The words you are searching are inside this book. To get more targeted content, please make full-text search by clicking here.
Discover the best professional documents and content resources in AnyFlip Document Base.
Search
Published by dsieq, 2017-11-29 06:37:47

Abolição_24.10.2017

maio de 1842 e do MNEJ de 23 de maio também de de Teresa das Dores. O seu sepultamento foi efetuado em estátua, nem as condenações capitais não execu-
1842. A legislação colocava ainda algumas restrições, no cemitério de Santa Maria de Lagos, conforme as- tadas. Também apenas foram respeitadas as decisões
não podendo ser executados menores de 17 anos, mu- sento de óbito datado de 22 de abril de 1846, lavrado das Relações de Lisboa e do Porto, excluindo -se as
lheres grávidas e maiores de 60 anos. pelo Cónego Prior António Caetano da Costa Inglez sentenças das Relações de Goa e da Baía, do Tribunal
30 Relativamente ao período setecentista, a execução (Direção -Geral dos Arquivos, Arquivo Distrital de Faro, da Inconfidência, o Conselho de Guerra francês e o Juí-
podia ser adiada se necessitasse do conhecimento Livro de Registo de Óbitos, Paróquia de Santa Maria, zo da Comissão Mista criada em 1829. Para o mesmo
prévio do monarca, pelo que no mesmo dia em que a Lagos (1832 -1905), fl. 102 v. Relativamente à identifi- período dos séculos xvii a xix, os documentos 4 e 4 -A
sentença era proferida, o Desembargo do Paço levava cação destes dados, agradecemos a ajuda concedida publicados em anexo ao Projecto do Código Penal
ao conhecimento do monarca a matéria para que se pelo Mestre Carlos Toscano. (1861) são apresentados, respetivamente, os valores
decidisse sobre a viabilidade da concessão de graça. 34 In op. cit., p. 89 -90. totais de 13; 65 e 99 (p. 221 -235).
Ver, ainda, OF V, 137, pr. Sobre o modo de execução da 35 Se esta era a característica que vingaria, podem, con- 39 Ver nota 4.
pena capital, ver FERREIRA, Manuel Lopes, Pratica tudo, ser citados alguns exemplos pontuais tomados 40 Parte integrante do Fundo ao Arquivo Distrital de
Criminal, Porto, Officina de António Alves Ribeiro Gui- por alguma moderação de natureza penal, como é o Lisboa (Procuradoria Geral de Lisboa).
maraens, 1767, p. 527 -530. caso da Carta Régia de 21 de outubro de 1757 e do §19 41 Nada garante que a referida pena viesse nestes casos
31 Excepcionavam -se os acasos de punição do crime de da lei de 20 de junho de 1774. a ser aplicada e que qualquer um dos condenados ou
lesa -majestade divina. Ver artigo 91.° do Código Penal 36 Câmara dos Deputados, sessão n.° 6, p. 93. mesmo a totalidade não acabasse por ser alvo de um
de 1852. 37 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Arquivo decreto de amnistia ou mesmo perdão geral.
32 No caso da pena de morte por crimes políticos, ainda Distrital de Lisboa, Procuradoria Régia de Lisboa, pro- 42 A abolição de toda e qualquer pena perpétua seria in-
que, após renhida discussão parlamentar, a sua aboli- cessos de indulto 222 (IV -E20 -P5), livros de registo de troduzida pela lei de 14 de junho de 1884.
ção date de 1852, desde 1834 não se verificavam quais- informações de perdão e comutação de penas que 43 O processo em questão diz respeito ao réu José
quer ocorrências. Ver Braga da Cruz, op. cit. p. 90 -92. sobem ao MNEJ sob os n. os 1612 (IV -E20 -P2), 1613 (IV- Tavares, de 40 anos, filho de Joaquim de Jesus e Josefa
33 Trata -se do caso de José Joaquim, por alcunha José -E20 -P2), 1614 (IV -E20 -P2); livro de porta da Casa da Maria Tavares, natural de Vila Chã, concelho de Tábuas,
Grande, sentenciado pelo juiz de Direito José Cordeiro Suplicação IV -E20 -p4; Desembargo do Paço, Reparti- de ocupação guarda de vinhas, acusado da prática do
Galão, o qual solicitou por ofício confidencial de 19 de ção de Justiça e Despacho da Mesa, maços 1718, 1785 crime de homicídio ocorrido em 1 de fevereiro de 1857,
abril, a construção do patíbulo e a concessão do auxílio (caixa 1804), 1786, 1787 (caixa 1807) e Feitos findos, cuja sentença de 1.ª instância datada de 28 de abril de
necessário para a execução da pena capital à Santa Casa da Suplicação, livros 25 -30. 1857 foi confirmada pelo acórdão da Relação de Lisboa,
Casa da Misericórdia cuja Irmandade se reuniu no dia 38 Os números enunciados tiveram por referência o apu- em 11 de agosto do mesmo ano e à qual foi negada a
22 do mesmo mês pelas sete horas da manhã (Biblio- ramento apresentado por António Luiz de Sousa Hen- revista pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 1 de
teca de Lagos, Arquivo da Misericórdia de Lagos, Deli­ riques Secco, Memórias do tempo passado e presente março de 1860. Neste caso, a pena veio a ser comuta-
tos Civis, José Joaquim Grande, Acta de 22 de Abril de para lição dos vindouros, Coimbra, Imprensa da Uni- da na pena imediata ex vi do decreto de 12 de fevereiro
1846, Livro n.° 3, f. 25 -25v.). Ao momento da execução versidade, 1880 (séc. xvii, p. 258 -289; séc. xviii, p. de 1862 sendo reduzida primeiro para trabalhos públi-
antecedeu a entrada do réu no oratório na Igreja de 289 -382; séc. xix, p. 382 -492, 617 -619 e 771 -784); “His- cos perpétuos e, posteriormente, em degredo perpé-
Santo António, no dia 20 do mesmo mês pelas sete tória do direito criminal portuguez desde os mais re- tuo (Livro com a designação Registo B que compreen-
horas da manhã, proveniente da Igreja da Misericór- motos tempos”, Revista de Legislação e Jurisprudên­ de o período de 1 de janeiro de 1861 a 12 de dezembro
dia, seguindo -se a última confissão no dia 21. O réu era cia, ano 4 (1871 -1872), n. os 185, 187 -188, 190 -191 e 193. de 1873, fls.1 -2v., in ANTT, ADL/PRL, TR 183). Igual-
natural da freguesia de Marmelete, sendo ainda viúvo Para o efeito, não foram consideradas as execuções mente no caso de António José Escudeiro, Pedro José


28 Evening sitting, 21 June 1867, p. 2075. Translator’s José Cordeiro Galão. On the 19 th of April, the judge IV-E20-p4; the Royal High Court (Desembargo do
note: the term “pena” (penalty) has more specific issued a confidential order for the gallows to be built Paço), Justice Section and Court Orders, bundles 1718,
connotations in Portuguese than in English Law – and asking the Santa Casa da Misericórdia, whose 1785 (box 1804), 1786, 1787 (box 1807); and Sundry
also see note 6. Brotherhood met for the purpose at seven in the Records, High Court of Appeal, Books 25-30.
29 See Article 28 of the Regulations governing the Pub- morning on the 22 nd , to provide the necessary assis- 38 These figures are based on the calculation presented
lic Prosecutors’ Office approved by the Decree of 15 tance with the execution (Biblioteca de Lagos, Arquivo by António Luiz de Sousa Henriques Secco, Memórias
December 1835, as well as the New Judicial Reform, da Misericórdia de Lagos, Delitos Civis, José Joaquim do tempo passado e presente para lição dos vindouros,
Part III, Title XV, Arts. 334 and 338-342. Also see Grande, Acta de 22 de Abril de 1846, Book no. 3, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1880 (17 th cen-
Arts. 1199-1200, 1201-1203 and 1214 of the Very New fol. 25-25v). Joaquim was taken from the Misericór- tury, p. 258-289; 18 th century, p. 289-382; 19 th cen-
Judicial Reform, and the Ministerial Orders of the dia Church to the oratory of Santo António Church at tury, p. 382-492, 617-619 and 771-784); and “História
Ministry of the Kingdom of 20 May 1842 and the seven a.m. on the 20 th , and he made his last confes- do direito criminal portuguez desde os mais remotos
Ministry of Ecclesiastical Affairs and Justice of 23 sion on the 21 st . He was born in Marmelete Parish and tempos”, in Revista de Legislação e Jurisprudência,
May 1842. There were also already some restrictions, was the widower of Teresa das Dores. He was buried year 4 (1871-1872), nos. 185, 187-188, 190-191 and 193.
in that minors below the age of seventeen, pregnant in Santa Maria de Lagos cemetery, as recorded on his They exclude both so-called “statutory executions”
women and persons over the age of sixty could not be death certificate, which was drawn up on the 22 nd by (“death” from a civil point of view, but not a physi-
executed. “OF”: Ordenações Filipinas. Canon António Caetano da Costa Inglez (Directorate- cal one) and capital sentences that were not imple-
30 In the 18 th century, executions could be postponed General of Records, Faro District Record Office, Death mented for whatever reason. They also only refer to
if there was a requirement to inform the sovereign Register, Santa Maria Parish, Lagos (1832-1905), decisions of the Lisbon and Porto Courts of Appeal
before they were carried out. On the day on which sheet 102 verso. Thanks go to Mestre Carlos Toscano (Relações de Lisboa e do Porto), thus excluding sen-
the sentence was handed down, the Royal High for his help gathering this information. tences handed down by the Goa and Baía Courts of
Court (Desembargo do Paço) reported the case to the 34 Op. cit., p. 89-90. Appeal, the Court of High Treason, the French Council
sovereign so that he/she could decide whether to 35 While this was the prevailing characteristic, it is of War (Conseil de Guerre) and the Joint Committee
grant clemency. Also see OF V, 137, pr. On the means nonetheless possible to mention a number of one- Court created in 1829. Documents 4 and 4-A annexed
used to put people to death, see FERREIRA, Manuel off examples where the penal legislator displayed to the published version of the Projecto do Código
Lopes, Pratica Criminal, Porto, Officina de António a certain degree of moderation, such as the Royal Penal (Draft Criminal Code, 1861) presented total
Alves Ribeiro Guimaraens, 1767, p. 527-530. Letter of 21 October 1757 and §19 of the Law of figures of 13, 65 and 99 for the 17 th , 18 th and 19 th centu-
31 Exceptions were made for executions for the crime of 20 June 1774. ries respectively (p. 221-235).
lèse­majesté divine. Also see Article 91, 1852 Criminal 36 Chamber of Deputies, sitting no. 6, p. 93. 39 See note 4.
Code. 37 Torre do Tombo National Archive (ANTT), Lisbon Dis- 40 Part of the collection of the Lisbon District Archive
32 Although the death penalty for political crimes was trict Archive, Lisbon Royal Public Prosecutors’ Office, (Lisbon Public Prosecutors’ Office).
only abolished in 1852 and following heated parlia- remission case files 222 (IV-E20-P5), record books 41 Even here, there is nothing to say that the commuted
mentary debate, no such executions had actually regarding reports on pardons and the commutation sentence was actually carried out and that none or
taken place since 1834. See Braga da Cruz, op. cit. of sentences submitted to the Minister of Ecclesi- even all of the convicts didn’t eventually benefit from
p. 90-92. astic Affairs and Justice, nos. 1612 (IV-E20-P2), 1613 an amnesty or even a general pardon.
33 The condemned man was José Joaquim, nicknamed (IV-E20-P2), and 1614 (IV-E20-P2); record of case 42 All forms of full-life imprisonment were abolished by
José Grande (Big José), who was sentenced by Judge files of the High Court of Appeal (Casa da Suplicação) a Law of 14 June 1884.
100

Escudeiro e João de Mattos ou da Luiza, respetiva- 46 Citando ainda Melo Freire, ensinava o jus publicista 6 de junho de 1785, 17 de dezembro de 1789, 13 de se-
mente de 48, 40 e 42 anos, oriundos de Castelo de que os delinquentes eram obrigados à reparação do tembro de 1793, 20 de fevereiro e 4 de abril de 1795, 20
Vide e condenados pelo crime de homicídio e roubo, dano e à pena (in op. cit., título i, §xi), sendo da renún- de julho de 1796, 27 de março e 17 de outubro de 1797,
cuja pena seria comutada na pena imediata, sendo cia dos direitos que competem aos cidadãos sobre si e 19 de outubro de 1798, 7 e 20 de setembro de 1799, 9 de
depois reduzida, tal como no caso anterior, a traba- sobre os outros, que nasce o direito de punir, o qual setembro e 29 de novembro de 1800, 27 de fevereiro,
lhos públicos perpétuos e, mais tarde, comutada em tem por fundamento um pacto social. A pena decorria 22 de abril e 9 de agosto de 1801.
degredo perpétuo para a África Ocidental, entendia o da violação da lei e, por este motivo, distinguia -se da 51 Tomando, novamente, por referência o trabalho de
mesmo procurador régio que: «A decisão relativa à restituição ou reparação da injúria que só era devida Henriques Secco, verificamos que o número de comu-
condenação resultou apenas da opinião de duas tes- em função da lesão do direito perfeito (§xiii). Ainda tações efetivas da pena de morte corresponde nos
temunhas que os consideravam como homens de assim, Melo Freire defendia a regra da proporcionali- séculos xvii a xix a um total, respetivamente de 27;
maus costumes, o que é demasiado para condenar a dade face ao delito praticado; sendo o seu fim a segu- 88 e 20 casos (in op. cit., p. 529 -566; 577 -578 e 755-
pena capital.» Aliás, a criminalidade resultara não de rança do lesado, a emenda do lesante e o exemplo -787).
uma prova perfeita e legal, mas de indícios e da má para os demais. 52 Para o período anterior a 1852, ver Ordenações Livro V,
fama que os réus tinham na sua terra «e as vozes e os 47 Sobre o instituto do perdão régio, ver GRAES, Isabel, título 122, §5 e título 130, §3.
direitos da humanidade, tão sagrados como os da op. cit. p. 614 -636. Ver, ainda, HOMEM, António Pedro 53 Ver artigo 74.°§5 da Carta Constitucional e os artigos
justiça não podem aconselhar que se execute a pena Barbas, A Lei da Liberdade, Principia, Cascais, 2001, 123.°/11 da Constituição de 1822 e 82.°/XI da Constitui-
capital, digo a pena de morte. Os reós acham -se pre- p. 124 e Judex Perfectus, Almedina, Coimbra, 2003, ção de 1838.
sos á perto de 8 annos. A dura prisão que têm sofrido p. 165 -171. 54 Note -se que a reparação dos erros judiciários estaria
tem abrandado a indignação pública contra eles, 48 Sobre o modo de apresentação do pedido de perdão e sempre garantida pelo instituto da revisão de senten-
transformando -a em sentimentos de piedade e comi- a natureza jurídica do ato de perdoar, ver Manuel ças.
seração, parece -me portanto que eles são dignos de Lopes Ferreira, Prática judicial, parte III, cap. XXVIII e 55 Uma nota ainda para evidenciar o facto de que por
merecerem a Real Clemência de Vossa Magestade Regimento do Desembargo do Paço, §§ 18 a 20. Ver vezes a clemência régia não procurava apenas aliviar
comutando a pena capital em trabalhos públicos per- OF, I, título III, §§ 9 -11 e ainda V, título CXXII, §§ 5,6, da morte alguns condenados, mas ainda diminuir o
pétuos no ultramar. 12.01.1861 Forjaz». (idem, fls. 2v- título CXXX, §§1 e 3. índice da população encarcerada nas prisões à espera
-4v.). 49 Sobre o debate nas Cortes Gerais e Extraordinárias de julgamento ou do cumprimento da pena. Sobre as
44 Ver despacho exarado pelo mesmo procurador em 17 acerca da consagração legal do perdão régio, ver ses- prisões e o regime penitenciário, ver ROMÃO, Miguel,
de setembro de 1861 no processo relativo ao réu Irineo são de 26 de novembro de 1821. Pena de Prisão in Grandes Realizações da História do
da Visitação, oriundo de Montemor -o -Novo e conde- 50 Para o período relativo à segunda metade do sécu- Direito Português, Teoria e História do Direito -Centro
nado à pena capital pela prática de homicídio e roubo. lo xviii, podem ser citados os decretos de 28 de agosto de Investigação, Lisboa, 2016, p. 119 -121, Prisão e ciên­
A citada pena seria comutada em trabalhos públicos de 1761, 29 de julho de 1765, 7 de dezembro de 1774, 30 cia penitenciária em Portugal, Almedina, Coimbra,
perpétuos para a África Oriental nos termos do decre- de maio de 1775, 9 de outubro de 1776, 12 de abril de 2015; ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Direito Prisio­
to de 12 de fevereiro de 1862 (Livro 183, registo B, fls. 1785, 7 de maio de 1798, 16 de agosto de 1799 e 12 de nal Português e Europeu, Coimbra Editora, Coimbra,
4v. -6). julho de 1801. Significativo é ainda o número de per- 2006; MARQUES, Tiago Pires, Crime e castigo no Li­
45 Commentario do Codigo Penal Portuguez, I, Intro­ dões com vista ao crime de deserção, podendo ser beralismo em Portugal, Livros Horizonte, Lisboa,
ducção, Escolas e princípios de criminologia moderna, enunciados designadamente os casos de 22 de junho 2005.
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1895, p. 27. de 1763, 9 de outubro de 1776, 6 de novembro de 1780, 56 Dos delitos e das penas, xlvi.


43 This case concerned the defendant José Tavares, death penalty. The accused have been in prison for 47 On the legal “institute” of the royal pardon, see
40 years of age, son of Joaquim de Jesus and Josefa nearly eight years. The harsh imprisonment they GRAES, Isabel, op. cit. p. 614-636. Also see HOMEM,
Maria Tavares, born in Vila Chã in the Tábuas Coun- have experienced has softened the public indigna- António Pedro Barbas, A Lei da Liberdade, Principia,
cil Area, a vineyard guard by profession, who was tion towards them, transforming it into feelings of Cascais, 2001, p. 124; and Judex Perfectus, Almedina,
accused of committing the crime of homicide on mercy and commiseration, and it therefore seems to Coimbra, 2003, p. 165-171.
1 February 1857. The sentence of the court of first me that they deserve to receive Your Majesty’s Royal 48 On the way in which requests for pardon were sub-
instance was handed down on 28 April 1857, and Clemency in the form of the commutation of their mitted and the legal nature of the act of pardoning,
upheld by the Lisbon Court of Appeal on the 11 th of capital punishment into forced labour for life over- see. Manuel Lopes Ferreira, Prática judicial, Part III,
August of the same year. A petition for its review by seas. 12.01.1861 Forjaz”. (idem, folios 2v-4v). Chap. XXVIII, and Regimento do Desembargo do Paço,
the Supreme Court of Justice was denied on 1 March 44 See an order issued by the same Prosecutor on 17 §§ 18-20. See OF I, Title III, §§ 9-11, and also OF V,
1860. The Decree of 12 February 1862 automatically September 1861 in the case of the accused, Irineo da Titles CXXII §§ 5 and 6, and CXXX, §§1 and 3.
resulted in the commutation of the death penalty in Visitação, who was from Montemor-o-Novo and was 49 On the debate at the General and Extraordinary
this case, first to forced labour for life, and then to sentenced to death for homicide and robbery. Under Assemblies on enshrining the royal pardon in the law,
deportation for life (sourced from the book known as the terms of the Decree of 12 February 1862, his sen- see the sitting of 26 November 1821.
Record B, which covers the period between 1 January tence was also commuted to forced labour for life in 50 With regard to the second half of the 18 th century,
1861 and 12 December 1873, folios1-2v, in ANTT, ADL/ West Africa (Book 183, record B, folios 4v-6). one can look at the Decrees of 28 August 1761, 29
PRL, TR 183). Similar were the cases of António 45 Commentario do Codigo Penal Portuguez, I, Intro­ July 1765, 7 December 1774, 30 May 1775, 9 October
José Escudeiro, Pedro José Escudeiro and João de ducção, Escolas e princípios de criminologia moderna, 1776, 12 April 1785, 7 May 1798, 16 August 1799, and
Mattos or da Luiza, who were aged 48, 40 and 42 Coimbra, Imprensa da Universidade, 1895, p. 27. 12 July 1801. There was also a significant number of
respectively, came from Castelo de Vide and were 46 To quote Melo Freire again, public legal theory teaches pardons for the crime of desertion – examples include
convicted of the crime of homicide and robbery; their that offenders are required to both make reparation the cases of 22 June 1763, 9 October 1776, 6 November
death sentences were commuted to the next heavi- for the damage they have caused and suffer the pen- 1780, 6 June 1785, 17 December 1789, 13 September
est penalty and, as in the previous case, were then alty for their offence (in op. cit., Title I, §XI), while the 1793, 20 February and 4 April 1795, 20 July 1796, 27
further reduced to forced labour for life, and then right to punish is based on a social pact and is derived March and 17 October 1797, 19 October 1798, 7 and
later to deportation to West Africa for life. Here, the from the fact that commission of an offence causes a 20 September 1799, 9 September and 29 November
same Royal Prosecutor was of the view that: “The renunciation of the offending citizen’s rights in rela- 1800, and 27 February, 22 April and 9 August 1801.
decision to convict resulted solely from the opinion tion to both his/her own person and others. A penalty 51 Basing ourselves once more on the work of Henriques
of two witnesses who considered them to be men is derived from a breach of the law, and thus differs Secco, we can see that the death penalty was effec-
of bad habits, which is too little to sentence them from making restitution or repairing the damage tively commuted in a total of 27, 88 and 20 cases in
to capital punishment.” The assumption that they done, which is due solely in accordance with the harm the 17 th , 18 th and 19 th centuries respectively (op. cit.,
had committed a crime was thus not deduced from done to the perfect right (§xiii). Even so, Melo Freire p. 529-566; 577-578 and 755-787).
pristine legal evidence, but rather from the defen- argued in favour of the rule that a penalty must be 52 For the period prior to 1852, see Ordenações Book V,
dants’ bad reputation in the area where they lived, proportional to the offence that has been committed; Titles 122§5 and 130§3.
“and the voices and the rights of humanity, which and that its purpose must be to ensure the security of 53 See Art. 74§5 of the Constitutional Charter and Arts.
are as sacred as those of justice, advise against the victim, correct the offender’s character, and serve 123(11) of the 1822 Constitution and 82(XI) of the 1838
applying capital punishment, which is to say the as an example for everyone else. Constitution.
101

57 La scienza della legislazione, 1.3, d.57. 63 Regimento do Desembargo do Paço, Carta de Lei de 27 67 Decretos de 11 de janeiro de 1728, 22 de fevereiro de
58 Contrato social, livro 2, c.5. de julho de 1572. 1729, 12 de abril de 1785, 8 de junho de 1785, 22 de ou-
59 A metafísica dos costumes, I. 64 O.F. Livro I, título 3§9, Livro V, título 52 §2, título 53 tubro de 1810 e 19 de agosto de 1811.
60 Princípios do código penal. pr., título 54 pr., título 116. Ver ainda o Regimento do 68 Decretos de 5 de junho de 1824 e 20 de outubro de
61 In p. 122 -124. Desembargo do Paço §§ 18 e 19, lei de 13 de janeiro de 1855.
62 Na apresentação da dissertação inaugural para o ato 1607 e decreto de 16 de julho de 1672. Estavam ainda 69 Decreto de 16 de outubro de 1862.
de conclusões magnas, realizada em 10 de novembro excetuados os casos consagrados nos decretos de 7 de 70 Decreto de 1 de junho de 1865.
de 1866, Manuel da Maia Alcoforado defendia que o maio de 1793, 14 de novembro de 1802, 22 de outubro 71 Decretos de 5 de junho de 1824, 21 de novembro de
poder moderador não poderia exercer a sua prerrogati- de 1810 15 de novembro de 1817, 11 de junho de 1819 e 1825 e 17 de julho de 1832.
va de amnistiar, perdoar ou moderar as penas quando 22 de março de 1821. 72 Carta dirigida a Eduardo Coelho datada de 2 de julho e
estas fossem impostas por crimes de corrupção e inti- 65 Importa salientar que o perdão régio só produzia efei- publicada no Diário de Notícias n.° 746, de 10 de julho
midação eleitoral (§19, a fls. 335), salientando que ti- tos desde que a parte ofendida não se opusesse. de 1867.
nham sido poucos os crimes deste género que não ti- 66 Decretos de 14 de novembro de 1802, 11 de junho de
nham sido amnistiados. 1819 e 28 de setembro de 1863.
























