Raizeiro há mais de 40 anos, Manoel Martins Machado acompanhava sua mãe e sua avó pelas caminhadas pelo grande quintal Cerrado, onde aprendeu desde cedo sobre o seu ofício ao prestar atenção nos adultos à sua volta que o ensinaram sobre seus poderes de cura. Com as lições dos mais velhos, Vinicio Gonçalves também sentiu sintonizar em seu peito as notas ressoadas pela viola de cocho e pelo ganzá. O músico ficou encantado pelos instrumentos ao observar seu bisavô, Seu Domingos Gonçalves da Silva, cantar em tom ritmado as cantigas de Cururu. Por sua vez, Vitor Alessandro, de 19 anos, conta que a admiração pela prática do Siriri e Cururu começou por meio da observação, que se transformou em brincadeira de criança e em desejo profissional. Hoje, o jovem é o único da família que mantém o sangue da tradição pulsando e teme o fim desses costumes. continua na pág. 20 SÔ F CA JORNAL LABORATÓRIO | JORNALISMO UFMT | EDIÇÃO 2023/1 | DISTRIBUIÇÃO GRATUITA Ancestralidade: gerações ressignificam saberes cuiabanos
EDITORIAL SÔ FOCA 2 EXPEDIENTE EDITORA RESPONSÁVEL: Janaina Pedrotti | SUPERVISÃO DO PROJETO GRÁFICO: Javier López Díaz | COORDENADOR DO CURSO: Vinicius Guedes Pereira de Souza | COORDENADORA DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO: Helia Vannucchi de Almeida Santos | EDITORA ADJUNTA: Brenda Closs | REVISÃO: Letícia Pereira e Marina Camargo | DIAGRAMAÇÃO: Ana Julia Santos, Ana Frutuoso, Nathânia Ortega e Vitória Verano | EDITORA DE POLÍTICA: Brenda Closs | EDITOR DE ENTREVISTA E OPINIÃO: Jolismar Bruno | EDITOR DE CULTURA: Bruno Vinícius | EDITORA DE ECONOMIA: Leticia Pereira | EDITORA DE CIÊNCIAS E SAÚDE: Rebeca Cruz | EDITORA DE MEIO AMBIENTE: Arielly Barth | EDITOR DE ESPORTE: João Roberto Martins | EDITORA DE COTIDIANO: Giovana Giraldelli | EDITORA DE DIGITAL: Vitória Kehl Araujo e André Prado | IMAGENS | André Prado, Leticia Pereira, Mariana da Silva, Rebeca Cruz, Victória Dalla Costa e Vitória Kehl Araujo | REPORTAGEM: Ana Frutuoso, Andrelina Braz, André Prado, Arielly Barth, Brenda Closs, Bruno Vinícius, Bruno Gonçalves, Eduarda de Oliveira, Giovana Giraldelli, João Roberto, Jolismar Bruno, Luíza Vieira, Leticia Pereira, Marina Camargo, Mariana da Silva, Millena Teixeira, Vanessa Araujo, Rebeca Cruz, Victória Dalla Costa e Vitória Kehl Araujo | APOIO TÉCNICO: Jonatas Rodrigues. Mato Grosso tem experimentado mudanças políticas, econômicas e culturais de 1993 a 2023. Esse período viu a transformação desta terra rica em recursos naturais em uma região dinâmica, diversificada e em constante evolução. Também neste período de 30 anos de existência, o Jornal Sô Foca não só registrou como passou por mudanças, como por exemplo, deixou de ser uma oficina e passou a ser uma disciplina obrigatória do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e elas não pararam por aí, fomos ouvir tanto professores como estudantes que vivenciaram essa produção jornalística, em diferentes décadas. Confira, nesta edição, conteúdos que revelam estes momentos, tendo o jornalismo como uma prática capaz de historio grafar a atualidade. Na disciplina de Jornal Laboratório, os estudantes colocam em prática o que apren- deram durante o curso, sendo assim, documen- taram os fatos que ocorreram ao longo dessas três décadas. Nesta edição, o Sô Foca traz in- formações que envolvem nove editorias: ciên- cia e saúde, cultura, política, economia, meio ambiente, esporte, digital, cotidiano, além de entrevista e opinião. Os desafios de 1993 ainda permanecem no Estado que busca o equilíbrio para fomentar o desenvolvimento sustentável, com a criação de áreas de conservação, ao mesmo tempo em que tenta combater o desmatamento ilegal e tensões agrárias com a aplicação de políticas mais rigorosas de proteção ambiental. Na editoria de meio ambiente você irá encontrar um conteúdo nesta temática, na matéria ‘Lei ameaça comunidade pesqueira' sobre a limitação da atividade, com a lei que estabelece o transporte zero de pescado. Em três décadas, os mato-grossenses assistiram o estado se tornar líder nacional na produção de soja, milho, carne bovina e algodão, algo óbvio em um estado historicamente agrícola. No entanto, a região também presenciou o crescimento de setores como a indústria, com a expansão de usinas de etanol e biodiesel, e o aumento da produção mineral. Na política, a representação parlamentar é a emblemática significação da escolha popular, sobre o as- sunto, esta edição traz uma linha do tempo que tem início no ano em que a primeira edição do Sô Foca foi publicada. Se três décadas atrás o estado contava com parlamentares da direita clássica, hoje prevalece o bolsonarismo: sete entre os oito deputados federais eleitos por Mato Grosso, apoiam o ex-presidente Jair Bol- sonaro, principal figura da extrema-direita. Já a cena cultural de Mato Grosso flo- resceu nos últimos anos. A música, a dança, o teatro e as artes visuais ganharam espaço, com artistas locais se destacando em âmbito nacional e internacional. Essa ascensão contribuiu para que o estado recebesse festivais de vários estilos musicais, passando do MPB ao Funk, além do Rap e o Rock e sem deixar de fora o Samba. Sensibilidade captada nas reportagens culturais, como na que retomamos nesta edição na matéria: Sô Foca registra memórias e vidas marcadas no ritmo do Lambadão. Em resumo, as últimas três décadas foram marcadas por desafios e conquistas notáveis em diferentes aspectos. As transformações políticas, econômicas e culturais moldaram a identidade e o futuro do estado transformando-o em uma região vibrante e em crescimento contínuo mas com problemas crônicos, dada a disparidade social, contexto abordado pela equipe do periódico que reporta sobre a de- sestrutura no transporte público de Cuiabá e Várzea Grande. A responsabilidade social do jornalismo também se dá no registro sobre o silenciar de vozes. Dores individuais, que tornam-se cole- tivas, a partir do registro sobre a explosão de assassinatos de mulheres, problema abordado na matéria sobre casos de feminicídio em MT. Ao reportar este cenário de violência gratuita, evidencia-se a preocupante realidade de que o número de vítimas é ainda maior, consideran- do as vítimas indiretas; a reportagem mostra os órfãos do feminicídio; filhos que ficam sem suas mães, em uma guerra silenciosa em que não se alistaram para enfrentar. Para acessar a edição online Para acessar as edições anteriores do Sô Foca
I magine a situação: o notebook estraga no meio do semestre e você ainda tem muitos trabalhos para entregar. O custo para arrumar tem que sair da renda do estágio ou auxílio, mas como ficam as outras despesas? Todo estudante de classe média baixa ou baixa renda já deve ter passado por esse desespero. O jeito é se apertar ao máximo para ainda conseguir pagar o aluguel, água, luz, internet, alimentação e transporte. Muitos estudantes de universidade pública dependem unicamente de auxílios e bolsas para se manterem. Segundo a Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (Prae), a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) possui 1.500 bolsistas divididos entre quatro programas de assistência estudantil. O valor para a graduação é de R$700. Já a bolsa média dos estágios em Mato Grosso varia de R$500 a R$1,5 mil, conforme o Instituto Euvaldo Lodi (IEL). Mas, dependendo da área, há vagas que sequer remuneram os estudantes. Como conta Lucas Korzune, 24, estudante de Biologia da UFMT. Ele já chegou a estagiar na sua área, mas não foi pago. O acadêmico, que se mudou de Lucas do Rio Verde para estudar, utilizou o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) para se manter em Cuiabá. “No início do curso eu não trabalhava, então era bem mais complexo porque eu só tinha a bolsa. Tinha que economizar na comida, se eu ia sair ou não. Era uma vida bem mais regrada”, relembrou Lucas. A vida do estudante mudou quando ele decidiu ter o próprio negócio como alternativa financeira. Porém, a decisão que lhe proporciona uma vida mais confortável impacta o seu desempenho nos estudos. No momento ele está finalizando a graduação e cursando poucas disciplinas, mas, antes, quando tinha uma carga horária mais puxada, aproveitava o pouco tempo vago para se dedicar à loja de quadros artesanais. “Quando ainda estava cursando matérias normais, o que eu fazia era trabalhar nos horários que eu não tinha aula. Se eu precisasse estudar, deixava de trabalhar, atrasava os pedidos, essas coisas”, contou o universitário. Para o mestre em economia aplicada e professor pela UFMT, Fernando Henrique Dias, os “bicos” têm prejudicado o desempenho dos estudantes na graduação. “Hoje a gente tem a uberização do mercado de trabalho, então existe o que a gente chama de ‘bicos’ que esses estudantes acabam fazendo. Quem tem carro, vira motorista de aplicativo para ter uma renda auxiliar, para que possa estudar. Se for um curso integral, é mais complicado ainda”, explica o especialista. Apesar de direitos conquistados como o ingresso por meio de cotas, assistência estudantil e restaurante universitário, muitos estudantes não chegam a concluir o curso em instituições federais porque os benefícios são restritos e não dão conta da demanda. Apenas na UFMT, são aproximadamente 700 estudantes com matrículas trancadas, segundo a Pró-reitoria de Planejamento (Proplan). As dificuldades aumentam para quem vivencia a experiência universitária em uma instituição particular. Além de gastos com xerox e livros, há também o pagamento da temida mensalidade. Muitas vezes, o único jeito é conciliar um trabalho de 40 horas semanais com os estudos. Rita Figueiredo, 22, trabalha o dia todo como secretária para poder pagar a faculdade de Direito e arcar com despesas pessoais, como a parcela do celular e o plano de saúde, gastos que chegam a R$1.300. Ela dedica os horários de almoço e o tempo livre da semana aos estudos. “Eu estudo quando chego da faculdade, no horário de almoço ou até aqui no serviço mesmo, quando surge algum momento mais tranquilo”, conta, acrescentando que não deixaria o emprego em troca de um estágio na área. Não compensaria. Até porque o auxílio é mil reais e minha faculdade é quase R$800, então como eu iria conseguir me manter com outras coisas? Também já vi outros estágios que o salário é R$700 mais vale transporte. Não teria como viver só com isso”, explicou. Por essa razão, Fernando Henrique Dias acredita que as bolsas possuem valores muito baixos e que o Estado precisaria pensar em políticas públicas para que os alunos de baixa renda tenham acesso à graduação e a exerçam de forma mais tranquila. “A gente precisa, enquanto Estado, pensar em uma política pública para esses alunos carentes que não tem condição de se manter na Universidade. Isso deve ser uma política que deve ser pensada, mas, infelizmente, ainda não pensamos. Esse assistencialismo é muito crucial para democratizar a educação. Não adianta auxiliar a entrada deles e não auxiliar que se mantenham”, finaliza o economista. Dificuldades financeiras impactam graduação Especialista afirma que são necessárias políticas públicas para permanência de estudantes no ensino superior e cita que recorrer a “bicos” pode prejudicar o desempenho nos estudos ECONOMIA SÔ FOCA 3 [...] o auxílio é mil reais e minha faculdade é quase R$800, então como eu iria conseguir me manter com outras coisas? Estudantes da UFMT em roda de estudos | Fotos: Mariana da Silva
Oveganismo, estilo de vida de quem não consome qualquer produto de origem animal, tem se tornado opção para quem quer empreender. De acordo com dados fornecidos pela Sociedade Vegetariana Brasileira, atualmente existem mais de 3 mil restaurantes e estabelecimentos no Brasil que incluem pelo menos uma opção vegana em seus cardápios. Ricas em vegetais, grãos, cereais e leguminosas, as refeições veganas têm ganhado o gosto da população brasileira. Com 7 milhões de pessoas, o país é líder na quantidade de pessoas adeptas à prática, na América Latina. Sendo uma ótima opção para aqueles que aderem à dietas “fitness” ou possuem restrições alimentares, como alergia à glúten, alguns pratos podem até enganar no sabor de carne, também agradando aos não veganos. Em Cuiabá, aos poucos, os restaurantes e marmitarias estão aderindo a refeições sem carne em seus cardápios, como feijoada de legumes e arroz carreteiro com proteína de soja. Além disso, estabelecimentos especializados em comidas veganas estão crescendo na cidade. Conforme dados da Receita Federal, órgão que administra os tributos federais, cerca de 80 mil marmitarias foram abertas em todo país em 2022, ainda reflexo da pandemia de Covid-19 que alterou os hábitos dos brasileiros e trouxe um aumento nos pedidos de delivery. Observando este cenário em crescimento, a estudante de nutrição da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Mariana Whelan, abriu o Vegetali, marmitaria de congelados veganos. Em funcionamento desde março do ano anterior, Mariana relata que ainda não tem um estabelecimento próprio devido às limitações de horários para a produção, mas se orgulha ao dizer que com a renda do negócio está pagando as prestações de um carro novo para si. “Minha ideia era fazer pratos gostosos que as pessoas comem habitualmente, só que na versão vegana e com todos os valores nutricionais necessários. Mostrar que é possível adaptar o tradicional sem perder o sabor, podendo até ser mais saudável além de vegano”, afirma a jovem de 22 anos. Mariana produz cerca de 100 marmitas por mês, com preços da unidade que transitam entre R$ 17 e R$ 23. Entre as opções no cardápio encontram-se strogonoff de grão de bico, escondidinho de lentilha com batata inglesa, macarrão ao molho branco de feijão branco e Curry de grão de bico. “Meu público não tem tempo de cozinhar. É um público que quer comer bem, quer chegar em casa e ter algo pronto na geladeira. Só que não é esse produto pronto que a gente vê no mercado cheio de sal, gordura, óleo, açúcar. É um público que está querendo essa alimentação mais saudável”, explica. Para Holly Water, de 25 anos, as marmitas e delivery são uma opção para sair da rotina. Vegana há 9 anos, a artista afirma que adora cozinhar, mas não resiste aos temperos dos restaurantes da capital. “Eu também tenho problema com glúten, então não são todos os lugares em que posso comer. Acho que os preços são bem justos considerando que são comidas artesanais e que levam no preparo alimentos difíceis de encontrar no mercado. Um prato que custa em média R$25 vem bem servido, dá para mim e para minha namorada, que também é vegana”, relata Holly. Desde que chegou à cidade, em 2014, ela ressalta que houve um crescimento tanto na disponibilidade de alimentos e produtos não testados em animais nas prateleiras, quanto no número de estabelecimentos veganos, incluindo os dedicados a comidas tradicionais e culinárias especializadas como japonesa, confeitaria e hamburgueria. Apesar disso, Holly ressalta que este cenário ainda tem muito a melhorar, tendo em vista que conta nos dedos das mãos a totalidade dos restaurantes em que faz pedidos. “Quando saímos a noite são poucas as opções de restaurantes que não ficam em shopping centers ou não apresentam preços abusivos. Além disso, os cardápios oferecem apenas um prato, o que limita nossos passeios. Por enquanto, as marmitas veganas são nossa melhor opção”, conclui. Lista de restaurantes veganos na região: Veganeira (Cuiabá) Raposa Vegana (Cuiabá) Ki-nutre (Cuiabá) Tempero de Gaia (Cuiabá) Pranta (Chapada dos Guimarães) Congelados veganos em Cuiabá: Pacha Burger Vegetali Ixipiafit Comida vegana é opção de empreendimento em Cuiabá Cresce número de estabelecimentos que oferecem culinária sem produtos de origem animal ECONOMIA SÔ FOCA 4 Marmita vegana | Foto: Arquivo Pessoal
Percepção de preços cai e sinaliza otimismo De acordo com pesquisa divulgada pela Federação Brasileira de Bancos, 18% dos entrevistados perceberam uma diminuição significativa dos preços em geral U ma pesquisa do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE), publicada pela Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) em junho de 2023, demonstra que a percepção do aumento de preços entre os brasileiros caiu de 67% para 59% em relação ao último bimestre do ano. Ainda segundo o estudo, 18% dos entrevistados afirmam que perceberam uma diminuição significativa nos preços em geral. A opinião se destaca sobretudo nos segmentos de maior escolaridade e renda na faixa etária de 45 a 59 anos. A pesquisa possui uma amostra de 2 mil entrevistados com mais de 18 anos e de todas as regiões do Brasil. Em Cuiabá, empresários da área do comércio também demonstram otimismo na melhoria da economia e movimentação do setor. De acordo com o Instituto de Pesquisa da Fecomércio (IPF-MT), maio teve um aumento de 2,9% em comparação com abril no Índice de Confiança do Empresário no Comércio (ICEC), pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC). O estudo também revela que 63,9 % dos empresários da capital mato-grossense acreditam na perspectiva de melhora da economia brasileira. Na percepção do lojista de Cuiabá, Willian Gomes, os preços em geral têm diminuído e feito a diferença nas contas do mês. “As coisas têm ficado mais baratas desde o começo do ano, a gente vê a diferença, principalmente, quando vai ao mercado. Temos comprado mais coisas e o dinheiro rende mais” explica. Já outro lojista da capital, Luciano Raupp, cita que os preços de algumas coisas baixaram e outras subiram. “Depende do produto, alguns alimentos ficaram mais acessíveis e outros estão mais caros. O açúcar, trigo e óleo, por exemplo, estão mais baratos”, opina. Segundo o IPF, o açúcar que custava em média R$3,81 em janeiro deste ano, passou a custar R$3,61 no mês de agosto. A farinha de trigo custava R$6,22 em janeiro e agora custa R$5,62. O óleo de soja custava R$8,54 no início do ano e, no último mês, estava em R$6,41. O valor da cesta básica também diminuiu ao longo de 2023, passando de R$803,96, em janeiro, para R$758,79 em agosto. O consultor econômico Vivaldo Lopes esclarece que a diminuição dos preços é real e demonstrada nos índices que medem a inflação, principalmente o IPCA (IBGE), que caiu de 5,79% em dezembro do ano passado para 4,16% em julho deste ano. “Um dos fatores que mais tem contribuído para a queda da inflação são os preços dos alimentos e dos serviços, resultado da política do Banco Central (BC) de aumentar a taxa de juros para inibir o consumo. A maior oferta de produtos alimentícios, estabilização das tarifas de energia elétrica e o prazo mais longo dos reajustes de gasolina e diesel também colaboraram para a redução dos preços nos primeiros 07 meses de 2023”, justifica. O economista ainda demonstra otimismo quanto à economia nacional e cita a aprovação do novo regramento de controle fiscal, a reforma tributária e o início do ciclo de redução da taxa básica de juros pelo BC como fatores que vão melhorar o ambiente de negócios e atrair mais investimentos. “Vejo um cenário mais positivo para 2024 do que está sendo 2023 que, por sua vez, está bem melhor do que 2022”, conclui. ECONOMIA SÔ FOCA 5 Exposição de produtos no supermercado | Fotos: Leticia Pereira
