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Published by ㅤㅤㅤ ㅤ, 2016-11-12 04:11:29

ㅤㅤㅤ ㅤㅤ

epn117

REPORTAGENS

Novembro 2016 26

Número 117 A ERA DOS SUPERBITS

10 Uma visita ao “Quantum Valley”,
Carta do editor no Canadá, o berçário do futuro
da computação
Foto de capa: rogério albuquerque
50
34 O BANCO ESTÁ NU Por dentro
do Nubank, a mais famosa O REINVENTOR DE SI
fintech brasileira, fundada pelo
colombiano David Vélez Aos 79 anos, Abilio Diniz diz que
não gosta de remexer o passado.
“Viro as páginas do meu livro”

62

JOGOS DE FUGA

Brincadeira da moda em todo o
mundo vira ferramenta de
treinamento de funcionários

66

MEU ÂNGULO RUIM

Claudio Galeazzi é tido como um
cortador de custos. Mas diz que
a culpa é de quem gasta a esmo

72

LAÇOS ROMPIDOS

Pais deixam crianças no campo
para conseguir trabalho nas
grandes cidades da China

IDEIAS SIGA O LÍDER INTELIGÊNCIA INSIGHTS INSPIRAÇÃO

16 86 89 96 102

Inteligência no Uma nova carta Trabalho remoto, Em busca do som Uma questão de
corredor no baralho chefe no cangote do futebol perspectiva
Novos estudos indicam
A startup Bossa Nova Rômulo Dias, ex-Cielo, que a ausência física Os segredos da equipe O fotógrafo Yann
criou um robô que é mais um nome para do líder pode afetar o brasileira que levou o Arthus-Bertrand
a sucessão de Luiz resultado da equipe tetra no Futebol de 5 apresenta o planeta
“lê” tudo o que há nas Trabuco, no Bradesco
gôndolas e no estoque na Paraolimpíada visto do céu

6 epocanegocios.com.br Novembro 2016

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CARTA DO EDITOR

INVENÇÃO E REINVENÇÃO

qUATRO décadas de vida sepa- básicas e extremamente importantes, como O ESCRITÓRIO
ram o colombiano David Vélez, dar banho em um filho pela primeira vez (ele Estação de
fundador da startup Nubank, e conta isso no primeiro capítulo do livro Novos trabalho na sede
o paulistano Abilio Diniz, que Caminhos, Novas Escolhas). “Os últimos anos do Nubank: a
dispensa apresentações. O pri- foram os mais felizes e os mais intensos de ordem é não ter
meiro, um engenheiro de 35 anos, está come- minha vida”, diz Abilio. ordem
çando agora sua carreira de empreendedor, à
frente de um negócio que, pela própria natu- Nesta edição, tratamos desses dois perso-
reza, já nasce quebrando barreiras: sua star- nagens – protagonistas, cada um à sua manei-
tup descomplicou o processo de aquisição de ra, de profundas transformações na vida e nos
cartões de crédito, resumindo-o a um aplica- negócios. Ambos ousados, incansáveis, so-
tivo de smartphone, dispensando anuidades nhadores e determinados a marcar suas bio-
e tarifas e seduzindo uma geração que anda- grafias com um legado de empreendedoris-
va cansada da burocracia dos bancos tradi- mo, inovação e renovação. E isso independe
cionais. “O que fizemos, aqui no Nubank, foi da idade. Boa leitura.
virar a chave, mostrar que é possível inovar
com um produto de mais de 50 anos.” O Nu- Darcio Oliveira
bank passou a ser o maior símbolo nacional Diretor de Redação
de uma categoria de empresas que não para [email protected]
de crescer: as fintechs, startups de serviços
financeiros geridas sob o binômio “alta tecno-
logia-baixo custo”. São as pedras nos sapatos
de banqueiros tradicionais.

Abilio sabe bem o que é esse negócio de vi-
rar a chave e se reinventar na maturidade. Ele
passou boa parte de sua vida empresarial lide-
rando uma única companhia, o Grupo Pão de
Açúcar. Transformou-a na maior varejista do
Brasil – o que não é pouca coisa num mercado
em que os principais concorrentes, capitali-
zados e globais, eram os poderosos Carrefour
e Walmart. Nos últimos anos, porém, a vida
do Abilio mudou radicalmente, na velocidade
de uma startup. Ele se casou novamente, teve
mais dois filhos (eram quatro do primeiro ca-
samento), deixou o Pão de Açúcar, virou presi-
dente do conselho da BRF, transformou-se no
terceiro maior acionista global do Carrefour,
redesenhou sua holding de investimentos Pe-
nínsula, comprou uma startup de vinhos, uma
rede de padarias chiques, escreveu um novo
livro, voltou a treinar boxe, viaja feito doido
para os compromissos empresariais e – ufa!
– ainda arruma tempo para aprender coisas

10 epocanegocios.globo.com Novembro 2016



EXPEDIENTE

DIRETOR GERAL Frederic Zoghaib Kachar
DIRETOR DE AUDIÊNCIA Luciano Touguinha de Castro

DIRETORA DE MERCADO ANUNCIANTE Virginia Any
DIRETOR DE GRUPO GLOBO RURAL, AUTOESPORTE, PEQUENAS EMPRESAS GRANDES NEGÓCIOS E ÉPOCA NEGÓCIOS Ricardo Cianciaruso

REDAÇÃO
DIRETOR DE REDAÇÃO Darcio Oliveira

EDITOR-CHEFE Carlos Rydlewski
EDITORES Dubes Sônego, Guilherme Felitti e Raquel Grisotto

REPÓRTER Nayara Fraga
DIRETOR DE ARTE Rodrigo Buldrini
ASSISTENTE DE REDAÇÃO Mariana Alves da Silva

ÉPOCA NEGÓCIOS ONLINE www.epocanegocios.com.br
EDITORAS Elisa Campos e Soraia Yoshida (editora assistente)
REPÓRTERES Barbara Bigarelli, Daniela Frabasile e Edson Caldas

ESTAGIÁRIO Erica Mendes Carnevalli
COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Alexandre Teixeira, Carlos Fernando dos Santos Lima, Paulo Eduardo Nogueira, Samy Dana e Tasso Azevedo (texto);
Arthur Nobre, Marcus Steinmeyer e Rogério Albuquerque (fotografia); Baptistão e Paola Hiroki (ilustração); Laís Rigotti (revisão); Mario Espinoza (edição de arte)

ESTÚDIO DE CRIAÇÃO
DIRETORA DE ARTE Cristiane Monteiro
DESIGNERS Alexandre Ribeiro Zanardo, Clayton Rodrigues, Danilo Bandeira, Felipe Hideki Yatabe e Marcelo Massao Serikaku;
Cristina Kashima (estagiária); Paula Coelho (arte)

DIRETOR DE ININOVOAVÇAÃÇOÃDOIGIDTAIGLIATAleLxandre Maron
GERENTE DE ESTRATÉGIA DE CONTEÚDO DIGITAL Silvia Balieiro

DIRETOR DE TTECENCONLOOLGOIAGRIAodrigo Gosling
DESENVOLVEDORES Everton Ribeiro, Fabio Alessandro Marciano, Jeferson Mendonça, Leandro Paixão, Leonardo Turbiani, Marcelo Amendola, Marcio Costa,

Murilo Amendola e Victor Hugo Oliveira da Silva
OPEC ONLINE Danilo Panzarini, Higor Daniel Chabes, Rodrigo Pecoschi, Rodrigo Santana Oliveira e Thiago Previero

MERCADO ANUNCIANTE
DSGIREEGERTMEOENRNTDETEODNSEE—NGEFÓGICNÓIOCASINOMCSEUMILRUTOLIPT, ILIPMALTOAABTFIAOLFRIOÁMRRAMIOAE, TmCI,iilrCioaOnHMooÉMrRtCaorIHOadaEsHhViAamnRsoEetJnoOn
EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA Christian Lopes Hamburg, Cristiane de Barros Paggi Succi, Milton Luiz Abrantes, Selma Maria de Pina e Taly Czeresnia Wakrat

EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA DIRESTEOGRMDEENNTEOGSÓ—CMIOOSDMAU, LBTEIPLELAZTAAEFOHRIGMIAENCEePsaErSBSOerAgLamo da Costa e Soraya Mazerino Sobral
Adriana Pinesi Martins, Eliana Lima Fagundes, Juliana Vieira, Selma Teixeira

EXECUTIVOS MULTIPLATAFOSREMGMAEGNiTovOaSn—nDaCIRSAEeSTlAlOa,RnCAOPeDNrESeTNz,REKUGeÓÇiÃClaIOOF,SeArMLrIiUMnLiE,TLNIPuTLcOAiaTSAHEFeBOlEReBnMIaDALAMoSp,aeHrsiIlGMiaIEeGsNsuEiiatDsi,HORMionÉddSriiTgIoCGAiEroSdAoÚADnEdrade e Valeria Glanzmann

EXECUTIVOS MULTIPLATAFORSMEDGAIMRAEEnTNdOTrReOsDSsEa—NAMEgGOuiÓBaICrL,IOICDSrAiMsDtUiEaL,nTSeEIPSRLoVAaITrÇAeOsFSONPRoÚMgBuALeiIRrCaeO,nSDatEioeSgAOouCFgIauAbsIitSao,nACoG,aRJssoOiãsEoSICiNnaDirslÚcoaSslTcMoReIAyer e Priscila Ferreira da Silva

EXECUTIVOS DE NEGÓCIOSSEMGUMLETNIPTLOADTSIAR—FEOETORDMRUACAADAÇEnÃNaOES,GCiÓlUvCiLaITOCUSoRMsAtUa, ,LLTDAIoPZmELARiTn, AEiqFSuOPeORPRMeTAtEro,STnaUni ddRerIaSFMRreeOig,tiaMnsaÍ,DGdIueAiM,lhTeeElrLomEPCeeOIpeMegaEwOaUSTuRgOioS e Lilian de Marche Noffs

DIRETORA DE NEGÓCIOSSEGDMIGEITNATISO R—eDnIaGtIaTSAiLmões Alves de Oliveira

CONSULTORA DE MARCASEEGGCCNN Olivia Cipolla Bolonha

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EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA Andréa GERENTE DE NEGÓUCNIOIDSAMDUELDTIEPNLAETGAÓFCOIROMSA—RRJIORDoEgeJrAioNEPIeRreOira Ponce de Leon Paulo Rios Vieira dos Santos
Manhães Muniz, Daniela Nunes, Lopes Chahim, Juliane Ribeiro Silva, Maria Cristina Machado e Pedro

EXECUTIVOS MGUELRTEIPNLTAETMAUFUNOLIRTDIMAPALDAECTDAaEFmONiRlaEMGAAÓmCBaIaOrarSbl —daraBaSRCilAovSsatÍeaLIJFAorergiteasBSicialvlhao Felix Junior

COOERDDEDIISRETDTEONIRRTRAEOAADTTROEOÉARXRGDEDIDAOCEEUCEPAETOSRRSIMTVOTTÚAEJEÚD:RE:DVITCROeIOIoOArGSdaLGLoE:LOLlRSpiBOgPehOBinEaoO:aCRRV:tIaAoaabnIsDScegi:oreaRtnlsaecCGnReaoalivlsnmoatsolAeiwesbrdi alla

GERENTE DE EVENTOS Daniela Valente
COORDENADOR OPEC OFF LINE José Soares
DIRETOR DE MARKETINAGUCDrIiÊstNiaCnIoAAugusto Soares Santos
GEREDNIRTEETDOERVDEENDCALISENDETEASSESIPNLAATNUERJAASMREeNgTiOnaElddonMei oZraemirpa edsaeSilva
GERENTE DGEEINRETNELTIEGDÊNECCIRAIADÇEÃMOERVCalAtDerOBWicuildmoaSCilovnacNeeiçtãoo Montilha
COORDENADORES DE MARKETING Eduardo Roccato Almeida e Patricia Aparecida Fachetti

CONTATOS PARA A JUSTIÇA ELEITORAL
E-MAIL [email protected]
FAX (11) 3767-7091

O Bureau Veritas Certification, com base nos processos e procedimentos descritos no seu Relatório de
Verificação, adotando um nível de confiança razoável, declara que o Inventário de Gases de Efeito Estufa
- Ano 2012, da Editora Globo S.A., é preciso, confiável e livre de erro ou distorção e é uma representação
equitativa dos dados e informações de GEE sobre o período de referência, para o escopo definido; foi elaborado
em conformidade com a NBR ISO 14064-1:2007 e Especificações do Programa Brasileiro GHG Protocol.