54 It should be noted that the remedying of miscar- 57 La scienza della legislazione, 1.3, d.57. bargo do Paço §§ 18 and 19, Law of 13 January 1607
riages of justice would always be guaranteed by the 58 Contrato social, Book 2, ch.5. and Decree of 16 July 1672. Exceptions were also made
‘institute’ of sentence revue. 59 A metafísica dos costumes, I. in relation to the cases addressed in the Decrees
55 We should note that royal clemency was not always 60 Princípios do código penal. of 7 May 1793, 14 November 1802, 22 October 1810,
just intended to save a few convicts from death, 61 P. 122-124. 15 November 1817, 11 June 1819, and 22 March 1821.
but also to reduce prison overcrowding by releasing 62 In an inaugural dissertation on 10 November 1866, 65 It is important to note that royal pardons only
people who were on remand or already serving time. Manuel da Maia Alcoforado argued that the “Mod- entered into effect if the victim(s) didn’t oppose it.
On the country’s prisons and penitentiary regime, erating Power” should not be able exercise its pre- 66 Decrees of 14 November 1802, 11 June 1819, and 28
see: ROMÃO, Miguel, “Pena de Prisão”, in Grandes rogative to grant amnesties and pardons or alleviate September 1863.
Realizações da História do Direito Português, Teoria penalties when the latter were imposed for crimes of 67 Decrees of 11 January 1728, 22 February 1729, 12 April
e História do Direito-Centro de Investigação, Lisbon, corruption or voter intimidation (§19, folio 335), say- 1785, 8 June 1785, 22 October 1810, and 19 August 1811.
2016, p. 119-121; Prisão e ciência penitenciária em ing that in practice, few such crimes had not been 68 Decrees of 5 June 1824, and 20 October 1855.
Portugal, Almedina, Coimbra, 2015; ALBUQUERQUE, amnestied. 69 Decree of 16 October 1862.
Paulo Pinto de, Direito Prisional Português e Europeu, 63 Regimento do Desembargo do Paço (Regulations gov- 70 Decree of 1 June 1865.
Coimbra Editora, Coimbra, 2006; MARQUES, Tiago erning the Royal High Court), Royal Letter with the 71 Decrees of 5 June 1824, 21 November 1825, and 17 July
Pires, Crime e castigo no Liberalismo em Portugal, force of Law dated 27 July 1572. 1832.
Livros Horizonte, Lisbon, 2005. 64 OF Book I, Title 3§9, Book V, Title 52 §2, Title 53 pr., 72 Letter addressed to Eduardo Coelho, dated 2 July and
56 Dos delitos e das penas, xlvi. Title 54 pr., Title 116. Also see Regimento do Desem­ published in Diário de Notícias no. 746 of 10 July 1867.


















102

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FILANGIERI, Gaetano, La science de la législation, ROMÃO, Miguel, “Código Penal”, in Grandes
ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Direito Processual ouvrage traduit de l’italien d’après l’édition de Realizações da História do Direito Português,
Penal, Projectos Legislativos, Vol. I, Almedina, Naples, de 1784, edizione terza, Tipografia Santini, Teoria e História do Direito -Centro de Investigação,
Coimbra, 2005. Veneza, 1806 -1813. Lisboa, 2016, p. 23 -25.
ALVES, Sílvia, Punir e Humanizar. O direito penal GRAES, Isabel, O poder e a justiça em Portugal no ROMÃO, Miguel, “Pena de Prisão” in Grandes
setecentista, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, século xix, AAFDL, Lisboa, 2014. Realizações da História do Direito Português,
2014. HERCULANO, Alexandre, Opúsculos, tomo viii, Teoria e História do Direito -Centro de Investigação,
BECCARIA, Cesare, Discurso sobre delictos e penas, 2.ª edição, Antiga Casa Bertrand -José Bastos & C.ª - Lisboa, 2016, p. 119 -121.
Londres, T.C. Hansard, 1816. -Editores, Lisboa. ROUSSEAU, Jean Jacques, O Contrato Social,
BENTHAM, Jérémie, Tractados de legislación civil HOMEM, António Pedro Barbas, A Lei da Liberdade, Publicações Europa América, Mem -Martins, 1999.
y penal, traducidos al castellano con comentarios Principia, Cascais, 2001. SANTOS, António Ribeiro dos, Discurso sobre a pena
por Rámon Salas, hecha bajo la dirección de HOMEM, António Pedro Barbas, Iudex Perfectus, de morte e reflexões sobre alguns crimes, Jornal de
José René Masson, Masson y Tipo, Paris, Almedina, Coimbra, 2003. Coimbra, n.° xxxiii.
1823. KANT, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos SECCO, António Luiz de Sousa Henriques, Memórias
Código Penal Portuguez, tomo I, Relatório, Lisboa, Costumes, Areal Ed., Porto, 2005. do tempo passado e presente para lição dos
Imprensa Nacional, 1864. MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo, Legislação vindouros, Coimbra, Imprensa da Universidade,
Código Penal Português, tomo II, Projecto da Pombalina, Almedina, Coimbra, 2006. 1880.
Commissão, Lisboa, 1861. PINTO, Basílio Alberto de Sousa, Lições de Direito SECCO, António Luiz de Sousa Henriques, “História do
COSTA, Afonso, Commentario do Codigo Penal Criminal Português, Imprensa da Universidade, direito criminal portuguez desde os mais remotos
Portuguez, I, Introducção, Escolas e princípios Coimbra, 1861. tempos”, in Revista de Legislação e Jurisprudência,
de criminologia moderna, Coimbra, Imprensa MARQUES, Tiago Pires, Crime e castigo no Liberalismo ano 4 (1871 -1872), n. os 185, 187 -188, 190 -191 e 193.
da Universidade, 1895. em Portugal, Livros Horizonte, Lisboa, 2005. SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e, Classes
dos crimes por ordem systematica com as penas
CRUZ, Guilherme Braga da, O movimento abolicionista ROMÃO, Miguel, Prisão e ciência penitenciária em
e a abolição da pena de morte em Portugal Portugal, Almedina, Coimbra, 2015. correspondentes, segundo a legislação actual,
(resenha histórica), Lisboa, 1967. ROMÃO, Miguel, “Abolição da pena de morte e das Regia Officina Typographica, Lisboa, MDCCCIIII.
FERREIRA, Manuel Lopes, Pratica Criminal, Porto, penas corporais”, in Grandes Realizações da História
Officina de António Alves Ribeiro Guimaraens, do Direito Português, Teoria e História do Direito-
1767. -Centro de Investigação, Lisboa, 2016, p. 9 -11.









BIBLIOGRAPHICAL REFERENCES FILANGIERI, Gaetano, La science de la législation, ROMÃO, Miguel, “Código Penal”, in Grandes
ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Direito Processual translated from Italian in accordance with the Realizações da História do Direito Português,
Penal, Projectos Legislativos, vol. i, Almedina, 1784 Naples edition, 3 rd edition, Tipografia Santini, Teoria e História do Direito-Centro de Investigação,
Coimbra, 2005. Venice, 1806-1813. Lisbon, 2016, p. 23-25.
ALVES, Sílvia, Punir e Humanizar. O direito penal GRAES, Isabel, O poder e a justiça em Portugal no ROMÃO, Miguel, “Pena de Prisão” in Grandes
setecentista, Lisbon, Fundação Calouste século xix, AAFDL, Lisbon, 2014. Realizações da História do Direito Português,
Gulbenkian, 2014. HERCULANO, Alexandre, Opúsculos, Book VIII, Teoria e História do Direito-Centro de Investigação,
BECCARIA, Cesare, Discurso sobre Delictos e Penas 2 nd edition, Antiga Casa Bertrand-José Bastos Lisbon, 2016, p. 119-121.
(Portuguese translation of Dei Delitti e Delle Pene), & C.ª-Editores, Lisbon. ROUSSEAU, Jean Jacques, O Contrato Social,
London, T.C. Hansard, 1816. HOMEM, António Pedro Barbas, A Lei da Liberdade, Publicações Europa América, Mem-Martins, 1999.
BENTHAM, Jeremy, Tractados de legislación civil y Principia, Cascais, 2001. SANTOS, António Ribeiro dos, Discurso sobre a pena
penal (Spanish translation of Traités de Législation HOMEM, António Pedro Barbas, Iudex Perfectus, de morte e reflexões sobre alguns crimes, Jornal
Civile et Pénale), with commentaries by Ramón Almedina, Coimbra, 2003. de Coimbra, no. xxxiii.
Salas, edited by José René Masson, Masson y Tipo, KANT, Immanuel, Fundamentação da Metafísica SECCO, António Luiz de Sousa Henriques, Memórias
Paris, 1823. dos Costumes, Areal Ed., Porto, 2005. do tempo passado e presente para lição dos
Código Penal Portuguez, Book I, Relatório, Lisbon, MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo, Legislação vindouros, Coimbra, Imprensa da Universidade,
Imprensa Nacional, 1864. Pombalina, Almedina, Coimbra, 2006. 1880.
Código Penal Português, Book II, Projecto da PINTO, Basílio Alberto de Sousa, Lições de Direito SECCO, António Luiz de Sousa Henriques, “História do
Commissão, Lisbon, 1861. Criminal Português, Imprensa da Universidade, direito criminal portuguez desde os mais remotos
COSTA, Afonso, Commentario do Codigo Penal Coimbra, 1861. tempos”, in Revista de Legislação e Jurisprudência,
Portuguez, I, Introducção, Escolas e princípios MARQUES, Tiago Pires, Crime e castigo no Liberalismo ano 4 (1871-1872), nos. 185, 187-188, 190-191
de criminologia moderna, Coimbra, Imprensa em Portugal, Livros Horizonte, Lisbon, 2005. and 193.
da Universidade, 1895. ROMÃO, Miguel, Prisão e ciência penitenciária em SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e, Classes
CRUZ, Guilherme Braga da, O movimento abolicionista Portugal, Almedina, Coimbra, 2015. dos crimes por ordem systematica com as penas
e a abolição da pena de morte em Portugal ROMÃO, Miguel, “Abolição da pena de morte e das correspondentes, segundo a legislação actual,
(resenha histórica), Lisbon, 1967. penas corporais”, in Grandes Realizações da História Regia Officina Typographica, Lisbon, MDCCCIIII.
FERREIRA, Manuel Lopes, Pratica Criminal, Porto, do Direito Português, Teoria e História do Direito-
Officina de António Alves Ribeiro Guimaraens, 1767. Centro de Investigação, Lisbon, 2016, p. 9-11.








103

ideais, reformas penais e prisões.
portugal, 1867










Fundamental ao impor a abolição da pena de morte em Portugal no âmbito da justiça civil,
a Carta de Lei de 1 de julho de 1867 define igualmente uma reforma penal e das prisões de
alcance considerável. Em conjunto com a Carta de Lei publicada no dia seguinte, a 2 de julho de
1867, que autoriza a criação e a organização dos corpos de Polícia Civil, estes diplomas legais
constituem elementos centrais do longo percurso de reformulação e modernização do sistema
penal, prisional e policial no Portugal oitocentista.
O crime, o seu significado e causas, as formas de o prevenir e reprimir, constituem rele-
vantes questões de debate e reflexão em Portugal, envolvendo autoridades públicas, estu-
diosos e a sociedade de forma participada. No debate e ação políticos, a reforma do sistema
penal manteve -se sempre presente ao longo do século xix, com reflexões, tomadas de posição,
medidas legislativas e concretizações diversas, sobretudo intensas no período de 1851 a 1886.
São reformas implementadas num quadro de forte intercâmbio de ideias e conhecimentos,
debates e observação do que se defende e é implementado noutros territórios, tanto na Europa,
como no continente americano.






ideals, penal reforms and prisons.
portugal, 1867






As well as being fundamental for imposing the abolition of the death penalty in Portugal for
civil justice, the Charter of Law of 1 July 1867 also established a considerably wide-reaching
reform of the penal system and prisons. Together with the Charter of Law published the fol-
lowing day, 2 July 1867, which authorised the foundation and organisation of the different
bodies of the civil police, the two laws are the central features in a long journey to reform and
th
modernise the penal, prison and police system in 19 -century Portugal.
Crime, its significance and causes, and ways of preventing it and limiting it were important
matters for debate and reflection in Portugal, actively involving public authorities, academics
and society. Reform of the penal system was a constant presence in political debate and action
throughout the 19 century, and included reflections, positions taken, legislative measures and
th
several implementations, which were particularly intense from 1851 to 1886. The reforms were
implemented within a context of considerable exchanges of ideas and knowledge, debates and
observation of what was being advocated in other places in Europe and America.





104

Maria João Vaz












A implantação do liberalismo e as novas ideias sobre a justiça penal, que circulam no mundo
ocidental desde o século xviii, tornam premente a reforma do sistema penal em Portugal.
É necessária a sua modernização e adequação ao novo quadro sociopolítico, às novas ideias, aos
novos ideais e valores que se procura divulgar e implementar.
Afirmam -se novas conceções sobre o crime, as suas causas e o seu significado, bem como
a forma como a sociedade e o poder com ele devem lidar. A criminalidade deixa de ser vista
como um problema que respeita essencialmente ao ofensor e à vítima, passando a ser enten-à vítima, passando a ser enten- enten-
dida como um marcante problema social, como algo que afeta a sociedade e a vida social no seu
todo e face à qual é necessário implementar urgentes e vigorosas medidas. A evolução que se
regista na forma como o crime é percecionado, bem como a determinação dos fatores que são
dados como estando na sua origem, levam a que sejam definidas novas formas e funções para
as penas a que deve ser sujeito quem viola a lei criminal.
Por toda a Europa, desde o início do século xix, a reclusão num estabelecimento prisional
tornou -se a pena mais defendida, tanto pelos elementos da escola penal correcionalista, como
















The introduction of liberalism and the new ideas on criminal justice that had circulated
in the Western world since the 18 century made a reform of the penal system in Portugal
th
a pressing requirement. It needed to be modernised and adapted to the socio-political
landscape, to new ideas, new ideals and values that, it was hoped, would be disseminated and
implemented.
New concepts about crime, its causes and its significance were becoming established,
along with new notions about the way society and power should deal with them. Crime
stopped being seen as a problem that essentially concerned the offender and the victim, and
came to be understood as a significant social problem, as something that affected society and
social life as a whole and which required urgent, emphatic measures. The evolution seen in
the way crime was understood, as well as the ascertainment of the factors that were believed
to be responsible for causing it, led to new forms and functions to be established for sen-
tences imposed on those who violated criminal law.





105

pelos utilitaristas como Jeremy Bentham. A prisão, entendida como um exemplo acabado de
«laboratório social», materializava o sonho de recuperação do indivíduo considerado como cri- considerado como cri-
minoso. A reclusão num espaço fechado, em que os condenados são afastados das influências
externas, era o epicentro do projeto de regeneração individual e social defendido por utilitaris-ernas, era o epicentro do projeto de regeneração individual e social defendido por utilitaris-
tas e filantropos.
Para a sociedade portuguesa da segunda metade de Oitocentos, em processo de indus-
trialização, urbanização e modernização, a principal pena prevista pela legislação penal passa
também a ser a privação da liberdade. A reclusão num estabelecimento prisional do indivíduo
que praticara um crime era considerada pelos penalistas da época – geralmente conotados com
a defesa dos tradicionais ideais liberais – como uma pena recomendável e útil, pois permitia
aliar ao sofrimento que a perda de liberdade obrigatoriamente implica, a possibilidade de rege-
neração do condenado, através de um processo de reflexão interior que lhe seria proporcionado
pelo seu afastamento do convívio social durante um tempo determinado.
Foram, assim, as ideias da denominada «escola penal correcionalista» que dominaram
e pautaram de forma mais marcada as políticas relativas ao crime e à sua penalização. Já no
final do século xix estas vão cedendo progressivamente espaço à afirmação de novos princípios
nomeadamente os defendidos pela «escola penal positiva», com renovadas conceções sobre o
crime, os fatores considerados como propiciando a sua manifestação e a forma de lidar com
quem se via implicado na prática de delitos.





Throughout Europe, from the beginning of the 19 century, detention in a prison
th
became the sentence most widely favoured by both members of the correctionalist school and
by utilitarianists such as Jeremy Bentham. Prison, understood as a prime example of a “social
laboratory”, embodied the dream of recovery for individuals seen as criminals. Imprisonment
in an enclosed space, where the convicts would be kept away from external influences, was
at the heart of the individual and social rehabilitation plan argued for by utilitarianists and
philanthropists.
For Portuguese society in the latter half of the 19 century, which was going through a
th
process of industrialisation, urbanisation and modernisation, the main sentences established
by criminal legislation also began to involve deprivation of freedom. Detention in a prison for
an individual who had committed a crime was considered by the criminal experts of the time
– generally associated with defending traditional liberal ideals – as a recommended and use-
ful sentence because it would combine the suffering that loss of freedom must involve with
the possibility of rehabilitating the convicted person through a process of internal reflection
that would be provided by his or her withdrawal from social interaction for a certain amount
of time.
These were, then, the ideas of the so-called “correctionalist school” of criminal law that
most markedly dominated and directed policy regarding crime and how it was punished. At the
th
end of the 19 century, these gradually gave way to the assertion of new principles, particularly


106

As ideias da «escola penal correcionalista», ou «escola clássica» do Direito Penal, saídas
do iluminismo, vão influenciar demoradamente o pensamento em Portugal relativo ao crime
e à sua penalização. Autor paradigmático desta corrente, Cesare Beccaria é geralmente referido
como tendo revolucionado a forma de percecionar o crime e o modo como este devia ser pena-
lizado. Após a publicação, na cidade de Milão, em 1764, da obra Dos Delitos e das Penas, a divul-
gação das suas ideias, aliada a outras contribuições de filósofos iluministas e de pensadores
utilitaristas e humanistas, iria modelar as reflexões que o crime e a justiça penal suscitaram em
Portugal. A sua influência foi tão duradoura que, em 1888, A. A. Castelo Branco, nessa altura
diretor da Penitenciária de Lisboa, única então existente no país, afirmará que em Portugal se
mantinha a tendência para «modificar as leis penais no sentido das doutrinas beccarianas e de
um sentimento humanitário», o que levava a que se desse «à penalidade uma feição moralmente
reformadora dos criminosos». Estas ideias teriam influenciado «nos últimos vinte e um anos a
1
legislação criminal portuguesa» . O princípio da corrigibilidade que fundamenta a Carta de Lei
de 1 de julho de 1867 prevalecia, assim, na legislação penal portuguesa algumas décadas depois.
No início da segunda metade de Oitocentos, Levy Maria Jordão, conhecido e importante
jurisconsulto, define o crime como uma perturbação do Estado de Direito. Preocupando -se
sobretudo em avaliar a eficácia e validade das penas, junta -se também ele ao otimismo corre-
cionalista comum aos juristas da época, vendo na penalidade um modo de recuperar moral e
juridicamente o indivíduo socialmente decaído. Reagindo às desconfianças que sobre este tipo





those defended by the “positivist school”, with new concepts about crime, the factors believed to
encourage crime and ways of dealing with people involved in committing it.
The ideas of the “correctionalist school of criminal law” or “classical school of criminal law”,
derived from the Enlightenment, would slowly influence thought in Portugal regarding crime
and punishment. One leading author of this school of thought, Cesare Beccaria, is generally
thought of as having revolutionised how crime and the way it is punished is perceived. After
his book On Cri�es and Punish�ents was published in 1764 in Milan, the reach of his ideas,
along with contributions by Enlightenment philosophers and utilitarian and humanist thinkers,
would mould reflections that crime and criminal justice sparked in Portugal. His influence was so
well-established that, in 1888, A. A. Castelo Branco, director of the Lisbon Prison at the time
(then the only one in the country) would say that in Portugal the trend continued to “modify
criminal laws in line with Beccarian thought and humanitarian feeling”, meaning that “punish-
ment [would be] given a morally reforming character for criminals”. These ideas would have had
an influence “in the last twenty-one years of Portuguese criminal legislation”. The principle
1
of corrigibility that underpins the Charter of Law of 1 July 1867 was therefore prevalent in
Portuguese criminal legislation some decades later.
In the latter half of the 19 century, Levy Maria Jordão, a well-known and important
th
legal expert, defined crime as a disturbance of the rule of law. Concerned primarily with
assessing the effectiveness and validity of sentences, he was also part of the correctionalist