Por determinação do STF, MT ganha um deputado O número total de deputados permanece em 513 e bancada federal deve aprovar mudanças até junho de 2025 POLÍTICA SÔ FOCA 6 OSupremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Congresso Nacional recalcule o número de deputados, considerando a população de cada unidade federativa, conforme os dados do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022. Isso alteraria a representatividade por estado. Mato Grosso, por exemplo, aumentaria de 8 para 9 deputados. O Congresso tem como responsabilidade aprovar, até 30 de junho de 2025, uma lei complementar que atualize o número de cadeiras de cada estado na Câmara dos Deputados. Caso as mudanças não sejam implementadas até o prazo final, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) irá definir o número de deputados federais de cada Estado, incluindo o Distrito Federal, até 1º de outubro de 2025. A decisão da Suprema Corte foi tomada em agosto de 2023. Todos os ministros concordaram com o relator, ministro Luiz Fux, e ressaltaram a relevância desse ajuste. A falta de ação legislativa foi considerada prejudicial ao funcionamento do sistema democrático e à justa representação das populações estaduais. A atual composição da Câmara dos Deputados não passa por mudanças há 30 anos, desde a última atualização em 1993, que se baseou nos dados do censo de 1991, coincidindo também com a edição inaugural do Jornal Sô Foca. A determinação não apenas impactará a Câmara dos Deputados, mas também influenciará a quantidade de cadeiras nas Assembleias Legislativas a partir das eleições de 2026. Vale destacar que o número total de deputados federais não será alterado, permanecendo em 513. Em resumo, de acordo com projeções do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), sete estados ganharão mais deputados, outros sete perderão vagas, enquanto 12 estados e o Distrito Federal manterão suas representações e, portanto, não resultará em aumento nos gastos públicos. Para a professora doutora em Direito Constitucional da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Waleska Piovan, a decisão do STF é fundamental a fim de conferir adequada distribuição de recursos, bem como eficiente planejamento e implementação de políticas públicas para cada região do país ou estado. “Um estado da federação que possua menor número de representantes em relação à população fica sub representado em várias decisões que competem ao Poder Legislativo, o que pode ocasionar menos destinação de recursos financeiros, menos planejamento de políticas como as de infra-estrutura e habitação, e, por fim, menos implementação de tais políticas, com a consequente precarização dos serviços públicos daquela região”, exemplifica a especialista. Os atuais representantes de Mato Grosso na Câmara Federal são as deputadas Amália Barros (PL) Gisela Simona (UB), Flavinha (MDB), Coronel Fernanda (PL) e os deputados Abílio Brunini (PL), José Medeiros (PL), Emanuelzinho (MDB) e Coronel Assis (UB). Em entrevista para o Sô Foca, o deputado Coronel Assis destaca que para o estado em termos de representatividade, ter mais uma cadeira na Bancada Federal “é muito importante”. Ele ressalta que isso “faz toda diferença” na mobilização dos parlamentares para defender os interesses das regiões Centro-Oeste e Norte, que diferem significativamente da região Sudeste, onde estão as maiores bancadas, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, seguidas pela Região Sul, que também possui grandes bancadas. “Hoje, por termos uma bancada relativamente pequena, sempre quando estamos diante de temas de grande repercussão, precisamos de uma verdadeira força tarefa para unir as bancadas de outros estados com realidades parecidas com a de Mato Grosso para conseguir viabilizar uma aprovação ou impedir que se avancem projetos que sejam prejudiciais para os interesses das nossas regiões. Evidentemente que uma vaga a mais para Mato Grosso não vai acabar com esse problema, mas auxiliará muito", explica Assis . A mudança também irá refletir na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT). Conforme o sistema político brasileiro de representatividade proporcional, uma unidade federativa que possui até 12 deputados federais deve possuir o triplo de representantes na Casa de Leis Estadual, ou seja, passando de 24 para 27 deputados estaduais. A Câmara de Vereadores de Cuiabá também passará por mudanças, não pelo aumento do número de parlamentares mato-grossenses no Congresso, e sim pelo seu contingente populacional. Conforme a legislação, municípios que possuem entre 600 mil e 750 mil habitantes devem possuir 27 vereadores. De acordo com o Censo 2022, a capital contabiliza 650.912 habitantes, isso significa que nas eleições municipais de 2024 os cuiabanos irão eleger 27 representantes, algo aprovado pelo parlamento municipal em 03 de outubro de 2023. COMPOSIÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Dados divulgados em 1º de fevereiro de 2023 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em conjunto com a Câmara dos Deputados e o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), revelaram a composição da Câmara dos Deputados em termos de gênero e raça. De acordo com as informações disponibilizadas, a Câmara dos Deputados é composta por 90 deputadas (17%) e 423 deputados (82%). Quanto à raça, 370 são brancos (72,12%), 107 são pardos (20,86%), 27 são pretos (5,26%), 5 são indígenas (0,97%), 3 são amarelos (0,58%) e 1 não informou sua raça (0,19%). Embora as mulheres sejam maioria na sociedade brasileira, como aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD Contínua de 2022, onde 48,9% são homens e 51,1% são mulheres, elas ainda representam uma minoria no poder legislativo. O cientista político, advogado e professor da UNEMAT, Raimundo França, faz uma análise dos dados e observa que, mesmo com as alterações na legislação eleitoral desde 2011, que tornaram obrigatório o financiamento, especialmente para candidaturas femininas, e mais recentemente, o financiamento também para campanhas de candidatas e candidatos negros, essas medidas não têm surtido o efeito esperado. "O contexto da competição política em si é fortemente dominado por homens, considerando a questão de gênero. Esse é um universo que reflete o patriarcado arraigado na representação política no Brasil, o que, em certa medida, afasta uma participação feminina mais efetiva na arena política. Basta ver que há tratamentos diferenciados quando você tem um candidato homem e uma candidata mulher no universo da competição política propriamente dita ou no exercício do poder”, destaca França. Na visão do professor, o pluralismo político, nesse contexto, surge como uma solução que pode corrigir, em certa medida, a baixa representação ou a falta de representatividade mais significativa de negros, indígenas e mulheres na política. Para alcançar essa correção, é fundamental realizar uma revisão profunda do processo eleitoral, com o objetivo de estabelecer um pluralismo político efetivo, para além de partidos políticos. Raimundo França complementa que isso abriria caminho para a realização de eleições que verdadeiramente representem os grupos minoritários, por meio da implementação de taxas ou cotas de representação. Dessa forma, esses grupos teriam, ao longo de toda a legislatura, a garantia de uma representação de fato. A promoção da diversidade e da representatividade é fundamental para construir um país mais justo e democrático. Plenário - Sessão Solene / Câmara dos Deputados | Foto: Maryanna Oliveira
Mato Grosso demonstra sua forte inclinação política conservadora há pelo menos trinta anos, desde 1993. A linha do tempo tem início no ano em que a primeira edição do Sô Foca foi publicada. Se três décadas atrás o estado contava com parlamentares da direita clássica, hoje prevalece o bolsonarismo: sete entre os oito deputados federais eleitos por Mato Grosso, apoiam o ex-presidente Jair Bolsonaro, principal figura da extrema-direita. Entre titulares e suplentes, cerca de 46 parlamentares distintos (38 homens e 8 mulheres), passaram pela bancada federal de Mato Grosso nos últimos trinta anos. O levantamento feito pelo Sô Foca constatou, ainda, que o neoliberalismo continuou sendo pautado no projeto societário do estado através de alguns nomes emblemáticos como: Serys Slhessarenko, Wellington Fagundes, Celcita Pinheiro, Roberto França, Carlos Bezerra, Wilson Santos, Telma de Oliveira, entre outros. O cientista político e professor doutor da Universidade Federal de Mato Grosso, Bruno Araújo, explica que embora 20 partidos políticos estejam em representação na Câmara Federal e um total de 30 legalizados no Tribunal Superior Eleitoral, não existem muitos projetos no país. Essa pulverização no sistema político brasileiro facilita a alta adesão ao neoliberalismo. “Todos eles [partidos políticos] na sua grande maioria, veiculam o mesmo tipo de pensamento, é um pensamento muito vinculado ao neoliberalismo”, explica o professor doutor ao complementar que essa corrente de pensamento está presente nos diversos espaços da sociedade, desde a educação ao político. Recentemente os brasileiros presenciaram a ascensão da extrema direita, inclusive na bancada federal de Mato Grosso, quase sempre representada por ‘barões do agro’, mas que em 2018 e 2022, ao ‘surfar’ na onda do bolsonarismo, elegeu deputados ligados ao ex-presidente. Das oito cadeiras ocupadas, sete ainda se consideram apoiadores de Jair Bolsonaro, sendo eles: Amália Barros (PL), Coronel Fernanda (PL), Abílio Brunini (PL), José Medeiros (PL), Coronel Assis (UB), Juarez Costa (MDB) e Fábio Garcia (UB). Apenas Emanuelzinho (MDB) apoiou Lula (PT) e é um dos vice-líderes do governo petista. “Sem dúvida, a votação que Bolsonaro e os candidatos para a Câmara dos Deputados em Mato Grosso, diretamente vinculados a ele, tiveram são reflexos de um processo de influência ideológica que foi se construindo desde 2018, e que no caso específico do estado, mostrou uma força ainda maior nas eleições de 2022”, destacou o professor Bruno Araújo. Outra questão observada pelo especialista é que o grande número de partidos também prejudica a formação de chapas majoritárias, o que compromete a governabilidade e até mesmo a percepção das pessoas sobre o que defendem essas organizações partidárias. “Infelizmente, nós vivemos num país em que os partidos não têm capilaridade na sociedade. As pessoas não se identificam com eles, e isso também é um problema porque na medida em que não há a representação enraizada, não há uma conexão entre os partidos políticos e as pessoas, há sempre margem para o surgimento de pessoas que aparecem como salvadoras da pátria”, concluiu Araújo. REPRESENTATIVIDADE FEMININA? Em termos de presença feminina, a bancada federal do estado vive um momento histórico em que metade da bancada é formada por mulheres, uma vez que os parlamentares Fábio Garcia (UB) e Juarez Costa (MDB) estão licenciados e assumiram as suplentes, Gisele Simona (UB) e Flavinha (MDB). Junto a elas, estão as deputadas Coronel Fernanda (PL) e Amália Barros (PL). O espaço momentaneamente ocupado por mulheres, no entanto, não traduz o debate nem avanço de pautas feministas. “Quando falamos de representantes femininas na política precisamos pensar em duas esferas, na da presença e na das pautas. E nós temos ausências nas duas esferas”, constata a professora Nealla Valentim Machado, doutora em Estudos de Cultura Contemporânea do curso de Jornalismo da UFMT. “Muitas vezes, não é suficiente que se tenha uma mulher eleita se ela não defender pautas relacionadas aos direitos das mulheres”, conclui. Em 30 anos, bancada de MT dá à luz a extrema direita Na atual legislatura apenas um deputado mato-grossense não é ligado ao bolsonarismo e faz parte da base do governo Lula POLÍTICA Especial 30 anos 7 Deputadas Coronel Fernanda (PL), Gisela Simona (UB), Amália Barros (PL), Flavinha (MDB), respectivamente. Reprodução/Portal Câmara dos Deputados Quando falamos de representantes femininas na política precisamos pensar em duas esferas, na da presença e na das pautas. E nós temos ausências nas duas esferas.
UFMT investiga consumo de agrotóxico Tratamento de água contaminada com Paraquat resulta em piora na toxicidade, surpreendendo pesquisadores Estudo inovador está em andamento no Departamento de Química da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). A pesquisa foca nos impactos do Paraquat, um agrotóxico proibido no Brasil devido à sua alta toxicidade, em moscas drosófilas, também conhecidas popularmente por “moscas das frutas”. O objetivo principal é compreender a possibilidade de degradar esse agrotóxico em águas contaminadas, no entanto, os resultados obtidos até o momento surpreenderam os pesquisadores ao indicar um agravamento da toxicidade após o tratamento da água. O Paraquat, conhecido por seu uso como herbicida de amplo espectro, teve sua comercialização e utilização suspensas no Brasil, em 2017, pela Anvisa devido aos riscos associados ao desenvolvimento de doenças como Parkinson e mutações genéticas que podem causar câncer, além de impactos ambientais. No entanto, relatos de apreensões desse agrotóxico em diversas localidades do país revelam a persistência de seu uso ilegal, levando à necessidade de aprofundar os estudos sobre seus efeitos. Em fevereiro, 83 toneladas do pesticida e outras substâncias proibidas foram apreendidas em Mato Grosso, pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). Esse agrotóxico, quando utilizado, atua no combate às ervas daninhas da plantação. Segundo pesquisas que certificaram a proibição do uso do produto no país, o Paraquat fica contido nas plantas indesejadas, no solo e na própria plantação, contaminando as águas para irrigação de plantas, a água potável dos lençóis freáticos e de lagos e rios próximos. Frutos da plantação, como morango e abacaxi, por exemplo, também retém o agrotóxico, passando para os consumidores. Integrantes do Laboratório de Metabolismo Mitocondrial e Neurotoxicologia, o professor Anderson de Oliveira Souza, doutor em química, e o mestrando Douglas R. Lisboa se debruçaram sobre a investigação dos efeitos do Paraquat em moscas drosófilas, organismos frequentemente utilizados em pesquisas biológicas devido à semelhança com os genes humanos, sua rápida reprodução e facilidade de cultivo em laboratório. Em Mato Grosso, o laboratório é o único a realizar pesquisas com o animal. “Utilizamos dois métodos de tratamento da água contaminada por agrotóxico e tentamos observar qual é a margem de segurança deste agrotóxico, além de investigar quais efeitos tóxicos são encontrados se o tratamento não for feito da maneira correta”, diz o mestrando. No entanto, os resultados preliminares do estudo têm intrigado os pesquisadores. Após a exposição das drosófilas à água contaminada com Paraquat e o tratamento da mesma com métodos convencionais de degradação, os cientistas observaram que, ao invés de uma melhora na toxicidade, houve um aumento significativo nos efeitos adversos nos organismos. “Ao longo desse tratamento de purificação da água encontramos um produto mais tóxico que o original. É possível, quando não é feito o tratamento da maneira correta ou no tempo correto, gerar um composto mais tóxico para o ambiente do que o produto de origem”, explica Lisboa. Os pesquisadores estão agora redobrando os esforços para entender os mecanismos envolvidos nesse processo e explorar alternativas para a degradação segura do Paraquat e seus subprodutos tóxicos. Além disso, destacam a importância de políticas mais rigorosas de fiscalização e educação quanto ao uso responsável de agrotóxicos, a fim de prevenir sua utilização clandestina e proteger tanto o meio ambiente quanto a saúde pública. MUNDO A pesquisa também despertou o interesse da comunidade científica internacional para a 27ª Conferência Europeia de Pesquisa em Drosophila, em Lyon, França, no final de outubro. O grupo foi convidado para apresentar o projeto na conferência, que é referência para a comunidade científica. Outros três trabalhos do laboratório, que visa compreender os mecanismos neuroprotetores em “moscas da fruta”, serão apresentados no evento. O tratamento de águas e solos contaminados por agrotóxicos é um desafio a ser superado em todo o mundo. Conforme o Atlas des Pesticides (Atlas dos Agrotóxicos), de 2022, a América do Sul é o continente líder no uso de pesticidas, oferecendo riscos à população humana, animal e ao meio ambiente. Na França, o governo e os cientistas se aliaram na meta de despoluir o rio Sena até 2024, o objetivo da ação é que competições aquáticas das próximas Olimpíadas possam ser realizadas no rio. Enquanto o estudo continua a desvendar os mistérios por trás dos efeitos do Paraquat no organismo, a pesquisa já chama a atenção para a urgência de acender um alerta para uma abordagem mais abrangente e consciente em relação ao uso de substâncias químicas potencialmente perigosas, impulsionando a busca por soluções sustentáveis e seguras para a agricultura e para o meio ambiente. CIÊNCIA E SAÚDE SÔ FOCA 8 A pesquisa é desenvolvida no Laboratório de Metabolismo Mitocondrial e Neurotoxicologia, no departamento de Química. Foto: Rebeca Cruz Aponte a câmera para o QR Code e faça a leitura completa e online dessa edição.
30 anos estudando fósseis de dinossauros e plantas Nas últimas três décadas, a UFMT vem desenvolvendo pesquisas, descobertas e avanços no campo da paleontologia De pequenos organismos a criaturas colossais, o estudo dos fósseis permite revelar detalhes do que habitou a Terra há milhões de anos. Trata-se de um longo período, marcado pela variedade de espécies e transformações deste planeta. Os vestígios e fragmentos oriundos desse passado muito distante ajudam a entender esses momentos, a partir da exploração e análise conduzidas pelos diferentes ramos da paleontologia, alguns dos quais já presentes na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) com linhas de pesquisa pioneiras não apenas no estado, mas à nível internacional. Assim como os fósseis demonstram que existiam dinossauros com fenótipos diferentes e divergentes entre si, o mesmo pode se dizer das plantas. Objeto de estudo da paleobotânica, tais vestígios e fragmentos revelam características que ainda são encontradas nas plantas atuais. Essas descobertas ajudam, por exemplo, a entender o surgimento e o processo evolutivo das angiospermas. “A gente tem uma falsa ideia que a era dos dinossauros só tinha pinheiro, que é uma árvore sem flor, porém, desde a década de 90 já se sabe que as angiospermas surgiram muito antigamente e coexistiram com os dinossauros”, explica o professor doutor Edlley Pessoa, que desenvolve pesquisas com fósseis de plantas, na UFMT. Caracterizada pela presença de flores e frutos envolvendo suas sementes, as angiospermas estão presentes no nosso dia a dia, como as vitórias-régias e os abacateiros. Por meio do Laboratório de Estudos Integrados de Plantas (LEIP), os(as) pesquisadores(as) do Instituto de Biociências (IB) investigam o parentesco entre as plantas atuais e os fósseis encontrados na região do Crato, cidade do Ceará conhecida internacionalmente por ser um campo rico em fósseis do período Cretáceo. “Nós, seres humanos, temos veias, e as plantas também, só que, enquanto as nossas não têm um padrão exato, elas têm um padrão específico. É através desses padrões que a gente consegue saber qual a probabilidade maior dela ser da família x ou da família y. Nós juntamos todas essas informações para chegar a uma hipótese de qual seria a planta mais próxima daquele fóssil”, explica. Entre os trabalhos desenvolvidos que se destacam, está a publicação do artigo Rumo a uma visão atualística do paleoambiente Crato Konservat-Lagerstätte: uma nova hipótese como zona úmida equatorial e semiárida do Cretáceo Inferior (Aptiano), em tradução livre, na revista Earth-Science Reviews. Tendo como tema o paleoambiente da região do Crato, “o artigo foi publicado em uma das maiores revistas do mundo em 2021 e já acumula mais de 40 citações”, destaca Pessoa, que divide a autoria com outros(as) pesquisadores(as), como o professor doutor Alexandre Ribeiro, responsável pelas coleções de peixes e fósseis do IB. Para Edlley, a importância da produção científica pode ser observada, entre outros motivos, no entendimento das relações e interações entre espécies, seja de plantas ou de animais. “A partir de nossos estudos, podemos entender o surgimento de muitos grupos de insetos, pois estão relacionados com a reprodução das angiospermas. Quando essas plantas começam a se diversificar, os insetos diversificam juntos, porque eles estão trabalhando juntos. Quanto mais plantas diferentes, mais insetos diferentes. E esses insetos servem de alimento para outros animais, ou seja, a diversificação dos insetos ajuda a diversificação de outros animais também”, aponta, demonstrando como esse ciclo pode afetar diferentes níveis e escalas. O pesquisador explica que o surgimento das flores data do final do Período Jurássico, com a diversificação de espécies ocorrendo durante o Período Cretáceo. Ambos os períodos compõem a Era Mesozóica, que teve início no Período Triássico há cerca de 250 milhões de anos e durou em torno de 185 milhões de anos. Segundo o professor, Chapada dos Guimarães, uma importante região fossilífera mato-grossense, também tem fósseis de plantas, mas são ou de um período muito mais antigo que os do Ceará, de quando existia vida somente dentro das águas, ou não relacionadas à sua linha de pesquisa. 30 ANOS ATRÁS Neste ano de 2023, completa-se três décadas desde que Francisca Medeiros, então estudante e repórter da edição 0° do Jornal Sô Foca, noticiou a descoberta de abre aspas: fósseis de vertebrados reptilianos (família a que pertencem os dinossauros), fecha aspas no Morro do Cambambe, localizado em Chapada dos Guimarães, pela paleontóloga doutora Raquel Quadros, então professora do curso de Geologia da universidade. Exposição de réplicas e fósseis de dinossauros no Museu de Ciências Naturais da PUC Minas. Foto: Rebeca Cruz 9 CIÊNCIA E SAÚDE Especial 30 anos
