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Published by dsieq, 2020-05-25 09:44:04

Bernardo Santareno

No centenário de Bernardo Santareno (1920-1980)




























































MOSTRA DOCUMENTAL

MOSTRA DOCUMENTAL
No centenário de Bernardo Santareno (1920-1980)

No ano em que se assinala o centenário do nascimento de Bernardo Santareno e se
comemorou pela primeira vez o Dia Mundial da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP, o
Arquivo Nacional da Torre do Tombo apresenta uma mostra documental evocativa deste
autor de língua portuguesa.


Dados biográficos


Bernardo Santareno. Nome literário de António Martinho do Rosário.
Médico de profissão.

A sua carreira literária iniciou-se com três livros de versos (A Morte
na Raiz, 1954; Romances do Mar, 1955; Os Olhos da Víbora, 1957),
mas foi como dramaturgo – dos mais pujantes de toda a nossa
literatura – que se impôs, embora nesses primeiros livros se
enunciem já alguns dos temas e motivos dominantes da sua obra
dramática.

Esta reparte-se por dois ciclos, menos distanciados um do outro do
que a evolução estética e ideológica do autor terá feito supor, já que
PT/TT/FLA/SF/001/5827/003
as peças compreendidas em qualquer deles respondem à mesma
questão essencial: a reivindicação feroz do direito à diferença e do
respeito pela liberdade e a dignidade do homem face a todas as
formas de opressão, a luta contra todo o tipo de discriminação,
política, racial, económica, sexual ou outra.


Esta temática exprime-se, nas peças integrantes do primeiro ciclo (A
Promessa, O Bailarino e A Excomungada, publicadas conjuntamente
em 1957; O Lugre e O Crime de Aldeia Velha, 1959; António
Marinheiro ou o Édipo de Alfama, 1960; Os Anjos e o Sangue, O
Duelo e O Pecado de João Agonia, 1961; Anunciação, 1962),
através de um naturalismo poético apoiado numa linguagem
extremamente plástica e coloquial e estruturado sobre uma acção de
ritmo ofegante que atinge, nas cenas finais, um clima de trágico
PT/TT/FLA/SF/001/5827/002
paroxismo.

A partir de 1966, com a «narrativa dramática» O Judeu, que retrata o
calvário do dramaturgo setecentista António José da Silva, queimado
pelo Santo Ofício, o autor plasma as suas criações no molde do

teatro épico de matriz brechteana, adaptando-o ao seu estilo próprio,
e assume uma posição de crescente intervencionismo que irá
retardar até à queda do regime fascista a representação dessa e das
suas peças seguintes: O Inferno, baseada na história dos «amantes
diabólicos de Chester» (1967), A Traição do Padre Martinho (1969) e
Português, Escritor, 45 Anos de Idade (1974), drama carregado de
notações autobiográficas e que seria o primeiro original português a
estrear-se depois de restaurada a ordem democrática no país.


Em 1979, depois de uma curta incursão no teatro de revista,
colaborando com César de Oliveira, Rogério Bracinha e Ary dos
Santos na autoria do texto de P'ra Trás Mija a Burra (1975), publica
PT/TT/FLA/SF/001/5828/001 quatro peças em um acto sob o título genérico Os Marginais e a
Revolução (Restos, A Confissão, Monsanto e Vida Breve em Três
https://digitarq.arquivos.pt/de
tails?id=8112610 Fotografias), em que combina elementos das duas fases da sua
obra, inserindo a problemática sexual das primeiras peças no âmbito
mais vasto de um convulsivo processo social que é a própria
substância das segundas.


Publicou em 1959 um volume de narrativas, Nos Mares do Fim do
Mundo, fruto da sua experiência como médico da frota bacalhoeira,
experiência que dramaticamente transpôs em O Lugre, e deixou
inédito um dos seus mais vigorosos dramas, O Punho, cuja acção se
localiza no quadro revolucionário da Reforma Agrária, em terras
alentejanas.