107

de raciocínio alguns levantavam, defende -o em nome da razão e rejeita toda a conotação que
dele se faça com um sentimento acrítico ou uma crédula filantropia .
2
Pouco tempo depois, Silva Ferrão, demonstrando já uma conceção relativista da noção
de crime, ao afirmar que a ideia de crime e a criminalização de ações se encontra subordinada
às «necessidades e conveniências sociais» que em cada momento se afirmam numa concreta
sociedade, defende que a ação da sociedade deve recair essencialmente na prevenção dos
crimes e que apenas a sua negligência ou impotência na prevenção a obriga a ter de colocar em
prática providências punitivas. Classificando o crime como uma «enfermidade», considera que
as penas deverão ser pensadas e aplicadas como um «remédio» e o lugar do seu cumprimento
3
«não é mais do que um hospital» .
Demonstrando uma clara partilha das ideias afirmadas na linha do racionalismo huma-
nista saído do iluminismo, Silva Ferrão defende que em caso algum o indivíduo deve perder a
sua natureza de homem e de cidadão, afirmando acreditar na possibilidade de recuperação, de
«regeneração» do indivíduo delinquente. Seriam as penas, devidamente pensadas e aplicadas,
que possuiriam a capacidade «terapêutica» de inverter o percurso que é dado como caracterís-
tico do criminoso. À prisão é, assim, atribuída a função de regenerar delinquentes. 4
Na linha deste pensamento, comum à maior parte da Europa da altura, intensificam -se,
em Portugal, as medidas tendentes à revisão do sistema penal e à construção de estabeleci-
mentos prisionais de acordo com os princípios enunciados de regeneração do delinquente,





optimism common to jurists of the time, seeing penalties as a way of morally and legally
rehabilitating socially lapsed individuals. Reacting to the mistrust that some raised about this
type of reasoning, he defended it in the name of reason and rejected all insinuations that it
was done in an acritical spirit or with philanthropic credulousness. 2
A short time later, Silva Ferrão, demonstrating a relativist view of the notion of crime,
argued that society’s action should essentially deal with preventing crimes and that only
negligence or powerlessness in prevention would force it to put punitive measures into
practice. He stated that the idea of crime and the criminalisation of acts were dependent
upon the “social needs and opportunities” that constantly emerge in each individual society.
Classifying crime as a “sickness”, he believed that sentences should be thought of and applied
as a “remedy” and that the place for serving them “is no more than a hospital”. 3
Clearly demonstrating shared ideas from the line of humanist rationalism that came out
of the Enlightenment, Silva Ferrão argued that individuals should never lose their nature as
humans and citizens, stating that he believed in the possibility of rehabilitation – “regenera-
tion” – for the offending individual. It would be duly thought out and penalties applied would
have the “therapeutic” ability to change the path believed to be characteristic of the criminal.
Prison was therefore assigned the role of regenerating offenders. 4
In this line of thinking, common to most of Europe at the time, there was a rise in
measures attempting to revise the penal system in Portugal and build prisons according to



108

ou seja, com vista à construção de penitenciárias, o edifício prisional paradigma deste ideário
penal.
Seria o isolamento celular do detido, de acordo com o qual era pensado este tipo de edi-
fícios, que permitiria um exercício de autorreflexão interior. Guiado pela razão, o condenado
encontraria a via da regeneração e concretizaria a sua recuperação para uma vida de sadio
convívio social.
Nesse sentido, são enviados vários observadores a diferentes países com a finalidade
de aí visitarem estabelecimentos prisionais e penitenciárias e relatarem os avanços consegui-
dos neste campo. Após visitar a Inglaterra e a França, o ajudante do procurador régio Manuel
Tomás de Sousa Azevedo apresenta o relatório da sua viagem em 1857, concluindo pela con-
veniência de se adotar em Portugal o sistema penitenciário, regime prisional que melhor pos-
sibilitaria a regeneração do delinquente, através da educação, autorreflexão e pelo trabalho. 5
Três anos mais tarde, em 1860, é a vez de Aires de Gouveia apresentar as conclusões da
6
sua viagem pela Europa, onde visitou vários estabelecimentos prisionais. Patenteando tam-
bém ele uma visão humanista e racionalista da conceção de crime e da ação da justiça crimi-
nal, de otimismo perante a possibilidade de regeneração do indivíduo delinquente e sobre a
sua futura reinserção na sociedade, enuncia claramente a forma que defende tornar possível
7
este facto: «Um bem pensado regí�en moral e físico que o transforme noutro ente.» Porém,
para a concretização deste objetivo, o estabelecimento prisional deve apresentar características





the principles of rehabilitating the offender, i.e. with a view to building penitentiaries, the
standard prison facility for this penal ideology.
Isolating the prisoner in cells, which is how these types of buildings were designed,
would allow for a process of internal self-reflection. Guided by reason, the prisoner would
find the path to regeneration and would achieve his rehabilitation for a life of healthy social
coexistence.
Several observers were therefore sent to different countries in order to visit prisons
and penitentiaries and report on the advances made in the field. After visiting England and
France, the assistant to the Royal Prosecutor, Manuel Tomás de Sousa Azevedo, presented his
travel report in 1857, concluding that it would be desirable to adopt the penitentiary system
in Portugal, since it was the prison system that would best enable the regeneration of the
offender through education, self-reflection and work. 5
Three years later, in 1860, it was Aires de Gouveia’s turn to present the conclusions
6
of his journey through Europe, during which he had visited several prisons. Also revealing
a humanist and rationalist view of the concept of crime and the action of criminal justice
and optimism in light of the possibility of regenerating an offending individual and his or
her future reintegration into society, he clearly set out the way he proposed to make this
possible: “A properly thought out moral and physical regime that transforms him into
another being”. However, to meet this objective, prisons would need to have characteristics
7


109

distintas das que então definiam a generalidade das prisões em Portugal: «O cárcere não é uma
enxovia mefítica, é um hospital racionalmente construído: o denunciado não arrastará ali pesa-
dos grilhões, não ouvirá blasfémias de malfeitores, não será corrompido física e moralmente,
nem sairá afinal com o estigma de vilipêndio: muito pelo contrário, ficará livre dentro da sua
enfermaria com todos os cómodos possíveis, isolado de toda a influência corruptora do seu
espírito e corpo, suavizado continuamente pela voz moralizadora da religião e sairá, logo que a
sua reforma se manifeste plena.» 8
O otimismo correcionalista é, assim, a tónica dominante do discurso público sobre o crime
e a justiça penal. A concretização deste ideário passaria pela construção de novos edifícios pri-
sionais, as penitenciárias, e pela implementação de novos regimes prisionais, onde estariam
aliadas a educação literária, científica e religiosa, a reflexão interior, repudiando -se a ideia de que
o crime pudesse ser fruto de uma razão esclarecida, e o trabalho que permitia tornar o indivíduo
considerado nocivo ao harmonioso funcionamento da sociedade, num cidadão socialmente útil.
A recusa das antigas penalidades aplicadas aos condenados pela prática de crimes é geral.
Em 1860, no relatório que antecede a apresentação da sua Proposta de Lei sobre a Orga-
nização Judicial, o então ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, João Baptista da
Silva Ferrão de Carvalho Martens, resume o ideal penal com maior implantação na época,
com vários seguidores entre os decisores políticos: «Hoje a sociedade satisfaz -se com a reabi-
litação daqueles que a ofenderam. (...) A emenda dos culpados apresenta um espetáculo mais





that differed from those found at most prisons in Portugal at the time: “Jail is not a foul
dungeon, it is a rationally built hospital: the offender will not drag around heavy shackles,
nor shall he hear the blasphemies of wrongdoers, nor shall he be physically and morally cor-
rupted or finally leave with the stigma of vilification. On the contrary, he shall be free within
his infirmary with all possible commodities, isolated from all corrupting influences on his
body and soul, continually soothed by the moralising voice of religion and he shall leave as
soon as his reformation is fully demonstrated.” 8
Correctionalist optimism was therefore the dominant theme of public discourse on
crime and criminal justice. Implementing this ideology would involve building new prison
buildings – penitentiaries – and implementing new prison regimes, which would be joined by
literary, scientific and religious education and internal reflection. The idea that crime could
be the fruit of enlightened reason was rejected, and work would make it possible for an indi-
vidual considered harmful to the harmonious running of society to become socially useful.
The rejection of the former penalties applied to those sentenced for committing crimes was
widespread.
In 1860, in the report that came before submission of the government bill on judicial
organisation, the then Minister of Ecclesiastic Affairs and Justice, João Baptista da Silva
Ferrão de Carvalho Martens, returned to the penal ideal that was most widely implemented
at the time and had several followers among political decision-makers: “Today, society is



110

próprio da civilização de que gozamos, do que esses velhos exemplos em que se fazia descer a
humanidade à última escala da degradação. A pena, desligada da ideia de reabilitação degrada
o homem que a sofre, e a sociedade que a impõe.» 9
Desta forma, em Portugal, o debate sobre os regimes e os estabelecimentos prisionais
torna -se intenso, acompanhando e flutuando de acordo com a importância que a questão do
crime vai adquirindo para a sociedade da época. Mais do que punir, a pena deve possibilitar
a reabilitação do delinquente, recuperando -o para a vida em sociedade. Repensa -se o papel
atribuído ao estabelecimento prisional, dando -se -lhe o protagonismo no sistema penal. No
entanto, para que os objetivos pensados para as penas pudessem ser atingidos, a reclusão deve-
ria ter lugar em estabelecimentos prisionais adequados à finalidade de recuperar o delinquente
e os existentes em Portugal não permitiam a concretização desses propósitos. Para que a recu- não permitiam a concretização desses propósitos. Para que a recu-
peração do condenado pudesse ter lugar, era essencial possibilitar -lhe a realização de um pro-
cesso de autorreflexão, que seria enquadrado e auxiliado pela influência da educação, da aqui-
sição de arreigados valores morais e pela força disciplinadora do trabalho. Ao conhecer o «bem»
e o socialmente aceitável e correto, o indivíduo não voltaria a enveredar pelo nocivo caminho
do crime. A reflexão interior, central no processo de recuperação do indivíduo delinquente
para a vida em sociedade, apenas se poderia concretizar caso o recluso pudesse desfrutar de
um total isolamento. Aires de Gouveia sintetiza esta convicção: «O criminoso isolado pode
corrigir -se, é provável que se corrija; associado não só não é provável, senão que não pode.» 10





satisfied with the rehabilitation of those who have offended it. (…) Reforming the guilty
provides a spectacle that is better suited to the civilisation we enjoy than the old examples
which dragged humanity down to the lowest rungs of degradation. A sentence, disconnected
from the idea of rehabilitation, degrades the man who undergoes it and the society that
imposes it.” 9
In Portugal, the debate on prison regimes and prisons themselves became more
intense, accompanying and fluctuating with the importance that the issue of crime held for
society at the time. Rather than punishing, sentences should make it possible to rehabilitate
the offender, recovering him or her for life in society. The function assigned to prisons was
rethought and given a leading role in the penal system. Nonetheless, for the objectives set
for sentences to be achieved, imprisonment would need to take place at prisons suitable for
the goal of rehabilitating the offender, and those found in Portugal did not enable those
aims to be realised. For the criminal to be rehabilitated, it was essential for him or her to be
given the opportunity to embark upon a process of self-reflection, to be guided and aided by
the influence of education, the acquisition of entrenched moral values and the disciplining
strength of work. By getting to know “good” and what is socially acceptable and proper, the
individual would not go back to the harmful path of crime. Internal reflection, central to
the offending individual’s process of rehabilitation for life in society, could only be achieved
if prisoners were able to enjoy total isolation. Aires de Gouveia summed up this belief:



111

A realidade prisional em Portugal estava distante de permitir uma concretização das
ideias defendidas. As afirmações sobre o estado degradado das prisões, a sua insuficiência
em número e desadequação aos fins são permanentes. Os poderes públicos desdobram-
-se em propostas de medidas e iniciativas no sentido de ultrapassar o problema. Junto dos
governantes definem -se duas linhas simultâneas de ação: a primeira, a reforma e recuperação
dos antigos estabelecimentos prisionais de forma a adaptá -los aos novos ideais penais e, em
segundo lugar, a construção de edifícios de raiz, concebidos e construídos para que neles fosse
possível implementar um sistema de reclusão e isolamento do detido, ou seja, a construção
de penitenciárias.
No entanto, como ocorre em muitas áreas da ação governativa da época, as concretiza-áreas da ação governativa da época, as concretiza-concretiza-
ções vão ficando muito aquém dos enunciados de intenções. Como primeiras tarefas a realizar,
era necessário aumentar o número de estabelecimentos prisionais e reformar os existentes,
readaptando -os à prática dos novos ideais penais. Afirma -se ser imprescindível a «criação de
casas de cumprimento de pena, onde as ocasiões frequentes de desmoralização sejam subs-
tituídas pelo exercício do trabalho, pela educação moral, e pelas práticas da religião, dando-
-se assim completo cumprimento à pena, que, desligada da ideia de reabilitação, degrada o
11
homem que a sofre e a sociedade que a impõe» . O confronto com a realidade observada
nos outros países leva a que se enfatize a penosa situação vivida em Portugal a nível pri-
sional. O Governador Civil de Lisboa alerta, em 1859, para o mau estado de conservação e





“An isolated criminal can be corrected, it is likely that he will be corrected; with company it
is not only unlikely, he cannot”. 10
The prison situation in Portugal was a long way off enabling the ideas defended to be
achieved. Observations about the poor state of prisons, the insufficient number thereof and
their lack of fitness for purpose were constant. Public powers drew up proposed measures
and initiatives to overcome the issue. Among the governing authorities, there were two
simultaneous lines of action: the first to reform and renovate old prisons so as to adapt them
to the new penal ideals and the second to erect new buildings from scratch, designed and built
in such a way as to make it possible to introduce an imprisonment and isolation system for
prisoners, i.e. the construction of penitentiaries.
Nevertheless, as happened in many areas of government action at the time, the achieve-
ments fell rather short of the declared intentions. One of the first tasks to carry out was to
increase the number of prisons and reform existing ones, reshaping them to the new penal
ideals. It was essential to “set up buildings for serving the sentence, where the frequent
occurrences of demoralisation [would be] replaced by work, moral education, religious prac-
tices, thereby fully serving the sentence which, disconnected from the idea of rehabilitation,
degrades the man who undergoes it and the society that imposes it”. Comparison with the
11
situation seen in other countries led to a focus on the difficult situation Portugal was seeing
in terms of its prisons. The civil governor of Lisbon warned, in 1859, about the poor state



112

segurança das cadeias do distrito, semelhante ao que sucede por todo o país, onde as condi-
ções de segurança e de higiene são praticamente inexistentes. Referindo -se a 38 cadeias do
distrito de Lisboa, classifica apenas cinco como boas e outras tantas como seguras; as restan-
12
tes variam entre o péssimo e o sofrível . Posição semelhante tem o presidente da Relação do
Porto. Considerando o mau estado das cadeias desta Relação e as dificuldades para sustentar
os presos, afirma que «uma das necessidades mais urgentes do serviço público» é proceder à
sua reforma total .
13
A necessidade imperiosa de melhorar as condições prisionais é sistematicamente acen-
tuada pelo discurso público. A crítica à realidade prisional domina as análises produzidas sobre
o sistema penal, sobretudo por se considerar que os estabelecimentos prisionais existentes
funcionavam como obstáculos à plena concretização dos fins atribuídos às penas. Afirma -se
que, devido às péssimas condições prisionais, os «presos saem piores do que entram; longe de
se reformarem, amestram -se no crime e modos de o executar» .
14
Longe de cumprir a função de regenerar delinquentes, a prisão é antes descrita como uma
«escola do crime». Sobrelotadas e dominadas pela promiscuidade, não existindo separação
entre os presos que se encontram mal alimentados e vivem em péssimas condições de higiene,
a realidade prisional era bem o contrário do que se defendia dever ser. As críticas ao sistema
prisional português são constantes e contundentes. João Maria Baptista Calisto, considerando
as cadeias como «um mal necessário», refere a falta de salubridade e de condições de higiene





of upkeep and security at prisons in the district, similar to the case in the rest of the coun-
try, where health and safety conditions were practically non-existent. While discussing 38
prisons in the Lisbon district, he classified only five as being good and another five as safe;
12
the remaining prisons varied between terrible and moderate. The President of the Porto
Appeals Court had a similar position. In the light of the poor state of the court’s prisons and
the difficulties in maintaining the prisoners, he stated that “one of the most urgent needs of
public service” was to carry out a full reform.
13
The pressing need to improve prison conditions was systematically highlighted in
public discourse. Criticism of the situation at prisons dominated analyses about the penal
system, above all because it was considered that the existing prisons worked as obstacles to
fully realising the purposes assigned to sentences. It was said that, due to the terrible prison
conditions, “inmates leave worse than when they went in; far from being rehabilitated, they
become experts in crime and how to carry it out”. 14
Far from meeting the function of rehabilitating offenders, prison was instead described
as a “crime school”. Overcrowded and dominated by promiscuity, since there was nothing
separating the prisoners, who were poorly fed and lived in terrible hygiene conditions, the
situation at prisons was precisely the opposite of what it was argued it should be. Criticisms of
the Portuguese prison system were constant and dramatic. João Maria Baptista Calisto, who
considered jails to be “a necessary evil”, mentioned the lack of salubriousness and hygiene



113

que estas apresentam. Insurge -se contra os maus tratos, os abusos de poder e o tratamento
discriminatório praticado pelos carcereiros. Propõe a construção de novos estabelecimentos
prisionais, onde os reclusos, divididos consoante o sexo, a idade, o tipo de crime praticado, a
duração da pena e o grau de perigosidade, desfrutariam de boas condições de higiene, uma boa
15
alimentação e a prática de trabalho remunerado .
Face ao estado degradado das prisões portuguesas, a necessidade da sua reforma é recor-
rentemente afirmada. Em 1857, considerando a necessidade de melhorar o estado das cadeias,
não só ao nível das instalações, mas também da sua administração e do policiamento, o Minis- nível das instalações, mas também da sua administração e do policiamento, o Minis-da sua administração e do policiamento, o Minis-
tério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça nomeia uma comissão para estudar e indicar as
medidas a desenvolver. Esta comissão deve também dar o parecer sobre a concretização da
outra linha definida para a ação governativa no âmbito do sistema penal: a construção de uma
prisão penitenciária em Lisboa ou no Porto. A comissão deverá, ainda, indicar dois locais onde
possam ser construídas as cadeias necessárias para albergar a população prisional, solicitando
que refira de onde deverá sair o dinheiro necessário para a concretização destes propósitos e
qual o organismo que deveria encarregar -se da administração das prisões .
16
A adoção do regime penitenciário, já em vigor desde o início do século xix em alguns
países da Europa e nos Estados Unidos da América, surgia como a solução mais válida e de
urgente concretização. O governador civil de Lisboa enfatiza as potencialidades atribuídas ao
sistema penitenciário: «Este objeto é de suma transcendência; dele depende em grande parte





conditions found there. He railed against the mistreatment, abuses of power and discrimina-
tory treatment performed by the prison wardens. He proposed building new prisons, where
prisoners would be divided by sex, age, type of crime committed, length of sentence and
degree of danger posed, as well as having good hygiene conditions, proper nourishment and
the opportunity to carry out paid work. 15
In the face of the rundown state of Portuguese prisons, the need to reform them was
repeatedly reiterated. In 1857, the Minister of Ecclesiastic Affairs and Justice considered the
need to improve the state of prisons’ facilities, administration and policing, and appointed
a committee to study and suggest measures to be implemented. The committee was also to
give its opinion on implementing another step for government action in the area of the penal
system: the construction of a prison in Lisbon or Porto. The committee was also to suggest
two places where the prisons needed to house the prison population could be built, and it was
to give an indication about where the money should come from to achieve these goals and
which body should be in charge of administering the prisons. 16
The adoption of the penitentiary system, which had already been in place since the start
of the 19 century in some European countries and in the United States of America, was a
th
more valid solution and urgently needed to be put into practice. The civil governor of Lisbon
highlighted the potential associated with the penitentiary system: “This is of the utmost
importance; the morality of peoples, security and public calm largely depend on it; as soon as



114

a moralidade dos povos, e a segurança e tranquilidade pública; e logo que ele seja completa e
convenientemente organizado e regularizado, de certo diminuirá a estatística dos crimes, e se
tornará menos necessária a ação policial.» 17
No entanto, a evolução é lentíssima e a concretização das medidas preconizadas é sistema-
ticamente adiada. Este facto leva a que na década de 1860 o debate se mantenha quase inalte-
rável, repetindo -se as mesmas ideias, reafirmando -se as mesmas necessidades e preconizando-
-se a adopção das mesmas medidas.
Em nome da razão e da recuperação do delinquente, a condenação a penas de prisão são
as únicas defendidas como válidas. As outras penas previstas na legislação penal são considera-
das ineficazes e nocivas. Aires de Gouveia repudia a pena de morte, mas critica também outras
penas comummente aplicadas em Portugal, como é o caso da condenação a trabalhos públicos
e o degredo. A condenação a trabalhos públicos seria desumana e em nada contribuiria para a
recuperação do delinquente, além de originar «a falsíssima ideia de que o trabalho é castigo, é
baixeza, é vilania». 18
Em relação à pena de degredo, a sua oposição é também absoluta, vendo nela uma viola-ão é também absoluta, vendo nela uma viola- uma viola-
ção dos direitos que assistem a qualquer homem e um ato de prepotência e não cumprimento
dos seus deveres por parte do Estado: «Enviado para longe é convertido em escravo branco.
Ora, ao Estado não assiste o direito de explorar em benefício próprio o delinquente que, antes
de tal e acima de tudo, é homem.» Levy Maria Jordão defende, igualmente, que a pena de
19




it has been completed and properly organised and regulated, crime rates will certainly fall and
police action will be less necessary”. 17
However, developments were slow and implementation of the measures proposed was
systematically postponed. This meant that the debate remained practically unaltered during
the 1860s, with the same ideas repeated, the same needs restated, and adoption of the same
measures re-established.
In the name of reason and rehabilitation of the offender, prison sentences were the
only kind defended as being valid. The other sentences laid down in criminal legislation were
thought to be inefficient and harmful. Aires de Gouveia rejected the death penalty but also
criticised other penalties commonly applied in Portugal, such as public work or exile. Sen-
tencing to public work would be inhumane and would contribute nothing to the offender’s
rehabilitation, as well as creating “the highly false idea that work is punishment, baseness,
villainy”. 18
He was also absolutely against exile, seeing it as a violation of the rights enjoyed by any
man and an act of presumptuousness and a failure by the state to meet its duties: “Sent far
away, he becomes a white slave. The state does not have the right to exploit the criminal for
its own benefit, since the offender is, above all, a man”. Levy Maria Jordão similarly argued
19
that prison sentences should be the only ones used, and only accepted the sentence of trans-
portation to Africa, widely used in Portugal, to punish lesser offences. 20



