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Segmento 3 – CIÊNCIAS HUMANAS E
SUAS TECNOLOGIAS - HISTÓRIA
DITADURA CIVIL-MILITAR NO BRASIL (1964-
1985)
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A turbulência dos anos 60
Para entender a implantação de uma série
de ditaduras militares na América Latina nos
anos 60 e 70 é necessária uma análise da
conjuntura política da época.
A Guerra Fria estava em seu auge e os
países mais poderosos, Estados Unidos e URSS
disputavam palmo a palmo a hegemonia
mundial. Em 1959 Cuba fez uma Revolução na
qual derrubara Fulgêncio Batista do poder,
sendo que este era um grande aliado dos
Estados Unidos. Em um primeiro momento,
Fidel Castro e seus companheiros rejeitaram a
ajuda dos comunistas/socialistas na Revolução.
Somente após cortar relações com os Estados
Unidos e aceitar e ajuda soviética, Castro
declara que a ilha caribenha estava sob um
regime socialista.
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Os Estados Unidos encararam esta
aproximação como uma ameaça a sua
soberania, operando com uma série de medidas
para repelir a “ameaça socialista” do
continente. Em um primeiro momento fundou,
em parceria com países latino-americanos, a
Aliança para o Progresso, trazendo uma espécie
de ajuda para países subdesenvolvidos.
Todavia, a gestão do presidente João
Goulart não agradava o presidente John
Kennedy. Jango havia sido Ministro do Trabalho
de Getúlio Vargas e à
época havia concedido
um reajuste de 100% no
salário mínimo,
provocando a ira da
classe empresarial, o que
custou seu cargo no Presidente João Goulart discursa ao
lado da esposa Maria Tereza no
governo. Comício da Central do Brasil, em 13 de
março de 1964. Disponível em:
https://cpdoc.fgv.br Acesso em: 22
mar. 2019
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Por ter herdado a tradição trabalhista de
Vargas, Jango era visto como um simpatizante
de ideias de esquerda, o que no contexto da
Guerra Fria significava uma afronta aos Estados
Unidos. Após anunciar em um comício na
Central do Brasil uma série de medidas
consideradas populistas, a situação de seu
governo ficou insustentável, resultando em
inúmeros protestos por parte de setores
conservadores.
Algumas reformas anunciadas por Jango no
comício da Central do Brasil:
- Encampação (estatização) de refinarias;
- Reforma universitária
- Reforma agrária
- Reforma bancária (facilitar acesso a crédito
pelos produtores)
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Em um golpe civil-militar, os governadores
Carlos Lacerda (Guanabara), Magalhães Pinto
(Minas Gerais) e Adhemar de Barros (São Paulo)
conspiraram junto a generais contrários a
Jango, sendo que entre 31 de março e 1 de abril
os militares assumiram o poder e o presidente
João Goulart embarcou em um voo para o Rio
Grande do Sul e, posteriormente, ao Uruguai.
Não houve qualquer resistência ao golpe.
De forma simplificada, pode-se dividir o regime em 3 fases:
de 1964 a 1968 houve uma aproximação com os Estados
unidos, com relativa liberdade de manifestação. O período
entre 1968 e 1974 é conhecido como “anos de chumbo”, com
repressão a manifestações, censura, tortura e um
enfrentamento às guerrilhas urbanas. Também se inicia um
progressivo afastamento político dos Estados Unidos. De
1974 a 1985 há uma abertura “lenta, gradual e segura”,
comandada pelos próprios militares. O então Presidente dos
Estados Unidos, Jimmy Carter, inicia uma campanha em
defesa dos direitos humanos, mostrando-se contrário às
práticas de tortura das ditaduras sul-americanas. Ao final do
período a população exigia a realização de eleições diretas
para presidente.
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Atos institucionais
Os atos institucionais eram decretos de
exceção, que davam ao Estado prerrogativas
que atropelavam a constituição. Ao todo foram
decretados 17 atos institucionais, tendo sido
regulamentados por 104 atos complementares.
Destacamos aqui alguns deles:
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AI-1 – Criado em 1964, dava ao Executivo poder
para alterar a constituição, cassar casas
legislativas, suspendia direitos políticos por até dez
anos (os ex-presidentes Juscelino Kubitschek, Jânio
Quadros e João Goulart, por exemplo, foram
afetados pela medida) e determinava eleições
indiretas para Presidente da República.
AI-2- Criado em 1965, dissolvia todos os partidos
políticos e determinou que o Presidente da
República poderia decretar estado de sítio por 180
dias sem consultar o congresso, dentre outras
medidas. Com o ato complementar 4, determinou-
se a criação de dois partidos políticos, Aliança
Renovadora Nacional (Arena) e Movimento
Democrático Brasileiro (MDB). A ARENA
representava os militares; já o MDB era um partido
de oposição controlado pelo regime militar.