12 epocanegocios.globo.com Novembro 2016

apresentam

O FUTURO NO

MUNDO DA SAÚDE

A mudança rumo à digitalização da indústria perpassa vários segmentos econômicos,
e seu impacto não se restringe ao desempenho das corporações. A internet industrial

também pode ser útil diante de demandas sociais importantes, como a saúde

N ossa relação com “Hoje, a empresa já não atua somente Côrtes Domingues, médico radiologista
a saúde mudou. como fornecedora de equipamentos, e presidente do conselho de adminis-
Atire a primeira mas desempenha também o papel de tração da DASA.
pedra quem, dian- consultora para ajudar seus clientes
te de um sintoma na solução de seus problemas”, afir- A partir das demandas do cliente,
estranho ou com ma Daurio Speranzini Jr., CEO da GE a GE desenvolveu, em apenas seis me-
o resultado de um Healthcare na América Latina. Exem- ses, um sistema capaz de monitorar os
exame em mãos, não recorreu à inter- plo disso é uma solução desenvolvida mais diversos aspectos da operação
net para pesquisar possíveis diagnós- pela companhia para a DASA – maior – do tempo de espera na recepção à
ticos e tratamentos. Não por acaso, a empresa de medicina diagnóstica da duração e à qualidade do exame; do
“Lancet”, renomada revista científica América Latina. funcionamento dos aparelhos à sequ-
britânica, divulgou, em outubro, um ência adotada pelos técnicos ao atender
apelo para que a comunidade médica MONITORAR PARA MELHORAR_ Pre- um paciente. A novidade vem sendo
se envolva na edição de tópicos sobre sente em 12 estados brasileiros, com testada há cerca de dois meses em duas
doenças na Wikipedia, principal fonte 540 unidades, a DASA realiza 8 mi- unidades da rede no Rio. Essa primeira
de informação sobre saúde para o pú- lhões de exames de imagem por ano, fase é voltada à análise de desempe-
blico leigo. Cada vez mais, o paciente além de 250 milhões de exames de nho e, segundo Domingues, já trouxe
procura, questiona e reivindica. sangue. Conta com 2.500 médicos – insights importantes.
Nossas necessidades estão mu- em sua maioria, radiologistas. Só de
dando. De acordo com projeções das aparelhos de ressonância magnética, “Numa próxima etapa, a ideia
Nações Unidas, em 2050 o mundo terá, são 145. Uma estrutura complexa, que é usar esses dados do sistema para
pela primeira vez, mais idosos do que envolve grandes desafios de gestão. agir de maneira preditiva”, afirma Do-
crianças e jovens até 15 anos. No Brasil, mingues. O plano é utilizar a análise
segundo estimativas do IBGE, o número Um deles é a padronização do de dados para subsidiar decisões em
de pessoas com mais de 80 anos deve atendimento. “Para empresas que têm diversas áreas: seja na compra de no-
passar dos atuais 3,5 milhões para 19 múltiplas unidades, é fundamental vos aparelhos onde houver demanda
milhões em 2060. Essa transformação manter em todas o mesmo padrão de reprimida, seja no remanejamento do
demográfica vai se refletir na incidência qualidade. A gente treina as equipes, público de unidades lotadas para uni-
de doenças. Cada vez mais precisare- mas, com o tempo, vê que o serviço dades ociosas, otimizando os recursos
mos lidar com quadros crônicos, cujo vai saindo do padrão”, comenta Romeu disponíveis.
tratamento pode ser até sete vezes mais
caro que o de doenças infecciosas. OS GASTOS COM SAÚDE Para o paciente, isso deve se tradu-
O setor de saúde precisa mudar. Com SÃO UM PROBLEMA zir em uma melhoria no atendimen-
gastos cada vez mais elevados, deve re- to (com menos tempo de espera, por
discutir modelos de negócios, buscar NO MUNDO INTEIRO. E exemplo) e na qualidade do exame, já
soluções integradas e ganhar eficiência É IMPORTANTE QUE A que a padronização dos procedimentos
operacional. É uma discussão ampla, GENTE POSSA TRABALHAR aumenta as chances de um resultado
que envolve tanto o poder público como COM DADOS TAMBÉM adequado, afirma Domingues.
operadoras de planos de saúde, clínicas, JUNTO ÀS OPERADORAS INTEGRAR OS ELOS DA CADEIA_ O
hospitais, médicos, pacientes, entre ou- E AOS MÉDICOS PARA médico destaca, porém, que iniciativas
tros. Um debate que passa, também, pela GERENCIAR MELHOR OS individuais não descartam a necessi-
revolução digital. A coleta e a análise de PEDIDOS DE EXAME dade de ações mais abrangentes no
dados podem trazer insights valiosos, sistema de saúde, que envolvam todos
seja na identificação de tendências, na os elos da cadeia em prol de um serviço
otimização de recursos ou na melhoria mais eficiente. “Os gastos com saúde
de fluxos de trabalho. são um problema no mundo inteiro. E
É nesse contexto que a GE iniciou é importante que a gente possa traba-
seu próprio processo de mudança. lhar com dados também junto às ope-
radoras e aos médicos para gerenciar
melhor os pedidos de exame.” Além

A DIGITALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL E NO MUNDO

Além da parceria com a DASA, na qual foi em nuvem, de todos os dados médicos dos
usado o aplicativo Performance Insight, a GE atletas, incluindo exames de imagem. Com isso, o
Healthcare vem desenvolvendo outros projetos atendimento se torna muito mais rápido e eficaz.
importantes de digitalização da saúde no Brasil. Nos EUA, onde a tecnologia foi adotada em 2012,
Um deles, encomendado por um hospital de São o comitê americano constatou uma redução
Paulo, envolve “machine learning”, ou seja, o uso de de 80% no número de raios X realizados pelos
algoritmos e técnicas que habilitam o computador atletas, já que muitas vezes a análise dos dados
a aprender, aperfeiçoando assim o próprio presentes no sistema bastava para chegar a um
desempenho. “Nesse projeto, a ideia é que nosso diagnóstico.
software possa orientar o médico na hora em
que ele precisa realizar um laudo”, afirma Daurio Ainda nos EUA, o projeto da companhia no
Speranzini Jr., CEO da GE Healthcare no Brasil. Hospital Johns Hopkins, em Baltimore, conseguiu
diminuir o tempo de espera por atendimento ao
A companhia também vem investindo instituir o primeiro centro de análise preditiva
na digitalização de prontuários, o que facilita com foco na experiência dos pacientes. As
o armazenamento desse material, agiliza o mudanças facilitaram tanto a visualização
atendimento e amplia as possibilidades de e o compartilhamento de dados quanto a
cruzamento de dados. O EMR (registro médico comunicação entre os funcionários, o que
eletrônico, na sigla em inglês) foi adotado pelo COI permitiu gerenciar melhor o fluxo de pessoas. A
(Comitê Olímpico Internacional) durante os Jogos espera por um leito para internação, por exemplo,
do Rio. A solução consiste no armazenamento, era de 6 horas e caiu para menos de 4.

disso, diz, é necessária uma mudança agências reguladoras e operadoras de de alta complexidade. “Grandes platafor-
cultural. “A gente precisa entender que saúde com o intuito de discutir sobre a mas digitais precisam ser criadas para
atendimento médico bem-feito não transformação do mercado e sobre as consolidar informações, organizá-las e
é sinônimo de mais e mais exames. estratégias para que as instituições de colocar inteligência por trás delas.”
Isso deve ser bem pontuado, pois os saúde atinjam altos índices de produti-
recursos são finitos.” vidade e qualidade de serviço. Segundo ele, processos de digitali-
zação podem permitir até que o aten-
Speranzini Jr. aponta como um A coleta e a análise de dados da po- dimento médico se torne mais huma-
dos problemas da área de saúde a sua pulação (como histórico familiar, estilo nizado. Isso porque, com os dados do
“fragmentação”. Ele defende que gover- de vida e fatores ambientais) podem ofe- paciente já coletados, organizados e
no e entidades privadas desenvolvam recer estimativas valiosas em relação ao analisados, o profissional poderá se
missões claras e distintas, com foco desenvolvimento de doenças, orientan- concentrar nas questões psicológicas
na complementaridade. “Já estamos do órgãos governamentais na elaboração envolvidas no diagnóstico e no trata-
vendo algumas reflexões nesse sentido. de políticas públicas e programas de mento de uma doença.
A meu ver, o governo poderia se dedicar prevenção. Já os serviços de diagnóstico
às ações de prevenção, enquanto os e tratamento se beneficiariam muito “É um processo de aprendizagem,
serviços de diagnóstico e tratamento de um cadastro único de pacientes, em tanto para o paciente quanto para o
ficariam com a iniciativa privada.” As que o histórico de cada pessoa estivesse médico, que precisará adotar uma
duas esferas podem se beneficiar da acessível a qualquer médico. Ou seja, em atitude mais humanizada. O médico
digitalização da saúde no futuro, des- que todos os exames e procedimentos não poderá mais atender sem olhar no
taca o CEO. pelos quais o paciente passou ao longo rosto do paciente, sem dar explicações.
da vida estivessem facilmente disponí- Ele terá que voltar a ser o profissional
E foi pensando nos grandes desa- veis durante uma consulta. de antigamente, que sabia que a con-
fios enfrentados pelo setor que a GE sulta também faz parte do processo de
Healthcare promoveu, em setembro, “Hoje, hospitais e clínicas desenvol- educação do paciente”, comenta Spe-
no Centro de Pesquisas Global GE do vem ações importantes, mas de forma ranzini Jr.
Rio de Janeiro, o Innovation Summit, isolada. Com um cadastro único, o médi-
evento fechado para convidados que co poderia entender melhor a evolução Conheça outras histórias
contou com palestras de grandes no- da saúde daquele paciente”, diz Speranzi- do projeto Caminhos
mes nacionais e internacionais de ins- ni Jr., que observa no setor, atualmente, para o Futuro no site
tituições de saúde públicas e privadas, a repetição frequente de exames caros, da revista Época Negócios.

ENFIM, O ROBÔ
JUNTOS CIRCULA
PELOS
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL CORREDORES,
UNE-SE AO VAREJO, PARA GERAR FOTOGRAFA
O QUE HÁ NAS
GANHOS DE PRODUTIVIDADE GÔNDOLAS
E CRUZA OS
NAYARA FRAGA DADOS COM O
ESTOQUE
Até pouco tempo atrás, sinônimos de tecnologia
disruptiva eram os aplicativos de transporte, as redes foto: divulgação
sociais e as mensagens instantâneas. Ninguém nega,
aliás, a revolução que essas ferramentas provocaram

no dia a dia de bilhões de pessoas. Mas é somente
agora que a grande disrupção ameaça ocorrer. Isso
porque ela chegou tanto ao chão de fábrica (com a
automação) como ao varejo. Em ambos os casos, traz
uma promessa de ganhos parrudos de produtividade.
Prova disso é o robô da startup americana Bossa
Nova. Ele pretende liquidar a má gestão do inventário
de produtos em supermercados (um problema de
US$ 1,1 trilhão no mundo, segundo a empresa de
pesquisa IHL). A máquina, dotada de inteligência

artificial, caminha pelos corredores das lojas e
fotografa os produtos nas prateleiras. As imagens
são cruzadas com a lista dos artigos em estoque
para definir o que está em falta. O equipamento
também indica a localização exata de cada artigo no
supermercado, o que faz a diferença em uma escala
de milhares de itens. Hoje, o robô está em teste na
Lowe’s, rede com mais de 2 mil unidades nos Estados
Unidos, Canadá e México. “Nossa missão é reinventar
o varejo por meio de dados e automação”, disse a
Época NEGÓCIOS Sarjoun Skaff, fundador da Bossa
Nova, apaixonado pela cultura brasileira – vem daí o

nome da empresa.