A sua obra dramática completa está publicada em quatro volumes.
Parte do espólio de Bernardo Santareno encontra-se no Arquivo de
Cultura Portuguesa Contemporânea da Biblioteca Nacional.
PT/TT/FLA/SF/001/5828/002
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. V, Lisboa, 1998

https://digitarq.arquivos.pt/details
?id=8112627


Bernardo Santareno foi distinguido com o Óscar da Imprensa 1962, na categoria Teatro, juntamente
com os atores Laura Alves e Rogério Paulo e o Teatro Moderno de Lisboa, entregue pela Casa da
Imprensa em 1963. No ano seguinte, ser-lhe-ia novamente atribuído na mesma categoria o Prémio
Imprensa 1963, agora acompanhado dos atores Eunice Muñoz e Jacinto Ramos, do autor Luís de
Sttau Monteiro e da Companhia do Teatro Moderno de Lisboa. Em 1981, foi feito Grande Oficial da
Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.

O seu livro “O Lugre” foi adaptado ao cinema num filme de Artur Ribeiro intitulado “Terra Nova”,
estreado recentemente em Portugal.

Com a coordenação de Fernanda Lapa, diretora artística
da Escola de Mulheres – Oficina de Teatro, está a ser
criada uma Rede de Parceiros, entre Câmaras
Municipais, Museus, Universidades, Grupos de Teatro
Profissional e Amador, entre outras entidades.
Um dos pontos altos das celebrações será a estreia da
peça “O Pecado de João Agonia”, da autoria do
dramaturgo, uma obra de 1960 em que é abordada a
homossexualidade e a repressão social, que se estreará
PT/TT/FLA/SF/001/5827/005
no Teatro da Trindade, encenada por Fernanda Lapa,
numa coprodução Escola de Mulheres e Teatro da
Trindade | INATEL.


Toda a Programação, Artigos, Entrevistas e outros
encontram-se disponíveis em:
http://www.escolademulheres.com/comemoracoes-
nacionais-do-centenario-de-bernardo-santareno/


PT/TT/FLA/SF/001/5827/004

Mostra documental

A presente mostra documental organiza-se em três núcleos. No primeiro mostram-se alguns
documentos relativos à vigilância exercida pela polícia do estado à atividade política do autor;
no segundo mostram-se algumas das suas obras através dos processos constituídos pelo
Serviço Nacional de Informação (SNI); o terceiro apresenta alguns dos títulos traduzidos além
fronteiras. Note-se que os documentos não são apresentados na íntegra.




Núcleo 1| Bernardo Santareno através dos documentos da PIDE/DGS





























Parecer para efeitos de concessão de diploma de
professor do ensino particular

ANTT,Serviços Centrais, processo 1137/45 SR NT 2475

Cópia de um abaixo assinado dirigido ao Presidente
da República solicitando a imediata libertação de
Luís de Sttau Monteiro e a revogação do
encerramento da Editorial Minotauro

ANTT, Serviços Centrais, processo 1137/45 SR NT 2475

















































Cópia de um apelo dirigido ao Presidente da República pró amnistia geral para os presos
políticos. 1965

ANTT, Serviços Centrais, processo 1137/45 SR NT 2475

Cópia de uma informação acerca da publicação no
“Diário do Governo”, de 24 de maio de 1969, do
acordão do Supremo Tribunal Administrativo que
nega provimento ao recurso da Sociedade
Portuguesa de Autores e respetivos dirigentes sobre
a extinção da mesma. O recurso havia sido assinado
por vários escritores, incluindo Bernardo de
Santareno

ANTT, Serviços Centrais, processo 1137/45 SR NT 2475









































ANTT, Serviços Centrais, processo 1137/45 SR NT 2475

Cópia de uma informação sobre Bernardo
Santareno ter sido signatário duma representação
dirigida à Assembleia Nacional, em 6 de novembro
de 1967, acerca do estabelecimento da censura
prévia à imprensa

ANTT, Serviços Centrais, processo 1137/45 SR NT 2475





















































ANTT, Serviços Centrais, processo 1137/45 SR NT 2475

ANTT, Serviços Centrais, processo 1137/45 SR NT 2475





























Recorte de notícia publicada no “Jornal de
Notícias”, de 31 de dezembro de 1959,
dando conta da presença de Bernardo
Santareno no Teatro Experimental do Porto
aquando das primeiras representações da
sua peça “O crime da aldeia velha”.

