”, contudo
podem sintetizar novamente suas paredes celulares quando a penicilina Achados clínicos
é removida.
A pneumonia por Mycoplasma é o tipo mais comum de
pneumonia atípica. Anteriormente chamava-se pneumonia

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178 Warren Levinson

atípica primária. (Outras pneumonias atípicas consistem M. pneumoniae pode ser confirmado por um aumento em 4
na doença dos legionários, febre Q, psitacose e em pneumo- vezes ou mais no título de anticorpos específicos no teste de
nias virais, como a gripe. O termo “atípico” significa que a fixação do complemento.
bactéria causal não pode ser isolada em meios rotineiros no
laboratório diagnóstico, ou que a doença não se assemelha à Tratamento
pneumonia pneumocóccica.) A manifestação da pneumonia O tratamento de escolha é um macrolídeo, como eritromi-
por Mycoplasma é gradual, iniciando-se geralmente com tosse cina ou azitromicina, ou uma tetraciclina, como doxiciclina.
não produtiva, faringite ou otalgia. São produzidas pequenas Esses fármacos podem reduzir a duração dos sintomas, em-
quantidades de escarro esbranquiçado e não sanguinolento. bora, conforme mencionado anteriormente, a doença regri-
Os sintomas constitucionais de febre, cefaleia, mal estar geral da espontaneamente. As penicilinas e cefalosporinas são ina-
e mialgias são intensos. A parcimônia de achados no exame tivas, uma vez que o organismo não possui parede celular.
torácico exibe marcante contraste em relação à proeminência
dos infiltrados observados no raio-X torácico do paciente. A Prevenção
doença regride espontaneamente em 10-14 dias. Além da Não há vacina ou outra medida de prevenção específica.
pneumonia, M. pneumoniae também causa bronquite.
OUTROS MICOPLASMAS
As manifestações extrapulmonares incluem a síndrome Mycoplasma hominis foi implicado como uma causa pouco
de Stevens-Johnson, fenômeno de Raynaud, arritmias car- frequente de doença pélvica inflamatória. Ureaplasma ure-
díacas, artralgias e manifestações neurológicas, como a sín- alyticum pode ser responsável por aproximadamente 20%
drome de Guillan-Barré. dos casos de uretrite não gonocóccica. Os ureaplasmas po-
dem ser diferenciados dos micoplasmas por sua capacidade
Diagnóstico laboratorial de produzir a enzima urease, que degrada a ureia em amônia
e dióxido de carbono.
O diagnóstico geralmente não é realizado pela cultura de
amostras de escarro; o surgimento de colônias em meios es- RESUMOS DOS ORGANISMOS
peciais demanda pelo menos 1 semana. A cultura em meios Resumos breves sobre os organismos descritos neste capítulo
comuns revela somente a microbiota normal. iniciam-se na página 499. Favor consultar esses resumos para
uma rápida revisão do material essencial.
A realização de testes sorológicos consiste na base para o
diagnóstico. Um título de aglutinina fria de 1:128 ou supe- QUESTÕES PARA ESTUDO
rior é indicativo de infecção recente. As aglutininas frias são As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
autoanticorpos IgM contra hemácias do tipo O, que agluti- ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
nam estas células a 4ºC, mas não a 37ºC. Entretanto, apenas gia clínica) e Teste seu conhecimento.
metade dos pacientes com pneumonia por Mycoplasma são
positivos em relação às aglutininas frias. O teste é inespe-
cífico; resultados falsos positivos ocorrem em infecções por
influenzavírus e adenovírus. O diagnóstico de infecção por

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Espiroquetas 24

Três gêneros de espiroquetas causam infecção humana: (1) centrações bactericidas mantêm-se por semanas após a ad-
Treponema, que causa sífilis e as treponematoses não vené- ministração do antibiótico.
reas, (2) Borrelia, responsável pela doença de Lyme e febre
recorrente, e (3) Leptospira, o agente da leptospirose (Tabe- Os antígenos de T. pallidum induzem anticorpos espe-
la 24-1). cíficos que podem ser detectados por imunofluorescência ou
testes de hemaglutinação no laboratório clínico. Também
Os espiroquetas são bacilos espiralados, flexíveis, de induzem anticorpos inespecíficos (reagina),1 que podem ser
parede delgada (ver Prancha Colorida 13). São móveis devi- detectados pela floculação de lipídeos (cardiolipina) extraí-
do à ondulação de filamentos axiais situados abaixo da mem- dos de tecidos normais de mamíferos, por exemplo, coração
brana externa. Os treponemas e leptospiras são tão delgados bovino.
que podem ser visualizados apenas por microscopia de cam-
po escuro, impregnação com prata, ou imunofluorescência. Tanto o anticorpo específico antitreponêmico como a
As borrélias são maiores, coradas por Giemsa e outros coran- reagina inespecífica são utilizados no diagnóstico sorológico
tes hematológicos, podendo ser visualizadas ao microscópio de sífilis.
óptico comum.
Transmissão e epidemiologia
TREPONEMA T. pallidum é transmitido a partir de lesões cutâneas ou de
membranas mucosas (p. ex., genitália, cavidade oral e reto)
1. Treponema pallidum contendo espiroquetas de um indivíduo infectado a outros
indivíduos por contato íntimo. Também pode ser transmi-
Doença tido de mulheres grávidas para o feto. Em casos raros, o san-
Treponema pallidum causa sífilis. gue destinado a transfusões coletado durante fases precoces
da sífilis também é infeccioso.
Propriedades importantes
T. pallidum nunca foi cultivado em meios bacteriológi- A sífilis ocorre em nível mundial e sua incidência tem
cos ou em culturas celulares. Treponemas não patogênicos, aumentado. É uma das principais doenças notificáveis nos
membros da microbiota normal de membranas mucosas hu- Estados Unidos. Acredita-se que muitos casos não são sejam
manas, podem ser cultivados. notificados, o que limita as medidas de saúde pública. Em
anos recentes, houve um acentuado aumento na incidência
T. pallidum exibe crescimento muito lento. A impor- da doença em homens homossexuais.
tância médica desse fato refere-se à necessidade da presença
de antibióticos em concentrações efetivas durante várias se- Patogênese e achados clínicos
manas a fim de matar os organismos e curar a doença (ver a T. pallidum não sintetiza toxinas ou enzimas importantes. O
seguir a Seção Tratamento). Por exemplo, a penicilina benza- organismo frequentemente infecta o endotélio de pequenos
tina consiste na penicilina utilizada no tratamento da sífilis
primária e secundária, uma vez que a penicilina é liberada 1 A reagina sifilítica (IgM e IgG) não deve ser confundida com o anti-
lentamente a partir dessa preparação de depósito e as con- corpo reagina (IgE) envolvido na alergia.