16 epocanegocios.globo.com Novembro 2016

24US$
milhões

é o quanto a startup
Bossa Nova, que criou o

robôzinho, já captou

1,5
metro

é a altura do equipamento,
projetado para não assustar
clientes nos supermercados

7

anos

é o tempo de existência da
startup que, até 2012, só

produzia brinquedos

ETERNO APRENDIZ

Quanto mais o robô
fotografa os produtos,
mais “esperto” ele fica.
A inteligência artificial
funciona como uma versão
simplificada das sinapses
do cérebro humano (algo
conhecido na computação
como “deep learning”)

Novembro 2016 epocanegocios.globo.com 17

UM DOUTOR ALGORITMO

PROGRAMA CRIADO POR UMA STARTUP
DE ISRAEL DETECTA CÂNCER DE MAMA,
ENFISEMA E DOENÇAS CARDIOVASCULARES

Hoje, algoritmos fazem quase tudo. Eles determinam o
que você vai ver no seu feed de notícias do Facebook e
ajudam anunciantes a encontrar um público mais certeiro na
internet. Mas, se os planos de um grupo de empreendedores
israelenses se concretizar, não vai demorar muito para que es-
sas ferramentas digitais tenham um papel importante na me-
dicina. A startup Zebra Medical Vision, de Tel-Aviv, desenvol-
veu programas capazes de detectar diversos tipos de câncer,
enfisema e doenças cardiovasculares por meio da análise de
imagens. Eles chamam a técnica de “aprendizagem profun-
da”. Computadores são programados para analisar grandes
quantidades de dados de exames. A partir daí, identificam
automaticamente padrões e características de eventuais pro-
blemas, além de fazer previsões sobre a evolução do quadro
dos pacientes. A ideia é que o sistema auxilie os médicos na
hora do diagnóstico. Segundo a empresa, o algoritmo “reduz
as chances de erros e alarmes falsos”. No primeiro semestre,
a Zebra Medical Vision conseguiu US$ 12 milhões em uma
rodada de investimento liderada pela norte-americana Inter-
mountain Healthcare. POR EDSON CALDAS

VARREDURA
O sistema criado pela Zebra analisa, em pequenos
recortes, áreas suspeitas em uma mamografia

O PRÓXIMO PASSO DA DIVERSIDADE

A MICROSOFT Quem quer trabalhar na sede americana da autistas passam duas semanas colocando a
CRIOU Microsoft sabe que terá de encarar um longo mão na massa, acostumando-se com o local
UM NOVO processo seletivo: triagem de currículos, de trabalho e fazendo entrevistas casualmente
MODELO DE entrevistas, uma tarefa remota para avaliar durante esse processo. A iniciativa, adotada
SELEÇÃO PARA habilidades... No último ano, contudo, a em 2015, representa uma expansão na ideia
CONTRATAR empresa colocou em prática um projeto para de diversidade, que hoje já abarca gênero, cor
AUTISTAS contratar de um jeito diferente. Ela quer abrir e deficiências físicas. A empresa diz que tais
suas portas para programadores e engenheiros práticas são “vitais para gerar inovação”. Hoje,
autistas, muitas vezes prejudicados em o projeto inclui atividades baseadas só nos
entrevistas tradicionais. Em vez de uma Estados Unidos, mas a expansão internacional
sucessão de interrogatórios, os candidatos está a caminho. POR EDSON CALDAS

18 epocanegocios.globo.com Novembro 2016 foto: divulgação

O uso do cartão

50%pode ampliar em

o tempo de travessia
dos idosos

VAI-QUE-DÁ O sistema foi instalado em 39 cruzamentos de Curitiba

O SEMÁFORO DO VOVÔ

UM SISTEMA QUE AMPLIA O TEMPO DE TRAVESSIA DE
IDOSOS EM AVENIDAS VAI AJUDAR DEFICIENTES VISUAIS

Ninguém precisa ser um (o mesmo usado nos ônibus) Agora, o sistema pode
Usain Bolt para atraves- de um equipamento preso passar por um upgrade. A
sar uma rua, mas é inegável a um poste. Desse modo, Dataprom criou uma versão
que alguns semáforos exigem prolongam em até 50% o que emite apitos inter-
“boas pernas” do pedestre. prazo de abertura do sinal. mitentes. À medida que o
Isso porque o tempo dis- A tecnologia, que começou a tempo de travessia diminui,
ponível para a travessia é ser testada em 2014, hoje está o espaçamento entre esses
tão exíguo que, não raro, é presente em 39 cruzamentos sinais sonoros é reduzido.
preciso dar aquela “corridi- da capital paranaense. A ideia, nesse caso, é criar
nha” para alcançar a calçada uma referência para que os
em segurança. E o que fazem O “cartão do vovô” foi deficientes visuais saibam
os idosos ou as pessoas com criado pela Dataprom em quanto tempo falta para o
problemas de mobilidade parceria com a prefeitura lo- sinal fechar. Os testes do
diante desse tipo de situação? cal. Surgiu de uma constata- novo modelo vão começar
Em Curitiba, elas aproxi- ção trágica: 40% das pessoas este ano.
mam um cartão eletrônico mortas em atropelamentos
na cidade eram idosos. POR CARLOS RYDLEWSKI
foto: Cesar Brustolin/SMCS

Echo Dot (Amazon) Google Home

Vem com a Alexa, a assistente virtual Vem em diversas cores,
que tem 3 mil habilidades do cinza ao laranja e, para acordá-lo,

Para “acordar” o aparelho, basta dizer é preciso dizer “Ok, Google”
“Alexa”, “Echo” ou “Amazon” Pode ser ligado à TV que tenha
Chromecast (o adaptador de streaming
É possível pedir um carro do Uber ou uma
pizza da Domino’s. Toca músicas também de mídia do Google)
Permite controlar outros aparelhos inteligentes Toca música e controla termostato,
da casa, como termostatos e lâmpadas lâmpada e outros dispositivos inteligentes
Custa US$ 49,99 (a versão maior, chamada Faz um resumo de como será o seu dia
Amazon Echo, que vem com alto-falante mais
baseado no seu calendário
potente, sai por US$ 179,99) Custa US$ 129

A AMAZON QUER INVADIR SUA CASA

MAS O GOOGLE, A APPLE, A MICROSOFT (E SABE-SE LÁ QUEM MAIS) TAMBÉM

Para variar, a Amazon tem um plano de negócios agressivo. Desta vez, quer invadir a casa dos consumidores. A empresa levou
a Alexa (a assistente virtual que faz tudo: marca eventos no calendário ou pede uma pizza) para um aparelho que está sendo
vendido como pirulito no mercado americano. Quem compra cinco unidades do novo Echo Dot (US$ 49,99 cada), como foi
batizado o dispositivo, leva mais um de graça. Quem compra dez, ganha dois. A empresa acredita que haverá um Echo Dot em
cada cômodo das casas. Na cozinha, solicita a receita de um bolo. Na sala, diminui a intensidade da luz sem sair do sofá. Mas
não é só a varejista online que está nessa disputa pelos lares. A Apple tem o app Home, que controla de portas a persianas, e a
Microsoft desenvolve um sistema operacional para casas. Já o Google tem o Google Home, que faz o que a Alexa faz e permite
a busca baseada em contexto: “Ok, Google, toca aquela música da Shakira do filme Zootopia”. E ele toca. Por enquanto, os
aparelhos da Amazon e do Google não estão disponíveis no Brasil.

20 epocanegocios.globo.com Novembro 2016 ffoottoo::dxixvxuxlgxaxçxãxox

VEM AÍ A NOVA ONDA AGraduate Management Admission
DO FAST MBA Council (GMAC), a organização respon-
sável pela prova de admissão nas maiores
OS CURSOS ONLINE, RÁPIDOS E FLEXÍVEIS, escolas de negócios do mundo, constatou um
CRESCEM. JÁ OS TRADICIONAIS PERDEM FORÇA desaquecimento dos MBAs full-time, aqueles
clássicos, com dois anos de duração. No total,
as inscrições para esses cursos cresceram
43% em 2016. Essa foi a pior taxa nos últimos
quatro anos. Em contrapartida, constatou-se
um aumento da demanda na maioria de MBAs
mais curtos e flexíveis, do tipo online (que
avançaram 57%). Por quê? A resposta, indica
a GMAC, pode estar na incerteza que ronda o
futuro dos executivos. Por isso, hoje, eles não
parecem tão dispostos a investir em cursos
longos e dispendiosos.

POR BARBARA BIGARELLI

foto: Tony Avelar

MENOS INTERNET,
MAIS DESIGUALDADE

A FALTA DE ACESSO À WEB AUMENTA A DISTÂNCIA ENTRE RICOS E POBRES NO BRASIL

Acrise econômica tende SOB O ESCUDO DOS BITS
a ampliar o fosso entre
os brasileiros com acesso à Quem está na rede tende a se dar melhor
internet e os que vivem em um
Brasil desconectado. É o que Percentual de brasileiros conectados e desconectados
indica um estudo feito com da internet que tomou alguma medida para...
exclusividade para a Época
NEGÓCIOS pela Locomotiva ...economizar durante a crise ...aumentar a renda durante a crise
Pesquisa & Estratégia. Entre
os motivos da ampliação da Internautas Não internautas
desigualdade estão vantagens
que só tem quem está na rede. 91% 76% 79% 47%
Elas incluem o acesso a ofertas
de toda sorte, a canais de Medidas adotadas para cortar gastos Medidas para aumentar a renda
venda de produtos usados e a
sites de emprego. A pesquisa Procurou se informar sobre novas marcas Vendeu algum produto
ouviu 1.907 pessoas, em 75
municípios. Segundo o IBGE, 68% 37%
no Brasil, 54,4% da população
tem acesso à web. Até o início 49% 19%
da crise, em 2014, esse percen-
tual crescia ano a ano. Entre as Fez pesquisa de preço Fez bicos
pessoas com rendimento su-
perior a dez salários mínimos, 85% 59%
91,5% estavam conectadas. A
maior parte da população que 65% 45%
ganha até um salário mínimo
está fora da rede. A exclusão Número de brasileiros que receberam dicas de ofertas ou promoções
digital é maior entre idosos, pela internet nos últimos 30 dias
grupos menos escolarizados e
que vivem em áreas rurais. “A 38,4 milhões
internet ajuda a blindar as pes-
soas contra a crise, isso tanto Pessoas que usaram a internet para procurar emprego no último ano
na hora de economizar como
para gerar mais renda”, afirma 23,6 milhões
Renato Meirelles, presidente
da Locomotiva. Total de brasileiros que usaram a internet para vender algum produto na crise

POR DUBES SÔNEGO 11,2 milhões

Fonte: Locomotiva Pesquisa & Estratégia

22 epocanegocios.globo.com Novembro 2016

LIVROS

Competing Against Luck: The Man Who Knew: The Life
The Story of Innovation and and Times of Alan Greenspan
Customer Choice
Sebastian Mallaby,
Clayton M. Christensen, Taddy Hall,
Karen Dillon e David S. Duncan, editora penguin press

editora harper business Alan Greenspan
foi um dos mais
NOVO CLÁSSICO Clayton Christensen analisou os dados Christensen analisou por 11 incensados
das mil empresas americanas que mais investem em P&D anos dados das mil empresas presidentes do
que mais investem em P&D. FED, o banco
MUITO DINHEIRO, Ficou intrigado com a falta central americano.
POUCA INOVAÇÃO de nexo entre o tamanho dos Isso até a crise
aportes e seus benefícios. de 2008, quando
EM NOVO LIVRO, CHRISTENSEN Pode parecer desalentador, sua reputação
DIZ QUE EMPRESAS AINDA NÃO mas a inovação continua a tropeçou feio
ENTENDEM OS CONSUMIDORES ser, aparentemente, mui- no colapso
to mais consequência de do mercado
Há pouca ou nenhuma tentativas e erros do que financeiro
relação entre o volume de disciplina, processos americano. Ele,
de recursos investidos em precisos e bem estrutura- na ocasião, foi
pesquisa & desenvolvimento dos. O problema, argumenta acusado de
(P&D) e os resultados em Christensen em seu novo negligência,
termos de inovação obtidos livro, escrito em parceria após 18 anos à
por uma empresa. A afirma- com outros três autores, é frente do FED.
ção pode parecer descabida, que as empresas investem Em The Man Who
mas ganha peso na voz de muito tempo e dinheiro Knew, Sebastian
seu autor: o professor de para conhecer seus clientes, Mallaby, ex-
Harvard Clayton Christen- mas não se preocupam em jornalista da The
sen, autor do imprescindível entender os motivos que os Economist, revê
O Dilema da Inovação (1997). levam a comprar determina- essa e muitas
do produto ou serviço. Em outras histórias.
suma, elas sabem o perfil de Ele narra a vida de
quem compra o quê. Mas não Greenspan desde
quando, como e para quê. a infância em
Sem entender esses últimos Nova York à queda
pontos, são incapazes de di- no pós-crise,
recionar adequadamente os passando pelas
investimentos em inovação. melodias de sua
Trata-se de uma visão, em si, banda de jazz (ele
inovadora e polêmica. Mais toca clarinete
uma, no caso de Christensen. e saxofone) e o
início da carreira,
POR DUBES SÔNEGO como analista que
adorava previsões
com base em
dados. Como
pano de fundo
do livro, Mallaby,
especializado
em finanças,
apresenta uma
radiografia da
formulação
de políticas
econômicas nos
Estados Unidos ao
longo das últimas
quatro décadas.
O trabalho é
resultado de cinco
anos de pesquisa.