CIÊNCIA E SAÚDE 10 Especial 30 anos Embora não se tratasse dos primeiros fósseis de dinossauros encontrados na região, a descoberta integra uma série de significativas contribuições que marcam o início do estudo desenvolvido por pesquisadores e pesquisadoras locais, vinculados à UFMT, em um campo científico antes dominado pela iniciativa externa. Abre aspas: Antes, até então, as pesquisas eram feitas por pesquisadores de outras regiões, em geral universidades ou centros de pesquisa do sudeste, fecha aspas, contextualiza o professor Caiubi Kuhn, presidente da Federação Brasileira de Geólogos (FEBRAGEO). Além da descoberta de fósseis, a matéria abre aspas: Dinossauros viveram em Chapada? Fecha aspas, trazia, ainda, o resultado das pesquisas geocronológicas e de datação realizadas durante mais de uma década: a região de Chapada dos Guimarães já tinha sido mar. Embora a existência de um mar abre aspas: raso, calmo e de águas muito frias, fecha aspas, no passado destoe do atual, abre aspas: cenário de paredões, precipícios, cavernas e cachoeiras de Chapada, fecha aspas, conforme as descrições feitas por Medeiros em sua matéria, novas descobertas revelam que a região já passou por uma série de transformações e paisagens. “Nós vamos encontrando em Chapada o registro desses vários momentos da história do nosso planeta, momentos esses que retratam tempos geológicos. A região fez parte de uma grande cordilheira, foi inundada pelo mar em duas ocasiões e abrigou vulcões, além de ter sido um deserto”, contextualiza. O professor acrescenta que o trabalho paleontológico envolve não apenas a vertente científica, mas também desempenha um papel educacional. “Existe a parte, muito importante, de se contar a história do planeta e de incentivar os jovens a ter interesse pela ciência. Então, o que a gente consegue olhar nesses 30 anos é que a UFMT continuou a sua missão em termos de formar pessoas e de auxiliar na divulgação científica, seja pela ação dessas pessoas que foram formadas, seja pelas próprias instituições que acabaram se consolidando dentro e fora da UFMT, pela atuação dessas pessoas”. Para Caiubi, o estudo local passou a ser realizado e incentivado a partir da criação do curso de Geologia na UFMT em 1975 e da atuação de Quadros. “A professora Raquel é uma das grandes responsáveis pela formação dos primeiros pesquisadores paleontológicos no estado, entre elas a Suzana Hirooka, que foi a minha orientadora, e a paleontóloga Silane Caminha. Então, julgo que eu sou a terceira geração dessa linhagem de pesquisadores”, conclui. Paleontóloga, professora e atuante na área de micropaleontologia, Silane Caminha ressalta que “nosso entendimento sobre evolução de vida microscópica com registros deixados em rochas do pré-cambriano coletadas em calcários do estado tem sido ampliado nos últimos anos e com crescente número de trabalhos de dissertações e com parcerias de empresas de renome nacional e parcerias também internacionais”. Apesar dos avanços na área, Silane lamenta a falta de investimentos para ampliação da exploração. Ela destaca que há poucos profissionais atuando em paleontologia, no terceiro maior estado do país, e que o aumento no fomento e na contratação de profissionais seriam fatores chave para maiores desenvolvimentos nas próximas três décadas. Como é possível observar, os avanços alcançados, seja pelos pesquisadores e pesquisadoras da UFMT ou em colaboração com a instituição, não se refletem apenas em uma disciplina do estudo com fósseis, nem se limita a um determinado período da história, mas se baseiam na força de vontade daqueles e daquelas que tomam a iniciativa e provocam à universidade a reagir, como nas parcerias, pesquisas e criações que beneficiarão as próximas gerações, tanto da sociedade quanto da comunidade acadêmica. Registro fóssil de planta pertencente ao grupo das angiospermas, parte do acervo das coleções de peixes e fósseis do Instituto de Biociências da UFMT. Foto: Rebeca Cruz Réplica de Tiranossauro com base em registros fósseis encontrados em Chapada dos Guimarães, exposta no Museu Dom Aquino, em Cuiabá. Foto: Rebeca Cruz
Depressão e ansiedade seguem órfãos do feminicídio 36 filhos perderam suas mães apenas no primeiro semestrede 2023 em Mato Grosso Eduarda Alexandre, 17 anos, estudante. Thays Machado, 44 anos, advogada. Ana Paula Magalhães, 41 anos, dona de casa. Cristiane Castrilon, 48 anos, advogada. Mulheres e mães com idades, vivências e desejos que as distanciam, na mesma medida que o feminicídio as aproxima. Em Mato Grosso, todas foram vítimas da última etapa do ciclo de violência contra a mulher, tipificado no Código Penal Brasileiro desde 2015. Conforme a Lei nº 13.104/15, o crime de feminicidio é o assassinato de mulheres por razão do gênero feminino, seja em contexto de violência doméstica ou desigualdade de gênero. São mulheres cujas marcas da violência ecoam nos sonhos interrompidos e nas famílias abaladas. Como consequência desses assassinatos, cerca de 70 crianças perderam as suas genitoras apenas no ano de 2021. Deste número, 21 crianças são filhas dos autores do crime, que, segundo o Anuário de Violência Contra a Mulher de 2021, correspondem a companheiros ou ex-companheiros das vítimas. Dados revelam que 108 mulheres foram mortas pelo crime contra mulher entre 2021 e junho de 2023, este número é resultado de um levantamento de crimes de feminicídio realizado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT).Desses casos, dois acontecimentos registrados no ano de 2023 comoveram Mato Grosso: o de Emily Bispo, de apenas 20 anos, e de Leila Maria da Silva, de 40. No dia 16 de março de 2023, Emily Bispo foi esfaqueada pelo ex-namorado em uma rua do bairro Pedra 90, em Cuiabá. Ele não aceitava o término do relacionamento. Emily foi assassinada na frente do filho, uma criança de 4 anos, que presenciou a morte violenta de sua mãe enquanto iam juntos para a escola. Cinco meses depois, em 28 de agosto, em Tangará da Serra, outra criança presenciou a morte de sua mãe. Leila Maria da Silva foi espancada pelo ex-companheiro, e o seu filho de 12 anos, que assistiu a fatalidade saiu de casa pedindo socorro pela vizinhança, mas ao retornar à residência, encontrou sua mãe sem vida na varanda. Segundo o Promotor de Justiça do Ministério Público de Mato Grosso e integrante da Rede de Proteção à Mulher, Thiago Afonso, o cenário de violência doméstica no ano de 2023 é alarmante. Dados da Polícia Civil de Mato Grosso mostram que no primeiro semestre deste ano, 18 mulheres foram mortas pelo simples fato de serem mulheres. Os principais suspeitos dos crimes são homens com quem as vítimas se envolveram, como em um casamento, ou breve envolvimento amoroso. “Conversando entre nós, integrantes da Rede de Proteção à Mulher, ficamos um tanto quanto frustrados e perplexos, porque a impressão que dá é que a gente intensificou o nosso trabalho, a rede se fortaleceu, os mecanismos de proteção à mulher estão mais fortalecidos, mas isso contrasta com esse aumento exponencial das mortes violentas de mulheres”, afirma o representante do Ministério Público de Mato Grosso (MP-MT) na rede que é composta pela instituição, pelo Poder Judiciário, Defensoria Pública e outros quatro órgãos. VÍTIMA INDIRETAS Somente no primeiro semestre de 2023, 36 filhos perderam suas mães e se tornaram vítimas indiretas do feminicídio. Segundo a psicóloga Katia Serpa, profissional que já atuou no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi), ao conviver com episódios de agressões durante a infância, a pessoa fica suscetível a reprodução do comportamento observado em seus responsáveis, seja no papel de agressor ou vítima, fazendo com que os traumas dessa experiência cheguem a vida adulta. “Dependendo de como foi criada, a criança pode apresentar patologias mais graves como comportamentos antissociais e agressivos. Em alguns casos, a pessoa repete o comportamento de uns dos genitores, podendo se tornar agressor ou vítima; e desta forma, continua-se o padrão transgeracional famíliar”, explica Serpa. A saúde mental dessa criança, que perdeu sua mãe para o feminicídio, também foi estudada por Valdir Florisbal Jung e Carmen Hein de Campos, em 2019. No artigo científico, os estudiosos definiram o feminicídio como o encerramento de um círculo extremo de violência contra a mulher. Ao terem suas mães mortas de forma precoce, crianças e jovens são privados de convivência com sua figura materna e têm a saúde mental e social comprometidas, sendo assim, vítimas indiretas da fatalidade que acomete mulheres. Reforçando esse ponto, a psicóloga Katia Serpa afirma que além do prejuízo à saúde mental, a socialização daquela pessoa pode se ver alterada, mostrando-se mais retraída, temerosa, desconfiada do mundo e das pessoas. “Essas crianças podem passar a ter um baixo rendimento escolar. Isso não ocorre por não serem inteligentes, mas sim porque o cérebro está em constante modo sobrevivência” (Katia Serpa, psicóloga). O fato de perder a figura materna pode trazer muitos impactos negativos para o desenvolvimento dessas crianças, já que elas terão que lidar com a perda da mãe, que é, na maioria das vezes, a principal referência adulta dela. “Nós somos seres emocionais, e sociais e a ausência materna gera uma enorme ferida. Uma falta insubstituível. A mãe é a primeira mestra na vida de uma pessoa e com ela aprendemos a nos sentir amados e seguros no mundo. Perdê-la gera sensação de vazio emocional e solidão para essas crianças”, assegura a psicóloga. Após o registro do caso de feminicídio, o Ministério Público, bem como a Rede de Proteção à Mulher, passam a atuar na defesa das famílias e filhos das vítimas desse caso extremo de violência que atinge as mulheres. “Dos três primeiros feminicídios, registrados em Cuiabá [em 2023], dois deles envolviam menores. E nós sempre temos o hábito, durante o inquérito policial, antes ou depois do oferecimento da denúncia, com o processo em curso, de acionar essa equipe multidisciplinar que atua no núcleo de defesa da vida”, explicou o promotor. Afonso salientou que há a intervenção de uma equipe própria, dedicada especialmente para observar os familiares e fazer o levantamento dos órfãos, que são as vítimas indiretas do crime. A etapa permite que os menores de idade sejam encaminhados para receber tratamento contínuo psicossocial e a partir disso, receberem um benefício financeiro. Para a psicóloga Katia Serpa, os danos do feminicídio podem acompanhar as vítimas indiretas por toda a vida, podendo resultar em transtornos psicológicos como depressão, ansiedade patológica, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). O acolhimento familiar aliado ao acompanhamento psicológico e pedagógico são formas de minimizar essas sequelas. No âmbito escolar, o comportamento introspectivo e agressivo são sinais que precisam ser observados com atenção, de acordo com Angélica Lopes de Barros, 46 anos, que é diretora de uma unidade educacional em Cuiabá. O primeiro passo é observar a criança de perto, para depois serem tomadas providências para resolver possíveis conflitos e fazer a ressocialização da criança afetada. “Após o processo de observação, faz-se um convite para a família conversar com a equipe gestora, essa conversa é para saber e entender o que está acontecendo com essa criança para que juntos possamos traçar um caminho para ajudá-lo, através de atividades, rodinhas de conversas, onde o assunto é posto em pauta para que a criança possa refletir e sentir-se à vontade para falar”, aponta a diretora. Além disso, outras ações podem ser colocadas em prática para garantir o suporte emocional da criança e auxiliar no seu desenvolvimento, como a realização de palestras, teatros, contos com temas a serem trabalhados coletivamente. “É importante que a família e a escola possam reconhecer e buscar maneiras de intervenção e prevenção necessárias para ajudar essa criança”, reitera a profissional da Educação. SÔ FOCA COTIDIANO 1 1 Fotografia que retrata as faces da depressão e o sentimento de prisão interior. Foto: Freepink
Ainclusão de cegos e pessoas com baixa visão em atividade esportiva é um desafio que ganha fôlego a partir das experiências de pessoas com deficiência (PcD) nas academias em Cuiabá, especialmente pela persistência de atletas e esforço de entidades ligadas à causa. Contudo, seja na capital de Mato Grosso ou em outras regiões do país, os espaços de treino ainda são pouco acessíveis e cercados de estigma social. A veterana e ex-jogadora da Seleção Brasileira de Goalball, Claudia Amorim, 47 anos, que tem mais de duas décadas de experiência com o esporte paralímpico, enfatiza a necessidade de acompanhamento profissional para cegos ou pessoas com baixa visão durante os exercícios e explica que a falta de acessibilidade não atinge apenas as academias cuiabanas. A Lei Brasileira de inclusão, (nº 10.098/2000) prevê acessibilidade para ambientes públicos e privados, incluindo as academias. Para atender as demandas de pessoas com deficiência visual, esses estabelecimentos devem considerar adaptações, como por exemplo, indicações em braile, uso de piso tátil, além de dispor de profissionais instruídos para orientar adequadamente os exercícios. Essa, no entanto, não é a realidade de muitos estabelecimentos do gênero. Doracil Maria de Oliveira, que assim como Claudia, é atleta de goalball da Associação Matogrossense de Cegos (AMC), explica que em 14 anos de esporte, se deparou com poucas academias que trazem segurança e acessibilidade para pessoas Desafio da inclusão de deficientes visuais em academias Barreiras persistem para deficientes visuais em academias, apesar da busca por inclusão e acessibilidade SÔ FOCA COTIDIANO 12 com deficiência visual na capital de Mato Grosso. “Não é só em Cuiabá”, diz a atleta veterana sobre falta de acessibilidade em academias. A experiência não se limita a questões estruturais. Claudia Amorim, que conheceu de perto a realidade de muitas regiões do país, reforçou que a falta de acessibilida se manifesta tanto na estrutura física desses ambientes, quanto no atendimento aos usuários. Maxwell Valente, 26 anos, jogador que atua como ala ofensivo na Seleção Brasileira de Futebol de Cegos, relatou à reportagem que foi 'convidado' a deixar a academia que frequentava em Cuiabá. Ele foi informado de que treinar no local poderia representar riscos de lesões devido aos instrumentos utilizados. Embora enfrentando grandes desafios e barreiras que atingem os espaços de saúde e bem-estar, atletas brasileiros têm conquistado reconhecimento em diversas modalidades paralímpicas. Desde 2011, a equipe de goalball feminino da AMC levou oito taças do Regional Centro-Norte de Goalball para casa. O ala ofensivo, junto com a seleção brasileira de futebol de cegos, levou dois ouros em competições internacionais em 2019. Atualmente, Maxwell treina na capital de MT com o técnico Carlos Henrique Almeida. Com relação aos próximos jogos, o ala ofensivo compartilhou que o treino tem ganhado ainda mais intensidade para dar o condicionamento necessário para a seleção verde e amarela enfrentar os adversários no Parapan, que acontece no Chile entre 17 e 25 de novembro de 2023. “A gente se supera a cada dia, só de estar brigando pelo título com os melhores jogadores. Penso muito em tudo que o futebol de cegos me trouxe, sou uma pessoa melhor não só profissionalmente, como também alguém mais participativo na sociedade. Estamos conseguindo, devagarinho, quebrar essas barreiras e conquistar mais espaço, afinal, de todas as cinco edições das paralimpíadas, o Brasil foi o vencedor”, destacou o atleta. Conscientes dos desafios, associações como a AMC continuam a lutar por maior acessibilidade nos espaços públicos e privados, para que pessoas com deficiência visual possam participar de atividades comuns do dia a dia e frequentar espaços de saúde física. Há mais de 30 anos, a associação fundada e dirigida por pessoas cegas e de baixa visão abriu as portas para acolher e oferecer serviços e oficinas importantes para a reabilitação e autonomia, como o Braile, esportes, orientação e mobilidade. Juarez de Almeida Albuês é diretor de Comunicação e Marketing da instituição e defensor de uma política de enfrentamento à exclusão. “A pessoa com deficiência não pode ser excluída do lugar que não tenha acessibilidade. Ela tem que ir e fazer valer seu direito de cidadão, porque além de tudo, é cidadã e merece ser contemplada em respeito e auxílio. Se não for feita a constatação pública, as coisas não vão ser arrumadas”, concluiu. NA UFMT Em entrevisa ao Sô Foca, Tomires Lopes, diretor da Faculdade de Educação Física da UFMT, destaca o papel desta área do conhecimento na formação de educadores físicos que vão atuar na saúde e bem-estar de pessoas não-deficientes e com deficiência. “A educação física ensina o futuro profissional e quando ele está como profissional, ele também atua como monitor, como estagiário dentro dos projetos que a gente consegue absorver pessoas com deficiência”, afirma. Maxwell é ala ofensivo na Seleção Brasileira de futebol de cegos Foto: André Prado Claudia Amorim e Doracil Oliveira, veteranas do goalball, treinam para melhorar performance em quadra. Foto: Giovana Giraldelli
Desafios do Transporte Público em Cuiabá e VG Em enquete, 78,8% dos participantes elencam a superlotação como principal problema Cuiabá tem a segunda tarifa de ônibus mais alta entre as capitais do Centro- -Oeste, com o valor da passagem a R$ 4,95. Entretanto, esse custo elevado não é convertido em um serviço de qualidade e diversos problemas são relatados pelos usuários: atrasos, superlotação, falta de climatização são as principais queixas da baixada cuiabana. A definição da tarifa na capital mato- -grossense é atribuição da Comissão Municipal de Transporte, que é composta por diversos membros, incluindo representantes da Associação Matogrossense dos Transportadores Urbanos (MTU), da Associação dos Usuários de Transporte Público de MT (ASSUT-MT), a Câmara Municipal de Cuiabá, Fecomércio-MT e outras 13 organizações. Voluntário na ASSUT-MT, Ademir Souza, 57 anos, conta que normalmente a entidade é “voto vencido” na pauta relacionada com o aumento do valor das passagens. “Nós somos o diferencial, quando tem aumento de passagem, somos sempre contra. Como somos minoria, a gente não tem força. Ali [sic] é o prefeito, a secretaria e os demais”, lamenta. A cadeira da entidade na comissão e sede ficaram desativadas por um longo período de tempo ao final do mandato do presidente Amado Santiago. O motivo é que faltava pessoas para atuar na associação e estava desmobilizada. Ao fim do mês de agosto, a ASSUT elegeu uma nova diretoria e Pedro Aquino foi eleito novo presidente da entidade. De acordo com a prefeitura de Cuiabá, a capital dispõe de 360 veículos para atender a demanda de 205 mil passageiros todos os dias. Além da quantidade ser baixa para suprir a população, a condição física dos veículos também é preocupante. “O ônibus estava caindo aos pedaços, sem ar-condicionado, e se o motorista acelerasse mais um pouco o motor morria [sic]”, relata a estudante de 18 anos, Sofia Martins. O problema de mobilidade urbana é agravado com a falta de alternativas para o transporte público na região. De acordo com levantamento feito pela reportagem, Brasília ocupa o primeiro lugar no ranking dos preços no Centro-Oeste, com passagens a R$5,50 e inclui o benefício de integração com outros modais, como metrô ou Bus Rapid Transit (BRT). Sem esse recurso, os usuários de Cuiabá ficam à mercê de veículos antigos, precários e sem ar condicionado. Em oposição à realidade de muitos usuários, dados da Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Cuiabá (Arsec) apontam que 7 a cada 10 ônibus estão climatizados. Sete anos atrás, o transporte público municipal foi assunto da edição do Sô Foca e diversos problemas foram expostos. O vereador Dilemário Alencar (PODEMOS) aceitou o desafio de pegar ônibus do Pantanal Shopping ao Terminal do CPA I e sem ar condicionado, transpirou durante o trajeto e sentiu na pele o efeito sardinha com a superlotação. As quatro empresas vencedoras do processo de licitação formalizaram a meta de equipar 100% dos ônibus com ar-condicionado até 2026. A situação de Várzea Grande não é muito diferente. A União Transportes, empresa responsável pela operação na cidade entre 2001 e 2022, ocupou o primeiro lugar no ranking de reclamações dos usuários na ouvidoria da Agência Reguladora Estatal (AGER-MT), que fiscaliza a atividade, desde que o índice passou a ser publicado. Após o vencimento do contrato no final do último ano, as empresas União Transportes e Integração Transportes, que atua em Cuiabá, se juntaram para formar o Consórcio Metropolitano de Transporte (CMT), que assumiu o transporte intermunicipal.As duas empresas têm como co-proprietário o deputado Eduardo Botelho (UB), líder nas pesquisas de intenção de voto para Prefeitura de Cuiabá em 2024.Para contornar a falta de pontualidade, usuários do intermunicipal e das principais linhas de Cuiabá criaram grupos no WhatsApp para se comunicarem. Lá, os membros compartilham sua localização em tempo real, de forma voluntária, para que outras pessoas saibam exatamente onde está o ônibus. O estudante de Engenharia Civil Bruno Cardoso, 20 anos, usuário das linhas 07 e 17, relata que a estratégia melhorou o entendimento dos horários e trajetos. “A cada semana eles [MTU] mandam um horário diferente, e o layout que fazem é muito complicado de entender, mesmo quando o horário está certo”, disse. Uma enquete realizada neste e em outros grupos parecidos, apontou que 78,8% dos participantes elencam a superlotação como principal problema dos transportes públicos. Em seguida, tempo de espera (72,7%) e falta de gratuidade para os estudantes (66,7%). Até o fechamento da reportagem, a Avenida da FEB, principal via de acesso que liga Várzea Grande a Cuiabá, está em andamento com obras para revitalização e, posteriormente, implantação do BRT. A ideia é que o modal descentralize o movimento de pessoas nas duas cidades. TRANSTORNOS COM O PASSE-LIVRE Em julho de 2023, estudantes foram surpreendidos ao terem o acesso bloqueado ao ônibus. O cartão de estudante, que até então garantia acesso gratuito e ilimitado, teve sua disponibilidade reduzida para duas viagens por dia. Outra alteração sem aviso prévio tornou obrigatória a validação do cartão em máquinas localizadas nas instituições de ensino. A mudança afetou milhares de estudantes, inclusive Sofia Martins, que estuda de manhã e faz curso pré-vestibular aos sábados. Ela foi informada pela MTU que deveria fazer dois cartões estudantis: um para escola regular e outro para o curso pré-Enem. "Eu não tenho acesso ao lugar que recarrega. Eu faço o curso no Auditório, e a maquininha [sic] fica dentro da escola, a gente não é permitido entrar lá. Qual a necessidade de ter dois cartões, quando posso ter só um?”, indagou a estudante. Procurada para prestar esclarecimentos sobre a situação, a MTU ressalta que não decide esse tipo de mudança e que apenas cumpre a Lei Municipal. Em Várzea Grande, os estudantes que usam o transporte intermunicipal pagam 50% da tarifa, ou seja, R$2,47 por passagem. A prefeitura de Várzea Grande só disponibilizou o passe livre na linha municipal em fevereiro de 2023, implementando a Lei n. 2758/2005 quase duas décadas depois de sua propositura. De acordo com a prefeitura, é responsabilidade do Estado subsidiar o transporte de estudantes entre as cidades. OS PRÓXIMOS PASSOS COM O BRT O BRT é uma proposta no transporte público regional. O projeto original conta com 12 estações em Várzea Grande e a reconstrução do Terminal de Integração André Maggi. Em Cuiabá, o projeto inclui 32 estações e a reconstrução de terminais do Coxipó, CPA I e também as estações do centro da cidade. O projeto visa descentralizar o movimento de pessoas, substituindo o sistema atual por um modelo tronco-alimentador. Nesse sistema, ônibus 'troncos' circulam continuamente nas avenidas movimentadas da cidade, enquanto ônibus 'alimentadores' das rotas dos bairros se conectam a eles em diferentes pontos. Em Várzea Grande, os comerciantes da Av. Couto Magalhães protestaram contra a presença do modal na avenida e alegam que as obras vão prejudicar as vendas. A prefeitura cedeu à pressão dos empresários: o modal não entrará no centro da cidade e o destino final será o terminal que deve ser construído em frente ao Aeroporto Marechal Rondon. Até o fechamento desta matéria não foram divulgados os detalhes sobre essa mudança. Na Av. Couto Magalhães estava prevista a construção de cinco estações para cumprir com o propósito de descentralizar os embarques do atual Terminal André Maggi. Essa alteração coloca uma interrogação no cumprimento do propósito da obra e se esse novo espaço irá comportar o alto fluxo de pessoas que transitam no atual terminal. SÔ FOCA COTIDIANO 13 Em referência ao quadro “Operários”, passageiros de ônibus sentem efeito sardinha. Ilustração: Fabrício Almeida