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AI-5 – Criado em 13 de dezembro de 1968, foi
pensado para combater os crescentes protestos
pelo país, sobretudo pelo movimento estudantil.
Este é considerado o mais repressivo dos atos,
concedendo ao Presidente da República a
prerrogativa de cassar mandatos, suspender
direitos políticos de qualquer pessoa. Também
suspendeu o habeas corpus para crimes políticos.
Uma consequência do ato foi a censura em jornais,
revistas, músicas e outras obras consideradas
“subversivas”.
As Guerrilhas Rurais
Inspirados nas teorias de Ernesto “Che”
Guevara e Mao Zedong, grupos de militantes de
esquerda tentaram implantas guerrilhas
camponesas no Brasil, com o objetivo de
derrubar o regime militar e implantar um
governo de esquerda. As tentativas mais
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famosas foram na Serra do Caparaó, em Minas
Gerais, no Vale da Ribeira, em São Paulo e na
região baixa do Araguaia, no Pará. A primeira
teve curta duração, devido à rápida intervenção
das formas do governo. A segunda, liderada
pelo capitão Carlos Lamarca (que havia
desertado do exército) resistiu por mais tempo,
mas sem grande
apoio logístico,
acabou caindo, sendo
que Lamarca foi
morto no sertão
baiano, após ter
fugido das forças de
repressão. Lamarca com sua companheira Iara
Iavelberg. Disponível em: <cahis-
A Guerrilha do uerj.blogspot.com>. Acesso em: 15 abr.
2019.
Araguaia foi
descoberta pelo governo em 1972 e destruída
somente em 1975. Seu isolamento, no meio da
floresta amazônica, contribuiu tanto para a
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demora do governo em acabar com o
movimento quanto para a impossibilidade de
sucesso dos guerrilheiros.
As guerrilhas urbanas
O fracasso da guerrilha rural contrastou
com o relativo sucesso da guerrilha urbana, uma
experiência quase sem precedentes no mundo.
Um dos mentores das guerrilhas urbanas
foi Carlos Marighella, um dissidente do PCB,
fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN),
cujos métodos de combate incluíam assaltos a
bancos (chamados de expropriações) para
financiar a compra de armas e treinamento,
bem como o sequestro de diplomatas
estrangeiros como método de negociação para
a soltura de companheiros presos.
Em um primeiro momento as forças
armadas sofreram vários reveses, pois
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utilizavam a estrutura
pesada de combate à
guerrilha rural, como
helicópteros e tropas
especiais. A guerrilha
urbana tinha uma grande
mobilidade, agindo em
pequenos grupos. Foi aí
que as forças da
repressão passaram a Capa do “manual do guerrilheiro
urbano”, de Carlos Marighella.
utilizar métodos de Disponível em:
<www.amazon.com.br>. Acesso em:
inteligência para 15 abr. 2019.
desbaratar a rede de
contatos, por meio de repressão e tortura.
Desta forma, chegaram a Marighella. Após ter
sido pego em uma emboscada o líder da ALN foi
assassinado em novembro de 1969.
Disputa de narrativas
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Nos últimos anos tem-se levantado uma
série de discussões acerca deste controverso
período de nossa história. Aqueles que
defendem o regime e até mesmo contestam o
fato de ter havido uma ditadura alegam que a
economia cresceu muito no período e os
militares salvaram o brasil do “comunismo”.
Aqueles contrários ao regime citam a falta de
liberdade, censura, torturas e mortes. Ocorre,
que ao analisar um período histórico, é possível
e até mesmo comum que haja ambiguidades.
Sobre esta disputa de narrativas, Elio
Gaspari – autor de cinco volumes sobre o
regime – argumenta que houve tanto expansão
da economia quanto torturas:
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“Ao tratar das sevícias, Gaspari diz que ‘o regime
fazia da tortura de presos seu instrumento primordial
de investigação, vangloriava-se de seus resultados e
não pretendia mudar de posição’. De 1964 até 1968,
foram apresentadas 308 denúncias de tortura por
presos políticos nos tribunais militares do país. Em
1969, elas somavam 1.027, chegando a 1.206 em 1970.
Essa linha, imposta pelo presidente Emílio Garrastazu
Médici (1969-1974), corria paralela a uma forte
expansão econômica em todo o país. Em 1973, auge da
repressão, o PIB brasileiro crescia 14%, índice nunca
antes registrado. Era o chamado “milagre econômico”.
