The words you are searching are inside this book. To get more targeted content, please make full-text search by clicking here.
Discover the best professional documents and content resources in AnyFlip Document Base.
Search
Published by sara.acasio, 2017-09-11 12:09:44

O Tutor

O Tutor

1

Robin Schone

O Tutor

Revisão: Ceila Sarita

2

“O Jardim Perfumado”.
Para os bibliotecários da Roselle Library que me ajudou em minha investigação... ESTE
LIVRO É PARA VÓS. Obrigado por havê-lo feito possível
E, finalmente, graças a KATE DUFFY, por me deixar escrever sobre o que mais eu gosto.

3

Elizabeth Petre é a honorável esposa de um aspirante a primeiro
Ministro britânico. Diante da Sociedade tem que representar o papel da
perfeita esposa, em sua casa, seu marido se mostra desdenhoso quando não
indiferente com ela. Para Elizabeth é cada vez mais penoso que seu marido a
mantenha longe de seu coração e de seu leito e com a idéia de voltar a seduzi-
lo, de fazer com que esqueça suas inúmeras amantes, aprendendo as mesmas
artes que elas.

Para conseguir, recorre a Ramiel Devington, o filho bastardo de uma
nobre inglesa e um Sheik árabe. Repudiado pela sociedade britânica, ele
aceita a proposta da dama, pois intui que apesar de sua fria aparência,
Elizabeth esconde um espírito livre e apaixonado que prisioneiro de
convencionalismos anseia em escapar e poder desfrutar tudo o que a vida
pode oferecer.

Dia a dia, lição a lição, Ramiel vai mostrando a Elizabeth um mundo
desconhecido, ensinando-lhe todos os segredos da arte da sedução e
sutilmente, atiça o fogo e a sensualidade, com conseqüências dramáticas e
inesperadas para os dois.

4

CAPÍTULO I

Ramiel não consentiria que nenhuma mulher o chantageasse e não lhe
importava quão forte pudesse ser sua necessidade de satisfação sexual.
Apoiou contra a porta da biblioteca e observou com os olhos semicerrados à
mulher que estava em pé frente às portas envidraçadas que davam ao jardim.
Ligeiros retalhos de bruma se estendiam entre ela e as cortinas abertas. Em
contraste com estas, como colunas de seda amarela, a mulher parecia um
escuro monólito embainhado em lã negra.

Elizabeth Petre.
De costas, não a reconheceu, coberta como estava, dos pés a cabeça
com um chapéu e uma grossa capa negra. Mas na realidade não a teria
reconhecido nem nua frente a ele, com os braços e as pernas abertas lhe
convidando lascivamente.
Ele era o Sheik Bastardo, filho ilegítimo de uma condessa inglesa e de
um Sheik árabe. Ela era a esposa do ministro da Economia e Fazenda e seu
pai o primeiro-ministro da Inglaterra.
Pessoas como ela não se misturava socialmente com gente como ele, salvo a
portas fechadas e sob lençóis de seda.
Ramiel pensou na mulher de escuros cabelos cuja cama acabava de
deixar, apenas uma hora. A marquesa de Clairdon o tinha seduzido num baile
de rameiras, onde tinha dançado nua igual ao resto das assistentes. Usara-o
para alimentar sua excitação sexual e durante algumas horas se converteu no
animal que ela desejava, investindo, esmagando e amassando no interior de
seu corpo até encontrar aquele momento de liberação perfeita onde não
existiam nem passado, nem futuro, nem Arábia, nem Inglaterra, somente o
esquecimento.
Talvez teria possuído também aquela mulher se esta não tivesse forçado
a entrada de sua casa deliberadamente através da coação e a chantagem. Com
os músculos tensos pela cólera contida, afastou devagar do frio contato do
mogno e atravessou silencioso o tapete persa que cobria o chão da biblioteca.

5

— O que é que pretende, senhora Petre, invadindo meu lar e me ameaçando?
Sua voz, um áspero murmúrio de refinamento inglês que ocultava a

ferocidade árabe, ricocheteou no arco formado pelas portas e alcançou a barra
de bronze da cortina que bordeava o muito alto teto circular.

Pôde sentir o sobressalto de temor da mulher, farejando-o quase por
cima da neblina úmida.

Ramiel desejava que sentisse medo. Desejava que se desse conta de
quão vulnerável era, sozinha na guarida do Sheik Bastardo sem que seu
marido ou seu pai pudessem protegê-la.

Queria que soubesse da maneira mais elementar e primitiva possível
que seu corpo lhe pertencia para dar a quem quisesse e que não admitiria
chantagens na hora de conceder seus favores sexuais.

Ramiel fez uma pausa sob o abajur aceso e esperou a que a mulher se
voltasse e enfrentasse as conseqüências de sua maneira de agir.

O gás que queimava vaiou, causando uma pequena explosão no gélido
silêncio.
—Vamos, senhora Petre! Não foi tão reservada com meu criado. —Disse,
provocando-a brandamente, sabendo o que ela queria, desafiando-a a
pronunciar as palavras. Palavras proibidas, palavras conhecidas: «Quero
gozar com um árabe. Quero desfrutar com um bastardo»—. O que poderia
querer uma mulher como você, de um homem como eu?

Lenta, muito lentamente, a mulher se voltou, num redemoinho de lã
entre as brilhantes colunas amarelas das cortinas de seda. O véu negro que
cobria sua face não pôde ocultar a impressão que lhe causou.

Um sorriso zombeteiro se apropriou dos lábios de Ramiel. Sabia o que
ela estava pensando. O que toda mulher inglesa pensava quando o via pela
primeira vez. Um homem que é meio árabe não tem o cabelo da cor do trigo
dourado pelo sol.
Um homem que é meio árabe não se veste como um cavalheiro inglês. Um
homem que é meio árabe...
—Quero que me ensine como agradar um homem.

A voz da mulher estava sufocada pelo véu, mas suas palavras foram
diáfanas.

Não eram as que tinha esperado.
Durante um minuto que pareceu eterno, o coração de Ramiel deixou de
pulsar dentro de seu peito. Imagens eróticas desfilaram ante seus olhos...

6

Uma mulher... Nua... Possuindo-o... De todas as formas em que uma mulher
pode possuir um homem... Pelo prazer dele... E também pelo dela.

Um fogo abrasador estalou entre suas pernas. Podia sentir, contra sua
vontade, que sua pele se inchava, endurecia, lhe trazendo lembranças que já
nunca voltariam, exilado como estava naquele país frio e sem paixão aonde
as mulheres o usavam para suas próprias necessidades... Ou o desprezavam
pelas suas.

Uma fúria primitiva se apropriou de seu ânimo.
Contra Elizabeth Petre, por invadir seu lar para sua própria satisfação
egoísta sob a aparência de querer aprender como dar prazer a um homem.
Contra ele mesmo que aos trinta e oito anos ainda sentia a necessidade de
pegar o que ela podia oferecer, ainda sabendo que era uma mentira: as
mulheres inglesas não estavam interessadas em aprender a fazer gozar um
Sheik Bastardo.
Com uma lentidão deliberada, Ramiel se aproximou da mulher,
escondida atrás de um manto de respeitabilidade. Para sua surpresa, ela não
retrocedeu ante sua fúria.
E também para a dela, ele se contentou só arrojando seu véu para trás.
De perto e sem o fino tecido negro que impedia sua visão, a mulher
pôde apreciar claramente sua estirpe árabe. Tinha a pele escura, torrada pelo
mesmo sol que tinha dourado seu cabelo.
Agora ela se daria conta de que sua aparência de cavalheiro inglês era
só isso, uma aparência. Tinha aprendido a ser homem num país aonde a
mulher vale a metade do que vale um homem... Podiam ser vendidas,
violadas ou assassinadas por se atrever a fazer muito menos do que aquela
mulher se atrevia a fazer agora.
Elizabeth Petre devia sentir medo.
—Agora, me diga de novo o que deseja. - Murmurou sedutor.
Ela não retrocedeu ante o aroma que elnaanava: brandy misturado com
perfume, suor e sexo.
—Quero que me ensine como agradar a um homem. - Repetiu serena,
elevando a cabeça para lhe olhar nos olhos.
Não media mais de um metro sessenta... Tinha que levantar muito a
vista.
A senhora Elizabeth Petre tinha a pele muito branca, o tipo de brancura
estimável que num leilão árabe representa a escravidão para uma mulher.
Não era jovem. Ramiel julgou que devia ter mais de trinta. Mostrava ligeiras

7

rugas nos extremos de seus pálidos olhos cor avelã. O rosto que se elevava
para ele era mais redondo que oval, o nariz mais arrebitado que aquilino e
seus lábios muito magros. Tinha as pupilas dilatadas, mas, além disso, sua
face não refletia nem rastro do temor que certamente estava sentindo.
Maldita seja! Por que não o demonstrava? Um músculo se moveu
nervosamentna seu queixo.
— E o que lhe faz acreditar que sou capaz de lhe ensinar semelhante proeza,
senhora Petre?
—Porque você é o... —Vacilou um instante ante seu apelido, Sheik Bastardo.
Podia ser o bastante atrevida para tentar chantageá-lo em troca de sexo, mas
não o suficiente para lhe chamar bastardo.
—Porque você é o único homem que... —Nem sequer era capaz de terminar a
frase, que ele era o único homem na Inglaterra famoso por ter recebido um
harém ao cumprir os treze anos.

Levantou ainda mais o queixo.
—Porque ouvi por acaso uma... Uma mulher dizer que se os maridos
estivessem dotados só com a metade de suas habilidades, não haveria uma só
mulher infiel em toda a Inglaterra.

A brutalidade de Ramiel estalou num mordaz sarcasmo.
—Então me envie a seu marido, senhora e o instruirei para que você possa
lhe ser fiel.

Os lábios de Elizabeth Petre se endureceram, contraindo pela
inquietação... O temor ou a ira.
—Vejo que não me deixará conservar nem sequer um pouco de orgulho.
Muito bem. Amo a meu marido. Não é ele quem necessita de adestramento
para evitar que eu me extravie, mas justamente o contrário. Não desejo me
deitar com você, senhor. Só quero que me ensine como agradar meu marido
para que ele se deite comigo.

Todo o calor do corpo de Ramiel se dissipou.
— Você não deseja se sujar com as mãos de um árabe, senhora Petre? —
Perguntou suave e perigosamente.
—Eu não desejo ser infiel a meu marido, —respondeu sem alterar.

Ramiel se encheu com uma reticente admiração. A Elizabeth Petre não
faltava valor.

Havia rumores de que o ministro da Economia e Fazenda tinha uma
amante.

8

Edward Petre era um plebeu. Se pertencesse à classe dos aristocratas, a
sociedade não estaria interessada em suas relações extraconjugais, mas seus
eleitores eram de classe média e exigiam que seus representantes políticos
fossem tão irrepreensíveis moralmente como era sua rainha.

Sem dúvida, Elizabeth Petre estava mais preocupada com a possível
ruína da carreira de seu marido que por perder seus cuidados no dormitório.
—As mulheres que amam seus maridos não pedem a desconhecidos que lhes
ensinem como agradar um homem. - Disse cortante.
—Não, quão covardes amam seus maridos não pedem a pessoas
desconhecidas que lhes ensinem como agradar um homem. As covardes
dormem sozinhas, noite após noite. As covardes aceitam o fato de que seus
maridos encontrem prazer com outra. As covardes não fazem nada, não assim
as mulheres.

A palavra covarde retumbou no repentino silêncio.
Uma respiração, em intervalos breves e rápidos enfraqueceu o rosto de
Ramiel... O fôlego da mulher. Um hálito semelhante, com pausas mais largas,
misturou com o dela no ar frio do inverno... Seu próprio fôlego era
impossível saber. A mulher tinha o rosto de uma esfinge.
Elizabeth Petre piscou rapidamente.
Durante um instante eterno, Ramiel pensou que tinha pestanejado num
áspero intento de paquerar, mas logo viu o brilho das lágrimas, que
formavam um filme sobre seus olhos.
—Resisto a ser uma pessoa covarde. —Ergueu os ombros. O movimento
provocou que as barbatanas de um espartilho muito apertado rangessem. -
Por isso, uma vez mais, rogo-lhe que me ensine como agradar um homem.
O sangue golpeou as têmporas de Ramiel.
De algum jeito, as mulheres árabes e as inglesas se pareciam.
A mulher árabe usa véu, a inglesa, espartilho. Uma esposa árabe aceita às
concubinas de seu marido com resignação. Uma esposa inglesa aceita às
amantes de seu marido ignorando-as.
Em nenhuma das duas culturas, uma mulher pactua descaradamente
instrução sexual com outro homem para assegurar as cuidados de seu marido.
Ramiel notou um aroma desagradável que provinha da capa de
Elizabeth. Tinham lavado a lã recentemente.
As mulheres vinham a ele envoltas em perfumes. Nenhuma lhe tinha
aproximado jamais cheirando a benzeno.

9

Ramiel se perguntou de que cor seria seu cabelo... E qual seria sua
reação se estirasse a mão e lhe tirasse da cabeça o horrível chapéu negro que
o ocultava. Deu um passo atrás com brutalidade.
— E como poderia lhe ensinar a dar prazer a seu marido se eu mesmo não me
deitar com você, senhora Petre? —Espetou-lhe.