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180 Warren Levinson

Tabela 24-1 Espiroquetas de importância médica

Espécie Doença Mecanismo de Diagnóstico Morfologia Crescimento Tratamento
transmissão em meios

bacteriológicos

T. pallidum Sífilis Contato íntimo (se- Microscopia; tes- Espirais delgadas e den- – Penicilina G
xual); através da tes sorológicos sas, visualizadas por
B. burgdorferi Doença de placenta microscopia de campo + Tetraciclina ou amo-
Lyme escuro, impregnação xicilina na fase
Picada de carrapato com prata, ou coloração aguda; penicilina
imunofluorescente G na fase crônica

Observações Grande, em espiral relaxa- + Tetraciclina
clínicas; mi- da; corado pelo corante
croscopia de Giemsa + Penicilina G

B. recurrentis Febre recor- Picada de piolho Observações Grande, em espiral relaxa-
rente clínicas; mi- da; corado pelo corante
Alimento ou água croscopia de Giemsa
L. interrogans Leptospirose contaminados por
urina de animais Testes soroló- Espirais delgadas e den-
infectados (ratos, gicos sas, observadas por
cães, porcos, vacas) microscopia de campo
escuro

vasos sanguíneos, causando endarterite. Isso ocorre durante período latente tardio, que pode perdurar por vários anos,
todos os estágios da sífilis, porém é particularmente impor- não se manifestam sintomas e os pacientes não são infectan-
tante na patogênese das lesões cerebrais e cardiovasculares tes. No terço restante dos indivíduos, a doença progride para
observadas na sífilis terciária. o estágio terciário. A sífilis terciária pode exibir granulomas
(gomas), especialmente na pele e nos ossos, envolvimento
Na sífilis primária, os espiroquetas multiplicam-se no do sistema nervoso central (p. ex., tabes, paresia), ou lesões
sítio de inoculação e forma-se uma úlcera localizada e in- cardiovasculares (p. ex., aortite, aneurisma de aorta ascen-
dolor (cancro) em 2-10 semanas. A úlcera cicatriza espon- dente). Os treponemas raramente são observados em lesões
taneamente, contudo os espiroquetas disseminam-se pela terciárias.
corrente sanguínea (bacteriemia), atingindo vários órgãos.
Após um a três meses, as lesões da sífilis secundária podem T. pallidum também causa sífilis congênita. O orga-
surgir. Essas lesões manifestam-se como um exantema macu- nismo é transmitido através da placenta, tipicamente após
lopapular, principalmente nas regiões palmares e plantares, o terceiro mês de gestação, podendo ocorrer infecção fetal.
ou como pápulas úmidas na pele e em membranas mucosas. Lesões de pele e ossos são comuns, bem como a hepatosple-
As lesões úmidas observadas na genitália são denominadas nomegalia. A menos que a doença seja prontamente tratada,
condilomas planos. Essas lesões são ricas em espiroquetas e ocorrem abortos ou múltiplas anomalias fetais.
altamente infectantes, todavia também cicatrizam esponta-
neamente. A alopécia em clareira também ocorre. Os sinto- A imunidade contra sífilis é incompleta. São produzidos
mas constitutivos da sífilis secundária incluem febre baixa, anticorpos contra o organismo, mas estes não interrompem
mal estar geral, anorexia, emagrecimento, cefaleia, mialgias a progressão da doença. Pacientes com sífilis precoce que
e linfadenopatia generalizada. Pode haver o envolvimento receberam tratamento podem contrair a sífilis novamente.
de órgãos internos (meningite, nefrite, hepatite, etc.). Es- Pacientes com sífilis tardia são relativamente resistentes à
ses estágios podem ser assintomáticos, mas a doença pode reinfecção.
progredir.
Diagnóstico laboratorial
Cerca de um terço dos casos de sífilis precoce “curam-se”
sem tratamento. Um terço permanece latente, isto é, não Existem três abordagens importantes a serem consideradas.
surgem lesões, porém testes sorológicos positivos indicam a
continuidade da infecção. O período latente pode ser dividi- A. Microscopia
do em estágios precoce e tardio. No período latente preco-
ce, que pode perdurar por um período de um ou dois anos A presença de espiroquetas é demonstrada nas lesões da sí-
após o estágio secundário, os sintomas da sífilis secundária filis primária ou secundária, como cancros ou condilomas
podem reaparecer e o paciente pode infectar terceiros. No planos, por microscopia de campo escuro, ou pelo teste de
anticorpo fluorescente direto (DFA, do inglês, direct fluo-
rescent antibody). Eles não são observados em um esfregaço

