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Coletânea das Revistas publicadas em 1864, organizada pela FEB - Federação Espírita Brasileira.
O relato das manifestações dos Espíritos; notícias relativas ao
Espiritismo e o ensino dos Espíritos sobre as coisas do mundo visível e do invisível.

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Published by Evoluir, 2017-03-20 17:30:55

Revista Espírita - 1864

Coletânea das Revistas publicadas em 1864, organizada pela FEB - Federação Espírita Brasileira.
O relato das manifestações dos Espíritos; notícias relativas ao
Espiritismo e o ensino dos Espíritos sobre as coisas do mundo visível e do invisível.

Keywords: Revista Espírita,Allan Kardec,Fenômenos Espíritas,Notícias do Espiritismo,Ensino dos Espíritos

REVISTA ESPÍRITA

Os que conhecem Hillaire igualmente puderam
convencer-se de que ele seria um charlatão ainda mais desastrado.
Nunca seria demais repetir: o móvel do charlatanismo é sempre o
interesse; onde não há nada a ganhar o charlatanismo não tem
objetivo; onde teria a perder, seria uma estupidez. Ora, que
proveito material tirou Hilário de suas faculdades? Muitas fadigas,
uma grande perda de tempo, aborrecimentos, perseguições,
calúnias. O que ganhou, e para ele não tem preço, foi uma fé viva
em Deus, que antes não tinha, uma fé em sua bondade, na
imortalidade da alma e na proteção dos Espíritos bons. Não é este,
exatamente, o fruto visado pelo charlatanismo. Mas ele sabe,
também, que essa proteção não se obtém senão se melhorando; é
o que se esforça por fazer, e o que, também, não interessa aos
charlatães. É, igualmente, o que o faz suportar com paciência as
vicissitudes e as privações.

Em semelhantes casos, uma garantia de sinceridade
está, pois, no absoluto desinteresse. Antes de acusar um homem de
charlatanismo, é preciso perguntar que proveito pode tirar em
enganar os outros, pois os charlatães não são tolos a ponto de nada
ganhar e, ainda menos, de perder, ao invés de ganhar. Assim, os
médiuns têm uma resposta peremptória a dar aos detratores,
perguntando-lhes: Quanto me pagaram para fazer o que faço? Uma
garantia não menos significativa e susceptível de causar viva
impressão é a reforma de si mesmo. Só uma profunda convicção
pode levar um homem a vencer-se, a desembaraçar-se do que tem
de mau, a resistir aos perniciosos arrastamentos. Então, já não é
apenas a faculdade que se admira, mas a pessoa que se respeita e se
impõe à zombaria.

As manifestações obtidas por Hillaire são, para ele, uma
coisa santa; considera-as como um favor de Deus. Os sentimentos
que elas lhe inspiram estão resumidos nas seguintes palavras,
extraídas do livro do Sr. Bez:

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AGOSTO DE 1864

“O rumor desses novos fenômenos espalhou-se por
toda parte com a rapidez do relâmpago. Todos os que, até então,
ainda não haviam assistido a manifestações espíritas, ficaram
mortos de vontade de ver. Mais que nunca, Hillaire foi assediado
por pedidos e convites de toda sorte. Ofertas de dinheiro foram
feitas por várias pessoas, a fim de o decidir a dar sessões em suas
casas; mas Hillaire sempre teve a convicção profunda de que suas
faculdades não lhe foram dadas senão visando à caridade, a fim de
trazer a fé à alma dos incrédulos e, assim, arrancá-los ao
materialismo, que os corrói sem piedade e os mergulha no egoísmo
e no deboche. Desde que Deus lhe fez a graça de se servir dele para
esclarecer os seus compatriotas; desde que manifestações de ordem
tão elevada são produzidas por seu intermédio, o simples médium
de Sonnac considerou sua mediunidade como puro sacerdócio e
convenceu-se de que, no dia em que aceitasse a menor retribuição,
suas faculdades lhe seriam retiradas ou entregues como um joguete
aos Espíritos maus e levianos, que as utilizariam para fazer o mal
ou mistificar todos aqueles que ainda cometessem a imprudência
de a ele dirigir-se. E, não obstante, a posição pecuniária desse
humilde instrumento se acha em estado muito precário. Sem
fortuna, tem de ganhar o pão com o suor do rosto e, muitas vezes,
a grande fadiga que experimenta quando se produzem algumas
manifestações importantes, mina as forças que lhe são necessárias
para manejar a pá e a enxada, dois instrumentos que,
incessantemente, deve ter entre as mãos.”