O “milagre econômico” e os “anos de chumbo” foram
simultâneos, mostra Gaspari no livro: ‘Ambos reais,
coexistiram negando-se. Quem acha que houve um,
não acredita (ou não gosta de admitir) que houve o
outro’”.
Disponível em: <http://arquivosdaditadura.com.br/livro/2-ditadura-
escancarada> . Acesso em: 22 mar. 2019
,
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Da abertura “lenta, gradual e segura” ao
colapso econômico
Ao assumir a presidência em março de
1974, o general Ernesto Geisel assumiu o
compromisso de realizar uma abertura “lenta,
gradual e segura”. O discurso de Geisel não era
fortuito: o regime entrava em seu décimo ano,
sofrendo um desgaste natural. O chamado
“milagre econômico” também mostrava sinais
de desgaste, uma vez que era impossível
manter o crescimento de mais de 10% do PIB
como estava ocorrendo nos últimos anos.
A despeito de Geisel e seu braço direito, o
general Golbery do Couto e Silva trabalharem
no desmonte do aparelho repressivo, a
violência não diminuiu. Em outubro de 1975
Wladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV
Cultura de São Paulo se apresentou
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voluntariamente no DOI- Herzog assassinado. Os militares
CODI para prestar alegaram que ele havia se
esclarecimentos; apesar enforcado na prisão. Como pode
disso foi assassinado pelas ser observado na fotografia, não
forças de repressão. havia altura suficiente para o preso
cometer suicídio. Disponível em:
No Paraná, em 1975 <politica.estadao.com.br>. Acesso
foi desencadeada a maior em: 15 abr. 2019
operação da ditadura no
estado, a Operação
Marumbi, cujo objetivo
era desbaratar o partido
comunista, que mal
Quartel da Praça Rui Barbosa, visto do edifício Paranaense em 1968. À época foi utilizado
por agentes da repressão para sessões de tortura. Hoje o prédio abriga a rua da cidadania.
Disponível em: www.ditaduraemcuritiba.com.br>. Acesso em: 15 abr. 2019.
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conseguia se reorganizar à época. A operação
prendeu mais de cem pessoas, sendo que várias
delas foram submetidas a sessões de tortura.
Elaborando o cronograma de abertura
política, em 1978 Geisel anistiou os presos
políticos, abrandou a Lei de Segurança Nacional
e revogou, em dezembro de 1978 o AI-5.
Seu sucessor, João Baptista Figueiredo
continuou a abertura política, ao mesmo tempo
em que a crise econômica se alastrava.
Em 1984 uma série de manifestações
tomou conta do país: começavam os comícios
pelas “diretas já!”. Apesar do grande empenho
tanto do povo quanto de parte da classe política
em aprovar uma emenda constitucional para
eleições diretas para Presidente da República –
a emenda Dante Oliveira – esta fracassou. O
primeiro presidente civil seria escolhido de
modo indireto.
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A cidade de Curitiba abrigou o primeiro comício das “diretas já!”. Fotografia tirada na “Boca
Maldita”. Disponível em: <www.ditaduraemcuritiba.com.br>. Acesso em: 15 abr. 2019.
Para arrasar no Enem:
Site “Ditadura em Curitiba”. Portal criado pelo
historiador Luiz Gabriel da Silva sobre a ditadura
civil-militar em Curitiba. Contém uma relação
dos locais marcantes tanto da repressão quanto
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da resistência ao regime. Acesse:
www.ditaduraemcuritiba.com.br
Site “Documentos Revelados”. Portal contendo
documentos sobre a ditadura civil-militar no
Brasil, como relatórios de perseguições a presos
políticos. Acesse:
https://www.documentosrevelados.com.br/
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
_____________. A Ditadura Escancarada. 2.ed.rev.
Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
_____________. A Ditadura Derrotada. 2.ed.rev. Rio
de Janeiro: Intrínseca, 2014.
_____________. A Ditadura Encurralada. 2.ed.rev.
Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
LAMARÃO, Sérgio. A conjuntura de radicalização
ideológica e o golpe militar: Comício das Reformas.
Disponível em:
20
<https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/ACon
junturaRadicalizacao/Comicio_das_reformas> Acesso em:
22 mar. 2019
NAPOLITANO, Marcos, 1964: História do regime
militar brasileiro. São Paulo: contexto, 2014
REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no
Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio
de Janeiro: Zahar, 2014.
VICENTINO, Cláudio. DORIGO, Gianpaolo. História
para o Ensino Médio. São Paulo: Scipione, 2008.
VICENTINO, Cláudio; VICENTINO, José Bruno. Olhares
da História: Brasil e mundo. São Paulo: Scipione, 2017.
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