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Microbiologia Médica e Imunologia 181

submetido à coloração de Gram. Em espécimes para biópsia, nofluorescência (FTA-ABS)2 ou de hemaglutinação (TPHA,
como aqueles obtidos a partir de gomas observados na sífilis MHA-TP)3, com anticorpos treponema-específicos do soro
terciária, podem ser utilizados corantes histológicos, como do paciente.
saia de prata ou anticorpos fluorescentes.
A quantidade desses anticorpos eleva-se no decorrer de
B. Testes sorológicos inespecíficos 2-3 semanas de infecção; portanto, os resultados do teste são
positivos na maioria dos pacientes com sífilis primária. Es-
Esses testes envolvem o uso de antígenos não treponêmi- ses testes permanecem positivos indefinidamente após o
cos. Extratos de tecidos normais de mamíferos (p. ex., car- tratamento efetivo e não podem ser utilizados para determi-
diolipina de coração bovino) reagem com anticorpos pre- nar a resposta ao tratamento ou a ocorrência de reinfecção.
sentes em amostras de soro de pacientes com sífilis. Esses São de custo mais elevado e de realização mais difícil que os
anticorpos, que consistem em uma mistura de IgG e IgM, testes inespecíficos e, portanto, não são empregados como
são denominados anticorpos “reagina” (ver anteriormente). métodos de varredura.
Testes de floculação, p. ex., teste VDRL (do inglês, Veneral
Disease Research Laboratory, Laboratório de Pesquisas de Tratamento
Doenças Venéreas) e RPR (do inglês, rapid plasma reagin,
reagina plasmática rápida), detectam a presença desses an- A penicilina é efetiva no tratamento de todos os estágios da
ticorpos. Esses testes são positivos na maioria dos casos de sífilis. Uma única injeção de penicilina G benzatina (2,4 mi-
sífilis primária e praticamente sempre positivos na sífilis se- lhões de unidades) pode erradicar T. pallidum e curar a sífilis
cundária. O título desses anticorpos inespecíficos diminui precoce (primária e secundária). Observe que a penicilina ben-
de acordo com a eficácia do tratamento, contrariamente zatina é a forma de penicilina utilizada, uma vez que a penici-
aos anticorpos específicos, que são positivos permanente- lina é liberada de forma muito lenta por esta preparação de de-
mente (ver a seguir). pósito. T. pallidum cresce muito lentamente, sendo necessária
a presença da penicilina em concentração bactericida durante
Reações falso-positivas ocorrem em infecções como semanas. Se o paciente for alérgico à penicilina, a doxiciclina
hanseníase, hepatite B, mononucleose, bem como em várias pode ser utilizada, porém deve ser administrada durante perío-
doenças autoimunes. Portanto, resultados positivos devem dos prolongados a fim de promover a cura. Na neurossífilis,
ser confirmados por testes específicos (ver a seguir). Os re- são administradas altas doses de penicilina G aquosa, devido
sultados de testes inespecíficos geralmente tornam-se nega- à baixa penetração da penicilina benzatina no sistema nervoso
tivos após o tratamento e devem ser utilizados para deter- central. Não foi observada resistência à penicilina. No entanto,
minar a resposta ao tratamento. Esses testes podem também linhagens resistentes à azitromicina emergiram.
ser falsamente negativos como resultado do fenômeno pro-
zona. No fenômeno prozona, o título de anticorpos é mui- Mais da metade dos pacientes com sífilis secundária tra-
to elevado (excesso de anticorpos) e não ocorre floculação. tados com penicilina manifestam febre, calafrios, mialgias e
Mediante a diluição do soro, no entanto, o resultado do teste outros sintomas semelhantes à gripe poucas horas após terem
torna-se positivo (ver Capítulo 64). Esses testes são de baixo recebido o antibiótico. Essa resposta, denominada reação de
custo e de fácil realização e, desse modo, são utilizados como Jarisch-Herxheimer, é atribuída à lise dos treponemas e à
um método de varredura da população quanto à presença liberação de substâncias similares a endotoxinas. Os pacien-
de infecção. Os testes inespecíficos, bem como os testes es- tes devem ser alertados sobre essa possibilidade, bem como
pecíficos (ver a seguir), são descritos em maiores detalhes no sobre a possibilidade de os sintomas citados persistirem por
Capítulo 9. até 24 horas, sendo que o alívio sintomático pode ser obti-
do com aspirina. A reação de Jarisch-Herxheimer também
O diagnóstico laboratorial de sífilis congênita baseia-se ocorre após o tratamento de outras doenças causadas por
na observação de que o recém-nascido apresenta um título espiroquetas, como doença de Lyme, leptospirose e febre re-
de anticorpos mais elevado no teste VDRL que a mãe. Além corrente. O fator de necrose tumoral (TNF, do inglês, tumor
disso, se um resultado positivo do teste VDRL do recém- necrosis factor) é um importante mediador dessa reação, uma
-nascido corresponder a um falso positivo pelo fato de os vez que a imunização passiva com anticorpos contra TNF
anticorpos maternos terem atravessado a placenta, o título pode prevenir seus sintomas.
declinará com o tempo. Se o recém-nascido estiver de fato
infectado, o título permanecerá elevado. Contudo, inde- 2 FTA-ABS, do inglês, fluorescent treponemal antibody-absorbed test,
pendentemente dos resultados do teste VDRL, todo recém- consiste no teste de absorção do anticorpo treponêmico fluorescente.
-nascido cuja a mãe apresente sífilis deve ser submetido a O soro do paciente é absorvido com treponemas não patogênicos a
tratamento. fim de remover anticorpos de reação cruzada antes de reagirem com
T. pallidum.
C. Testes sorológicos específicos 3 TPHA, do inglês, T. pallidum hemagglutination assay, é o ensaio de
hemaglutinação de T. pallidum. MHA-TP é um ensaio de hemagluti-
Esses testes envolvem o uso de antígenos treponêmicos e, nação realizado em uma placa de microtitulação.
portanto, são mais específicos que aqueles descritos anterior-
mente. Nesses testes, T. pallidum reage, em ensaios de imu-