Nos momentos de infortúnio, que tinham por objetivo
experimentar sua fé e sua resignação, Hillaire, tal qual acontecera
com Job, encontrou asilo e assistência nos amigos reconhecidos,
que lhe deviam a consolação pelo Espiritismo. Isto é pôr à venda
as manifestações dos Espíritos? Não, certamente. É um socorro
que Deus lhe enviou, que podia e devia aceitar sem escrúpulo; sua
consciência está em paz, porque não traficou com os dons que
recebeu de graça; não vendeu as consolações aos aflitos, nem a fé
que deu aos incrédulos. Quanto aos que lhe vieram em auxílio,
cumpriram um dever de fraternidade, pelo que serão recompensados.

343

REVISTA ESPÍRITA

As faculdades de Hillaire são múltiplas; ele é médium
vidente de primeira ordem, audiente, falante, extático e, além disso,
escrevente. Obteve escrita direta e transportes notáveis. Várias
vezes foi levantado e transpôs o espaço sem tocar o solo, o que não
é mais sobrenatural do que ver erguer-se uma mesa. Todas as
comunicações e todas as manifestações que obtém atestam a
assistência dos Espíritos bons e sempre se dão em plena luz. Muitas
vezes entra espontaneamente em sono sonambúlico, e é quase
sempre neste estado que se produzem os mais extraordinários
fenômenos.

A obra do Sr. Bez é escrita com simplicidade e sem
exaltação. Não só o autor diz o que viu, como cita numerosas
testemunhas oculares, a maioria das quais se interessou
pessoalmente pelas manifestações; estes não teriam deixado de
protestar contra inexatidões, sobretudo se lhes tivessem feito
representar um papel contrário ao que se passou. O autor,
justamente estimado e considerado em Bordeaux, não se teria
exposto a receber semelhantes desmentidos. Pela linguagem se
reconhece o homem consciencioso, que teria escrúpulo em alterar
conscientemente a verdade. Aliás, não há um só desses fenômenos
cuja possibilidade não seja demonstrada pelas explicações que se
acham em O Livro dos Médiuns.

Esta obra difere da do Sr. Home; em vez de ser uma
simples compilação de fatos, muitas vezes repetidos, sem deduções
nem conclusões, encerra, sobre quase todos os que são relatados,
apreciações morais e considerações filosóficas que dele fazem um
livro ao mesmo tempo interessante e instrutivo, no qual se
reconhece o espírita, não só convicto, mas esclarecido.

Quanto a Hillaire, felicitando-o por seu devotamento,
nós o exortamos a jamais perder de vista que o que constitui o
principal mérito do médium não é a transcendência de suas
faculdades, que lhe podem ser retiradas a qualquer momento, mas

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AGOSTO DE 1864

o bom uso que delas faz. Desse uso depende a continuação da
assistência dos Espíritos bons, porque há uma grande diferença
entre um médium bem-dotado e o que é bem assistido. O primeiro
só excita a curiosidade; o segundo, ele próprio tocado no coração,
reage moralmente sobre os outros, em razão de suas qualidades
pessoais. Desejamos, tanto no seu próprio interesse quanto no da
causa, que os elogios de amigos, geralmente mais entusiastas que
prudentes, nada lhe tirem de sua simplicidade e de sua modéstia, e
não o façam cair na armadilha do orgulho, que já perdeu tantos
médiuns.

PLURALIDADE DOS MUNDOS HABITADOS

Estudo onde são expostas as condições de
habitabilidade das terras celestes, discutidas do ponto de vista da
Astronomia, da Fisiologia e da Filosofia Natural, por Camille
Flammarion, adido ao Observatório de Paris. Um grosso volume in-
12, com estampas astronômicas. Preço: 4 francos. – Edição de
biblioteca, in-8, 7 francos. Livraria acadêmica de Didier & Cie., 35,
quai des Augustins.

A falta de espaço nos obriga a adiar para o próximo
número a apreciação crítica dessa importante obra.