Resgatando o passado e mapeando o futuro Cuiabá entre 1992 e 1995 e o reflexo nos dias atuais sob olhar de Camila Bini Ese pudéssemos voltar no tempo e visualizarmos Cuiabá de 28 anos atrás? Camila Bini, hoje formada e proprietária de uma empresa que de assessoria de comunicação, na época ainda cursando Jornalismo, realizava esse raio-x de uma cidade em pleno desenvolvimento, entre 1992 e 1996. Na função de repórter para o jornal Sô Foca, recorda que o seu processo de construção era realizado na disciplina de Edição Jornalística, ministrada pelo docente Ailton Segura. A turma era composta por alunos de vários semestres. O ano era 1995, com recursos limitados, precisou realizar toda a apuração de forma presencial, embora raramente tenha tentado entrar em contato com a prefeitura de Cuiabá por meio de telefone público, o “orelhão”. Com poucos ônibus rodando na cidade, Camila recorda todo trajeto a pé que precisou realizar na expectativa de conseguir um horário para que alguém da Secretaria de Desenvolvimento Urbano pudesse a atender. “Tudo precisava ser realizado de forma presencial, até mesmo a tentativa de um horário com a fonte”, relata. Sob o título 'Capital de MT cresce e amplia seus problemas', o texto traz em seus primeiros parágrafos um total de 538.148 habitantes, representando um aumento de 111.085 em relação a 1992, quando a população era de 425.093. A matéria apresentou um panorama geral das questões sociais que Roberto França enfrentaria na gestão da capital entre os anos de 1996 e 2000. Entre as demandas que mais chamam a atenção, e ao mesmo tempo causam preocupação na época, está a mobilidade urbana, especialmente porque a cidade havia sido planejada em uma era colonial na qual se utilizavam carroças como meio de transporte. Com cinco empresas atuando no transporte coletivo, o número total de ônibus somava 323, no entanto, apenas 280 estavam em operação (dados do Instituto de Pesquisa de Desenvolvimento Urbano de 1995). Esses ônibus transportavam mais de 196 mil pessoas diariamente. Ainda que esse não fosse o problema mais significativo da capital, possivelmente foi um dos motivos pelos quais a população optou pela aquisição de veículos particulares. De acordo com o Detran, em 1992, havia 7.465 carros registrados, número que saltou para 100.300 em 1995. A cidade passava por um processo de descentralização como uma alternativa para reduzir o custo de construção de casas populares. No entanto, as áreas mais afastadas sofriam com a falta de acesso a serviços básicos e infraestrutura, o que ainda se reflete nos dias atuais. Com mais de 650 mil habitantes em 2023, de acordo com a Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob), a diferença no número de transportes públicos não é muito grande, totalizando 369 veículos, o que mais uma vez se reflete no número de veículos particulares, que ultrapassam a marca de 450 mil Apesar das dificuldades enfrentadas, o que fez com que a matéria levasse mais tempo do que o desejado para ser concluída, Camila traz consigo uma herança familiar relacionada a esse processo histórico da capital. Como filha do professor, pesquisador e historiador Carlos Alberto Rosa, Camila sempre teve uma visão única e enriquecedora de Cuiabá. Esse conhecimento a levou, a convite da professora Sônia Zaramella, na época coordenadora regional da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação), a se reunir com seu irmão Bruno Bini em 1997 para criar o Guia de Cuiabá, que foi apresentado no III Simpósio de Pesquisa e Comunicação do Centro-Oeste. Camila considera “uma visão Camilal da cidade” que é influenciada pela referência familiar que sempre a ajudou a desmistificar alguns estereótipos criados em relação à cidade. Um olhar para além desse calor de rachar e usufruindo de um linguajar menos jornalístico para a produção. Concluindo a graduação no mesmo ano, fez do caderno de cidades o seu pontapé no mundo do trabalho, atuando no Diário de Cuiabá, mas também atuou como professora na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e em um outro jornal de economia até se tornar empresária. Ao longo desses anos, período em que o jornalismo era carregado de mais função social, até porque não existiam tantas assessorias de comunicação como hoje. Camila avalia que algumas evoluções geraram perdas significativas, principalmente a humanidade nos textos. "Apesar de se desenvolverem novas tecnologias que permitem contato com a fonte em segundos, a gente perde muito, quando não olhamos nos olhos do indivíduo”, reflete. Por esse motivo, ela é contra a ideia de que o trabalho desempenhado por pessoas que não são da área ou pela inteligência artificial assumirá a função do jornalista.Mesmo que esses agentes possam gerar grande quantidade de conteúdo informativo, é o jornalista o verdadeiro responsável por dar razão social aos textos e narrativas. Nesse sentido, ainda que uma grande reportagem seja concluída no prazo de uma hora, pela necessidade do “agora”, existem fatores a serem considerados, como a saúde mental dos profissionais do jornalismo e a qualidade da matéria, uma vez que a falta de checagem pode prejudicar o entendimento dos fatos. No entendimento de Camila, uma matéria só obtém sucesso “quando engaja pela capacidade de humanidade que ela tem, pois o leitor se identifica com aquilo que está sendo exposto”. De modo geral, o privilégio de crescer conhecendo a capital por outros ângulos permitiu à Camila aflorar um jornalismo para além de relatar fatos, preferindo direcionar um olhar mais profundo para esta cidade, não se limitando ao calor de 40º e sim, buscando meios para possíveis soluções aos problemas que têm raízes no passado, aparecem no presente e se refletem o futuro. COTIDIANO Especial 30 anos 14 Jornalista Camila Bini. Foto: Arquivo Pessoal
Precisamos de leis e fomentos para proteger esses agricultores e territórios. Aprodução orgânica faz parte do que é conhecida como agroecologia, um conjunto de práticas agrícolas que buscam manter a relação com o campo mais próxima do natural, a fim de diminuir os danos ao equilíbrio ecológico. Seja por buscar uma alimentação mais saudável ou por causas ambientais, o aumento no consumo de alimentos orgânicos está se tornando uma realidade em todo o mundo e Mato Grosso segue essa tendência. De acordo com a nova pesquisa Panorama do Consumo de Orgânicos no Brasil 2023, desenvolvida pelo Instituto Organis, o consumo na região centro-oeste foi de 39% em 2020 para 42% em 2023. Esta é a segunda maior alta no país, ficando atrás apenas da região nordeste, que saltou de 32% para 45% na última pesquisa. Frutas, verduras e legumes lideram essa lista como os mais consumidos, mas o preço segue sendo a principal dificuldade ao consumo de produtos orgânicos para a maioria das pessoas. A bióloga Jocykelly Santana, 25, afirma que esses alimentos seriam sempre presentes em seu prato, mas o preço e a falta de informações sobre a existência desses produtos são as principais dificuldades para o consumo. “ Q u a l - quer tipo de agricultura vai causar alguma degradação ambiental, mas acredito na agricultura que tem como base os pilares da sustentabilidade”, destaca. Para fortalecer a rede de produtores e formar profissionais mais voltados para esse tipo de produção, surgiu o Projeto Gaia, da Universidade Federal de Mato Grosso, em Sinop (479 km de Cuiabá), que está entre os 50 municípios com o maior PIB agrícola do país. O projeto de extensão, com foco em sistemas agroflorestais e agroecológicos, trabalha para melhorar a porcentagem dos alimentos produzidos na região. Como ressalta a coordenadora Produção de Milho crioulo orgânico, tomate e alface orgânica Fotos: Mariana da Silva. O celeiro do mundo e o crescente mercado da agroecologia Mato Grosso carrega com orgulho o título de maior produtor de grãos, mas aos poucos está plantando novos tipos de consumo, ligados a produtos orgânicos do projeto, Rafaela Felipe. “Somos considerados o celeiro do mundo, mas cerca de 70% a 80% dos nossos alimentos vêm de fora”, informa. A pesquisadora acredita que há um espaço muito mais positivo para o fortalecimento desse cenário hoje graças aos convênios internacionais, mas que o apoio ainda deve levar tempo a se equiparar ao que a agricultura de larga escala vem recebendo ao longo das gestões que atuam no estado. Quando se fala em agroecologia, se trata, principalmente, acerca de pequenos produtores da agricultura familiar, que muitas vezes são negligenciados pelas políticas públicas municipais e estaduais, mas a professora Rafaela Felipe também enfatiza o papel da sociedade nessa cadeia. “Não temos culturalmente esse conhecimento de saber a importância dessas pessoas. A agroecologia alinha conhecimento tradicional de diversos povos, conhecimento científico e a aplicação por agricultores”. Com a necessidade de fomento e políticas públicas, mesmo agricultores que já possuem o selo de orgânicos podem perder a validação, já que as produções vizinhas pulverizam suas áreas. “Precisamos de leis e fomento para proteger esses agricultores e territórios. [...] Teremos um salto quando as gestões municipais e estadual protegerem a priorizarem esse grupo por meio de leis e fomento”, finaliza a professora. Já são mais de 8 milhões de habitantes no planeta Terra, com isso, recursos como água, solo fértil, alimentação saudável, se tornam cada vez mais uma necessidade urgente assegurar meios de produção agrícola que possam garantir isso sem deixar como rastro a destruição, colocando em risco toda a cadeia de biodiversidade do planeta. SISTEMA AGROFLORESTAL (SAF) Você certamente conhece uma floresta, seja ao vivo ou por reportagens na televisão e internet, e sabe que nela diversos indivíduos vivem e compartilham o mesmo espaço, desde microrganismos, insetos a plantas de grande e pequeno porte, todos em sintonia. Mas você conhece os SAF? Os Sistemas Agroflorestais (SAF) são sistemas produtivos desenvolvidos em harmonia com a floresta, onde árvores, plantas e diversos organismos vivem em consórcio com espécies de valor agroeconômico. Estas espécies geralmente são ligadas a monoculturas em grandes áreas devastadas para plantio, mas através do SAF é possível realizar recuperação de áreas degradadas. Não só as grandes culturas podem se aproveitar deste tipo de plantio, até mesmo no quintal de casa é possível adaptar essa técnica para a produção de alimentos para consumo próprio ou mesmo comercialização em feiras e mercados. É uma prática versátil e sustentável que pode ser adotada em diferentes escalas. Essa produção em menor escala se inspira no modelo de consórcio das agroflorestas e realiza o plantio de diversas espécies de culturas de modo simultâneo, como nos explicou a engenheira agrônoma Merita Abertini, que recriou no espaço urbano um sistema agroflorestal. A produção conta apenas com adubos orgânicos e intervenções pontuais. “A gente usa várias camadas do solo de uma forma que uma cultura não interfira na outra” declara a engenheira. Merita enfatizou que o fato das plantas não competirem entre si torna o sistema sustentável, já que cada uma está em uma camada do solo diferente, processo que não ocorre em uma monocultura. “Em uma monocultura, as plantas utilizam da mesma camada do solo e não fazem ciclagem dos nutrientes”. Plantas como tomates, rúculas e árvores frutíferas podem conviver no mesmo espaço, compartilhado também com insetos e outros microorganismos, e dessa maneira o ecossistema entra em equilíbrio e, com o auxílio de podas pontuais e bioinsumos, várias colheitas serão garantidas. Agora que você já sabe os benefícios de uma alimentação livre de agrotóxicos e que você pode começar em seu próprio quintal, que tal começar hoje a sua produção? SÔ FOCA MEIO AMBIENTE 15
ALei 12.197/2023, conhecida como “Transporte Zero”, aprovada em julho de 2023, que coloca em risco a subsistência e modo de vida sociocultural da comunidade pesqueira, não possui estudo que comprove sua necessidade e eficácia para o estoque pesqueiro do estado, paralisando a pesca comercial até 2029. O Sistema Informatizado do Registro Geral da Atividade Pesqueira no estado do Mato Grosso (SisRGP) e o seu novo modelo somam mais de 15 mil pescadores cadastrados na região. A nota conjunta do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) se posiciona contra ao PL destacando a perda de conhecimento tradicional e modo de vida desses milhares de pescadores. “Manifestamo-nos de forma CONTRÁRIA aos pleitos, e diagnosticamos o Projeto e seu Substitutivo como de ALTO IMPACTO”, declaram. Para a professora doutora Lúcia Mateus, representante da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), esse tipo de medida precisa de apontamentos científicos que a justifiquem e monitore as ações. “Para uma medida drástica dessa, primeiro é preciso se mostrar com dados científicos que realmente os estoques estão em estado de super exploração e essa é única medida que pode recuperar e você precisa propor uma medida de monitoramento para saber se esta medida está dando certo, explica. A preocupação decorre do fato de que a proibição da pesca possa mascarar outros fatores de risco para a questão ambiental, e ao não serem reconhecidos, possam afetar ainda mais a biodiversidade. A professora argumenta que “têm muitos outros fatores que podem afetar o tamanho do estoque. As questões ambientais, por exemplo, são fundamentais, como desmatamento de cabeceiras, agrotóxicos, poluição por esgoto doméstico. São uma série de problemas que os estoques enfrentam que não estão sendo considerados”. Lúcia Mateus ainda enfatiza que o próprio monitoramento dos rios pode sofrer com a ausência dos pescadores, apontados como agentes de fiscalização. “A tendência é que a ilegalidade aumente mais, porque não tem os pescadores legais como um potencial fiscal do rio. [...] Você não tem o pescador para mostrar a situação, você meio que empurra o problema para baixo do tapete”. O Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad) foi uma das organizações que se posicionou contra a lei. Herman Oliveira, secretário executivo do Formad, apontou que a organização se fez contra a lei por não haver embasamentos que justifiquem a sua criação. Segundo a entidade, não há justificativa ambiental, ecológica, técnico-científica, social e econômica adequadas. Além disso, alerta para a dimensão cultural e sociocultural, que vai muito além da prática da pesca, ferindo fatores socioculturais das comunidades locais. “A Lei de transporte zero, que a gente chamou de cota zero, na verdade, não é uma lei que visa a proteção ambiental. [...] Você vai acabar com um grupo social por decreto, por lei, com uma fonte de renda não só de quem vive estritamente só da pesca, mas também de uma atividade de lazer, uma atividade sociocultural, que é uma das marcas das comunidades do Vale do Rio Cuiabá”, afirma Hermam. Para Nilma Silveira, presidente da Associação do Seguimento da Pesca (ASP-MT) que trabalha há 24 anos com a pesca, a lei se trata de um caso de racismo ambiental. Segundo a entrevistada, excluir a pesca como profissão, é fazer com que um modo de vida deixe de existir e exemplificou ao comparar a uma ação semelhante tomada contra estudantes universitários. “Como você pode passar a borracha no modo de vida de alguém? E se o governo do estado em sua arrogância enviasse um projeto de lei para Assembleia impedindo que por 5 anos a UFMT não tivesse outro acadêmico de jornalismo ou de medicina, ou direito? Nós escolhemos trabalhar na pesca [...]. Você eliminar o modo de vida de um povo é racismo ambiental, reforça Nilma. Já em paralelo no cenário nacional, o MPA lançou junto ao governo o projeto “Povos da Pesca Artesanal”, que em uma de suas ações será em conjunto com o Ministério da Cultura para valorizar as tradições culturais ligadas a pesca artesanal, que em todo país somam por volta de milhão de pescadores. “Um povo sem alma é povo sem vida, um povo sem cultura é um povo sem alma. [...] Nós estamos de luto”, finalizou a presidente. Lei ameaça modo de vida em comunidades pesqueiras A piracema começa em outubro e com ela a janela de pesca se fecha no estado pelos próximos cinco anos. Em janeiro começa a valer a Lei de Transporte Zero SÔ FOCA MEIO AMBIENTE 16 Um povo sem alma é um povo sem vida, um povo sem cultura é um povo sem alma. [...] Nós estamos de luto. Pescador no Rio Cuiabá. Fotos: André Prado
Melina Rugby: pioneiro na modalidade feminina no Brasil Único clube profissional de rugby feminino em Mato Grosso, time faz história e apoia atletas dentro e fora de campo SÔ FOCA ESPORTE 17 c om a ascensão do Cuiabá Esporte Clube para a Série A do Campeonato Brasileiro, há quem pense que a capital se restringe ao futebol, no entanto, um esporte tão físico quanto o futebol tem crescido e ganhado destaque nacional com jogadoras convocadas para a Seleção Brasileira: o rugby. O Melina Rugby Clube tem se destacado como pioneiro e é a única equipe profissional de rugby feminino do Brasil. Similar ao futebol americano em alguns aspectos, mas notavelmente distinto, o rugby tem como objetivo levar a bola até a linha de gol adversária o maior número de vezes possível. A equipe que acumular mais pontos ao longo dos dois tempos regulamentares de 40 minutos ou dos jogos mais curtos de 7 minutos será coroada campeã. Contudo, o Melina Rugby Clube em Cuiabá não se restringe apenas ao jogo e desafia as percepções convencionais sobre um esporte frequentemente associado ao público masculino. Além de fomentar o desenvolvimento esportivo, o clube se empenha em apoiar suas atletas em suas vidas social e pessoal. Algumas dessas atletas estão com o clube desde a adolescência, encontrando um espaço de crescimento não apenas no âmbito esportivo, mas também no educacional. Atualmente, o Melina investe em oportunidades educacionais para suas atletas, permitindo que elas não dependam exclusivamente do esporte. Larissa Soares, cuiabana e uma das atletas mais jovens do clube, contou ao Sô Foca que chegou ao Melina graças a uma amiga que contou sobre o projeto do clube, despertando seu interesse. Ela chegou ao clube entre 14 e 15 anos. Porém, o começo não foi tão simples, Larissa disse que ficou “assustada” com a quantidade de contato físico que o esporte proporciona. “Quando eu cheguei aqui eu fiquei um pouco assustada porque era muito contato e aí quando eu vi o que eu podia fazer ali, eu me interessei mais e fiquei mais animada [sic]”, disse a atleta. Em 2023, o Melina levou suas atletas para uma imersão no rugby na África do Sul, um dos países mais destacados nesse esporte. Larissa compartilhou sua admiração pela paixão dos sul-africanos pelo rugby, destacando que o esporte é para eles o que o futebol é para muitos no Brasil. “Acho que todas [atletas] compartilharam o sentimento dos olhos brilharem, porque lá é uma coisa que se você fala que você que joga rugby, todo mundo te olha de forma diferente, é como se fosse o futebol para a gente. As meninas de lá são muito maiores e mais fortes, só que apesar desse detalhe que enfrentamos, foram jogos bem interessantes”, contou. Mallaury Chatron, francesa e atleta do Melina, começou a jogar rugby há 17 anos em seu país, quando seu pai a levou para assistir um jogo da Copa do Mundo de Rugby masculina e a atleta se apaixonou. Ela contou que o pai sempre praticou o esporte e que sempre o acompanhou, mas que a paixão nasceu após assistir um jogo de copa. “Comecei a jogar rugby um dia que meu pai me levou para assistir um jogo da Copa do Mundo. Ele já jogava rugby, eu cresci na beira do campo assistindo ele jogando, mas nunca teve muito interesse até assistir um jogo da Copa. Aí depois eu pedi para treinar e eu me apaixonei. Fiz o primeiro treino e eu nunca mais parei”, relatou. Mas para chegar até o Brasil, Mallaury teve que percorrer um grande caminho, isso porque na França, o esporte ainda está em fase de profissionalização, dificultando financeiramente a vida das atletas. “Descobri o Brasil e o Melina através de um treinador que foi lá fazer um estágio no meu clube, nós trabalhamos juntos e ele me falou do projeto daqui, que tinha um time profissional. Fiquei muito curiosa porque na França não tem rugby profissional feminino ainda, é muito raro ter a oportunidade de ser mulher e jogadora profissional de rugby, então eu fiquei muito curiosa e eu quis tentar, aí eu cheguei aqui e não fui embora”, contou. Atualmente, o Melina fornece para todas as suas atletas alojamentos para que as que não têm família no Brasil ou em Cuiabá possam morar, além de arcar com grande parte das defesas, como energia e água, com isso, as atletas apenas precisam arcar com a alimentação. No Brasil, o Melina é o único clube que fornece um contrato profissional para suas atletas que podem viver apenas do rugby, além de receberem incentivos para estudarem e permanecerem em Cuiabá. O Melina Rugby Clube tem se destacado como pioneiro e é a única equipe profissional de rugby feminino no Brasil Fotos: Mariana da Silva Equipe profissional de rugby feminino no Brasil em campo Fotos: Mariana da Silva