ANTT, Serviços Centrais, processo 1137/45 SR NT
2475

ANTT, Serviços Centrais, processo 1137/45 SR NT 2475











































~




Relação dos entrevistados por Igrejas Caeiro no programa “Perfil de um artista”, do Rádio
Clube Português, no ano de 1959, enviada ao fiscal do governo junto daquela rádio, pela
direção da mesma, e por solicitação do Secretário Nacional de Cultura Popular e Turismo
ANTT, Serviços Centrais, processo 1137/45 SR NT 2475

Cópia de ofício confidencial da PIDE, delegação
do Porto, ao diretor da mesma, informando da
realização de mais um colóquio na Associação
dos Jornalistas de Homens de Letras naquela
cidade, com a presença de Bernardo Santareno,
entre outros destacados escritores. 1959

ANTT, Serviços Centrais, processo 1137/45 SR NT 2475

Cópia de um relatório em resposta a um pedido
de averiguação sobre o porte moral e político do
dr. António Martinho Rosário. 1960
ANTT, Serviços Centrais, processo 1137/45 SR NT 2475




















































ANTT, Serviços Centrais, Boletim 130998

Cópia de informação acerca da subscrição por Bernardo de Santareno do documento “Dos
escritores ao país”.1969

ANTT, Serviços Centrais, processo 11055 CI (2) NT 7613






















Recorte do jornal”Portugal Democrático”, n.º 144 de
outubro de 1969 dando conta de que a obra “O crime do
padre Martinho”, de Bernardo de Santareno, havia
esgotado rapidamente e a sua reedição fora proibida.
ANTT, Serviços Centrais, processo 11055 CI (2) NT 76

Informação do posto de vigilância da P.I.D.E. de Évora acerca da participação de Bernardo
Santareno numa palestra sobre teatro, seguida de colóquio, realizada naquela cidade.

16 de dezembro de 1968

ANTT, Serviços Centrais, processo 11055 CI (2) NT 7613

Cópia de informação do inspetor de segurança sobre o que constava no gabinete técnico
acerca da atividade política de Bernardo Santareno. 1970

ANTT, Serviços Centrais, processo 3288 E/GT, NT 1488
























Cópia da informação sobre a receção de publicações do
PCP, por Bernardo Santareno, entre 1966 e 1971

ANTT, Serviços Centrais, processo 3288 E/GT, NT 1488

Cópia da informação sobre o facto de Bernardo
Santareno ter subscrito um apelo para a concessão
de amnistia aos presos considerados políticos mas
que eram apenas comunistas.1965

ANTT, Serviços Centrais, processo 3288 E/GT, NT 1488





































Cópia da informação sobre o facto de Bernardo
Santareno ter sido signatário de um abaixo assinado
de repúdio pela detenção e atos de violência
exercidos contra o escritor Luís de Sttau Monteiro.
1967

ANTT, Serviços Centrais, processo 3288 E/GT, NT 1488

ANTT, Delegação do Porto: processo PI 26569, NT 3861

























Cópia da informação sobre o facto de Bernardo
Santareno, enquanto membro da “Comissão Nacional
de Defesa da Liberdade de Expressão”, ter sido
signatário de um panfleto explicativo dos vícios da
proposta governamental da Lei de Imprensa a discutir
proximamente.1971