115

prisão deveria ser a única a utilizar, apenas aceitando a manutenção da pena de transportação
para África, largamente utilizada em Portugal, para punir os delitos de menor gravidade .
20
A importância atribuída aos estabelecimentos prisionais como local privilegiado para o
cumprimento das penas continua, no entanto, a deparar com muitos obstáculos para que tal
se torne uma prática efetiva. Em 1867, o deplorável estado em que se encontravam as prisões
é uma vez mais reafirmado. No discurso que profere a 1 de março de 1867 na Câmara dos
Deputados, Barjona de Freitas classifica o problema como de urgente resolução: «Tocar neste
assunto o mesmo é que denunciar a urgência do mal e a instância do remédio. […] É conhecido
o estado das nossas cadeias. Estranha antítese da nossa civilização, flagrante desmentido dos
progressos das ciências criminais e dos sentimentos da humanidade que devem suavizar a
austeridade das leis, mal podem satisfazer o seu fim as atuais prisões. […] A cadeia […] não
deve ser a escola de imoralidades, onde os instintos do bem esmoreçam, e as ruins propensões
se dilatem e apurem na triste convivência do vício e do crime.» 21
A Reforma Penal e das Prisões, de 1 de julho de 1867, concretiza a nível legislativo algu-
mas das medidas há muito defendidas, culminando num intenso debate sobre o crime e o sis-
tema penal. Liminarmente são abolidas a pena de morte no âmbito da justiça civil e a pena de
22
trabalhos públicos , mas estas determinações são acompanhadas por um amplo conjunto de
reformas no âmbito penal e prisional que dão maior alcance e significado a esta Carta de Lei.
É aprovada a introdução do regime de prisão maior celular em Portugal, com penas que deverão





Although the importance assigned to prisons as the favoured place for sentences to be
served continued, there were many obstacles stopping it from becoming effective practice.
In 1867, the deplorable state that prisons found themselves in was once again reasserted.
In a speech he gave on 1 March 1867 at the Chamber of Deputies, Barjona de Freitas said
that the problem needed to be resolved urgently: “Touching on this subject is the same as
denouncing the urgency of evil and insistence on the remedy. [...] The state of our prisons is
known. Strange antithesis of our civilisation, blatant contradiction of the progress in criminal
sciences and human wishes that should soften the austerity of laws, today’s prisons can barely
meet their purposes. [...] Prison [...] should not be schools of immorality, where the instincts
of good fade away and wicked dispositions are spread and refined in the sad coexistence of
vice and crime.” 21
The Penal and Prison Reform of 1 July 1867 introduced some long-defended measures
into legislation, culminating in an intense debate on crime and the penal system. The death
penalty in the civil justice field and the sentence of public work were rejected out of hand,
22
but such stipulations were joined by a broader reform of criminal law and prisons that gave
the Charter of Law a wider reach and significance. The introduction of the cell-based prison
system in Portugal, with sentences to be served in penitentiaries, was approved. As a result,
three penitentiaries were due to be built: one in Lisbon and one in Porto, both for male
prisoners, and a third, also in Porto, for female prisoners. Life sentences were eliminated,



116

ser cumpridas em estabelecimentos penitenciários. Nesse sentido, prevê -se a construção de
três cadeias penitenciárias: uma em Lisboa e outra no Porto, ambas destinadas a indivíduos
do sexo masculino, e uma terceira, também no Porto, destinada a elementos do sexo feminino.
A perpetuidade das penas é eliminada, apenas subsistindo para os casos em que anteriormente
23
se aplicava a pena de morte . O degredo, embora criticado no discurso público, permanece,
sobretudo como pena complementar, após o cumprimento de uma pena de prisão maior celular.
Indo ao encontro de ideias com forte implantação na época, define -se que a pena de pri-
são maior celular deverá ser cumprida em absoluta separação entre os condenados, tanto de
24
dia, como de noite, com a realização de trabalho obrigatório nas celas . Determinando como
elemento central o que é definido como a «reforma moral» do condenado, todo o processo
de detenção é para tal orientado. Os condenados poderão comunicar com os funcionários da
cadeia e receber visitas, desde que se considere que estas contribuem para a sua «recuperação».
Deverão praticar exercício ao ar livre, mantendo a total incomunicabilidade e o total afasta-
mento dos outros presos. O resultado do trabalho que desenvolvem deverá ser dividido em
quatro partes, revertendo uma para o Estado; outra para a vítima, a título de indemnização; a
terceira será entregue aos que dependam do condenado, a mulher e os filhos; a quarta reverterá
para um fundo de reserva a entregar ao condenado no momento da sua libertação. Quando
dispensável o auxílio à família ou o pagamento de indemnização, essas quantias reverterão
para o Estado.





only remaining for cases in which the death penalty would have previously applied. Exile,
23
although criticised in public discourse, remained, particularly as a complementary penalty,
after serving a cell-based prison term.
Meeting ideas that were widespread at the time, it became established that cell-based
prison terms should be served entirely separately from other convicts during the day and at
night, with compulsory work being carried out in cells. Establishing what is defined as the
24
“moral reformation” of the convict as a central element, the entire imprisonment process was
directed towards it. Convicts were to be allowed to communicate with the prison staff and
receive visitors, provided that the visits were considered to help with his or her “recovery”.
They were to have exercise in the open air, remaining entirely free from communication and
separate from the other inmates. The product of the work they would do in prison would be
split into four parts, with one part going to the state; one part going to the victim, as com-
pensation; the third part going to the convict’s dependents – his wife and children; and the
fourth going into a reserve fund to be delivered to the convict at the time of his or her release.
When the help for the family or payment of compensation was not applicable, those amounts
were paid to the state.
With a view to the convict’s social reintegration, he or she would be given basic educa-
tion, vocational training and some scientific notions, in accordance with his or her social
standing. All prisoners were to be given moral and religious education, and the banning of
25


117

Com vista à reinserção social do condenado, ser -lhe -á proporcionada instrução primá-
ria, instrução profissional e algumas noções científicas, de acordo com o seu estatuto social .
25
A todos os detidos será ministrada instrução moral e religiosa, reafirmando -se a proibição de
castigos corporais, «os açoites, algemas, privação do indispensável alimento e toda e qualquer
26
espécie de tortura» .
Mantém -se o já definido no Código Penal (1852) para as penas correcionais que ficam
limitadas a um período máximo de dois anos. Os condenados a penas correcionais deverão
27
também observar um regime de separação absoluta , procedimento tido como indispensável
para a sua recuperação. Contudo, estes disporão de maior liberdade para receber visitas, sendo
o trabalho facultativo para os condenados que consigam pagar «a quantia devida pelo quarto
ou pela cela respetiva» e «a despesa feita na cadeia com a sua sustentação» . Para os restantes
28
– de facto a vastíssima maioria da população prisional – o trabalho seria obrigatório, dividindo-
-se o seu rendimento em duas partes: uma para o pagamento das despesas realizadas pela sua
detenção na cadeia, outra para o preso. Todo o trabalho deveria ser realizado na cela, em total
afastamento dos outros presos.
Os condenados a penas correcionais cumprirão pena nas cadeias distritais, prevendo -se
a criação de uma Comissão Administrativa da Cadeia Distrital que entre um vasto conjunto de
atribuições, deverá também «promover a instituição de associações de proteção para os indiví-
duos que acabarem de cumprir pena» .
29




corporal punishments was reiterated, including “flogging, handcuffing, deprivation of essen-
tial food or any kind of torture”. 26
The provisions in the Penal Code (1852) for correctional sentences was kept, and such
sentences were limited to a maximum period of two years. Those sentenced to correctional
sentences were also to observe an absolute separation regime, a procedure that was seen
27
as being indispensable to their rehabilitation. However, they would have more freedom to
receive visitors, with work being optional for convicts able to pay “the amount due for his
28
room or cell” and “the cost of his maintenance in jail”. For the rest – in fact the vast majority
of the prison population – work would be compulsory, with the income split into two parts:
one for paying expenses arising from the convict’s imprisonment, and the other for the
prisoner him or herself. All work would be carried out in the cell, totally apart from the other
prisoners.
Those sentenced to correctional sentences would serve their sentences in district
prisons, and administrative committees for district prisons would be set up. The committee
was also to “encourage the establishment of associations for individuals who have just
finished serving their sentence”. 29
Until conviction, prisoners would remain in county prisons. These should also follow
the individual imprisonment system with complete isolation among prisoners; work would
be optional and all income resulting from it would go directly to the prisoner.



118

Até à condenação, os detidos deverão permanecer nas cadeias comarcãs. Também aqui se
deverá cumprir um sistema de prisão individual e de completa separação entre os presos, sendo
o trabalho facultativo e revertendo para o detido a totalidade do rendimento daí resultante.
Assim, a Reforma Penal e das Prisões aprovada a 1 de julho de 1867 procura implemen-
tar ideias largamente defendidas quanto ao objetivo e à aplicação das penalidades no âmbito
criminal. Além de uma humanização das penas, estas devem ter sempre em vista a recuperação
do condenado para o convívio social, o que se considera apenas ser possível com um regime em
que o condenado cumpra o seu período de detenção em prisão individual, sem contacto com
os outros detidos, propiciando uma reflexão que o conduzirá a transformar -se num cidadão
respeitador. Nesse sentido, a Reforma Penal determina um vasto movimento de construção de
estabelecimentos prisionais e a reformulação dos existentes.
Define -se com algum detalhe os procedimentos a cumprir para a construção das três
cadeias penitenciárias, as suas localização e lotação, cuja concretização ficará a cargo do Estado
central. Prevê -se também a construção de cadeias distritais, sempre que não seja possível adaptar
as existentes ao sistema de separação de presos. Estas deverão ficar localizadas nas proximidades
da capital de distrito e a sua lotação será definida considerando a média dos presos condenados
nesses distrito nos últimos três anos. A construção e manutenção das cadeias distritais fica a
cargo dos respetivos distritos, podendo ser aprovada anualmente uma contribuiçã a cobrar com
os impostos gerais do Estado, denominada «imposto para a cadeia distrital». Prevê -se, ainda,





So the Penal and Prison Reform passed on 1 July 1867 sought to implement widely
defended ideas as to the objectives and application of penalties in criminal law. As well as
humanising the sentences, they were also meant to take into account the rehabilitation of the
convict for social coexistence, which was considered to only be possible by following a system
in which the prisoner served his or her sentence in individual imprisonment, without contact
with the other inmates, encouraging the reflection that would lead him or her to become a
respectful citizen. Penal Reform, therefore, established a vast movement to build prisons and
reconfigure existing ones.
It defined the procedures to follow when building the three penitentiaries in some
detail, including their location and capacity; responsibility for building them would fall to
the central state. The construction of district prisons was also provided for, wherever it was
impossible to adapt the existing ones to the system of separating prisoners. They were to
be located close to district capitals and their capacity would be set in accordance with the
average number of prisoners convicted in the corresponding district over the previous three
years. Responsibility for building and maintaining the district prisons would fall to the cor-
responding district, and each year a contribution to be charged with the general state taxes
could be approved, known as the “district prison tax”. County prisons were also provided
for, and each one would operate within a county and come under the responsibility of the
municipalities that comprised that county. Finally, in municipal capitals that were not county



119

a existência de cadeias comarcãs que funcionarão junto de cada comarca, da responsabilidade
dos concelhos que a integram. Por fim, nas cabeças de concelho que não sejam sede de comarca
deverão manter -se as cadeias existentes para simples detenção policial e trânsito de presos.
As determinações da Reforma Penal e das Prisões enfrentaram fortes obstáculos à sua
concretização, sentidos em particular na tarefa de construção de novos estabelecimentos
prisionais. A edificação de um estabelecimento penitenciário, desde muito cedo considerado
imprescindível, é disso um relevante exemplo. Por decreto de 7 de julho de 1864 fora já nome-é disso um relevante exemplo. Por decreto de 7 de julho de 1864 fora já nome-ecreto de 7 de julho de 1864 fora já nome-
ada uma comissão que deveria proceder à escolha do local para a construção, em Lisboa, de
uma prisão central. Um mês depois, a 6 de agosto, a comissão informa que a escolha recaiu
sobre um terreno situado em Campolide, solicitando -se na mesma data a nomeação de um
engenheiro para a elaboração da planta e dos orçamentos da obra. A escolha recai sobre o
engenheiro Joaquim Júlio Pereira de Carvalho, nomeando -se ao mesmo tempo uma comissão
com a função de escolher entre os sistemas penitenciários conhecidos e praticados nos outros
países o que se deveria adotar em Portugal, atendendo à necessidade de regeneração moral do
delinquente e que fosse adaptado à «índole e costumes das classes, donde sai o maior número
de condenados», as classes trabalhadoras urbanas.
Vinte anos mais tarde, por decreto de 20 de novembro de 1884, cria -se o Conselho Geral
Penitenciário que funcionará junto da Penitenciária de Lisboa e deverá acompanhar a implementa-
ção do regime penitenciário em Portugal. Simultaneamente publica -se o “Regulamento Provisório





capitals, the existing prisons were to be kept for simple police custody and for transporting
prisoners.
Implementation of the provisions of the Penal and Prison Reform faced significant obsta-
cles, and these were particularly felt in the task of building new prisons themselves. The con-
struction of prisons, which was considered indispensable from very early on, is a significant
example of this. Per Decree of 7 July 1864, a committee had been appointed that was supposed
to choose the place to build a central prison in Lisbon. One month later, on 6 August, the com-
mittee declared that a site in Campolide had been chosen, and on the same date it was requested
that an engineer be appointed to draw up the plans and estimate the cost for the project.
The person chosen was the engineer Joaquim Júlio Pereira de Carvalho, and at the same time
a committee was appointed to choose, from among the penitentiary systems known about
and used in other countries, the one that should be adopted in Portugal, serving the need to
provide moral recovery for the offender so that it was adapted to the “nature and customs of
the classes from which the greatest number of convicts emerge”, the urban working classes.
Twenty years later, the Decree of 20 November 1884 set up the General Prison Council,
which would operate at the Lisbon Prison and was intended to monitor implementation of
the penitentiary system in Portugal. At the same time, the “Provisional Regulations of the
General Prison for the Lisbon Appeals Court District” was published, which set the system
to be adopted in Portugal, closely following what had been established by the Penal and



120

da Cadeia Geral Penitenciária do Distrito da Relação de Lisboa”, no qual se define o regime a
adotar em Portugal, cumprindo muito de perto o que fora definido pela Reforma Penal e das Pri-
sões em 1867.Finalmente, a Penitenciária de Lisboa recebe os primeiros condenados em 1885,
surgindo quase de imediato as críticas à forma do seu funcionamento. De facto, a influência das
novas ideias sobre o crime e o criminoso, o facto de a evolução da criminalidade não ter invertido
o seu sentido ascendente, pelo menos de acordo com a informação estatística, a constatação do
péssimo estado em que se encontravam os condenados na Penitenciária e a forte incidência de
óbitos entre os detidos estão na origem das críticas feitas ao sistema penitenciário. Refere -se
que o regime de separação celular a que os detidos estavam sujeitos em nada garantiria a sua
recuperação: «Pretender que a clausura celular transforma sempre um criminoso num homem
de bem, é navegar sem leme nem bússola no mar vastíssimo de uma teoria sentimental.» 30
No início do século xx, o cronista Rocha Martins relata a visita que fez à Penitenciária de
Lisboa. Descrevendo um ambiente sórdido e lúgubre, diz trazer -se da Penitenciária «a impres-
são de que esse regime mal pode regenerar e muito contribui para o desarranjo mental e para
o enfraquecimento do recluso». 31
As críticas à situação da Penitenciária de Lisboa são acompanhadas por sentimentos de
consternação por não se terem verificado ainda reformas significativas nas restantes prisões do
país. Caso paradigmático é o da prisão do Limoeiro, um dos mais importantes estabelecimen-
tos prisionais de Lisboa, desde há muito considerado como inadequado para funcionar como





Prison Reform in 1867. Finally, the Lisbon Prison received its first convicts in 1885, with
criticisms about its performance arising almost immediately. In fact, the influence of the
new ideas about crime and criminals, the fact that evolution in crime had not reversed its
upward trajectory, at least in accordance with statistical information, confirmation of the
terrible state that the prison’s inmates found themselves in and the high death rate among
prisoners lay at the heart of criticisms directed towards the penitentiary system. The cell-
based separation system to which inmates were subjected would in no way guarantee their
rehabilitation: “Intending for imprisonment in cells to always transform a criminal into a
good man means sailing rudderless and without a compass through the enormous sea of an
emotional theory.” 30
th
At the beginning of the 20 century, the chronicler Rocha Martins reported on a visit
he made to Lisbon Prison. Describing a filthy and bleak environment, he said that he left the
prison with “the feeling that the system could barely rehabilitate and greatly contribute[d] to
the mental breakdown and weakening of the prisoner”. 31
Criticisms of the situation at Lisbon Prison were joined by consternation because
significant reforms had not been made at the country’s other prisons. A prime example was
Limoeiro Prison, one of the most important in Lisbon, long believed to be unsuitable for
use as a prison and unable to accommodate all prisoners while complying with the most
basic health and safety conditions. It was consistently described as a “crime school” and not



121

prisão e incapaz de albergar em condições mínimas de segurança e higiene todos os presos.
É descrita em permanência como uma «escola do crime» e não como um local de recuperação de
delinquentes. Apesar de ter sido objeto de algumas ações de reforma e melhoramento, na última
década do século xix, as condições em que os detidos viviam continuavam a ser alvo de fortes
críticas, alargadas aos restantes estabelecimentos prisionais existentes em todo país.
Em 1891, Gomes de Brito descreve a penosa situação e o ambiente degradado em que vivem
os reclusos do Limoeiro e do Aljube: «Continua a cadeia do Limoeiro a ostentar cinicamente a
nossa miséria e a dos desgraçados que o vício ou o crime lá tornam reclusos; continua a cadeia
do Limoeiro, ali, à beira da via pública e a do Aljube, em circunstâncias idênticas, a escandalizar
a moral e a civilização, servindo de exício à ilustração da primeira cidade do reino, e de vergonha
à incúria e à criminosa indiferença dos que nela administram a nação.» 32
Elemento central nas conceções sobre o crime e a justiça criminal, à prisão era atribuída
a função de modificar comportamentos. Foi vasta a preconização de reformas e medidas de
modo a que a prisão pudesse cumprir a função que lhe era atribuída. Todavia, a capacidade
por parte dos poderes públicos em fazer passar estas medidas do campo das intenções para
o campo das realizações revelou -se algo escassa. Parte das medidas preconizadas na Reforma
Penal e das Prisões de 1867, tidas como de aplicação incontornável, foram sistematicamente
adiadas por motivos vários, em especial pelas sempre presentes dificuldades financeiras do
Estado. Daí o perdurar de uma situação à qual se atribuía um importante impacto no aumento





a place of rehabilitation for offenders. Although some reforms and improvements had been
implemented in the 1890s, the conditions that prisoners lived in were still heavily criticised,
and the criticisms extended to other prisons found all over the country.
In 1891, Gomes de Brito described the objectionable environment experienced by pris-
oners at Limoeiro and Aljube: “Limoeiro Prison continues to cynically display our misery and
that of the unfortunate people who vice or crime have made prisoners there; Limoeiro Prison,
there, right alongside the public highway, and Aljube Prison, in identical circumstances, con-
tinue to scandalise ethics and civilisation, serving to illustrate the first city of the kingdom
and the shame of neglect and criminal indifference from those who govern the country from
there.” 32
A central feature of notions of crime and criminal justice, prison was assigned the func-
tion of modifying behaviour. Reforms and measures were widely advocated to ensure prison
could play that role. Nonetheless, the public powers’ ability to transform those measures from
intention to actual achievement was rather limited. Some of the measures established in the
1867 Penal and Prison Reform, the application of which was seen as being essential, were
systematically delayed for several reasons, particularly the state’s constantly present finan-
cial troubles. That is why the situation, which was considered to have an important impact
on the increase in crime documented in statistics drawn up at the time, continued. When
they were finally implemented, they were already unsuitable for the new ways that had since



122

da criminalidade que as estatísticas então produzidas documentavam. Quando, finalmente,
conseguiam concretização, surgiam já como desadequadas às novas formas, entretanto encon-
tradas pela sociedade, para analisar, explicar e lidar com os problemas que surgiam no seu
interior, nomeadamente no campo da criminalidade e da justiça penal.
Por tudo isto, na viragem do século xix para o século xx pouco se tinha alterado em rela-
ção ao péssimo estado em que se encontravam as prisões portuguesas. O aumento das penas
de prisão afastara qualquer hipótese de reformar os estabelecimentos prisionais e as medidas
parcelares, visando uma melhoria das condições existentes nas prisões, produziam escassos ou
mesmo nenhuns resultados tendo em conta os propósitos e as intenções enunciadas no campo
da política penal.








maria joão vaz
Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE ‑IUL).
Professora do Departamento de História do ISCTE ‑IUL
e investigadora do Centro de Investigação e Estudos
de Sociologia (CIES ‑IUL), integrada no grupo de
Pesquisa em História Moderna e Contemporânea.




been found by society to analyse, explain and deal with its problems in the field of crime and
criminal justice.
th
For all these reasons little had changed at the turn from the 19 to the 20 century
th
with regard to the terrible state in which Portuguese prisons found themselves. The increase
in prison sentences had excluded any chance of reforming prisons and the partial measures,
aiming at improvements to existing conditions at prisons, produced little or no results,
bearing in mind the goals and intentions declared in the field of penal policy.













maria joão vaz
University Institute of Lisbon (ISCTE‑IUL).
Lecturer at the ISCTE‑IUL History Department
and researcher at the Sociology Studies
and Research Centre (CIES‑IUL), in the research
group for modern and contemporary history.