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182 Warren Levinson

Prevenção uma porcentagem muito mais alta de carrapatos I. scapularis
A prevenção depende do diagnóstico precoce e do tratamen- (35-50%) que I. pacificus (aproximadamente 2%). Esse fato
to adequado, do uso de preservativos, da administração de explica a menor incidência da doença na Costa Oeste. O
antibióticos após exposição suspeita, e do acompanhamen- principal reservatório do organismo consiste em mamíferos
to sorológico dos indivíduos infectados e seus contatos. A pequenos, especialmente o camundongo da pata branca, no
presença de qualquer doença sexualmente transmitida tor- qual as ninfas se alimentam.4
na obrigatória a realização do teste para sífilis, uma vez que,
com frequência, várias infecções diferentes são transmitidas Mamíferos grandes, especialmente cervos, correspon-
simultaneamente. Não há vacina contra sífilis. dem a um hospedeiro obrigatório no ciclo de vida do car-
rapato, contudo não são um reservatório importante para o
2. Treponematoses não venéreas organismo.
Existem infecções causadas por espiroquetas virtualmente in-
distinguíveis de T. pallidum. São endêmicas em populações, O estágio ninfal do carrapato transmite a doença com
sendo transmitidas por contato direto. Todas essas infecções maior frequência que os estágios adulto e larval. As ninfas
geram resultados positivos (não treponêmicos e treponêmi- alimentam-se principalmente no verão, o que explica a alta
cos) em testes sorológicos para sífilis. Nenhum desses espiro- incidência da doença neste período. O carrapato deve ali-
quetas foi cultivado em meios bacteriológicos. Estas doenças mentar-se por 24-48 horas para transmitir uma dose infec-
incluem bejel na África, boubas (causadas por T. pallidum tante. Isso significa que a inspeção da pele após a exposição
subespécie pertenue) em vários países tropicais úmidos e pin- pode prevenir a doença. Contudo, as ninfas são bastante pe-
ta (causada por Treponema carateum) na América Central e quenas e podem facilmente passar despercebidas. Não ocorre
América do Sul. Todas podem ser curadas com penicilina. disseminação entre humanos.

BORRELIA A doença ocorre em nível mundial. Nos Estados Uni-
dos, três regiões são as mais afetadas: os estados ao longo da
As espécies de Borrelia são espiroquetas irregulares, em espi- costa do Atlântico Norte, os estados mais ao norte do Cen-
ral relaxada, que se coram prontamente com Giemsa e ou- tro Oeste, p. ex., Wisconsin, e a Costa Oeste, especialmente
tros corantes. Podem ser cultivadas em meios bacteriológicos Califórnia. Em 1996, aproximadamente 80% dos casos re-
contendo soro ou extratos tissulares. São transmitidas por latados ocorreram em quatro estados, Nova York, Connecti-
artrópodes e causam duas doenças importantes, doença de cut, Pensilvânia e Nova Jersey.
Lyme e febre recorrente.
A doença de Lyme é a doença transmitida por carrapa-
1. Borrelia burgdorferi to mais comum nos Estados Unidos. As principais doenças
bacterianas transmitidas por carrapatos nos Estados Unidos
Doença são a doença de Lyme, a febre maculosa das Montanhas
Borrelia burgdorferi causa a doença de Lyme (denominação Rochosas, a erlichiose, a febre recorrente e a tularemia. Os
derivada de uma cidade de Connecticut). A doença de Lyme carrapatos I. scapularis transmitem três doenças: duas doen-
é também conhecida por borreliose de Lyme. A doença de ças bacterianas, a doença de Lyme e a erlichiose granulo-
Lyme é a doença transmitida por carrapato mais comum nos cítica humana, e uma doença causada por protozoários, a
Estados Unidos. babesiose.