D.S.

foto: evan kafka; divulgação Novembro 2016 epocanegocios.globo.com 23

É CAPITAL ::: CARLOS RYDLEWSKI

A MAIOR LIÇÃO DO OCASO PETISTA

REJEITAR AVENTURAS NA ECONOMIA É TÃO IMPORTANTE COMO ASFIXIAR A CORRUPÇÃO

p ROMETE ser parrudíssima os cubanos, representava um alento, um respiro para a
a quantidade de mortos-vi- fragilíssima economia local. O intrigante é que o dinhei-
vos que emergirá do petro- ro oferecido pelo Brasil não estava vinculado ao porto
lão nos meses vindouros. É ou à ZDE. Tinha um destino genérico, como “recursos
gente – ou melhor, é zumbi para infraestrutura”. Eles poderiam ser usados até na
– suficiente para abastecer construção de rodovias. Foi Cuba que optou pelo por-
de coadjuvantes mais oito to. E é aqui que mora o esqueleto: parece, no mínimo,
temporadas do Walking surpreendente um acordo internacional nesses moldes,
financiado pelo BNDES.
Dead (o seriado no qual os
Por essas e centenas de outras, vimos o PT ser exe-
monstros apanham feito crado nas eleições municipais. De 638 prefeituras em
2012, passou para 254 este ano. Foi a legenda que mais
idiotas, já os vivaldinos...). Só na delação da Odebrecht, encolheu na cena política nacional. Tamanho tombo tem

fala-se em 300 anexos, ou seja, mais 300 histórias de fal- sido atribuído às denúncias de corrupção, catalisa-
das pela Lava Jato. É fato. Mas não são pro-
catruas, narradas por quase 80 executivos que atuaram priamente as falcatruas políticas que dis-
tinguem o partido dos demais. Ele
na empresa. E, claro, tem o Eduardo Cunha, que também se notabilizou pelas barbari-
dades na condução da economia.
ainda pode cantarolar como um Pavarotti Abusou de medidas autocráticas,
além de ter feito prosperar políti-
dei pentiti (“Pavarotti dos arrependi- cas isolacionistas – e o termo, aqui,
se aplica a ações que vão da exigên-
dos”, como foi chamado Mario Chie- cia de conteúdo local, que se mos-
trou uma asneira populista, passam
sa, um dos principais políticos-de- pelas restrições na exploração do pré-
sal e avançam até a cegueira aplicada ao
latores da Mãos Limpas, na Itália). comércio exterior. Rejeitar esse tipo de visão

Há, porém, fatos que mal co- de mundo, anacrônica e deformada por ideolo-
gias, é tão importante como asfixiar a corrupção entre
meçaram a ser esclarecidos e po- nós. Indicadores sociais em queda vertiginosa provam
isso. O fato é que, sem eficiência no modelo, não existe
dem ampliar o potencial explosivo desenvolvimento de longo prazo. Sonhos e oportunida-
des continuarão a ser negados à maioria. O problema é
desse pacotão. Nessa lista estão as que não se pode afirmar que a lição oferecida pela aven-
tura petista foi, finalmente, entendida pelos brasileiros.
operações internacionais que en- Tal conclusão ainda soa otimista demais.

volveram os governos Lula e Dilma, CARLOS RYDLEWSKI é jornalista

em compadrio com empresas brasi-

leiras públicas e privadas (Odebrecht e

Petrobras, entre elas). Existem continentes

a serem explorados nesse tipo de investigação,

como a África (Angola, em particular), além dos em-

preendimentos muy amigos, na Venezuela, no Peru e na

República Dominicana.

E existe Cuba. Estive na ilha no início do ano pas-

sado, para acompanhar os primeiros passos da histó-

rica aproximação entre Barack Obama e Raúl Castro.

Ali, o governo petista bancou a construção do porto

de Mariel (US$ 682 milhões), erguido pela Odebrecht,

em 2014, além de uma área industrial contígua ao cais,

uma Zona de Desenvolvimento Especial (US$ 290 mi-

lhões). A obra, polêmica aqui, era essencial por lá. Para

24 epocanegocios.globo.com Novembro 2016 foto: getty images

DESCOLADA A sede
da empresa, com jeitão

de Vale do Silício,
em São Paulo: em
um ano, número de
funcionários saltou de

30 para 300

VIDA DE BANCÁRIO_ O Nubank, uma startup financeira, atraiu aportes dos PÁG. 34

maiores fundos americanos. Agora, quer mais: tornar-se um banco completo

novembro/2016

Viajamos até o futuro da computação. Ele fica no Canadá PÁG. 26 /
Esse Abilio Diniz não tem jeito. Aos 79 anos, só fala em trabalhar PÁG. 50 /

Cuidado com o RH. Ele quer prender você em uma sala e... PÁG. 62 /
Na China, casais deixam os filhos para trás em busca de trabalho PÁG. 72 /

foto: Rogério albuquerque

NO BERÇÁRIO Na pequena
Waterloo, centros de pesquisa
receberam aportes de US$ 1 bilhão,
em 15 anos: na universidade, jovens
desenvolvem projeto de ótica

26 epocanegocios.globo.com Novembro 2016

foto: divulgação INOVAÇÃO

no
coração

dos
superbits

Não entre em pânico,
mas precisamos falar de
computação quântica. Ela já
prospera no Canadá e promete
levar a tecnologia a um

patamar insólito

NAYARA FRAGA

Novembro 2016 epocanegocios.globo.com 27

INOVAÇÃO

d O VALE DO SILÍCIO (ou Difícil mesmo é entender o que eles estão fazendo.
Silicon Valley) todo mun- “Posso dizer, sem me enganar, que ninguém compreen-
do já ouviu falar. De lá de a mecânica quântica”, já afirmava, com propriedade,
saíram as grandes inova- o cientista americano Richard Feynmann (1918-1988),
ções que alteraram dras- Nobel de Física em 1965. Os pesquisadores do Quan-
ticamente o modo de vida tum Valley – que contempla o Perimeter, o Instituto de
das pessoas em todos os Computação Quântica (IQC), baseado na Universidade
recantos do mundo. Sur- de Waterloo, um fundo de investimentos de Lazaridis e
giram ali verdadeiras usi- uma dezena de startups – diriam a Feynmann que, hoje,
nas da tecnologia, como o não é bem assim. Prova disso é o “supercomputador
quântico universal” que o IQC desenvolve.
Google e o Facebook, pa-
lll
ra citar as mais pops, mas também a Intel, a Apple e a
A MÁGICA DOS BITS DUPLOS_ Para entender essa
Hewlett Packard (HP), que fundaram as bases da com- máquina, e suas potenciais consequências para o mun-
do, é bom ir por partes. Primeiro, pense no PC de hoje.
putação atual. Do Quantum Valley (ou Vale Quântico), Todas as informações executadas nele são traduzidas
– no microprocessador que está dentro da máquina –
no entanto, pouco se sabe – a não ser que você seja um pelos números zero ou 1, sendo que cada um deles é
conhecido como bit. Exemplo: uma foto é formada,
daqueles físicos que buscam entender o comportamen- por trás da tela, com base em sequências de zeros e
uns, um atrás do outro. Um computador que funcio-
to da matéria, desde as menores partículas (incluindo ne de acordo com os princípios da mecânica quântica
tem, no entanto, uma espécie de bit duplo (ou bit su-
as invisíveis) até o universo como um todo. perposto). Ele pode se apresentar (ou, no jargão téc-
nico, assumir diversos “estados”) como 00, 01, 10 e 11.
Pois é desse outro “vale”, cravado no coração de Wa- Isso quer dizer que, na prática, o mundo dos quanta
pode produzir máquinas infinitamente mais velozes,
terloo, uma cidadezinha universitária de prédios peque- com capacidade de processar problemas de alta com-
plexidade, a começar pela fatoração de números com
nos e envidraçados, com perto de 100 mil habitantes, a centenas de dígitos, uma tarefa complicadíssima para
os PCs nos dias correntes.
cem quilômetros de Toronto, no Canadá, que reside – e
A mágica está no fato de que, à medida que os bits
prospera – a maior promessa da tecnologia da atualida- duplos (chamados de “quantum-bit” ou “qubit”) são
adicionados, o crescimento da capacidade de processa-
de. Não se trata de um app ou um aparelhinho “smart”. mento é exponencial. Um computador de 4 qubits tem

Ali, a dedicação dos pesquisadores (325 no total, para ser O MARQUETEIRO Mike Lazaridis,
fundador da BlackBerry, é o pai do “vale”
mais exata) busca decifrar como as estranhezas da me- dos quanta: ele criou um fundo de US$ 138
milhões para investir em startups do setor
cânica quântica podem revolucionar áreas como ener-

gia, aviação, medicina e, claro, a própria computação.

Nos últimos 15 anos, os cientistas da região que li-

dam com esse tema, o mundo dos quanta, receberam

US$ 1 bilhão em investimentos. Boa parte dessa quan-

tia veio de figuras conhecidas. Mais da metade desse

valor saiu do bolso de Mike Lazaridis e Doug Fregin,

os fundadores da BlackBerry. Recentemente, o pri-

meiro-ministro do Canadá, o jovem e badalado Justin

Trudeau, anunciou que o governo investirá mais US$

37 milhões em apenas um centro de pesquisas de física

teórica do vale, o Perimeter Institute. Não por acaso,

é perceptível, em um passeio por Waterloo, sobretudo

por seus laboratórios, a empolgação dos pesquisado-

res, debruçados sobre toda sorte de engenhocas.