Diferente, inusitado e esporte: o boliche tem conquistado os corações e mentes de alguns mato-grossenses que jogam profissionalmente. Enquanto muitos associam a prática a momentos de lazer em pistas de boliche locais, um grupo joga profissionalmente, alcançando reconhecimento e prêmios. Uma atleta em particular se destaca, tendo competido em Las Vegas, nos Estados Unidos, onde mais de 65 milhões de pessoas praticam a modalidade. No entanto, engana-se quem acredita que essa paixão seja recente em Mato Grosso, Marizete Scheer, é uma testemunha viva desse amor antigo. Há mais de três décadas, quando residia em Tangará da Serra, recebeu um convite de um amigo para participar de um campeonato amador de boliche e, assim, tudo começou. “Eu participei e ganhei e isso fez eu criar uma paixão pelo esporte e aí logo no segundo torneio eu já entrei para federação e eu joguei um ano somente aqui no Mato Grosso, e aí eu fui embora para o Rio de Janeiro, morei seis anos no Rio de Janeiro, onde eu realmente desbanquei no esporte e de lá eu fui para Belo Horizonte, onde morei por 20 anos. Em Minas Gerais eu fui para a seleção brasileira e fui a campeã brasileira, e realmente onde eu aprendi mesmo, eu aprendi a jogar boliche, foi em Belo Horizonte”, contou a atleta. Raquel Tenuta, presidente da Federação Mato-grossense de Boliche, conta que tem uma história “tradicional” com o esporte. “Minha história no boliche é tradicional: pista, batata, aniversário e festa. Participei de uma competição em uma festa e bati o recorde da pista de boliche, e meu nome foi parar no mural. No mesmo dia, recebi um convite para jogar em um evento profissional e amador. Fiquei com vergonha, mas ganhei nas duplas e no individual na época”, compartilhou Raquel. Quando Tenuta começou a jogar boliche de forma profissional, nunca imaginou que o esporte a levaria a lugares tão distantes. Suas convocações para a Seleção Brasileira a levaram a Las Vegas e ao Peru, carregando o nome de Mato Grosso consigo. Hoje, ela já se projeta para o mundial de 2024. “Em 2019 tive a honra de participar pela Seleção Brasileira no campeonato mundial em Las Vegas e aí foi realmente quando eu falei: ‘cara, eu quero estar nesse esporte’. No total, já recebi quatro covocações internacionais, das quais, fui em duas. Fui para Las Vegas no mundial e para o Pan-americano no Peru em 2022. Pretendo ir para o mundial ano que vem, estou treinando para isso, quero ser convocada e estamos buscando estar sempre entre os melhores do Brasil. Atualmente, sou a 11ª do ranking nacional, mas meu objetivo é chegar mais longe”, disse. Apesar de toda paixão nutrida pelo esporte, Marizete contou, que embora jogue profissionalmente, ainda não é possível viver apenas com a renda do boliche no Brasil, isso porque os instrumentos para a prática do esporte são caros e normalmente comercializados em dólar, dificultando a previsão dos valores que dependem do câmbio. “Nós temos que ter um emprego fora, porque é difícil conseguir patrocínio. A gente tenta patrocínio, mas é complicado. Hoje em dia, graças a Deus, eu tenho uns apoiadores, mas não é fácil [...] porque a gente não consegue material aqui no Brasil, o material de boliche é todo importado, então, é por isso que é um pouquinho mais difícil de a gente conseguir se manter no esporte, mas a paixão vence, né? A gente faz a paixão vencer e a gente dá um jeito de correr atrás e conseguir ter o nosso [sic]”, relatou Scheer. Do outro lado, mas em direção parecida está Hiago Saga, ele e a família têm tradição no boliche mato-grossense há anos e desde pequeno praticava o esporte com incentivo dos tios que tinham uma pista de boliche em Várzea Grande. No entanto, o despertar para o esporte surgiu apenas em 2009 em um torneio em homenagem ao seu pai falecido. “Eu e minha irmã ganhamos o torneio e todo mundo começou a perguntar ‘por que você não começa a jogar?’, e eu comecei a vir. Eu era péssimo no começo e um dia me falaram para começar em uma ‘nova modalidade’, na qual eu jogo com as duas mãos, tentei e deu certo, mantive o foco e comecei a gostar”, contou. Após uma contusão em uma das mãos, Hiago passou a jogar de luvas para estabilizar o movimento, tornando-se o único jogador no Brasil a adotar essa técnica. O atleta contou que optou por não operar por agora, por desejar competir no Campeonato Brasileiro de Boliche e com recuperação, ficaria de fora. “Se não tivesse a luva, eu nem conseguiria jogar. Eu teria que operar mesmo, ficar com uns três, quatro meses parado. Mas, com o intuito de jogar os campeonatos brasileiros, optei por não operar por enquanto”, finalizou o atleta. Atualmente, os jogadores federados de Cuiabá jogam na pista do Shopping Várzea Grande, eles também podem optar pela pista da Av. Beira Rio, no entanto, há menos espaço. Atletas que jogam boliche profissionalmente são obrigados a fazerem investimentos para realizar seus treinamentos com valores variáveis. Atletas de boliche compartilham amor pelo esporte Profissionais compartilham experiências que demonstram que a paixão pelo boliche é muito mais antiga do que se imagina em Mato Grosso SÔ FOCA ESPORTE 18 Aponte a câmera para o QR Code e faça a leitura completa e online dessa edição. Nas duas imagens atletas jogando boliche profissionalmente. Fotos: Mariana da Silva
Nos últimos anos, o futebol feminino vem evoluindo gradativamente, alguns países já possuem ligas consolidadas com um grande nível técnico. A Copa do Mundo de 2023 demonstrou um crescimento satisfatório, principalmente na qualidade do futebol praticado, com equipes mais técnicas, sistemas táticos mais evidentes e a aproximação do público com as jogadoras e as seleções. Mesmo com o desempenho baixo da Seleção Brasileira no Mundial, o futebol feminino no Brasil se fortaleceu de maneira mais clara nos últimos três anos. Um exemplo são as equipes paulistas, como o Corinthians (Campeão Brasileiro nas últimas quatro edições), Palmeiras e Ferroviária (Campeões da Libertadores da América de 2020 e 2022). Esses clubes possuem fortes equipes na categoria e estão em um processo mais avançado, investindo nas categorias de bases e nos centro de treinamentos. No entanto, a diferença na estrutura, no elenco e no investimento de uma equipe paulista para uma equipe da região Norte, Nordeste ou Centro-Oeste é clara. O Campeonato Paulista de Futebol Feminino possui 12 equipes na primeira divisão, já o Campeonato Mato-Grossense Feminino em 2023 contou com apenas quatro equipes. Apesar da competição estadual em Mato Grosso possuir poucos times, alguns deles iniciaram um planejamento que vislumbra um futuro ambicioso, como são os casos do Mixto Esporte Clube e Ação Santo Antônio Futebol Clube. O Mixto, tradicional equipe do estado com sede em Cuiabá, é o maior campeão estadual feminino e, neste ano, teve a sua maior conquista, a de campeão da Série A3 do Campeonato Brasileiro Feminino, com isso conquistou uma vaga na segunda divisão nacional. Atual tetracampeão consecutivo do estado, o Mixto trata a categoria como uma das suas prioridades, um trabalho consolidado que está no planejamento do clube desde que virou uma S.A.F (Sociedade Anônima do Futebol). De lá pra cá, o investimento no futebol feminino foi crescendo, tanto que no mês de Maio de 2023, o clube inaugurou a chamada ‘Casa das Tigresas’ um alojamento para as jogadoras, com quartos, piscinas e sala de recreação e iniciou a preparação para a temporada de 2023. Neste grande projeto, a equipe contratou para comandar o elenco a técnica Kethelen Azevedo, que havia sido vice-campeã mato-grossense em 2022, treinando o maior rival, o Operário Várzea-grandense. A diretoria também realizou a contratação de várias atletas de fora do estado, entre elas a atacante Bia Batista, artilheira do Campeonato Brasileiro A3, com 10 gols, em 10 jogos. As tigresas venceram a competição de forma invicta, em 10 partidas foram 22 gols marcados e apenas dois gols sofridos, com isso, o Mixto traz boas perspectivas para o ano de 2024, em que vai brigar pelo acesso à elite nacional. Outro clube é o Ação, que recentemente também se tornou um clube-empresa. Fundado em 2007, sua sede era na capital mato-grossense, mas nos últimos anos se transferiu para o município vizinho, Santo Antônio de Leverger. O Ação iniciou a preparação para a temporada de 2023 no futebol feminino no mês de fevereiro, com perspectiva de encarar a equipe do Mixto numa hipotética decisão estadual, que veio a se comprovar meses depois. O elenco também contou com jogadoras de fora do estado, além de atletas locais e ex-jogadoras do Mixto, que participaram dos títulos estaduais do alvinegro em anos anteriores. Em meio às contratações, uma de destaque foi a meio-campista Rivena Gomes, de 29 anos, atleta cearense com passagens por vários clubes foi uma das primeiras atletas a chegar nesta temporada. “Foi um desafio pois não conhecia o time do Ação e fui pra lá por causa da comissão técnica onde já atuei com eles em 2018 pelo Operário Esporte Clube e eles gostaram do meu trabalho lá e decidiram falar comigo e aceitei o desafio e fui jogar no Ação”. A comissão técnica que Rivena menciona é a diretora Dona Juju e o treinador César Fuscão, ambos trabalharam com a atleta, no título do Operário Esporte Clube no Campeonato Mato-grossense Feminino de 2018. Dona Juju foi uma das pioneiras do futebol feminino no estado de Mato Grosso, ela esteve nos dois títulos do Operário, em 2018 e 2019. Sobre a estrutura do Ação, Rivena, disse que gostou do que viu. “Eu me surpreendi pela estrutura que o Ação nos proporcionou, falo por experiência própria, que tem times de nome que não possuem uma estrutura igual, com um próprio Centro de Treinamento, com campo e alimentação no próprio CT. Lógico que ainda está no início e tem bastante coisas a melhorar, e a visão do João é sempre por melhorias, ele sempre perguntava como a gente estava e o que precisava melhorar, um cara com uma visão muito boa”. A atleta menciona o então presidente do clube, João Benedito, que tem como um dos seus objetivos levar o time à elite nacional e oferecer uma estrutura para o futebol masculino e feminino, desde as categorias de base até o profissional. A ação ficou com o vice-campeonato estadual em 2023 e garantiu uma vaga na série A3 do Campeonato Brasileiro, com indícios de aumentar o investimento, pois terá um calendário maior para a categoria feminina no próximo ano. Porém, a realidade do futebol feminino no estado ainda está longe de ser o ideal. As edições do Campeonato Mato-Grossense ao longo dos últimos anos vem sendo de instabilidade, tanto no formato da competição, nos jogos que acontecem no mesmo estádio e a pouca presença do público. No Estadual, nunca houve o mesmo número de participantes em edições seguidas. Com exceção do ano de 2022, em geral oscila sempre entre 3 a 4 participantes por ano. Em relação a isso, a atleta Rivena Gomes ainda não vê um cenário tão otimista. “Não tem tantas melhoras em relação aos times e ao campeonato, ainda tem poucos times que participam do Estadual e acaba se tornando uma competição ‘chata’, pois jogamos mais de duas vezes com o mesmo time”. Além da pouca participação por parte dos clubes, também conta com o pouco apoio do torcedor local. No segundo jogo da decisão entre Mixto e Ação, o público total foi de 753 pessoas, com uma renda de R$4.250,00. A expectativa é que outros clubes do estado enxerguem os trabalhos realizados por Mixto e Ação e usem como exemplo. Apesar de haver uma luz no fim do túnel no futebol feminino de Mato Grosso, ainda é necessário uma participação mais efetiva da própria Federação Mato-Grossense de Futebol, dos clubes e do público em geral, em incentivar e investir, para que daqui alguns anos, o estado também seja um celeiro de atletas do futebol feminino para o Brasil. MT vive bom cenário com futebol feminino Mixto e Ação trazem boas perspectivas ao representar o estado nas competições nacionais em 2024 SÔ FOCA ESPORTE 19 Foto: Cuiabá Esporte Clube
Nada do que foi será: os saberes em movimento Conheça as histórias de quatro personalidades que mantêm o sangue das tradições pulsando na Baixada Cuiabana Manoel Machado em sua barraca de remédios naturais no Centro de Cuiabá. Foto: Victória Dalla Costa CULTURA SÔ FOCA 20 Raizeiro há mais de 40 anos, Manoel Martins Machado começou a aprender desde cedo sobre o seu ofício ao prestar atenção nos adultos à sua volta. Sua mãe e sua avó, cuiabanas de chapa e cruz, sempre colhiam o que precisavam nas caminhadas pelo grande quintal Cerrado e ensinavam o menino sobre sua vastidão e seus poderes de cura. Manoel absorveu os ensinamentos e, por volta dos 7 anos, já passou a praticar e buscar sem erros o que lhe era pedido da mata, a depender dos sintomas, do desejo, da necessidade. Ainda muito novo trabalhou em fazendas no interior. Já na década de 70, o menino nascido e criado na região do Distrito de Água Fria e Chapada dos Guimarães, tornou-se um homem adulto na capital. Passou por outras experiências de trabalho em empresas e lojas, mas “acostumado a trabalhar na roça”, não gostou. Vendo um grande movimento de raizeiros pelo Centro de Cuiabá, se interessou e começou a conversar sobre, até que um colega sugeriu uma sociedade, em 1980. Com seu sócio, Manoel adentrava as matas de várias regiões em torno de Cuiabá e buscava pessoalmente todas as ervas e remédios que precisava, diferenciando um por um ao alcance dos olhos, como quando criança, indo realizar as ordens da mãe ou da avó. Trazia sempre consigo de tudo um pouco e foi aprendendo com o tempo o que mais saía, o que seus clientes mais procuravam em busca de tratamento e cura. A lista é tão vasta quanto às especialidades da natureza: cálculo nos rins, enxaqueca, insônia, bronquite, reumatismo, ácido úrico, gripes, icterícia, dores variadas e assim por diante. Do mesmo modo, o raizeiro também foi aprendendo as diferentes nomenclaturas dos remédios em diferentes regiões, ao lidar com a “mistura” da população. “Hoje a mistura é muita, tem gente da Paraíba, do Maranhão, do Ceará, da Bahia, de São Paulo, do Paraná, então, em cada lugar tem um nome e você sendo um profissional tem que saber, tem que ter tudo, não pode perder venda no teu negócio. Você tem que ter o conhecimento: saber os nomes científicos e nomes populares”, explica. O sócio desistiu e mudou de profissão, mas, mais de 40 anos se passaram e Manoel permaneceu em seu ofício, criando sua família e empregando mais gente através dos remédios naturais. Seguindo o exemplo de suas matriarcas, o raizeiro repassou os conhecimentos para a filha ainda na infância e Lucineide seguiu os passos do pai. Se especializou em fitoterapia e administra sua própria loja de produtos naturais, chás e ervas na avenida do CPA. Diferente de muitos outros jovens, que, de acordo com a experiência de Manoel, muitas vezes desdenham dos saberes populares e das ervas medicinais. “Sem generalizar, mas eu vejo tanta ignorância dos jovens. E além de tudo, falta de educação também. As mães vêm com filhos e alguns deles desacreditam e ainda falam ‘mãe, larga de ser besta’, com falta de respeito, sabe?”, completa o raizeiro, que afirma que seu público é formado principalmente por pessoas mais velhas. Apesar do trabalho com os tratamentos naturais, Manoel reforça que não se deve descartar a medicina e os outros medicamentos, apenas diz que “remédio de farmácia é bom, mas se a pessoa puder tomar um cházinho, contendo o conhecimento, para o que serve, para o que não serve, ela se sai muito melhor”. Atualmente, seu Manoel trabalha no Centro, na feira do Beco da Igreja Matriz. Seja qual for o tratamento natural que você precisar, busque por uma barraca com sacolinhas, frascos e potinhos com todos os tipos de cascas, raízes, folhas, óleos, chás, temperos e o que mais a natureza oferecer. Atrás do balcão, haverá um senhor sorridente, “cada dia mais jovem e bonito”, com os saberes de uma vida a compartilhar. “E a terra produziu erva e viu Deus que era bom” – Gênesis 1:12, é o que cita o folhetim informativo entregue pelo raizeiro que, por fim, reitera que nada do que
CULTURA SÔ FOCA 2 1 sabe, aprendeu sozinho e até hoje vive em constante aprendizado, especialmente através da lida com a natureza e da crença no Criador. “Deus dá o entendimento pra gente. Por sua conta você não faz muita coisa, não. Mas com Deus na tua direção, você vai, entende?”, finaliza. SUA FÉ TAMBÉM PODE TE SALVAR E por falar no Divino, segundo os conhecimentos populares, nem só nas ervas e raízes se encontra a cura. Através das crenças que transpassam gerações, os fiéis buscam seus milagres através da fé e as Festas de Santo realizadas há centenas de anos na Baixada Cuiabana reforçam a devoção da região. A tradicional Festa de São Gonçalo, por exemplo, é realizada para homenagear o Santo Violeiro, agradecer pelas bênçãos e graças alcançadas, pagar promessas e rogar por curas de enfermidades. Isso porque São Gonçalo, além de Santo protetor dos violeiros, também protege e cuida de quem tem “dores nas cadeiras”, como conta Vinicio Gonçalves, professor de música e violeiro do grupo de Siriri e Cururu, Coração Tradição Franciscano. “Ele é protetor de pessoas que têm dor no osso e a dança vem pra isso. Junta as pessoas na festa e a devota que tem dores nas pernas, como a minha avó, faz devoção a São Gonçalo para que possa tirar as dores. Se tirar, ela [promete que] vai sempre fazer a dança pra ele, fazer uma festa. E foi o que aconteceu, por isso até hoje ela faz essa dança de São Gonçalo”, explica. Vinicio conta que ao observar seu bisavô, Seu Domingos Gonçalves da Silva, cantar em tom ritmado e contagiante os versos presentes nas cantigas de Cururu, sentiu sintonizar em seu peito as notas ressoadas pela viola de cocho e pelo ganzá, tradicionais instrumentos de música mato-grossenses. Assim como a dança da avó de Vinicio, o canto de Seu Domingos estava presente nas recorrentes festas de Santo da Baixada Cuiabana. Da Festa de São Gonçalo, de Santo Antônio perpassando pela tradicional Festa de São Benedito, não importava o evento, a religiosidade se mesclava com a cultura e transformava os saberes populares na cuiabania de anos atrás. O professor relembra desta época com admiração, para ele, as rodas de Cururu de sua infância eram a personificação da “tradição raiz” presente no Mato Grosso do século XX. “A gente tem que aprender a verdadeira raiz [do Cururu]. A gente tem que continuar o que era antigamente. Algumas coisas estão mudando porque os mais novos não procuram a verdadeira ciência do Cururu e do Siriri. O Cururu e o Siriri tem uma ciência!”, afirma. “A gente fala que é ciência porque tem uma forma de se cantar, de tocar a viola e de afinar ela de ouvido. Isso é uma ciência. Você tem que conhecer cada corda e cada som de corda, que é totalmente diferente um do outro”, declara Vinicio. O garoto que cresceu vendo a viola de cocho do avô na sala de casa, aprendeu Cururu direto da fonte. Frequentador das festas de Santo, ele observava atento aos sons ecoados das rodas de Siriri e Cururu. Foi assim, que ele, anos depois, se tornou um cururueiro da nova geração, atual integrante de grupos tradicionais de dança. Atualmente, como professor de música, ele tenta passar aos seus alunos um pouco da tão falada ciência que afina a tradição cuiabana. Ele relembra com pesar a perda progressiva da simbologia por trás da arte que um dia já embalou as comunidades tradicionais de anos longínquos. Para Vinicio, a falta de interesse do público jovem pelas ações tradicionais do Cururu é um grande desafio para a permanência da tradição cuiabana. “Hoje a forma de procissão está mudando. Estão fazendo errado, porque não têm o conhecimento de como funciona uma festa de santo. Então assim, várias Apresentação do grupo de Siriri Flor do Atalaia. Fotos: Arquivo pessoal Em Santo Antônio as crianças aprendem porque a gente brincava de Boi e Ema. Porque lá é automático, você tá lá você vai escutando e você vai aprendendo. E foi assim com a viola, eu não sabia os acordes da viola, mas eu sempre soube a batida.