Para as condições das obras acima, vide, mais adiante, a
lista das Obras diversas sobre o Espiritismo.

Aviso

Excepcionalmente, e por força de circunstâncias
particulares, as férias da Sociedade Espírita de Paris começarão este
ano em 1o de agosto. A Sociedade reabrirá suas sessões na primeira
sexta-feira de outubro.

Allan Kardec

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Revista Espírita

Jornal de Estudos Psicológicos

ANO VII SETEMBRO DE 1864 No 9

Influência da Música sobre os
Criminosos, os Loucos e os Idiotas

A Revista musical do Siècle, exemplar de 21 de junho de
1864, continha o seguinte artigo:

“Sob o título: Um órfão sob ferrolhos, o Sr. de
Pontécoulant acaba de publicar excelente notícia em favor de uma
boa causa. Parece que o diretor de uma casa central de detenção
concebeu a engenhosa idéia de introduzir a música nas celas dos
condenados. Compreendeu que seu dever não era apenas punir,
mas corrigir.

“Para agir com certeza sobre o caráter do prisioneiro,
dorido pelo castigo, serviu-se da música. Começou por criar uma
escola de canto. Os detentos que se haviam distinguido por sua boa
conduta consideraram como uma recompensa fazer parte desse
orfeão.

“A penitenciária se achava, assim, transformada. Dentre
cerca de mil prisioneiros, escolheram cem, que foram chamados a

REVISTA ESPÍRITA

participar dos primeiros ensaios. O efeito foi muito grande sobre o
moral desses infelizes. Uma infração dos regulamentos podia
excluí-los da escola; puseram-se de acordo para respeitar as
obrigações, que até então desdenhavam.

“A fim de fazer melhor compreender a importância que
ligam à instituição desses coros, lembrarei que o silêncio lhes é
imposto habitualmente. Eles pensam, mas não falam. Poderiam
esquecer a sua língua, da qual não mais se servem
momentaneamente. É compreensível que, em tais condições, esses
trechos musicais, falados e cantados, lhes caiam como um maná do
céu. É a ocasião de se reunirem, ouvir vozes, romper a solidão,
comover-se, existir.

“Repito: os resultados são excelentes. De setenta
cantores que compunham o orfeão, este ano, dezesseis foram
indultados. Não é concludente?

“Esquecia-me de dizer que a experiência foi feita em
Melun. É uma experiência a encorajar, um exemplo a seguir. Quem
sabe se esses corações endurecidos talvez sintam se lhes fundir o
gelo e possam ainda gostar de alguma coisa? Ensinando-lhes a
cantar, lhes ensinam a não mais maldizer. Seu isolamento se povoa
de seres, a cabeça se acalma e o trabalho pesado lhes parece menos
duro. Cumprida a pena, muitas vezes reduzida pela aplicação e pela
boa conduta, sairão transformados, e não pervertidos pelo ódio.

Um dia visitei a casa de saúde do Dr. B..., em
companhia de um alienista. De passagem, dizia este:

– “As duchas! as duchas!... Conheço apenas as duchas e
a camisa de força. É a panacéia... Todos os outros paliativos são
insuficientes quando se está frente a frente com um louco furioso.

“Neste momento, gritos que partiam do fundo do
jardim atraíram a nossa atenção.

348

SETEMBRO DE 1864

– “Vede! Disse ele, percebo que um deles vai sofrer um
dos dois suplícios, talvez mesmo os dois. Quereis que o sigamos?
Vereis o efeito.

“O pobre coitado se debatia desesperadamente nas
mãos dos guardas. Fazia ameaças e tinha os olhos em brasa. Tentar
acalmá-lo parecia impossível sem recorrer aos grandes meios.

“De repente, ouviu-se uma voz na outra extremidade
do jardim. Vinha de um pavilhão isolado, que parece ter surgido
sozinho, com sua vinha virgem e suas parasitas caindo do telhado,
num buquê de espinheiros em flor. A voz cantava a romanza19 de
Saulo, da Desdêmona.

“Parei para escutar. Não sei se devo a impressão que
senti à influência da atmosfera e do lugar, mas o que afirmo é que
jamais, em tempo algum, me senti tão profundamente comovido.
Soube depois que a cantora era uma dama do mundo, cujas
desventuras lhe fizeram perder a razão.