28 epocanegocios.globo.com Novembro 2016

foto: FIRST LIGHT / AGB PHOTO Novembro 2016 epocanegocios.globo.com 29

30 epocanegocios.globo.com Novembro 2016 fotos: divulgação

INOVAÇÃO

16 dos tais “estados” diferentes ao mesmo tempo. Já um lll

de 16 qubits salta para mais de 65.536 estados diferen- UMA ENGENHOCA E TANTO_ Nas experiências em

tes simultâneos. O aparelho que o IQC está criando terá andamento, a Nasa, o Google e a Lockheed usam uma

cem qubits e, portanto, será capaz de fazer mais de 3 máquina quântica da canadense D-Wave (que não está

trilhões de operações ao mesmo tempo. exatamente no Quantum Valley, mas em Vancouver),

E o que isso tem a ver com você? No momento, pou- a primeira empresa a comercializar um equipamento

co. Mas não a ponto de permitir que isso tudo seja ig- desse tipo e com grandes proporções. A engenhoca fa-

norado. Não é à toa que a Nasa, o Google e a Lockheed bricada tem 3 metros de altura e, dentro dela, há um

Martin estão de olho nesse tipo de tecnologia. A agên- equipamento cilíndrico que contém um chip de nióbio

cia espacial quer usar o computador quântico não só resfriado a 273 graus negativos (isso mesmo, negati-

para programar melhor as tarefas dos astronautas, que vos!). Mais gelado do que os 272 graus negativos da Ne-

dependem de várias condições para serem executadas, bulosa do Bumerangue, uma espécie de estrela em de-

como para encontrar planetas fora do sistema solar. A composição, localizada a 5 mil anos-luz da Terra, tida

Lockheed, que precisa desenvolver sistemas seguros como o lugar mais frio do universo.

para suas aeronaves militares, quer cortar custos com A máquina desenvolvida pelo Instituto de Compu-

a ajuda dos qubits. Metade do dinheiro que a empresa tação Quântica funciona em temperatura semelhante.

gasta na criação de seus A diferença está no fato

softwares é consumida eAqMtueNeainsparatotaseLiCmnaso,accjeoánoknGmahftadooeuzeoáfedmgemilteo de que o computador no
pela validação e verifica- qual os cientistas do IQC
ção desses sistemas, uma trabalham será univer-
tarefa que seria muito sal e escalável. Univer-
mais fácil para um mode- sal porque será capaz de
lo quântico. resolver uma infinidade
de problemas, enquanto
E esses são somente o da D-Wave teria sido
alguns exemplos. “Se me- projetado para computar
tade do que se espera com um só tipo de questão. Ou
essa tecnologia se tornar seja, ele entrega a solução
verdade, a gente pode fa- para um dilema especí-
lar em uma economia na

ordem de bilhões de dó- fico. Escalável porque,

lares anuais somente em com a mesma tecnologia,

custos de logística para grandes empresas de transpor- os pesquisadores acreditam que será possível construir

te”, diz o brasileiro Gabriel Coutinho, um pós-doutor uma máquina cada vez mais poderosa. Ou seja, não será

em combinatória e otimização (uma área da matemá- preciso começar outra pesquisa do zero para construir

tica que ajuda a estudar os fenômenos da computação algo melhor.

quântica) pela Universidade de Waterloo, no novo vale. Além disso, o computador do IQC ofereceria a opor-

“Decidir qual a maneira mais eficiente de organizar os tunidade de controlar melhor os bits quânticos, o que

voos de uma companhia aérea é um tipo de problema representa um dos maiores desafios enfrentados pelos

para o qual os modelos quânticos podem ser úteis.” cientistas hoje. É que os qubits são muito sensíveis. Pa-

rece conversa de louco, mas se você tentar interferir no

sistema ele entra em colapso. Isso porque, com qualquer

alteração no ambiente, eles perdem seu poder e voltam a

ser bits normais, 0 e 1, virando um computador clássico.

O INÍCIO O professor Mariantoni orienta Daí a necessidade desse ambiente gélido e de materiais
estudante no IQC; circuito do computador capazes de “segurá-los” sob essa temperatura extrema.

que terá cem qubits, capaz de processar Tirando o equipamento da D-Wave – que ainda gera
trilhões de operações ao mesmo tempo alguma controvérsia quanto à sua capacidade –, é cor-

Novembro 2016 epocanegocios.globo.com 31

INOVAÇÃO

reto dizer que os estudos, no Canadá e no resto do mun- BADALADÍSSIMO Só o Perimeter Institute,
do, ainda não deixaram o laboratório. “Mas a pesquisa um renomado centro de pesquisas de física
evoluiu drasticamente na última década”, diz Matteo teórica do “vale”, receberá investimento de
Mariantoni, pesquisador do IQC. “Em breve nós sere- US$ 37 milhões do governo canadense
mos capazes de criar um super qubit (feito de dezenas
de bits quânticos) que pavimentará o caminho em dire- No Canadá, a roda da ciência quântica gira rápido,
ção ao novo modelo de computação.” O Google é uma por conta de investimentos em mão dupla. Eles não
das instituições parceiras do IQC nesses estudos. envolvem só governo, mas o empresariado também. O
exemplo notório é o de Mike Lazaridis, o fundador e
Outro fato promissor associado à tecnologia, per- ex-CEO da BlackBerry. “Você não pode ter uma reação
ceptível no Quantum Valley, é o ecossistema de startups normal à mecânica quântica, quando entende o que ela
que surgiu ali. Só do IQC saíram seis jovens empresas significa”, diz Lazaridis, que estudou engenharia elé-
nos últimos sete anos. Uma delas é a NeutronOptics. trica na Universidade de Waterloo, nos anos 80. “Nós
Ela desenvolve equipamentos que fazem imagens ba- discutíamos um tema que parecia absurdo com o pro-
seadas em partículas de nêutron (neutron imaging), fessor, mas eu e meus colegas entendemos e percebe-
uma espécie de raio X com melhor definição. mos que havia ali uma revolução chegando.”

Outro exemplo é a Isara, cujos fundadores são ex- Na década seguinte, nos anos 90, o empresário, que
BlackBerry. A companhia desenvolveu um kit de ferra- nasceu na Turquia e chegou ao Canadá aos 5 anos de
mentas de segurança para proteger empresas que lidam idade, levou a curiosidade e o entusiasmo iniciais a sé-
com vasto número de dados (como bancos e operado- rio. Em paralelo ao comando da BlackBerry, a criado-
ras de telefonia) do ataque de computadores quânticos. ra do primeiro smartphone do mundo, começou a dar
Essa é, aliás, uma das maiores preocupações que sur- vida ao Quantum Valley, com a fundação do centro de
gem ao lado das promessas da nova tecnologia. Hoje, o pesquisa de física teórica, em uma parceria público-
código de segurança mais robusto do mundo tem 256 privada, em 1999. No início de 2000, fundou o Instituto
dígitos, um número muito grande para ser desvendado de Computação Quântica e, em 2013, ao lado de seu co-
por computadores convencionais. Já os quânticos se- lega de infância e cofundador da empresa de smartpho-
riam capazes de “quebrar” uma senha de 300 dígitos nes, Doug Fregin, criou um fundo de US$ 138 milhões,
em poucos minutos. Ou seja, a Isara pensa longe: desde apenas para investir em startups que queiram comer-
já, mira as consequências do futuro da computação.

Aplicações de todo tipo

Na prática, a computação quântica é apenas um sinônimo de processamento ultraveloz

Carros autônomos Medicina Nasa Defesa

Chips ultrapotentes Hoje, um remédio é Telescópios capturam A Lockheed Martin
vão aperfeiçoar o criado com a ajuda de um volume imenso de testa a tecnologia quântica
“aprendizado de softwares. Uma máquina dados. Analisados por um em processos exaustivos
máquinas”, como os quântica combinaria computador quântico, de validação e verificação
sistemas dos veículos que trilhões de moléculas podem ajudar a localizar dos softwares de suas
dispensam motoristas em pouco tempo novos planetas aeronaves militares

32 epocanegocios.globo.com Novembro 2016 foto: Thinkstock

cializar inventos baseados nos quanta. Na prática, ele de comunicação seguras e sensores sensíveis para ima-
é o “pai” do novo vale, que de “vale” não tem nada. A gens biomédicas”. No total, a União Europeia tem 2.455
propósito: Waterloo está numa planície que congela cientistas atuando nesse campo, segundo um estudo da
no inverno, um clima bem diferente do “primo” cali- Comissão Europeia, divulgado em junho.
forniano, o Vale do Silício. Aliás, o termo “valley” pode
ser entendido como parte do esforço marqueteiro de As posições seguintes dos maiores investidores
Lazaridis, que sabe muito bem como fazer isso. E ele nesse ramo são ocupadas por China, Estados Unidos
explica: “O nosso sucesso está baseado na união de doa- e Canadá, que Época NEGÓCIOS visitou a convite
dores privados e de um governo que, juntos, formam do governo local. O Brasil, segundo a mesma análi-
um grupo de investidores visionários”. se, tem 104 pessoas pesquisando o tema. Uma delas
é Paulo Nussenzveig, professor do Instituto de Física
lll da USP. A maior utilidade desses novos computado-
res, para ele, estaria na sua capacidade de simulação.
CORRIDA GLOBAL_ Não é só o Canadá que tenta “A nossa dependência em relação a materiais cada vez
desvendar os mistérios do mundo quântico. A União mais sofisticados [para construção, sistemas eletrô-
Europeia lançou um programa de investimento de ¤ 1 nicos, aviões e outros] e a necessidade de projetá-los
bilhão, a partir de 2018, com o objetivo de liderar o que sob medida nos obrigam a conhecer profundamente
chama de a “segunda revolução quântica”. Disse a or- o funcionamento e a composição de cada um deles”,
ganização, em comunicado recente: “No último século, diz o professor. “Para tanto, o melhor é simular esses
a humanidade se debruçou sobre os segredos da físi- sistemas em um computador, e as máquinas quânticas
ca quântica. Agora, aspectos antes inexplorados dessa serão especialmente apropriadas para essa tarefa.” Ou
teoria estão prontos para uso em tecnologia de redes seja, elas prometem.

foto: Perimeter Institute Novembro 2016 epocanegocios.globo.com 33

34 epocanegocios.globo.com Novembro 2016

CAPA

até onde vai

o nubank?

O cartão de crédito é só o começo. A startup quer aumentar o
pacote de produtos e serviços até que seus clientes, um dia, não

precisem mais de outro banco. O jogo ficará mais pesado

DARCIO OLIVEIRA, DUBES SÔNEGO E BARBARA BIGARELLI ROGÉRIO ALBUQUERQUE

O “SQUAD” DAS FATURAS Decoração colorida, grafites nas paredes e uma galera bem jovem
cuida das contas dos clientes. A média de idade dos funcionários do Nubank é de 26 anos

foto: xxxxxxxxx Novembro 2016 epocanegocios.globo.com 35

CAPA

o COLOMBIANO David assinatura. “Se você inverter as letras do começo fica
Vélez gosta de dizer, bem- Unbank, ou não banco.” Resumindo tudo isso, o Nu-
humorado, que sua star- bank tem banco no nome mas não se apresenta como
tup nasceu na Califórnia. tal, pois não segue o “que existe por aí”. Essa é a ideia.
Precisamente no número “Somos, na verdade, uma empresa de tecnologia criada
492 da rua Califórnia, no para prestar serviços financeiros. O cartão de crédito é
bairro do Brooklin, Zona só o começo”, resume David. Na denominação de mer-
Sul de São Paulo, em um cado, sua startup é uma fintech – empresas que têm
sobrado antigo, alugado, como característica uma estrutura operacional enxuta
com paredes descasca- (o que reduz custos), tecnologia de ponta (que confere
agilidade e eficiência operacional), gestão moderninha
das, móveis envelhecidos e que se valem do alcance ilimitado da internet para
multiplicar o número de clientes. É um fenômeno que
e tacos soltos pelo chão. Na parte de baixo, improvisou- se alastrou feito gafanhoto nos últimos anos – com a
diferença de que não destroem, mas renovam o merca-
se o escritório. A de cima virou o lar, se é que se pode do. Segundo a empresa de pesquisas Venture Scanner,
existem atualmente mais de 1,4 mil fintechs no mundo.
chamar de lar, de três valentes engenheiros. Trabalha- Por aqui, o número chega a 172. O Nubank, pode-se di-
zer, é o expoente nacional dessa indústria.
va-se muito, cerca de 80 a 100 horas por semana. Ganha-
Com pouco mais de dois anos de atividade, o Nu-
va-se nada. Mas havia a perspectiva de algo grandioso, bank já recebeu 5,5 milhões de pedidos de cartão de
crédito – desse total, uma parte foi emitida, outra re-
isso sim. A turma da startup da Califórnia tinha certeza cusada e uma terceira (de 500 mil pessoas) forma uma
fila de espera para análise de crédito. “Nossa base tem
de que as noites insones desenhando sistemas opera- crescido de 20% a 30% ao mês e o cartão já foi usado
em mais de 60 países”, diz David. O Nubank não revela
cionais e rabiscando planos de negócios seriam recom- a quantidade exata de clientes ativos, mas especialistas
desse setor e parceiros da startup estimam algo em tor-
pensadas em um futuro breve. E não é que deu certo! no de 700 mil a 800 mil, um número importante se le-

Ali surgiu o Nubank – ou pelo menos o que viria a

ser o Nubank, startup que oferece cartões de crédito

sem anuidade, sem taxas, que podem ser gerenciados

pelo próprio cliente via aplicativo de smartphones. Nu

vem de nu mesmo, que significa ser transparente, sem

preconceitos, destituído das regras tradicionais. Se a

preferência for pela pronúncia em inglês, então se tem

um “novo banco”. E David Vélez ainda arruma uma ter-

ceira explicação, um tanto sofisticada, para a escolha da

36 epocanegocios.globo.com Novembro 2016

varmos em conta a idade da empresa e o fato de ela não renciamento pelo aplicativo. “Ninguém tem esse siste-
gastar um centavo sequer em marketing. Para efeito ma no Brasil”, diz David. Outra novidade é o programa
de comparação, nos Estados Unidos, um mercado bem de recompensas no cartão de crédito, em fase de tes-
mais maduro que o Brasil, o Simple Bank, uma startup tes. Nada impede que, num futuro próximo, o Nubank
que trabalhava com conta corrente e cartão de débito, consiga licenças do Banco Central para também ope-
amealhou 100 mil clientes em cinco anos de atividade. rar, por exemplo, com conta corrente, cartão de débito,
Acabou comprado pelo BBVA em 2009. “Não existe ne- empréstimos e que tais. No limite, diz David, “a ideia é
nhum outro produto financeiro no mundo que conse- fazer com que o cliente do Nubank não precise de ne-
guiu viralizar como o nosso”, diz David. nhum outro banco para movimentar seu dinheiro”.