ANTT, Delegação do Porto: processo PI 26569, NT 3861

ANTT, PIDE, Delegação de Coimbra, PI 14824, NT 4632



























Cópia da informação acerca da participação de
Bernardo Santareno no manifesto da “Comissão
Nacional de Defesa da Liberdade de Expressão” a
favor da instauração de um quadro legal que garanta
a liberdade de expressão e informação

ANTT, PIDE, Delegação de Coimbra, PI 14824, NT 4632

Recorte do “Jornal do Fundão” de 18 de dezembro
de 1970 dando conta da estreia em Havana, Cuba,
da peça “Traição do padre Martinho”

ANTT, PIDE, Delegação de Coimbra, PI 14824, NT 4632
















































PT/TT/SNI/ARQF/DO-002-005/14177

Núcleo 2 | A obra de Bernardo Santareno através dos processos do SNI






"O judeu"

1967
Peça de Bernardo Santareno para ser representada pelo Círculo de Iniciação Teatral da
Academia de Coimbra, proibida pela Comissão de Censura

ANTT, Secretariado Nacional de Informação, Direcção Geral dos Serviços de Espectáculos proc. 8341





































Capa

Texto censurado

Contracapa

"A promessa"

1957
Comédia em três actos e três quadros de Bernardo Santareno, a representar pelo Círculo de
Cultura Teatral do Porto. Inclui relatório do censor.


ANTT, Secretariado Nacional de Informação, Direcção Geral dos Serviços de Espectáculos proc. 5492-A





"A promessa"

1967
Peça em três actos e três quadros de Bernardo Santareno, aprovada com cortes, a
representar no Teatro Monumental.


ANTT, Secretariado Nacional de Informação, Direcção Geral dos Serviços de Espectáculos proc. 8414





































































Capa e contracapa



"O lugre"

Peça de Bernardo Santareno a ser representada no Teatro Nacional D. Maria II. 1959


ANTT, Secretariado Nacional de Informação, Direcção Geral dos Serviços de Espectáculos proc. 5914

https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4320302






































"O duelo
Peça em três actos e três quadros de Bernardo Santareno, proíbida pela Comissão de
Censura. 1960
ANTT, Secretariado Nacional de Informação, Direcção Geral dos Serviços de Espectáculos proc. 6133


https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4320520

"António marinheiro, o édipo de Alfama"

1964
Peça de Bernardo Santareno.


ANTT, Secretariado Nacional de Informação, Direcção Geral dos Serviços de Espectáculos proc. 7594

"Os anjos e o sangue"

1973
Peça de Bernardo Santareno


ANTT, Secretariado Nacional de Informação, Direcção Geral dos Serviços de Espectáculos, proc. 9599




































"Anunciação"
1965
Peça em três actos de Bernardo Santareno, para ser representada pelo Teatro Universitário do
Porto. Proibida pela Comissão de Censura


ANTT, Secretariado Nacional de Informação, Direcção Geral dos Serviços de Espectáculos proc. 7764

"O Inferno"
1968
Peça de Bernardo Santareno proibida pela Comissão de Censura para ser representada no
Teatro Monumental.


ANTT, Secretariado Nacional de Informação, Direcção Geral dos Serviços de Espectáculos proc. 8585







"A Condessa"

1963
Comédia dramática em três actos e doze quadros de Maurice Drunn, tradução de Bernardo Santareno, aprovada
com cortes, a representar no Teatro D. Maria II. Inclui relatórios dos censores.