“O louco furioso deteve-se subitamente, deixando de
debater-se e de blasfemar.

– “A voz! a voz! disse ele... Psiu!

“E, aprumando o ouvido, caía em êxtase.

“Acalmara-se.

– “Muito bem! – observo ao alienista desapontado –
que dizeis de vossa famosa teoria?

“Ele teria preferido ser feito em pedaços a desdizer a
sua brutal afirmação. As pessoas sistemáticas são assim. Os fatos
nada significam para elas. Tratam o que as contraria como uma

19 N. do T.: Grifo nosso.

349

REVISTA ESPÍRITA

exceção. Não tenteis combatê-las; têm idéia fixa e, quando tiverdes
esgotado todos os argumentos, elas vos rirão na cara. Nada de
concessões! estão ou não estão convencidas.

“Em vários hospícios de alienados, notadamente em
Bicêtre, compreenderam o partido que poderiam tirar da música e
dela se servem vitoriosamente. Ali as missas são cantadas pelos
loucos. Salvo raros incidentes, tudo se realiza conforme o
programa, sem que se tenha de reprimir o menor desvio.

“Há uma doença mais horrível que a loucura: quero
falar do cretinismo. Os loucos têm seus momentos de lucidez; por
vezes são afetados apenas por uma mania. Conversam
razoavelmente sobre todos os assuntos, à exceção daqueles que os
fazem divagar. Um se supõe de vidro e recomenda que o toquem
com precaução; outro vos aborda e diz, mostrando um de seus
vizinhos: ‘Vede bem este moreninho? Ele se julga o filho de Deus;
mas o Cristo sou eu.’ Um terceiro vos convida para grandes
caçadas, em seu esplêndido parque; ouve a matilha, os criados que
o apóiam, as fanfarras que lhe respondem, a disputa dos cães pela
comida; é feliz em seu sonho; é quase sempre um ambicioso, caído
mais ou menos longe do objetivo visado. Todos os curáveis e
incuráveis têm um ponto de referência para a sua imaginação.

“Mas os outros – os idiotas, os cretinos – que lhes
resta? Estão agachados num canto de parede, sobre uma pedra,
fisionomia embrutecida, como horrendas pilhas de carne, não
tendo jamais um lampejo de inteligência e nem mesmo o instinto
dos animais inferiores. Estão completamente perdidos de corpo e
de alma, rebaixados em sua dignidade de homens, bastante
degradados e tolhidos física e moralmente; têm ouvidos, mas não
escutam; têm olhos, mas não vêem; seus sentidos estão extintos:
são mortos vivos.

“Em vão tentaram ressuscitar alguma coisa neles, ora
pelo rigor, ora pela doçura. Era para desesperar.

350

SETEMBRO DE 1864

“Então vocalizaram notas em sua presença, até que as
repetissem maquinalamente. Ensinaram-lhes a cantar motivos
simples e curtos, que eles repetiam. Agora cantam. Para eles cantar
é uma festa. Pelo canto mantêm o domínio sobre eles: é a sua
punição ou a sua recompensa; obedecem; têm consciência de suas
ações. Ocupam-nos nos mesmos trabalhos. Ei-los a caminho de
uma espécie de reabilitação intelectual.

“Há regiões onde esta cruel enfermidade se reproduz
incessantemente. Será o ar ou a água que a provoca?

“Certa manhã, depois de uma noite de caça laboriosa
na vertente meridional dos Pirineus, eu tinha entrado na choupana
de um pastor, para me refrescar. Aí encontrei o pai debilitado, a
esposa macilenta e três meninos raquíticos, um dos quais
enroscado num monte de palha apodrecida. Como eu examinasse
esse desventurado imbecil, o pai me disse:

“Oh! este aí jamais viveu; nasceu como está. Aqui o
cretinismo afeta um em três. Pago a minha dívida.

“Ele vos reconhece? perguntei.

“Nem a mim, nem aos irmãos; fica na posição em que
o vedes. Só desperta desse torpor quando o Sol se põe e eu grito o
rebanho, esparso no campo; então ele se agita, parece contente,
como se algo feliz lhe sucedesse.

– “E a que atribuis esse movimento?

– “Não sei.

– “De que sinais vos servis?

– “Do refrão de todos os pastores.

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