CULTURA SÔ FOCA 22 Chefe de cozinha Helaine Magalhães e seus produtos. Foto: André Prado coisas estão se perdendo e se deixar assim, daqui uns bons tempos não vamos ter mais aquele cururu raiz”, declara. A falta de interesse por parte da nova geração de cuiabanos é algo que Vitor Alessandro, de 19 anos, viu acontecer diante de seus olhos. Quando criança, era frequente as pequenas viagens que sua família fazia rumo a Santo Antônio do Leverger. Após as noites de rezas ou durante as festas de Santo, ele se lembra de brincar de ser parte do grupo de Cururu. “A minha avó e a minha mãe participavam do Siriri, mas isso foi se acabando. Eu ainda consegui pegar um pouco dessa raiz familiar. Lá em Santo Antônio, isso faz parte da tradição familiar, não se perdeu tanto quanto em Cuiabá. Lá quando chega a época de carnaval tem blocos de Siriri. Mas dos jovens, eu sou o único que continuou”, declara. Para ele, a admiração pela prática do Siriri e Cururu começou por meio da observação, que aos poucos se transformou em brincadeira de criança e hoje, se configurou em desejo profissional. Ao contar sua trajetória, Vitor relembra a época em que aprendeu a tocar a viola de cocho, o ganzá e a cantar observando os mais experientes. Hoje, ele é integrante do tradicional grupo de Siriri Flor do Atalaia, onde exerce as funções de Cururueiro, dançarino e é um dos coordenadores da equipe de música. “Em Santo Antônio as crianças aprendem porque a gente brincava de Boi e Ema. Porque lá é automático, você tá lá você vai escutando e você vai aprendendo. E foi assim com a viola, eu não sabia os acordes da viola, mas eu sempre soube a batida”, relembra. Ema e Boi são figuras simbólicas no Siriri, representando suas origens e a algazarra que a festa proporciona aos seus adeptos. Vitor continua perpetuando esta simbologia em meio suas apresentações Brasil afora. Mas ao recordar de sua infância, ele reflete sobre seu futuro. Já que dentre uma família de festeiros, o jovem é o único que mantém o sangue da tradição pulsando. “Eu fico meio pensativo sobre como vai ser depois de mim, sabe? É a minha pior sensação, fico me questionando: será que vai acabar? Eu tenho medo de acabar. Eu sei que não vai, mas assim, eu tento fazer o máximo possível pra não deixar isso morrer. Às vezes posso não passar para a minha família, mas vou tentar dar um jeito de passar na família do outro”, afirma. O DOCE FIM Beleza. Beleza das tradições que passam de geração em geração, da importância da continuidade. Difícil é ver o belo no fim. A beleza do que encerra, finaliza, fecha o ciclo e dá lugar a novas possibilidades, assim vê o mundo a chefe de cozinha Helaine Magalhães. A mulher simples do interior de Mato Grosso ganha a vida proporcionando emoção com cada docinho tradicional vendido em sua loja, situada em Cuiabá. Lá, coco vira flor, mamão ralado é confeito e doce de caju é cristalizado. Para a empresária e doceira, a essência culinária construída na beira do fogão entre as mães, filhas, tias, primas deve ser preservada, mas não há limite para a ressignificação dos preparos, cada mordida pode ainda remeter à afetividade da infância, do colinho de vó, com a sofisticação da alta gastronomia. Quando questionada se sentia que a tradição do doce pudesse se perder ao longo do tempo, em virtude da mudança de comportamento das novas gerações, nova cultura alimentar e até mesmo a falta de tempo cotidiana, ela prontamente respondeu que sim. Em uma reflexão que diz muito sobre a importância de se preservar as raízes e ao mesmo tempo dar asas às novas possibilidades. “Eu acho que vai se perder, porque por exemplo, a avó de hoje, ela já não vai mais fazer esse tipo de doce. As avós de hoje estão trabalhando, estão em novas profissões, mas fazendo doce. Isso tende a ser perdido, sim. Eu acredito que daqui há uns 30 anos, 50 anos vai ser um negócio raro que alguém ainda faz lá atrás”, explica e ainda completa: “Que doce que a gente vai ensinar? Eu vou pedir ele no iFood. E tá tudo bem, são as gerações. Eu não fico assim, naquela nostalgia de que vai acabar. Vamos fazer o máximo que a gente conseguir, enquanto tem, que dure muito, deixemos registros para que as pessoas se interessem.” O objeto de criação da Helaine atualmente, são os doces. A abóbora cozida no fogão a lenha que misturada com açúcar até hoje tem o sabor de lar. Após a faculdade de gastronomia, curso que fez em busca de independência financeira, hoje, o doce de abóbora em formato de coração, tão bonito quanto delicioso, é adornado em uma linda caixa de degustação. Mas foi preciso muito estudo, dedicação e tempo para aperfeiçoar todas as técnicas e construir sua empresa. Por isso, para a chefe o fim representa também a possibilidade de que mulheres saiam da ‘beira do fogão’ e conquistem seus sonhos, mesmo que haja um custo um tanto caro no futuro: a escassez de produtos artesanais. “A gente não pode ficar querendo que a mulherada fique o resto da vida ao redor do fogão ali para proporcionar pra humanidade um momento. Não. É legal você ter o seu tempo de cozinhar, de fazer sua comida. Mas tem mais coisa pra gente fazer da vida. Já pensou se eu tivesse ficado naquele momento na beira do fogão, quanto de coisa eu teria deixado de viver?” O fim é a despedida, o coração quentinho da lembrança, a última colherada, a linha final, sob a possibilidade de novas, as mesmas e até outras perspectivas repaginadas.
Do barro nascem as formas de um povo Não muito distante dos prédios, carros e da agitação da capital mato-grossense, um espaço cercado de árvores, plantas e arte fica escondido. O Ateliê Fuzuê das Artes é onde a artista cuiabana Rosylene Pinto cria esculturas de cerâmica que são um retrato da população cuiabana e mato-grossense. Embora se localize no coração de Cuiabá, próximo ao centro político administrativo da capital, a sensação que se tem ao adentrá-lo é de estar em um mundo à parte. Os traços aconchegantes, obras de arte regionalistas nas paredes, o cheiro de café pronto e a mesa posta onde também se encontra a residência de Rosylene, o marido e seus gatos, dão o tom da conversa. Essa dualidade entre o contraste do centro urbano com a residência e o ateliê, torna-se permeável à medida que se conhece a artista. Suas obras interagem com o cotidiano, o universo regional, aquilo que vivenciou. Se o artista é resultado de sua época e do lugar em que esteve, as paredes físicas não são limitantes, pois os dois universos estão conectados e fluídos. Ela nos diz “a arte conta uma história”, e está certa. De pai desenhista autodidata, e avó materna que produzia peças utilitárias em cerâmica, Rosylene desde pequena sempre foi apaixonada por arte. Suas esculturas em cerâmica não só retratam, mas incorporam as características dos corpos cuiabanos, negros, ribeirinhos, indígenas, mulheres e tantas outras personas regionais materializadas nas suas obras. Inconfundíveis, os traços são marcantes. Nos olhos grandes e lábios grossos, as feições características de suas esculturas revelam traços estilísticos da artista. Mãos e pés de proporções aumentadas, refletem a valorização daqueles que tem seus pés fincados como raízes neste solo e cujas mãos puxam redes de pesca, colhem frutos da terra, fazem redes e artesanatos, rezam por proteção e trabalham arduamente para garantir o sustento. De Jejé de Oyá a São Benedito, Rosylene deposita sentimentos em suas obras, mas jamais preconceitos. A rica pluralidade, diversidade e representatividade permeiam as criações, pois estão imersas na vida da artista, que se permite retratar populações, o meio ambiente e os afetos em seus projetos conceituais, que contemplam o retrato completo do que é o ser mato-grossense. A vivência em um estado rico em elementos e aspectos sociais proporciona este contato. Nas esculturas dos rostos e corpos indígenas, Rosylene descreve que os viu de perto no período em que esteve na Funasa de 2003 a 2008. A vivência na aldeia estreitou seu contato com a questão ambiental que perpassou sua jornada no Xingu e ampliou suas percepções sobre os povos originários e a natureza. A presença do cerrado também é forte em suas obras, algo que trouxe da experiência com a também artista Alair Fogaça. A natureza se mistura em meio às temáticas populares de personagens que compõem a cuiabania e a formação regional, e ainda mostra sensibilidade às queimadas do Pantanal em 2020, algo que marcou parte de suas obras no período. Em sua primeira exposição individual em 2017, intitulada 'Toda Forma de Amor Valerá', diversos personagens trocam afeto com delicadeza e singularidade. Além disso, a questão da acessibilidade, desde a altura dos suportes para facilitar a visão de cadeirantes, até mesmo as descrições em português, inglês e braile, reflete a preocupação da artista em alcançar a todos. Ela, que na juventude avistava Jejé de Oyá nos tradicionais carnavais de rua da capital antigamente, produziu dezenas de esculturas dele este ano. Essas esculturas foram entregues aos homenageados do prêmio que leva o nome do colunista, como forma de reconhecimento às personalidades negras da Baixada Cuiabana por suas histórias de luta, resistência e produção independente. A religiosidade também está muito presente entre as temáticas que aborda. Ela revela que os santos a escolheram. Devota de Nossa Senhora Aparecida, Rosylene já produziu mais de 30 esculturas da santa. De pai devoto a São Benedito, ela bate ponto nas festas do santo há décadas, e neste ano dedicou uma exposição inteira ao santo negro símbolo da fé cuiabana no Museu de Arte Sacra. Embora a visão que se tenha pareça de uma artista que se dedica integralmente ao ateliê, na verdade, a ceramista passa as noites e finais de semana nele, momento em que separa um tempo na rotina para a produção artística, que concilia com o trabalho de engenheira sanitarista como funcionária pública no Estado. Tanto sob encomenda para a venda ou para exposições e salões de arte, Rosylene tem carinho pelas produções e se recorda mesmo das que não vê há anos e que estão inclusive fora do estado nas mãos de colecionadores de arte Adepta da tecnologia como forma de divulgar suas produções, alimenta desde 2011 o blog Ateliê Fuzuê das Artes, onde fala de arte e cultura, e inclusive é muito ativa também no Instagram, pois entende a importância das mídias digitais. Rosylene sonha em se aposentar e abrir uma escola de artes em casa, para transmitir conhecimento, técnica e arte a turmas que pretende formar. Um desejo forte que alimenta e visualiza, pensando no espaço que pretende abrir e organizar. Assim como os fragmentos das cerâmicas indígenas, que quando encontradas demarcam a existência de um povo e são estudadas por cientistas e historiadores, os registros no barro resultam de processos culturais, históricos e artísticos. Que não se espere tanto para contar a história do povo mato-grossense por meio das cerâmicas de Rosylene. CULTURA SÔ FOCA 23 Diferentes personagens que compõem o povo mato-grossense são incorporados em obras de cerâmica. Fotos: Mariana da Silva
Seja com super produções internacionais nas salas de exibidores privados em grandes shoppings, ou com produções regionais no Cine Teatro Cuiabá, os cinemas têm movimentado as noites da capital mato-grossense, deixando a cena audiovisual aquecida e otimista na região. As produções independentes também têm sido visadas pelo público e atraído uma formação de plateia crescente, o que revela o interesse da população em receber as produções locais. É o caso do cineasta Salles Fernandes, que em 2023 estreou o mais recente curta-metragem, intitulado Tereza de Benguela. Exibido no dia 25 de julho no Cine Teatro, a data foi marcada pelo Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, e também Dia Nacional de Tereza de Benguela. Na ocasião, o curta anterior de Salles, denominado O Minhocão do Pari: A Origem da Lenda (2020), também foi exibido e um bate papo com o cineasta realizado. Além de serem produções inteiramente feitas em solo mato-grossense e com equipe da região, retratam temáticas que perpassam a história do estado, dando materialidade a uma lenda e também uma figura histórica que frequentemente têm suas narrativas esquecidas. Em entrevista ao Sô Foca, Salles revela que o interesse por retratar aspectos regionais se deu após conversa com outro cineasta, que apesar de ter gostado de um material anterior do colega, destacou que “não sentia Brasil nas produções” e o orientou a olhar para o estado e suas histórias. Ao pesquisar, Salles encontrou a lenda do Minhocão. Buscou referências de obras anteriores e não encontrou nada a respeito. Assim, teve a ideia de retratar a origem da lenda por outro viés ficcional que imaginou sobre a história. O projeto foi contemplado no edital MT Nascentes, da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer de Mato Grosso (Secel-MT), com recursos da Lei Aldir Blanc. Após estreia foi selecionado para mais de 30 mostras e festivais de cinema nacionais e internacionais, onde recebeu prêmios de Melhor curta pelo júri técnico e pelo júri popular no ALTFF — Alternative Film Festival (Canadá); Melhor curta de Fantasia no Hollywood On The Tiber Film Awards (EUA); Melhor curta de Fantasia e Melhor ator revelação no Snow Leopard International Film Festival (Madrid, Espanha); e Melhor Diretor no Thrills And Chills Film Awards (França). Com os resultados, o diretor ficou empolgado em contar mais histórias regionais. Pesquisou e chegou até Tereza de Benguela, rainha do maior quilombo de Mato Grosso: o Quilombo do Piolho, conhecido também como Quilombo do Quariterê. Ele conta que viu em Tereza uma história poderosa e notou que, mais uma vez, não havia obras anteriores sobre ela. O projeto foi concebido por meio do edital MT Motion e focou nos últimos momentos da história de Tereza, que viveu em Mato Grosso até o ano de 1770 e morreu resistindo à escravidão quando o quilombo foi destruído pelo governo da época. Pela força da história narrada e a qualidade entregue no curta, Salles tem planos e ideias de realizar um longa futuramente sobre Tereza. “Estamos indo com essa vertente de contar histórias do Mato Grosso, trazer essas figuras e lendas a conhecimento do público”, afirma ele. Além das histórias regionais, ambos os curtas destacam mulheres nos papéis principais: Maria Pari, interpretada pela atriz Ety Haamann, e Tereza, por Ingrid Beatriz. As questões de gênero e raciais perpassam as produções e fazem com que a plateia reflita sobre as problemáticas apresentadas nos conflitos das narrativas. “Quisemos trazer essa reafirmação da mulher, histórias de mulheres daquela época, de como foram corajosas. Prezamos muito pelo protagonismo feminino. A mulher não tem esse devido espaço, nunca se coloca no papel os feitos históricos delas. Isso é apagado da história e viemos trazer essas mulheres à tona”, pontua Salles. Ele ainda reforça que nas produções determina a mesma quantidade de homens e mulheres na equipe e equipara os salários: “Sempre prezamos muito por isso e é uma marca que queremos trazer com a gente”. Em setembro deste ano, Tereza de Benguela ganhou o prêmio de Melhor Filme Internacional na categoria curta para público estudantil no ALTFF 2023, no Canadá. Cineasta leva histórias e lendas de MT para o mundo Premiado internacionalmente, Salles Fernandes carrega em seus curtas o regionalismo e histórias de mulheres fortes CULTURA SÔ FOCA 24 Cena do filme Tereza de Benguela, que retrata os últimos momentos da rainha do Quilombo. Foto: Divulgação
CULTURA SÔ FOCA 25 REPRESENTAÇÃO REGIONAL NO CINEMA BRASILEIRO A materialização das histórias por meio dos filmes permite visibilidade tanto aos aspectos narrados quanto à visualidade em si com a construção de cenários, pessoas, seres e diálogos, o que faz com que estes registros contribuam com a preservação da memória e sabedoria popular. Para o especialista em Antropologia Social e mestre em História pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Suelme Fernandes, esta abordagem no cinema pode ser refletida na dimensão da educação patrimonial. “Trazer lendas como Minhocão do Pari tem tudo a ver com o nosso pertencimento indígena, caboclo, ribeirinho. Tem uma afirmação cultural muito importante na educação das crianças e pessoas como um todo. Relembra nosso pertencimento cultural e social, das nossas relações estabelecidas com nossas memórias”, exemplifica. De acordo com o historiador, levar as histórias para a sétima arte fornece caráter educativo a questões secundárias que abordam, como o respeito à natureza, meio ambiente e contraponto a cultura hegemônica do consumismo e rapidez do streaming, como cultura de resistência. “É fazer o cinema olhar outras coisas que fogem das tramas cotidianas, óbvias, empresariais e corporativas do trabalho, de desilusões amorosas e parte para uma dimensão simbólica. [...] Além de ser um respeito gigantesco com a diversidade cultural brasileira, ter um audiovisual que trate de coisas tão poéticas em um mundo tão árido que vivemos, não deixa de ser louvável”, avalia. Já a estudante de Jornalismo Iasmim Sousa Silva, 20 anos, que esteve na exibição dos filmes, afirma que as produções são significativas pelo fato da população mato-grossense estar acostumada com um tipo de representação do estado vinda das regiões sul e sudeste. “Não temos uma visão de Mato Grosso no cinema brasileiro. Acontece de forma estereotipada em algumas produções, resume o estado ao agronegócio, soja e um sotaque forçado que não corresponde necessariamente ao que temos aqui. Não traz nossas histórias e cultura”, afirma. Quando esteve no Cine Teatro, Iasmim notou a presença de alguns estudantes de escolas públicas assistindo ao filme e acrescenta: "Isso é muito importante, essas produções fomentadas por editais têm um papel também de democratizar a cultura. Então é necessário que sejam pensadas as formas de distribuição e exibição desses filmes". INCENTIVOS E MANUTENÇÃO DAS PRODUÇÕES NO ESTADO Para o professor de Cinema e Audiovisual da UFMT, Diego Baraldi, os editais específicos voltados ao segmento audiovisual são fundamentais para que a produção de Mato Grosso se viabilize em termos de equipes mais robustas, qualificadas e com remuneração adequada às lógicas do mercado audiovisual. “Eles permitem que realizadores de Mato Grosso possam se inserir nas dinâmicas de produção e circulação de conteúdos audiovisuais que contemplem temas, paisagens, personagens, histórias e formas concebidas no estado, permitindo que narrativas construídas no Estado circulem local, nacional e internacionalmente”, complementa. O professor também pontua a importância de destacar o investimento na interiorização dos recursos, para que projetos audiovisuais possam ser realizados em diferentes partes do estado, ampliando o circuito de produção que há anos estava restrito à Baixada Cuiabana. “Há grandes desafios relacionados à difusão dessa produção realizada no Estado, tanto em circuitos convencionais, como em circuitos alternativos. Os editais precisam contemplar estratégias de circulação, bem como ações de formação de público para essa produção concebida em Mato Grosso”, finaliza. Foto 1: Cartaz de O Minhocão do Pari: A Origem da Lenda |; Foto 2: Cena do filme O Minhocão do Pari; Foto 3: Cartz do filme Tereza de Benguela. | Fotos: Divulgação Cineasta Salles Fernandes, que em 2023 estreou o mais recente curta-metragem, intitulado Tereza de Benguela. Foto: Divulgação É fazer o cinema olhar outras coisas que fogem das tramas cotidianas, óbvias, empresariais e corporativas do trabalho, de desilusões amorosas e parte para uma dimensão simbólica. [...] Aponte a câmera para o QR Code e faça a leitura completa e online dessa edição.