ANTT, Secretariado Nacional de Informação, Direcção Geral dos Serviços de Espectáculos proc. 7036



Núcleo 3 |Algumas obras traduzidas






El judío (O judeu) Trad.:Francisco Jover. Barcelona: Occitania, 1968































https://www.bibliothecasefarad.com/listado-de-libros/el-judio-3/





La confession (A Confissão) Trad.: Fabrice Schurmans. Paris: L'Harmattan, 2013































https://www.google.com/search?q=La+Confession+Paris:+L%27Harmattan,+tradu
%C3%A7%C3%A3o+de+Fabrice+Schurmans&client=ubuntu&hs=5BL&channel=fs&source=lnmstbm=isch
&sa=X&ved=2ahUKEwjVwbuT34_oAhVBJBoKHURXDAAQ_AUoAXoECAsQAw&biw=1920&bih=947#imgrc=
3W4PO10rjYsD9M

The judgment of Father Martinho (A traição do Padre Martinho) Trad.: Celso Lemos de
Oliveira. Providence: Gávea-Brown, 1994






























https://www.google.com/search?
q=The+judgment+of+Father+Martinho&client=ubuntu&hs=Mwf&channel=fs&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2
ahUKEwi00tGm4I_oAhUQaBoKHaAQB1UQ_AUoAXoECAsQAw&biw=1920&bih=947#imgrc=U8m0u1GeJDOT3M

Cortes da Censura à obra "O judeu", presente nesta mostra documental.


Transcrição de alguns dos sublinhados no texto pelo censor



Fl. 11 – a barba pestilenta da fornicação demoníaca escorrendo dos seus danados beiços…!


Fl. 14 – quando as chamas já lhes beijam as carnes fornicadoras?

Fl. 18 – Sua Majestade esvai-se em cuspo e ranho.

Fl. 19 - 20 – (Untuoso, maternal, efeminado:) Esta ovelhinha, nua do natural agasalho, por
demais tosquiada, perde o tino, foge do rebanho e ousa aventurar-se no negro bosque onde
tudo são lobos e perigos? Logo os dois Pastores, cada qual pela sua banda …. Inveja, roubo,
fornicação, morte… com todos estes males o mundo vos ameaça! Com quanto amor, com
quanto cuidado vos sigo na subida do vosso calvário!... (Silêncio em que contempla a
assistência amorosamente, com transbordante piedade.)

Fl. 35 – Voz do Padre Secular Provado está ainda nos autos próprios que teve relações com
sua prima Brites Eugénia e com o irmão dela João Tomaz, estudante de medicina.


Fl. 37 - «Portugal pode comparar-se a um relógio atrasado pela malícia e perversidade
daqueles que têm a cargo dar-lhe corda…»

Fl. 49 – Estou a pensar… sim, quanto daria eu para saber como estarão estas cousas, as
celestes e as terrenas, lá para diante, no tempo vindouro… daqui a duzentos anos?! O reino
de Portugal continuará católico? Sua Eminência cuidará ainda de manter a fé do povo miúdo
… Respondei-me vós, portugueses do século XX; vós que, para mim, sois sombras fugidias da
esperança e do temor! Como será?…

Fl. 72 – (Interrompe a leitura. Para o Público, gravemente:) Com que cara pode El-Rei exigir do
povo que dê a vida, nas guerras, para defender e garantir Portugal? Defender e garantir o quê,
se ao povo nada pertence, salvo a fome, a doença, a perseguição… e a morte que, esta sim,
está segura e certa?! Pois há-de obrigar-se o povo miúdo a lutar e morrer para que restem
unos e indivisos bens… dos quais nem em diminuta porção ele participa? Para defender
aqueles mesmos ideais que lhe mantêm as cadeias nos pés e nas mãos?!

Fl. 112 - 115 – De particular, por cima do enfebrado apetite, alembro o quanto aprazia a Sua
Majestade estudar as lições à luz dos eclesiásticos castiçais, ouvindo o ondulado repique dos
sinos e a angelical música do órgão… (Surge, na parte de maior declive da rampa, a Superiora
de Odivelas: Cumprimenta reverencialmente o Rei, segredando-lhe algo ao ouvido. … Madre
Paula (Cedendo, reclinando-se no sofá.) Não… não…! (Escuro na cela de Madre Paula. Luz
sobre o Cavaleiro de Oliveira.)