Propriedades importantes Patogênese e achados clínicos
B. burgdorferi é um espiroqueta flexível e móvel, que pode
ser visualizado por microscopia de campo escuro e pelo A patogênese está associada à disseminação do organismo
uso dos corantes de Giemsa e sais de prata. Pode ser culti- a partir do sítio da mordedura da pele adjacente, seguida
vado em determinados meios bacteriológicos, porém cul- da disseminação para vários órgãos através da corrente san-
turas rotineiras obtidas a partir de paciente (p. ex., sangue, guínea (bacteriemia), especialmente coração, articulações e
liquor) são tipicamente negativas. Contrariamente, a cul- sistema nervoso central. Não foram identificadas exotoxinas,
tura do organismo a partir do vetor carrapato é geralmente enzimas ou outros fatores de virulência importantes.
positiva.
Os achados clínicos foram divididos em três estágios; en-
Transmissão e epidemiologia tretanto, essa é uma doença progressiva, e os estágios não são
B. burgdorferi é transmitido pela picada de carrapato. O car- distintos. No estágio 1, o achado mais comum consiste em
rapato Ixodes scapularis corresponde ao vetor na Costa Les- eritema migratório crônico (também denominado eritema
te e Centro Oeste dos Estados Unidos; Ixodes pacificus está migratório), uma erupção circular de coloração vermelha
envolvido na Costa Oeste. O organismo é encontrado em com uma região central clara, disseminada, e não prurigino-
sa no sítio da mordedura. Tanto a mordedura do carrapato

4 Na Califórnia, o rato do mato é o principal reservatório e um segun-
do carrapato, Ixodes neotomae, perpetua a infecção no rato do mato,
porém não transmite a infecção para humanos.

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Microbiologia Médica e Imunologia 183

como o eritema são indolores. A erupção pode, embora não Antibióticos profiláticos devem ser administrados a pes-
necessariamente, ser acompanhada por sintomas inespecífi- soas picadas por carrapato? A decisão depende de dois fatores
cos similares aos da gripe, como febre, calafrios, fadiga e ce- principais: a porcentagem de carrapatos infectados na região
faleia. Lesões cutâneas secundárias frequentemente ocorrem. e o período de tempo no qual o carrapato alimentou-se no
Artralgias, porém não artrite, correspondem a outro achado indivíduo. Quando a porcentagem de carrapatos infectados
comum no estágio precoce. Em aproximadamente 25% dos é elevada e o tempo for superior a 48 horas, pode ser con-
casos da doença de Lyme, não se observa o eritema. veniente a prescrição profilática de doxiciclina. Qualquer
indivíduo que tenha sofrido picada por carrapato deve ser
No estágio 2, que ocorre após semanas ou meses, predo- alertado a observar cuidadosamente o surgimento de uma
mina o envolvimento cardíaco e neurológico. A miocardite, erupção ou sintomas semelhantes à gripe durante as 3 sema-
acompanhada por várias formas de bloqueio cardíaco, ocor- nas seguintes.
re. Meningite aguda (asséptica) e neuropatia craniana, como
paralisia do nervo facial (paralisia de Bell), são proeminentes Já existiu uma vacina contendo uma proteína de super-
durante esse estágio. Neuropatias periféricas também ocor- fície externa recombinante (OspA) de B. burgdorferi como
rem. Tipicamente, segue-se uma fase latente que perdura imunógeno, mas deixou de ser comercializada.
por semanas ou meses. No estágio 3, a artrite, geralmente de
grandes articulações, por exemplo, joelhos, é um achado ca- 2. Borrelia recurrentis e Borrelia hermsii
racterístico. Acredita-se que a artrite de Lyme apresente ori-
gem autoimune. Ocorre também doença progressiva crônica Borrelia recurrentis, Borrelia hermsii e várias outras borré-
do sistema nervoso central. lias causam febre recorrente. Durante a infecção, os antí-
genos desses organismos sofrem variação. À medida que
Diagnóstico laboratorial são desenvolvidos anticorpos contra um antígeno, variantes
emergem e provocam recorrências da doença, o que pode
Embora o organismo possa ser cultivado em laboratório, as repetir-se por 3-10 vezes.
culturas raramente são positivas e, portanto, geralmente não
são realizadas. O diagnóstico é realizado sorologicamente B. recurrentis é transmitida interpessoalmente pelo pio-
pela detecção de anticorpos IgM ou de uma elevação no tí- lho corporal humano. Os humanos são os únicos hospedei-
tulo de anticorpos IgG por meio de ensaio imunoabsorvente ros. B. hermsii e várias outras espécies de Borrelia são trans-
ligado a enzimas (ELISA) ou um teste de imunofluorescên- mitidas aos humanos por carrapatos moles (Ornithodoros).
cia indireta. A IgM é tipicamente detectável 2 semanas após Roedores e outros animais pequenos são os principais reser-
a infecção, atingindo valor mais elevado em 3-6 semanas. vatórios. Essas espécies de Borrelia são transmitidas transova-
Testes sorológicos realizados antes de 2 semanas provavel- rianamente nos carrapatos, fenômeno que desempenha im-
mente apresentem resultados negativos. Após 30 dias de in- portante papel na manutenção do organismo na natureza.
fecção, os testes para detecção de IgG são mais confiáveis.
Durante a infecção, a picada do artrópode introduz os
Infelizmente, existem problemas em relação à es- espiroquetas, que então se multiplicam em vários tecidos,
pecificidade e sensibilidade desses testes, em virtude da causando febre, calafrios, cefaleias e disfunção de múltiplos
presença de anticorpos de reação cruzada contra espiro- órgãos. Cada ataque termina quando surgem os anticorpos.
quetas da microbiota normal. Um teste positivo deve ser
confirmado por uma análise de Western blot. Além disso, O diagnóstico é usualmente realizado diante da obser-
pacientes tratados precocemente podem não desenvolver vação de grandes espiroquetas em esfregaços corados de san-
anticorpos detectáveis. Um teste de PCR (reação de poli- gue periférico. Eles podem ser cultivados em meios especiais.
merização em cadeia, do inglês, polymerase chain reaction) Testes sorológicos raramente mostram-se úteis. A tetracicli-
capaz de detectar o DNA do organismo também se encon- na pode ser benéfica precocemente na doença, assim como
tra disponível. pode prevenir recorrências. A melhor forma de prevenção
consiste em evitar os vetores artrópodes.
Tratamento e prevenção
LEPTOSPIRA
O tratamento de escolha para a doença no estágio 1 ou ou-
tras manifestações brandas consiste em doxiciclina ou amo- Os leptospiras são espiroquetas delgados, intensamente espi-
xicilina. Para as formas mais severas ou nos estágios tardios ralados, que não são corados por corantes, porém visualiza-
da doença, recomenda-se o uso de ceftriaxona. Não há re- dos por microscopia de campo escuro, e crescem em meios
sistência significativa a antibióticos. A prevenção centra-se bacteriológicos contendo soro.
no uso de vestimentas protetoras e repelentes. O exame
cuidadoso da pele para verificar a presença de carrapatos é Leptospira interrogans é o agente da leptospirose. Divi-
também muito importante, uma vez que o carrapato deve de-se em sorogrupos encontrados em diferentes animais e
alimentar-se por 24-48 horas para transmitir uma dose in- localizações geográficas. Cada sorogrupo é subdividido em
fectante. sorovares de acordo com a resposta a testes de aglutinação.