123

NOTAS 11 Decreto de 19 de Agosto de 1859, sobre a necessidade 21 “Discurso do Ministro dos Negócios Eclesiásticos e da
1 CASTELO BRANCO, António de Azevedo, “A Escola de reorganizar o serviço das repartições do Estado. Justiça”, Diário do Governo, 1 de março de 1867.
Penal Positiva”, Revista de Educação e Ensino, III Vol., 12 Relatório do Governador Civil do Distrito Administrativo 22 Mantém -se, contudo, enquanto disposição transitó-
Lisboa, 1888, p. 84 -88 e 97 -100. de Lisboa, Antonio de Moraes Carvalho, referido ao ano ria, para os crimes punidos com a pena de morte no
2 JORDÃO, Levy Maria, “Fundamentos do direito de de 1859, Lisboa, 1860. Código Penal em vigor, enquanto não for possível a
punir. Dissertação inaugural apresentada na Faculdade 13 “Ofício do Presidente da Relação do Porto ao Ministé- aplicação da pena de prisão celular perpétua.
de Direito de Coimbra, no ano de 1853”, Boletim da rio dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, a 14 de Se- 23 A perpetuidade das penas será totalmente abolida em
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, n.° 51, tembro de 1857”, Diário do Governo, de 1 de outubro de 1884, justificando -se com a incoerência que seria con-
1975, p. 289 -314. 1857. denar alguém a uma pena perpétua, quando o princi-
3 FERRÃO, Francisco António Fernandes da Silva, Theo­ 14 Manuel Tomás de Sousa Azevedo, Relatório apresenta­ pal objetivo da pena seria a recuperação do condenado
ria do Direito Penal Applicada ao Código Penal Portu­ do ao Ministério da Justiça em 20 de Abril de 1857 pelo para o convívio social.
guez comparada com o Código do Brasil, Leis Práticas, Ajudante do Procurador Régio..., Lisboa, 1857, p. 65. 24 “Reforma penal e das prisões, que faz parte da pre-
Código e Leis Criminais dos Povos Antigos e Modernos, 15 CALISTO, João Maria Baptista, Algumas palavras sobre sente Lei de 1 de julho de 1867”, título iii, artigo 20.°.
Lisboa, 1856, Vol. 1, p. xv. o estado actual das prisões em geral e sua reforma, Considerando a idade ou o estado de saúde, os detidos
4 Idem, p. xv, xxi e xli. Coimbra, 1860. poderiam ser declarados incapazes de trabalhar.
5 AZEVEDO, Manuel Tomás de Sousa, Relatório apre­ 16 Decreto de 30 de dezembro de 1857. Esta comissão é 25 Título V, artigo 24.°.
sentado ao Ministério da Justiça em 20 de Abril de 1857 presidida pelo presidente da Relação de Lisboa. Por por- 26 Título V, artigo 26.°, § único.
pelo Ajudante do Procurador Régio..., Lisboa, 1857. taria de 11 de julho de 1859, o Ministério dos Negócios 27 Título VIII, artigo 34.°.
6 GOUVEIA, António Aires de, A Reforma das Cadeias Eclesiásticos e da Justiça encarrega o presidente da Rela- 28 Título VIII, artigo 35.°.
em Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade, ção do Porto, o procurador régio e o governador civil des- 29 Título X, artigo 51.°, 11.°.
1860. te distrito de tomarem as medidas necessárias para se 30 A propósito da obra de António Azevedo Castelo
7 Idem, p. 22. construir uma penitenciária no distrito do Porto. Branco, Estudos Penitenciários e Criminais, 1888,
8 Idem, p. 36 -37. 17 Relatório do Governador Civil do Distrito Administrativo Revista de Educação e Ensino, Vol. III, Lisboa, 1888,
9 “Proposta de Lei de Organização Judicial apresentada de Lisboa, Antonio de Moraes Carvalho, referido ao ano p. 263.
à Câmara dos Deputados por João Baptista da Silva de 1859, Lisboa, 1860. 31 MARTINS, Rocha, “Impressões de uma demorada visita
Ferrão de Carvalho Martens, a 28 de Fevereiro de 18 GOUVEIA, António Aires de, A Reforma das Cadeias à Penitenciária”, Ilustração Portuguesa, 1.° semestre,
1860”, Boletim do Ministério dos Negócios Eclesiásticos em Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1906, p. 180 -187.
e da Justiça – 1860, p. 85. 1860, p. 62. 32 BRITO, Gomes de, Comércio de Portugal, 1891, citado por
10 GOUVEIA, António Aires de, A Reforma das Cadeias em 19 Idem, p. 65. Ferreira Deusdado, “A mulher delinquente”, Revista de
Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1860, 20 JORDÃO, Levy Maria, Projecto de Código Penal Portu­ Educação e Ensino, ano viii, 1893, p. 19.
p. 99. guês, I Tomo, Lisboa, 1861.







NOTES 11 Decree of 19 August 1859 on the need to reorganise the 20 JORDÃO, Levy Maria, Projecto de Código Penal Portu­
1 CASTELO BRANCO, António de Azevedo, “A Escola division of the state’s departments. guês, Book 1, Lisbon, 1861.
12 Relatório do Governador Civil do Distrito Administrativo 21 “Discurso do Ministro dos Negócios Eclesiásticos e da
Penal Positiva”, Revista de Educação e Ensino, III Vol.,
Lisbon, 1888, p. 84-88 and 97-100. de Lisboa, Antonio de Moraes Carvalho, referido ao ano Justiça”, Diário do Governo, 1 March 1867.
2 JORDÃO, Levy Maria, “Fundamentos do direito de de 1859, Lisbon, 1860. 22 It was kept, as a transitional provision, for crimes puni-
punir. Dissertação inaugural apresentada na Facul- 13 “Ofício do Presidente da Relação do Porto ao Minis- shable by the death penalty in the penal code currently
dade de Direito de Coimbra, no ano de 1853”, Boletim tério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, a 14 in force, for as long as life, cell-based imprisonment
da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, de Setembro de 1857”, Diário do Governo, 1 October could not be used.
no. 51, 1975, p. 289-314. 1857. 23 Life sentences would be fully abolished in 1884, justi-
3 FERRÃO, Francisco António Fernandes da Silva, Theo­ 14 Manuel Tomás de Sousa Azevedo, Relatório apresen­ fied by the lack of consistency involved in sentencing
ria do Direito Penal Applicada ao Código Penal Portu­ tado ao Ministério da Justiça em 20 de Abril de 1857 someone to a life sentence if the main goal of the
guez comparada com o Código do Brasil, Leis Práticas, pelo Ajudante do Procurador Régio..., Lisbon, 1857, sentence was to rehabilitate the convicted person for
Código e Leis Criminais dos Povos Antigos e Modernos, p. 65. social coexistence.
Lisbon, 1856, Vol. 1, p. xv. 15 CALISTO, João Maria Baptista, Algumas palavras sobre 24 “Penal and prison reform, which is part of the Law of 1
4 Idem, p. xv, xxi and xli. o estado actual das prisões em geral e sua reforma, July 1867”, Title III, Article 20. In the light of age or state
5 AZEVEDO, Manuel Thomaz de Sousa, Relatório apre­ Coimbra, 1860. of health, prisoners could be declared unable to work.
sentado ao Ministério da Justiça em 20 de Abril de 1857 16 Decree of 30 December 1857. The committee was to 25 Title V, Article 24.
pelo Ajudante do Procurador Régio..., Lisbon, 1857. be chaired by the president of the Lisbon Appeals 26 Title V, Article 26, single §.
6 GOUVEIA, António Aires de, A Reforma das Cadeias Court. By Ordinance of 11 July 1859, the Minister of 27 Title VIII, Article 34.
em Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade, Ecclesiastic Affairs and Justice instructed the presi- 28 Title VIII, Article 35.
1860. dent of the Porto Appeals Court, the royal prosecu- 29 Title X, Article 51(11).
7 Idem, p. 22. tor and the civil governor of the district to take the 30 A propósito da obra de António Azevedo Castelo
8 Idem, p. 36-37. measures necessary to build a prison in the district of Branco, Estudos Penitenciários e Criminais, 1888,
9 “Proposta de Lei de Organização Judicial apresentada Porto. Revista de Educação e Ensino, Vol. III, Lisbon, 1888,
à Câmara dos Deputados por João Baptista da Silva 17 Relatório do Governador Civil do Distrito Administra­ p. 263.
Ferrão de Carvalho Martens, a 28 de Fevereiro de tivo de Lisboa, Antonio de Moraes Carvalho, referido 31 MARTINS, Rocha, “Impressões de uma demorada visita
1860”, Boletim do Ministério dos Negócios Eclesiásti­ ao ano de 1859, Lisbon, 1860. à Penitenciária”, Ilustração Portuguesa, 1 st semester,
cos e da Justiça – 1860, p. 85. 18 GOUVEIA, António Aires de, A Reforma das Cadeias 1906, p. 180-187.
10 GOUVEIA, António Aires de, A Reforma das Cadeias em Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade, 32 BRITO, Gomes de, Comércio de Portugal, 1891, cited by
em Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1860, p. 62. Ferreira Deusdado, “A mulher delinquente”, Revista de
1860, p. 99. 19 Idem, p. 65. Educação e Ensino, ano viii, 1893, p. 19.




124

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FERRÃO, Francisco António Fernandes da Silva, Theoria A propósito da obra de António Azevedo Castelo Branco,
AZEVEDO, Manuel Tomás de Sousa, Relatório do Direito Penal Applicada ao Código Penal Portuguez Estudos Penitenciários e Criminais, 1888, Revista de
apresentado ao Ministério da Justiça em 20 de Abril comparada com o Código do Brasil, Leis Práticas, Educação e Ensino, Vol. III, Lisboa, 1888.
de 1857 pelo Ajudante do Procurador Régio..., Lisboa, Código e Leis Criminais dos Povos Antigos e Modernos, Relatório do Governador Civil do Distrito Administrativo
Imprensa Nacional, 1857. Lisboa, Imprensa Nacional, 1856 -1857. de Lisboa, Antonio de Moraes Carvalho, referido ao
GOUVEIA, António Aires de, A Reforma das Cadeias em
Boletim do Ministério dos Negócios Eclesiásticos e da Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1860. ano de 1859, Lisboa, Imprensa Nacional, 1860.
Justiça – 1860; Lisboa, 1860. SANTOS, Maria José Moutinho, A Sombra e a Luz.
JORDÃO, Levy Maria, “Fundamentos do direito de punir.
CASTELO BRANCO, António de Azevedo, “A Escola Dissertação inaugural apresentada na Faculdade As Prisões do Liberalismo, Porto, Afrontamento,
Penal Positiva”, Revista de Educação e Ensino, III Vol., de Direito de Coimbra, no ano de 1853”, Boletim da 1998.
Lisboa, 1888, p. 84 -88 e 97 -100.
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, VAZ, Maria João, Crime e Sociedade. Portugal na
CALISTO, João Maria Baptista, Algumas palavras sobre n.° 51, 1975, p. 289 -314. Segunda Metade do Século XIX, Lisboa, Celta, 1998.
o estado actual das prisões em geral e sua reforma, JORDÃO, Levy Maria, Projecto de Código Penal Português, VAZ, Maria João, O Crime em Lisboa, 1850 ­1910, Lisboa,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1860. Lisboa, Imprensa Nacional, 1861. Tinta da China, 2014.
DEUSDADO, Ferreira, “A mulher delinquente”, Revista MARTINS, Rocha, “Impressões de uma demorada visita
de Educação e Ensino, ano VIII, 1893. à Penitenciária”, Ilustração Portuguesa, 1.° semestre,
Diário do Governo, anos 1856 a 1867. 1906, p. 180 -187.



















BIBLIOGRAPHICAL REFERENCES FERRÃO, Francisco António Fernandes da Silva, Theoria A propósito da obra de António Azevedo Castelo Branco,
AZEVEDO, Manuel Tomás de Sousa, Relatório do Direito Penal Applicada ao Código Penal Portuguez Estudos Penitenciários e Criminais, 1888, Revista de
apresentado ao Ministério da Justiça em 20 de Abril comparada com o Código do Brasil, Leis Práticas, Educação e Ensino, Vol. III, Lisbon, 1888.
de 1857 pelo Ajudante do Procurador Régio..., Código e Leis Criminais dos Povos Antigos e Modernos, Relatório do Governador Civil do Distrito Administrativo
Lisbon, Imprensa Nacional, 1857. Lisbon, Imprensa Nacional, 1856-1857. de Lisboa, Antonio de Moraes Carvalho, referido
Boletim do Ministério dos Negócios Eclesiásticos GOUVEIA, António Aires de, A Reforma das Cadeias em ao ano de 1859, Lisbon, Imprensa Nacional, 1860.
e da Justiça – 1860; Lisbon, 1860. Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1860. SANTOS, Maria José Moutinho, A Sombra e a Luz.
CASTELO BRANCO, António de Azevedo, “A Escola JORDÃO, Levy Maria, “Fundamentos do direito de punir. As Prisões do Liberalismo, Porto, Afrontamento,
Penal Positiva”, Revista de Educação e Ensino, Dissertação inaugural apresentada na Faculdade 1998.
III Vol., Lisbon, 1888, p. 84-88 and 97-100. de Direito de Coimbra, no ano de 1853”, Boletim da
CALISTO, João Maria Baptista, Algumas palavras Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, VAZ, Maria João, Crime e Sociedade. Portugal na
sobre o estado actual das prisões em geral no. 51, 1975, p. 289-314. Segunda Metade do Século XIX, Lisbon, Celta, 1998.
e sua reforma, Coimbra, Imprensa da Universidade, JORDÃO, Levy Maria, Projecto de Código Penal VAZ, Maria João, O Crime em Lisboa, 1850­1910, Lisbon,
1860. Português, Lisbon, Imprensa Nacional, 1861. Tinta da China, 2014.
DEUSDADO, Ferreira, “A mulher delinquente”, Revista MARTINS, Rocha, “Impressões de uma demorada visita
de Educação e Ensino, ano viii, 1893. à Penitenciária”, Ilustração Portuguesa, 1 st semester,
Diário do Governo, 1856 to 1867. 1906, p. 180-187.



















125

pena de morte em portugal
a abolição e as mulheres que vitimara








1_
Enquanto cidadã portuguesa, sempre me regozijei com a lei penal vigente no meu país, o único
no mundo onde é impossível deter alguém por mais de 25 anos. Sempre me orgulhei do seu
pioneirismo na abolição da pena de morte e na extinção da prisão perpétua, respetivamente há
150 e 133 anos. Honra-nos, enquanto povo, o facto de tais medidas tão revolucionariamente
humanitárias – porque respeitadoras do ser humano e das suas circunstâncias e crentes na sua
capacidade de reabilitação – não terem gerado qualquer polémica quando foram promulgadas,
aspeto bem revelador de que as leis não eram apenas fruto de ideias progressistas de um escol
cultural, mas correspondiam aos sentimentos da população. De facto, e aqui pronuncio-me já
como historiadora, as elites intelectuais que perfilhavam ideias filosóficas e jurídicas humanitá-
rias e se manifestavam entre nós desde finais do século xviii, não foram as únicas obreiras do
abolicionismo da pena de morte em Portugal. A população, que em geral sentia horror pela pena
de morte, mostrou aos políticos que podiam e deviam avançar para a sua proibição.
A comoção que foi em Coimbra, em 1839, quando aí se perpetrou, pela última vez, um enfor-
camento num condenado por homicídio! Quantas diligências para que a pena fosse comutada,
recorrendo-se, in extre�is, ao telégrafo visual com várias petições à rainha para salvar o condenado.




the death penalty in portugal
its abolition and impact on women




1_
As a Portuguese citizen, I have always been proud of my country’s criminal law, which makes
it the only country in the world where it is impossible to imprison anyone for more than
25 years. I have always been proud of its pioneering achievement in abolishing the death penalty
and life imprisonment, 150 and 133 years ago respectively. It is to our credit as a people that
these measures, so revolutionary in their humanitarianism – because of their respect for human
beings and their circumstances and belief in their capacity for rehabilitation – generated no con-
troversy when they were first introduced. This clearly shows that the legislation was not just the
result of a cultural elite’s progressive ideas, but expressed real popular feeling. In fact, looking at
th
it as a historian, the intellectual elites which appeared among us from the end of the 18 cen-
tury, espousing humanitarian legal and philosophical ideas, were not the only forces working to
abolish the death penalty in Portugal. The population, which generally viewed the death penalty
with horror, showed politicians that they could and should move to abolish it.
What an uproar there was in Coimbra when the last public hanging of a murderer took
place there in 1839! Endless appeals were made for the sentence to be commuted, with



126

Maria Antónia Lopes












Não foram então atendidas, mas poucos anos depois a comutação passará a ser prática sistemá-
tica, antes de se proibir a aplicação da pena última na própria lei, em 1867. Pela mesma reforma,
previa-se a prisão perpétua para os crimes em que anteriormente se estipulava a morte, dei-
xando de existir noutros casos. Uma vez mais se revela o cariz humanitário da prática penal por-
tuguesa porque nunca essa pena substitutiva foi aplicada. Em 1884, a reforma penal de Lopo
de Sampaio e Melo proibiu definitivamente a prisão perpétua ao abolir todas as penas vitalícias.
Até à segunda metade do século xix, quando entre 1833 e 1867 são promulgados os vários
Códigos de Leis (Comercial, Administrativo, Penal e Civil), as leis gerais portuguesas eram as
Ordenações, sucessivamente Afonsinas (século xv), Manuelinas (1521) e Filipinas (1603).
Depois de analisar as Afonsinas, escreveu Eduardo Correia sobre as Ordenações Manuelinas:
«Esta pena [de morte] aparece agora com maior difusão. Raro é o título em que ela se não pre-
1
via.» As Ordenações Filipinas pouco alteraram esta matéria. Conta-se uma historieta, não
comprovada, segundo a qual Frederico II da Prússia, ao conhecer as nossas Ordenações, per-
guntou se ainda havia algum português vivo. Contudo, embora profusa no plano teórico, na
prática a pena de morte era pouco frequente em Portugal . Referindo-se a finais do século xviii,
2













desperate recourse to semaphore messages begging the queen to save the condemned man.
They were not heeded, but just a few years later commutation became general practice, until
capital punishment was eventually abolished by law in 1867. As part of that reform, crimes
which would previously have carried the death penalty became punishable by life impris-
onment, which ceased to be applied in other cases. Once more, the humanitarian side of
Portuguese penal practice was shown, as this substitute penalty was never applied. In 1884,
the penal reform of Lopo de Sampaio e Melo definitively removed life imprisonment with the
abolition of all life sentences.
Until the second half of the 19 century, when the various legal codes (commercial,
th
administrative, penal and civil) were enacted between 1833 and 1867, Portuguese general law
th
took the form of ordinances, which were successively Alphonsine (15 century), Manueline
(1521) and Philippine (1603). After examining the Alphonsine ordinances, Eduardo Correia
wrote about the Manueline Ordinances: “This [death] penalty now seems to be more widespread.
It is included under almost every heading.” The Philippine ordinances did little to change
1


127

Guilherme Braga da Cruz salienta o «silencioso trabalho dos tribunais na edificação duma juris-
prudência penal mais humana» . Depois surgirão leis que vão dificultando ou comutando as
3
penas e, com os decretos de 12 de dezembro de 1801 e 11 de janeiro de 1802, fica a pena de
morte abolida em grande parte dos casos em que as Ordenações a previa .
4
Portugal viveu um período terrível durante o primeiro terço do século xix: guerra com
Espanha em 1801 e ameaça napoleónica de invasão que se concretizou de 1807 a 1811; fuga da
família real para o Brasil com transferência da capital para o Rio de Janeiro entre 1807 e 1821 e
perda de autonomia face à Grã-Bretanha; revolução constitucional em 1820; contrarrevolução
em 1823 e regresso à monarquia absoluta em 1828, acompanhada de violentas perseguições e
execuções com ou sem condenação judicial; guerra civil entre as fações parlamentares e absolu-
tistas em 1832-1834.
Logo em 1821, quando as Cortes eleitas preparavam a primeira Constituição portuguesa,
o deputado Manuel António de Carvalho propôs na sessão de 16 de fevereiro a abolição da
pena de morte. A proposta não foi discutida, mas é de notar a total ausência de indignação nos
registos dos debates. Nas palavras de Tomás Ribeiro: «Era a primeira vez que em Portugal se
ousava pronunciar contra as execuções capitais [...]. E, honra seja ao Congresso, ninguém achou
o voto absurdo: julgou-se inoportuno; adiou-se, não foi rejeitado.» O deputado em causa, ainda
5
obscuro, seria ministro da Justiça e da Fazenda e 1.° barão de Chanceleiros. Tanto quanto sei,
não voltaria a propor tal medida.





things. According to an apocryphal anecdote, Frederick II of Prussia inquired, on learning of
our ordinances, if there were any Portuguese citizens left alive. But although the death penalty
was everywhere in theory, in practice it was seldom used in Portugal. Referring to the end
2
of the 18 century, Guilherme Braga da Cruz noted the “silent work of the courts in building
th
up a more humane criminal jurisprudence”. Later on, laws were introduced which gradually
3
prevented or commuted punishment, with the laws of 12 December 1801 and 11 January 1802
abolishing the death penalty in most cases where it had been applicable under the ordinances. 4
Portugal went through a terrible period during the first third of the 19 century: war
th
with Spain in 1801 and the threat of Napoleonic invasion, which materialised from 1807 to
1811; flight of the royal family to Brazil, with the capital being transferred to Rio de Janeiro
between 1807 and 1821 and loss of autonomy under British dominion; constitutional revolu-
tion in 1820; counter-revolution in 1823 and a return to absolute monarchy in 1828, accom-
panied by violent persecutions and executions with or without trial; and civil war between
parliamentary and absolutist factions from 1832 to 1834.
In 1821, when the elected Cortes was preparing Portugal’s first constitution, Manuel António
de Carvalho proposed the abolition of the death penalty during the session of 16 February.
The proposal was not discussed, but the total lack of indignation in the record of debate is note-
worthy. In the words of Tomás Ribeiro: “It was the first time that anyone in Portugal had dared
speak out against capital punishment [...]. And to the Congress’ credit, nobody found the vote



128

Em 1834 terminou a guerra civil que deu a vitória aos partidários de uma Monarquia
Constitucional que garantia a separação dos poderes, a igualdade perante a lei e os direitos e as
liberdades e garantias individuais. O novo regime não aboliu a pena de morte, mas tornou obri-
gatório o pedido de clemência ao poder moderador (o monarca) em todos os casos de sentença à
pena última. O rei decidia depois de ouvir os seus ministros. Por essa razão a pena de morte em
Portugal continental foi abolida de facto a partir de 1846, ano em que pela última vez alguém
subiu ao patíbulo por crimes civis. É, pois, de justiça referir o papel dos ministros e monarcas
que, a partir de então, sistematicamente comutaram a pena quando os tribunais a aplicavam.
Em 1852, o Ato Adicional à Carta Constitucional suprime a pena de morte por crimes polí-
ticos. Sem qualquer contestação, uma vez que o regime, instalado em todo o país há 18 anos,
nunca executara ninguém por delito de opinião ou prática política. Nesse mesmo ano é pro-
mulgado o 1.° Código Penal português que mantém a pena de morte para os crimes comuns.
Não houve então coragem de a eliminar, mas a comissão encarregada de redigir o Código deixa
expresso que é esse o caminho a seguir, considerando, porém, que era ainda prematuro.