Vida de um poeta: o novo cenário musical de Cuiabá Opoeta cuiabano Manoel de Barros desejou ao longo de toda sua vida que seus poemas alcançassem mais pessoas. Era o desejo de quem sabia o poder da arte, e de quem foi consumido por ela. Esse anseio é compartilhado por muitos(as) artistas em Cuiabá, onde a busca por espaço é uma realidade desafiadora para aqueles(as) que dedicam suas vidas à arte. No Brasil, artistas independentes contam com ações do governo e luta diária pela conquista de espaço nos veículos de comunicação e condições de sobrevivência. Sim, no coração do(a) artista está o desejo de que sua arte viralize, alcançando o maior número de pessoas possível; no cérebro o pensamento de estratégias de sobrevivência. "A vida de um poeta é feita de paixão!", é com essa frase que Paula Shaira começa a música Mente do Poeta. A letra é um mergulho nas emoções e pensamentos de um poeta — e como profissional da cultura, os pensamentos de Paula são muito, mas muito reais.“ A maior dificuldade que a gente enfrenta hoje é a grana. Acredito que sempre caímos na mesma questão: tem que ter grana pra investir! E é difícil, porque até você começar a entender isso e a como fazer os seus ‘corres’ pra conseguir captar esse recurso, ou aprender a se inscrever em um edital, a gente já queimou alguns parafusos e de certa forma perdeu um tempo”, lamenta. Paula começou suas primeiras gravações aos 12 anos, ao trabalhar com Thomas Alexander, baterista da banda Restart, que foi fenômeno nacional entre 2009 e 2011. De lá pra cá não parou, mesmo diante dos percalços. Em 2018, lançou um projeto audiovisual sinestésico chamado "Um dia Inteiro". Dois anos depois, entrou em estúdio e lançou as canções Ioiô, Sozinha, Toda errada, e Acredito no amanhã. Em 2021, lançou a canção e videoclipe de Bilhete, contemplada por edital da Lei Aldir Blanc, que entrou em vigor em junho de 2020, durante a pandemia. Mato Grosso recebeu, em 2020, aproximadamente R$ 30 milhões, que foram distribuídos em seis editais. Em 2022, a lei passou por uma reformulação, deixando de ser emergencial, devido à pandemia de Covid-19, e tornou-se obrigatória, pelo período de 5 anos, valendo até 2027, como a Lei Aldir Blanc II. Ao lado da Lei Paulo Gustavo, promulgada em 2022 e regulamentada em 2023, seus editais de incentivo são ferramentas de propulsão, mas não podem ser as únicas estratégias de um músico brasileiro. Léo Kennedy é músico, artista de Cuiabá e sócio da Sumac Records, uma produtora/gravadora/estúdio cultural e produtora audiovisual. Ele conta que já participou de mais de 40 projetos para editais públicos e privados, e que foram importantes para a experiência e profissionalização, mas faz uma alerta: “Desenvolver o seu negócio, construir a sua base de fãs, ter uma boa carteira de clientes é primordial para a subsistência da sua empresa. O edital surge como mais uma forma de viabilização de projetos”. Música é negócio e exige preparação, investimento, gestão e leitura do perfil do público. Nathalia Luna, vocalista de uma banda de cover de hard rock, conta que em Cuiabá ainda são poucos os lugares que recebem bandas de rock. "O cenário para o rock alternativo, mais em específico o rock metal, que é a área que eu me empenho, é um cenário que não chama tanta atenção, pois são poucos os lugares que oferecem esse tipo de proposta. Por outro lado, tem surgido mais casas para esse público, o que tem deixado a gente com pensamento mais positivo”, explica. Por meio de novos espaços, sejam físicos ou virtuais, profissionais de música independente vêem um novo horizonte se formar. A descentralização e democratização da produção permite aos(às) artistas independentes alcançar um público maior. A artista Paula Shaira comenta que com a ferramenta os(as) cantores(as) não precisam, exclusivamente, da gravadora para alcançarem reconhecimento. “As plataformas de streaming ajudam e muito a entrega da nossa música. Agora nós podemos lançar nossos materiais de forma cada vez mais independente, utilizando desses meios para alcançar e identificar o nosso público sem depender daquela ideia defasada de que só conseguimos reconhecimento por meio de gravadoras”, conta Shaira. O cenário musical em Cuiabá está mudando, a democratização da produção e a possibilidade de alcance faz da capital de Mato Grosso um caldeirão de ritmos. Tamanha diversidade somada às mudanças tecnológicas aumentaram os espaços de apresentação. Organizador do Festival Baguncinha, Kennedy compartilha com o Sô Foca seu entusiasmo: “Sinto que o mercado está fervilhando como nunca vi antes, com várias casas recebendo shows de artistas, diversos eventos de vários nichos acontecendo quase todo final de semana. Novos selos, labels, agentes da música, produtores de eventos colocando suas marcas na pista e fazendo acontecer." Eventos como o Festival Baguncinha e o Vambora, que foram realizados na capital mato-grossense são a materialização do desejo de Manoel de Barros que queria ser lido pelas pedras, no ímpeto de que sua poesia pudesse alcançar mais pessoas. Ritmos, gêneros, e artes que se encontram em um lugar. Cuiabá é pop! Cuiabá é trap! Cuiabá é funk! Cuiabá é tudo isso. CULTURA SÔ FOCA 26 Artistas independentes procuram por espaço e incentivo para suas obras em Cuiabá Sinto que o mercado está fervilhando como nunca vi antes, com várias casas recebendo shows de artistas, diversos eventos de vários nichos acontecendo quase todo final de semana. Musical de Paula Shaira na 2ª Edição do Especial Indie Brazuca, em Cuiabá. Foto: Jú Queiroz
Sô Foca registra memórias marcadas no ritmo do Lambadão Em um cenário onde a empolgação universitária e a paixão pelo jornalismo se entrelaçam, o Jornal Sô Foca se torna um marco Ao longo de 30 anos de história, o jornal Sô Foca já cobriu inúmeras pautas. As mudanças que ocorrem ano a ano permitem reconsiderar o jornalismo como uma prática capaz de historiografar a atualidade. Em 2016, durante sua graduação, Mikhail Favalessa escreveu uma matéria intitulada “Lambadão é fonte de renda para 600 pessoas na Grande Cuiabá”. Sete anos depois, percebem-se mudanças signigicativas nesse cenário. Houve a expansão do lambadão na baixada cuiabana, região agrupada por 10 cidades próximas da capital mato-grossense, mas uma das principais casas de show deixou de existir. Para Favalessa, que atualmente atua como Jornalista de Dados e Editor Adjunto do Midiajur, o "Sô Foca foi [e ainda é] um laboratório da vida real, uma oportunidade para cada um de nós encontrar o nosso próprio caminho no jornalismo. É a chance de ir a campo, de fazer reportagens de verdade, de abordar os entrevistados e extrair deles perspectivas e histórias que muitas vezes estavam ocultas”. A reportagem que ele escreveu foi apurada na antiga casa de show O Galpão, que fechou no início de 2023. O espaço foi comprado pela Igreja Batista Nacional (IBN) para se tornar um estacionamento. O local conhecido pelas festas com atrações principais de cantores e bandas de lambadão é um marco na história da baixada cuiabana e o anúncio do fechamento causou comoção em toda população cuiabana. A produção regional com músicas no ritmo do lambadão fomenta a economia local. Além da movimentação econômica gerada com a realização de festas, no entorno, ambulantes vendiam produtos que, para alguns, era a única fonte de renda. Fruto da combinação de três ritmos musicais, o Lambadão é uma mistura de Lambada, Carimbó e Axé Music que surgiu em Poconé, no Pantanal Mato-Grossense, e posteriormente foi levado para outras cidades, principalmente da Grande Cuiabá. O lambadão, se projeta no cenário nacional por representar uma classe popular, que utiliza artifícios próprios para produzir e divulgar suas músicas. Naquela época, o Sô Foca já tinha seus recursos básicos: computadores e uma conexão de internet razoável. Mas, quando se trata de jornalismo, o equipamento mais essencial é a paixão. Afinal, a história do lambadão é contada pelas vozes, pelos olhares e pelas vivências dos que o tornaram lendário. O contato telefônico, muitas vezes, se transformava em uma jornada pessoal, uma vez que a busca pela autenticidade levava os profissionais para além dos limites da tecnologia disponível. A sala de aula, com o apoio e orientação da professora Janaina Pedrotti, era o lugar onde todas as peças do quebra-cabeça se uniam, desde a apuração até a redação das matérias. Desde o momento de sua criação, a orientação é que os repórteres do Sô Foca sempre façam as apurações na rua, para “sentir o cheiro” da pauta de perto. Assim, a reportagem sobre o lambadão foi apurada no Galpão durante um dia de show, permitindo Mikhail imergir completamente no ambiente e absorver a atmosfera única que envolvia o local. Nas reuniões de pauta buscaram encontrar um ângulo diferente, algo que fosse além do óbvio. Em 2016, após o lançamento de um documentário sobre o lambadão, a ideia era explorar uma perspectiva única: o impacto econômico desse fenômeno. Naquela época, havia referências de locais de shows, festas religiosas tradicionais de Santos e também casas de shows fixas, como a Cabana da Dudu e o próprio Galpão. A jornada de apuração de Favalessa começou no Galpão, em dia de show, entrevistando Orival Especial 30 anos CULTURA 27 Mikhail Favalessa Foto: André Prado
Especial 30 anos CULTURA 28 Bini (mais conhecido como Bino), na época, proprietário do local. Além disso, envolveu ir até a Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer, para falar com Gisa Barros, hoje vereadora e figura ativa na cena cultural de Várzea Grande/MT. Gisa é filha de Cecílio, responsável pela casa de shows Cabana da Dudu e uma das figuras marcantes do lambadão. “Naquela noite, entrevistei não apenas Bino, mas também as pessoas que estavam dançando e aproveitando a música. Foi impossível não notar a movimentação econômica ao redor do Galpão, com vendedores de cachorro-quente, ambulantes e barraquinhas. Conversei com os moradores e comerciantes locais para entender o impacto econômico do lambadão em suas vidas”, acrescenta Mikhail. Agora, em 2023, com o Galpão transformado em um estacionamento para a Igreja Batista Nacional (IBN), não podemos deixar de refletir sobre o que se encerra. O Galpão não era apenas um espaço físico, mas o centro de inúmeras histórias musicais e culturais. É o fim de uma era, enquanto nos despedimos do Galpão, olhamos para o futuro com a esperança de que novos palcos e novas histórias surgirão, prontos para dar continuidade e manter vivo o lambadão. Apesar do fechamento do Galpão, o ritmo continua forte no cenário mato-grossense, principalmente em Várzea Grande, onde se encontram a maioria das casas de shows de lambadão, como Cabana da Dudu, Avião Pub Bar e Cabana Show Bar. Além disso, comércios, distribuidoras, lanchonetes que tocam lambadão, mesmo que não seja ao vivo, também atraem um público significativo. “Hoje, ao olhar para trás, vejo como aquelas matérias poderiam ter sido diferentes. Mas a faculdade é o terreno fértil do aprendizado, onde é permitido testar, errar, crescer e ver até onde você consegue ir”, finaliza Mikhail. Antes e depois do Galpão Foto 1 - Fachada do Galpão (Ano 2022) Foto por: Larissa Azevedo Foto 2: Fachada Galpão atualmente (Ano 2023) Foto por: Gabriel Ramos
Do interior para capital, artista se consagra na cena local Saiba mais sobre a trajetória e arte da cantora, poetisa, atriz e médica veterinária Ana Gabriela Corrêa, que vem conquistando o Centro-Oeste com sua música autoral ENTREVISTA E OPINIÃO 29 Ana Gabriela Corrêa ou Pacha Ana é uma cantora, compositora, poetisa, atriz e médica veterinária. Com três álbuns na carreira, sendo eles: Omo Oyá (2018), Suor e Melanina (2021) e Motumbá, que está em processo de lançamento nas plataformas digitais, Pacha, é natural de Rondonópolis e se mudou para Cuiabá, em 2013, para estudar na Universidade Federal de Mato Grosso, onde deu “start” como artista. Cantando em pequenos estabelecimentos, a artista ainda continua realizando apresentações nos bares da capital, mas já se consolidou no cenário mato-grossense realizando apresentações em grandes eventos, como Baguncinha Festival, onde realizou um grande show. Pacha escreveu o primeiro álbum de rap de Mato Grosso e é tricampeã mato-grossense de slam, uma batalha de recitação e declamações de poesia. Ao Sô Foca, Pacha Ana contou um pouco da trajetória, inspirações artísticas, planos na carreira e os desafios que enfrenta no meio artístico e ao lançar o seu novo álbum: Motumbá. Sô Foca: Como chegou em Cuiabá? Pacha: Sou natural de Rondonópolis e meus pais moram lá até hoje. Vim estudar medicina veterinária, em Cuiabá, em 2013 e acabei ficando. Não era um curso que queria, mas foi um “o que você quer fazer quando crescer?” e eu “ah quero ser veterinária, gosto de bicho”. E a última coisa que você vai estudar na faculdade é cuidar de bichos, você aprende sobre gado, sobre reprodução e essas coisas. Vim para estudar, me formei e não fui embora. Sô Foca: Como a arte da música entrou na sua vida? Pacha: Meus pais têm uma coleção de discos, minha mãe sempre foi fascinada por eles e tinha uma coleção desde a adolescência dela que ficou guardada por muito tempo. Tínhamos uma vitrola e comecei a me interessar musicalmente assim, mexendo nesses discos da minha mãe, uns funcionavam e outros não, porque eram muito antigos. Após vir morar em Cuiabá, decidi dar uma atenção para esse lado artístico, pois já era algo que tinha convivência desde cedo. Ganhei um violão quando tinha 14 anos e comecei a compor para mim mesma e, quando eu cheguei em Cuiabá, um amigo meu que já fazia música me incentivou muito e acabou acontecendo, ele disse “vamos! Faz um vídeo” e eu fiz, começou então aquela onda viral da internet e quando eu vi, estava com um trabalho pronto que poderia apresentar, já era a Pacha Ana. Sô Foca: Tem alguém que te inspira? Pacha: Muitas pessoas influenciam no meu trabalho, tanto nas composições, como nos ritmos que eu gosto de trazer às minhas músicas. Eu venho de uma cultura de rua que é o hip-hop, tenho um trabalho com esse gênero bem grande já, mas também tem outros ritmos que me influenciam como os ritmos de terreiro, samba, o batuque, as religiões de matriz africana, influenciam bastante na minha escrita e também nas minhas composições musicais. Gosto muito de música brasileira, como as de Luedji Luna, Xenia França e BaianaSystem, gosto de algumas coisas da Bahia, de ritmos populares que acabam se misturando e acabam formando a nossa música regional. Sô Foca: Como você faz para conciliar suas carreiras? Pacha: A veterinária é aquilo do “o que você vai fazer quando crescer?”, e quando eu me formei acabei não atuando, passei três anos sem atuar, só me dedicando a música. Recentemente, muito recentemente, em junho, aceitei um trabalho em uma fazenda e estou encantada. Não era uma parte que eu achei que fosse me interessar, por ser um trabalho com animais grandes e na fazenda, mas também não tenho vocação nenhuma para petshop e acabou acontecendo. Foi amor à segunda vista porque a primeira vista, vi a veterinária, não quis, falei “vou pegar esse diploma e vou guardar ele ali”, e em algum momento, esse ano me puxou e falou “aceita esse emprego”. Sô Foca: Qual é a maior dificuldade em trabalhar como artista? Pacha: A maioria dos artistas que eu conheço, estão ralando muito para pagar as suas contas e estão com dívidas. Eu acho que viver bem é você poder chegar em um momento de pandemia como a que aconteceu e não se desesperar, mas o artista não teve como não se desesperar porque ele vive de música, saindo para tocar. Acho que tem muita gente que vive de música e que vive muito bem, gente estourada, mas quem está vivendo de música, iniciando principalmente na música autoral é bem sofrido, não é impossível, não estou desistindo da música, estou firme e forte nela vindo para Cuiabá aos finais de semana cantar, mas no momento é necessário resgatar essa minha outra profissão para conseguir somar às minhas rendas porque só viver de arte não estava dando, então sim, tem essa dificuldade financeira. Sô Foca: É perceptível a diferença de inspiração entre os seus dois primeiros álbuns lançados, como foi o processo de composição deles? Pacha: O primeiro álbum é aquele álbum de estréia do artista, acho que ele mostra tudo que o artista tem para trazer. O meu primeiro disco é muito militante, não acho isso ruim, acho que foi uma carta de entrada muito boa ser reconhecida por esse trabalho, mas em Suor e Melanina eu queria dar uma descansada porque é uma carga, você lutar todos os dias. Quando você se posiciona você está saindo da sua zona de conforto, posições têm quem toma partido e quem não toma e quando você milita, trazendo isso para a nossa arte significa estar exposto e foi isso que aconteceu para mim em Omo Oyá. Quando falo assim parece um peso, mas foi muito bom em um sentido muito positivo. Suor e Melanina também é militância, falar de amor, de afro-afeto, de relações afro-centradas, falar de resgate de ancestralidade, falar de amor também é falar de luta, de estar vulnerável, também é estar exposto, só que eu escolhi esse outro caminho nesse segundo disco. Sô Foca: Quais são os projetos futuros? Pacha: Eu tenho um álbum novo, chamado Motumbá, o show de lançamento dele aconteceu no Teatro Zulmira Canavarros, aqui em Cuiabá, mas não consegui lançar ainda por causa dessas burocracias em relação a distribuidora, porque precisamos fazer isso certinho para que o disco alcance o que ele pode alcançar. Esse novo disco traz um pouquinho dessa militância, traz ancestralidade, fala das religiões de matriz africana, religião a qual sou adepta. Foi um disco sem cobrança e saiu todo para minha religião em um novo momento. Omo Oyá é uma coisa, Suor e Melanina é outra e Motumbá é outra. Motumbá significa a bênção em yorubá, que é uma língua africana falada pelos povos antigos. É como nós pedimos bênção no candomblé. Dizemos: “Motumbá, meu irmão!” Aí o irmão responde “motumbaxé”. Sô Foca: Como você se vê a 10 anos? Pacha: Se a gente conversasse há três meses atrás eu ia falar que eu me via só como cantora e meteria o dedo na cara de quem falasse que eu estaria trabalhando como veterinária. Mas o mundo não gira, ele capota né? Então me vejo daqui dez anos muito focada nessa profissão, que é a medicina veterinária, tem muita gente que podemos ajudar com ela, mas eu me vejo fazendo música também. Sendo uma cantora de música autoral, nunca me via daqui dez anos fazendo barzinho, porque o barzinho é muito desgastante. Quero muito fazer show, quero muito estar em teatro, ocupar os espaços, quero dar oficina, quero dar minhas aulas de hip-hop, sobre cultura de rua, mas o barzinho é muito difícil, por isso eu me entreguei à vida de médica veterinária, e estou apaixonada. As pessoas romantizam muito viver de música e arte “ah eu faço por amor” eu faço por amor mas Foto: Mariana da Silva eu faço por dinheiro também. SÔ FOCA
Tecnologia e novos formatos marcam cenário jornalístico A partir das experiências no meio acadêmico e no mercado de trabalho de Cuiabá, o jornalista José da Costa Marques Filho, analisa cenário das redações jornalísticas da capital ENTREVISTA E OPINIÃO 30 Oséculo XXI é marcado pela popularização da internet e o uso da interconectividade como meio de trabalho em muitas profissões, como no jornalismo. Ainda há passos lentos, mas já com muitos avanços, jornalistas aprendem a trabalhar diante de alguns desafios, como: imediatismo, fake news e a redução de profissionais das redações jornalísticas. A atual geração já são profissionalizadas na era digital, mas muitos precisaram se adequar à nova realidade que só tende a crescer. Neste contexto, o Jornal Sô Foca ouviu o jornalista José da Costa Marques Filho, o “Tinho da Costa Marques”, profissional que vivenciou o meio acadêmico do jornalismo ministrando aulas na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e, atualmente, atua no mercado através da assessoria de comunicação, onde desenvolve conteúdos para divulgação aos veículos. Tinho, destacou que com o “avanço tecnológico”, houve redução nos jornais impressos de Cuiabá e aumento significativo no número de sites de notícias. Além disso, ele apontou a redução de profissionais nas redações jornalísticas que vão “a campo” realizar apuração do fato, devido às possibilidades que a era digital permite que o repórter, em algumas ocasiões, consiga dialogar com a fonte por meio tecnológico, como o WhatsApp. “O jornalismo de ir até a fonte, entrevistar pessoas que vivenciam as histórias permitia um relato mais humanizado e aprofundado. Tem um conteúdo mais rico de informações”. De acordo com a pesquisa 'Perfil do Jornalista Brasileiro' de 2021, conduzida pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com o apoio da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e outras entidades, houve um aumento significativo seguido de uma queda no número de registros profissionais de jornalistas concedidos pelo Ministério do Trabalho no período de 2000 a 2019. A pesquisa, focada nessa temática, é a mais recente realizada. Durante os anos de 2010 e 2011, registrou-se a maior alta na emissão de registros, conforme os resultados. O Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor-MT) informou à reportagem que há 1.350 profissionais sindicalizados em seu banco de dados, com mais de 80% residindo em Cuiabá. Portanto, o número total pode ser ainda maior, considerando os profissionais que não estão registrados. A era digital ocasionou o imediatismo por notícias ou a informação em tempo real. A situação ocorre, principalmente, nos veículos online, ou seja, os sites de notícias. Tinho frisou a superficialidade nos trabalhos jornalísticos. No entanto, ele afirma que isso ocorre em todos os estados, não somente em Cuiabá. “Percebe-se que o repórter não foi a campo. As fontes quando ouve são por telefone ou WhatsApp. Raramente se vê uma reportagem nos sites, são mais notícias. A concorrência do mercado é sobre quem dá a informação primeiro, só que muitas vezes é uma informação superficial, pouco checada. E isso empobrece o conteúdo ao leitor". No entanto, Tinho afirma que o leitor pede por informação rápida e produz informação aos veículos que ele classifica como "criadores de conteúdos informativos" e não jornalísticos. Com relação aos sites, Cuiabá, se destaca em Mato Grosso pela quantidade de veículos online em funcionamento com 73 em atividade, segundo o Atlas da Notícia. Em Mato Grosso, existem 693 veículos de comunicação em funcionamento nos quatro segmentos, sendo eles: rádio, TV, impresso e online (sites). Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Previdência Social, um total de 4.419 trabalhadores foram desligados da área de informação e comunicação somente em 2023. Devido ao imediatismo que a tecnologia requer e permite, a ética do jornalismo, por vezes, não é respeitada diante da “notícia em tempo real” ou pelo sensacionalismo, algo comum na prática da profissão no Brasil e que infringe o Código de Ética. No entanto, Tinho aponta como “questão delicada” ao tratar do tema e destacou que o não cumprimento da ética ocorre em várias profissões, não somente no jornalismo. “Depende muito do profissional e do veículo, ou seja, dos donos que conduzem os veículos [jornalísticos]. Problemas éticos ocorrem em todas as áreas do jornalismo. A partir do momento que qualquer cidadão passou a gerar ‘conteúdo informativo’ registrando um acontecimento com celular e é jogado na rede e vira notícia pelos veículos, isso impacta na questão ética. Diz sobre a qualidade e confiabilidade da informação”, disse. “O envio de informações pelo cidadão existia no jornalismo impresso (período destaque do jornal). Recebiam por telefonema e o repórter ia apurar. Hoje recebem e em meia hora já publicam com um telefone apenas para a polícia”, completou. Para Tinho, outro problema que impacta diretamente é o custo para manter a redação jornalística que segundo ele é elevada, por isso, está havendo redução no número de jornalistas nas redações. Outro ponto citado é o uso de releases pelos sites como notícias. No meio acadêmico, o release é tradicionalmente considerado como uma sugestão de pauta que é enviada para as redações. Porém, não é isso que tem ocorrido. “Muitas matérias de assessorias publicadas por outros sites e assinadas como 'da redação' como se fosse produzido por eles”. No entanto, para Tinho, o trabalho das assessorias é jornalístico. Isso envolve uma questão polêmica sobre se um assessor ou uma assessora pode ser considerado um jornalista, apesar de muitos deles terem formação em jornalismo. Embora todos os pontos questionados e apontados no fazer jornalístico possam 'empobrecer' a profissão, Tinho não se posiciona contrário à tecnologia. Ele afima que é preciso ter cuidados para garantir que essa prática, de extrema importância na sociedade e considerada um quarto poder, não se torne fútil, sem qualidade e credibilidade. A concorrência do mercado é sobre quem dá a informação primeiro, só que muitas vezes é uma informação superficial, pouco checada. Especial 30 anos Entrevista com o jornalista José da Costa Marques Filho, o “Tinho da Costa Marques”. Foto: Mariana da Silva