Os olhos dela permaneceram imperturbáveis, indiferentes à curiosidade
sexual que se apoderava do corpo de Ramiel.
—As mulheres que vivem nos haréns, aprendem a agradar a um homem indo
para cama com outro?

Por um segundo, Ramiel se transladou para a Arábia, quando tinha doze
anos. Uma concubina de loiros cabelos, a favorita de um visir, havia sentido a
curiosidade de provar o filho infiel, ainda sem circuncidar, do Sheik. Ramiel,
preso entre o sonho e os seios perfumados de ópio, tinha pensado que era
uma hurí, um anjo muçulmano enviado para fazê-lo desfrutar do paraíso.

A concubina tinha sido lapidada no dia seguinte.
—Uma mulher árabe seria condenada a morte se o fizesse. - Disse Ramiel,
rotundamente.
—Mas você esteve com essas mulheres...
—Estive com muitas mulheres...

Ela ignorou sua brutalidade.
—Portanto, se for possível que uma mulher árabe aprenda a agradar a um
homem sem contar com a experiência pessoal, não vejo motivo pelo qual
você, um homem que se beneficiou dessa preparação, não possa por sua vez
instruir uma mulher inglesa.

Muitas mulheres inglesas lhe tinham pedido a Ramiel que mostrasse as
técnicas sexuais que os homens árabes usavam para agradar uma mulher.
Mas nenhuma lhe tinha pedido jamais que lhe ensinasse as técnicas sexuais
que as mulheres árabes empregavam para agradar um homem.

Foram os efeitos dos fortes licores consumidos misturados com uma
noite de sexo intenso, que provocaram a seguinte pergunta de Ramiel. Ou
talvez foi a mesma Elizabeth Petre. E perceber uma pontada de dor ante o
que nenhuma mulher, nem oriental nem ocidental, arriscaria por ele como o
que aquela confrontava por seu marido. Punha em jogo sua reputação e seu
matrimônio para aprender A agradar sexualmente um homem para que não
tivesse que recorrer a uma amante.

10

O que faria falta para que uma mulher como ela, uma mulher
respeitável, queria um homem como ele, nascido na Inglaterra e acolhido na
Arábia, e que agora não pertencia a nenhum dos dois lugares?
Como seria ter uma mulher disposta a fazer tudo para obter meu amor?
—Se eu me fizesse cargo de sua instrução, senhora Petre, o que é o que
queria aprender?
—Tudo o que possa me ensinar.

Aquele tudo vibrou no frio ar matinal.
O olhar de Ramiel se cravou na sua.
—Entretanto, você disse que não tem nenhum desejo de ir para a cama
comigo. - Disse com dureza.
O rosto de Elizabeth permaneceu impassível. Era o rosto de uma mulher
que não está interessada na paixão de um homem, nem na sua própria.
—Estou segura de que você possui suficiente conhecimento para ambos.
—Sem dúvida. Mas meu conhecimento se centra nas mulheres. —De
repente, sua inocência lhe repugnou. - Não tenho por costume seduzir os
homens.
—Mas as mulheres... Flertam com você, não é assim? —Insistiu ela.
O corpo nu da marquesa tinha brilhado suarento enquanto dançava ao
ritmo de seu desejo. Não possuíra nenhuma delicadeza... Nem fora nem
dentro da cama.
—As debutantes flertam. As mulheres com as quais me deito não são virgens.
- Examinou com insolência a volumosa capa negra de Elizabeth Petre, que
não deixava entrever nem o vigor dos seios, nem a curva dos quadris para
seduzir um homem. - São mulheres experimentadas que sabem o que querem.
—E me diga se for tão amável, o que é o que querem?
—Prazer, senhora Petre. —Foi intencionalmente comum e grosseiro. -
Querem o prazer de uma mulher - E você acredita que como sou maior que
essas mulheres e meu corpo não é tão perfeito como o seu...
- Acredita que eu não desejo também prazer, Lorde Safyre?
O olhar de Ramiel se encontrou com a dela.
Uma corrente elétrica de desejo puro e inocente percorreu subitamente
seu corpo.

Emanava de Elizabeth Petre.
Desejos sensuais, desejos sexuais...

E seu rosto continuava sendo uma máscara sem expressão.

11

Uma mulher virtuosa não devia buscar um homem para aprender a
agradar a seu marido.

Uma mulher virtuosa não devia admitir que desejava satisfação física
em seu matrimônio.

Quem era Elizabeth Petre para se atrever a fazer o que outras mulheres
nem sequer sonhavam?
—Um homem é algo mais que uma série de alavancas e molas que devem
ficar em funcionamento para receber satisfação. - Exortou Ramiel de forma
brusca, profundamente consciente da fria perfeição daquela pálida pele
feminina e do sangue quente que palpitava entre suas pernas. - O gozo de um
homem depende da habilidade de uma mulher para receber prazer. Se você
desejar este último, ele obterá o primeiro.

Elizabeth ficou rígida e seu espartilho rangeu de novo de modo
revelador. A ira apareceu em seus olhos... Ou possivelmente fora o reflexo da
luz do abajur que se encontrava sobre ambos.
—Tenho dois filhos, senhor. Sou plenamente consciente de que um homem
não é feito de alavancas e molas. Além disso, se a satisfação de meu marido
dependesse do desejo de uma mulher, então não teria abandonado meu leito.
Por último, Lorde Safyre, me ensinará você, como agradar um homem ou
não?

O corpo de Ramiel adquiriu uma certa tensão.
Elizabeth Petre lhe estava oferecendo a suprema fantasia, a qual aspira
um homem. Uma mulher a quem podia ensinar todos os atos sexuais que
sempre tinha sonhado que uma mulher fizesse... Com ele... A ele.
—Pagarei-lhe. - Ofereceu ela, torpemente.
Ramiel a examinou cuidadosamente, tentando ver além daquela
máscara sem emoção que era seu rosto.
— Como me pagará, senhora Petre?

Não restava dúvida da grosseira sugestão.
—Com moeda inglesa.

Nem tampouco podia haver engano na ingenuidade deliberada que ela
tinha empregado.

Ramiel dirigiu um resolvido olhar pela biblioteca, para as prateleiras
que iam do teto ao chão transbordantes de livros encadernados em couro, aos
custosos painéis revestidos de seda distribuídos nas três paredes restantes, ao
aparador com incrustações de madrepérola, a lareira de mogno esculpida,
verdadeira obra de arte da marcenaria inglesa.

12

—Esta é uma das vantagens de que meu pai seja um Sheik. Não necessito seu
dinheiro. - Replicou com desinteresse fingido, perguntando de uma vez até
onde chegaria ela em sua busca de conhecimento sexual, e até onde elna sua
busca de esquecimento. - E Para falar a verdade, nem o dinheiro de ninguém.

O olhar da mulher não vacilou frente à sua.
Ela podia lhe chantagear... Mas não suplicaria.
— Sabe o que me está pedindo, senhora Petre? —Perguntou-lhe
brandamente.
—Sim.
A ignorância brilhou em seus claros olhos cor avelã.
Elizabeth Petre pensava que uma mulher como ela, uma mulher maior e
sem o corpo «perfeito», uma mulher com dois filhos, casada respeitosamente,
não podia apresentar atrativo algum para um homem como ele. Não
compreendia que a curiosidade de um homem pudesse converter numa força
motriz ou que o desejo de uma mulher pudesse provocar uma atração
poderosa.
Ramiel conhecia estas coisas muito bem. E também sabia que o desejo
mútuo podia unir um homem e uma mulher de maneira mais forte que os
votos pronunciados numa igreja ou numa mesquita. Um opaco resplendor
ambarino penetrou pelos cristais. Em algum lugar sobre a neblina amarelada
que anunciava outra manhã londrina brilhava o sol e o começo de um novo
dia.
Girando bruscamente, Ramiel cruzou o tapete e estirou o braço para
pegar de uma das prateleiras, um pequeno volume forrado em couro. ““ O
Jardim Perfumado”, do Sheik Mohamed ao Nefzawi”.
Em árabe se titulava “Ao Rawd ao atir fi nuzhat ao khatir”, “ O Jardim
Perfumado” para o deleite da alma. Tinha sido traduzido mais popularmente
como “ O Jardim Perfumado” para a pulverização da alma.
Ramiel o tinha memorizado e repetido tantas vezes como os meninos na
Inglaterra faziam com as gramáticas grega e latina. Embora a gramática
preparava os meninos ingleses para ler os autores gregos e latinos, “ O Jardim
Perfumado” tinha proporcionado A Ramiel os conhecimentos suficientes para
satisfazer a uma mulher.
Também brindava excelentes conselhos para as mulheres que queriam
aprender agradar um homem.
Sem deter reconsiderar aquele ato, voltou-se para a janela e lhe ofereceu
o livro.

13

—Amanhã pela manhã, senhora Petre. Esteja aqui. Em minha biblioteca. —
Mohamed havia dito que tinha chegado Às...— As cinco em ponto.

Uma pequena e magra mão embainhada numa luva de couro negro
surgiram entre as pesadas dobras de sua capa de lã. Os delicados dedos
aferraram com firmeza o livro.
—Não compreendo.
—Você deseja que eu a instrua, madame; portanto, o farei. As aulas
começam amanhã pela manhã. Este será seu livro de texto. Leia a introdução
e o primeiro capítulo.

Elizabeth baixou a cabeça. O véu dobrado para cima mantinha seu rosto
em sombra, ocultando sua expressão.
—” O Jardim Perfumado”, do... — Desistiu de tentar pronunciar o resto do
título. - Sheik Nefzawi. - Suponho que não é um livro sobre o cultivo das
flores.

Os lábios de Ramiel se contraíram numa divertida careta.
—Não, senhora Petre, é evidente que não.
—Certamente, tampouco é imprescindível começar as aulas tão logo.
Necessitarei de tempo para assimilar o que li...

Ramiel não queria lhe dar tempo para assimilar.
Queria impressioná-la.

Queria excitá-la.
Queria lhe arrancar aquela aborrecida capa negra e sua fria reserva
inglesa e encontrar a mulher que havia sob ela.
—Você me pediu que a instruísse, senhora Petre. Se tiver que fazê-lo, deve
seguir minhas indicações. Sem contar com o prefácio e a introdução, há vinte
e um capítulos n” O Jardim Perfumado”. Amanhã veremos a introdução e o
primeiro capítulo. Depois de amanhã discutiremos o segundo e assim
sucessivamente, até que termine sua instrução. Se precisar de mais tempo
para refletir sobre suas lições, terá que procurar outro tutor.
A batida distante de uma porta no apartamento de cobertura ressoou
através das paredes, como se tivesse divulgado no momento justo, seguiu-lhe
um estrepitoso som de metal, uma frigideira colocada com força sobre a
cozinha de ferro enquanto o cozinheiro preparava o café da manhã para os
serventes que já se levantaram.
O livro e sua mão enluvada desapareceram dentro da negra capa de lã.
O espartilho rangeu perceptivelmente pelo brusco movimento.
—As cinco é muito tarde. Teremos que começar às quatro e meia.

14

Importava-lhe pouco a hora em que se levassem a cabo as aulas, seu único
interesse era ver quanto aprenderia uma mulher como ela de um homem
como ele.
—Como você deseje.

Seu pescoço era magro como a mão. Os sapatos que apareciam por
debaixo de sua protetora capa eram estreitos.
O que desejava encerrar tão estreitamente dentro dos limites daquele
espartilho, a pele... Ou o desejo?
—Toda escola tem suas regras, senhora Petre. A regra número um é a
seguinte: não usará espartilho enquanto estiver em minha casa.

Sua fina pele branca se voltou de uma cor vermelha carmesim.
Ramiel se perguntou se adquiriria essa mesma cor acesa quando se
excitava sexualmente.
Perguntou se alguma vez seu marido a tinha excitado sexualmente.
Elizabeth girou com força a cabeça para trás.
—O que eu use ou não use, Lorde Safyre, não lhe incumbe...
—Pelo contrário, senhora Petre. Você me procurou para lhe ensinar o que dá
prazer a um homem. Portanto, o que você usa me incumbe se for em
detrimento da consecução desse objetivo. Asseguro-lhe, um ruidoso
espartilho não causa prazer a um homem.
—Talvez não a um homem de sua natureza...
A boca de Ramiel se endureceu involuntariamente.
Infiel. Bastardo. Não havia nome que não lhe tivessem chamado, em
árabe ou em inglês. Sentia estranhamente desiludido ao comprovar que ela
tinha os mesmos prejuízos que outros.
—Já comprovará, senhora Petre, que quando se trata do prazer sexual, todos
os homens são de uma certa natureza.
Jogou para trás o queixo num gesto que cada vez se fazia mais familiar.
—Não tolerarei nenhum tipo de contato físico com você.
Ramiel sorriu cinicamente. Havia coisas que afetavam uma pessoa
muito mais que o simples contato.
Palavras.
A morte.
Dabid...
—Como você queira. —Inclinou fugazmente a cabeça e os ombros numa
pequena reverência. - Lhe dou minha palavra como homem do Ocidente e do
Oriente que não tocarei seu corpo.