«A comissão pensa não ser chegado ainda o tempo, em que a pena de morte possa ser
de todo eliminada das nossas leis penais; entretanto somente a admite nos muito raros
casos em que a sua justiça e indispensável necessidade não pode ser razoavelmente
contestada.»





absurd: it was considered inopportune and was postponed, not rejected”. Carvalho himself,
5
although little known at the time, would later become Minister of Justice and the Treasury and
the first Baron of Chanceleiros. As far as I know, he never proposed the measure again.
In 1834, the civil war ended with victory for the supporters of a constitutional monar-
chy, with separation of powers, equality before the law, equal rights and individual freedoms
and guarantees. The new regime did not abolish the death penalty but it became obligatory
to request clemency from the moderating power (the monarch) in all cases carrying the death
penalty. The king would decide, after listening to his ministers. This meant that the death
penalty was effectively abolished in Portugal from 1846 onwards, that year being the last time
anyone climbed the scaffold for civil crimes. It is also fair to note the role played by ministers
and monarchs, who from then on systematically commuted the sentence when it was applied
by the courts.
In 1852, the Additional Act to the Constitutional Charter removed the death penalty for
political crimes. There was no objection, since the regime, which had by then been in power for
18 years, had never executed anyone for any crime of political act or opinion. The same year
saw the enactment of the first Portuguese Penal Code, which maintained the death penalty for
common crimes. Abolition was still too bold a step, but the committee charged with drafting
the Code expressed its view that this was the way forward, even though the time was not yet
ripe for it.



129

O mesmo pensa o Conselho de Ministros, então chefiado pelo duque de Saldanha, defen-
dendo, sem ambiguidades, o ideal da abolição:


«Forçoso é, porém, como reconhecem os ministros de Vossa Majestade com os vogais da
comissão, que na escala das penas estabelecidas neste Código se conte ainda a de morte, posto
que mui limitada e circunscrita. É contudo de esperar, atento o nosso progressivo estado de
civilização, que não virá longe o dia em que a pena capital possa de todo ser abolida entre nós.»


Mas porque continuava consagrada na lei, houve ainda uma execução em 1857, em terri-
tório da Índia portuguesa. O jovem rei D. Pedro V (1855-1861), que por vezes podia ser duro,
não comutou a pena de morte a que a Relação de Goa sentenciara um indiano no ano anterior ,
6
contrariando o que até então praticara, assim como a mãe, a rainha D. Maria II (1834-1853),
desde 1846. O facto não foi divulgado, o que é bem revelador dos receios que havia da reação
pública, e os jornais só o souberam em 1874. Assim se propagou que D. Pedro V nunca permitiu
uma pena de morte. Mas foi o seu irmão, D. Luís (1861-1889), o monarca que nunca autorizou
uma execução, nem de civis nem de militares, que assinou a abolição da pena de morte para
crimes comuns e ainda o fim da prisão perpétua.
Antes de Portugal, só a República de São Marino (1848) e a Venezuela (1863) haviam
abolido a pena de morte para crimes civis . Foi ao proceder-se à primeira reforma do Código
7




“The committee thinks the time has not yet come when the death penalty can be fully
eliminated from our criminal laws; until then it shall only be permitted in very rare cases
where its justice and indispensable necessity cannot be reasonably denied.”


The Council of Ministers, headed at the time by the Duke of Saldanha, agreed. It whole-
heartedly backed the ideal of abolition:

“As Your Majesty’s ministers have agreed with the members of the committee, it is neces-
sary for the list of punishments established by this Code to still include the death penalty,
although in a very limited and circumscribed form. It is however to be hoped that, as we
become progressively more civilised, the day will soon come when capital punishment can
be fully abolished among us.”


But its inclusion in the law meant that there would still be one more execution in 1857,
in Portuguese India. The young King Pedro V (1855-1861), who could at times be harsh, chose
not to commute the death penalty to which the Court of Appeal in Goa had sentenced an Indian
the previous year. This action contradicted his previous custom, and that of his mother Queen
6
Maria II (1834-1853) since 1846. The fact was not made public, which says much about the fear
of a public reaction, and the press only learnt of it in 1874. It was thus possible to claim that



130

Penal, em 1867, que os governantes portugueses ousaram avançar com a sua visão van-
guardista. Percebendo que não eram donos da vida de ninguém, havia que retirar a pena de
morte do clausulado legal, não bastando comutá-la sistematicamente. A morte por ordem
do poder judicial não era admissível sequer como hipótese. No entanto, contraditoriamente,
não se atreveram a afrontar o foro militar, que preservou a faculdade de matar por sentença.
Portugal movia-se neste campo como barco sem bússola, mas isso não o impediu de navegar.
Iria pilotar os outros países da Europa nesta outra viagem pelo globo, agora no repúdio da
morte decidida por juízes. E os mentores desta aventura tinham clara consciência da vocação
universal da sua lei.
A abolição da pena de morte em Portugal e em todos os seus territórios coloniais deve-
-se ao governo dirigido por Joaquim António de Aguiar, que tão vilipendiado foi e continua a
ser por certos setores, sendo o promotor e redator o ministro da Justiça, Augusto Barjona de
Freitas. É incorreto afirmar que só em 9 de junho de 1870 se estendeu às colónias a abolição
da pena de morte. Esse decreto veio apenas esclarecer de vez toda e qualquer dúvida, porque
a lei de 1867 aplicava-se também ao ultramar e desde 1869 que os governadores-gerais des-
8
ses territórios tinham sido disso alertados . É verdade que o decreto de 9 de junho de 1870
está redigido como se fosse novidade legislativa. Mas não era. Estou em crer que o duque de
Saldanha, então primeiro-ministro, não resistiu à vaidade de figurar como autor desse avanço
civilizacional.





King Pedro V never allowed an execution. In reality, his brother King Luís (1861-1889) was the
monarch who never authorised an execution, either civilian or military, and it was he who signed
the abolition of the death penalty for common crimes, as well as the end of life imprisonment.
Before Portugal, only the Republic of San Marino (1848) and Venezuela (1863) had
abolished the death penalty for civil crimes. It was on bringing in the first reform of the penal
7
code, in 1867, that Portugal’s rulers dared to move forward with their pioneering vision. They
concluded that they owned no-one’s life and that the death penalty had to be withdrawn from
the statutes – it was not enough to systematically commute it. Death by order of the judiciary
was unacceptable even as a hypothesis. However, they did not dare engage with the military
sphere, which retained the right to kill by legal sentence. Portugal was drifting through the
process like a boat without a compass, but that could not stop it sailing. It was going to captain
the rest of Europe on this new voyage round the world to rid it of death decided by judges.
And those charting the adventure were fully aware of the universal vocation of their law.
The abolition of the death penalty in Portugal and all its colonial territories was achieved
by the government led by Joaquim António de Aguiar, who was much vilified both then and
now in certain sectors. The law was presented and drafted by the Minister of Justice, Augusto
Barjona de Freitas. It is incorrect to state that abolition was only extended to the colonies on
9 June 1870. That law was only passed to rule out any shadow of doubt, as the 1867 law had also
applied to the overseas territories and the colonial governors-general had been notified to that



131

Que a Lei de 1867 correspondia ao sentimento geral, prova-o a ausência de polémica
pública num país onde os ânimos se exaltavam facilmente e onde a liberdade de expressão era
total. Prova-o, ainda, a votação obtida na Câmara dos Deputados: 90 votos a favor, dois contra
e duas abstenções. Na Câmara dos Pares foi também aprovada por maioria, mas ignora-se a
distribuição dos votos. Eis como Barjona de Freitas caracterizou a pena de morte quando apre-
sentou a sua proposta de reforma penal à Câmara dos Deputados:


«Pena que paga o sangue com o sangue, que mata mas não corrige, que vinga mas não
melhora, e que usurpando a Deus as prerrogativas da vida e fechando a porta ao arrepen-
dimento, apaga do coração do condenado toda a esperança de redenção e opõe à falibili-
dade da justiça humana as trevas duma punição irreparável.»


A 1 de julho de 1867 o chefe de Estado, D. Luís, sancionou o decreto das Cortes Gerais
de 26 de junho que aprovava a Reforma Penal e das Prisões com abolição da pena de morte.
O mesmo diploma que no seu artigo 1.° ordenava “Fica abolida a pena de morte” e no 2.° “Fica
também abolida a pena de trabalhos públicos”, determinava, ainda, pelo artigo 6.°, que “A pena
de prisão maior perpétua fica abolida”. A prisão perpétua, que agora se previa para os casos
anteriormente passíveis de pena de morte, nunca foi aplicada e também ela foi proibida em
1884, como ficou dito, sendo Portugal o primeiro país do mundo a eliminá-la.





effect. It is true that the law of 9 June 1870 is drafted as if it were a new piece of legislation. But
8
it was not. I believe that that the Duke of Saldanha, who was prime minister at the time, could
not resist patting his vanity by appearing as the author of this advance in civilisation.
Proof that the 1867 law reflected the general feeling lies in the lack of public debate
around it in a country where passions were easily inflamed and freedom of expression was total.
It is further proved by the vote in the Chamber of Deputies: 90 votes in favour, two against
and two abstentions. The Chamber of Peers also approved it by a majority, although there is
no record of how the vote was distributed. This is how Barjona de Freitas described the death
penalty when presenting his penal reform proposal to the Chamber of Deputies:


“A penalty which pays blood with blood, kills but does not correct, avenges, but does
not improve and which, by usurping God’s prerogative of life and closing the door to
repentance, extinguishes all hope of redemption from the heart of the condemned and
counters the fallibility of human justice with the gloom of an irreparable punishment.”


On 1 July 1867, the Head of State, King Luís, approved the law passed by Parliament on
26 June adopting the penal and prison reform with abolition of the death penalty. The same
text which proclaimed in Article 1: “The death penalty is hereby abolished”, and in Article 2 “The
penalty of public work is also abolished”, further declared in Article 6 that “The life custodial



132

Um pouco mais sombria é a história da pena de morte para crimes de natureza militar .
9
O regime monárquico nunca a aboliu, embora o deputado António Aires de Gouveia, logo
em 1867, reclamasse a sua extensão aos crimes militares. Não houve coragem para isso, mas
também nunca foi aplicada. Nem tal se fazia há muito, pois fora em 1849 que pela última
vez se executara uma sentença de morte por tribunal marcial. Percebe-se, assim, a grande
polémica que em 1874-1877 se gerou na sequência do assassínio de um alferes às mãos de
um soldado. Como já era o segundo caso desse ano de 1874 e houvera um outro semelhante
em 1872, várias vozes se fizeram ouvir a favor do fuzilamento, insurgindo-se outras, e de
renome no mundo da cultura, contra o que chamavam a sede de vingança dos militares.
Guerra Junqueiro entrou na liça com um extenso poema que intitulou “O crime” e dedicou-
-o a Barjona de Freitas. Apesar de estar muito aquém de tantas outras das suas belíssimas
e comoventes composições, ecoam nele, como sempre, os gritos de uma alma vibrante e
generosa:

«[...] Mas qual é, respondei, o exemplo? Assassinar?/ Muito bem; nesse caso o exemplo
que ides dar/ Já ele o deu primeiro, o criminoso; então/ Ele é o original e vós a imitação./
Contudo entre vós dois há ainda esta diferença;/ Que ele é uma paixão e vós uma sentença./
Vós matais sem rancor, inexoravelmente;/ Vós sois o punhal frio, ele o punhal ardente./
Vós tendes a consciência inteira do assassínio;/ Ele é uma pantera e vós um raciocínio.





sentence is hereby abolished”. Life imprisonment, which was now applied to cases which would
have previously carried the death penalty, was never in fact used and was, as already mentioned,
banned in 1884, making Portugal the first country in the world to eliminate it.
The history of the death penalty for military crimes is somewhat darker. The monarchical
9
regime never abolished it, although António Aires de Gouveia had asked in 1867 for abolition to
be extended to military crimes. There was not the courage to do so, but it was also never applied.
Nor had it been for a long time, as the last time the death sentence was applied by a court martial
was in 1849. But intense and polemical debate broke out between 1874 and 1877 when an ensign
was murdered by a soldier. As this was the second such case in 1874 alone and there had been a
similar one in 1872, voices were raised in favour of the firing squad. Other voices, from figures
well-known in cultural circles, railed against what they called the military’s thirst for revenge.
Guerra Junqueiro entered the fray with a long poem titled “The Crime” which he dedicated to
Barjona de Freitas. Although by no means up to the standard of many of his other beautiful and
moving compositions, the cry of a vibrant, generous soul still, as always, echoes through it.


“[...] But what is, I answered, the example? To murder?/ Good then; in that case the example
which you’ll give/ He, the criminal, gave first; so then/ He is the original and you the imi-
tation./ But between you two there’s still this difference;/ That his was passion and yours
a verdict./ You kill without rancour, inexorably;/ You are the cold dagger, he the heated



133

[...] Terminemos. Foi grande o crime do soldado./ Matou covardemente um homem desar-
mado/ À traição. Foi um crime horrível, assombroso./ Pois bem, há para esse enorme cri-
minoso,/ Mais do que um salteador, quase um fratricida,/ Um só perdão: a morte; e um
só castigo: a vida.// Existe no entretanto uma fera, um abutre,/ Um monstro pavoroso,
hediondo, que se nutre/ De lágrimas e sangue; é mais feroz que a hiena;/ Não conhece
remorso e não conhece pena;/ Insensível à mágoa, às súplicas, à dor;/ Forte como um
juiz; cego como o terror/ É inviolável: mata e fica sem castigo;/ Ainda hoje o Estado é o
seu melhor amigo./ Pois bem, eu que defendo o monstro que assassina/ Contra o braço
da forca e contra a guilhotina,/ Eu que proscrevo o algoz, eu exigi-lo-ei/ Para enforcar
somente esse bandido: a Lei.» 10

Em 1877, o soldado foi condenado à morte por Conselho de Guerra. O rei D. Luís comutou
a pena no mesmo ano.
Implantada a República em outubro de 1910, logo no ano seguinte se decreta a abolição
da pena de morte também em tribunais marciais. Contudo, foi reposta na justiça militar em
1916, com a entrada de Portugal na I Guerra Mundial, mas apenas para crimes de milita-
res perpetrados em teatro de guerra com país estrangeiro. Assim se manteve até 1976, sendo
usada uma só vez, em 1917, na frente de batalha da Flandres francesa. O soldado fuzilado terá
tentado passar para o lado alemão, onde pretendia revelar as posições portuguesas.





one./ You have full knowledge of the murder;/ He is a panther and you a reasoning mind.
[...] Let us end. The soldier’s crime was great./ In cowardice he killed an unarmed man/
Treacherously. It was an awful, shocking crime./ So now for this huge criminal, more
than just a highwayman, almost a fratricide,/ there is only one pardon: death; only one
punishment: life.// But there’s a wild beast, a vulture,/ a fearsome, stinking monster
which feeds/ on blood and tears; it is fiercer than a hyena;/ it knows no remorse or pity;/
Insensible to suffering, pleas, or pain;/ Strong as a judge, blind as terror/ It is inviolable:
it kills and is unpunished;/ Still today the state is its best friend./ So then I who defend
the murdering monster/ Against the arm of force and the guillotine,/ I who spurn the
executioner, must call for him/ To hang just this one brigand: the Law.” 10

In 1877, the soldier was sentenced to death by court martial. King Luís commuted the
sentence the same year.
In October 1910, the Republic was declared and the following year the death penalty was
also abolished in military courts. But in 1916, when Portugal entered the First World War, the
penalty was reintroduced for military crimes, although only for those perpetrated in the thea-
tre of war with a third country. This provision remained until 1976 but was only used once, in
1917, on the battlefront in Flanders. The soldier, who was executed by firing squad, had tried
to cross over to the German side, with the aim of revealing the Portuguese positions.



134

2_
Como historiadora que tem dedicado parte do seu esforço a procurar desocultar o que tradicional-
mente estava oculto pela indiferença do historiador, desde as mulheres, às crianças, aos pobres,
aos doentes ou às relações entre pessoas e animais, interessei-me pelas mulheres que os tribunais
11
civis portugueses condenaram à morte . Qual foi a sua proporção? Quem eram? Que crimes
praticaram? Como morreram? Apresento, pois, na segunda parte deste texto, uma súmula das
conclusões, buscando as vítimas de um sistema penal que a lei de 1867 extinguiu para sempre.
Com a documentação até agora conhecida, é impossível saber quantos foram os homens
e mulheres sentenciados à morte em Portugal. Contudo, embora escassas e lacunares, chega-
ram até nós listas nominativas de pessoas executadas. A fonte mais importante e fiável é um
manuscrito intitulado Le��ranças dos �ue fora� a justiçar no te�po e� �ue fui procurador, com
datas extremas de agosto de 1693 e setembro de 1754, e que se deve aos religiosos que acom-
panhavam os padecentes em Lisboa. Só inclui, portanto, os que morreram na capital, quase
todos condenados pela Casa da Suplicação (Relação de Lisboa e Tribunal Supremo do Império
português), que, enquanto Relação ou tribunal de 2.ª instância, tinha jurisdição do Ribatejo ao
Algarve, nas ilhas dos Açores e Madeira e nos domínios africanos.
Em 1880, António Luís de Sousa Henriques Secco, um político, estudioso e memorialista
coimbrão, publicou-a nas suas Me�orias do te�po passado e presente para lição dos vindouros sob
o título “Execuções de pena última em Portugal”. E completou-a, continuando-a até à abolição





2_
As a historian who has devoted some effort to “uncovering” areas which have traditionally been
hidden by the indifference of historians, such as the experiences of women, children, the poor,
the sick or the relationship between humans and animals, I became interested in the women con-
demned to death by Portuguese civil courts. What proportion did they make up? Who were they?
11
What were their crimes? How did they die? The second part of this text offers a summary of my
conclusions, searching for the victims of a penal system which the 1867 law extinguished forever.
From the documents known to exist, it is impossible to say how many men and women
were sentenced to death in Portugal. Nevertheless, lists giving the names of those executed have
survived, even though they are scarce and incomplete. The most important and reliable source
of information is a manuscript entitled Le��ranças dos �ue fora� a justiçar no te�po e� �ue fui
procurador (“Memories of those who were put to death during my time as prosecutor”), which
covers the period between August 1693 and September 1754 and which we owe to the priests
who accompanied the condemned in Lisbon. Therefore it only includes those who died in the
capital, almost all sentenced by the Casa da Suplicação (the Lisbon Court of Appeal and Supreme
Court of the Portuguese empire) whose jurisdiction as a high court of appeal extended from
Ribatejo to the Algarve, as well as to the Azores, Madeira and the African dominions.
In 1880, António Luís de Sousa Henriques Secco, a politician, scholar and writer of memoirs
from Coimbra, published it in his Me�orias do te�po passado e presente para lição dos vindouros



135

da pena de morte, incluindo os condenados pela Alçada do Porto de 1757 , acrescentando os
12
sentenciados à morte com pena não executada e, ainda, arrolando as sentenças a pena capi-
tal dos séculos anteriores . Os dados que Secco fornece para 1755-1867 revelam-se dignos
13
de confiança (talvez com sub-registo no violento reinado de D. Miguel, em 1828-1834), mas
não os que inventaria para os anos anteriores a 1693, que são muito parcelares. Além disso, a
pena de morte podia ser também aplicada pela Relação do Porto, com jurisdição no restante
espaço continental, e alguns indícios apontam para práticas severas desse tribunal, onde só
entre janeiro e junho de 1736 a Misericórdia local acompanhou ao cadafalso cinco padecen-
tes . Finalmente, no espaço colonial havia ainda os Tribunais de Relação de Goa, no Estado da
14
Índia, e no Brasil o da Baía, a que se juntou em 1751 o do Rio de Janeiro.
As fontes referidas podem e devem ser completadas com outras que facultam menos
informações sobre os condenados, mas confirmam a credibilidade dos dados constantes nas
Le��ranças e na compilação de Henriques Secco. Referimo-nos a uma listagem de condena-
dos (que não são apenas os executados) elaborada por António Joaquim Moreira, «oficial
maior da Academia Real das Ciências», e publicada por Levy Maria Jordão em 1861 e por
15
16
Inocêncio da Silva em 1862 e, ainda, a um documento elaborado por José da Conceição,
decano da polícia preventiva, que colheu memórias orais e testemunhou algumas execuções,
tendo terminado a sua relação muito provavelmente em 1843. O manuscrito, que pertenceu
a Brito Aranha e se encontra na Biblioteca Nacional de Portugal, foi publicado em 1982 por