Os leptospiras infectam animais variados, incluindo ra-
tos e outros roedores, animais de criação domésticos e ani-
mais de estimação. Nos Estados Unidos, os cães correspon-

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184 Warren Levinson

dem ao reservatório mais importante. Os animais excretam títulos de anticorpos IgM. Ocasionalmente, leptospiras são
leptospiras na urina, a qual contamina a água e o solo. A na- isoladas a partir de culturas de sangue e urina.
tação em água contaminada ou o consumo de alimentos ou
bebidas contaminados podem resultar em infecção humana. A penicilina G é tratamento de escolha. Não há resistên-
Ocorreram surtos dentre os participantes de triatlo e com- cia significativa a antibióticos. A prevenção envolve princi-
petições de aventura envolvendo natação em águas contami- palmente evitar o contato com o ambiente contaminado. A
nadas. Mineiros, fazendeiros e indivíduos que trabalham em doxiciclina é efetiva na prevenção da doença em indivíduos
redes de esgoto exibem risco elevado. Nos Estados Unidos, a expostos.
população urbana de baixa renda exibe alta taxa de infecção,
conforme determinado pela presença de anticorpos. A trans- OUTROS ESPIROQUETAS
missão interpessoal é rara.
Espiroquetas saprófitas anaeróbios são proeminentes na mi-
A infecção humana ocorre quando leptospiras são in- crobiota normal da cavidade oral humana. Tais espiroquetas
geridas ou atravessam as membranas mucosas ou pele. Os participam de infecção mistas por anaeróbios, mordeduras
organismos circulam pelo sangue e multiplicam-se em vários humanas infectadas, úlceras de estase, etc..
órgãos, produzindo febre e disfunção hepática (icterícia), re-
nal (uremia), pulmonar (hemorragia), e do sistema nervoso Spirillum minor causa um tipo de febre da mordedura
central (meningite asséptica). A enfermidade é tipicamente de rato em humanos. Streptobacillus moniliformis, um bacilo
bifásica, com febre, calafrios, cefaleia intensa e sufusão con- gram-negativo, também causa febre da mordedura de rato
juntiva (vermelhidão difusa da conjuntiva), manifestando-se (ver maiores informações no Capítulo 27.).
precocemente na doença, seguidos por um curto período
de desaparecimento destes sintomas à medida que os orga- RESUMOS DOS ORGANISMOS
nismos deixam o sangue. A segunda fase, a fase “imune”,
é frequentemente caracterizada pelos achados de meningite Resumos breves sobre os organismos descritos neste capítulo
asséptica e, em casos severos, dano hepático (icterícia) e insu- iniciam-se na página 499. Favor consultar esses resumos para
ficiência renal. A imunidade sorovar-específica desenvolve-se uma rápida revisão do material essencial
com a infecção.
QUESTÕES PARA ESTUDO
O diagnóstico baseia-se no histórico de possível exposi-
ção, sinais clínicos sugestivos e um aumento acentuado nos As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
gia clínica) e Teste seu conhecimento.

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Clamídias 25

As clamídias são organismos intracelulares obrigatórios, isto último sofre fissão binária repetida, originando corpos ele-
é, crescem somente no interior de células. São os agentes de mentares filhos, os quais são liberados pela célula. No interior
doenças sexualmente transmitidas comuns, como uretrite e das células, o sítio de replicação apresenta-se como um corpo
cervicite, bem como outras infecções, como pneumonia, psi- de inclusão, o qual pode ser corado e visualizado ao micros-
tacose, tracoma e linfogranuloma venéreo. cópio (ver Prancha Colorida 14). Essas inclusões são úteis na
identificação desses organismos no laboratório clínico.
Doenças
Todas as clamídias compartilham um antígeno polissa-
Chlamydia trachomatis causa infecções oculares e dos tratos carídico grupo-específico, o qual é detectado por testes de
respiratório e genital. C. trachomatis é a causa mais comum fixação do complemento. Elas também possuem antígenos
de doença sexualmente transmitida nos Estados Unidos. (proteínas) espécie-específicos e imunotipo-específicos, os
Chlamydia pneumoniae (anteriormente denominada linha- quais são detectados por imunofluorêscencia. C. psittaci e
gem TWAR) causa pneumonia atípica. C. psittaci é o agente C. pneumoniae apresentam 1 imunotipo cada, enquanto C.
da psitacose (Tabela 25-1). trachomatis exibe pelo menos 15 imunotipos.