Fl. 116 – como hoje tortura e obscurece o desgraçado povo de Portugal,


Fl. 120 – Tenho conhecido homens destes na igreja, na governança política e nas guerras: É
da sua massa que se fazem os inquisidores, os tiranos e os heróis. E também os grandes
criminosos. Alguns não casam. Creio mesmo que o celibato é o estado que mais natural lhes
é. A castidade ou uma devassidão que é ódio e desespero. No fundo, são muito infelizes. São
sempre perigosos e, muitas vezes, autênticos flagelos. A mim, repugnam-me. (Volta a ver-se o
Rei, de novo na parte mais alta da rampa: Conversa com a Superiora do Convento da Rosa.)

Fl. 131 – Grande filho da…! Perdoais-me, Vossas Senhorias, mas…! Cuidado, António José
defende-te, rapaz! … Foge, António José! Emigra, homem! Faze o que eu fiz… a tempo e
horas.

Fl. 142 – urinam


Fl. 166 – todas mijadas e borradas de chocas tolices?

Fl. 167 – como tudo isto há-de parecer estranho, absurdo mesmo, aos portugueses que
viverão daqui a cem, duzentos anos… nesse progressivo, inteligente e livre século XX!

Fl. 169 – Ora neste assunto de mulheres, a prática, a experimentação é que… Jesus, a
prática!…

Fl. 173 – fornicadora?


Fl. 182 – 183 – quando vai, disfarçado em mendigo, beliscar o traseiro das mimosas fidalgas,
na Capela do Santíssimo Sacramento, para tal se valendo da incensada penumbra que lá
sempre sussurra?... (Esta descrição é mimada … dado momento, no decorrer do diálogo
Petronilha-Cavaleiro de Oliveira que vai seguir-se, o Figurante será substituído pelo autêntico
Rei Embuçado, sem que o público dê pela troca.)

Fl. 213 – Nem Vossa Eminência imagina o quanto me aprazaria poder, de viva voz, demonstrar
ao Senhor Governador de Angola que o reino, cuja governança Sua Majestade lhe entregou,
algo mais é que o talho onde os indígenas façam de passivas rezes, tendo, como préstimo
único, o de espertar e saciar o voraz apetite de Sua Excelência!!…


Fl. 218 – Cavaleiro de Oliveira Que Portugal seja um relógio, em muitos anos atrasado da hora
que segue a Europa civilizada… já Vossas Senhorias o sabem e já eu vo-los disse, logo no
começo desta mais triste que alegre narrativa: Quando toda a Europa esquecendo vai já o
repugnante pesadelo dos autos da fé, quando mesmo a vizinha Espanha cuida de os espaçar
e esconder… Portugal lança-os aos olhos horrorizados do mundo como se gloriosa bandeira
eles fossem, a si próprio se cognominando de Reino Paladino e Salvador da Cristandade! O
mundo encolhe os ombros e ri; ou tapa os olhos e foge. Mas eu não fujo, nem rio: Protesto!!!


Fl. 224 – Deste jeito, cuidam de garantir, no reino de Portugal, o regramento dos corpos e a
salvação das almas. Por estes meios e instrumentos, sempre pela suave persuasão ditados e
na livre consciência de cada um inseridos, é que as forças do Poder, seguram e asseguram,
com a ordem, a fidelidade dos seus bem-amados súbditos…! Deo grátias!

Fl. 225 – ao poder duma minoria possessa das negras forças da violência


Fl. 226 – profundo, patético mesmo:) Cerrados uns contra os outros, lutai, combatei com
quanto alento tiverdes, para que os atrozes acontecimentos que aqui me ouviste contar, não
mais voltem a acontecer neste provado reino! NUNCA MAIS. Olhai que o Santo Tribunal da
Inquisição mais não é que o corpo visível, a aparência mortal dum espírito de trevas, e que
este espírito… vivo por certo persistirá, nesta Nação, muito tempo ainda após a morte do
Santo-Ofício! … À guarda dos vossos corações e inteligências, ele ficará.


DSIEQ, 21 de maio de 2020


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