(Memories of past and present for the instruction of future generations) under the heading
“Executions of the ultimate penalty in Portugal”. He completed the list up to the abolition of
the death penalty, including those condemned after the Porto uprising in 1757, adding those
12
13
sentenced to death but not executed and even listing death sentences from previous centuries.
The data provided by Secco for 1755-1867 seem reliable enough (though maybe under-recorded
for the violent reign of King Miguel, from 1828-1834), but those he compiled for the years before
1693 are very patchy. In addition, the death penalty could also be applied by the appeal court of
Porto, which covered the rest of the country. There are indications that this court was severe in
its judgements: just between January and June 1736 the local Orders of Mercy accompanied
five unfortunates to the scaffold. Lastly, there were also courts of appeal in the colonies, in Goa
14
(India) and Bahia (Brazil), and later also in Rio de Janeiro from 1751.
The above sources can and should be supplemented by others which provide less
information about the condemned but confirm the credibility of the data in the Le��ranças
and Henriques Secco’s compilation. We can refer to a list of the condemned (not just those
executed) drawn up by António Joaquim Moreira, a “senior officer of the Royal Academy of
15
Sciences”, which was published by Levy Maria Jordão in 1861 and by Inocêncio da Silva in
1862, and also to a document drafted by José da Conceição, senior officer in the preven-
16
tive police, who collected oral testimonies and witnessed several executions, completing his
account most probably in 1843. The manuscript, which belonged to Brito Aranha and is kept



136

António Brás de Oliveira, que confirmou ou corrigiu (ligeiramente) os dados, a partir das
17
sentenças originais .
Estas fontes que, repetimos, não se referem a todo o país, apontam para uma média anual
de 4,1 pessoas executadas entre 1693 a 1800, números benignos, mas que duplicam a estima-
tiva de António Hespanha, que calcula uma frequência de duas execuções capitais por ano em
18
Portugal nos séculos xvii e xviii .
Entre os condenados à pena última, as mulheres constituíram uma pequena proporção,
embora se verifiquem fortes variações no tempo. Entre 1693 a 1800, num total de 444 exe-
cuções, só se encontram 28 mulheres, que representam 6,3% da série. E se procurarmos as
últimas mulheres mortas em Portugal por sentença judicial, será necessário remontar a 1772,
ano particularmente grave para os padrões portugueses, com quatro mulheres supliciadas.
A derradeira foi Luísa de Jesus, de 23 anos, uma ama de expostos de Coimbra que assassinou
34 bebés enjeitados porque recebia por cada um, no ato de entrega, 600 réis, um côvado de
baeta e um berço. Muito mais tarde, em 1811 e em contexto de guerra, uma outra mulher foi
condenada à morte, mas estava em fuga e a sentença não se concretizou.
O consulado pombalino destaca-se pelo endurecimento das sentenças, com subida acen-
tuada das condenações à morte e com métodos mais cruéis. De 1693 a 1754 foram executa-
das anualmente 4,9 pessoas em média, mas este número sobe para 5,3 entre 1755 e 1772,
descendo abruptamente para 1,8 de 1773 a 1800. Observando só as mulheres, o período





in the National Library of Portugal, was published in 1982 by António Brás de Oliveira, who
confirmed or (slightly) corrected the figures, based on the original sentences. 17
These sources which, as already mentioned, do not cover the whole country, indicate an
annual average of 4.1 people put to death between 1693 and 1800. This is a modest figure, but
double that put forward by António Hespanha, who estimated a rate of two executions a year in
Portugal during the 17 and 18 centuries. 18
th
th
Among those condemned to death, women represented only a small percentage, although
there were considerable variations over time. Out of a total of 444 executions between 1693 and
1800, only 28 women are to be found, representing 6.3% of the whole. And if we look at the last
women legally sentenced and put to death in Portugal, we have to go back to 1772, a particularly
harsh year by Portuguese standards, which saw four women put to death. The last was Luísa de
Jesus, aged 23, a foster mother from Coimbra who murdered 34 foundling babies because she
received 600 réis, a cubit of woollen cloth and a cradle for each one, when they were entrusted to
her care. Much later, at a time of war in 1811, another woman was sentenced to death, but she
had already absconded and the sentence was never carried out.
The rule of the Marquis of Pombal was notable for the stiffening of sentences, with a
marked increase in death sentences and crueller methods. Between 1693 and 1754, an average
of 4.9 people were executed each year, but the figure rises to 5.3 between 1755 and 1772, falling
abruptly to 1.8 between 1773 and 1800. If we look only at women, the period between 1755 and



137

compreendido entre 1755 e 1772 revela-se ainda mais excecional, pois se em 1693-1754 foram
enforcadas em média 0,3 mulheres em cada ano, passam depois a 0,7. E se em 1693-1754 elas
representaram 5,3% dos que subiram ao patíbulo, em 1755-1772 atingiram os 12,5% (9% se
excluirmos os enforcados e enforcadas por sentença da Alçada do Porto).
Vejamos o que é possível saber sobre estas mulheres condenadas à morte. Só são conhe-
cidas as idades de 27%. Tinham em média 34 anos, situando-os entre os 22 e os 58. Os estados
conjugais estão mais bem definidos, em 70% da série. Não há viúvas e na sua imensa maioria
eram mulheres casadas, pois atingiam os 89%. Isto está relacionado com os seus crimes, pois o
que prevalece é o mariticídio. Outro crime severamente punido era a morte dos senhores por
parte dos escravos. Assim, encontramos cinco mulheres negras (quatro escravas e uma forra)
entre as padecentes, numa proporção de 14%.
Quanto às suas residências (e locais dos crimes), conhecidas em 76% dos casos, espa-
lham-se do Ribatejo ao Algarve, área de jurisdição da Relação de Lisboa. Escapam a esse terri-
tório cinco portuenses enforcadas na sua cidade pela participação na sedição do Porto de 1757
(cujos dados não foram colhidos nas Le��ranças) e a última mulher executada em Portugal,
que foi garrotada em Lisboa, embora residisse em Coimbra, cidade pertencente à área de juris-
dição da Relação do Porto.
As acusadas de homicídio, 30 mulheres, atingem os 81% entre as sentenciadas à morte,
pois até à sedição de 1757 todas elas foram executadas por matar. Depois, a justiça tornou-se





1772 appears even more exceptional. Whereas an average of 0.3 women were hanged between
1693 and 1754, the number rose to 0.7 in this period. And while from 1693 to 1754 women
represented 5.3% of those who climbed the scaffold, between 1755 and 1772 they accounted for
12.5% (9% if we exclude those sentenced to hang by the Porto Assizes).
Let us look at what is known about these women condemned to death. We only know the
ages of 27% of them. Their average age was 34, ranging from 22 to 58. Their marital status is
clearer, it being recorded in 70% of cases. There were no widows and the overwhelming majority
were married women (89%). This has a bearing on their crimes, as their most common offence
was to have murdered their husbands. Another crime which was severely punished was the killing
of slave owners by their slaves. Hence we find five black women (four slaves and a freewoman)
among the victims, making up 14%.
Their place of residence (and scene of the crime) is known in 76% of the cases, scattered
from Ribatejo to the Algarve, which matches the jurisdiction of the Lisbon court. The only ones
from outside this territory were five women from Porto who were hanged there for their part in
the 1757 Porto uprising (data for which was not included in Le��ranças) and the last woman
executed in Portugal, who was garrotted in Lisbon although she lived in Coimbra, which came
under the jurisdiction of the Porto appeal court.
Thirty women, 81% of those sentenced to death, were accused of murder. Until the
1757 Porto uprising, murder was the only crime for which women were executed. Afterwards,



138

mais dura: além das cinco sediciosas do Porto condenadas por crime de lesa-majestade (o que
não passou de uma ficção jurídica), houve duas mulheres enforcadas em Lisboa por serem
ladras, ambas na década de 1760, não se esclarecendo se se tratou de furto ou roubo – com-
19
portamento penal totalmente localizado, fugindo à praxis portuguesa . De facto, em Portugal
não se executavam mulheres por mero furto, o delito mais vulgar na criminalidade feminina,
em grande parte explicável pelas míseras condições de vida em que decorriam as suas exis-
tências.
Deparam-se-nos ainda dois casos de crimes políticos, ambos de mulheres nobres: o da
célebre marquesa de Távora, D. Leonor Tomásia, acusada de atentar contra a vida do rei em
finais de 1758 e executada em janeiro do ano seguinte; e o de D. Isabel de Roxas e Lemos, da
Casa da Trofa, condenada à morte em 1811 por traição à pátria. Quando, em 1810, as tropas
napoleónicas invadiram pela terceira vez o nosso país, Manuel Inácio Martins Pamplona, o seu
marido, era um dos oficiais do exército invasor. A mulher acompanhara-o, «com toda a satisfa-
ção», sendo conhecida entre a soldadesca por Rainha Pa�plona, como se escreve na sentença.
O casal veio a ser absolvido por acórdão da Relação de Lisboa de 12 de maio de 1821 e, regres-
sado à pátria, prosseguiu a sua vida num notável cursus honoru�.
Na sua grande maioria, 80%, os crimes de morte foram perpetrados em ambiente fami-
liar, vitimando pessoas muito próximas, o que é uma permanência na criminalidade feminina.
Acima de tudo, estas mulheres mataram ou tentaram matar os maridos, que representam





justice became harsher: apart from the five seditious women from Porto, who were convicted
of lèse-majesté (which was merely a legal ploy), two women were hanged in Lisbon for
thieving, both in the 1760s, although it is not clear whether they were accused of stealing
or robbery. This was a completely localised penal action which departed from the normal
practice in Portugal. In fact, Portugal did not execute women for simple theft, which was the
19
commonest crime committed by women and largely explained by the miserable conditions in
which their lives were spent.
Then there are two cases of political crime, both involving women of the nobility: the
famous Marchioness of Távora, Leonor Tomásia, who was accused of attempted regicide at
the end of 1758 and executed in January of the following year; and Isabel de Roxas e Lemos,
of the house of Trofa, who was sentenced to death in 1811 for treason. When Napoleonic
troops invaded our country for the third time, in 1810, her husband Manuel Inácio Martins
Pamplona was an officer in the invading army. His wife accompanied him, “full of satisfaction”
and was known among the troops as Queen Pamplona, as was recorded in the sentence. The
couple were absolved by decision of the Lisbon court of appeal on 12 May 1821 and on their
return home resumed a life of prosperous respectability.
The vast majority (80%) of crimes leading to the death penalty were perpetrated in a family
environment, with victim and killer being closely connected. This is a constant feature of female
criminality. Above all, these women killed or tried to kill their husbands, who represented nearly



139

quase metade das vítimas, 47%. A grande distância vêm os filicídios, em geral de recém-nasci-
20
dos, com 17% , e depois os senhores ou seus familiares às mãos de escravas, com 13%.
Os métodos que estas mulheres usaram para matar os maridos, quando agiram sozi-
nhas, foram desde as pancadas com enxada aos tiros de espingarda, estrangulamento, facadas
e veneno. Este último processo, tradicionalmente associado à criminalidade feminina, só foi
usado por uma esposa, mas também duas escravas terão assassinado pelo mesmo método,
tendo uma outra recorrido ao estrangulamento. Quanto às filicidas, à exceção de uma que
matou a filha à pancada, nada mais é esclarecido, mas, tratando-se em geral de bebés, é pos-
sível que tenham recorrido à sufocação ou estrangulamento, como o fez a mulher que matou
os enjeitados.
Os escravos, cujas vidas de desespero às mãos dos senhores podemos conjeturar, nem
sempre se conformavam com a sua sorte. A lei sabia-o e previa penas muito duras para os
que atentassem contra as suas vidas. Porém, havia escravos e escravas que arriscavam. Alguns
sofreram os suplícios previstos, outros conseguiram ver a morte comutada em degredo. Debru-
cemo-nos, pois, nesta síntese rápida, sobre as sentenças e execuções.
O intervalo entre a sentença e a sua aplicação raramente era registado, mas nos casos
conhecidos foi sempre muito curto. De facto, a norma estabelecia que, conhecida a sentença,
os réus deviam preparar-se logo para a morte, confessando-se nesse mesmo dia e comungando
no imediato. Por reverência para com Deus recebido na comunhão, a execução concretizava-se





half the victims (47%). Filicide comes a distant second, at 17%, and generally involved new-
20
borns; next came slave owners or their family members killed by female slaves (13%).
The methods these women used to kill their husbands, when acting alone, ranged from
beating them with a hoe to shooting, strangling, stabbing and poisoning. This last method,
which is traditionally associated with female criminality, was only once used by a wife, although
two slaves also poisoned their victims, while another used strangulation. As far as filicide is
concerned, apart from one mother who beat her daughter to death, no other details are provided.
But given that most of the victims were babies, it is possible that suffocation or strangling were
used, as in the case of the woman who murdered the foundlings.
Slaves, whose desperate lives at the mercy of their masters we can only imagine, were not
always resigned to their fate. The law was aware of this and prescribed the harshest of penalties
for slaves who tried to take their owners’ lives. But there were some, both male and female, who
took the risk. Some of them suffered the torments prescribed, others managed to escape death by
having it commuted to expatriation. Let us now take a quick look at the sentences and executions.
The time between the sentence and its application was seldom recorded, but in cases where
it is known the interval was very short. In fact, the law dictated that once sentence was passed,
prisoners should prepare themselves for death, making their confession the same day and imme-
diately taking communion. Out of reverence to God, who they had received through commun-
ion, execution would take place the following day. Men were taken barefoot to the scaffold, but



140

só no dia seguinte. Os homens seguiam descalços para o patíbulo, mas não as mulheres, e
eram todos acompanhados e amparados por capelães e irmãos das misericórdias, que depois
os enterravam e lhes faziam os sufrágios. As misericórdias portuguesas obtiveram também o
privilégio de proceder anualmente ao enterro dos despojos dos condenados a terem os corpos
ou parte deles expostos no local do suplício. Faziam-no em cerimónia religiosa solene no dia de
Todos os Santos. Assim sendo, os cadáveres (ou as cabeças e as mãos) dos supliciados regressa-
vam ao seio da comunidade cristã, usufruindo de todos os ritos e sufrágios normais.
Salvo a marquesa de Távora, que foi decapitada, as outras mulheres morreram na forca,
como plebeias que eram. Houve ainda duas sentenças de morte por garrote, uma aplicada à
ama dos expostos em 1772 e outra prevista em 1811 para D. Isabel de Lemos. Quase todas
morreram sem suplícios prévios, pois só três mulheres sofreram tormentos por terem come-
tido crimes considerados particularmente hediondos: uma escrava que matou o senhor e foi
atenazada em 1725 e duas outras mulheres que, além da tenaz em brasa aplicada pelo corpo,
tiveram as mãos cortadas em vida, ambas em 1772. Tratava-se da serial killer dos meninos
enjeitados e de uma escrava que assassinara o seu senhor, tendo-se cumprido a lei do reino que
estipulava o atenazamento e o corte das mãos em vida para escravos que matassem os seus
donos ou filhos (Ordenações Filipinas, Liv. V, Tit. 41, pr).
Era mais vulgar recorrer a penas infamantes mas não dolorosas, através de mutilações
nos cadáveres para que uma parte, quase sempre a cabeça, ficasse exposta na localidade do





women were not. Both would be accompanied and succoured by chaplains and brothers of mercy
who later buried them and prayed for their souls. The Portuguese orders of mercy also held the
privilege of being annually permitted to bury the remains of those whose corpses or body parts
had been exposed at the place of execution. They did this every year at a solemn ceremony on All
Souls’ Day. In this way, the corpses (or heads and hands) of those executed returned to the bosom
of the Christian community and were entitled to all the usual rites and prayers.
Except for the Marchioness of Távora, who was beheaded, all women were hanged as
the commoners they were. There were also two sentences of death by garrotting, one applied
to the foster mother of foundlings in 1772 and the other handed down to Isabel de Lemos in
1811. Almost all of them died without prior torments, as only three women were tortured for
having committed crimes considered particularly heinous: a slave who killed her master and
was tortured with pincers in 1725 and two other women who as well as having red-hot pincers
applied to their bodies had their hands cut off while still alive, both in 1772. These were the serial
killer of foundling babies and the slave who killed her master, in compliance with the law which
dictated that slaves who killed their owners or their owners’ children should have pincers applied
to them and their hands cut off while still alive (Ordenações Filipinas, Book V, Chapter 41).
More frequently, penalties inflicting infamy rather than pain were applied, such as the muti-
lation of corpses so that body parts, almost always the head, could be exhibited at the scene of
the crime or at the gallows. Fifteen women received such sentences, but they were only applied



141

crime ou na própria forca. Esta sentença atingiu 15 mulheres, mas só foi aplicada a 12. Nove
delas tiveram as cabeças decepadas e expostas (1694, 1712, 1746, 1757), sendo três por morte
do marido, uma de padrasto e cinco de lesa-majestade (as sediciosas do Porto). Ao corpo de
uma escrava que matara um familiar da senhora, foram cortadas a cabeça e as mãos que fica-
ram pregadas na forca (1741). A mesma sentença foi aplicada a uma negra forra que participara
no assassínio do senhor de uma escrava sua amiga (1772). A última mulher executada em
Portugal, a que matou as crianças da Roda dos Expostos de Coimbra, foi a que sofreu a pena
mais grave: além de atenazada e mãos cortadas em vida, o corpo foi queimado, o que impedia
para sempre a sepultura dos seus despojos com acompanhamento religioso e deposição em
campo santo.
Violenta foi também a sentença a que D. Isabel de Roxas e Lemos escapou em 1811.
Devemos lembrar que a terceira invasão francesa, em 1810-1811, foi particularmente horro-
rosa, provocando muitos milhares de mortos militares e civis, tanto às mãos dos invasores,
como pela fome e pelas epidemias que se abateram no território massacrado, toda a região cen-
tral do país. As consequências foram devastadoras, impressionando portugueses e britânicos.
Foi em março de 1811, quando os franceses retiravam de Portugal e a mortandade atingia o
21
pico , que D. Isabel e o marido foram condenados por traição à pátria. A sentença determinava
o confisco dos bens, a desnaturalização e a morte. Seriam levados com baraço e pregão desde
a cadeia ao Cais do Sodré, em Lisboa, onde seriam garrotados (mas ele com mãos cortadas em





to 12 of them. Nine of them had their heads cut off and exhibited (in 1694, 1712, 1746 and
1757): three of them for killing their husbands, one for murdering her stepfather, and five for
lèse-majesté (the Porto seditionaries). The body of a slave who killed a relative of her owner had
her head and hands cut off and displayed on the gallows (1741). The same punishment was
applied to a black freewoman who helped her friend, who was a slave, in the murder of her master
(1772). The last woman to be executed in Portugal, who was the killer of babies from the Coimbra
foundling home, suffered the harshest punishment. As well as being tortured with pincers and
having her hands cut off before death, her body was burned so that her remains could never be
buried with religious rites or interred in holy ground.
The death sentence from which Isabel de Roxas e Lemos escaped in 1811 was also a violent
one. It should be remembered that the third French invasion from 1810 to 1811 was particu-
larly terrible and caused many thousands of military and civilian deaths, both at the hands of
the invaders and from starvation and epidemics which swept across the killing fields in the cen-
tral region of the country. The consequences were devastating and made a deep impression on
the Portuguese and the British. Isabel and her husband were condemned for treason in March
21
1811, when the French were retreating from Portugal and the death toll was at its highest.
The sentence ordered the confiscation of their property and their denaturalisation and death.
They were to be taken in chains, with the rope and announcement of their crimes, to Cais de
Sodré in Lisbon, where they would be garrotted (the husband had his hands cut off while still



142

vida), depois as cabeças decepadas, os corpos queimados e as cinzas lançadas ao mar. Sentença
cruel e arcaica, que pode explicar-se pela consequências terríveis desta invasão, pelos níveis de
brutalidade que se haviam banalizado e, estou em crer, por influência inglesa.
Finalmente, refira-se os perdões, suspensões e comutações de pena, que representaram
24% das condenações das mulheres. Encontramos quatro comutações, todas em degredo,
sendo três da década de 1690: uma mariticida que foi enviada para Angola em 1694, uma
outra condenada pelo mesmo crime que no ano seguinte viu a pena de morte comutada em
degredo em Angola por dez anos e uma filicida degredada para a Baía (Brasil) também durante
dez anos, em 1697. Depois, só em 1745 surge nova comutação. Tratava-se de uma escrava que
envenenara um amigo dos seus senhores. A pena aplicada foram açoites e degredo perpétuo
para Benguela (Angola).
Mais sorte tiveram outras três mulheres cuja pena de morte foi suspensa: uma infanticida
considerada mentalmente incapaz em 1713 e duas por menoridade, em 1726 e 1751, ambas
mariticidas. O argumento da menoridade (menos de 25 anos) não foi aceite para Luísa de
Jesus em 1772, mas nestas décadas anteriores serviu, apesar de aplicado a mulheres casadas.
Por fim, uma única condenada obteve perdão régio. O caso é um bom retrato da época e da sua
escala de valores: em 1732, Maria Gonçalves, de Serpa, espancou tão brutalmente uma filha
de cinco anos que a criança morreu. Chegou a caminhar para a forca até à Rua dos Ourives da
Prata, onde a alcançaram com o perdão. O rei agraciou-a, «compadecendo-se do pobre marido





alive). They were then to be decapitated, their bodies burned and the ashes cast into the sea.
This cruel and archaic sentence can be explained by the terrible impact of the invasion, in which
extreme brutality had become commonplace, and also, I believe, by the influence of the English.
Lastly, there are the pardons, suspensions and commutations of punishment, which account
for 24% of sentences handed down to women. We find four commutations, all involving exile.
Three were during the 1690s: a woman who killed her husband and was sent to Angola in 1694,
another condemned for the same crime whose death penalty was commuted the following year to
10 years’ exile in Angola and a woman convicted of filicide who was sent to Bahia (Brazil), also for
10 years, in 1697. Later, in 1745, there was another commutation, of a slave who had poisoned a
friend of her owners. She was punished with flogging and perpetual exile to Benguela (Angola).
Another three women were luckier and had their death penalties suspended. One was a
baby killer who was deemed mentally incapable in 1713, while two who had killed their husbands
(in 1726 and 1751) were spared for being minors. The argument of being a minor – under the
age of 25 – was not accepted in the case of Luísa de Jesus, in 1772, but it had been used in earlier
decades, even though the women involved were married. Finally, just one woman won the king’s
pardon. The case is a good illustration of the time and its scale of values: in 1732, Maria Gon-
çalves, from Serpa, beat her five-year old daughter so brutally that the child died. She was already
being walked to the gallows and had reached Rua Ourives da Prata when news of her pardon
came. The king spared her, “taking pity on the poor husband and on her two children and taking