C. pneumoniae e C. psittaci apresentam suficientes di- Transmissão e epidemiologia
ferenças moleculares em relação a C. trachomatis, de modo
que foram reclassificadas em um novo gênero denominado C. trachomatis infecta apenas humanos, sendo geralmente
Chlamydophila. Taxonomicamente, esses organismos hoje transmitida por contato pessoal próximo, por exemplo, se-
são Chlamydophila pneumoniae e Chlamydophila psittaci. No xualmente ou pela passagem através do canal de parto.
entanto, do ponto de vista médico, ainda são conhecidos Indivíduos com infecções assintomáticas do trato genital
como Chlamydia pneumoniae e Chlamydia psittaci, que serão correspondem a um importante reservatório de infecção
as denominações utilizadas neste livro. para terceiros. No tracoma, C. trachomatis é transmitida
pelo contato entre dedos e olhos ou entre fômites e olhos.
Propriedades importantes C. pneumoniae infecta somente humanos, sendo transmiti-
da interpessoalmente por aerossóis. C. psittaci infecta aves e
As clamídias são bactérias intracelulares obrigatórias, in- diversos mamíferos. Os humanos são infectados principal-
capazes de produzir energia suficiente para o crescimento mente pela inalação de organismos presentes em fezes resse-
independente, e, por essa razão, capazes de crescer apenas no cadas de aves.
interior de células hospedeiras. Apresentam parede celular
rígida, mas não têm uma típica camada de peptideoglica- A doença sexualmente transmitida causada por C. tra-
no. Suas paredes celulares são similares àquelas de bactérias chomatis ocorre em nível mundial, porém o tracoma ocorre
gram-negativas, mas desprovidas de ácido murâmico. com maior frequência nos países em desenvolvimento, em
regiões secas e quentes, como norte da África. O tracoma
As clamídias apresentam um ciclo replicativo diferente corresponde à principal causa de cegueira nestes países.
das demais bactérias. O ciclo é iniciado quando o corpo ele-
mentar extracelular, metabolicamente inerte e semelhante a Pacientes acometidos por uma doença sexualmente
um “esporo” penetra na célula e reorganiza-se em um corpo transmitida são coinfectados por C. trachomatis e Neisseria
reticulado maior e metabolicamente ativo (Figura 25-1). Este gonorrhoeae em aproximadamente 10-30% dos casos.

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186 Warren Levinson

Tabela 25-1 Clamídias de importância médica

Espécie Doença Hospedeiro Mecanismo de Número de tipos Diagnóstico Tratamento
natural transmissão a imunológicos

humanos

C. trachomatis Uretrite, pneumo- Humanos Contato sexual; trans- Mais de 15 Inclusões em células epi- Tetraciclina,
nia, conjuntivite, missão perinatal teliais, observados por eritromicina
coloração de Giemsa ou
linfogranuloma ve- Gotículas respiratórias 1 imunofluorescência; tam-
néreo, tracoma Inalação de fezes res- 1 bém por cultura celular

C. pneumoniae Pneumonia atípica Humanos secadas de aves Teste sorológico Tetraciclina

C. psittaci Psitacose (pneu- Aves Teste sorológico (cultura ce- Tetraciclina
monia) lular raramente realizada)

Patogênese e achados clínicos ca endêmica na África e na Ásia. O tracoma pode recorrer ao
longo de vários anos e pode levar à cegueira, porém não causa
As clamídias infectam principalmente as células epiteliais enfermidade sistêmica. Os tipos D-K causam infecções do
das membranas mucosas ou os pulmões. Raramente causam trato genital que ocasionalmente são transmitidas aos olhos
infecções invasivas e disseminadas. C. psittaci infecta prin- ou ao trato respiratório. Em homens, C. trachomatis é uma
cipalmente os pulmões. A infecção pode ser assintomática causa comum de uretrite não gonocóccica (frequentemente
(detectada somente por um elevação no título de anticorpos) abreviada por UNG), que pode progredir para epididimite,
ou pode causar febre alta e pneumonia. Em geral, a psitacose prostatite ou proctite. Em mulheres, desenvolve-se cervici-
humana não é transmissível. C. pneumoniae causa infecções te, podendo progredir para salpingite e doença inflamatória
do trato respiratório superior e inferior, especialmente bron- pélvica (DIP). Episódios repetidos de salpingite ou de DIP
quite e pneumonia, em adultos jovens. podem resultar em infertilidade ou gravidez ectópica.

C. trachomatis apresenta mais de 15 imunotipos (A-L). Crianças nascidas de mães infectadas frequentemente
Os tipos A, B, e C causam tracoma, uma conjuntivite crôni- desenvolvem conjuntivite mucopurulenta (conjuntivite de

Corpo elementar Adesão e entrada
extracelular infectante do corpo elementar

Liberação Núcleo da célula

Formação do
corpo reticulado

A multiplicação Multiplicação de corpos
é interrompida reticulados por fissão binária

Corpos reticulados

Corpos elementares

Desenvolvimento de Reorganização de
uma grande inclusão corpos reticulados em corpos elementares
citoplasmática

Figura 25-1 Ciclo de vida de Chlamydia. O corpo elementar inerte e extracelular penetra em uma célula epitelial e transforma-se em
um corpo reticulado, o qual se divide por fissão binária. Os corpos reticulados filhos transformam-se em corpos elementares e são libe-

rados pela célula epitelial. O corpo de inclusão citoplasmático, característico de infecções clamidiais, consiste em vários corpos elemen-
tares e reticulados filhos. (Modificado e reproduzido, com permissão, de Ryan K et al: Sherris Medical Microbiology, 3rd ed. Originalmente
publicado por Appleton e Lange. Copyright © 1994 por The McGraw-Hill Companies, Inc.)