15

Embora parecesse impossível Elizabeth ficou ainda mais rígida.
Acompanhou-lhe o ranger de seu espartilho.
—Estou segura de que você compreenderá que nossas aulas devem ser
mantidas no mais estrito secreto...

Ramiel pensou na ironia da formalidade inglesa. Ela o tinha
chantageado e, entretanto, pretendia que ele se comportasse como um
cavalheiro e fosse reservado com aquela indiscrição.
—Os árabes têm uma palavra para um homem que fala do que acontece na
intimidade entre ele e uma mulher. Chamam-no siba, está proibido.
Asseguro-lhe quna nenhum caso a comprometerei.

Ela apertou sua boca com o controle do que os ingleses usavam em
momentos difíceis. Era evidente que não confiava no conceito de honra
árabe.
—Que você tenha um bom dia, Lorde Safyre.

Ramiel inclinou a cabeça.
—MA’A e-salemma, senhora Petre. Estou seguro de que conhece o caminho
de saída.

A partida de Elizabeth Petre foi patente por um movimento áspero de lã
e o clique seco da porta da biblioteca, que se abriu e logo se fechou. Ramiel
observou com atenção a neblina amarela que se formava no exterior e se
perguntou como tinha chegado até sua casa. Um carro de aluguel? Sua
própria carruagem?

Imaginava que teria sido um carro de aluguel. A mulher se dava conta
perfeitamente do perigo que corria se tirasse o chapéu a relação entre ambos.
.

O estômago de Ramiel se contraiu de raiva.
O filho.
Ele era o Sheik Bastardo. Ele era Lorde Safyre. E ele era o ibn. O
filho... Que tinha falhado. Nunca mais levaria o título de Ramiel ibn Sheik
Safyre. Ramiel, filho do Sheik Safyre.
Voltou-se, com o corpo tenso como não o tinha estado nos últimos
trinta minutos.
Mohamed usava um turbante, calças folgadas e thobs, uma camisa solta
até as pantorrilhas. Estava com o Ramiel de os vinte e seis anos. Um eunuco
para proteger ao filho bastardo de um Sheik que aos doze anos não soubera
proteger. E tampouco soubera aos vinte e nove.

16

Ramiel procurou em seu casaco e encontrou ali o cartão. No ângulo
inferior direito estava impressa uma direção com uma decorativa letra.
—Siga Elizabeth Petre, Mohamed. Assegure-te de que não se meta em mais
problemas dos que já se colocou.

A expressão de Ramiel se endureceu.
Aos homens como o ministro da Economia e Fazenda que se casavam
com mulheres virtuosas para que lhes dessem filhos não lhes agradaria que
sua esposa realizasse esses mesmos atos sexuais que eles procuravam em
seus amantes.
Ramiel tinha sido banido do país de seu pai. Não tinha nenhum desejo
de sê-lo também do de sua mãe. Se sua instrução lhe conduzia problemas,
devia estar preparado.
—Quando ela estiver dentro, a salvo, vigie a casa. Siga seu marido. Quero
saber quem é sua amante, onde e quando se encontra com ela e quanto tempo
leva mantendo essa relação.

CAPÍTULO II

O ar denso da manhã envolvia o carro de aluguel, que despedia um
aroma acre, como se tratasse de um ser vivo, com um coração pulsando ao
compasso do de Elizabeth e respirando quando ela o fazia. Sua bolsa, aonde
tinha metido o livro depois de deixar a casa do Sheik Bastardo, pressionava a
parte interior de suas coxas. No exterior da suja janela do carro se moviam
figuras esfumadas na neblina que começava a se dissipar. Os vendedores
apregoavam suas mercadorias e os serventes regateavam os preços como se
ela não tivesse passado os trinta minutos mais longos de sua vida tratando de
convencer ao sedutor mais famoso da Inglaterra para que lhe ensinasse como
lhe agradar sexualmente um homem.

A voz do Sheik Bastardo ainda ressonava zombeteira, um sussurro de
cortesia inglesa com um tom áspero.
— Sabe o que me está pedindo, senhora Petre?

Sim.

17

Mentirosa, mentirosa, mentirosa, chiavam as rodas da carruagem. Uma
mulher como ela desconhecia por completo o preço que um homem como ele
podia exigir pelo conhecimento carnal.

A ira invadiu Elizabeth como um fluxo ardente;
Como se atrevia a lhe dizer que a satisfação de um homem radicava na
habilidade feminina de receber prazer, como se fosse culpa dela que seu
marido tivesse uma amante?
Ainda sentia no nariz o aroma da fragrância dele! 0 Perfume de mulher,
indubitavelmente.
Era como se ele se impregnou daquela fragrância.
Não, era como se ele se impregnou da mulher que o tinha usado.
Cheirava como se tivesse esfregado cada centímetro de seu corpo contra
cada centímetro daquele corpo feminino.
Elizabeth fechou os olhos ante aquela imagem involuntária da pele
cítrica pressionando para baixo, ao redor e dentro do corpo pálido de uma
mulher.
Luzes azuis e verdes cintilaram atrás de suas pálpebras
Não, as luzes não eram nem azuis nem verdes. Eram turquesas. Da
mesma cor que os olhos do Sheik Bastardo.
Seu cabelo era inglês e sua pele árabe, mas seus olhos não pertenciam
nem ao Oriente e nem ao Ocidente,
Falavam de lugares aos quais Elizabeth nunca tinha ido, de prazeres que
só tinha imaginado.
Aqueles olhos a tinham julgado como mulher e a tinham achado
imperfeita.
A roda posterior da carruagem se afundou num buraco, fazendo-a abrir
bruscamente os olhos. Cruzou os braços enquanto cravava o olhar no couro
gasto do assento.
As mulheres como ela, mais velhas e com defeitos, não eram escolhidas
por homens como o Sheik Bastardo, mas também tinham direito a sentir
prazer e ela não ia se amedrontar porque a fizesse precaver de cada segundo
de sua idade ou de cada imperfeição de seu corpo.
Durante dezessete anos tinha sido uma filha obediente submetendo-se a
vontade de seus pais. Durante outros dezesseis anos tinha sido uma esposa
dócil, reprimindo seus desejos para não provocar o rechaço de seu marido.
O Sheik Bastardo havia dito que o livro com que planejava instruí-la
tinha vinte e um capítulos.

18

Podia suportar aqueles olhos turquesas, zombeteiros e cúmplices
durante três semanas.

Podia suportar tudo como aprender aquilo que precisava saber.
O carro de aluguel se deteve com brutalidade.
Elizabeth demorou alguns segundos em dar conta de que tinha chegado
a seu destino e que não estava de novo detida no meio do tráfico. Empregou
vários segundos mais em localizar o cabo da porta e abrir de um puxão.
As esquinas da rua pareciam estranhas através do véu, negro, como se
tivessem trocado de algum jeito escura, mas evidente nas duas últimas horas.
Uma transformação que não se podia explicar pelo simples passado da
alvorada obscura a claridade do dia.
—É um xelim e dois penes, madame.
Olhou fixamente ao chofer.
Era um esqueleto de homem, consumido pela falta de alimento e pelas
quatorze horas diárias de trabalho. Um halo de luz rodeava sua cabeça, o sol
da manhã aparecendo través das nuvens de fumaça e neblina suspensas
no céu, que rodeavam Londres em novembro, dezembro e janeiro, mas que
esse ano se prolongaram até o mês de fevereiro.
Elizabeth tinha dinheiro e saúde, contava com um marido distinto e dois
filhos. Por que não podia estar contente com o que tinha?
Colocou a mão nele bolsa, agarrou uma moeda e a lançou.
—Fique com o trôco.
O chofer o colheu com destreza e se levantou o chapéu:
—Obrigado, madame. Necessitará o carro outra vez?
Ainda não era muito tarde, sussurrou Elizabeth. Podia lhe pagar ao
chofer agora para devolver o livro ao Sheik Bastardo e não seria necessário
que tivesse mais contato com ele.
Mas não era a mesma mulher da semana passada. Nem voltaria a ser
nunca.
Seu marido se pavoneou abertamente de sua amantna público. Enquanto
satisfazia seus apetites em outro lugar, ela tinha reprimido suas necessidades
físicas acreditando que a felicidade conjugal se achava na família, não na
carne.
Seu matrimônio havia estado apoiado em mentiras.
—Hoje não, obrigado. Mas sim necessitarei de um, manhã pela manhã. As
quatro em ponto.

19

Um sorriso de orelha a orelha apagou momentaneamente as linhas de
cansaço cinzeladas no rosto do chofer e revelou a juventude que lhe pertencia
por sua idade, embora não por sua experiência. Estalou os dedos para o
cavalo.
—Aqui estarei, madame.

Elizabeth contemplou como o carro se perdia rapidamentna meio à
torrente matinal de cavalos, carruagens e retalhos amarelados de neblina.

Não tinha calculado ter que esperar uma hora que o Sheik Bastardo
voltasse para sua casa depois de sua farra noturna. Agora teria que procurar
alguma desculpa para explicar sua volta, numa hora em que normalmente
deveria estar na cama.

Um súbito estremecimento provocou que sua pele formigasse.
Alguém a estava observando.
Voltou-se enquanto sentia que o estômago lhe revolvia.
Não havia ninguém na calçada.
— Arenque A meio pene! Arenque fresco! Compre o seu para o café da
manhã! Arenque A meio pene!
Ao outro lado da rua, na calçada dna frente, um jovem empurrava um
carrinho de mão, vozeando sua mercadoria. Perto dali, apoiado contra um
edifício de tijolo, havia uma escura figura...
Um grupo de cavalos obstaculizou sua visão. O vapor emanava de seus
corpos. Atiravam de uma carreta em que se amontoavam barris. Uma vez que
teve passado, Elizabeth observou que o vendedor de pescado se deteve. A
parte posterior de uma capa negra se inclinava sobre seu carrinho de mão.
Uma mulher, sem dúvida uma criada, que comprava arenque fresco
para o café da manhã.
O temor se misturou com o alívio. Ninguém sabia de sua reunião com o
Sheik Bastardo.
Desta vez.
Depois de caminhar três ruas até sua casa, ficou empapada de um suor
fétido.
E ainda podia cheirar o perfume.
Sigilosamente, abriu com a chave a porta de entrada e, ao empurrá-la,
Elizabeth surpreendeu ao mordomo no instantna que vestia a jaqueta.
O coração lhe acelerou.
Quando o mordomo árabe lhe tinha negado a entrada, Elizabeth lhe
tinha dado seu cartão para intimidá-lo com o poder político de sua família.

20

Sem dúvida, o criado havia entregado o cartão a seu amo. E certamente
seguiria estando em seu poder. Com o canto dobrado para baixo, que
indicava que ela o tinha visitado pessoalmente.
O Sheik Bastardo havia dito que toda escola tem suas regras. Sua primeira
regra era que não poderia usar espartilho em sua casa.

Elizabeth tinha empregado a intimidação para obter uma audiência
com ele. Por que não teria que usar ele a coação para humilhá-la?
—Ouça, que diabos está fazendo?

Elizabeth jogou atrás seu véu justo quando um par de grandes mãos
sardentas a agarrou para arrojá-la à rua.

O mordomo ficou petrificado e sua jaqueta negra se inclinou.
— Senhora Petre!
—Bom dia, Beadles. —Nunca tinha visto seu mordomo sem as luvas postas.
A visão daquelas mãos cheias de sardas invadiu sua mente, enquanto
procurava uma apressada explicação. - É um dia formoso. Pensei que uma
caminhada melhoraria meu apetite. Já serviu o café da manhã ao senhor
Petre?

Beadles ajustou a jaqueta rapidamente. Sua expressão malévola mudou
instantaneamente, a outra de deferência.
—Certamente que não, senhora. —De repente, dando conta de que não tinha
as luvas, escondeu bruscamente as mãos nas costas. - Deveria ter chamado
um lacaio. Não é seguro para uma mulher andar sozinha pela rua nestas horas
da madrugada.

Elizabeth se sentiu levemente divertida ante a rapidez com que tinha
assumido o perfeito acento de um cavalheiro quando só alguns segundos
antes tinha usado o dialeto.
—Não era necessário, Beadles. Foi um passeio curto.

Sob a volumosa capa de lã apertou com força sua bolsa enquanto
avançava com calma, como se fosse o mais normal do mundo que a senhora
da casa saísse a caminhar antes que seus criados se levantassem.
—Por favor, mande chamar Emma. Preciso me trocar para... —O que? A
cama? — O café da manhã.

Beadles tinha muita dignidade para fazer comentários sobre o estranho
comportamento de sua senhora. A parte superior de sua calva cabeça
resplandecia sob o débil raio de luz que tinha seguido os passos dela.

Elizabeth mordeu o lábio para conter uma risada histérica.
Era tudo tão comum... Tão normal.