Calma lá. O Capital One, uma das referências de Da- lll
vid Vélez para criar o Nubank, também teve uma tra-
jetória excepcional, assim como a russa Tinkoff, outra COSTAS QUENTES_ O suporte para o crescimento
inspiração do dono do Nubank. A lista também inclui do Nubank veio de alguns dos maiores fundos de in-
ClearScore, GreenSky e Lending Club. O que se pode vestimento do Vale do Silício. Na lista estão: 1) Sequoia
dizer, sem medo de errar, é que até aqui a empresa de Capital, cujo portfólio inclui Google, Pay-Pal, Airbnb
David faz parte, sim, de um grupo de elite das startups e WhatsApp; 2) Tiger Global, financiador de Netflix,
financeiras. E que não deve se ater a nichos de merca- LinkedIn e a brasileira Netshoes; 3) Kaszek Ventures,
do. Há planos para oferecer novos produtos e serviços. que apostou no Mercado Livre, Decolar e Guia Bolso;
Na terça-feira, 1º de novembro, por exemplo, o Nubank 4) Founders Fund, parceiro da Tesla e Space X, de Elon
lançou um sistema de desconto para antecipação de Musk; 5) QED Investors, de Nigel Morris, cofundador
parcelas. Os Nus (é assim que a empresa se refere a seus do Capital One e 6) o investidor e filantropo Nicolas
clientes) que tiverem compras parceladas e quiserem Berggruen. É um time de peso, responsável por injetar
quitá-las de uma vez terão o benefício. Basta fazer o ge- mais de US$ 100 milhões no projeto de David. Neste
ano, o Nubank ainda buscou empréstimos de R$ 400
O COMEÇO O sobrado na rua Califórnia milhões com o Goldman Sachs para financiar o crédito
servia de escritório e lar dos engenheiros. rotativo de clientes no Brasil e no exterior. Fontes ou-
Em oito meses, a turma colocou o produto vidas pela NEGÓCIOS estimam em US$ 300 milhões o
“no ar”. Ah, sim: Lost é o mascote da startup valor de mercado do Nubank, algo como R$ 1 bilhão no
câmbio atual. Só o Hotel Urbano e a Netshoes, ícones
digitais de outros segmentos, superam essa cifra.

Não é à toa que investidores como Sequoia ou Ti-
ger estão apostando alto em empresas como o Nubank.
Elas representam aquilo que o mercado convencionou
chamar de empresas disruptoras, as organizações ca-
pazes de reinventar o sistema, criando novos caminhos
para velhos modelos de negócio. Uber, Netflix e Ama-
zon são exemplos concretos do fenômeno. No caso das
startups financeiras, elas conseguiram antecipar o fu-
turo, seduzindo uma geração de consumidores que tira
o sono dos banqueiros: os millennials, jovens entre 18
e 34 anos que não parecem nem um pouco dispostos a

foto: acervo pessoal Novembro 2016 epocanegocios.globo.com 37

CAPA

enfrentar a burocracia e as regras do sistema financeiro mília, fomos criados para não ter chefe. Meu pai tem 11
tradicional. Uma pesquisa do Goldman Sachs mostra irmãos e todos eles são donos de negócios próprios”,
que 33% dos millennials acreditam que não vão mais diz. “Cresci nesse ambiente.” Em Stanford, escolheu
precisar de um banco em um prazo de cinco anos. Para a engenharia financeira como ponto de partida. Ima-
este público, os aplicativos financeiros no celular da- ginava que em algum momento, naqueles quatro anos
rão conta do recado. Outro dado revela a força do fe- no campus da Califórnia, lhe ocorreria, naturalmente,
nômeno: segundo o Goldman Sachs, US$ 4,7 trilhões a ideia mágica de uma startup inovadora. “Que nada.
em receitas dos bancos podem ir parar, nos próximos Não conseguia pensar em um mísero negócio que va-
anos, nas mãos das fintechs. O movimento é crescente lesse a pena.” Resignado, foi buscar alguma experiência
e parece irreversível. Qualquer semelhança com o que no mercado financeiro. Acabou arrumando uma vaga
ocorreu na indústria da música, do transporte e do ci- de analista do Morgan Stanley, em Nova York. Ficou
nema não é mera coincidência. dois anos no banco, “sem aprender grande coisa”. Em
2007, trocou o Stanley pela General Atlantic, um fundo
Ainda assim, David não considera que as fintechs de private equity que estava, naquele momento, costu-
sejam uma ameaça aos bancos. “Somos apenas mais rando seu primeiro investimento no Brasil: a compra
uma alternativa”, diz. “Uma pequena porcentagem do de 10% da BM&F, por US$ 500 milhões, então o maior
setor já é suficiente para construir uma grande em- aporte já feito pelo fundo americano. Foi quando o Bra-
presa.” Doug Leone, sócio da Sequoia Capital, diz que sil entrou na história de David Vélez.
a grande sacada de David foi justamente se apoiar na
principal deficiência dos bancos brasileiros: a falta de O engenheiro foi enviado a São Paulo para montar
agilidade e de habilidade para lidar com um público um escritório da General Atlantic e pesquisar oportuni-
ávido por novidades e extremamente insatisfeito com dades de investimento. O mundo vivia a crise de 2008,
a oferta atual de serviços. “David tinha a visão clara de o Brasil celebrava a marolinha. “De fato, a crise não fez
que o caminho para isso era construir uma companhia muito barulho por aqui”, lembra David. O fundo fez
de tecnologia para atuar na área de serviços financei- novos investimentos, na Qualicorp e no Mercado Li-
ros, e não uma companhia de serviços financeiros com vre. Dois anos depois, David largou a General Atlantic
tecnologia. Isso os bancos já fazem.” Nigel Morris, do e voltou a Stanford para fazer pós-graduação. Logo a
QED e do Capital One, complementa: “O David é expe- Sequoia o procuraria para uma missão: prospectar star-
rimentado como investidor, já esteve aqui desse lado. tups no Brasil. E lá se foi David arrumar as malas para
Sabe ser realista sobre o que pode dar errado. Além dis- voltar a São Paulo.
so, tem ego baixo e ambição alta, a melhor combinação
possível para um emprendedor”. Desta vez, a garimpagem de empresas novatas e
promissoras mostrou-se inócua – não havia volume
Em pouco menos de dois anos, David Vélez, um en- que justificasse qualquer investimento. “Para você ter
genheiro de 35 anos, saiu do anonimato para se trans- uma ideia, a USP, a melhor universidade do país, esta-
formar no empresário a ser observado. O que poucos va formando uma quantidade ínfima de engenheiros.
sabem é que essa história de empreendedorismo come- Sem engenheiros não se monta um ecossistema de
çou na cidade mais perigosa da Colômbia. tecnologia”, diz David. “As poucas oportunidades que
apareciam eram de empresas copiando e colando as es-
lll tratégias de startups americanas. Ora, as startups ame-
ricanas têm vantagens e problemas típicos de Primeiro
ANTES DA CASINHA_ Medellín não era um bom lu- Mundo, não dá para ficar imitando.” Enfim, Vélez não
gar para se viver no final dos anos 80, início dos 90. A achou nada de bom para apresentar à Sequoia.
violência intensa, patrocinada pelos cartéis do tráfico,
tornava a cidade colombiana uma das mais perigosas DAVID VÉLEZ, CEO E FUNDADOR
do mundo. Natural, então, que a família Vélez mirasse “Na minha família, fomos criados para não
outras paragens para criar os filhos. Costa Rica foi o
destino escolhido e de lá, aos 18 anos, David, o primogê- ter chefe. O empreendedorismo foi parte
nito, partiu para a universidade americana de Stanford, importante da minha educação”
celeiro do empreendedorismo mundial. “Na minha fa-

38 epocanegocios.globo.com Novembro 2016 foto: Rogério Albuquerque

Novembro 2016 epocanegocios.globo.com 39

40 epocanegocios.globo.com Novembro 2016

CAPA

Ou melhor, achou. A grande ideia que ele procurou ração de atendimento ao cliente da Disney e da Zappos,
durante anos em Stanford surgiu da forma mais prosai- referências mundiais no trato com o consumidor. A cul-
ca possível: na porta giratória de um banco. “Tive aque- tura Google e a operação do Spotify foram igualmente
la experiência de entrar em uma agência bancária, ser investigadas. Era preciso ter o máximo de informações
revistado quase como um criminoso, esperar uma eter- para poder criar um projeto sem pontas soltas. Ele não
nidade para falar com um gerente, para descobrir que queria ouvir um “esquece” dos potenciais investidores.
só conseguiria abrir a conta seis meses depois. E o pior:
a central de atendimento não resolvia meu problema”, O plano estava pronto. O processo de adesão ao
diz. “Foi quando caiu a ficha: por que há tanta burocra- cartão de crédito seria todo feito via smartphone, sem
cia se vocês pagam as maiores taxas bancárias do mun- burocracia. Bastaria ao candidato a cliente postar uma
do?” O questionamento transformou-se em um projeto foto, fotografar os documentos e responder algumas
de banco digital. E o projeto seria levado à Sequoia. perguntas. Os algoritmos, então, pegariam todas as
informações submetidas ao app Nubank e aplicariam
David decidiu, então, mergulhar de vez no setor uma série de variáveis para aprovar ou não o crédito.
para entender o que fazer – e principalmente o que não Seriam quase 2 mil variáveis, das consultas às empresas
fazer em sua nova empreitada. Começou uma marato- de proteção ao crédito à análise das respostas, passando
na de visitas a bancos, executivos do mercado financei- até mesmo pela avaliação do celular do candidato. Para
ro e advogados. Calcula ter ouvido, em três meses de desenvolver um sistema como esse, David contrataria
peregrinação, cerca de 35 pessoas. E diz que perdeu as uma equipe de analistas de dados dos Estados Unidos
contas de quantas vezes escutou a palavra “esquece”. O e da Índia. Também criaria um bom serviço de atendi-
recado, com pouquíssimas variações, era mais ou me- mento ao consumidor, com equipe própria, evitando a
nos assim: no Brasil não dá para começar um serviço armadilha da terceirização. A tecnologia empregada no
como esse, os bancos não vão deixar, você é gringo, os aplicativo permitiria ao cliente ganhar tempo. Exem-
reguladores não vão deixar... esquece. David se lembra plo: ele mesmo poderia bloquear e desbloquear o cartão
especialmente do conselho do CEO de um dos bancões ou reportar um erro na compra, sem a necessidade de
privados: “Uma empresa financeira só de internet não falar com ninguém. Contaria ainda com um sistema de
faz sentido. A internet é devagar no Brasil e não haverá gerenciamento de gastos, para ajudá-lo com as contas.
oferta. E você é estrangeiro, o que dificulta as coisas.
Esquece”. Enquanto isso, o Facebook e o WhatsApp A ideia era desenvolver uma estrutura operacional
bombavam no Brasil. Internet não era o problema. enxuta e eficiente, de modo a repassar ao consumidor
os benefícios da economia de custo, na forma de isenção
lll de tarifas e taxas de juros mais baixas, caso ele entrasse
no rotativo. A receita ficaria restrita às taxas cobradas
DE MOSCOU À DISNEY_ O gringo intruso esque- dos estabelecimentos a cada transação e aos juros das
ceu-se dos recados dos entendidos e passou os meses faturas parceladas, que, pelos seus cálculos, seriam a
seguintes concentrado no projeto. Leu uma dezena de metade do que é cobrado nos bancos tradicionais.
livros, com destaque para Bank 3.0 e O Dilema da Ino-
vação, de Clayton Christensen, sua bíblia para subver- Por fim, os números do mercado justificariam o in-
ter a ordem do mercado financeiro. Visitou mais uma vestimento. No Brasil, cinco bancos detêm 90% do sis-
penca de executivos, viajou a Moscou para falar com o tema, uma concentração absurda de serviços similares
CEO do Tinkoff, o quinto maior emissor de cartões na e custos semelhantes. O país tem 86 milhões de cartões
Rússia, afundou-se nos estudos de caso do Capital One, de crédito ativos, o que significa que há uma quantida-
falou com Deus e o mundo. Também pesquisou a ope- de enorme de gente sem o produto, sobretudo porque
muitos desses portadores têm mais de um cartão. Ao
CRIS E ED Ela é a sócia que entende de mesmo tempo, há mais celulares do que brasileiros no
bancos. Ele, o que lapidou a arquitetura Brasil, e os dados comprovam o uso crescente de smar-
digital. Ao fundo, os dinossauros do “velho tphones em operações financeiras. O Nubank miraria
mundo financeiro”: exemplos do que não ser justamente os millennials, 24 milhões de jovens entre
18 e 34 anos, altamente conectados e refratários a agên-
cias, call centers e à burocracia dos bancos tradicionais.