Sô Foca evidencia a riqueza do jornalismo impresso Jornal é laboratório de experiências que instiga e motiva estudantes na busca pela informação precisa ENTREVISTA E OPINIÃO 3 1 Em 1993 - dois anos após o surgimento do curso de Comunicação Social, com Habilitação em Jornalismo, na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em Cuiabá -, professores e alunos se articulavam para a produção de um jornal laboratório, em formato impresso, cujo objetivo era preparar os estudantes para o mundo do trabalho. Desde então, ao longo das três décadas, inúmeros profissionais, tanto professores quanto alunos, participaram do Sô Foca registrando histórias nas páginas impressas do periódico. Há 30 anos, não existia uma disciplina de Jornal Laboratório na grade curricular, e a de Edição Jornalística fazia parte do encerramento da jornada acadêmica. Sendo oferecida no sétimo semestre do curso e não resultando em um produto específico da disciplina, essa situação criava um contexto que estava perfeitamente alinhado com a necessidade de um espaço para aplicar todo o conhecimento adquirido ao longo da graduação. Foi então que a 2ª Semana de Comunicação da Universidade (29/11 a 03/12), de 1993, reuniu alunos e renomados professores com experiência em produção, ediAponte a câmera para o QR Code e faça a leitura completa e online dessa edição. ção e diagramação de jornal laboratório, que vieram a convite para ministrar uma oficina. Dessa forma, a edição nº0 foi impressa na estrutura de impressão do jornal Diário de Cuiabá e contou com a participação do corpo docente de Comunicação Social, além de três professores convidados: José Luiz Proença, Geraldo Guimarães e Sueli Xavier da Universidade de São Paulo (USP). O professor Ailton Segura, responsável pela disciplina de Edição Jornalística, ofereceu um suporte inestimável. A professora Kátia Meirelles auxiliou na fotografia, enquanto Sônia Zaramella liderou a redação. Os alunos contribuíram com sugestões de pauta, redigiram matérias e testaram suas habilidades fotográficas. Na ocasião, apesar dos textos terem sido assinados, o expediente do jornal pode ter cometido o lapso de não identificar os responsáveis pelas matérias. Naquele ano, além de professora de Redação Jornalística, Sônia Zaramella desempenhava o papel de coordenadora de ensino do curso. Ela lembra que, no início, o Sô Foca era apenas um dos produtos em meio a outros compromissos. Uma memória marcante para ela, foi o "Diário da SBPC", uma criação do Sô Foca que circulou por cinco dias consecutivos. Durante sua breve existência, às 6 horas da manhã, o jornal estava nas mãos dos leitores ávidos por informação. O “Diário da SBPC” foi resultado de uma das colaborações mais notáveis do Sô Foca com a reunião de pesquisa da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em que Cuiabá sediou o evento. O curso de Jornalismo ofereceu apoio na organização desta programação, em parceria com o Governo do Estado de Mato Grosso e com o respaldo da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso (ALMT). Ainda que não tenha circulado como Sô Foca, essa iniciativa deu visibilidade ao jornal laboratório e valorizou o evento, abrindo portas para uma comunicação mais relevante e envolvente. Sônia, que atuou no jornalismo na mídia impressa, compartilhou sua experiência. Ela enfatiza que a formação jornalística é completa apenas quando se passa pela mídia impressa, e por isso destaca a importância do Sô Foca na formação de novos jornalistas. “O mundo digital é importante, mas a verdadeira informação, a base sólida do jornalismo, ainda reside nas páginas impressas. Quando as pessoas buscam informações autênticas, elas recorrem aos jornais impressos, onde a credibilidade e a precisão são pilares inabaláveis”, afirma. Zaramella é uma das professoras pioneiras do curso de Jornalismo da UFMT, aprovada no primeiro concurso para professores efetivos. Atuando como professora e coordenadora do curso, se despediu da UFMT em 2006. A comunicadora, que passou nove anos fazendo cobertura segmentada em Brasília/DF, quando retornou a Cuiabá identificou uma infinidade de temas e suas inter-relações, e hoje reforça a importância de um jornalista ter uma visão plural e diversificada da realidade. O Sô Foca busca valorizar a riqueza e a tradição do jornalismo em profundidade, um legado que continua a inspirar jornalistas em formação. “O jornal impresso é imbatível e insubstituível. Nós ainda vamos assistir o seu retorno para ocupar o lugar que sempre foi dele. A gente não nega as mídias digitais, a informação sendo disseminada pela tecnologia, o que a gente tem como reduto do jornal impresso é a qualidade e veracidade da informação”, conclui Zaramella. Entrevista com Sônia Zaramella Foto: André Prado Edições do Sôfoca. Por: Vitória Kehl Araujo Especial 30 anos
Campus Universitário UFMT | Cuiabá-MT | CEP 78.060-900 [65] 3615.8336 3615.8334 3615.8333 Acesse nossa página de serviços. IMPRESSOS DE FOLDERS E PANFLETOS IMPRESSOS DE CRÁCHAS E CONVITES IMPRESSOS DE CARTILHAS E INFORMATIVOS IMPRESSOS DE REVISTAS E JORNAIS Criada em meados da década de 1.970 como imprensa Universitária e elevada a categoria de Gráfica Universitária no início dos anos de 1.990. A Gráfica Universitária cumpre papel relevante para apoio às ações administrativas, operacionais e de produção de material informativo para a Comunidade Universitária. No processo de criação e consolidação da Gráfica como prestadora de serviços de apoio à Universidade, por meio de suas administrações, foram feitos investimentos em espaço físico, aquisição de equipamentos mais modernos: uma nova máquina de corte e vinco, uma guilhotina, uma impressora serviços de pouca tiragem. Ao longo de sua existência a Gráfica Universitária produz variados tipos de impressos distribuído entre jornais, revistas, panfletos, filipetas, cartazes, certificados, folders, envelopes, convites, pastas para eventos, crachás, livretos, formulários e outros materiais administrativos. IMPRESSOS DE CARTAZES BAIXA TIRAGEM: TAM. A5, A4 e A3 IMPRESSÕES COLORIDAS E P&B GRANDE TIRAGEM: TAM. A5, A4, A3 e A2 CONFECCIONAMOS TAMBÉM: BLOCOS, TIMBRADO, PASTAS, ENVELOPES, FORMULÁRIOS ETC. DA GRÁFICA UNIVERSITÁRIA CONHEÇA OS SERVIÇOS
Você é você, o outro é o outro Todos nós, seres viventes deste universo, temos histórias únicas, conhecidas muitas vezes apenas por nós mesmos. Não vale a pena se comparar, não vale a pena comparar você com o outro, cada um tem seu próprio tempo e o seu próprio jeito de fazer as coisas. Viva sua vida do seu jeito e não do jeito que as pessoas esperam que você viva. Vivi Seu sorriso Hoje eu quero que você sorria para mim! Que abra seus olhos e caminhe devagar. Que venha e faça aconchego do meu colo. Que cole esse sorriso em mim! Eu quero ser só seu! Hoje eu quero que você sorria para mim! Que fale coisas aleatórias das quais te alegre. Que trace uma rota inteira para a tua felicidade. Que viaje no meu corpo o quanto quiser. Eu quero te amar toda vez que vier! Hoje eu quero que sorria para mim! Que me conte todas as suas dores. Que me deixe transformar suas lágrimas em flores. Que possa contar comigo sempre que quiser! Eu quero que tu possa deixar fluir sem medo do que viver! Hoje eu quero que sorria para mim e releve! Releve tudo o que fiz e te causou incômodo! Que releve seus antigos amores rasos e infundados! Que revele sua verdadeira fúria em dever. Eu quero profundamente te conhecer! Então por favor sorria para mim! Eu só quero ver o seu sorriso, Esse seu lado doce que me mostra o gosto do paraíso, Que me faz estar do seu lado sem sacrifícios, Que me faz esquecer o amargo de estar vivo, Hoje eu só quero que sorria para mim! ThayGio O amor que fere e cura Amar você foi por muito tempo luz, Aquela luz que te conduz, Que te tira toda escuridão Que pairava em meu coração. Amar você foi vida, Foi nunca estar perdida, Foi achar o caminho E nos teus braços um ninho. Amar você foi esperar, Foi ter paciência, Foi quase uma dependência, Mas amar você teve sérias consequências. Quando você partiu, Quando meu peito se abriu, Causando toda aquela dor Por falta do seu amor, Não sabia como superar, Como deixar de fazer o que fiz por anos, Que foi simplesmente te amar. Eu tive que reaprender a me encontrar. No início foi difícil, Em meu corpo se notava o meu dilúvio, Se notava que algo em mim estava quebrado, Que eu precisava de algum cuidado. Então logo se passaram dois meses, Te vi continuar e se apaixonar, Te vi crescer E eu ali a sofrer, Resolvi depois de tudo me levantar Já que não ia deixar de te amar, Ainda poderia apenas viver Mesmo que sem você, Eu poderia fazer tudo aquilo que não fiz Mesmo martelando coisas que você me disse. Eu tinha tudo para me levantar. Amor eu sabia que jamais iria faltar, E mesmo sofrendo eu tinha orgulho de você, De ter sobrevivido A algo que tinha me destruído, De ter voltado a sorrir Mesmo depois de tão rápido partir. Wislainy Nascimento
Nossos lugares Uma hora estamos aqui, outra hora ali, e prosseguimos andando até dizer que acabou. Uns vão para casa, outros vão se divertir e tem quem não tenha para onde ir. Ficam pelos cantos, sem mais o entendimento de começo ou fim. Uma hora precisamos descansar, seja apropriadamente ou não. Tudo que enfrentamos e encaramos precisa ser liberado para mais um novo dia, novas idas e vindas, aqui e ali, mesmo que sem nenhuma movimentação. Nosso esforço está até quando estamos a caminho de nossas obrigações. Aquele ônibus lotado, pessoas carregando suas próprias preocupações, um amontoado de gente logo cedo, cada qual indo para o lugar que o requisita estar presente. Como um conto de fadas moderno, fulano ou beltrano protagoniza sua fantasia de dragões, mas sem criaturas aladas ou flamejantes. O antagonista a ser derrotado é tudo aquilo que será encarado naquele dia. Trata-se de um vilão cheio de lacaios, os quais se manifestam nos mais diversos obstáculos que podem surgir entre a pessoa começar mais um dia e enfim finalizá-la. Esse meio tempo é cheio de imprevistos e reviravoltas — às vezes tão cotidianas que passam a ser esperadas e a surpresa está no não acontecimento. Um pneu furado, uma breve falta de atenção no trânsito, uma distração, um tropeço, uma chave esquecida em casa. Várias e várias formas de dificultar o que já é difícil. Para quem depende do ônibus, a emoção da trama começa já ali, na freada brusca, no contorcionismo para não cair durante a virada, nos bate- -bocas, no cartão sem passagem. O enredo muda, mas a estrutura é a mesma: o(a) protagonista encara desafios para conquistar algo, seja físico ou imaterial. Entretanto, nessa repaginação dos contos fantasiosos, o embate é diário e a recompensa muitas vezes é estar vivo ao fim do dia e ter forças para o próximo, mantendo a pesada roda do destino em circulação. Nem todos encaram do mesmo jeito, embora busquem o mesmo resultado. Há quem dirige, há quem pilote, há quem ande, há quem pedale e há quem enfrente as batalhas de dentro de sua casa. Quem não é nenhum nem outro depende de quem é, entre n motivos. Eu, por exemplo, dependo diariamente de quem está na direção do ônibus. São vários assim como eu, que com um atraso ou com menos ônibus na rua já tem o restante de seu enredo diário afetado. A rotina pede para que a gente chegue a algum lugar e prossiga com essa busca enquanto ela prevalecer. Alterando aqui e ali, a rotina muda, mas a busca continua, com um objetivo diferente. A trama se mantém, firme e forte, alheia ao cenário ou aos personagens. A aventura está aí, encare ela assim ou não. Independente se a senhora a caminho do trabalho encare sua realidade como um potencial conto de fadas. Independente se o rapaz que cruza as estradas com sua bicicleta quase todas as manhãs quando vou à faculdade pense assim. A roda continuará girando. O cavaleiro rumo ao seu destino enfrenta tudo e todos, sem nem se dar conta disso. Em sua montaria, passa desembestado entre criaturas mecânicas maiores do que ele. Os motoristas, coitado, devem lhe odiar. Imagino que alguns passageiros do ônibus também não sejam fãs de seus atos de cavalaria. É buzina de cá, pedalada de lá. Histórias se cruzando e se interferindo enquanto tentam chegar ao ponto B, C ou D. Ao cavaleiro em missão, não há suspiro da donzela encantada; apenas motoristas demonstrando por meio do som seu descontentamento. Aos protagonistas, não há solução mágica; somente caminhos que precisam percorrer, sem meios de transporte alados ou poções de velocidade ou super pulo, nada que encurte o trajeto. A história pode ser vista com um olhar fantasioso, mas cada dia é bem real. Aventuras estão por aí e seguimos vivendo-as continuamente. Um dia atrás do outro, entre semelhanças e diferenças, em busca de chegar em algum lugar e encerrar a jornada com o menor número de conflitos possível. Querendo ou não, com força de vontade ou não, a aventura nos chama e atendemos esse chamado. Aos trancos e barrancos? Às vezes. Na força do ódio? Tem dias que sim. Desmotivado, cabisbaixo e arrastado? Quem nunca, não é? O importante é que aconteça e a gente vença. Entre os exemplos de heróis e heroínas das histórias que temos por aí disponíveis, nem todos agiram ou tomaram iniciativa da mesma forma. Uns se perceberam em meio à missão com ela em movimento e outros foram convidados e aceitaram encará-la, por motivos e motivações diferentes. Na realidade do dia a dia, cada um se entende com sua aventura de seu jeito, ou melhor dizendo, com sua rotina, a lista de tarefas e obrigações que deve encarar quase todo santo dia em troca de algo para si ou para outrem, como aqueles protagonistas dos contos fantásticos que atualmente encontramos em livros e filmes. No corre-corre dos dias atuais, podemos não perceber, mas nos deparamos com os novos, repaginados e autênticos enredos, que esbarram em semelhança e estrutura, e se destacam pela continuidade e perseverança. São contos fantásticos, ignorados e ofuscados pelas preocupações do dia e pela pressa de ir e vir. Vinícius de Jesus
Sinto falta de sentir saudades Há fases na vida em que nos vemos compelidos a questionar se o que estamos vivenciando é realidade ou apenas um pesadelo insondável. São nesses momentos em que, desejando profundamente, embora muitas vezes inatingível, pedimos fervorosamente para sermos despertados por um beliscão que, mesmo deixando marcas visíveis, tem o poder de abrir nossos olhos e, de modo incisivo, nos libertar desse terrível pesadelo. Hoje, meu corpo carrega várias marcas, sobretudo no meu coração, e lamentavelmente, elas não foram causadas por um beliscão, pois ainda não consegui escapar desse tormentoso pesadelo. Na incessante busca por escapar desses sonhos, duas emoções antagônicas, entretanto complementares, incendeiam o vazio que me faz você: falta e saudade. Eu resgato essa antítese para explorar esses sentimentos, questionando por que, embora opostos, eles se entrelaçam de maneira tão profunda. Encare a saudade como poesia e a falta como prosa. Conotativa e ambígua, a poesia nos remete aos sintomas de saudade, um sentimento amplo e complexo, relacionada à nostalgia e ao desejo profundo de estar na presença de algo ou alguém que ainda faz parte de nossa vida. Por outro lado, a prosa, denotativa e objetiva, dirige-se à falta, ela se refere à ausência de algo ou alguém que costumávamos ter em nossa vida. Ou seja, a saudade é vívida, mas a falta é melancólica. Em momentos como estes, quando o tempo parece correr mais rápido e a vida escorrega por entre meus dedos, sinto uma ânsia profunda de reviver os dias em que tudo parecia mais simples, repletos de promessas e sonhos. Neste instante, penso nos conselhos que poderia me dar, estou andando no caminho certo? Lembrei de quando me elogiava, dizia que estava muito arrumada e gostava de me ver cacheada. Queria poder partilhar meus novos planos, meus novos sonhos e meus mais novos feitos. Ah, como desejo que tivesse tempo para testemunhar minha formatura, meu casamento, e os projetos que venho construindo. Somente assim, todas as dúvidas, que agora não possuem soluções, se transformariam em certezas. Ainda assim, apesar das cicatrizes profundas em meu coração, essa saudade se transforma em um raio de esperança, um lembrete de que a vida é um ciclo constante, e mesmo nas horas mais sombrias, existe a promessa de dias mais radiantes no horizonte. Ela me ensina a valorizar ainda mais as pessoas queridas, a saborear cada momento e a manter a fé de que, um dia, o pesadelo dará lugar a um novo começo, onde a saudade será substituída por abraços reais e sorrisos genuínos, selando a continuidade da vida e da conexão que compartilhamos. Ei, pai, vê se me olha por entre as nuvens e manda um sonho bom para eu te ver sorrindo. Hoje, eu quero sentir saudades, amanhã quem saiba eu pense em sentir sua falta. Camilly Tudo depende de quem vê A beleza das flores depende de quem está às observando, porque para muitos pode ser difícil ver a beleza em uma flor seca, que na maioria das vezes é julgada como feia, pois você não viu o processo na qual foi necessário que ela passasse. Semelhantemente isso também ocorre quando você julga uma flor que é considerada bonita, achando que ela só possui beleza e nada mais, mesmo não sabendo o que ela passou para chegar naquele estágio. Sabendo dessas questões que na maioria das vezes não são analisadas, qual a diferenciação delas? A beleza? Provavelmente você pensou que era, mas talvez seja mais viável o processo, porque mesmo contra sua vontade ela precisou passar por algo para chegar naquilo que é agora. O exemplo da flor é uma metaforização dos processos que nós seres humanos passamos, somos julgados pelo lado exterior por pessoas que não conhecem os processos que constantemente passamos em nosso interior. Viviane Ferreira
Cartas para o amanhã Frio na barriga, as mãos não param de se tocar, de repente trêmulo, atrás da cortina está Liam, se preparando para enfrentar aquela multidão de insensibilidade e uma mistura cruel de julgamento atrelado ao desprezo anunciado. Quem é Liam? Como foi parar ali? São as mesmas dúvidas da plateia. Afinal, não passa de mais um adolescente daqueles filmes “clichês Hollywoodianos", pele clara, sardas, com pai ausente e cabelos cor ferrugem. Ah, é claro! Não se pode esquecer de sua família instável, quatro irmãos, uma mãe alcoólatra e a casa mais escondida da Philadelphia (EUA). Os 16 anos podem ser destrutivos e desanimadores. Desde sua infância o leitor ávido Liam já reconhecia sua tamanha insignificância. Diferentemente de Elizabeth Bennet de Jane Austen essa história não “desfecharia” em romance, tudo que o jovem tinha era o preconceito que sofria diariamente na escola, do valentão e dos passivos, mas cruéis populares. No auge do que parecia ser uma total ausência de voz encontrou abrigo em uma sábia senhora da única praça daquele fim de mundo. A anciã era rica em bagagem - “Biblioteca viva”, com suas falas sensatas e muito bem aproveitadas por Liam. Aquele encontro despretensioso foi então convertido em semanais e constantes diálogos. Em um certo dia decidiram escrever cartas para suas versões futuras, de um mundo ideal, a oportunidade de Liam finalmente ser ouvido por alguém - mesmo que esse alguém seja ele próprio ainda em configuração. Enquanto a senhora descrevia na carta sua vida tin tin por tin tin do que fora, exatamente como a viveu em intensidade e aventuras, Liam ia para um caminho totalmente distante de sua realidade. A verdade é que mesmo com sua vida imperfeita, no mundo ideal aquela senhorinha não mudaria em nada sua própria trajetória. Liam vai para casa pensando sobre aquilo, mas num instante esse sentimento une-se à tensão de sua performance na escola no dia seguinte. Gustavo Peterle Desejo-te a mais sincera e pura felicidade Desejo-te a mais sincera e pura felicidade. Que a cada anoitecer você não se distancie do seu próprio ser E que a cada novo amanhecer ele encontre forças para sempre estar disposto a se lapidar. Viviane Ferreira