21

Quem poderia suspeitar jamais que a senhora Elizabeth Ann Petre, filha
do primeiro-ministro e esposa do ministro da Economia e Fazenda, tinha
empregado a intimidação para entrar na casa do Sheik Bastardo a fim de
convencê-lo que a ensinasse a dar prazer a um homem?

Talvez despertasse para dar conta de que tudo tinha sido um sonho e de
que seu marido era exatamente o que sempre tinha pensado. Um homem que
se sentia mais cômodo com a política que com as mulheres.

Talvez despertasse para encontrar que os desagradáveis rumores de que
tinha uma amante eram falsos.

De repente, seu plano para ser adestrada pelo Sheik Bastardo, idéia que
antes lhe tinha parecido audaz e atrevida, se convertesse num pouco
simplesmente vulgar.

Tinha falado de seu próprio matrimônio com outro homem. Um homem
que lhe havia dito coisas que um cavalheiro jamais diria ante uma dama.
Palavras vulgares como «deitar» com uma mulher.
Elizabeth tinha falado de temas napregado palavras que nenhuma dama
pronunciaria jamais. Tratou de caminhar devagar, evitando subir as escadas
correndo. Precisava ver seu marido.

Necessitava que lhe assegurasse que ainda era uma mulher virtuosa e
respeitável.

Seu dormitório era contíguo ao dele. Só daria uma olhada para ver se
ele estava acordado. Então teriam a conversa que deveriam ter tido há anos se
não fora pela falta de coragem dela.

Com o coração pulsando fortemente, abriu cuidadosamente a porta de
Edward. O dormitório estava vazio. Os lençóis engomados de linho e a
colcha de veludo verde escuro estavam dobrados pulcramente. Era evidente
que não havia dormindo em sua cama. As lágrimas lhe queimaram as
pálpebras.

Fechou a porta cuidadosamente, temendo soltar as lágrimas que ao
longo da última semana ameaçavam continuamente aparecer e ao se voltar...
Quase morre de um enfarte. Uma mulher singela, de rosto redondo, sorriu-lhe
enigmaticamente do outro lado da cama intacta de Elizabeth.
—Levantou cedo esta manhã, senhora Petre. Trouxe-lhe uma jarra de
chocolate. Apesar de que já passou o pior do inverno, ainda faz bastante frio.

Elizabeth respirou fundo para reprimir o grito que lutava por sair. —
Obrigado, Emma. Foi muito amável por sua parte.
—O decano chamou ao telefone. O jovem Phillip fez outra das suas.

22

Um sorriso iluminou os olhos de Elizabeth ao ouvir o nome de seu filho
caçula, agora em seu segundo trimestrna Eton. Aos onze anos, Phillip era
audaz e preparado e ela o adorava. Não importava que não tivesse herdado as
habilidades intelectuais de seu pai ou de seu avô. Tinha o dom da risada. E
todo isso, misturado com uma travessa inclinação para a aventura, tinha dado
várias oportunidades para Elizabeth conhecer melhor o decano durante
aqueles últimos meses.

Emma depositou a bandeja de prata sobre a mesinha de noite e arrumou
seu conteúdo até ficar satisfeita.
—O decano falou com o secretário do senhor Petre.

Com atitude indiferente, Elizabeth cruzou o escuro tapete de lã azul tão
inglesa comparada com o vistoso tapete oriental que cobria o chão da
biblioteca do Sheik Bastardo, até sua escrivaninha.
—Está bem. Suponho que o senhor Petre já saiu para alguma de suas
reuniões.

Ao ruído surdo do líquido vertido na xícara lhe seguiu o aroma doce do
chocolate.
—Não saberia lhe dizer, senhora.

Quantas mentiras! Pensou Elizabeth de maneira sombria enquanto
deslizava a bolsa com o livro proibido sob a escrivaninha.
Emma sabia perfeitamente que o senhor Petre não tinha dormindo em sua
cama. E sem dúvidas, também sabiam o resto dos criados.

Durante quanto tempo a tinham protegido do fato de que seu marido
preferia o leito de outra mulher? Tirou a capa e o chapéu e os jogou sobre a
cadeira de respaldo alto. Seguiram-lhe as luvas negras.

Em silêncio, aceitou a delicada xícara de porcelana chinesa decorada
com rosas, que Emma lhe oferecia. Incapaz de enfrentar os olhos da criada
dirigiu-se a janela para olhar para fora. A pálida e amarelada luz do sol
brilhava sobre o jardim de rosas, nodoso e sem vida. A palha seca cobria a
terra erma para proteger as raízes escondidas, algo pouco atrativo, mas
efetivo.

A voz do Sheik Bastardo dançava e resplandecia dentro de sua cabeça.
“ Já comprovará, senhora Petre, que quando se trata do prazer sexual,
todos os homens são de uma certa natureza”. Quantas vezes havia pensado
que seu marido se levantava cedo para atender seus compromissos
parlamentares, quando na realidade nem sequer tinha voltado para casa?

23

Apoiou sua testa sobre o frio vidro. A fumaça quente subia da xícara em
embaçava a janela. Hoje era segunda-feira. Segundo sua agenda, Elizabeth
devia visitar um hospital as dez horas e as doze fazer-se de anfitriã num
almoço beneficente. Precisava preparar sua indumentária e um breve
discurso, mas só podia pensar no quarto vazio ao lado do seu.

O que aconteceria se não fosse seu desconhecimento em matéria sexual
que tinha afastade Edward? E se fosse... Ela? Seu corpo, sua personalidade e
sua carência absoluta de carisma político que não tinha conseguido herdar de
sua mãe ou de seu pai?
Um pardal desapareceu como uma flecha no céu. Levava em seu pico uma
parte de feno para acrescentar ao seu ninho. De repente, Elizabeth soube o
que necessitava.

Precisava se rodear do amor sem complicações de um menino.
Ou talvez precisava estar segura de que seu encontro clandestino com o Sheik
Bastardo não tivesse abaciado de algum jeito a relação com seus filhos.

Elizabeth deu as costas ao desolado jardim de rosas.
—Diga ao secretário do senhor Petre que envie uma nota a Organização de
Caridade das Boas Mulheres. Que escreva que não poderei assistir a
inauguração do hospital nem fazer o discurso do almoço, por causa de uma
emergência imprevista.
—Muito bem, madame.

Um vigor renovado fluiu pelas veias de Elizabeth. Ser uma esposa
desejável talvez estivesse além de suas capacidades, mas ser uma boa mãe,
não.

Dirigiu a Emma um sorriso enigmático.
—Diga também a cozinheira que prepare um piquenique para meus dois
famintos filhos. Logo mande chamar uma carruagem para que me leve à
estação de trem. Irei passar o dia com eles.

Um perfume suave e fugaz atormentou seu nariz.
O perfume.
—Mas primeiro quero que me prepare um banho, por favor.

****

— Desejaria tomar um refrigerante, senhora Petre?
O decano observou com determinação o ornamentado relógio de bolso

de ouro. Seus bigodes, cuidadosamente recortados e prateados pela idade, se

24

retorceram. Não gostava de tratar assuntos com uma simples mulher, embora
fosse a mãe de dois de seus alunos. Especialmente quando chegava de
improviso e sem marcar uma entrevista prévia.

Elizabeth sorriu, negando a se sentir intimidada pelos intentos evidentes
daquele ancião, de fazer justamente isso. Depois de enfrentar o Sheik
Bastardo não acreditava que nenhum homem pudesse voltar a incomodá-la
alguma vez.
—Não, obrigado, decano Whitaker. O que fez meu filho agora?
—O jovem Phillip atacou um estudante no café desta manhã. - O decano
deslizou seu relógio novamente para o bolso e lhe cravou um olhar sob suas
povoadas sobrancelhas brancas.
—Teve que ser seguro fisicamente.
— E o que fez o outro estudante para provocá-lo? — Perguntou ela
bruscamente com seus instintos maternais a flor de pele.
—O jovem Phillip assegura que o jovem Bernard é um whig, madame e
como tal é uma vergonha a sua consciência social.

Elizabeth se sentia dividida entre a risada e o temor. Por um lado,
Phillip jamais tinha demonstrado nenhum interesse pela política. E por outro,
nunca antes se envolvera numa discussão. Que simultaneamente tivesse
desenvolvido as duas tendências fez com que soasse um alarme dentro de sua
cabeça.
— E o que tem a dizer o jovem Bernard? — Perguntou brandamente.
—Não diz nada, madame. O aberrante desdobramento de violência de seu
filho o deixou feito um trêmulo feixe de nervos.

Elizabeth analisou a fúria do decano durante segundos longos.
Finalmente perguntou: — Em que curso, rogo-lhe que me você diga,
encontra o jovem Bernard?
—O jovem Bernard está no... Quinto curso. - O decano revelou esta
informação com reticência. Possuía boas razões.

Phillip tinha onze anos e estava no primeiro curso. Bernard no quinto.
Só lhe faltava completar um curso mais antes de se graduar.

Seu filho devia ser realmente atrevido se tinha conseguido deixar um
estudante quatro ou seis anos maior que ele feito um «trêmulo feixe de
nervos».

25

— Suspenderá Phillip, decano Whitaker? Porque se pensa em fazê-lo, devo
lhe informar de que, há algum tempo, já estive considerando tirá-lo daqui.
Harrow acredito eu, oferece um modelo mais elevado de educação que Eton.
E é obvio, que se retiro Phillip, também terei que levar Richard. Sei que só
faltam seis meses para os exames, mas de todo modo...
—Não há necessidade de se precipitar, senhora Petre. —O decano resistia a
perder não só o dinheiro, mas também o prestígio. Os dois meninos tinham
um avô e um pai muito influentes e ambos haviam estudado em Eton. - Estou
seguro de que com os recursos monetários apropriados... Depois de tudo, os
danos foram mínimos e os meninos são jovens.

Elizabeth ficou em pé.
—Por favor, entre em contato com o senhor Kinder, secretário de meu
marido. Ele se encarregará de todo o necessário para pagar os danos
causados. Agora eu gostaria de ver meus filhos.
—O jovem Phillip está de castigo e o jovem Richard está em aula. Talvez em
outra ocasião...
—Temo-me que não, decano Whitaker. — Disse ela com firmeza. - Harrow
parece cada vez mais tentador.
—Muito bem, senhora Petre.

Ele fez soar uma pequena campainha de bronze. Imediatamente, seu
secretário, um homem de média idade e com os ombros cansados, que tinha
de tímido o que o decano de agressivo, entrou na sala.
—Faça vir os irmãos Petre a sala de visitas, senhor Hayden. Senhora Petre,
por favor, me siga.

Os sapatos de ambos ressoaram sobre o corredor de madeira. Os do
decano, suaves e discretos e os dela, agudos e inoportunos.
Eton é um lugar deprimente, pensou Elizabeth. Tudo era de madeira
brilhante. Não havia nenhuma marca de dedos que pudesse fazer pensar que
centenas de meninos ocupavam suas veneradas salas-de-aula.

O decano abriu com força uma porta e deu um passo atrás para deixá-la
passar.
—Sinta-se cômoda, senhora Petre, rogo. O jovem Phillip e o jovem Richard
chegarão imediatamente.

A sala de visitas não convidava precisamente ao conforto. Tinha duas
poltronas de couro situadas frente a um rígido sofá de nogueira de oito pés,
com um respaldo dividido em três seções ovaladas. Um pequeno fogo de
carvão ardia na escura lareira de granito ao lado do sofá.

26

Elizabeth tirou a capa, o chapéu e as luvas, apoiou na beirada do sofá e

contemplou as brasas acesas. Desejava poder conservar seus dois filhos em

casa, seguros e protegidos de todo perigo.

Desejava que fora suficiente sendo mãe.

Desejava...
—Olá, mãe.

Elizabeth se virou.

Phillip estava em pé junto à porta de entrada, com seu cabelo cor

castanho escuro penteado cuidadosamente para trás. Movia-se nervoso,

trocando o peso de uma perna a outra. Tinha o olho esquerdo fechado devido

à inflamação. O olho direito brilhava com lágrimas contidas.

Elizabeth queria correr, abraçá-lo. Cobri-lo de abraços e beijos. Queria

levá-lo de Eton e de todos seus perigos. Queria lhe dar a dignidade que tão

corajosamente estava lutando por conservar.
—Olá, Phillip.
—Falaste com o decano.

Elizabeth não se incomodou em responder ao que era evidente.
— Irão me expulsar?
— Isso é o que quer?
—Não.
— Quer me dizer por que brigaste com um jovem do quinto curso? Tinha

todas as possibilidades de ganhar.

Phillip apertou os punhos.
—Bernard é um whig...
—Por favor, não insulte minha inteligência repetindo essa tolice. Além disso,

já não os chamamos de whigs, agora são liberais.

Seus ombros relaxaram.
—Já não sou um menino, mãe.
—Sei que não é, Phillip. – Ela brindou-lhe com um malicioso sorriso. - Seu

olho arroxeado o demonstra.

O moço se ergueu ainda mais ante aquelas palavras... E pareceu se
tornar ainda mais jovem do que era. —Por favor, não me peça que te diga

qual foi à causa da briga. Não quero te mentir.
—Obviamente, lhe devo perguntar isso e dado que nunca antes me mentiste,

não acredito que o faça agora.