foto: Rogério Albuquerque Novembro 2016 epocanegocios.globo.com 41

CAPA

Ideia montada, ele preparou slides para tentar bus- se mudado para Buenos Aires com a intenção de con-
car um “capital semente”. A Sequoia viu os slides (um vencer fundos de investimento a bancarem sua ideia de
tanto toscos graficamente, segundo me confidenciou montar uma startup no ramo de transportes. Em vão.
um amigo de David) e decidiu arriscar. Com uma condi- Dois anos depois, quando David retornou a Buenos Ai-
ção: o empreendedor teria US$ 1 milhão para começar res para conversar com o Kaszek sobre o Nubank, reen-
a “brincar” desde que arrumasse um sócio local para controu um Edward cabisbaixo e o convidou a se juntar
dar suporte à operação. E lá foi o David atrás do fundo ao time (até então o time de um homem só). “O Edward
argentino Kaszek Ventures, que, sabendo do lastro da demorou 24 horas para dizer sim. Foi a contratação
Sequoia, lhe deu outro milhão de dólares. mais rápida que eu fiz”, diverte-se David.

“David fez o caminho que nós consideramos ideal. Ed, como é chamado pela galera do Nubank, é o
Achou o problema, conviveu muito tempo com ele e só cara por trás da engenharia sofisticada da startup. Foi o
então viu a oportunidade de empreender. Às vezes você responsável por montar e liderar a equipe de engenhei-
encontra empreendedores que dizem: eu quero ser um, ros disposta ao risco inicial e, como ele diz, à beleza de
então vou procurar o que fazer. Geralmente não funcio- criar algo absolutamente inovador, a tal arquitetura
na”, diz Hernán Kazah, dono da Kazsek e cofundador campeã. “Que tipo de engenheiro aceitaria uma ofer-
do Mercado Livre. Contou muito também o fato de Ka- ta de emprego de três caras que estavam numa casinha
zah já conhecer David Vélez, desde os tempos da Gene- dizendo que iriam montar um banco? Só os malucos e
ral Atlantic. Com US$ 2 milhões no bolso, era a hora de idealistas. Pois eu contratei os dois tipos”, diz Ed.
arrumar sócios operacionais para o projeto. “Eu preci-
sava de um insider, alguém que conhecesse bem o mer- Em pouco tempo, a casinha da rua Califórnia já
cado financeiro local. E de um engenheiro para criar do abrigava 12 pessoas. Era final de 2013, e os sócios ti-
zero uma arquitetura digital campeã, diferente de tudo nham pressa para colocar o cartão no mercado, antes
o que havia no mercado”, diz David. É quando entram que alguém tivesse a mesma ideia. As conversas com
na história Cristina Junqueira e Edward Wible. a Mastercard, a bandeira escolhida para estampar os
cartões, eram quase que diárias. “Em quatro meses, o
lll cartão Nubank estava pronto para ser usado em um
projeto piloto, foi um recorde mundial da Mastercard”,
VOCÊ É MALUCO?_ Cristina Junqueira, 34 anos, é diz Cristina. “Geralmente, a implementação de um car-
mestre em engenharia de produção pela Poli. Nasceu tão, considerando todos os processos, leva seis meses.”
em Ribeirão Preto e foi criada no Rio de Janeiro – o que Em setembro de 2014, o indefectível cartão roxo do Nu-
explica a alternância na pronúncia dos “erres” em suas bank estava pronto para ir ao mercado.
frases, ditas quase sempre de forma acelerada, ao rit-
mo das transformações que a sua vida e a do Nubank Os primeiros clientes foram os 12 funcionários do
sofreram nos últimos meses. Cris trabalhou na antiga Nubank, que também se encarregaram de, na medida
Booz Allen, no BCG em Nova York e no Itaú-Uniban- do possível, em suas redes de contato, espalhar a no-
co – cuidava da Itaucard. Ficou cinco anos no banco. vidade. Vieram então os clientes pioneiros, que David
“Pedi demissão no dia em que recebi o maior bônus da define como early adopters, gente disposta a testar “o
minha carreira. Meu chefe não acreditou, mas eu senti novo” e contar a sua experiência. Depois que o Nubank
que já não estava mais fazendo a diferença por lá”, con- anunciou a captação com a Sequoia, aparecendo nos
ta. David, então, a convidou para fazer a diferença no jornais pela primeira vez, o cartão viralizou. “Recebe-
Nubank. O “insider” estava no time. mos 1,5 mil pedidos em poucos dias”, diz David. “Aí não
parou mais.” Cristina era o SAC. “O 0800 caía no meu
Cristina embarcou no projeto Nubank poucos dias celular. Eu estava grávida de oito meses e atendendo
depois da chegada de Edward Wible, um americano clientes. Foi uma loucura, mas foi bom demais.”
de Chicago, de 33 anos, formado em ciência da com-
putação por Princeton, que David conhecera em 2010 lll
na Argentina, ainda nos tempos em que prospectava
negócios para a Sequoia na América do Sul. Edward, DINOSSAUROS NA PAREDE_ A casinha já não era su-
que também trabalhara no BCG em Nova York, havia ficiente e a empresa se mudou para um prédio na aveni-
da Brigadeiro Luiz Antônio, próximo à avenida Paulista.

42 epocanegocios.globo.com Novembro 2016 fotos: Rogério Albuquerque

Liberdade vigiada
(versão Nubank)

Que tal trabalhar ao ar livre, de
chinelos, tirar uma soneca? Mas
olha: haverá cobrança de resultados

NA SEDE do Nubank, o “dress code” é chinelo,
camiseta e bermuda. Cada um cuida do seu

tempo como achar melhor. Quer bater uma bo-
linha na quadra? Vá em frente. Quer tirar uma
soneca? Acomode-se. Mas haverá cobrança
por resultados, claro. “Se trabalho fosse lazer,
o camarada teria de pagar para trabalhar. E
não receber por isso”, diz Cristina Junqueira.

“Mas nossa galera sabe disso. Sabe que a
liberdade não pode prejudicar a empresa. Eles

têm mentalidade de dono.” E também têm
ferramentas para ajudar a torná-los mais pro-
dutivos. Uma delas é a metodologia Agile, cujo
princípio é estimular o funcionário a dividir os
projetos em pequenas tarefas, gerenciando

o tempo para que cada uma seja cumprida
diariamente. É um controle importante. As pe-
quenas tarefas, se negligenciadas, podem se
transformar num grande problema. Daí porque
se veem em todos os andares quadros cheios
de post-its ou frases rabiscadas nas paredes.

Todas, lembrando das microtarefas

44 epocanegocios.globo.com Novembro 2016

CAPA

Em um ano, o número de funcionários saltou de 30 para nacionalidades e formação variada. Há matemáticos,
300, e David achou que era hora de buscar uma estru- físicos, biólogos, engenheiros, jornalistas e até músicos
tura que acompanhasse a rápida evolução. Novamente, no quadro do Nubank. Egressos de bancos tradicionais
a turma do Nubank mudou de endereço, desta vez para são poucos. “Não contratamos clones aqui dentro, gos-
um prédio em Pinheiros, na Zona Oeste. A empresa usa tamos da diferença de opiniões”, diz David. O Nubank,
três andares, mas David alugou todo o edifício, o que já segundo ele, trabalha com uma estrutura operacional
dá uma dimensão do sonho do empresário. “Isso aqui vai mais plana, sem a rigidez hierárquica das empresas tra-
crescer, temos de estar preparados.” dicionais. Obviamente que alguém, em algum momen-
to, tem de tomar a decisão sobre determinado assunto,
Na recepção, duas mesas de pingue-pongue, poltro- mas o ambiente foi criado para dar total liberdade de
nas roxas e paredes grafitadas com o logo do Nubank argumentação, sem medo de represálias. “A lei é a se-
convidam o visitante a entrar na atmosfera moderninha guinte: o melhor argumento ganha, independentemen-
importada das empresas do Vale do Silício. Nos anda- te do cargo. A gente não criou uma estrutura organi-
res-escritórios, a cena é a esperada: mesões com com- zacional para inflar egos, mas, sim, para controlá-los.”
putadores enfileirados, decoração colorida, paredes
rabiscadas com as tarefas do dia, nenhuma divisória Um dos pontos que ajudam a manter em ordem esta
(exceção feita a uma sala de reunião), cachorro pas- estrutura plana é o sistema squad, inspirado em um mo-
seando pelos corredores (é permitido levar o cão, desde delo operacional que o Spotify utiliza em sua área de
que ele e o dono se comportem), formalidade zero. A produtos. O Nubank foi estudar o assunto e decidiu im-
média de idade dos funcionários é de 26 anos. O unifor- plementá-lo na empresa toda. Os squads são equipes mul-
me, em geral, é bermuda, camiseta e chinelo. Em dias tidisciplinares formadas para cuidar de uma área ou “ata-
frios, suspeito que seja calça, moletom e... chinelo. car” determinados projetos ou problemas. Cada um dos
squads tem um líder, que pode buscar dentro da empresa
Nas paredes de quase todos os departamentos, há a os profissionais que julgar mais preparados para cuidar
presença marcante do artista plástico Ronah Carraro, de um tema.
com seus grafites coloridos de dinossauros estilizados
– uma obsessão dos sócios do Nubank. Sua “pièce de ré- Os squads não são estruturas fixas, e seus integran-
sistance”, contudo, estampa, de ponta a ponta, a parede tes podem ser substituídos a qualquer tempo. “É quase
do fundo da sala que funciona como refeitório e centro como se montássemos mini startups dentro da startup”,
de “descompressão” para a galera Nubank: são cinco diz Caio Gallina Poli, um engenheiro de 27 anos, líder da
lagartões de óculos ou planilhas nas mãos (ou seriam área de serviços ao cliente da companhia. “Além de confe-
patas?), em frente a um skyline que lembra São Paulo. rir mais agilidade, esse sistema ajuda a motivar o pessoal,
Uma beleza. Ninguém diz oficialmente, mas os dinos- uma vez que sempre haverá projetos e temas novos para
sauros de Ronah têm nome: Santander, Banco do Brasil, solucionar.” Um exemplo é o programa de recompensas
Caixa Econômica, Itaú-Unibanco e Bradesco. do cartão, em fase de testes no Nubank. David queria um
programa diferente, sem as regras rígidas impostas pe-
David, Cris e outros líderes dividem uma bancada los bancos – como perdas de pontos ou datas específicas
ao lado dos “XPeers” (responsáveis pelo atendimento) para usar o benefício. Pois foi criado um squad dedicado
e da turma de análise de fraudes. Há ainda os desenvol- ao assunto. Sistemas de pagamentos digitais, sem a neces-
vedores, a turma da logística, o pessoal de mídia social, sidade do cartão físico, como Apple Pay e Samsung Pay,
os analistas e os cientistas de dados, responsáveis por também estão no radar e podem gerar um novo squad.
transformar a profusão de informações dos big datas
em soluções operacionais. Ao todo, são 360 funcio- “A missão aqui é quebrar as crenças tradicionais. E
nários (60 deles com participação na empresa), de 25 isso atrai a juventude”, diz Cristina. Uma dessas cren-
ças era de que as centrais de atendimento de bancos
SEM DIVISÓRIAS NEM DIVISÕES Muita deveriam ser terceirizadas, pois não são atividades cen-
tecnologia, métodos de gestão modernos e trais. E que não exigiriam, digamos, tanta qualificação
uma estrutura hierárquica mais flexível. na contratação. O Nubank foi buscar jovens do Insper,
Os funcionários aprovam da FGV e da USP para atender os clientes. Justamente
porque a função deles não é apenas ficar grudado no

foto: Rogério Albuquerque Novembro 2016 epocanegocios.globo.com 45

CAPA

chat, e-mail ou telefone. Os atendentes são parte ati- linhas de produtos e em novos mercados que a com-

va do processo de análise e evolução do produto. “Há panhia deve tomar cuidado para não perder o foco. “É

um exercício para entender o que levou o cliente a nos preciso saber priorizar. E ter a certeza de que pode ser-

procurar e se há alguma forma de incorporarmos algo vir a uma base maior de clientes mantendo o nível de

no aplicativo para fazer com que ele não precise entrar excelência dos serviços.” Para o investidor americano,

novamente em contato. Esse tipo de análise é inviável a trajetória do Nubank pode ser tão interessante quanto

quando se terceiriza o serviço.” foi o do Capital One, desde que seja construída com in-