143

e duas crianças seus filhos, e atendendo a ter a ré um irmão na Companhia [de Jesus]» , por
22
certo o fator decisivo para a obtenção do indulto, além do perdão concedido pelo marido, parte
ofendida como pai da criança, condição sine �ua non para as concessões de perdão régio.
Muitas destas mulheres sentenciadas à morte, tal como tantos outros homens, cometeram
crimes hediondos, matando e/ou provocando sofrimentos indizíveis aos seus semelhantes. Con-
tudo, parafraseando Barjona de Freitas que o disse há 150 anos, a pena que sofreram matou mas
não corrigiu, vingou mas não melhorou, fechou a porta ao arrependimento e opôs à falibilidade
da justiça humana uma punição irreparável. Também elas e eles foram vítimas.








maria antónia lopes
Doutora em História Moderna e Contemporânea
com Agregação na mesma área.
Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
A sua área de investigação é a história social de Portugal
nos séculos XVIII a XX.
Parte da sua produção pode ser lida em
https://coimbra.academia.edu/MariaAntóniaLopes.
[email protected]




into account that the condemned woman has a brother in the Society [of Jesus]”. That was the
22
decisive factor, in addition to the husband’s forgiveness as the injured party, as father of the dead
child, which was a prerequisite for the granting of a royal pardon.
Many of these women who were sentenced to death, and just as many men, had
committed repulsive crimes, killing and/or causing indescribable suffering to others. Yet to
paraphrase Barjona de Freitas’ words 150 years ago, the penalty they suffered killed without
correcting, took revenge without betterment, closed the door to repentance and countered the
fallibility of human justice with irreparable punishment. They were also victims.







maria antónia lopes
Doctor of Modern and Contemporary History
with agregação in the same field.
Lecturer at the Faculty of Arts at Coimbra University.
Her field of research is the social history of Portugal
th
th
from the 18 to the 20 century.
Some of her writing can be found at
https://coimbra.academia.edu/MariaAntóniaLopes.
[email protected]


144

NOTAS Margarita Torremocha Hernández, Coimbra, Impren- 17 OLIVEIRA, António Brás de, “As execuções capitais
1 CORREIA, Eduardo, “Estudo sobre a evolução históri- sa da Universidade, 2015, p. 119-145. em Portugal num curioso manuscrito de 1843”, Re­
12 Em setembro de 1756, o marquês de Pombal fundou vista da Biblioteca Nacional, n.° 2 (1), Lisboa, 1982,
ca das penas no direito português”, Boletim da Facul­
dade de Direito, n.° 53, Coimbra, 1977, p. 88. a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto p. 109-127.
2 HESPANHA, António Manuel, “Da “iustitia” à “disci- Douro, empresa mercantil monopolista, essencial 18 HESPANHA, António Manuel, “Da “iustitia” à “disci-
plina”. Textos, poder e política penal no antigo regi- para o seu projeto económico. A população humilde plina”...”, cit. O autor considerou fiáveis os dados de
me”, in Justiça e litigiosidade: História e prospectiva, do Porto, nomeadamente taberneiros de ambos os Secco sobre as execuções do século XVII. É por essa
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 297- sexos, tanoeiros e pequenos armazenistas, agora razão que os números que apresentamos são mais
-320. Originalmente publicado em Anuario de historia impedida de comercializar o vinho, sentiu-se preju- severos.
del derecho español, n.° 57, Madrid, 1987, p. 493-578, dicada e a rebelião rebentou em fevereiro e março 19 Uma é Ana Joaquina Rosa, em 1764, nada mais se
edição que utilizei. de 1757, mais ou menos manipulada por ingleses e dizendo sobre ela. Um folheto de cordel sobre este
3 “O movimento abolicionista e a abolição da pena outros burgueses portuenses que se viam afastados caso (António Correia Viana, Espelho de delinquen­
de morte em Portugal (resenha histórica)”, in Obras dos negócios dos vinhos. Foi de imediato constituído tes, e vozes do desengano na Christã conformidade
Esparsas II. Estudos de História do Direito. Direito um tribunal especial no Porto que atuou com uma da morte, que foi observada em Anna Joaquina Rosa
Moderno, Coimbra, por Ordem da Universidade, 1981, dureza invulgar. Compareceram perante essa Alçada [...], Lisboa, Miguel Manescal da Costa, 1764) reitera
p. 103. 478 réus, sendo 424 homens e 54 mulheres. Por sen- ter sido condenada apenas por furto e haver sofrido
4 Idem, p. 106-108. tença proferida a 12 de outubro e executada a 14, fo- a morte a 29 de março no sítio da Cruz dos Quatro
5 História da legislação liberal I, Lisboa, Imprensa Nacional, ram condenados à morte 21 homens e cinco mulheres. Caminhos. O texto, seis páginas de rimas de cariz
1891, p. 95-96. 13 SECCO, António Luiz de Sousa Henriques, Memorias edificante, em nada nos informa sobre os crimes
6 Foi nisso acompanhado por todo o governo, então do tempo..., cit., p. 227-616. Secco incluiu ainda víti- de Ana Joaquina e coloca na sua boca inverosímeis
dirigido pelo marquês de Loulé (cf. António Luiz de mas da Inquisição de que teve notícia e que aqui não palavras grandiloquentes. No ano imediato, dá-se
Sousa Henriques Secco, Memorias do tempo passado são consideradas porque são pouco fiáveis e porque a execução de Joana Maria de Jesus que devia per-
e presente para lição dos vindouros, Vol. 1, Coimbra, este texto refere-se apenas à justiça civil. A Inquisi- tencer a uma quadrilha porque foi sentenciada e
Imprensa da Universidade, 1880, p. 490-494). ção portuguesa foi criada em 1536 e extinta em 1821. enforcada com cinco homens, todos por serem la-
7 Em 1786 e 1787, a Toscana e a Áustria tinham-na A última morte decorrente de julgamento inquisito- drões.
também abolido, mas rapidamente a restabelece- rial aconteceu em 1761. 20 É possível, contudo, que as condenações por infan-
ram, em 1790 e em 1795. 14 CARDOSO, Maria Teresa, Os presos da Relação do Porto. ticídio estejam sub-representadas porque podem ter
8 CRUZ, Guilherme Braga da, “O movimento abolicio- Entre a cadeia e a Misericórdia (1735 a 1740), Braga, escapado à pena última.
nista...”, cit., p. 228-231. tese de mestrado apresentada ao Instituto de Ciências 21 LOPES, Maria Antónia, “Sofrimentos das populações
9 Idem, p. 232-239. Sociais da Universidade do Minho, 2005, p. 184. na Terceira Invasão Francesa. De Gouveia a Pombal”, in
10 Publicado depois em A musa em férias. 15 JORDÃO, Levy Maria, Projecto de Código Penal Portu­ O Exército Português e as Comemorações dos 200 Anos
11 Mulheres condenadas à morte em Portugal: de 1693 guez, Lisboa, Imprensa Nacional, 1861, p. 223-235. da Guerra Peninsular (volume III – 2010­2011), Lisboa,
à abolição da pena última”, in As mulheres perante 16 SILVA, Inocêncio da, Diccionario bibliográfico portuguez, Tribuna da História, 2011, p. 299-323.
os tribunais do Antigo Regime na Península Ibérica, Vol. 7, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987, 22 SECCO, António Luiz de Sousa Henriques, Memorias
coordenado por Isabel Mendes Drumond Braga e p. 229-254. do tempo..., cit., p. 556.


NOTES and Margarita Torremocha Hernández, Coimbra Uni- 17 OLIVEIRA, António Brás de, “As execuções capitais em
1 CORREIA, Eduardo, Estudo sobre a evolução histórica versity Press, 2015, p. 119-145. Portugal num curioso manuscrito de 1843”, Revista
12 In September 1756, the Marquis of Pombal founded the da Biblioteca Nacional, no. 2 (1), Lisbon, 1982, p. 109-
das penas no direito português, Boletim da Faculdade
de Direito, no. 53, Coimbra, 1977, p. 88. General Company for the Agriculture of the Alto Douro -127.
2 HESPANHA, António Manuel, Da “iustitia” à “disci­ Vineyards, a monopolistic mercantile enterprise which 18 HESPANHA, António Manuel, Da “iustitia” à “disci­
was fundamental to his economic project. The com- plina”..., op. cit. The author considered Secco’s figures
plina”. Textos, poder e política penal no antigo regime,
th
in Justiça e litigiosidade: História e prospectiva, Lisbon, mon people of Porto, particularly innkeepers of both for 17 century executions to be reliable. This is why
the numbers presented in this article are higher.
Calouste Gulbenkian Foundation, 1993, p. 297-320. sexes, coopers and small shopkeepers, were prevented 19 One of them was Ana Joaquina Rosa, in 1764, with no
from selling wine and felt unfairly treated. Rebellion
Originally published in Anuario de historia del derecho broke out in February and March 1757, to a large extent further information given about her. A cordel pam-
español, no. 57, Madrid, 1987, p. 493-578, which is the manipulated by the English and other burgers of Porto phlet recounting the case (António Correia Viana,
edition I used.
3 “O movimento abolicionista e a abolição da pena de who had found themselves pushed out of the wine Espelho de delinquentes, e vozes do desengano na
trade. A special assize was immediately set up in Porto Christã conformidade da morte, que foi observada
morte em Portugal (resenha histórica)”, in Obras Espar­ and acted with unusual harshness. Of the 478 prisoners em Anna Joaquina Rosa [...], Lisbon, Miguel Manes-
sas II. Estudos de História do Direito. Direito Moder­ brought before it, 424 were men and 54 were women. cal da Costa, 1764) states that she was condemned
no, Coimbra, published by the University, 1981, p. 103. Twenty-one men and five women were condemned to only for theft and put to death on 29 March at the
4 Idem, p. 106-108.
death on 12 October and executed two days later. place of the Four Ways Cross. The text, six pages of
5 História da legislação liberal I, Lisbon, National Press,
13 SECCO, António Luiz de Sousa Henriques, Memorias edifying rhyme, tells us nothing about the crimes of
1891, p. 95-96. do tempo..., cit., p. 227-616. Secco also included vic- Ana Joaquina and puts unconvincing, grandiloquent
6 He was accompanied in this by the whole govern-
tims of the Inquisition that he learned of and who words in her mouth. The following year Joana Maria
ment, led at the time by the Marquis of Loulé (see are not included here, because the figures are fairly de Jesus was executed. She must have belonged to
António Luiz de Sousa Henriques Secco, Memórias do unreliable and this text refers only to civil justice. The a gang, because she was sentenced and hanged
tempo passado e presente para lição dos vindouros, Portuguese Inquisition was set up in 1536 and ended alongside five men, all of them condemned as
Vol. 1, Coimbra, University Press, 1880, p. 490-494). in 1821. The last death resulting from a judgement of thieves.
7 Tuscany and Austria had also abolished it (1786 and 20 It is possible, though, that convictions for infanticide
the Inquisition was in 1761.
1787), but swiftly restored it (1790 and 1795). 14 CARDOSO, Maria Teresa, Os presos da Relação do may be under-represented as they may not have
8 CRUZ, Guilherme Braga da, O movimento abolicio­
Porto. Entre a cadeia e a Misericórdia (1735 a 1740), incurred the death penalty.
nista..., op. cit., p. 228-231. Braga, master’s thesis presented to the University of 21 LOPES, Maria Antónia, “Sofrimentos das populações
9 Idem, p. 232-239.
Minho’s Institute of Social Sciences, 2005, p. 184. na Terceira Invasão Francesa. De Gouveia a Pombal” in
10 Later published in A musa em férias. 15 JORDÃO, Levy Maria, Projecto de Código Penal Portu­ O Exército Português e as Comemorações dos 200 Anos
11 “Mulheres condenadas à morte em Portugal: de
guez, Lisbon, National Press, 1861, p. 223-235. da Guerra Peninsular (volume III ­ 2010­2011), Lisbon,
1693 à abolição da pena última”, in As mulheres 16 SILVA, Inocêncio da, Diccionario bibliográfico por­ Tribuna da História, 2011, p. 299-323.
perante os tribunais do Antigo Regime na Península tuguez, Vol. 7, Lisbon, Imprensa Nacional-Casa da 22 SECCO, António Luiz de Sousa Henriques, Memorias
Ibérica compiled by Isabel Mendes Drumond Braga Moeda, 1987, p. 229-254. do tempo..., op cit., p. 556.
145

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS JORDÃO, Levy Maria, Projecto de Código Penal Portuguez, OLIVEIRA, António Brás de, “As execuções capitais em
CARDOSO, Maria Teresa, Os presos da Relação do Porto. Lisboa, Imprensa Nacional, 1861. Portugal num curioso manuscrito de 1843”, Revista da
Entre a cadeia e a Misericórdia (1735 a 1740), Braga, JUNQUEIRO, Guerra, “O crime”, in A musa em férias Biblioteca Nacional, n.° 2 (1), Lisboa, 1982, p. 109-127.
tese de mestrado apresentada ao Instituto de (idilios e satiras), Lisboa, Antonio Maria Pereira, 1920, Ordenações Filipinas [1603], Lisboa, Fundação Calouste
Ciências Sociais da Universidade do Minho, 2005. p. 129-147 Gulbenkian, 1985.
CORREIA, Eduardo, “Estudo sobre a evolução histórica LOPES, Maria Antónia, “Mulheres condenadas à morte Ribeiro, Tomás, História da legislação liberal, Vol. I,
das penas no direito português”, Boletim da em Portugal: de 1693 à abolição da pena última”, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891.
Faculdade de Direito, n.° 53, Coimbra, 1977, p. 51-150. in As mulheres perante os tribunais do Antigo Regime Secco, António Luiz de Sousa Henriques, Memorias do
CRUZ, Guilherme Braga da, “O movimento abolicionista na Península Ibérica, coordenado por Isabel Mendes tempo passado e presente para lição dos vindouros,
e a abolição da pena de morte em Portugal (resenha Drumond Braga e Margarita Torremocha Hernández, Vol. 1, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1880.
histórica)”, in Obras Esparsas II. Estudos de História Coimbra, Imprensa da Universidade, 2015, p. 119-145. Silva, Inocêncio da, Diccionario bibliográfico portuguez,
do Direito. Direito Moderno, Coimbra, por Ordem da LOPES, Maria Antónia, “Sofrimentos das populações Vol. 7, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987.
Universidade, 1981, p. 27-243. na Terceira Invasão Francesa. De Gouveia a Pombal”, VIANA, António Correia, Espelho de delinquentes,
HESPANHA, António Manuel, “Da “iustitia” à “disciplina”, in O Exército Português e as Comemorações dos 200 e vozes do desengano na Christã conformidade da
Anuario de historia del derecho español, n.° 57, Madrid, Anos da Guerra Peninsular (volume iii – 2010­2011), morte, que foi observada em Anna Joaquina Rosa
1987, p. 493-578. Lisboa, Tribuna da História, 2011, p. 299-323. [...], Lisboa, Miguel Manescal da Costa, 1764.






















BIBLIOGRAPHICAL REFERENCES JORDÃO, Levy Maria, Projecto de Código Penal Portuguez, OLIVEIRA, António Brás de, As execuções capitais em
CARDOSO, Maria Teresa, Os presos da Relação do Porto. Lisbon, National Press, 1861. Portugal num curioso manuscrito de 1843, Revista da
Entre a cadeia e a Misericórdia (1735 a 1740), Braga, JUNQUEIRO, Guerra, “O crime”, in A musa em férias Biblioteca Nacional, no. 2 (1), Lisbon, 1982, p. 109-127.
master’s thesis presented to the University of (idilios e satiras), Lisbon, Antonio Maria Pereira, 1920, Ordenações Filipinas [1603], Lisbon, Calouste
Minho’s Institute of Social Sciences, 2005. p. 129-147. Gulbenkian Foundation, 1985.
CORREIA, Eduardo, “Estudo sobre a evolução histórica LOPES, Maria Antónia, “Mulheres condenadas à morte RIBEIRO, Tomás, História da legislação liberal, Vol. I,
das penas no direito português”, Boletim da em Portugal: de 1693 à abolição da pena última”, Lisbon, National Press, 1891.
Faculdade de Direito, no. 53, Coimbra, 1977, p. 51-150. in As mulheres perante os tribunais do Antigo SECCO, António Luiz de Sousa Henriques, Memórias do
CRUZ, Guilherme Braga da, “O movimento abolicionista Regime na Península Ibérica compiled by Isabel tempo passado e presente para lição dos vindouros,
e a abolição da pena de morte em Portugal (resenha Mendes Drumond Braga and Margarita Torremocha Vol. 1, Coimbra, University Press, 1880.
histórica)”, in Obras Esparsas II. Estudos de História Hernández, Coimbra University Press, 2015, p. 119-145. SILVA, Inocêncio da, Diccionario bibliográfico portuguez,
do Direito. Direito Moderno, Coimbra, published by LOPES, Maria Antónia, Sofrimentos das populações Vol. 7, Lisbon, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987.
the University, 1981, p. 27-243. na Terceira Invasão Francesa. De Gouveia a Pombal, VIANA, António Correia, Espelho de delinquentes, e
HESPANHA, António Manuel, Da “iustitia” à “disciplina”, in O Exército Português e as Comemorações dos 200 vozes do desengano na Christã conformidade da
Anuario de historia del derecho español, no. 57, Madrid, Anos da Guerra Peninsular (volume iii ­ 2010­2011), morte, que foi observada em Anna Joaquina Rosa
1987, p. 493-578. Lisbon, Tribuna da História, 2011, p. 299-323. [...], Lisbon, Miguel Manescal da Costa, 1764.




















146

Rua 24 de Julho, junto à Igreja de Santos. Aterro do Cais do Tojo, local da última
execução, em 16 de abril de 1842. Arquivo pitoresco, n.° 40, 1863. (HML)
(Pormenor na página 32)

Rua 24 de Julho, next to the Santos Church. Cais do Tojo, the location of the last
execution on 16 April 1842. Arquivo pitoresco, no. 40, 1863. (HML)
(Detail on page 32)



























147

um direito contra a morte












1_
A pena de morte para crimes comuns foi abolida em Portugal a 1 de julho de 1867.
Antes, em 5 de julho de 1852, por via do Ato Adicional à Carta Constitucional, havia já
sido abolida a pena de morte para crimes políticos.
Todavia, desde 1846 ninguém havia sido executado em Portugal, sendo que a última
execução de uma mulher ocorreu em 1772.
A Constituição republicana de 1911 aboliu também a pena de morte para crimes militares.
Porém, em consequência da participação portuguesa na I Grande Guerra, esta voltou a
ser reintroduzida no Código de Justiça Militar em 1916, tendo resultado de tal alteração, pelo
menos, uma execução no teatro de operações, em 16 de setembro de 1917.
Apesar de esta pena militar ter sido mantida até à aprovação da Constituição da Repú-
blica Portuguesa em 1976, a verdade é que não há conhecimento de ela ter voltado a ser apli-
cada em Portugal por qualquer tipo de tribunal.
Se excetuarmos o caso da pequena República de São Marinho, Portugal foi o primeiro
país europeu de alguma dimensão a abolir a pena de morte.




a law against death








1_
In Portugal, the death penalty for common crimes was abolished on 1 July 1867.
Earlier, on 5 July 1852, the death penalty for political crimes had already been abolished
by way of the Additional Act to the Constitutional Charter.
However, nobody had been executed in Portugal since 1846, and the last execution of a
woman had taken place in 1772.
The new 1911 Republican Constitution also abolished the death penalty for military crimes.
Nevertheless, as a consequence of Portugal’s participation in the First World War, the
latter was reintroduced to the Military Justice Code in 1916, and this alteration resulted in at
least one execution in the theatre of operations on 16 September 1917.
Although this military punishment was kept until the approval of the new Constitution
of the Portuguese Republic in 1976, the truth is that there is no knowledge of its being applied
by any kind of Portuguese court.





148

António Cluny













Tratou-se de um acontecimento notável, mas, mais notável, e porventura mais surpreen-
dente, foi o facto de jamais ela ter sido reintroduzida na nossa legislação, apesar das vicissitu-
des da nossa história posterior.
O nosso país viveu sujeito a uma ditadura que durou de 1926 a 1974.
Esse regime comungou, inspirou-se e imitou, em muitos e significativos aspetos, as
ideias, organização institucional e práticas das ditaduras fascistas que dominaram parte da
Europa até 1945.
A de Espanha sobreviveu até 1975.
A excecionalidade da situação portuguesa deve, pois, ser salientada.
Na verdade, o regime franquista – em muitos aspetos tão próximo do nosso – realizou, já
depois de ter ganhado a guerra civil, muitos milhares de execuções.
Ainda, no ano de 1975, fuzilou dois presos políticos e, no ano anterior, executara, através
do aviltante e cruel método do “garrote vil”, dois outros condenados, sendo um deles também
um opositor político.
















Except for the case of the tiny Republic of San Marino, Portugal was the first European
country of some size to abolish the death penalty.
It was a remarkable event. But even more remarkable and perhaps surprising is the fact
that it has never been reintroduced to our legislation despite the vicissitudes of our later history.
Our country lived through a dictatorship lasting from 1926 to 1974.
This political regime shared, was inspired by and imitated the ideas, institutional organi-
sation and practices of the fascist dictatorships that prevailed in parts of Europe until 1945 in
many significant aspects.
In Spain, the dictatorship survived until 1975.
The exceptional Portuguese situation must, therefore, be highlighted.
Indeed, Franco’s regime – in many ways so close to ours – ordered many thousands of
executions even after winning the Spanish Civil War.





149


Click to View FlipBook Version