Phillip olhou os sapatos e finalmente, balbuciou:
—Ele disse algo...

27

— A respeito de ti?
—Não.
— A respeito de Richard?

Ele elevou o queixo e olhou fixamente por cima da cabeça de sua mãe.
—Não quero lhe dizer.

Elizabeth sentiu que a invadia um repentino pressentimento. Os
meninos, apesar de sua idade, repetiam as mesmas intrigas que seus pais. Se
ela tinha ouvido por acaso rumores com respeito à relação extraconjugal de
Edward era muito provável que também seus filhos o tivessem feito.
— Disse o jovem Bernard algo a respeito de seu pai, Phillip?

Ele piscou com seu olhar ainda fixo acima da cabeça dela. Era evidente
que aquela piscada significava que estava no certo. Por que teria sido uma
esposa tão complacente? Nada disto deveria ter ocorrido, nem a seu marido,

nem a ela e nem a seus filhos.
—Phillip.

Seu filho lhe suplicou em silencio com o olhar, familiarizado com
aquele tom particular de voz.

Elizabeth sentiu que lhe rompia o coração.

Salvo pela cor de seu cabelo, Phillip era muito parecido o pai. Os
mesmos olhos castanhos e o nariz nobre... E, entretanto não havia nada de
Edward nele. Elizabeth não podia imaginar Edward com um olho arroxeado.
Nem sequer na idade de Phillip.

Deu alguns tapinhas na poltrona que havia a seu lado.
—Trouxe uma coisa para você.

O olho arroxeado a olhou com receio.
-O que?
—Uma caixa de chocolates Cadbury.

O suborno obtinha o que todo o amor do mundo não teria obtido jamais.
Phillip saltou para o cesto e se sentou aos pés de sua mãe.
—Não deve premiar a conduta violenta, mãe.

A voz em tom de recriminação não pertencia nem a um menino nem

a um homem, mas a alguém que estava entre as duas etapas da vida.
Elizabeth se voltou para seu filho maior com um prazer manifesto.

—E você não deve permitir que seu irmão se meta com meninos que têm o
dobro do seu... - Sua boca se abriu emocionada. — Richard!

Ele estava pálido. Custou-lhe reconhecer o menino que a tinha

incomodado incessantemente durante as férias, lhe pedindo uma bicicleta

28

nova. Inclusive seu cabelo negro escuro, como o de seu pai, estava murcho e

sem vida.

Elizabeth ficou em pé e lhe tocou a testa.
—Richard, você está doente?

O moço permitiu a carícia.
—Agora estou bem.
— Por que não me comunicou isso, o decano?
—Não era nada, mãe. Somente um resfriado.
— Está comendo bem?
—Mãe!
— Quer vir para casa para descansar?

Richard afastou sua mão.
—Não.
— Quer de uma caixa de doces? —Perguntou ela com aspereza.

Um sorriso ambíguo apareceu em seus lábios.
—Não me oporia a isso.
—Então, se una a nós e faremos uma festa. Ordenei a cozinheira que

preparasse uma cesta de piquenique.

Phillip já tinha invadido a cesta e descoberto em seu interior os tesouros

ocultos. Com solenidade, passou a caixa de doces a Richard.

Foi como se os dois moços estivessem selando um pacto. Entre goles de

cidra de maçã e mordidas de rosbife, um saboroso queijo de Stilton, vegetais

em vinagre e pão-doce recheados de geléia de morango, Richard alardeava

sobre seus estudos, enquanto Phillip presumia sobre seus truques para

escapar deles. A reunião chegou a seu fim muito rápido.

Elizabeth guardou os pratos e talheres na cesta e envolveu a comida

restante em dois guardanapos.
—Richard, coma. Phillip, não quero mais briga. E agora não me importa se

vai ofender sua dignidade, mas quero um abraço de cada um de vós.

Phillip, como se tivesse estado esperando a permissão durante todo esse

tempo, lançou-se para ela e pressionou o rosto em seu ventre.
—Amo você, MA.

Elizabeth se sentiu invadida por uma forte onda de superproteção.

«MA» havia sido o apelido especial que Phillip havia lhe colocado desde

pequeno. Richard era maior que Elizabeth. Surpreendeu-a abraçando-a e

afundando o rosto em seu pescoço, tal como fazia quando era pequeno. Um

fôlego quente e úmido fez cócegas sobre sua pele.

29

—Eu também, MA.
Elizabeth aspirou o aroma de sua pele profundamente. Ele cheirava a

sabão, suor e a seu próprio aroma particular. A maturidade estava afastando
Richard de seu lado, mas ainda cheirava como quando era pequeno.

Piscou para evitar que as quentes lágrimas que lhe queimavam as
pálpebras deslizassem por seu rosto.
—Seu pai e eu também os amamos. Sua declaração foi acolhida em silêncio.
Como se tivessem num acordo tácito, Richard e Phillip se separaram de seus
braços.

Elizabeth jurou ali mesmo que faria tudo para voltar a unir sua família.
A viagem em trem de volta para Londres foi um calvário longo e
penoso. O balanço monótono devia lhe ter provocado sonho, mas não foi
assim. Pensou em Edward e na sua cama vazia. Pensou em seus filhos e em
como se afastaram quando ela tinha mencionado o pai. Pensou no Sheik
Bastardo e no perfume que o envolvia. E não importava de que maneira tinha
tentado representar-lhe, mas não podia imaginar que Edward tivesse
encontrado jamais em sua amante o prazer que o Sheik Bastardo obviamente
tinha achado na dele.
O chofer estava aguardando-a na estação. Seu marido não a esperava
em casa.
Rechaçando de maneira cortês, mas firme, a insistência do criado e
depois de sua jovem para que fizesse um jantar leve, Elizabeth se preparou
para deitar. No instante que fechou a porta de seus aposentos, Elizabeth
procurou o livro em sua mesa. Cheirava a couro e tinta fresca, como se o
tivessem publicado a pouco tempo. Com muito cuidado, passou a página do
título e leu a austera letra negra sobre o fino papel branco de vitela.
““ O JARDIM PERFUMADO” DO SHEIK NEFZAWI”.
Um manual de erotismo árabe (século XVI): tradução, revisão e correção.
Cosmopoli: MDCCCLXXXVI: Para a Sociedade Kama Shastra de Londres e
Benarés e somente para distribuição privada. (Paginação: XVI + 256).
Erotismo”.
Elizabeth jamais vira semelhante palavra. A data de publicação era de
1886, mas o livro estava recém impresso. Com impaciência, passou o índice
e se deteve ao chegar à introdução. Seus olhos pareceram ir sozinhos aos
parágrafos iniciais. “Louvado seja Deus, que pôs o prazer maior do homem
nas partes naturais da mulher e destinou as partes naturais do homem para
dar o maior gozo à mulher. Não dotou às partes da mulher de nenhuma

30

sensação prazeirosa ou satisfatória até que tenham sido penetrados pelo
instrumento do macho e de igual modo, os órgãos sexuais do homem não
conhecem nem a quietude nem o descanso até não ter penetrado nos da
fêmea”.

Uma aguda pontada de desejo sacudiu violentamente suas entranhas.
Seguiu-lhe a lembrança dos zombeteiros olhos do Sheik Bastardo. E não teve
dúvida alguma de que ele aceitara ensiná-la com o único fim de humilhá-la.
Um homem como ele nunca perdoaria uma mulher que o tinha ameaçado
para entrar a força em sua casa.
Um homem como ele jamais compreenderia que uma mulher cujo cabelo
mostrava os primeiros fios prateados da idade e cujo corpo revelava as
conseqüências de duas gestações ardia com o mesmo desejo que as mulheres
jovens e bonitas liberadas do peso da virtude.

Com determinação, sentou-se e procurou pluma e papel na gaveta. Ele
não precisava saber quanto desejava ela o gozo feminino com o qual a tinha
ridicularizado. A única coisa que o Sheik Bastardo tinha que saber era que ela
desejava instrução sexual, para que seu marido ficasse satisfeito.

CAPÍTULO III

O abajur a gás do exterior brilhava como um farol. Um baixo relincho
pareceu romper a névoa matinal, do cavalo preso ao carro que a esperava no
outro lado da rua.

Com os dedos trêmulos, Elizabeth ergueu a mão para a aldrava de
bronze. Estava fria, úmida e dura. Um elemento sem adornos que se
pendurava entre as faces de um leão.

Cada fibra de seu corpo gritava que se detivesse. Uma mulher
respeitável não aparecia em público sem levar um espartilho. Uma mulher
respeitável não lia um livro erótico do século XVI. Uma mulher respeitável
não procurava instrução sexual, mas ela sim e sabia que agora nada podia
detê-la.

O golpe seco do bronze rasgou a névoa. Imediatamente, a porta se abriu
de par em par.

Elizabeth se preparou, mas não foi o hostil mordomo árabe com sua
branca túnica quem a recebeu. Uma moça de rosto recatado e vestida com

31

avental e touca, brancos. O uniforme tradicional dos criados ingleses. Ela fez-
lhe uma reverência, como se o fato de que uma mulher visitasse o Sheik
Bastardo sem acompanhante às quatro e meia da manhã fosse algo freqüente
e habitual. «E talvez fosse», pensou Elizabeth de maneira sombria, enquanto
franqueava a porta.
—Bom dia, senhora. Faz um tempo horrível, não? Milord me ordenou que a
fizesse passar diretamente. Faça o favor de me dar sua capa?

Elizabeth se aferrou à bolsa sob a grossa lã negra. Sem o suporte do
espartilho, sentia os seios pesados e grandes e os mamilos duros e
maltratados.
—Não será necessário.

Durante um segundo a jovem pareceu querer insistir, mas fazendo uma
nova reverência, murmurou:
—Muito bem, senhora. Siga-me, por favor.

As paredes de mogno do corredor tinham incrustações de madrepérola.
O brilhante abajur do teto criava um jogo de sombras e luzes com o
vigamento de madeira em concha. Peças de porcelana do tamanho de um
homem montavam guarda na parte inferior de uma escada circular. Um tapete
oriental de um vermelho e amarelo brilhantes, subia pelas escadas e
desaparecia na escuridão.

Não restava dúvida de que o Sheik Bastardo tinha ordenado que as
luzes do corredor estivessem todas acesas para que ela pudesse ver a loucura
de seu intento desesperado, por lhe intimidar vinte e quatro horas antes.

Tinha funcionado.
Que tola havia sido pensando que podia persuadir aquele homem com
dinheiro! Evidentemente, o número de suas proezas sexuais só era superado
por suas posses materiais. Se, como ela suspeitava, aquele encontro matinal
tinha surto de seu desejo de humilhá-la, seria sua primeira e única lição.
Qualquer que fosse o conhecimento que iria adquirir, este dependeria
unicamente de sua própria vontade e não se preocuparia o mínimo pela
delicadeza inglesa.
A introdução e o primeiro capítulo do “jardim perfumado” tinham
conteúdos que não compreendia e ao menos estava decidida a entendê-los.
A jovem golpeou brandamente a porta da biblioteca antes de abri-la.
A cena que aguardava Elizabeth não era a que tinha imaginado.
Esperava que a biblioteca estivesse iluminada por uma luz fria e estéril como
estava na manhã anterior. Não era assim. Vestido com uma jaqueta de tweed,

32

o Sheik Bastardo estava sentado detrás de uma enorme mesa de mogno, com
sua cabeça inclinada sobre um livro e o cabelo dourado resplandecente sob a
luz do abajur a gás. Chamas amarelas e laranjas dançavam na formosa lareira
de mogno, a sua esquerda. Uma pequena xícara fumegante descansava junto
a seu cotovelo direito. Era café e seu delicioso aroma impregnava o ar. Uma
bandeja de prata, com sua jarra também de prata, repousavam num extremo
da mesa.

Aquele aspecto tão inglês despertou um novo repico de temor dentro de
sua cabeça.

O sexo era misterioso, exótico e estrangeiro. Se ele estivesse de
vestimenta árabe, como seu criado no dia anterior, Elizabeth podia sentar
frente a ele e estudar com equanimidade da arte do amor erótico. Discutir
sobre isso com um nome que facilmente podia presidir sua mesa de jantar
deixava a satisfação sexual no terreno filosófico e o transformava no fruto
proibido de que tinha sido privada durante dezesseis anos.

A jovem pigarreou brandamente.
- Desculpe, milord. Chegou à dama. Deseja que lhe traga algo mais?

O Sheik Bastardo não ouviu a criada ou preferiu ignorá-la. Ou talvez
ignorasse Elizabeth, para demonstrar o pouco que importava a um homem
como ele.

Elizabeth se sentiu súbitamente como seu jardim de rosas, desolado e
fora de temporada. Como sem dúvida, ele planejava que ela se sentisse.

Jogou os ombros para trás... E se perguntou se as plantas se sentiriam
tão nuas e vulneráveis sem suas folhas, como ela sem seu espartilho.

Os batimentos de seu coração lhe pareceram intermináveis antes que ele
fechasse o livro bruscamente e levantasse a cabeça.
—Obrigado, Lucy. Por favor, leve a capa da senhora Petre e traga outra
xícara.