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Microbiologia Médica e Imunologia 187

inclusão neonatal) 7-12 dias após o parto, e algumas desen- C. trachomatis, uma vez que a frequência de infecção é tão
volvem pneumonite clamidial 2-12 semanas após o nasci- elevada que vários indivíduos já apresentam anticorpos.
mento. A conjuntivite clamidial também ocorre em adultos
como resultado da transferência dos organismos a partir da Tratamento
genitália para os olhos. Pacientes com infecções genitais cau- Todas as clamídias são suscetíveis a tetraciclinas, como doxi-
sadas por C. trachomatis apresentam uma alta incidência de ciclina, e a macrolídeos, como eritromicina e azitromicina.
síndrome de Reiter, que se caracteriza por uretrite, artri- A azitromicina é o fármaco de escolha para doenças sexual-
te e uveíte. A síndrome de Reiter é uma doença autoimune mente transmitidas causadas por C. trachomatis. Uma vez
causada pela reação cruzada entre os anticorpos formados que a taxa de coinfecção por gonococos e C. trachomatis é
contra C. trachomatis e os antígenos das células da uretra, elevada, qualquer paciente com diagnóstico de gonorreia
articulações e trato uveal (ver Capítulo 66). deve também ser tratado para C. trachomatis com azitro-
micina.
C. trachomatis dos imunotipos L1-L3 causam linfogra-
nuloma venéreo, uma doença sexualmente transmitida que A eritromicina é o fármaco escolhido para o tratamento
apresenta lesões na genitália e nos linfonodos. da conjuntivite de inclusão neonatal. O fármaco de escolha
para tratar infecções por C. psittaci e C. pneumoniae, bem
A infecção por C. trachomatis leva à formação de anti- como para o linfogranuloma venéreo, consiste em uma te-
corpos e reações mediadas por células, porém não promove traciclina, como doxiciclina.
resistência à reinfecção nem eliminação dos organismos.
Prevenção
Diagnóstico laboratorial Não há vacina contra qualquer doença clamidial. A melhor
medida preventiva contra doenças sexualmente transmitidas
As clamídias formam inclusões citoplasmáticas que podem causadas por C. trachomatis consiste em limitar a transmis-
ser visualizadas mediante o uso de corantes especiais (p. ex., são pelo pronto tratamento tanto do paciente como dos
corante de Giemsa) ou imunofluorescência. A coloração parceiros sexuais, incluindo os indivíduos assintomáticos.
de Gram não é útil. Em exsudatos, o organismo pode ser Os contatos sexuais devem ser localizados e aqueles que
identificado no interior de células epiteliais pela coloração mantiveram contato no decorrer de um período de 60 dias
com anticorpos fluorescentes ou pela hibridização com uma devem ser tratados. Com frequência, vários tipos de doenças
sonda de DNA. Os antígenos clamidiais podem também sexualmente transmitidas estão presentes de forma simultâ-
ser detectados em exsudatos ou na urina por ELISA (ensaio nea. Desse modo, o diagnóstico de uma dessas requer uma
imunoabsorvente ligado a enzima). Um teste com base na pesquisa por outros agentes etiológicos. A administração de
reação de polimerização em cadeia (PCR, do inglês, poly- eritromicina a crianças recém-nascidas de mães infectadas
merase chain reaction) utilizando urina do paciente também pode prevenir a conjuntivite de inclusão e pneumonite cau-
pode ser utilizado para o diagnóstico de doença clamidial sadas por C. trachomatis.
sexualmente transmitida. Atualmente, os testes que não en-
volvem a cultura são mais frequentemente realizados que os A psitacose em humanos é controlada restringindo-se a
testes baseados na cultura. importação de aves psitacinas, a eliminação de aves doentes,
e adição de tetraciclina à ração das aves. Perus e patos do-
As clamídias podem ser cultivadas em culturas celulares mésticos são testados quanto à presença de C. psittaci.
tratadas com cicloheximida, que inibe a síntese proteica das
células hospedeiras, mas não das clamídias, intensificando, RESUMOS DOS ORGANISMOS
assim, a replicação clamidial. Em cultura, C. trachomatis for-
ma inclusões contendo glicogênio, enquanto C. psittaci e C. Resumos breves sobre os organismos descritos neste capítulo
pneumoniae formam inclusões que não contêm o glicogênio. iniciam-se na página 500. Favor consultar esses resumos para
As inclusões contendo glicogênio são visualizadas pela co- uma rápida revisão do material essencial
loração com iodo. Exsudatos derivados dos olhos, do trato
respiratório ou do trato genital originam culturas positivas QUESTÕES PARA ESTUDO
em aproximadamente metade dos casos.
As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem
Testes sorológicos são utilizados para o diagnóstico de ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo-
infecções por C. psittaci e C. pneumoniae, entretanto rara- gia clínica) e Teste seu conhecimento.
mente são úteis para o diagnóstico de doença causada por

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