Apesar de tudo isso, o Nubank não está imune às teligência. Hoje, o Capital One é o 10º maior banco dos

reclamações. A principal delas diz respeito à fila de es- Estados Unidos.

pera para receber o cartão. Hoje as pessoas se inscre- O comportamento dos consumidores joga a favor

vem e precisam aguardar a análise interna. De acordo dos planos do Nubank. Um estudo da consultoria Cap-

com o perfil do cliente, o processo será mais rápido ou gemini mostra que nos mercados emergentes e entre os

mais lento. Às vezes dura três meses. “Eu tenho difi- mais jovens, as fintechs ganharam popularidade graças

culdade de acreditar que o sistema de análise de risco à percepção de que são mais fáceis de usar (82% dos

do Nubank é melhor do que o dos grandes bancos”, entrevistados), oferecem serviços mais rápidos (81%) e

diz Francisco Jardim, sócio-fundador do fundo de ca- garantem uma boa experiência para o usuário (80%).

pital de risco SP Ventu- Os donos das fintechs

res. “Acho que esse é um qurdaeeOacocsdaupsefprrbiostsnaaobotnçslbeecã,crmoaoahslsdagteéoêm gostam de dizer que “de-
ponto de atenção para a volveram ao consumidor
empresa.” David respon- o poder de escolha”. Não
de assim: “Entendemos deixa de ser verdade. E é
que as pessoas queiram justamente isso que está
respostas rápidas, e nos- fazendo os bancos se me-
so produto trabalha com xerem.
a questão da agilidade.
Mas também precisamos Há, contudo, um gran-
dizer que, como uma em- de obstáculo no caminho
presa que oferece crédito, de empresas como o Nu-
é fundamental dar toda bank: a forma como elas
irão lidar com a necessi-

a importância a esta fase dade constante de levan-

inicial de análise. E esta- tar capital para sustentar

mos sempre aprimorando nosso modelo”. o crescimento. Eis aí o grande dilema das fintechs: quan-

lll to mais evoluem para enfrentar os bancos, mais depen-

dentes ficam de “funding”, algo que os bancos têm de

NOVOS CAPÍTULOS_ Aprimorar o modelo significa sobra. O que leva à conclusão de que as parcerias entre

muito mais do que corrigir o sistema existente. David o novo e o velho mundo serão praticamente inevitáveis.

sonha alto. Acha que o Nubank representa o futuro do Parece ser um caminho natural. As fintechs repre-

serviço financeiro no Brasil. “Nos vemos como uma sentam agilidade, inovação e eficiência operacional.

empresa que vai quebrar paradigmas em vários países, Em contrapartida, os bancos oferecem capital, uma

como fizeram o Uber, a Netflix, a Amazon. O Brasil pode base de clientes mais sólida e experiência para lidar

ser o líder das fintechs nos mercados emergentes, e nós com órgãos reguladores. O próprio David admite par-

queremos ser os líderes digitais em vários segmen- cerias com grandes bancos no futuro, embora rechace

tos”, afirma o fundador do Nubank. Mas essa história qualquer possibilidade de venda do negócio.

de abraçar o mundo pode ser um problema, principal- Porém – e há sempre o porém – os bancos podem não

mente se o movimento não for feito em doses homeo- ser a única “tábua” de salvação para as fintechs. “Esse é

páticas. Quem adverte é Doug Leone, da Sequoia. Ele um mundo novo. Nada impede que surjam, em um fu-

diz que há tantas oportunidades para entrar em novas turo próximo, alternativas para buscar recursos, como

46 epocanegocios.globo.com Novembro 2016

o amadurecimento do modelo de crowdfunding”, diz Outra resposta do Bradesco ao avanço das fintechs

Newton Campos, coordenador do Centro de Estudos em é o Digio, plataforma digital de cartões de crédito do

Private Equity da FGV/Eaesp. Talvez nem seja preciso banco CBSS, uma joint venture com o Banco do Bra-

esperar o futuro próximo. Depois da crise de 2008, com sil. A empresa, a ser anunciada ainda em 2016, estima

os juros no mundo desenvolvido próximo de zero ou até superar 1 milhão de cartões no ano que vem. Apoiado

negativo em alguns países, houve uma corrida por renta- em consumidores de renda mais baixa, o Digio quer

bilidade dentro dos grandes fundos de investimento. Há aproveitar a boa aceitação do público para cartões de

uma grande quantidade de dinheiro que pode ser deslo- crédito sem tarifa, especialmente entre jovens em ida-

cada para startups ou fintechs. Aquelas que tiverem uma de universitária, para criar uma base robusta logo na

boa performance – e uma boa rede de contatos – podem saída. No começo, deve oferecer cartões com bandeira

se beneficiar dessa condição. Visa, mas já há negociações para incluir a bandeira Elo,

“Está ficando cada vez mais claro que teremos no além de uma parceria com o programa de fidelidade de

mercado duas vertentes de fintechs. Uma será a das clientes Livelo – outra empresa sob o guarda-chuva da

empresas que vão concorrer conosco. E outra, das que CBSS. A vida não será fácil para o Nubank.

vão trabalhar conosco”, diz Fernando Freitas, gerente E dá-lhe concorrência. O Santander comprou a

de P&D do Bradesco. “Estamos concentrando nossas ContaSuper, startup que oferece uma conta digital,

energias nessas parceiras hoje com 350 mil clientes

para entender efetiva- euOenmbBtvOararaasnaiarcgdlcaoaieegmnsdlaceçinngoraaoitrctedrujasooilmogr. uao ativos. E o Itaú, além de
mente quais os novos mo- criar o Cubo, que inves-
delos de negócio e as tec- te em startups de vários
nologias que conseguirão segmentos, incluindo as
entregar um melhor ser- fintechs, lançou recen-
viço financeiro para os temente um aplicativo
nossos clientes.” para abertura de contas.
“Nunca pensei tanto em
A pressão que os ban- tecnologia quanto nos
cos sofrem para entrar últimos cinco anos”, diz
na arena digital não vem Roberto Setubal, o presi-
apenas da óbvia constata- dente do Itaú-Unibanco.
ção de que os novos con-

sumidores querem algo Em 2010, 38% do total de

mais do que uma agência transações do banco era

“private” e um cafezinho na mesa do gerente. O nome do feito nos canais digitais. Neste ano, o número superou

jogo é eficiência operacional. Por isso, tentar a revolução 70%. Para acompanhar todas as mudanças, o execu-

usando a estrutura atual talvez seja um tiro no pé. Daí, a tivo viajou ao Vale do Silício disposto a conhecer o

estratégia dos bancões de criar células de inovação. mundo das startups. “O que vimos foi um enorme di-

As apostas do Bradesco começam com a aceleradora namismo, sinalizando gigantescas transformações na

InovaBra, que acaba de lançar um fundo de R$ 100 mi- nossa indústria”, afirma.

lhões para comprar participações em empresas de tec- Esse dinamismo já chegou por aqui. Para Nigel Mor-

nologia. Além dela, uma nova operação bancária total- ris, do QED, o Brasil, apesar dos recentes problemas, é

mente digital, voltada ao público jovem, deverá chegar terra fértil para a revolução digital do mundo financeiro,

ao mercado nos próximos meses. O investimento no pro- pois tem uma enorme população de millennials, um bom

jeto é da ordem de R$ 120 milhões. E a ideia é oferecer histórico do uso das plataformas móveis e uma concen-

uma linha completa de serviços e produtos, como conta tração de mercado que já não faz mais sentido. O espaço,

corrente, investimentos e cartão de crédito. A concor- portanto, está maduro para a tal da disrupção. “Foi exa-

rência direta, nesse caso, será com o Banco Original, do tamente o mesmo cenário que eu vi nos Estados Unidos

grupo JBS, o primeiro totalmente digital do Brasil. Neste há 20 anos, com o Capital One”, diz Morris. David Vélez

ano, o Original ultrapassará a meta de 100 mil clientes. quer ser o capital one do Brasil.

Novembro 2016 epocanegocios.globo.com 47

StatuS:
em um caso
sério com

a rainha
das ovelhas

negras.

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ENTREVISTA

um abraço
pro naouri

De livro novo na praça e às vésperas do 80º aniversário, Abilio
Diniz conta como transformou a BRF “numa winner”, critica
a governança à francesa do Carrefour e diz o que faria se
encontrasse Jean-Charles Naouri, seu ex-arqui-inimigo

DARCIO OLIVEIRA E ALEXANDRE TEIXEIRA

oCAPÍTULO 3 DO comecei a trabalhar para fazer uma Disposto a “virar a página” da
novo livro de Abi- fusão do Pão de Açúcar com o Car- briga com os antigos sócios france-
lio Diniz, o segundo refour no Brasil. Mas o objetivo fi- ses, Abilio evita novas polêmicas.
que assina, Novos nal era sermos o principal acionista Mas não deixa de dizer o que pen-
Caminhos, Novas Es- do Carrefour internacional”. Como sa. Por exemplo, do modelo francês
colhas, chama-se “O Campeonato se sabe, o projeto fracassou, a re- de governança que encontrou no
Mundial”. É ali que o empresário lação com os franceses tornou-se Carrefour: “O CEO e o chairman
mais popular do país conta seu lado insustentável e ele teve de deixar o são a mesma pessoa. Os acionistas
da história de como tentou fundir o Pão de Açúcar. e o conselho interferem menos nos
Grupo Pão de Açúcar (GPA) com o destinos da companhia. A linha es-
Carrefour e evitar a perda do con- Hoje, porém, além de chairman tratégica é sempre proposta pelo
trole da companhia que herdou da BRF, Abilio já é o terceiro maior management. Não acho que isso
de seu pai e transformou no maior acionista internacional do Carre- seja o certo”. Não espere, porém,
conglomerado do varejo nacional. four. Nesta entrevista, concedida na uma revolução como a que ele lide-
Perda prevista no fatídico contrato sede da Península, sua empresa de rou na BRF, onde os acionistas fo-
assinado com o grupo francês Ca- investimentos, ele diz que uma nova ram buscá-lo. “No Carrefour, é dife-
sino. Abilio revela que, em 2010, tentativa de fusão com o GPA, desta
depois das aquisições do Ponto vez jogando do outro lado do tabu- REINVENÇÃO No
Frio e da Casas Bahia, pensou: “Já leiro (ou seja, do lado do Carrefour), varejo, ele já disputou os
jogamos o campeonato regional e o não passa pela sua cabeça. Hoje. campeonatos regional e
campeonato brasileiro, está na hora “Não há nada sobre isso, mas não se brasileiro. Agora, quer ir
de jogar o campeonato mundial”. pode dizer nunca. Então, não é algo para o jogo global,
Eis a tática: “Com isso em mente, que se descarte. Mas não há nada, com o Carrefour
absolutamente nada, sobre isso.”

50 epocanegocios.globo.com Novembro 2016 foto: Marcus Steinmeyer


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