Elizabeth sentiu que lhe gelava o sangue. Vagamente percebeu que a
criada fazia uma reverência. Depois, a capa deslizou de seus ombros e a porta
da biblioteca se fechou com um estalo repentino no meio do silêncio.

O Sheik Bastardo, e sim, pensou Elizabeth à medida que a surpresa
cedia a fúria, ele era um bastardo, ficou em pé e assinalou com a mão uma
poltrona de couro vermelho colocada diante de sua escrivaninha.
—Por favor, rogo-lhe que sente, senhora Petre.

Elizabeth nunca havia se sentido tão furiosa e nem traída. Tinha
imaginado que ele ia tentar humilhá-la. Não tinha imaginado que lhe

33

mentisse. —Siba, Lorde Safyre. —Apertou os lábios para evitar que
tremessem. - Você me assegurou que um homem árabe não compromete uma
mulher.

Ramiel elevou as sobrancelhas simulando se surpreender. Dois retalhos
de marrom dourado um pouco mais escuros que o ouro leonino de seu cabelo.
— E você acredita que o tenho feito?
—Se tivesse desejado ser identificada, não teria usado um véu. Não havia
nenhuma necessidade de me chamar pelo meu nome. Os criados falam.
— E devo supor que os homens ingleses não o fazem? —Uma ligeira
brincadeira brilhava em seus olhos, como uma sombra mais escura. - Se você
não desejava que os criados ingleses a conhecessem, senhora Petre, não
deveria ter deixado um cartão a um deles.
—Seu mordomo é árabe. - Disse ela com dureza.
— Ah, sim? E o que pensa que sou eu? Árabe ou inglês?

Ela teve que exercer todo o controle de que dispunha para não lhe dizer
exatamente o que era ele.
—Seus mamilos estão duros, senhora Petre. Excita-a, a ira?

Elizabeth sentiu que o fôlego ficou preso na garganta.
De repente, ele sorriu, descobrindo dentes brancos e perfeitos.
Era um sorriso atraente, cheio de calidez e picardia.
Ela não pôde deixar de associá-lo a Phillip, seu filho caçula, que sorria
também assim quando fazia algo totalmente disparatado e desejava evitar o
castigo.
—Por favor, senhora Petre, sinta. Minha criadagem é bem escolhida para não
repetir os nomes de meus convidados. Na Arábia, os servos desrespeitosos
são açoitados ou vendidos.
—Na Inglaterra é proibido açoitar criados. – Ela replicou gélidamente. - Nem
tampouco consentimos a escravidão.
—Mas não é proibido comprar a um criado, uma passagem de ida num navio
de carga oriental. Ah, aqui está Lucy. Coloque a xícara e o pires sobre a
bandeja... Assim. Esta bem. Obrigado. Já não necessitaremos mais de seu
serviço.
Elizabeth teve que controlar seu corpo para evitar que este seguisse de
maneira independente, a criada que saia da biblioteca. Embora o Sheik
Bastardo não a tivesse traído, havia falado a palavra mamilos.
Mas o sentido comum a advertiu de que era ela quem lhe tinha pedido
que a instruísse nas maneiras de agradar um homem. Se não podia suportar

34

que ele pronunciasse uma parte da anatomia da mulher, como reagiria quando
discutissem sobre a anatomia de um cavalheiro?

Indiferente a batalha em seu interior, Ramiel serviu uma bebida
surpreendentemente negra dentro da pequena xícara, logo acrescentou o que
parecia ser um pouco de água. Ofereceu-lhe o café, apresentando-o de
maneira formal, pegando delicadamente a beirada do pires.
—Venha, senhora Petre. Sinta. A menos que tenha trocado de parecer, é
obvio.

Era como se lhe tivesse atirado a luva no colo. Aquele gesto
provocantemente correto implicava que se aquela lição fracassara e a culpa
seria única e exclusivamente dela. Era um desafio que não podia recusar.

Elizabeth se ergueu ainda mais, o qual realçou seus seios, aumentando o
atrito de seus mamilos. Lentamente, cruzou a grande distancia que os
separava pelo tapete oriental e se sentou na beirada da poltrona de couro
vermelho.

As normas da correta etiqueta, indicavam que uma mulher devia tirar as
luvas se tinha intenção de ficar mais de quinze minutos. E também que não
escondesse o rosto atrás de um véu.
Fria e metodicamente, tirou as luvas e acomodou o véu sob seu chapéu.
Fazendo equilíbrio com as luvas e a bolsa sobre o colo, estirou a mão para
alcançar o pires de porcelana, veteado de azul.
—Obrigado.

O café estava espesso, tão doce e tão forte que quase a deixou sem
respiração. Além disso, estava fervendo.

Ofegando, pousou rapidamente o pires e a xícara sobre a mesa. — O
que é isto?
—Café turco. Está recém feito. Deve soprá-lo e logo tomá-lo de um gole. Leu
os capítulos designados?

Elizabeth colocou a mão sobre a garganta, sentia como se a tivessem
escaldado.
—Sim.

Ramiel se reclinou no assento. Em seu rosto aparecia um jogo de luzes
e sombras.
— E o que aprendeu?

Os olhos turquesas deixaram de ser zombeteiros. Eram os olhos de um
homem penosamente atraente observando uma mulher penosamente pouco
agraciada.

35

Elizabeth se esqueceu imediatamente da dor na garganta. Vestindo uma
expressão insípida que a sociedade exigia de uma mulher respeitável em
público, evitando mostrar qualquer emoção ordinária e vulgar, procurou no
interior de sua bolsa e extraiu o livro e um maço de papéis. Deixou o livro

sobre a mesa, ao lado da pequena xícara. Sentindo como se fosse uma menina
em idade escolar, consultou os papéis.
—Estima-se que “O Jardim Perfumado” foi escrito no começo do século
XVI. Acredita-se que o autor nasceu na Nefzaoua, um povo situado na costa
do lago Sebkha Melrir, ao sul de Tunísia, daí seu nome, Sheik Nefzawi, já
que muitos árabes adquirem sua denominação pelo lugar de nascimento.
Embora “O Jardim Perfumado” não é exatamente uma recopilação de
autores, é provável que algumas seções tenham sido tiradas de diferente
escritores árabes e hindus.
—Senhora Petre.

Elizabeth apertou os dentes.
O Sheik Bastardo pronunciava seu nome como se de verdade ela fosse
uma menina em idade escolar... E bastante estúpida, por certo.
Ela levantou o rosto. Os olhos turquesas estavam escurecidos pelas

grossas sobrancelhas negras.
— Sim, Lorde Safyre?
—Senhora Petre, acaso lhe disse que lesse as notas do tradutor?

Os dedos da mulher se apertaram com raiva, enrugando suas notas.
—Não.
—Então prescindamos da história do livro e do autor e procedamos com a
seção também conhecida como «Comentários gerais sobre o coito». Ele
sorriu, desafiando-a a que continuasse.

Elizabeth pensou em seu marido com outra mulher. Pensou em seus

dois filhos, inimizados com seu pai. Respirou profundamente, para acalmar
os fortes batimentos de seu coração.
—Muito bem. - Disse com certa tranqüilidade, voltando para suas notas. - O
Sheik assegura que o maior prazer do homem reside nas partes naturais da
mulher e que não conhece nem a quietude até que ele. —elevou a cabeça,
cravando seu olhar na dele, — a penetre.

Ela se negou a afastar o olhar daqueles olhos de cor turquesa. E também
se negou a reconhecer que seus seios se endureceram. De repente, Elizabeth
sentiu desejos de humilhá-lo da mesma forma que ele queria denegri-la.

Queria ser ela quem o envergonhasse e o escandalizasse.

36

—Então, Lorde Safyre, parece que o comentário que você fez ontem
referente a que todos os homens são da mesma natureza é certo. Mas estou
confusa com respeito à referência do Sheik sobre que “o homem funciona da
mesma maneira que uma maça de morteiro, enquanto a mulher colabora com
ele com movimentos lascivos...”

O chiado do abajur de gás sobre a mesa afogou o rugido de seu coração.
Os lenhos que ardiam na lareira se partiram e rangeram.

Finalmente, ele disse com suavidade:
— O que é o que a confunde, senhora Petre?

Havia chegado o momento. Já não podia pretender ser pudica.
O sexo não era um assunto pudico.

Elizabeth se perguntou se ele conseguia ouvir as batidas de seu coração.
—Antes de me casar, minha mãe me recomendou que me deitasse sem me
mover quando meu marido me visitasse. Não compreendo como pode se
mover uma mulher, sem entorpecer as ações do homem.

O Sheik Bastardo estava sentado como se fosse de pedra. Até a fumaça
que subia de seu café parecia haver gelado.

Ela tinha conseguido escandalizá-lo. Ela tinha conseguido escandalizar
a si mesma.

Uma coisa era lhe contar a um desconhecido a infidelidade de seu
marido e outra muito distinta era dar detalhes sobre seu leito conjugal.

O calor na biblioteca se tornou repentinamente insuportável.
Distraídamente, ela procurou suas luvas e sua bolsa.
—Desculpe...

Um rangido de madeira lhe fez levantar a cabeça bruscamente.
O Sheik Bastardo se inclinou para diante em sua cadeira. Seus olhos
ardiam à luz do abajur.
—Em árabe a palavra dok significa amassar, golpear. É uma combinação do
movimento de investida que um homem utiliza para alcançar o clímax dentro
da mulher, com a pressão de sua pélvis contra ela para incrementar suas
sensações, daí o símile com a «maça». Sedimento é um movimento de
balanço. Uma mulher pode levantar ou balançar seus quadris para cima, para
encontrar com o embate para baixo, do homem. Ou pode rebolar seus quadris
de um lado a outro para complementar os movimentos de impulso dele.
Chegará um momento em que os movimentos do homem serão muito rápidos
ou fortes, para que a mulher possa se mover sem deslocá-lo. Nesse momento,
a melhor maneira de agradar tanto a ele como a ela mesma é envolvendo suas

37

pernas ao redor de sua cintura e simplesmente sustentando-o, enquanto que
ele faz ambos alcançar o orgasmo.

Uma sensação elétrica sacudiu o corpo de Elizabeth.
De repente, as palavras do Sheik Bastardo se transformaram em
imagens visuais, como se estivesse observando a projeção de uma lanterna
mágica. Mas as cenas se projetavam em seus olhos e não sobre uma parede.
Não eram as inocentes transparências pintadas A mão que mostrava a seus
filhos para entretê-los e educá-los. Eram fotografias eróticas, fotografias
explícitas iluminadas por uma luz muito mais quente que um tênue
resplendor.
Havia um homem nu e figuras que avançavam em sucessão rápida, de
maneira que investia e esfregava alternativamente seu corpo escuro entre as
pernas pálidas e estendidas que subiam cada vez mais alto sobre os quadris
magros e musculosos. Pela primeira vez em sua vida, a mulher de cabelo cor
mogno estava completamente aberta e vulnerável debaixo dele. Não havia
nada que detivesse o homem, que golpeava e pressionava dentro de sua
suavidade e não havia nada que ela pudesse fazer para reter seu próprio
prazer... A realidade retornou com o eco distante de uma porta que se fechava
bruscamente.
Elizabeth piscou.
Estava com as palmas das mãos úmidas. Como também estavam outras
partes de seu corpo nas quais era melhor não pensar. E ainda não estavam
nem na metade da primeira lição.
Jogou seus ombros para trás.
—Desculpe, posso lhe pedir que me empreste uma pluma e um tinteiro? Eu
gostaria de fazer algumas anotações.
O assombroso hipnotismo de seus olhos se cristalizou.
— Pensa você consultar suas notas quando seu marido visitar seu leito,
senhora Petre? — Ele disse com acidez.
—Se for necessário, Lorde Safyre. – Ela replicou imperturbável.
Como resposta, ele empurrou um tinteiro de bronze para o outro lado da
mesa, abriu uma gaveta e tirou uma pluma.
Uma pesada pluma de ouro.
Elizabeth a esquentou entre seus dedos como se fosse feita de cerne, em
vez de metal. Depois de inundar de maneira decidida a ponta dentro do
tinteiro, apoiou a pluma sobre suas notas.
— Poderia repetir o que acaba de dizer, por favor?

38

Felizmente, as imagens proibidas estiveram ausentes em sua segunda
explicação, mais fria e breve.
—Obrigado, Lorde Safyre. —Terminou de escrever com um pequeno gesto
de ênfase e novamente consultou suas notas. - A introdução termina dando o
título completo da obra do Sheik, “ O Jardim Perfumado” para a pulverização
da alma. Continuamos então com o capítulo um?

O Sheik Bastardo sorriu, um sorriso masculino, planejando sua
vingança.
—Naturalmente.
—O Sheik assegura que os homens se excitam pelo uso de perfumes...
—Está adiantando, senhora Petre. Não só saltou o começo do capítulo, mas
também omitiu os dois subcapítulos: «Qualidades que as mulheres procuram
no homem» e «Os diferentes tamanhos do membro viril».

“Membro viril” ressoou em seus ouvidos como um eco.
Elizabeth aferrou a grossa pluma para acalmar sua respiração
entrecortada. Aquele era o momento que tanto havia temido, mas agora que
chegara, sentia extranhamente animada.
—Encontrei algo que valesse a pena, Lorde Safyre. - Mentiu.
—Uma lástima, senhora Petre. Você recordará que a introdução finaliza com
o amigo e conselheiro do Sheik lhe respirando a acrescentar a seu trabalho
um suplemento que incluísse coisas como a maneira de eliminar
encantamentos e métodos para incrementar o tamanho do membro viril. O
capítulo um se titula «O que concerne aos homens meritórios». O Sheik dá
grande importância às genitálias masculinas. Se seu marido sofrer de
abatimento sexual, você deve poder julgar se é devido ao tamanho de seu
membro, em cujo caso deve saber qual é a longitude correta, para... Alongá-
lo.
Os olhos turquesas emitiam brilhos. Ramiel estava desfrutando de seus
esforços por incomodá-la.
—De acordo com o Sheik, um homem «meritório» deve possuir um membro
que tenha «como máximo a longitude equivalente ao longo de doze dedos ou
três larguras de mão e como mínimo seis dedos, ou uma mão e meia de
largura».
Elizabeth lutou para evitar que o fogo que transpassava seu peito
subisse para seu rosto.
— Refere-se ao largo da mão de uma mulher ou de um homem, Sheik?

39

Ele apoiou suas mãos morenas, uma sobre outra na suntuosa madeira
escura da mesa.
—Será você quem dita, senhora Petre.

Ela jamais tinha visto seu marido sem roupa. Só se vira com o tamanho
de seus dois filhos quando eram pequenos, para comparar com um homem.

A curiosidade foi mais forte que a prudência.
Aferrou a pluma e ao papel com uma mão e as luvas e à bolsa com a
outra e se inclinou para diante.
Suas mãos eram grandes e escuras e mediam bem mais que a largura
das suas, juntas.
—Duas larguras de mão... —A mão do Sheik Bastardo que estava mais perto
dela se moveu para diante, alguns dez centímetros. - Três larguras de mão.
Os olhos de Elizabeth se dilataram.
Impossível. Nenhuma mulher podia acomodar trinta centímetros.
— E bem, senhora Petre?
Elizabeth se recostou em sua cadeira.
—Ou os homens árabes têm membros extremamente grandes ou mãos muito
pequenas, Lorde Safyre. Até o momento em que cheguemos ao capítulo que
contém as receitas para incrementar o caráter «meritório» do homem, eu
sugiro que passemos aos benefícios do perfume.
Inclinando para diante, molhou a pluma no tinteiro e se preparou para
escrever.
— Que perfume se usa num harém?
Uma risada profunda e masculina alagou a biblioteca.
Elizabeth nunca tinha visto ou ouvido antes um adulto ceder de maneira
tão desinibida ao riso. As damas usavam um risinho afogado e os cavalheiros
riam a gargalhadas. Descobriu que a risada verdadeira era contagiosa.
O Sheik Bastardo tinha uma série de molares perfeitos.
Ela mordeu os lábios para não cair no ridículo, durante um momento
em que baixou a guarda e seus olhos se encontraram com os dele e
compartilharam o absurdo da situação.
—Touché, Taliba. —Seus olhos turquesas continuaram cintilando inclusive
depois de que a risada se apagou.— Inclino-me ante sua enorme acuidade...
Nesta manhã. Âmbar, almíscar, rosa, pétalas de flor-de-laranja, jasmim...
Todos esses aromas são habituais entre as mulheres árabes. Que perfume
você usa?

40

Sua voz era rouca, íntima. Não era a voz de um homem com a intenção
de humilhar uma mulher.

Elizabeth voltou bruscamente à cabeça para trás.
—Lamento lhe informar que sou alérgica a perfume. Do que é o que me
chamou... Taliba?

A luz em seus olhos se apagou e passaram da cor da turquesa polida ao
da pedra tosca ainda sem cortar. —Taliba é a palavra árabe que designa um
estudante, senhora Petre.

De maneira absurda, Elizabeth se sentiu decepcionada. Edward jamais
tinha empregado um término carinhoso com ela, nem sequer durante os três
meses em que a cortejou, nem nos dezesseis anos de matrimônio.

Simulou estar escrevendo a palavra árabe em suas notas.
— É necessário que uma mulher utilize perfume para atrair um homem?
— O que aconteceria se lhe dissesse que sim?

Uma grande mancha de tinta negra se estendeu pelo papel.
—Então consultarei o Boticário para ver se há algo que modere minhas
alergias durante o tempo que devo agradar meu marido.
—Não é necessário que sacrifique sua saúde. —O calor e a risada haviam
desaparecido de sua voz. - Um grande Sheik, no momento de entregar sua
filha favorita em matrimônio, aconselhou-a que a água é o melhor dos
perfumes. Você é alérgica a flores?
—Não.
—Então triture pétalas de flores em sua pele, debaixo de seus seios e no
triângulo de pêlos entre suas coxas. A combinação do aroma da flor com o
calor úmido de seu corpo será bem mais eficaz que algo que possa comprar
num frasco.

O suor perlaba a parte inferior dos seios de Elizabeth, que rabiscava
energicamente... Flores trituradas debaixo de... Durante alguns momentos, a
ponta de aço que rasgava a superfície do papel afogou o estalo da madeira
ardente e o chiado da chama do gás. Ramiel tinha deduzido que um homem
desfrutava da fragrância do corpo de uma mulher.

Ela se cheirou discretamente. Tudo o que podia cheirar era o benzeno
de seu traje de lã limpo e o forte aroma do café e a fumaça da madeira que
ardia.
— Sabe você o que é um orgasmo, senhora Petre?

Elizabeth deixou de rabiscar subitamente. Sua confusão se converteu
em vergonha, que a sua vez estalou numa fúria vermelha, brilhante.

41

Não deixaria que ele a humilhasse.
Elizabeth levantou a cabeça.
Os olhos turquesas estavam esperando os seus.
—Sim, Lorde Safyre. Sei o que é um orgasmo.
Com os olhos semicerrados, ele estudou-a como se fosse um animal ou
um inseto, o qual nunca antes vira.
— O que é?
— O que é?
Durante alguns minutos, a consternação lhe tirou a fala.
Era evidente que ele não acreditava que ela soubesse. Que lhe pedisse
descrever uma experiência tão intensamente pessoal era escandaloso, mas
que acreditasse numa mentirosa era mais do que podia suportar.
Os lábios dela se contraíram.
—É o... Topo do prazer.
— Já experimentou você esse topo do prazer?
Ela inclinou o queixo e teria respondido com um categórico e desafiante
sim, se não fosse pelo repentino ardor nos olhos dele.
—Acredito que esse não é assunto de sua incumbência.
—Você diz que só deseja aprender a agradar seu marido, senhora Petre. -
Disse ele, com aspereza. - Acaso não deseja também aprender a sentir você
maior prazer?
De repente, Elizabeth se sentiu tremendamente contente por ter
estudado tão afanosamente. Embora não podia igualar seu conhecimento
sexual, certamente podia defender quando tratava de competir em
sagacidade.
Um pequeno sorriso de triunfo se esboçou em seus lábios.
—Certamente, Lorde Safyre. Não pode ter esquecido as palavras do Sheik.
As partes de uma mulher não sentem «nenhuma sensação prazeirosa ou
satisfatória até que as mesmas tenham sido penetradas pelo instrumento do
macho». Assim, ao agradar seu marido, uma mulher sente prazer em si
mesmo. E Edward, pensou sombria, sentia o maior prazer quando não lhe
impunha nenhum tipo de exigência. Nem sequer tinha se incomodado em
abrir a porta do quarto para ver se ela estava bem quando tinha voltado para
casa.
Mas não desejava pensar em seu fracasso como mulher no passado.
A satisfação no leito conjugal devia ser possível. Só tinha que... Aprender a
consegui-la.

42

Sem pensar muito, perguntou-lhe:
— Você se excita com os beijos, Lorde Safyre?
— E seu marido?

Uma sensação de frieza invadiu Elizabeth.

Edward jamais a tinha beijado.

Não, isso não era completamente certo. Quando o pastor os declarou

marido e mulher, Edward tinha pousado brevemente os lábios sobre os seus.

Elizabeth baixou o olhar para o pequeno relógio de prata que tinha no

prendedor de seu vestido. Eram cinco e dez.

Inclinando-se, apoiou a grossa pluma de ouro sobre a mesa.
—Não discutirei sobre meu marido com você e nem com ninguém, Lorde
Safyre. —Com mais pressa que graça, envolveu o maço de notas e as colocou

com rapidez na bolsa. - Acredito que nossa aula se concluiu.

E Elizabeth tinha resistido com seu orgulho intacto, embora não tivesse

acontecido o mesmo com seu pudor. Devia sentir aliviada. Mas não era

assim.
—Muito bem, senhora Petre. —O Sheik Bastardo, com seus olhos novamente
zombeteiros, ficou em pé. – Eu a verei amanhã. Às quatro e meia da manhã.

Pegou o pequeno livro de couro da mesa e o entregou.
—Capítulo dois, senhora Petre.

Assentindo com a cabeça, ela aceitou o livro e se dirigiu para a porta

sem fazer nenhum comentário.
—Regra número dois. Amanhã pela manhã e cada manhã a partir de agora,

você deixará seu chapéu na porta de entrada... E também sua capa.

A fúria lhe percorreu. Havia obedecido os homens de sua vida durante

trinta e três anos... Por que tinha que acatar as ordens daquele estranho?
— E se não?
—Então darei por finalizado nosso acordo.

O coração bateu forte em seu peito e depois começou a pulsar num

ritmo desenfreado.

A que ele se referia? Às aulas... Ou a sua palavra de cavalheiro do

Oriente e do Ocidente de que não diria uma palavra a ninguém?
—Devo supor que você não sente grande simpatia nem pelos chapéus nem

pelos espartilhos. - Disse ela com frieza.

A risada retornou a sua voz.
—Supõe corretamente.
— E pelo o que sente estima você, Lorde Safyre?

43

—Por uma mulher, senhora Petre. Uma mulher quente, úmida e voluptuosa,
que não teme sua sexualidade e nem sente vergonha de satisfazer suas
necessidades.

****

O aroma de benzeno seguia suspenso no ar da biblioteca. Ramiel
levantou a pluma que Elizabeth Petre tinha usado para tomar notas. Qual das
duas é você, senhora Petre? —Murmurou para si enquanto acariciava
delicadamente o suave metal, que ainda conservava o calor da pele. - Uma
mulher que tem medo da sua sexualidade... Ou uma mulher que sente
vergonha de satisfazer suas necessidades?

Ela tinha as mãos pequenas. Obstinada entre seus magros dedos, a
grossa e pesada pluma parecia um primitivo falo de ouro. A esposa do
ministro da Economia e Fazenda teria que usar ambas as mãos para abranger
um homem do tamanho de Ramiel.

A lembrança sacudiu todo seu corpo. “Não compreendo como pode se
mover uma mulher sem entorpecer as ações do homem”. Depois dos
comentários ingênuos do dia anterior pela manhã, deveria estar preparado
para sua honestidade. Não estava. Ela tinha conseguido surpreendê-lo uma
vez mais. Como podia uma mulher tão inexperiente gerar tanta tensão
sexual?
—Ibn.

Os dedos de Ramiel se aferraram compulsivamente ao redor da pluma
de ouro. Preparando o corpo de forma inconsciente para defender, levantou a
cabeça.

Muhamed estava em pé atrás da poltrona de couro vermelho, que
Elizabeth Petre tinha deixado vazia só a alguns momentos. Uma capa com
capuz negro cobria o turbante do mordomo e o branco thobs de algodão.

Os olhos turquesas se fixaram naqueles tão escuros, que pareciam
negros.

Olhos de Cornualles.
Um sorriso cínico se instalou nos lábios de Ramiel.
Muhamed parecia árabe, mas em realidade não era. Ramiel parecia
inglês, mas em realidade não o era.
Elizabeth Petre, como tantos de sua raça, via só o que estava preparada
para ver.

44

— O que acontece, Muhamed?
—O marido não saiu de casa ontem pela manhã. Só a mulher, a senhora
Petre. Partiu em sua carruagem antes das dez. Não sei para onde. Mais tarde,
enquanto estava fora, o marido voltou para jantar. Foi...
— Disse que não tinha saído de casa, —interrompeu Ramiel bruscamente. -
Mas voltou para casa para jantar.

A face de Muhamed, ainda forte e musculosa para a idade de cinqüenta
e três anos, permaneceu impávida.
—Desconheço o motivo disso.

Ramiel sim o conhecia.
Edward Petre tinha passado a noite com sua amante. E
indubitavelmente Elizabeth Petre também sabia. Aonde ela teria ido pela
manhã, deixando sua casa antes da hora em que acostumavam sair às damas
da alta sociedade? As compras? Fazer visitas? Fuga?
Não, Elizabeth Petre não fugiria. Nem da infidelidade de seu marido
nem de um acordo com um Sheik bastardo.
— Aonde foi o marido depois de jantar?
—Ao edifício do Parlamento. Permaneceu ali até as duas da manhã. Logo
voltou para casa. Está lá agora.
Como também estaria Elizabeth breve.
Teriam leitos matrimoniais separados... Ou compartilhariam o mesmo?
Imediatamente, Ramiel rechaçou a idéia de que Elizabeth
compartilhasse a cama com outro homem. Não poderia sair de sua casa se
assim fosse. Mas isso não significava que não pudesse reunir com seu marido
em sua cama.
Sentiu uma punhalada de ira em seu interior.
Elizabeth Petre sabia o que era um orgasmo.
Tinha-o aprendido de seu marido? Podia penetrar em sua fria reserva
inglesa sob a aparência de decoro e lhe deixar alcançar o topo do prazer?
—Não descobriu a identidade da amante de Edward Petre? - Disse Ramiel
em tom imperioso.
Os olhos negros de Muhamed brilharam.
—Não.
—E, entretanto deixaste sua casa sem vigilância. Ordenei-te que o seguisse
até que descobrisse quem é a amante.
—Acreditei oportuno voltar, Ibn.

45

Ramiel não se deixou enganar pelo estoicismo de Muhamed. Seus
escuros olhos de Cornualles irradiavam desaprovação.
—Se explique.
—A senhora Petre é um problema.

Não parecia ser um problema, apoiada na beirada da poltrona vermelha,
fazendo equilíbrios com sua bolsa, suas luvas e suas notas. Seu pálido rosto
emoldurado pelo horrível chapéu negro tinha sido a imagem do decoro até
que lhe tinha explicado que um homem amassa e esmaga seu corpo dentro de
uma mulher como se fosse uma «maça». Então seus claros olhos cor avelã se
acenderam de ardor. Seus soberbos seios se avultaram dentro de seu vestido
de lã, sensíveis. Tão sensível às palavras. Ao suave toque do tecido
esfregando contra a pele livre das ataduras. A cada respiração, seus mamilos
foram ficando cada vez mais duros.

Não era seu corpo o que ela tentava sujeitar com as barbatanas do
espartilho. Eram seus desejos.

Que tipo de homem era Edward Petre que preferia abster da paixão
genuína, pelo prazer pago?

Ramiel apoiou o queixo sobre a ponta de seus dedos, ocultando-se atrás
de uma dura inflexibilidade seus pensamentos e uma fome voraz e repentina.
—Talvez seja assim. Mas é meu problema.
— Esqueceste, Ibn?

Cada vez que Muhamed o chamava Ibn, Ramiel o recordava.
Algumas vezes, esquecia... Quando tinha sexo com alguém. Elizabeth Petre o
fazia esquecer só com as palavras. Quanto tempo havia passado de que
Ramiel tinha desejado uma mulher... E não simplesmente para esquecer?
Quanto tempo havia passado de que tinha rido?
—Não esqueci, eunuco. - Replicou fria e deliberadamente, Ramiel.

Muhamed voltou à cabeça bruscamente.
Imediatamente, Ramiel se arrependeu de suas palavras. Muhamed não
tinha pedido para levar a carga que lhe tocava, como tampouco ele a sua.
Perguntou-se como sobrevivia seu criado, incapaz de escapar a seu passado
dentro do corpo de uma mulher, embora fosse brevemente. Pelo menos
Ramiel tinha esse privilégio. Minutos inteiros, aonde o único que importava
era o som da carne que investia, úmida e o calor suave de uma pele feminina
possuindo-o, absorvendo-o até que lhe tirasse a dor e deixasse só a
lembrança. Rogava a Alá e a Deus para que lhe permitisse encontrar uma
mulher que pudesse aceitar o que ele não era capaz de suportar.

46

—Vá. - Ordenou Ramiel brandamente, controlando a fúria e a repugnância
que sentia por si mesmo. – Contrate alguém. Não me importa o que custe.
Quero saber tudo o que faz Edward Petre. Todos os lugares que visita. Todas
as pessoas com quem fala. Todas as mulheres com as quais se deitou alguma
vez. Eu quero me inteirar. E espero que não me volte a falhar.

Com o corpo tenso como a cimitarra que levava sob as dobras da capa e
seu thobs, Muhamed se dispôs a se retirar da biblioteca.
Ramiel baixou a vista para a xícara vazia que descansava perto de seu
cotovelo. A xícara enche que Elizabeth Petre tinha deixado rapidamente
depois de dar um gole no quente café turco.

Muhamed tinha razão. Uma mulher como Elizabeth Petre podia causar
a um homem como ele, muitos problemas. Aqui, na Inglaterra, ele estaria
preparado.
—Muhamed.

O homem da Cornualles se deteve ante o som da voz de Ramiel, com a
mão a ponto de fechar a porta.
—Não repetirei os enganos que cometi no passado.

CAPÍTULO IV

Um estrondoso som metálico afastou bruscamente Elizabeth debaixo do
corpo nu do Sheik Bastardo. Um aroma espesso invadia o ar. “E por quê,
sente estima você, Lorde Safyre? Por uma mulher, senhora Petre. Uma
mulher quente, úmida e voluptuosa, que não teme sua sexualidade e nem
sente vergonha de satisfazer suas necessidades”.

Elizabeth abriu os olhos de repente.
A face redonda e simpática de Emma estava envolta em fumaça,
inclinou sobre a mesinha junto à cama, fazendo girar uma colher dentro de
uma xícara de porcelana. Uma pequena jarra descansava ao lado da xícara,
sobre uma bandeja de prata.
O aroma forte que impregnava o ar não era o do açucarado do café
turco, pensou Elizabeth entre sonhos. Era o doce aroma do chocolate.
—Se está doente, Elizabeth, deveria ter enviado uma nota para minha casa.
Elizabeth pestanejou.

47

O rosto de sua mãe se fez visível. Estava emoldurada por um chapéu de
seda negro. Seus olhos de cor verde esmeralda censuravam Elizabeth, como
quando era menina e não tinha completado as expectativas de seus pais.

Elizabeth despertou por completo, com o coração palpitando. «Ela sabe
o do Sheik Bastardo», foi a primeira coisa que pensou. E imediatamente:
como se deu conta?

A manhã anterior tinha sido estranha, mas nessa manhã Elizabeth tinha
retornado a sua casa as cinco e trinta e cinco, um quarto de hora antes que os
criados despertassem. Era impossível que alguém soubesse algo sobre suas
duas visitas ao Sheik Bastardo.

Mas por que outro motivo estaria sua mãe ali...? - Deveria ter enviado
uma nota para mim. Perfurou as trevas de seu sonho e o incipiente temor lhe
paralisou. Elizabeth olhou rapidamente para a janela. Era terça-feira. Sua mãe
e ela sempre iam às compras as terças-feiras pela manhã. Depois almoçavam
juntas. A julgar pela cinza luz invernal que entrava pelas cortinas, era quase
meio-dia. O sangue quente se amontoou na face de Elizabeth. Emma e sua
mãe estavam a seu lado observando-a, enquanto ela sonhava que o Sheik
Bastardo se ocupava de seu corpo como se seu membro viril fosse realmente
uma maça e ela uma erva pertinaz que devia ser totalmente amassada e
esmagada até a submissão. “Taliba, ele tinha lhe sussurrado, investindo forte
e profundamente. Mova seus quadris para mim...”

Apertou suas pálpebras, consciente do áspero sabor do café turco que
seguia em sua boca e o desejo frustrado que continuava palpitando no mais
profundo de seu ser. Emma se atrasou um pouco em servir o chocolate
quente. Uma faísca de ressentimento se acendeu dentro de Elizabeth. Sua
mãe não deveria estar em sua casa e o Sheik Bastardo não deveria estar em
seus sonhos. Abriu os olhos, se voltou sobre suas costas e forçou um sorriso.
—Bom dia, mãe. Temo que me dormi demais. Se me esperar na sala, me
vestirei em seguida me reunirei a ti. Emma, por favor, acompanhe minha mãe
e mande servir o chá.
—Muito bem, senhora.

Sua criada deu um passo atrás e sua mãe deu um passo adiante.
- Sua face estão vermelhas, filha. Se estiver doente, não há necessidade que
se levante. Sinto ter interrompido seu sonho, mas estava preocupada. Na
segunda-feira você cancelou todos seus compromissos e agora isto. Sabe que
seu pai está preparande Edward para que se presente ao primeiro-ministro

48

quando ele se retirar. Deve abonar o caminho para ele, tal como eu o faço
para seu pai.

O sorriso se congelou no rosto de Elizabeth. Rebecca Walters estava
preocupada... Porque Elizabeth não tinha cumprido com suas obrigações. As
únicas lembranças que tinha Elizabeth de sua infância eram de sua mãe
«abonando» o caminho para seu pai. Cada momento livre, cada faísca de
energia e cada ato de caridade tinham sido dedicados a uma causa política.
— Alguma vez se cansa, mãe?

Os olhos cor verde esmeralda se abriram com impaciência.
—É obvio que sim. Também seu pai. E também seu marido, devo
acrescentar. Disso se trata tudo. - Assinalou Elizabeth na cama. - Você na
cama... Porque está cansada?

Sim, isso era exatamente do que se tratava, pensou Elizabeth com um
misto de raiva. Estava cansada... Cansada de ocupar o quarto lugar em seu
marido. Edward tinha sua política, sua amante, seus filhos e logo depois sua
esposa. Só por uma vez em sua vida gostaria de ser a primeira. Somente uma
vez em sua vida gostaria de ficar na cama, livre de compromissos sociais,
junto a um homem que a amava.
—Não, mãe, não estou cansada. Ontem à noite tive uma enxaqueca e tomei
láudano para acalmar a dor. - Mentiu Elizabeth, plenamente consciente de
Emma, que rondava pela porta e tinha que saber que estava mentindo. -
Talvez tomei uma dose excessiva.
— E na segunda-feira?

Elizabeth forçou um sorriso. E adicionou outra mentira: —O decano
chamou. Queria falar comigo imediatamente, por isso...
— O que tem feito Phillip agora?

Poderia ter sido gracioso. Sua mãe repetindo as palavras que a própria
Elizabeth tinha perguntado ao decano. Não era. Enquanto que Elizabeth
considerava as travessuras de seu filho como uma diversão passível, sua mãe
criticava a gritos, as inocentes maldades de Phillip.
—Não foi nada. - Se apressou em dizer. – Ele esteve envolvido numa
discussão com outro menino. Se não me visto logo, mãe, fará muito tarde
para almoçar. Emma...

Elizabeth se surpreendeu ligeiramente pela maneira em que Emma
empurrou suave, mas firmemente Rebecca Walters do querto. À jovem não
tinha movido um fio de cabelo quando escutou a mentira de Elizabeth.
Talvez Edward tinha «abonado» a casa, para o engano, pensou cinicamente.

49

Levantou a colcha e arrastou suas pernas até a beirada da cama. Tinha
as pernas pálidas e os tornozelos magros, embora não delicados. O roçar de
suas coxas ao se mover para ao outro lado do colchão lhe provocou umo
atrito morna e úmida. “Sabe você o que é um orgasmo, senhora Petre”?
- Preparo-lhe o banho, senhora?

Elizabeth segurou o lençol com as duas mãos para se sujeitar à cama.
Emma estava em pé na entrada do quarto, observando com indiferença para
ela, cuja camisola lhe tinha subido acima dos joelhos. Deslizou da cama, com
o coração pulsando fortemente.
—Sim, por favor. Volou muito rápido. Acreditei que foste acompanhar
minha mãe até lá embaixo.
—A senhora Walters não quis que a acompanhasse, senhora. Disse-me que
certamente você precisaria de mim para vestir.

Elizabeth mordeu o lábio inferior para não dizer que Ema era sua criada
e que aqui, nesta casa, a esposa do ministro da Economia e Fazenda possuía
uma categoria superior a da esposa do primeiro-ministro. Mas em lugar disso
disse:
—Então é melhor que me apresse. Não deveria ter me deixado dormir até tão
tarde.
—Por favor, desculpe-me. Pensei que precisaria descansar.

A Elizabeth sentiu seu coração acelerar. Saberiam os criados...?
Sentia os lábios frios e duros.
— Por que pensou isso, Emma?
—Tem uma agenda muito apertada, senhora. Algumas vezes acredito que
trabalha mais que o senhor Petre.
As palavras da jovem eram muito enigmáticas, para tranqüilizá-la.
Tinha querido dizer que Elizabeth trabalhava muito «abonando» o chão
político a favor de seu marido? Ou que Elizabeth tinha uma agenda muito
apertada devido a suas recentes escapadas matinais?
O banho quente não serviu para dissipar sua inquietação. Devia
terminar suas aulas logo, antes que a suspeita se tornasse certeza. Se
começasse haver rumores de seus encontros com o Sheik Bastardo, seu
matrimônio estaria terminado. E também a carreira de seu marido. Mas
inclusive enquanto contemplava a possibilidade de finalizar o quanto antes
sua perigosa aprendizagem, seus pensamentos se dirigiram ao” O Jardim
Perfumado”, deixando de um lado a razão. O que teria escrito o Sheik no
segundo capítulo?

50


Click to View FlipBook Version